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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE - UNIVILLE PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO CULTURA, NARRATIVAS, ESCUTAS E REGISTROS DE COMUNIDADES COMO PRÁTICA EDUCATIVA – OLHARES PARA O TERRITÓRIO DE MASSARANDUBA/SC CAMILA SANTIAGO DA ROCHA JOINVILLE - SC 2017

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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE - UNIVILLEPROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CULTURA, NARRATIVAS, ESCUTAS E REGISTROS DE COMUNIDADES COMOPRÁTICA EDUCATIVA – OLHARES PARA O TERRITÓRIO DE

MASSARANDUBA/SC

CAMILA SANTIAGO DA ROCHA

JOINVILLE - SC2017

CAMILA SANTIAGO DA ROCHA

CULTURA, NARRATIVAS, ESCUTAS E REGISTROS DE COMUNIDADES COMOPRÁTICA EDUCATIVA – OLHARES PARA O TERRITÓRIO DE

MASSARANDUBA/SC

Dissertação apresentada ao programa de Mestradoem Educação da Universidade da Região deJoinville - UNIVILLE na linha de pesquisa dePolíticas e Práticas Educativas, como requisitoparcial para obtenção do título de Mestra emEducação, sob a orientação das ProfessorasDoutora Elizabete Tamanini e Doutora Iana Gomesde Lima.

JOINVILLE - SC2017

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à todos(as) que desejam ummundo com mais respeito e diálogo entre aspessoas.

AGRADECIMENTOS

“O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do trabalho,

ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão do coração, ele leva

uma caixa de brinquedos”.

“Muitas ferramentas são objetos (…).”

“Outras ferramentas são puras habilidades”.

“Na caixa das ferramentas, ao lado das ferramentas existentes, mas num

compartimento separado, está a arte de pensar”.

“A vida não se justifica pela utilidade. Ela se justifica pelo prazer e pela alegria –

moradores da ordem da fruição”.

“As coisas da caixa de ferramenta (…) são meios de vida, necessários para a

sobrevivência”.

“As ferramentas não nos dão razões para viver. Elas só servem como chaves

para abrir a caixa de brinquedos”1.

Agradeço aos meus pais pelo incentivo ao longo da vida, para que meu corpo

carregasse e nutrisse a caixa das ferramentas e a caixa dos brinquedos, ambas

importantes para a vida. Sou muito grata por todo o carinho e apoio. Sou grata aos

meus irmãos, à minha família, a meu esposo.

Agradeço, na trajetória do mestrado, também, às minhas professoras e

orientadoras. Betinha, grata pelas orientações, pelos ensinamentos e carinho. Grata

por buscar mostrar, nas suas ações práticas, ser possível ter alegria e boniteza no

movimento de ensinar e aprender. Iana, obrigada pela disponibilidade para juntas

construir. Seu apoio, acolhida, contribuições foram muito importantes. Muito

obrigada!

Sou grata, também, pela leitura do texto de dissertação e pelas reflexões e

contribuições realizadas na ocasião da qualificação e/ou da banca de defesa ao

professor Camilo de Mello Vasconcellos e às professoras Silvia Sell Duarte Pillotto e

Jane Mery Richter Voigt.

1 Trechos dos capítulos “A caixa de ferramentas” e “A caixa de brinquedos” da obra Educação dossentidos e mais de Rubem Alves. (ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais. Campinas, SP:Verus Editora, 2005, 126p.)

Agradeço às professoras e aos(às) colegas do Mestrado em Educação pelos

momentos de trocas, por terem contribuído para ampliação do meu olhar crítico e da

sensibilidade do coração para as questões que envolvem a educação e a condição

humana.

Agradeço aos(às) colegas do Grupo de Estudo e Pesquisa em Políticas e

Práticas Educativas – GEPPPE/UNIVILLE, pelos encontros. Agradeço, em especial,

ao companheiro Ernesto, com quem pude conviver e aprender nas disciplinas do

Mestrado.

Faço especial agradecimento à minha colega de mestrado e amiga, Cristina.

Sou profundamente grata à vida por ter colocado você em meu caminho. Grata por

todo o apoio, pelo acolhimento, pela fala, pela escuta, pela troca, pelo diálogo. Grata

pelos debates teóricos, colaborando em muito para a nutrição da minha caixa de

ferramentas. Grata pelo seu olhar sensível para com a vida, pelo compartilhamento

de momentos divertidos, pelas risadas, por ter nutrido, também, minha caixa de

brinquedos. Extendo o agradecimento à sua querida família.

Agradeço, com muito carinho, Maria Ivoni e Elisia, e o Projeto “Construindo

Histórias e Identidades”, da Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Turismo de

Massaranduba/SC, pela acolhida. Sou igualmente grata às narradoras que

contribuíram com este estudo. Cada sujeito é único e fonte de sabedorias. Obrigada

a todas vocês pelos encontros.

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Fundação de Amparo à

Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina. Agradeço à FAPESC pelo auxílio

financeiro.

RESUMO

Este estudo foi desenvolvido no Mestrado em Educação da Universidade da Regiãode Joinville – Univille, vinculado à linha de pesquisa de Políticas e PráticasEducativas. Tem como objetivo analisar os efeitos da prática educativa mediatizadapelo patrimônio cultural da comunidade e pela narrativa oral, tendo em vista aformação humana. A pesquisa tem caráter qualitativo e é guiada por reflexões dahistória oral. Foram entrevistadas participantes do Projeto “Construindo Histórias eIdentidades”, da Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Turismo deMassaranduba/SC. O Projeto é contexto de onde se pôde ouvir pessoas que tiverama experiência de olhar para o território em que vivem, estudar e fazer registro escritosobre histórias de patrimônios culturais da comunidade, contando com narrativasorais de pessoas da região. Para responder ao objetivo desta pesquisa, sãocolocados em diálogo fragmentos das narrativas das pessoas entrevistadas e ideiasde autores e autoras que se constituem como referências bibliográficas desteestudo. Compõem o referencial teórico do trabalho aqui apresentado: Paulo Freire,Carlos Rodrigues Brandão, Ecléa Bosi, Paul Thompsom, Elizabete Tamanini, MariaCélia T. Moura Santos, dentre outros. As reflexões realizadas são organizadas eapresentadas segundo temas geradores. Diante da pesquisa realizada, entendo queo estudo, a escrita e a escuta sobre um patrimônio cultural da comunidade a que osujeito se sente pertencente é um potente mobilizador para a busca do conhecermais. Que partir de tema com o qual se tem familiaridade possibilita a abertura paraoutros conhecimentos. Compreendo, também, que a escuta da fala das pessoas(idosos, familiares, pessoas da comunidade), feita por sujeitos adultos, no casodesta pesquisa, possibilita acessar diferentes pontos de vista, refletir criticamente,buscar entender a perspectiva do outro e dizer a sua palavra, de forma que a escutanão anula o sujeito que ouve. Entendo, ainda, que a escuta do outro a quem se foiem busca pode proporcionar momentos prazerosos, fomentar respeito e teias dediálogos. Desta forma, compreendo que uma prática educativa com olhar para ospatrimônios culturais da comunidade e para as narrativas orais das pessoas dalocalidade, permeada por lembranças e saberes populares, podem contribuir parauma formação humana, que caminha no sentido do respeito, do diálogo, das trocasde conhecimentos e de afetos.

Palavras-chaves: Prática educativa; Memória; Narrativa; Patrimônio Cultural.

ABSTRACT

This dissertation is linked to the research line of Policies and Educational Practices ofthe Post-Graduation Program in Education of the Universidade da Região deJoinville – Univille. The present thesis aims at analyzing the effects of educationalpractice mediated by the cultural heritage of the community and oral narrative in viewof human formation. This study is a qualitative research, which used Oral history asa guide. Interviews were carried out with participants of the Project called “Storiesand identities” of the Secretary of Education, Culture, Sport and Tourism ofMassaranduba/SC that had the experience of studing, writing and listening to oralnarratives about cultural heritage of the community. In order to respond to theobjective of this research, fragments of the narratives of the people interviewed andthe ideas of authors references of this study are placed in dialogue. The theoreticalreference authors of this study are Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, EcléaBosi, Paul Thompson, Elizabete Tamanini, Maria Célia T. Moura Santos, amongothers. From the study I understood that studying, writing and listening about thecultural heritage of a community is a strong stimulator for research engagement. Icould observe that starting a study from a theme to which one is familiar allows theacquisition of other knowledge. I also understood that listening to people's speeches(elderly people, family members, community people), in the case of this research,makes it possible to access different points of view, to reflect critically, to seekunderstanding of the perspective of others, without undoing your own opinion. I alsounderstood that listening to elders, family and community members provide momentsof pleasure, respect and dialogue. Thus, I observe that a educational practicemediated by the cultural heritage of the community and oral narrative can contributeto human development towards respect, dialogue, knowledge exchange andaffection.

KEY-WORDS: Educational Practices. Memory. Narrative. Cultural heritage

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Localização de Santa Catarina no mapa do Brasil

Figura 2 - Localização de Massaranduba em Santa Catarina

Figura 3 - Localização de Massaranduba entre municípios vizinhos

Figura 4 - Fachada do Museu Histórico Municipal de Massaranduba

Figura 5 - Reprodução da capa do jornal A Notícia de 15 de fevereiro de 1949

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

FAPESC - Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa

Catarina

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SC – Santa Catarina

SECET/MASSARANDUBA - Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e

Turismo de Massaranduba

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVILLE – Universidade da Região de Joinville

SUMÁRIO

ALGUNS APRENDIZADOS NO ITINERÁRIO DA VIDA........................................................12

1. MASSARANDUBA (SANTA CATARINA) E O PROJETO “CONSTRUINDO HISTÓRIAS E IDENTIDADES”: um olhar para o território............................................................................20

1.1 Sobre o território em estudo: itinerários em Massaranduba/SC...................................21

1.2 Projeto “Construindo Histórias e Identidades”: um olhar para o patrimônio cultural da comunidade.......................................................................................................................32

1.3 Educação, museu e patrimônio cultural: o que dizem outros estudos e práticas educativas.........................................................................................................................39

2. CAMINHO METODOLÓGICO: estradas, percursos e paradas.........................................50

2.1 Estradas, percursos, paradas: fase de estudo exploratório e observação participante50

2.1.1 Recorte do cenário de estudo: um olhar para uma experiência do Projeto “Construindo Histórias e Identidades”................................................................................57

2.2 Estradas, percursos, paradas: história oral como guia do caminhar............................58

2.2.1 Passo a passos do caminhar com a história oral no contexto deste estudo.............64

2.2.2 Entre narrativas, memórias, saberes: encontro com as narradoras..........................68

3. EDUCAÇÃO E CULTURA: territórios envoltos por encontros, narrativas, memórias, saberes e fazeres..................................................................................................................71

3.1 Educação e práticas educativas: redes e trocas..........................................................71

3.2 Educação dialógica e formação humana: o pensar mediatizado pela realidade..........76

3.3 Memória, narrativa e educação...................................................................................79

3.4 Práticas educativas e o olhar para o território, as memórias, as narrativas, os saberes e fazeres: o que dizem outros estudos..............................................................................90

4. ENTRE ESCUTAS, ESTUDOS E REGISTROS: efeitos educativos da prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural e a narrativa oral.........................................................94

4.1 Um olhar para o território: motivação para a escolha do tema estudado.....................95

4.2 Um olhar para o território: o caminhar entre fontes e vozes.......................................105

4.3 Prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural da comunidade e pela narrativa oral: contribuições para o processo educativo.................................................................116

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................123

REFERÊNCIAS...................................................................................................................128

APÊNDICES.......................................................................................................................134

ALGUNS APRENDIZADOS NO ITINERÁRIO DA VIDA

O presente estudo, em sua essência geral, valoriza vozes, memórias e

saberes de pessoas e de grupos e o encontro dessas distintas vozes em processos

educativos. Inicio a escrita deste estudo anunciando a essência geral do propósito

da pesquisa para partir para uma breve narrativa sobre fragmentos do meu caminhar

que elucidam o porquê do engajamento neste estudo.

Por diferentes itinerários pode-se seguir em uma narrativa sobre si. Esse tipo

de escrita lança o olhar da narradora para o passado, sendo estimulado e

influenciado pelo presente. Santhiago e Magalhães (2015, p.98), sobre a

autobiografia, afirmam que “(...) sempre que alguém decide contar sua própria

história, está operando com escolhas, seleções, cortes, e sendo influenciado pelas

condições que os circundam (as condições de produção do relato)”.

O fragmento da minha vida que aqui elegi compartilhar gira em torno,

especialmente, das experiências de vida mediadas pelo estudo e trabalho que

deixaram marcas no meu movimento de construção de formas de entender o

mundo, as pessoas e as relações. Movimento que nunca se encerra, movimento em

constante transformação, sendo, como chama Paulo Freire, um ser humano

inconcluso. Sobre isso, Freire (2011, p.56-57) diz que: “A consciência do mundo e a

consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente

de sua inconclusão num permanente movimento de busca”, sendo uma contradição

o ser humano inacabado e consciente do inacabamento não se inserir em tal

movimento.

Sou de Teresina/Piauí, onde vivi com minha família até logo antes de iniciar a

vida universitária. Fiz formação em terapia ocupacional2 na Universidade Federal de

Pernambuco, em Recife, com conclusão em 2008. Recém-graduada, vivi poucos

anos em um outro país, e estar imersa em uma cultura diferente da minha, fez-me

muito refletir sobre distintas questões3.

2 Terapia ocupacional é um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, em educação e naesfera social orientado para a emancipação e autonomia de pessoas que apresentam dificuldade nainserção e de participação na vida social, seja por questões físicas, sensoriais, mentais, psicológicase ou sociais (Definição da FMUSP, 1997, publicada no documento intitulado “Definitions ofOccupational Therapy from member organisations”, da World Federation of Occupational Therapists -WFOT, 2013).3 Vivi na Finlândia nos anos de 2009, 2010 e 2011.

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Uma das ideias que fortemente me atravessou foi sobre a potência de

relações interpessoais em que ambas as partes colocam-se em posição de quem

ensina e de quem aprende4. Isso não me foi dito, foi vivenciado. Diante de uma

pessoa com problema na saúde mental, foi interessante perceber como o meu não

saber acionar uma máquina para mim desconhecida ou o meu não saber como

chegar em determinada localidade, tirava-lhe do lugar de quem só recebia ajuda e

colocava-lhe no lugar de quem também poderia ajudar. Percebia claramente a

potência das trocas, da legitimação do saber do outro, que em alguns momentos

precisava de ajuda e que em outros ajuda pode dar. A própria pessoa me fez

perceber isso quando soube, por meio de outra, que comigo sentia-se uma “pessoa

normal”. O que naquele encontro existiu foi apenas espaço para as potências do

outro se manifestar. Essa simples constatação marcou-me fortemente.

A experiência de viver em outro país e de conviver com pessoas de diferentes

nacionalidades foi, também, um especial exercício de busca pelo entendimento de

diferentes formas de ver e entender o mundo, de entendimento da perspectiva do(a)

outro(a)5.

De volta ao Brasil, fiz formação multiprofissional em saúde mental no Rio de

Janeiro, com conclusão no início de 2014. O trabalho com pessoas com problemas

na saúde mental auxiliou-me a desenvolver escuta sensível, a conhecer diferentes

formas de ser e estar no mundo e a valorizar vozes que muitas vezes são

silenciadas.

Posteriormente, nos anos de 2014 e 2015, tive a oportunidade de atuar como

professora substituta em curso de graduação em terapia ocupacional na mesma

cidade. Dentre outras, assumi a disciplina de educação popular em saúde, com

suporte da professora efetiva. Considero um grande presente da vida ter iniciado a

4 Sabemos que o conceito de potência e potencial estão presente nas obras de Aristóteles, emespecial onde este autor discute sobre política, comunidade e perfeição. Ver: ARISTÓTELES.Política. Trad. Mário da Gama Kury. 3 ed. Brasília: UnB, 1997.Segundo o Filósofo e pesquisador Rodrigues (2007, p.57) a dimensão de potência e potencial ”(...)encontra-se na constante e efetiva atividade, pelo fazer ou ação empreendida no dia-a-dia que lhepermite atualizar aquilo que a natureza proporcionou de forma primária e inacabada. A conjunção dasexperiências vividas ao longo do tempo com o desenvolvimento das capacidades de julgar econhecer, aliado com o empreendimento constante de boas ações conduz o ser humano ao seu fim, àrealização de sua função como ser humano, tornando-o, por acréscimo à sua natureza e pelo hábito,um ser virtuoso.” (RODRIGUES, Claudio Eduardo. Ética Aristotélica: finalidade, perfeição ecomunidade. Polymathéia. UECE/Fortaleza. Revista de Filososfia, vol. V, nº 7, p. 51-67, 2009).5 Neste estudo, por entendermos que as mulheres não podem ficar na invisibilidade na escrita apenasno masculino de palavras como "professores", adotamos a escrita no masculino e no feminino. Aoapresentar, contudo, a escrita de citações diretas, respeitamos a forma de registro dos autores eautoras referenciados.

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carreira docente pensando sobre a educação e sobre uma perspectiva em que o

cuidado com a população se dá envolto pela valorização dos saberes e das trocas e

pelo fomento da cidadania participativa. A experiência como docente reiterou o

interesse pelo campo da educação.

Ao ter a oportunidade de participar, em 2015, ainda durante a experiência de

atuação como professora substituta, de projeto universitário de base comunitária que

busca fomentar estratégias colaborativas para o desenvolvimento local participativo

e valorização e interlocução das culturas locais; e ao fazer formação em

acessibilidade cultural, nesse mesmo ano, curso de especialização com foco na

cidadania cultural de pessoas com deficiência, aproximei-me e interessei-me,

também, pelo campo da cultura. No referido curso, as aulas práticas em museu, com

intuito de tornar a fruição acessível a toda a população, despertaram o olhar para o

potencial dessa instituição de contribuir com a educação e para transformações

sociais e de inspirar iniciativas emancipatórias.

Residindo em Joinville, Santa Catarina, iniciei, em 2016, as atividades no

Programa de Mestrado em Educação da Universidade da Região de Joinville -

Univille. Interessada no olhar para trabalhos de base comunitária que valorizam as

vozes, os saberes e as trocas e no estudo da interface entre educação e cultura, fui

convidada por uma das minhas orientadoras, Elizabete Tamanini, para conhecer o

projeto “Construindo Histórias e Identidades”, da Secretaria Municipal de Educação,

Cultura, Esporte e Turismo do Município de Massaranduba/SC -

SECET/MASSARANDUBA6, projeto para o qual ela foi convidada a participar. Passei

a acompanhá-la em encontros do Projeto e de seus desdobramentos, como em

reuniões com a equipe coordenadora, em encontro cultural comunitário promovido

por esse e em momentos de formação do grupo envolvido.

Nesse contexto, desenvolvi interesse no estudo sobre questões que ali me

cativaram. Uma apresentação sobre Massaranduba/SC e sobre o Projeto e seus

desdobramentos será realizada no primeiro capítulo deste manuscrito, limitando-me

nesta introdução a fazer breve contextualização para destacar aspectos que

motivaram o presente estudo.

Massaranduba é um município do estado de Santa Catarina com população

estimada, para 2016, de 16.240 habitantes (IBGE, 2016). Neste território foi

6 Neste estudo utilizo a sigla SECET/MASSARANDUBA para se referir a Secretaria Municipal deEducação, Cultura, Esporte e Turismo do Município de Massaranduba/SC, sendo a sigla criada pelaautora e não uma sigla oficial.

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desenvolvido o projeto “Construindo Histórias e Identidades”, que tem como objetivo

geral "Promover a sensibilização da comunidade massarandubense referente ao

patrimônio cultural bem como o reconhecimento da identidade e do sentido de

pertencimento". O referido Projeto entende patrimônio cultural como toda produção

humana que propicia o conhecimento e a consciência do ser humano sobre si

mesmo e sobre sua inserção no mundo (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, CULTURA,

ESPORTE E TURISMO DE MASSARANDUBA, 2015)7.

Por meio do Projeto e de seus desdobramentos metodológicos, os(as)

participantes (professores(as) e lideranças comunitárias) tiveram a experiência,

dentre outras, em 2016, de fazer exercício de escrita sobre suas histórias de vida; de

olhar para o território em que vivem e convidar pessoas da comunidade para contar

narrativas de suas histórias de vida e de patrimônios da comunidade e compartilhar

saberes e fazeres em encontros culturais abertos à população, chamados de Noites

Culturais; bem como de, por livre escolha, identificarem patrimônios culturais do

município que gostariam de fazer registro escrito sobre, contando em suas

pesquisas com narrativas orais das pessoas da comunidade, sendo esta última

proposta de atividade aqui mencionada a parte do Projeto “Construindo Histórias e

Identidades” e seus desdobramentos a que esta pesquisa lançou olhar para estudo.

Cabe informar que, “estes patrimônios culturais eleitos” não seriam,

necessariamente, a partir de manifestações e bens com inventário8 ou tombamento9

oficial (entes municipal, estadual e federal), e sim a partir daquilo que a

comunidade ou pessoa em si assumia como tal.

Diante desse processo, trago Carlos Rodrigues Brandão (1984) para dialogar

com as questões da experiência e do fazer como uma ação educativa. Para este

autor, a educação está relacionada à vivência em sociedade, ocorrendo em

diferentes lugares e envolvendo todos nesse processo. Assim:

7 Texto do Projeto “Construindo Histórias e Identidades” da Secretaria de Educação, Cultura, Esportee Turismo de Massaranduba/SC, 2015.8 Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN: “Os Inventários sãoinstrumentos de preservação que buscam identificar as diversas manifestações culturais e bens deinteresse de preservação, de natureza imaterial e material. O principal objetivo é compor um banco dedados que possibilite a valorização e salvaguarda, planejamento e pesquisa, conhecimento depotencialidades e educação patrimonial.”Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/421> Acesso em: julho/2017.9 O tombamento é uma forma de preservação “(...) adequado, principalmente, à proteção deedificações, paisagens e conjuntos históricos urbanos.”Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/276> Acesso em: julho/2017.

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Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, deum modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela:para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, parafazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com aeducação. Com uma ou com várias: educação? Educações. (BRANDÃO,1984, p. 7).

Ao observar alguns encontros de formação do Projeto "Construindo Histórias

e Identidades" e seus desdobramentos, presenciei relatos reflexivos de algumas

participantes. Sobre o exercício de escrita sobre si, tocou-me a fala de participante

que se posicionou do quão importante foi ouvir a narrativa de familiar sobre a vida de

seus ascendentes, mencionando que a experiência a ajudou a entender mais a

própria vida. Em dialogia com tal observação, cativou-me, também, a afirmativa de

Ecléa Bosi de que: "Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade

que não conhecemos pode chegar-nos pela memória dos velhos. Momentos desse

mundo perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o

presente" (BOSI, 1994, p.82). Como diz Paulo Freire, algumas “soldaduras” e

“ligaduras” foram feitas nesta experiência, possibilitando “(...) religar lembranças,

reconhecer fatos, (...) unir conhecimentos, soldar momentos, reconhecer para

conhecer melhor” (FREIRE, 2015, p. 27).

Presenciei, também, a fala de participante que comentou que foi por meio de

pessoas da comunidade que passou a entender o significado de um artefato

localizado em espaço público da comunidade, artefato que faz parte da história de

vida de quem narrou e do cenário de vida diário de quem escutou. Tal vivência faz

refletir sobre o que expõe Bosi ao afirmar que: “Uma história de vida não é feita para

ser arquivada ou guardada numa gaveta como coisa, mas existe para transformar a

cidade onde ela floresceu” (BOSI, 2003, p. 69).

Envolta pelo interesse no estudo entrelaçado sobre educação e cultura e

cativada pelas observações realizadas no contexto do Projeto "Construindo Histórias

e Identidades" e seus desdobramentos ficou a pergunta: Que contribuições a prática

educativa mediatizada pela escuta de narrativas orais e o registro de histórias de

patrimônio cultural da comunidade trazem para a formação humana?

Ao utilizar o termo formação humana nesta pesquisa, busca-se elucidar que

são valorizados aprendizados vários, não se limitando a aspectos técnico-científicos

da formação dos seres humanos, bem como está relacionado ao caminhar no

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sentido do respeito, do diálogo e não opressão, o que será discutido no terceiro

capítulo deste manuscrito.

Assim, para este estudo definimos como objetivo geral analisar os efeitos da

prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural da comunidade e pela

narrativa oral tendo em vista a formação humana.

A partir da questão de pesquisa e do objetivo geral formulamos os objetivos

específicos, a saber:

Conhecer as motivações para o estudo e registro escrito sobre um

patrimônio cultural da comunidade por pessoas não especialistas da área;

Identificar e analisar os efeitos da prática educativa mediatizada pelo

patrimônio cultural da comunidade e a narrativa oral.

Este estudo tem caráter qualitativo e a história oral como guia. A metodologia

constrói fontes orais inéditas (entrevistas) com participantes do Projeto “Construindo

histórias e identidades”. É realizada entrevista do tipo história oral temática. O passo

a passo da pesquisa é inspirado nas contribuições de Maria Cecília de Souza

Minayo, Paul Thompson, Elizabete Tamanini, José Carlos Sebe Bom Meihy e

Fabíola Holanda, Ricardo Santhiago e Valéria Barbosa de Magalhães.

Envoltas pelo pensar a educação, a cultura, o patrimônio cultural dialogamos

com Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Elizabete Tamanini, Camilo de Mello

Vasconcellos, Pedro Paulo Abreu Funari, Regina Abreu, Cristina Bruno, Maria Célia

T. M. Santos.

Lançamos olhar, também, para o estudo sobre memória e narrativa. O estudo

sobre memória aqui se efetiva não enquanto faculdade humana fruto da complexa

organização neurobiológica e psicossocial10 e sim enquanto trabalho sobre o tempo

vivido, significado pela cultura e pelo indivíduo, como expõe Bosi (2003), e como

base para a narração. Utilizamos como principais referências Ecleá Bosi, Maurice

Halbwachs, Michael Pollak, Joel Candau e Walter Benjamin.

10 Santhiago e Magalhães (2015) expõem que a memória é objeto de estudo de várias áreas doconhecimento, como da História, da Filosofia, da Sociologia, dos Estudos Culturais, da Linguística, daNeurologia, da Bioquímica e da Psicologia, entre outras. Sobre a teoria psicanalítica, uma dasrelacionadas à memória, Caudau (2016, p.64) expõe que: “É sobre esse laço profundo entrememória, excluída do campo da consciência, e identidade do sujeito que se funda a teoriapsicanalítica. Desde seu primeiro tópico, Freud concebe um lugar proeminente à memória naorganização do psiquismo, cujas três instâncias - consciente, pré-consciente e inconsciente - sãodefinidas em função da maior ou menor facilidade de acesso das lembranças à consciência. Seuaprofundamento posterior da questão da lembrança, observa Jean Guillaumin, ‘não é outra coisa queaquela da identidade pessoal através do tempo, quer dizer, a representação, ou melhor, a presençade si a si próprio’”.

18

Para reflexões sobre território e sobre aspectos relacionados à historicidade

do estado de Santa Catarina e do município de Massaranduba, Milton Santos,

Elizabete Tamanini e Maria Ivone Campigotto Spezia são algumas das referências.

A organização textual deste estudo segue as seguintes paradas e

movimentos: um primeiro momento chamado “Massaranduba (Santa Catarina) e o

Projeto ‘Construindo Histórias e Identidades’: um olhar para o território” discorre

sobre o cenário de estudo. Assim, aborda sobre aspectos da historicidade do estado

de Santa Catarina e do município de Massaranduba, bem como apresenta o Projeto

“Construindo Histórias e Identidades”. Disserta, ainda, sobre educação na sua

relação com museus e patrimônio cultural.

O segundo momento, intitulado “Caminho metodológico - estradas, percursos

e paradas”, apresenta o passo a passo do estudo, relatando as etapas que o

constitui e entrelaçando o caminhar com a teoria. Discute a abordagem qualitativa e

a história oral; elucida o modo de participação no Projeto “Construindo Histórias e

Identidades” e em seus desdobramentos e o recorte desta pesquisa no que diz

respeito a que aspecto do referido Projeto lanço olhar; bem como apresenta as

narradoras que colaboraram com este estudo.

O terceiro momento, chamado “Educação e cultura: territórios envoltos por

encontros, narrativas, memórias, saberes e fazeres”, aborda educação, cultura,

saberes comunitários, memória, narrativa e reflexões a respeito de práticas

educativas que dialogam com tais elementos.

O quarto momento, denominado “Entre escutas, estudos e registros: efeitos

educativos da prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural e a narrativa

oral”, traz narrativas fruto da entrevista com participantes do Projeto “Construindo

Histórias e Identidades” e seus desdobramentos e apresenta a análise, construindo,

para isso, um diálogo entre as narrativas das participantes e referências

bibliográficas, mediado por temas geradores. Por fim, são feitas “Considerações

finais”.

Importante ressaltar que a pertinência da realização deste estudo pode ser

pensada a partir das reflexões expostas por Maria Célia T. M. Santos (2008), que

afirma ser necessário considerar o conhecimento construído e reconstruído na

vivência do cotidiano um referencial para análise e a qualificação da prática

pedagógica, beneficiando professores(as), estudantes, membros da comunidade,

pesquisadores(as). Afirma que, “(...) cada vez mais se torna necessária uma ação

19

educativa que tenha como referencial o patrimônio cultural, considerando o seu rico

processo de construção e reconstrução” (SANTOS, 2008, p.32).

Ao realizar esta pesquisa, soma-se ao mosaico dos demais estudos voltados

para as práticas educativas auxiliando quiçá na construção de políticas públicas para

o campo da educação em dialogia com a cultura enquanto categorias sociais

intrínsecas.

1. MASSARANDUBA (SANTA CATARINA) E O PROJETO “CONSTRUINDO

HISTÓRIAS E IDENTIDADES”: um olhar para o território

O presente estudo lança olhar para a experiência de participantes de um

Projeto - “Construindo Histórias e Identidades” - da Secretaria de Educação, Cultura,

Esporte e Turismo do município de Massaranduba/SC. Neste capítulo é feita uma

apresentação sobre aspectos da historicidade do estado de Santa Catarina e do

município de Massaranduba, bem como sobre o referido Projeto. Assim, é feita uma

contextualização geral sobre o cenário de estudo. No capítulo dois deste manuscrito,

voltado para o caminho metodológico realizado, é apresentado o recorte, dentro da

ampla experiência do Projeto, para o qual lancei olhar neste estudo.

Ao utilizar o subtítulo do capítulo como “um olhar para o território”, objetivei

chamar a atenção para algo marcante deste - o território. O território aparece neste

capítulo enquanto cenário do estudo – Massaranduba e um Projeto deste município,

como enquanto algo de relevância para o próprio Projeto “Construindo Histórias e

Identidades”. Assim, evidencio que o território é importante não apenas para

contextualizar este estudo, como esse debruça-se sobre uma experiência em que o

território assume grande relevância.

Adotamos neste manuscrito o termo território e o sentido dado por Milton

Santos, que diz que:

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto desistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem.O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e osentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base dotrabalho, da resistência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobreos quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo,entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dadapopulação. Um faz o outro, à maneira da célebre frase de Churchill: primeirofazemos nossas casas, depois elas nos fazem ... (SANTOS, 2008, p.96-97).

Santos e Silveira (2003, p.247) apontam que, “(...) o território, em si mesmo,

não constitui uma categoria de análise ao considerarmos o espaço geográfico como

tema das ciências sociais, isto é, como questão histórica. A categoria de análise é o

território utilizado”. Nesse, segundo o autor e a autora, há interdependência e

inseparabilidade entre a materialidade, incluindo a natureza, e o seu uso, incluindo a

21

ação humana, ou seja, o trabalho e a política. Nessa perspectiva, o espaço é

sempre histórico.

Mostra-se como importante conceituar, também, o que aqui se entende por

comunidade, pois, como expõem Costa e Maciel (2009), trata-se de um termo de

conceito com várias vertentes. Sustenta-se aqui a ideia de que é “(...) um conjunto

que produz um ‘(...) discurso particular, desdobrado em falas localizadas, mas que

se reintegram num discurso coletivo (...). Um ir e vir dialético, um movimento

recíproco de influências’” (COSTA, 1998, p.40 apud COSTA; MACIEL, 2009, p.67).

Como proposto por Costa e Maciel (2009) em seu estudo

(...) é preciso abrir mão da concepção romântica que propõe uma leitura decomunidade enquanto espaço de relações homogêneas, essencialmentesolidárias e focadas em questões locais. Ao abordarmos a memória socialde uma comunidade, há que se garantir espaço e escuta para os diferentesconflitos existentes, inerentes à própria condição de grupo. Além disso, asquestões locais atravessam e são atravessadas pelas questões não locais,assim como as narrativas sobre o privado englobam e são englobadas pelasnarrativas sobre aquilo que é de domínio público (COSTA; MACIEL, 2009,p.71).

Este capítulo disserta, por fim, sobre educação na relação com os museus e o

patrimônio cultural. Tal aspecto mostra-se como importante dentro deste estudo pois,

como será exposto na escrita sobre o Projeto “Construindo Histórias e Identidades” e

seus desdobramentos, o Projeto surgiu a partir da iniciativa de uma profissional

responsável pelo Museu Histórico Municipal de Massaranduba e da percepção de

que era necessário iniciar um processo de reflexão coletiva com professores,

professoras e pessoas da comunidade sobre preservação da memória e do

patrimônio cultural.

1.1 Sobre o território em estudo: itinerários em Massaranduba/SC

O estudo aqui realizado lança olhar para o território de Massaranduba/SC. Em

pesquisa no Banco de Teses e Dissertações CAPES (2016/2017), utilizando o termo

“Massaranduba”11 no campo de busca, encontrou-se 37 produções. Foi realizada

11 Ao fazer levantamento no Banco de Teses e Dissertações da CAPES utilizando o termo“Massaranduba” objetivei verificar se as palavras-chaves desta pesquisa ou temas correlacionadosapareciam associados ao território cenário do estudo. Durante a pesquisa, também foram feitasbuscas e leituras neste catálogo utilizando outros termos pertinentes à pesquisa.

22

leitura dos resumos das pesquisas encontradas. Importante ressaltar que entre as

produções listadas, há trabalhos concluídos anteriormente à Plataforma Sucupira,

não estando disponibilizados os resumos desses no site pesquisado. Nesses casos,

observou-se os títulos e o locais das instituições em que os estudos foram

realizados para considerar se refere-se ou não ao município Massaranduba, do

estado de Santa Catarina.

Após este levantamento verificou-se a existência de 21 (vinte e uma)

produções que de alguma forma envolvem o município de Massaranduba/SC,

estando apenas 6 (seis) disponibilizadas completas no site do Banco de Teses e

Dissertações CAPES. Dentre as 21 (vinte e uma) produções, é possível perceber

que a maioria é relacionada ao campo das ciências exatas e biológicas, realizadas a

partir de programas de mestrado (quase a totalidade dos estudos), como em

agroecosistemas, manejo de solo e administração. Foram encontradas 2 (duas)

publicações fruto de mestrado em educação, uma voltada para a temática do

letramento digital (2011) e outra para inclusão de pessoas com deficiência (2007),

ambas anteriores à Plataforma Sucupira. Também foi encontrado 1 (um) trabalho de

mestrado profissional em ensino de ciências naturais e matemática, estando

disponibilizado completo no banco de dados da CAPES.

No estudo supracitado, intitulado “As contribuições do laboratório de educação

matemática Isaac Newton para o ensino de matemática na educação básica na

perspectiva da etnomatemática”, Tironi (2015) teve como objetivo investigar as

contribuições do Laboratório de Educação Matemática Isaac Newton – LEMIN, para

o ensino de matemática na educação básica do município de Massaranduba-SC, a

partir do ponto de vista de professores(as) e gestores(as). O estudo tem abordagem

qualitativa, sendo realizadas entrevistas. Os resultados encontrados,

(…) revelaram que as atividades e projetos desenvolvidos pelo LEMINcontribuem para um ensino de matemática significativo, criativo, queaproxima a realidade do dia-a-dia com a realidade escolar, tendo como umdos pilares o resgate cultural presente na comunidade escolar que atua(TIRONI, 2015, p.7).

Diante do levantamento realizado, é possível constatar que existem poucos

estudos relacionados ao campo das ciências humanas voltados para o território de

Massaranduba/SC disponibilizado nessa base de dados.

23

Para introduzir aspectos sobre a historicidade de Santa Catarina e de

Massaranduba, mostra-se como oportuno trazer ideias da Ecléa Bosi sobre os

bairros. Diz que: “Escutando muitos depoimentos12, nós percebemos que os bairros

têm não só uma fisionomia como uma biografia. O bairro tem sua infância,

juventude, velhice” (BOSI, 2003, p.73). Acrescenta que, “(...) o bairro acompanha o

ritmo da respiração e da vida dos seus moradores. Suas histórias se misturam e nós

começamos a enxergar nas ruas o que nunca víramos, mas nos contaram” (BOSI,

2003, p.74).

Ampliando a colocação da Bosi, poder-se-ia dizer que não apenas o bairro

tem biografia, desenvolvida acompanhando a vida de quem o habita, como toda uma

cidade. Um olhar para o território de Massaranduba, utilizando aqui as provocações

da Bosi, envolve não apenas ver sua fisionomia, como também atentar-se para sua

biografia.

Partindo da compreensão de que o espaço é sempre histórico e da

importância de maior conhecimento sobre o local onde se realiza a pesquisa ora

proposta enquanto território utilizado, no sentido acima dado por Santos e Silveira

(2003), apresenta-se, a seguir, alguns aspectos históricos, em um rápido itinerário,

sobre Santa Catarina e Massaranduba.

No passado (final do século XVIII), muito mais do que no presente (século

XXI), as migrações internacionais influenciaram decisivamente na ocupação de

novas terras e na redistribuição espacial da população. Os deslocamentos foram

decisivos, também na alteração histórica e política das populações residentes e no

estabelecimento de novos vínculos sociais, conflitos e antagonismos. Entre aquelas

imigrações se inserem os grupos europeus que se dirigiram ao sul do Brasil, ao

longo dos séculos XVIII, XIX e XX. Foram muitos os fatores que motivaram o

movimento imigratório de europeus para o Brasil, havendo um complexo contexto

socioeconômico e político (TAMANINI, 2001).

De um lado, havia intenções do governo imperial brasileiro de redefinir a

política de povoamento em vigor no princípio do século XIX. Por outro,

transformações ocorriam no velho mundo, como marcha abolicionista, demanda por

novos mercados, transição da produção artesanal para a industrial. Com a

maquinaria, muitas pessoas foram dispensadas das colheitas, surgindo uma

12 Ecléa Bosi faz tal observação a partir das suas experiências como pesquisadora que trabalha comhistórias de vida.

24

população empobrecida. Grandes levas de pessoas que se dirigiam para os centros

urbanos foram exploradas, com grande carga horária diária de trabalho e baixos

salários. Assim, “(...) para a população empobrecida, imigrar para o Novo Mundo

apresentou-se como uma solução atraente, ou seja, como um meio de assegurar a

sobrevivência, e ainda, a oportunidade de virem a ser proprietários de terras”. As

decepções dos primeiros imigrantes, contudo, foram muitas. Haviam sido atraídos

por propagandas, mas se depararam, entre outras problemáticas, com escassa

estrutura nas Colônias (TAMANINI, 2001, p.33).

No período de 1840 a 1850, várias sociedades colonizadoras foram fundadas

na Alemanha. À Sociedade Hamburguesa de Colonização, foram concedidas terras

dotais pertencentes a D. Francisca, irmã de D. Pedro II, sendo instalada, a partir de

1851, a colônia agrícola D. Francisca, atualmente Joinville (TAMANINI, 2001).

Massaranduba se inseriu nestes territórios complexos, em disputas e com

“biografia”, termo utilizado por Bosi (2003). Em meio a histórias, artefatos, memórias,

saberes e fazeres de diferentes povos, que aqui viviam há séculos e os que

chegaram de outros continentes, em especial da Europa por volta dos Séculos XVIII

e XIX, constituiu muitas identidades e patrimônios culturais.

Este município no presente, faz limites territoriais com Blumenau e Jaraguá do

Sul, ao oeste; São João do Itaperiú, ao leste; Guaramirim, ao norte; e Luís Alves, ao

sul. Encontra-se a 178 km de distância da capital Florianópolis (MUNICÍPIO DE

MASSARANDUBA PORTAL DO CIDADÃO, 2016). A área da unidade territorial em

2015 era de 374,078 km². A população residente, em 2010, era de 14.674, com

números equiparados entre homens e mulheres. A população estimada para 2016 foi

de 16.240 habitantes (IBGE, 2016).

25

Figura 1 - Localização de Santa Catarina no mapa do BrasilFonte:http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?lang=&coduf=42&search=santa-catarina

(Acesso: junho/2017)

Figura 2 - Localização de Massaranduba em Santa CatarinaFonte: http://www.cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/municipio/4210605

(Acesso: fevereiro/2017)

26

Figura 3 - Localização de Massaranduba entre municípios vizinhosFonte: http://www.cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/municipio/4210605

(Acesso: fevereiro/2017)

Para além da observação das suas localizações no mapa, dos dados

numéricos e de suas paisagens ao transitar pela cidade, mostrou-se como de

essencial importância ampliar conhecimentos sobre esse território enquanto espaço

utilizado.

A origem do nome do município está relacionada à presença abundante da

árvore Maçaranduba, atualmente não mais comum na região. A árvore caracteriza-

se por madeira de cor avermelhada, dura, homogênea e resistente à umidade

(SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

Sobre a história de Santa Catarina e de Massaranduba, a historiadora

massarandubense Maria Ivoni Campigotto Spezia e a pedagoga luiz-alvense Diva

Spezia Ranghetti, em livro confeccionado para dar subsídio para os profissionais da

educação quanto aos conteúdos relacionados ao município na disciplina de História,

fazem um importante alerta. Chamam a atenção para o fato de que entre os séculos

XVII, XVII e XIX, “Em Santa Catarina havia muitas terras ditas ‘despovoadas’. Mas,

na verdade elas tinham seus donos sim, eram os nativos, conhecidos como índios.

No entanto, eles representavam uma ‘ameaça’ aos imigrantes que se instalavam na

nova terra” (SPEZIA; RANGHETTI, 2012, p.18). Eram os Xokleng os nativos que

circulavam ou viviam por um determinado tempo na região hoje pertencente a

Massaranduba. O povo Guarani, que vivia próximo ao mar, foram os primeiros

nativos encontrados pelos brancos. Muitos capturados, serviram de mão de obra

27

escrava e foram rapidamente quase todos dizimados. O povo Xokleng foi vistos por

volta de 1700, quando os paulistas começaram as rotas de comércio com o Sul.

Grande parte desse grupo também foi caçado e morto. Os Xokleng faziam sua

resistência e lutavam frente a ocupação do território pelos brancos (SANTOS, 1987

apud SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

Por meio de fontes oficiais tem-se conhecimento que as etnias alemãs,

italianas e polonesas foram as primeiras a imigrarem em Massaranduba e deram

início ao processo de ocupação definitiva das terras. Por volta de 1870 ocorreram as

primeiras ocupações de imigrantes resultado da expansão da ocupação da Colônia

Dr. Blumenau. Com a Lei de Terras de 1850, lei nacional que determinava a compra

como única forma de acesso à terra, os imigrantes, em grande parte constituídos por

camponeses que fugiam da miséria na Europa, tinham como forma de pagamento

das terras adquiridas a prestação de serviços ao governo em obras públicas, como

abertura de picadas e estradas e construção de pontes (SPEZIA; RANGHETTI,

2012).

Alguns imigrantes alemães vieram para a América, e para Santa Catarinaem especial, como forma de ampliar seus negócios ou buscar novas fontesde renda. Mas, é importante destacar que a maioria desses imigrantesalemães eram camponeses que passavam necessidades em sua terra natale vieram viver do sustento da terra (SPEZIA; RANGHETTI, 2012, p.24).

Número relevante de imigrantes poloneses estabeleceu-se no Brasil entre

1869 e 1920, sendo Brusque um dos lugares com maior número de pessoas.

Grande parte dos imigrantes poloneses fugia das más condições de vida em sua

terra natal (GOULART, 1984 apud SPEZIA; RANGHETTI, 2012). Em Massaranduba,

em 1890 já há registro da presença dos primeiros imigrantes poloneses na

comunidade do Braço do Norte e seus entornos (SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

Spezia e Ranghetti (2012) utilizam a história oral como uma das principais

fontes de pesquisa para sua obra sobre Massaranduba. Quanto aos problemas

enfrentados pelos primeiros colonizadores poloneses na viagem para o Brasil,

identificaram alguns mais observados nas entrevistas de campo, dentre eles:

(...) a viagem em navios a vapor era muito longa, por isso, ocorreram muitasmortes de imigrantes e os corpos eram jogados ao mar; a chegada até olote era feita a pé, os lotes eram distantes das colônias já estabelecidas,

28

não havia igrejas e escolas, as primeiras famílias que chegaram aMassaranduba estavam carentes de toda e qualquer infraestrutura.

O imigrante polonês vinha de uma realidade muito diferente daquela queencontrou aqui no Brasil. Lá, ele vivia em seu habitat rural relativamenteurbanizado, inserido no contexto europeu. Existiam igrejas, escolas,estradas, ferrovias e os meios de transporte variados eram comuns emdiversas regiões do território, hoje denominado de Polônia (SPEZIA;RANGHETTI, 2012, p.31).

Os primeiros imigrantes italianos chegaram à região onde hoje é

Massaranduba em 1877. Iniciaram o processo de ocupação da Região Alta do

município, que pertencia primeiramente à Colônia Luiz Alves e depois foi distrito de

Itajaí. Passou a fazer parte do município de Massaranduba em 1948 (OLIVEIRA,

1997 apud SPEZIA; RANGHETTI, 2012). A Região Alta é formada pelas

comunidades Primeiro Braço do Norte, Alto Guarani-Mirim, Alto Guarani-Açu (São

Paulinho), Segundo Braço do Norte, Terceiro Braço do Norte, Sete de Janeiro, Braço

Direito (Sagrada Família, São José e Santa Luzia), Braço Seco, Braço Costa e Rio

Bonito (SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

Spezia e Ranghetti (2012) afirmam que:

Pelos relatos, podemos saber que o início da colonização não foi fácil paraas famílias que aqui chegavam: o isolamento, a falta de igrejas, de padres, aseparação dos familiares que permaneceram na Itália. Contudo, entrevistasrealizadas com descendentes de imigrantes revelam que a palavra fomenunca fez parte do dia a dia dos primeiros imigrantes italianos deMassaranduba. Aqui havia abundância de peixes nos rios, caças nas matas,alimentos que podiam ser coletados, como palmitos, tangerinas, além daterra ser fértil e tudo o quer se plantava produzia fartura. Na sua grandemaioria, estes imigrantes que se estabeleceram na região, viviam na Itáliauma situação de extrema miséria (SPEZIA; RANGHETTI, 2012, p.36-37).

Campinha foi uma das regiões de Massaranduba colonizada por imigrantes

italianos, em sua grande maioria. Chegaram a região em torno de 1930 provenientes

da região do Médio Vale do Itajaí, que também pertenceu à Colônia Dr. Blumenau.

“Assim que se estabeleceram, iniciaram o processo de plantio de arroz que hoje

representa grande parte da economia local” (SPEZIA; RANGHETTI, 2012, p.39).

Também compõe a formação étnica de Massaranduba, lusos, estabelecidos

especialmente na comunidade do Ribeirão da Lagoa, e descendentes de africanos.

Desde a década de 1980, há corrente migratória de paranaenses para o município

(SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

29

Sobre a organização política de Massaranduba, é importante destacar que,

segundo relatório administrativo de Blumenau, foi elevada à distrito de Blumenau em

1921, ou seja, uma subdivisão deste município. O município de Massaranduba foi

criado em 1948, desmembrado de Blumenau, Itajaí e Joinville (SPEZIA;

RANGHETTI, 2012). A instalação do município ocorreu no dia 13 de fevereiro de

1949.

A emancipação de Massaranduba, contudo, durou pouco. Adami e Rosa

(2004, p.180) expõem que “(...) no segundo semestre de 1949, devido a questões

políticas, Massaranduba passou a ser Segundo Distrito de Guaramirim”.

Massaranduba foi, pela segunda vez, emancipado por meio da Lei Estadual nº

746, de 29 de agosto de 1961. Recebeu o nome de Adolfo Konder, sendo

contestado pela população. Um abaixo assinado resultou no retorno da

denominação Massaranduba para o município. Em 11 de novembro de 1961 foi

instalada a sede do município13 (ADAMI; ROSA, 2004).

A capela foi o centro social desde a época de colonização. Em muitas delas

funcionaram escolas primárias, chamadas de escolas paroquiais, onde eram

ensinados as primeiras letras e o catecismo na língua dos imigrantes. Os

professores eram mantidos com auxílio dos pais dos estudantes, sendo a forma de

pagamento a entrega de alimentos como ovos, arroz, galinhas, batatas, milho,

dentre outros. A implantação de escolas públicas ocorreu quando Massaranduba foi

elevada à Distrito (SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

As aulas eram ministradas em língua alemã, italiana ou polonesa, de acordocom a nacionalidade ou descendência dos alunos que formavam as váriascomunidades do centro e do interior de Massaranduba. Aos poucos, com aspressões exercidas pelo Estado e pelo governo federal - notadamente nogoverno de Getúlio Vargas, nas décadas de 1940 e 1950, a realidade doensino em Massaranduba, a exemplo do que aconteceu em outrosmunicípios brasileiros, sofreu várias transformações (ADAMI; ROSA, 2004,p.243).

13 Mostra-se como importante trazer as reflexões de Tamanini e Peixer (2011) sobre o campo e acidade. Colocam que “O Campo brasileiro, o meio rural, especialmente no século XX, passou a serconsiderado e visto como área marginalizada, uma vez que o discurso clássico da “modernidade”apoiou-se no modelo industrial, privilegiando a cidade como ideal de desenvolvimento, num processohierarquizador desses lugares, onde, por um lado, o campo passou a exercer o papel de saneadordas necessidades urbanas (fornecimento de matéria-prima, alimentos, água potável, reservas devalores, especulação imobiliária, entre outros exemplos). Tal estratégia resultou no retardamento – eem alguns casos, até mesmo na atrofia - do movimento na construção e promoção dodesenvolvimento social e da conquista de uma melhor qualidade de vida.” (TAMANINI; PEIXER,2011, p.41)

30

Sobre produção e consumo no município e região e tomando como base os

depoimentos, Spezia e Ranghetti (2012, p.46) afirmam que apresentam três distintos

momentos, sendo o primeiro iniciado logo após o estabelecimento dos primeiros

imigrantes com a produção de milho, arroz, aipim, batata doce e taiá e a criação de

galinhas, porcos e vacas, suprindo necessidades de alimentação. “A aquisição de

outros bens era coisa rara, comprava-se sal e querosene, geralmente em troca do

que produziam como manteiga, ovos, banha e demais produtos”.

O segundo momento, segundo as autoras, deu-se com a implantação dos

engenhos de farinha e de açúcar, crescimento das famílias, aumento da produção

agrícola, do comércio e da troca de produtos. O terceiro momento é marcado pela

indústria, pela energia elétrica, aquisição em maior escala de veículos automotores,

pela agroindústria, pela avicultura na década de 1980, pela mecanização da

agricultura e pela informatização (SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

O primeiro hospital de Massaranduba foi inaugurado em 1950. A rede de

transmissão de energia, em seu formato atual, foi trazida, segundo entrevista com

Rolf Reinke para as autoras, em meados ou final da década de 1940, fruto do

esforço comunitário. Na ocasião, beneficiava apenas a região central do município,

sendo ampliada ao longo do tempo (SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

Quanto às atividades econômicas, a agricultura representa fortemente o

município, mesmo a arrecadação proveniente da indústria tendo superado a

arrecadação que provém da agricultura. O arroz é o principal produto agrícola,

possuindo Massaranduba o título de Capital Catarinense do Arroz. A segunda

atividade agrícola mais importante para o município é a bananicultura. Há, ainda,

cultivo de palmeira real e pupunha, piscicultura, aviários, plantação de pinus e

eucaliptos, dentre outros produtos. As indústrias do município que se destacam são

das áreas de beneficiamento de arroz, têxteis, moveleiras, químicas, esquadrias, de

plástico e metalúrgicas (SPEZIA; RANGHETTI, 2012).

Algumas das atividades de lazer ainda com referências culturais da imigração

no município são as Sociedades de Atiradores e a festa de escolha do Rei do Tiro.

As Sociedades de Atiradores têm suas origens nos grupos de atiradores de algumas

regiões da Europa (SPEZIA; RANGHETTI, 2012). Esses grupos

Tinham por finalidade a defesa, e preparavam os seus membros para omanejo correto das armas em caso de guerras, que eram bem comuns

31

desde a pré-história. Nos períodos entre as guerras, os atiradores treinavame disputavam para obter o melhor atirador, denominando-o Rei dosAtiradores. Mais tarde, essas competições tornaram-se grandes festaspopulares e essas sociedades passaram a atuar como entidades esportivase recreativas. As festas de Rei do Tiro se perpetuaram, transformando-seem grandes acontecimentos nas cidades alemãs e ficaram conhecidascomo Festa dos Atiradores (SPEZIA; RANGHETTI, 2012, p.73).

“A necessidade de sociabilidade, de formação de grupos, aliada às relações

econômicas, culturais e esportivas fez surgir diversas sociedades de atiradores nos

núcleos de imigrantes e seus descendentes, esse foi o caso de Massaranduba

também” (SPEZIA; RANGHETTI, 2012, p.73). Na atualidade, além das Festas de

Rei, há também as Festas de Rainha, bem como outras modalidades de esportes.

Como já mencionado, Massaranduba ganhou o título de Capital Catarinense

do Arroz. A Fecarroz - Festa Catarinense do Arroz, é organizada pela prefeitura do

município e acontece a cada dois anos, com primeira edição em 198614 (ADAMI;

ROSA, 2004).

Assim como na ocasião de introdução deste tópico sobre aspectos da

historicidade de Santa Catarina e de Massaranduba, dialogo com Ecléa Bosi

novamente, desta vez concluindo uma etapa. Aqui faço uma referência a um alerta

feito pela autora sobre o encontro entre narrador de história de vida e o ouvinte que

penso também ser importante para quem realiza trabalho com memória oral de uma

forma geral, como para quem realiza entrevista do tipo história oral temática, o que é

realizado neste estudo. Considero oportuno trazer tal colocação neste momento do

manuscrito por entender que o olhar para o território dialoga com o que alerta Bosi.

Sobre narrador e ouvinte, a autora diz que:

14 Sobre a história da criação da Fecarroz, Tânia Regina Ranghetti Deretti entrevistou moradores domunicípio para resgatar a história (ADAMI; ROSA, 2004). Segue trecho do resultado do referidoestudo publicado no livro de Adami e Rosa (2004). “Em 1981, reunidos na Câmara de Vereadores, osmembros da Comissão Agropecuária falaram em planejar uma festa para Massaranduba. O objetivomaior era mostrar o potencial do município no setor rizícola e efetivar Massaranduba como CapitalCatarinense do Arroz. Os encontros e reuniões aconteceram constantemente, sendo que em 1984decidiu-se botar no papel as opiniões a serem desenvolvidas na festa (...): exposição de maquinário eequipamentos ligados à rizicultura em ordem evolutiva; exposição da indústria e comércio local;exposição de quadros demonstrativos da evolução da cultura do arroz; roteiro de visitas às áreas demaior concentração de arroz; demonstração sobre beneficiamento de arroz; recepcionistas com trajestípicos; comercialização de pratos típicos; montagem de um jornal alusivo ao evento e distribuiçãogratuita; adesivos, cartão postal com montagem de fotos na capa, contendo no interior o convite e aprogramação da festa; desfile de abertura pelas ruas da cidade; lazer no local do evento; baile para aescolha da rainha da Fecarroz. No decorrer de suas (...) edições, muitas coisas foram sendoacrescentadas no evento e a festa foi tomando forma” (DERETTI, 2001 apud ADAMI; ROSA, 2004,p.212-213).

32

(...) Ambos sofrem o peso de estereótipos, de uma consciência possível declasse, e precisam saber lidar com esses fatores no curso da entrevista. Àsvezes falta ao pesquisador maturidade afetiva ou mesmo formação históricapara compreender a maneira de ser do depoente. Somos, em geral,prisioneiros de nossas representações, mas somos também desafiados atranspor esse limite acompanhando o ritmo da pesquisa (BOSI, 2003, p.61).

Penso que o estudo sobre a história do estado de Santa Catarina e do

município de Massaranduba, por meio de publicações do campo da história e da

geografia; das leituras de livros que trazem memórias orais de sujeitos da região; da

circulação pelo território e do contato com as pessoas foram deslocando meu olhar,

de um ponto de vista de quem não pertence ao território e enxerga de fora para um

mais conectado com a realidade local, que será sempre limitado, contudo, pelo não

viver no referido município.

Essa etapa, que é transversal, perpassando todo o desenvolvimento da

pesquisa, mas que teve maior concentração em dado momento do estudo, no que

diz respeito à busca por publicações relacionadas à história do Estado e do

município, mostrou-se como essencial para este trabalho de dissertação e também

para a vida. Contribuiu para a ampliação do entendimento do presente na sua

interligação com os processos sociais ao longo da história, assumindo pequenos

atos cotidianos novos significados ao passarem a ser vistos na sua rede de relações

de sentidos iniciados no passado com desdobramentos no presente.

1.2 Projeto “Construindo Histórias e Identidades”: um olhar para o patrimônio

cultural da comunidade

O Projeto “Construindo Histórias e Identidades” surgiu a partir da iniciativa de

uma profissional responsável pelo Museu Histórico Municipal de Massaranduba,

Maria Ivoni Campigotto Spezia15, e da percepção de que era necessário iniciar um

processo de reflexão coletiva com professores, professoras e pessoas da

comunidade sobre preservação da memória e do patrimônio cultural.

O Museu Histórico Municipal de Massaranduba, órgão vinculado à Secretaria

de Educação, Cultura, Esporte e Turismo de Massaranduba, foi criado em 2010 pela

15 Graduada em História (FURB-SC). Especialização em História Contemporânea (UNIFEBE-SC).Professora de História da Prefeitura Municipal de Massaranduba, integrante da Secretaria deEducação, Cultura, Esporte e Turismo e responsável pelo Museu Histórico Municipal deMassaranduba/SC.

33

Lei nº 1236/2010. Funciona no prédio da antiga Prefeitura Municipal de

Massaranduba, situado na Rua 11 de Novembro, nº 379. O Art. 2º da referida Lei

afirma que,

O Museu de que trata esta Lei tem por finalidade, desenvolver ações quevalorizem, preservem e divulguem o patrimônio cultural de Massaranduba eregião, procurando tornar visível a trajetória da sociedade, dar suporte aoensino, a pesquisa e a extensão e promover a reflexão crítica da realidadehistórica.

Segundo o Art. 3º desse mesmo documento, o Museu tem como atribuições,

dentre outras, estimular o interesse da comunidade pela história do município,

promover a interação museu, comunidade, escola (MASSARANDUBA/2010).

Como expõe o Decreto nº 3084/2015, que dispõe sobre o Regimento Interno

estabelecido para o Museu Municipal de Massaranduba, o Museu é aberto a toda a

comunidade, não sendo cobrado taxa de ingresso. O Museu, entre outras atividades,

promove ações educativas contando com equipe composta por um(a)

coordenador(a) e um(a) estagiário(a). A aquisição de materiais para o acervo pode

ocorrer por doação, legado, compra ou permuta, sendo que as exposições de curta

duração são, em maior parte, composta por acervos emprestados de particulares ou

de outras instituições museológicas (MASSARANDUBA/2015).

Figura 4 - Fachada do Museu Histórico Municipal de Massaranduba. À esquerda, árvoremaçaranduba, que inspirou o nome do município. Fonte: Arquivo da autora (dezembro/2016).

34

Como já mencionado, o Projeto “Construindo Histórias e Identidades” surgiu

como proposta de um curso de formação, idealizado pela professora Maria Ivoni

Campigotto Spezia, que buscava iniciar um processo de reflexão coletiva com

professores e professoras e a comunidade de Massaranduba, a fim de desenvolver

consciência crítica a respeito da preservação da memória e do patrimônio cultural.

Compôs a motivação para tal, a compreensão de que o museu e o setor de gerência

da Cultura do município teria mais sentido a partir do momento que a comunidade

estivesse sensibilizada para essas questões (SPEZIA; STEIN, 2017).

Cativada pela ideia de sensibilizar a comunidade, convidou a professora Elisia

Kasprowicz Stein16 para juntas construírem uma formação continuada para

professores e professoras e demais interessados(as) (SPEZIA; STEIN, 2017).

Observa-se, assim, uma parceria significativa entre representantes do setor da

educação e da cultura.

A formação foi desenhada contando com encontros mensais presenciais,

leituras, Noites Culturais, saídas de campo, palestras e discussões (SPEZIA; STEIN,

2017). Os encontros presenciais iniciaram em março de 2016, com continuidade ao

longo do ano. Em sua maior parte, os encontros ocorreram à noite, em dia útil, e

com duração média de três horas, realizados no Museu Histórico Municipal de

Massaranduba, na Casa da Juventude – espaço da administração pública municipal,

e, no caso das Noites Culturais, no auditório do CAESP Anjo Gabriel- APAE.

Como já exposto anteriormente, o Projeto “Construindo Histórias e

Identidades” tem como objetivo geral "Promover a sensibilização da comunidade

massarandubense referente ao patrimônio cultural bem como o reconhecimento da

identidade e do sentido de pertencimento". Como objetivos específicos o Projeto

“Construindo Histórias e Identidades” busca:

Promover uma sensibilização com professores, orientadores, equipesgestoras e educandos sobre a função da Educação Patrimonial17.

16 Graduada em Pedagogia, professora da Prefeitura Municipal de Massaranduba, integrante daSecretaria de Educação, Cultura, Esporte e Turismo de Massaranduba/SC.17 Mostra-se como importante trazer um conceito de educação patrimonial. A “Educação Patrimonialconstitui-se de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o PatrimônioCultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referênciasculturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, suavalorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar pelaconstrução coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre osagentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das

Reconhecer a importância do Patrimônio Cultural, que envolve em grandeescala o feito humano atrelado a um contexto. Proporcionar o fortalecimentoda identidade cultural a qual desenvolve o sentimento de pertencimento auma comunidade, cultura ou tradição, que permite realizar o elo entrepassado e presente. Promover o reconhecimento da importância dapreservação do patrimônio material ou imaterial. Permitir o reconhecimentoda comunidade, do município de Massaranduba valorizando os habitantescomo produtores de bens culturais, e conhecedores de sabedorias da ampladiversidade que compõe nosso município. Promover a sensibilização para odesenvolvimento e reconhecimento da importância do patrimônio materialedificado (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, CULTURA, ESPORTE ETURISMO DE MASSARANDUBA, 2015).

Em 2015, a ementa do curso foi apresentada ao prefeito do município, que

apoiou a proposta. O lançamento do projeto ocorreu no dia 4 de novembro de 2015,

no Museu Histórico Municipal de Massaranduba, contando com palestra do sr. Egon

Lotário Jagnow. Representantes do poder público, professores e professoras e

comunidade em geral estiveram presentes nesta ocasião. No início do ano letivo de

2016, a proposta foi apresentada aos professores e professoras da rede municipal e

foi realizada divulgação por e-mail à rede estadual. As inscrições também foram

abertas para o Conselho da Cultura do município e para as pessoas da comunidade

interessadas (SPEZIA; STEIN, 2017).

Em fevereiro de 2016, a professora Dra. Elizabete Tamanini, convidada a

participar do Projeto, visitou o Museu Histórico Municipal de Massaranduba e iniciou

conversa com as professoras Maria Ivoni e Elisia sobre proposta para a formação

(SPEZIA; STEIN, 2017). Assim, ao desenho inicial elaborado para o Projeto,

somaram-se novos desdobramentos.

Nos dias 14 de março e 8 de abril de 2016, ocorreram os primeiros encontros

de formação do grupo inscrito no Projeto, ministrados pela professora Tamanini.

Dentre outros objetivos, esses encontros buscaram: “Refletir a complexidade das

identidades sociais e culturais, buscando problematizar conceitos fundantes de

Educação e Herança cultural tendo como suporte a cultura material e imaterial

vivida, estudada e trabalhada pelos museus, escolas, cidades,

territórios/comunidades”. Os encontros foram conduzidos orientados pela

perspectiva da Educação Popular18 e foram desenvolvidos em meio a narrativas,

diálogos, leituras, estranhamentos, tensões, pesquisas e projetos (SPEZIA; STEIN,

2017, p.22).

referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural.” (IPHAN, 2004, p.19)

Como processo e exercício de construção de conhecimento, foi proposto aos

participantes do Projeto a escrita sobre suas histórias de vida. Dialoga com essa

proposta as reflexões de Paulo Freire, quando afirma:

Gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e decuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não dedeterminismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recusesua inexorabilidade (FREIRE, 2011, p. 52).

Cabe aqui trazer, também, para o diálogo, as contribuições de Santhiago e

Magalhães (2015), que, ao discorrerem em sua obra sobre exercícios de

sensibilização para a prática de entrevistas e abordarem, entre outros, o da escrita

sobre a própria autobiografia, afirmam que esse tem como objetivo levar

(...) a percepção de que, sempre que alguém decide contar sua própriahistória, está operando com escolhas, seleções, cortes, e sendoinfluenciado pelas condições que os circundam (as condições de produçãodo relato). Os alunos irão notar que, para contar suas próprias histórias,devem escolher inícios, fins, episódios marcantes; lidar com limites deespaço e tempo; superar bloqueios ou deles se esquivar (SANTHIAGO;MAGALHÃES, 2015, p.98).

Também foi lançada para os(as) participantes do Projeto a proposta de

iniciarem a busca e pesquisa sobre a comunidade onde vivem ou trabalham,

buscando identificar nesses territórios indícios/sinais, presentes nos artefatos,

memórias, tradições, costumes, artes, artesanatos, saberes, fazeres, que possam

dar pistas das histórias e culturas desses lugares para serem descritos.

Essa proposta está em consonância com o que diz Freire sobre a produção

do saber, ao entender que “(...) ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as

18 No final da década de 50 e meados de 1960, professores, como Paulo Freire, “(…) qualificaram asistematização da Educação Popular e impulsionaram a promoção de diversas experiências nocampo da alfabetização e da cultura popular” (BRASIL, 2012, p.4). A Educação Popular “(…) écompreendida como perspectiva teórica orientada para a prática educativa e o trabalho socialemancipatórios, intencionalmente direcionada à promoção da autonomia das pessoas, à formação daconsciência crítica, à cidadania participativa e à superação das desigualdades sociais. A culturapopular é valorizada pelo respeito às iniciativas, idéias, sentimentos e interesses de todas aspessoas, bem como na inclusão de tais elementos como fios condutores do processo de construçãodo trabalho e da formação (BRASIL, 2012, p.5)”. A Educação Popular é uma importante contribuiçãoda América Latina ao pensamento pedagógico universal. Tem como uma das principaiscaracterísticas a utilização do saber da comunidade como matéria-prima para o ensino e o insentivoao diálogo, visando a formação de educandos com consciência cidadã e a organização de açõescoletivas sobre a realidade. Estão intimamente relacionados ao fazer educativo do educador popularo desejo de uma sociedade includente, o desejo de transformar realidades e potencializar sonhos(STRECK;PITANO;MORETTI et al.., 2014).

37

possibilidades para a sua produção ou a sua construção” e que é necessário o

desenvolvimento da curiosidade epistemológica (FREIRE, 2011, p.24).

No dia 8 de abril de 2016, em outro encontro de formação, com a escrita

sobre suas histórias de vida já realizada, os(as) participantes compartilharam com o

grupo reflexões sobre o exercício do pensar e do escrever sobre si, tendo como

dinâmica facilitadora a escrita em filipetas de uma a três palavras que

representassem os sentidos e significados que surgiram ao fazer essa escrita, sendo

as filipetas, posteriormente, coladas em painel coletivo e aberto espaço de diálogo.

Em 10 de maio de 2016, foi realizada, pela coordenação do Projeto e os(as)

participantes, leitura e discussão de texto sobre história oral, que serviu como

sensibilização para trabalho com narrativas orais. No mês de junho do mesmo ano,

os(as) participantes do Projeto, divididos em grupos, deram início à organização de

“Noites Culturais” abertas à comunidade, proposta existente desde o desenho inicial

da proposta do Projeto. As “Noites Culturais” tiveram como propósito conhecer,

divulgar, e acima de tudo, valorizar as diferentes etnias que compõem a história

desse território. Em duas datas de julho, ocorreram as “Noites Culturais”,

denominadas “Saberes e sabores de Massaranduba”, sendo compartilhado, na

primeira, aspectos das etnias italiana e alemã, e, na segunda, sobre as etnias luso-

brasileira e polonesa (SPEZIA, STEIN, 2017).

Nessas ocasiões, segundo as temáticas de cada encontro, pessoas da

comunidade foram convidadas para compartilhar narrativas de histórias de vida e de

tradições, apresentar danças populares, tocar instrumentos e cantar, sendo, ainda,

ofertadas pelos(as) participantes do Projeto comidas que fazem parte da vida e das

memórias dos(as) descentes das diferentes etnias apresentadas.

Ainda em maio de 2016, ocorreu encontro, em Joinville, com as professoras

Maria Ivoni, Elisia e Tamanini, em que, também, estive presente. Nessa ocasião,

ocorreu diálogo sobre as produções do grupo participante do Projeto, surgindo a

ideia de organização de um livro como forma de registrar os saberes e fazeres

comunitários das comunidades que compõem o município, sendo, então, um dos

desdobramentos incorporados pelo Projeto ao longo do caminhar.

Em agosto de 2016, ocorreu outro encontro dos(as) participantes do Projeto

com a professora Tamanini, realizado no Museu Histórico Municipal de

Massaranduba. “Na ocasião refletiu-se sobre os caminhos e desafios frente à

38

complexidade de pensar, cuidar, educar e preservar o patrimônio cultural na

contemporaneidade” (SPEZIA, STEIN, 2017, p.33).

Como previsto desde o início da elaboração do Projeto, as coordenadoras

realizaram, juntamente com o grupo participante, saída de campo para visitar um

município com iniciativas de preservação de parte de seu patrimônio histórico-

cultural. Em outubro de 2016, foram para São Francisco do Sul, o município mais

antigo do estado de Santa Catarina, onde visitaram o centro histórico e museus

(SPEZIA, STEIN, 2017).

Em novembro de 2016, ocorreu outro encontro em Joinville, estando

presentes as professoras Maria Ivoni, Elisia, Tamanini e as mestrandas Camila

Santiago da Rocha, pesquisadora deste estudo, e Cristina Chérici Ceccato. Neste

encontro, objetivou-se reorganização de percurso e definição de novas etapas

(SPEZIA; STEIN, 2017). Nesta ocasião, idealizou-se a formação de um grupo de

trabalho, composto pelas pessoas acima mencionadas, que daria suporte, em

meses subsequentes, à construção de um livro com as produções fruto do grupo

participante do Projeto.

Em dezembro de 2016, a professora Tamanini e coordenadoras do Projeto,

orientaram os(as) participantes do Projeto sobre as pesquisas, entrevistas e escrita

dos textos que eles e elas desenvolviam. Pude estar presente nesta ocasião, o que

será comentado no próximo capítulo.

Nos meses de março, abril e maio de 2017 foram realizados encontros do

grupo de trabalho acima mencionado para realização da leitura de todos os textos

produzidos pelos(as) participantes do Projeto, para reencaminha-los para seus

autores(as) com sugestões de inserções e exclusões de informações, referências e

outros dados significativos para o entendimento do trabalho. Em junho de 2017,

ocorreu outro encontro com os(as) participantes do Projeto em que a professora

Tamanini dialogou sobre questões éticas e cuidados com as informações (SPEZIA,

STEIN, 2017). O trabalho com os textos e seus(suas) autores(as) teve continuidade

no segundo semestre do mesmo ano.

O grupo de participantes do Projeto se propôs a construção de registros sobre

o município, caminhar envolto de aprendizados. Com a escrita do livro, produzido a

partir de relatos e pontos de vista diversos, espera-se não que seja visto como algo

pronto e como a única verdade, e sim que sirva de motivação para outras pesquisas

e aprofundamentos (SPEZIA, STEIN, 2017). O livro teve lançamento público em

39

novembro de 2017. O encontro celebrativo marcou o final do que foi pensando, até

então, para o Projeto “Construindo Histórias e Identidades”, podendo este vir a

construir novos desdobramentos.

Os(as) participantes do Projeto são, em quase a sua totalidade, professores e

professoras da rede de ensino (pública). Engajaram-se na proposta de escrita sobre

temas relacionadas ao patrimônio cultural local, desdobramento do Projeto,

concluindo seus trabalhos, que resultaram na construção de um livro, 29 pessoas

(incluindo grupo de trabalho que deu suporte a construção do livro).

1.3 Educação, museu e patrimônio cultural: o que dizem outros estudos e

práticas educativas

Tendo em vista, como já exposto acima, que a iniciativa do Projeto

“Construindo Histórias e Identidades” surgiu a partir da iniciativa de profissional do

Museu Histórico Municipal de Massaranduba, entendendo ser necessário iniciar um

processo de reflexão coletiva com professores, professoras e pessoas da

comunidade sobre preservação da memória e do patrimônio cultural e que o museu

e o setor de gerência da Cultura do município teria mais sentido estando a

comunidade sensibilizada para essas questões (SPEZIA, STEIN, 2017); bem como

que este estudo lança olhar para uma prática educativa mediatizada pelo patrimônio

cultural e narrativas orais, mostra-se como importante aqui discutir sobre patrimônio

cultural, museu e suas relações com a educação. Memória, narrativa, cultura e

educação serão melhor abordados no terceiro capítulo.

Parto da reflexão sobre cultura e do sentido comumente a ela atribuída.

Segundo Vasconcellos (2013),

Para el sentido común, el concepto de cultura aún está relacionado a laescolarización en el sentido restringido del término y se confunde conprácticas sociales que se identifican con una determinada élite que buscareforzar su estatus social. En este sentido, apenas algunos segmentossociales tendrían cultura y, por esta razón, la cultura se comprende, demanera errónea, como una categoría discrimatoria entre las personas que latienen y las “otras” que carecen de ella (VASCONCELLOS, 2013, p.99).

40

O Projeto “Construindo Histórias e Identidades” entende que, “A cultura é

construída através das gerações num processo de transmissão de significados,

valores, conhecimentos, crenças, religiosidade, seus saberes, enfim, seu modo de

viver, de pensar e agir” (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, CULTURA, ESPORTE E

TURISMO DE MASSARANDUBA, 2015, p.1). Assim, não entende cultura como algo

existente apenas entre algumas pessoas.

O referido Projeto, como já exposto acima, entende patrimônio cultural como

toda produção humana que propicia o conhecimento e a consciência do ser humano

sobre si mesmo e sobre sua inserção no mundo, de forma que a produção cultural

diz respeito à produção artística e histórica, à arquitetura, aos manuscritos, aos bens

arqueológicos, às manifestações do saber-fazer, ao artesanato, entre outras

(SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, CULTURA, ESPORTE E TURISMO DE

MASSARANDUBA, 2015).

Ao fazer, para este manuscrito, estudo sobre o tema, constata-se que, como

afirma Gonçalvez (2009), o termo patrimônio é utilizado no cotidiano com frequência,

como ao referir-se ao patrimônio econômico e financeiro de um país, de uma

empresa, de uma família ou de um indivíduo; bem como ao patrimônio cultural,

histórico, artístico, arquitetônico, ecológico, genético e intangível.

O autor afirma que, apesar do patrimônio enquanto categoria ter constituído-

se em fins do século XVIII, juntamente com a formação dos Estados nacionais, não

se trata de uma invenção moderna, tendo a modernidade ocidental dado contornos

semânticos específicos tomados por ela. Entende que o patrimônio é “(…) uma

categoria de pensamento extremamente importante para a vida social e mental de

qualquer coletividade humana. Sua importância não se restringe às modernas

sociedades ocidentais” (GONÇALVEZ, 2009, p.26).

Do ponto de vista dos modernos, a categoria “patrimônio” tende a aparecercom delimitações muito precisas. É uma categoria individualizada, sejacomo patrimônio econômico e financeiro, seja como patrimônio cultural, sejacomo patrimônio genético etc. Nesse sentido, suas qualificaçõesacompanham as divisões estabelecidas pelas modernas categorias depensamento: economia, cultura, natureza etc. Sabemos, entretanto, queessas divisões são construções históricas. Pensamos que elas são naturais,que fazem parte do mundo. Na verdade, resultam de processos detransformação e continuam em mudança. A categoria “patrimônio”, tal comoé usada na atualidade, nem sempre conheceu fronteiras tão bemdelimitadas (GONÇALVEZ, 2009, p.26-27).

41

O patrimônio “Relacionado con la noción de propiedad heredada, abarca todo

aquello que recibimos de los nuestros y, por eso, el patrimonio nos constituye, lo que

explica en parte el interés que despierta” (VASCONCELLOS, 2013, p.95).

A origem da palavra é latina (patrimonium) e dizia respeito, entre os antigos

romanos, a tudo que pertencia ao pai (pater), ao pai de família (pater familias). O

conceito surgiu no âmbito privado do direito de propriedade e relacionado à

perspectiva e aos interesses aristocráticos. No Renascimento, entre os humanistas,

houve valorização dos vestígios da Antiguidade e fundação do que veio a ser

chamado de Antiquariado, sendo o patrimônio moderno dele derivado, segundo

alguns estudiosos. “No entanto, a preocupação com o patrimônio rompe com as

próprias bases aristocráticas e privadas do colecionismo, e resulta de uma

transformação profunda nas sociedades modernas, com o surgimento dos Estados

nacionais” (FUNARI; PELEGRINI, 2009, p.13).

O desenvolvimento do moderno conceito de patrimônio teve início em 1789

com a Revolução Francesa. A França era um reino de direito divino com relação

estreita com a hierarquia católica. No reino dos francos falavam-se diversas línguas.

A Revolução Francesa destruiu os fundamentos do antigo reino. A República criava

a igualdade entre homens adultos e necessitava criar meios para que

compartilhassem valores, costumes, para se comunicar entre si, ter terra e origem

supostamente comuns. A língua nacional, o francês, que era falado somente pelas

elites, foi aos poucos difundida por meio da escola e dos museus

(VASCONCELLOS, 2013).

Por lo tanto, el Estado nacional francés surgió a partir de la invención de unconjunto de ciudadanos que deberían compartir una lengua y una cultura,un origen y un territorio. Para ello, se hicieron necesarias políticaseducativas que difundieran, entre los propios niños, la idea de pertenecer auna nación. Utilizando los ideales iluministas, sabios y eruditos selevantaron contra las destrucciones de los bienes de la igresia y la noblezajustificando que aquellos eran de interés para la instrucción pública, pues lepertenecían a toda la nación y no debían destruirse. Lo que antes seconsideraban bienes de la nobleza ahora se transformaban en bienes delEstado nacional y a este le correspondía su preservación, contribuyendocon la creación e invención de una memoria nacional. De esta forma, lanoción de patrimonio surge imbricada en el proceso de consolidación de losEstados nacionales y sirve como justificación ideológica para la construcciónde una identidad nacional (VASCONCELLOS, 2013, p.96).

42

Durante o século XIX e XX houve tensão entre uma vertente nacionalista e

uma vertente universalista de patrimônio, com predomínio de uma ou de outra ao

longo do tempo. Na vertente universalista, em tensão com a ideia de bem coletivo

nacional, enfatiza-se o conceito de humanidade. Assim,

O patrimônio nacional, além de constituir uma referência para a construçãode uma identidade comum a um povo que compartilha o mesmo territórionacional, estaria também referido ao que de melhor a humanidade produziu(ABREU, 2009, p.36).

Em meio a essa tensão, “De qualquer modo, até os primeiros anos do século

XX, o que sobressaiu, em termos de construção do patrimônio nacional (leia-se ‘bem

coletivo’), foi a noção de que ele era histórico e artístico” (ABREU, 2009, p.36).

No final da Segunda Guerra Mundial, anotamos outro ponto de inflexão. Acriação da Unesco, na década de 1940, refletiu a tentativa de quebrar osantagonismos entre as nações. Nesse contexto, destacou-se a vertenteuniversalista da noção de patrimônio da humanidade. A Unescorepresentava a proposta de criação de mecanismos capazes de colocar, emrelação, várias culturas nacionais. Uma nova questão que tomou vultonaquele momento foi sobre o conceito antropológico de cultura.Contrapondo-se às tendências racistas que haviam desencadeado a guerraque acabara de acontecer, o conceito antropológico de cultura foi apropriadocomo antídoto aos conflitos entre os povos (ABREU, 2009, p.36).

Delineava-se a ideia de patrimônio cultural que incluía o conjunto de

realizações humanas nas diversas expressões e não somente a que diz respeito à

história e à arte de cada país. “A noção de cultura incluía hábitos, costumes,

tradições, crenças; enfim, um acervo de realizações materiais, e imateriais, da vida

em sociedade”. Nesse contexto, duas concepções afirmaram-se: a de que dentro do

contexto nacional há culturas diversas e plurais e a noção de que a cultura reunia

bens materiais e imateriais ou intangíveis (ABREU, 2009, p.37).

No final do século XX: “O estudo das culturas e, consequentemente, a luta

pela preservação das mesmas estendeu-se ao infinito. (…) diversas categorias

criadas, como expressões de construções de culturas e/ou identidades singulares,

passaram a reivindicar a preservação de patrimônios próprios”, como indígenas,

mulheres, negros, imigrantes, dentre outras. A organização dos grupos sociais, como

em movimentos, em instituições e em ONGs surgiu nos anos de 1970 e se

intensificou no século XXI (ABREU, 2009, p.38).

43

A partir de las últimas décadas del siglo XX, el discurso del patrimonio y laspolíticas de preservación sufrieron importantes modificaciones. La categoríase amplió buscando reflejar la diversidad subyacente a la imagenhomogénea que representaba a la nación. Es evidente que esta es unaconsecuencia directa de los movimientos poscolonialistas, de los nuevosnacionalismos, de los procesos migratorios y de un nuevo orden mundialdenominado globalización. El patrimonio cultural actualmente tiene tambiénla característica de proporcionar la sostenibilidad de la sociedad y del medioambiente. Por lo tanto, las prácticas y las políticas del patrimonio culturallegitiman la invención de la nación culturalmente diversa (VASCONCELLOS,2013, p.97).

A construção dos patrimônios e da legislação na América Latina teve grande

influência do processo de formação do patrimônio nacional francês. A construção

latinoamericana das legislações patrimoniais e dos modelos dos museus, criados no

contexto do processo de independência de suas metrópolis e fundação dos Estados

nacionais, foram fortemente influenciados pelo modelo europeu de constituição dos

museus (VASCONCELLOS, 2013, p.96).

A origem da palavra museu (do grego mouseion) remete ao templo das

musas, filhas de Mnemosine (a memória) e de Zeus (poder), importante

representante da mitologia grega. “Tampoco es casual la identificación de los

museos como lugares de recuerdos, de rememoración, de conmemoración, de

memoria” (VASCONCELLOS, 2013, p.98).

Vasconcellos (2013) expõe que historicamente o museu é não apenas “lugar

de memória”, sendo também lugar de disputa e conflitos ao redor dos diferentes

projetos existentes na sociedade, bem como “casa do esquecimento”, tendo em

vista que o que está fora dos museus é bem mais numeroso do que está dentro e

não tem o mesmo privilégio de preservação.

O perfil elitista dos museus tem íntima relação com o contexto de criação dos

museus modernos no século XVIII, na Europa, e a partir do século XIX, no Brasil.

“En el siglo XX, el gran desafío para el mundo museológico fue volver cada vez más

accesibles sus colecciones y sus propuestas para los visitantes de cualquier origen,

franja de edad y segmento social” (VASCONCELLOS, 2013, p.100).

Nos anos sessenta e setenta do século XX divulgou-se, especialmente na

Europa, questionamentos sobre os museus, considerados até o momento

instituições elitistas e distantes das comunidades do seu entorno. O movimento da

nova museologia colocou em pauta o papel social dos museus em vários países,

como no Brasil (VASCONCELLOS, 2013).

44

Según los teóricos de la “nueva museología”, los museos deben asumir sufunción eminentemente social y superar los límites de una concepción decultura restringida a la producción y circulación de bienes culturales de laélite, proyectándo-se como instituciones afinadas con una sociedaddemocrática. El “museo tradicional” sería elitista y orientado hacia él mismo,distante de la cotidianeidad de los individuos y de los grupos que integranlas sociedades modernas (GONÇALVES, 2007 apud VASCONCELLOS,2013, p.100).

Segundo Vasconcellos, Funari e Carvalho (2015), alguns dos marcos que se

tornaram referência para o redirecionamento de novos desafios para o museu na

América Latina foram:

(…) o Seminário Regional da Unesco sobre a Função Educativa dosMuseus, realizado na cidade do Rio de Janeiro, em 1958. Esse encontroapontou o museu como um espaço adequado para estabelecer vínculoscom a educação formal e a necessidade de uma maior relação com asdiferentes comunidades, na perspectiva de sua função transformadora e dedesenvolvimento. Outro encontro fundamental ocorrido na cidade deSantiago do Chile, em 1972, apontou duas questões candentes para osmuseus latino-americanos: o conceito de museu integral, isto é, que taisinstituições deveriam estar inseridas na totalidade dos problemas dasociedade e do museu como ação, ou seja, como instrumento de mudançasocial (VASCONCELLOS, FUNARI E CARVALHO, 2015, p.7-8).

Tamanini (2015, p.11) expõe que: “Concepções educativas passam a fazer

parte do cenário de intervenção dos museus e centros culturais especialmente no

final da década de 70 do século XX”, e que a Educação Patrimonial como

metodologia, no Brasil, passou a ser empregada em ações educativas museológicas

a partir de 1983, tendo como inspiração pedagogias para a herança cultural da

Inglaterra. E acrescenta que:

Datam desta época, as experiências de Educação Popular desenvolvidaspor Paulo Freire que engenhosamente abriu caminhos para a reflexão sobreo papel do conhecimento, e a responsabilidade social e política do educadorda educadora. Protagonizou a ideia de sujeito que aprende e que ensina,deslocando o debate sobre o “poder e conhecimento” para “poder,conhecimento e autonomia social”. A concepção Freiriana parte também daanálise da evidência das culturas material e imaterial dos sujeitos - “O temagerador”, “a problemática”, “o significado”, “o processo político e histórico”.Esta pedagogia influenciou autores, experiências e diferentes realidades nomundo inteiro (TAMANINI, 2015, p.11).

45

Expõe, ainda, que, no contexto brasileiro, os museus e centros culturais não

participaram de forma ativa nos movimentos de educação e cultura que surgiu na

década de setenta do século XX, não incorporaram as propostas de educação

popular (TAMANINI, 2015).

Bruno (1997, p.57-58) considera que direcionar os museus para o amanhã

significa valorizar o seu potencial educativo, não menosprezar o complexo processo

histórico brasileiro e “(…) entender que a grande força cultural da realidade brasileira

está na compreensão de que a nossa identidade é justamente o reconhecimento e a

convivência com a diversidade”.

A autora, sobre novo perfil que a concepção sobre patrimônio e as

possibilidades de preservação vêm obtendo nas últimas décadas, diz que, “(...)

muitas experiências têm sido apoiadas na idéia de que se deve considerar como

patrimônio o conjunto das ações do homem, fruto das relações com seus

semelhantes e com o meio ambiente, e a interpretação que é feita dessas relações”

(BRUNO, 1997, p.77-78). Esse sentido de patrimônio é também aqui utilizado ao

estudo lançar olhar para prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural da

comunidade.

Sobre trabalho patrimonial, Bruno (1997, p.81) entende que, “(…) deve ter sua

base na compreensão de um território, com sua própria dinâmica e transformações

ao longo do tempo, (…) cenário para os diferentes grupos sociais desenvolverem

seus processos históricos, com características comuns e pontos de divergência”.

Bruno (1997, p.78-79), ainda, considera que:

Aos tradicionais trabalhos de conservação, restauro, documentação,somaram-se outras atividades vinculadas ao processo de comunicação,técnicas expositivas, abordagens pedagógicas, trabalhos comunitários,impondo, então, a atuação interdisciplinar para melhor conhecer,compreender, sistematizar e divulgar os itens que compõem o perfilpatrimonial de uma comunidade.

A autora entende como preocupação contemporânea um equilíbrio entre

preservação do patrimônio e o desenvolvimento comunitário, no sentido da

aprimoração da qualidade de vida (BRUNO, 1997). Vasconcellos (2013) entende que

os museus, instituições públicas, têm papel social relevante e que devem atuar

como agentes de mudanças sociais e ferramenta de inclusão social.

46

A museóloga, mestre e doutora em educação19, Maria Célia Teixeira Moura

Santos, refletindo sobre a integração entre museu, escola e comunidade20, expõe

que:

(...) no meu entender, o museu é uma instituição que tem um compromissocom o processo educacional, seja ele formal ou informal, devendo a escolatambém participar e interagir com a comunidade onde está inserida. Nessesentido, a participação comunitária não exclui a participação no ensinoformal; ao contrário, é necessária a integração, a atuação conjunta. Tanto omuseu como a escola devem potencializar os recursos educativos de umacomunidade, realizando o intercâmbio necessário entre o ensino formal enão formal, um alimentando o outro e se enriquecendo mutuamente(SANTOS, 2008, p.31).

Santos (200821, p.32) compreende que

(...) as diretrizes e metas traçadas para a política educacional no momentopresente devem apontar para uma ação multidisciplinar que enfoque asdiferentes maneiras humanas de ser, de estar no mundo e de construção ereconstrução das múltiplas realidades.

Afirma que se torna cada vez mais necessária uma ação educativa que tenha

o patrimônio cultural, em seu processo de construção e reconstrução, como

referencial. Santos (2008, p.37) entende “(...) como patrimônio cultural a totalidade

da vida, ou seja, o real na sua totalidade: material, imaterial, natural e cultural”,

entendimento também adotado nesta pesquisa.

Ao analisar as experiências de ação museológica que teve como suporte a

prática social qualificada como patrimônio cultural, desenvolvidas envolvendo

museu, escola e comunidade de forma integrada na década de 1990, Maria Célia

Teixeira Moura Santos afirma que:

Os resultados obtidos confirmam, portanto, que é possível enriquecer aPedagogia e a Museologia com a participação de milhares de sujeitos queestão fora da escola e que, constantemente, encontram soluções criativaspara a solução dos problemas enfrentados no cotidiano. Entretanto, para

19 Maria Célia Teixeira Moura Santos entende que “(...) educação significa reflexão constante,pensamento crítico, criativo e ação transformadora do sujeito e do mundo; atividade social e cultural,histórico-socialmente condicionada.” (SANTOS, 2008b, p.125-146).20 A autora assume a definição de comunidade como apresentada por Myrian Veras, sendo “umaunidade dinâmica, onde se destacam os fatores de relacionamento, de delimitação geográfica e defunção” (VERAS, 1997, p.50 apud SANTOS, 2008, p.33).21 A publicação de Maria Célia Teixeira Moura Santos, intitulada “Encontros museológicos - reflexõessobre a museologia, a educação e o museu”, é de 2008, mas se trata de uma coletânea de textosproduzidos pela autora no período entre 1997 e 2006.

47

que essa troca efetiva seja realizada, torna-se necessário que o museólogo,o pedagogo ou qualquer outro profissional que venha a desenvolver umaação efetiva entre o museu, a escola e a comunidade desça do seu pedestalde dono do conhecimento, tornando-se um mediador, um professor-aluno,que enriquece e é enriquecido (SANTOS, 2008, p.53).

Tamanini e Peixer (2011), por sua vez, também preconizam os diálogos e

interações entre herança cultural e educação. Expõem que os passados são sempre

construções e que diante da não homogeneidade da sociedade, havendo classes,

setores, segmentos, é importante a participação dela em processos de leitura e

releitura do mundo, de decodificação do seu patrimônio, da escolha e construção de

possibilidades de referências patrimoniais. Sobre o diálogo entre herança cultural e

educação, colocam que:

Saber as formas de vida as quais existam poucos registros, saber como ossilenciosos, aqueles que pouco ou nada aparecem na documentação escritae na representação da cultura material “oficial” – museus, centros dememórias e territórios de referências - saber como encarar sua existênciadiante das modificações tão rápidas em curso, buscar as relações, astensões, as teias coletivas entre indivíduos num grupo numa camada socialem épocas distantes e também agora, de pessoas que experimentammudanças, segundo valores já preestabelecidos, de normas ecomportamentos que aceitam ou rejeitam, são algumas questões inusitadasque o estudo da cultura material e o trabalho com educação popular podenos propiciar. (...) Desejamos decidir coletivamente o que queremos e o quedevemos preservar como patrimônio (TAMANINI; PEIXER, 2011, p.44).

As autoras supracitadas avaliam que “Temos muitos museus e centros de

memórias que são somente depósitos de coisas velhas. E muitas escolas que

continuam com muitos estudantes nas salas de aulas, contudo sem compreender o

sentido de apreender e educar-se” (TAMANINI; PEIXER, 2011, p.47). Assim,

incentivam o diálogo entre herança cultural e educação.

Tamanini (2015, p.12), tomando as experiências com processos educacionais

desenvolvidas, afirma ter observado que “(...) é possível criar uma rede de interação

de recursos educativos e múltiplas possibilidades de utilização do museu como

espaço de educação e produção de conhecimento, a partir de objetivos próprios do

campo de atuação de cada museu”.

48

O Instituto Museu da Pessoa22 possui publicações, roteiros e coleções virtuais

para o uso educativo, como produções do projeto intitulado “Memória Local na

Escola”. Na publicação “Guia memórias da nossa Terra: um trabalho com memória

oral na escola”, de 2007, as autoras expõem que o Projeto Histórias da Nossa Terra

iniciou em 2001 e que a formação de professores(as) e alunos(as) era centrada no

resgate e na valorização da memória da cidade, através do registro das histórias de

vida dos moradores. Integra a formação dos(das) professores(as) metodologias de

trabalho com a memória oral, ensino-aprendizagem no campo da oralidade, leitura e

escrita e utilização de tecnologias de informação e comunicação (LONDON;

KESSEL, 2007).

O Projeto Histórias da Nossa Terra “parte da premissa de que a história é uma

narrativa em permanente transformação. Ela é feita das histórias dos diferentes

grupos de cada sociedade, num processo contínuo, elaborado no presente por

todos”. Considera que todos têm o direito de ter a sua história valorizada e

preservada, sendo a escola um lugar essencial para a democratização da

construção da narrativa histórica (LONDON; KESSEL, 2007, p.6). Sobre as vozes

das pessoas da comunidade, as autoras afirmam que:

(...) fazer com que suas histórias sejam ouvidas, registradas e, mais do queisso, que sejam objeto do fazer escolar — ler, escrever, ouvir, desenhar —têm se mostrado excelentes meios de valorização de alunos, professores,famílias e comunidades. E de aproximação entre as gerações, já que muitosdos que contam sua história de vida são idosos. Os alunos descobrem seubairro e seus moradores, passam a conhecer uma história da qual fazemparte e de que podem se orgulhar. As atividades cotidianas da escolaganham um outro sentido. Eles escrevem e lêem sobre o espaço ondevivem, conhecem histórias de suas famílias, de suas comunidades,produzem textos sobre memórias e histórias que têm significado para todos.Por meio de relatos orais, descobrem-se experiências, saberes construídose aspectos originais da cultura local que muitas vezes não constam dequalquer registro, já que o poder de registrar a história esteve sempre nasmãos de poucos. Por isso a história de cada pessoa é tão importante. Elacontém a história de um tempo, dos grupos a que pertencemos e daspessoas com quem nos relacionamos.Cada narrativa é singular. Articulada aoutras narrativas a que temos acesso em livros, livros didáticos, filmes,jornais, enriquece e amplia a história que conhecemos e proporcionadiversidade e riqueza nos olhares. As narrativas nos ajudam a compreendero tempo e o lugar em que vivemos (LONDON; KESSEL, 2007, p.6-7).

22 O Museu da Pessoa, museu virtual e colaborativo fundado em São Paulo em 1991, “(...) acreditaque valorizar a diversidade cultural e a história de cada pessoa como patrimônio da humanidade écontribuir para a construção de uma cultura de paz.” e tem como principal missão ”ser um Museuaberto e colaborativo que transforme as histórias de vida de toda e qualquer pessoa em fonte deconhecimento, compreensão e conexão entre pessoas e povos.” (MUSEU DA PESSOA, 2017)Disponível em <http://www.museudapessoa.net/pt/entenda/o-museu-da-pessoa> Acesso: jul.2017.

49

London e Kessel (2007) expõem que as metodologias de trabalho

desenvolvidas e aprimoradas ao longo da trajetória pela equipe de formadores(as)

do projeto, juntamente com professores(as) e estudantes, têm se mostrado

instrumentos qualificadores da prática pedagógica nas primeiras séries do ensino

fundamental, sendo percebido estreitamento de laços entre escola e comunidade,

maior interesse das crianças pela leitura e melhora na escrita e que muitos

professores(as) aplicam o projeto nos anos subsequentes e outros introduzem novas

práticas no cotidiano.

Diante do exposto, é possível perceber que ao passo que existem práticas

educativas desconectadas do contexto dos indivíduos, também se verificam a

existência de práticas educativas que valorizam as vivências, memórias, saberes,

histórias das pessoas e do território, podendo essas práticas serem mediatizadas

pelo patrimônio cultural e por narrativas.

Este estudo lança olhar para os efeitos de prática educativa mediatizada pelo

patrimônio cultural da comunidade e pelo diálogo com pessoas da região e, para

isso, dialoga com pessoas que viveram essa experiência dentro do contexto do

Projeto “Construindo Histórias e Identidades” e de seus desdobramentos. Realiza

entrevista do tipo história oral temática com participantes do Projeto supracitado,

abordando sobre suas experiências no que diz respeito a uma das propostas

realizada nele. O caminho metodológico deste estudo é a seguir apresentado.

2. CAMINHO METODOLÓGICO: estradas, percursos e paradas

Este capítulo é dedicado à apresentação do caminho metodológico deste

estudo. Antes de partir para a apresentação do percurso realizado, cabe trazer

reflexões de Danilo Streck sobre a construção do processo de pesquisa. Para Streck

(2004), pouco, e até mesmo nada, sabemos das coisas que nos cercam, o simples,

sendo a partir da abertura para o mundo que a pesquisa começa. Considera que:

O segredo da pesquisa talvez esteja em penetrar este simples, movimentar-se dentro dele, entre as suas fissuras e saliências. Este simples e óbvio nãonos encontra na escrivaninha, protegidos entre os livros, atrás da tela docomputador. O óbvio nos encontra nas ruas, nas salas de aula, nas rodasde conversas, sempre que estejamos dispostos a um tipo de escuta em quedeixamos cair nossas defesas e barreiras (...) (STRECK, 2004, p.5).

Busca-se aqui, movimentando-se entre as “saliências” e “fissuras” do simples,

como no enunciado de Streck, e em meio a percursos e paradas, elaborar

conhecimento produzidos pelas experiências de vida.

Este estudo tem caráter qualitativo e é guiado por reflexões da história oral.

Este capítulo aborda, entrelaçando teoria geral e o caminhar específico no cenário

de estudo, aspectos relacionados à pesquisa qualitativa; a fase exploratória e de

observação participante que auxiliaram a melhor conhecer o contexto em que se

desenvolveu a pesquisa; o recorte realizado dentro da ampla experiência do Projeto

“Construindo Histórias e Identidades” para o qual lancei olhar neste estudo; as

reflexões teóricas sobre história oral; e os passos realizados no contexto deste

estudo no que diz respeito ao caminhar com a história oral como guia. Por fim,

apresento as narradoras que colaboraram com este estudo.

2.1 Estradas, percursos, paradas: fase de estudo exploratório e observação

participante

Motivada a compreender os efeitos de uma prática educativa mediatizada pelo

patrimônio cultural da comunidade e pelo diálogo com as pessoas da região, solicitei

permissão para desenvolver pesquisa no contexto do Projeto “Construindo Histórias

e Identidades” e de seus desdobramentos. O estudo foi autorizado pela instituição

51

coparticipante. Projeto de Pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa,

sendo por esse autorizado o estudo. Os documentos relativos à autorização da

realização da pesquisa encontram-se nos Apêndices deste manuscrito.

Quanto ao movimento metodológico, trata-se de uma pesquisa de dimensão

qualitativa processual, em diálogos permanentes com as referências bibliográficas,

as fontes oficiais, as fontes inéditas orais e escritas e a leitura de mundo. O alinhavo

desse ir e vir é costurado via história oral. A pesquisa qualitativa não procura

enumerar ou medir os eventos, nem emprega instrumental estatístico na análise dos

dados por si. “Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e

processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada,

procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos (...)”

(GODOY, 1995, p.58).

Ao tratarmos a pesquisa na dimensão processual crítica e qualitativa

buscamos elementos desse trabalho metodológico em Minayo (2000; 2001). Para

esta autora, a pesquisa qualitativa “(...) trabalha com o universo de significados,

motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço

mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2001, p. 21-22).

Considera a abertura, a flexibilidade, a capacidade de observação e de

interação com investigadores e atores sociais envolvidos como atitudes

fundamentais na investigação qualitativa. Acrescenta que: “Seus instrumentos

costumam ser facilmente corrigidos e readaptados durante o processo de trabalho

de campo, visando às finalidades da investigação” (MINAYO, 2000, p. 101).

A autora entende ter a pesquisa ritmo próprio e particular, chamado ciclo da

pesquisa.

A idéia do ciclo se solidifica não em etapas estanques, mas em planos quese complementam. Porém, ela suscita também a delimitação do trabalho notempo, através de um cronograma. Ao mesmo tempo, portanto, trabalhamoscom um movimento de valorização das partes e da integração no todo; ecom a visão de um produto provisório integrando a historicidade doprocesso social e da construção teórica (MINAYO, 2001, p.27).

A trajetória deste estudo perpassa por planos que se complementam, sendo

possível, contudo, delimitar momentos do seu caminhar. O primeiro, ainda em fase

exploratória, iniciou-se em março de 2016 com a aproximação a uma realidade, os

52

encontros do Projeto “Construindo Histórias e Identidades”, sendo nesse cativada

pelas observações empíricas; e com estudo teórico, que motivaram as reflexões

aqui desenvolvidas. Esse momento deu subsídio para a escrita e apresentação do

projeto de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa, após autorização por parte da

instituição coparticipante. A submissão do projeto de pesquisa ocorreu em setembro

de 2016 e recebeu aprovação em novembro do mesmo ano.

A busca por conhecimentos sobre o território contexto da pesquisa não

encerrou com a escrita do projeto de pesquisa. Leituras sobre a história de Santa

Catarina e de Massaranduba/SC, e o olhar para o território estenderam-se

integrando esse movimento de estudo como um todo. Como expõe Streck (2004),

pesquisar é ler e pronunciar o mundo e implica capacidade de escutar e atitude

qualificada por Freire como de “curiosidade epistemológica”. Desse modo, o

processo de escrita segue um ir e vir desde as primeiras linhas até as considerações

finais.

Com o intuito de melhor conhecer o território, mostra-se como importante

comentar sobre a experiência de ida a arquivos históricos municipais23 (Joinville, em

novembro de 2016, e Jaraguá do Sul, em dezembro do mesmo ano) com o objetivo

de identificar informações acerca de Massaranduba/SC24 para além de publicações

em livros. A ida a arquivos históricos municipais foi uma interessante experiência por

serem lugares de acesso a fontes históricas por mim nunca antes visitados,

reconhecendo-os como importante espaço de pesquisa.

Em consulta ao Arquivo Histórico de Joinville, nos dias 23 e 24 de novembro

de 2016, tive acesso à matéria do dia 15 de fevereiro de 1949, do jornal A Notícia 25,

que trazia em sua capa, com continuação em outra página, a cobertura da cerimônia

de instalação do município de Massaranduba. Tomei conhecimento sobre a

existência dessa matéria por meio de um dos livros estudados sobre o município26.

23 Conforme o site da Prefeitura de Joinville: “O Arquivo Histórico de Joinville – AHJ é uma unidadecultural do município de Joinville (SC). (...) Tem por finalidade coordenar e implementar a gestãodocumental, a guarda permanente, a organização, a preservação e a difusão dos documentosproduzidos, recebidos e/ou acumulados pelo Poder Executivo Municipal, bem como dos documentosprivados considerados de interesse público e social sob sua custódia, visando o acesso àinformação”. Disponível em: <https://www.joinville.sc.gov.br/institucional/ahj/> Acesso em: julho/2017.24 Vale dizer que neste município não há arquivo público. Este papel vem sendo feito pelo MuseuMunicipal de Massaranduba.25 Jornal com primeira edição veiculada em 1923, com sede em Joinville/SC e ainda emfuncionamento na atualidade.26 Matéria divulgada no livro: ADAMI, Luiz Saulo; ROSA, Tina. Terra generosa: história deMassaranduba - SC. Blumenau: S&T, 2004, 312p.

53

O contato com edições de jornal impresso do ano de 1949, que permitiu ler a

notícia de emancipação de Massaranduba, com menção às solenidades, às falas

das autoridades, ao hasteamento da bandeira, ao banquete oferecido às autoridades

e convidados(as) e ao entusiasmo do povo, colocou-me em contato, também, com

as demais matérias publicadas. Pude perceber algumas características do contexto

em que vivia a sociedade catarinense naquele período. Percebi preocupação, por

exemplo, com a doença malária no Brasil, atenção ao conflito de Berlim (Alemanha)

dividida, entre outras notícias, além de ver as propagandas dos produtos, como da

pomada Minâncora27 e de máquina de escrever. Todos elementos que ajudam a

conhecer as histórias de um povo e a nos situarmos, também, na história enquanto

processo.

A experiência de pesquisa em arquivos históricos, assim, não só trouxe

contribuições para a ampliação dos conhecimentos sobre um território, como,

também, para a constituição do ser pesquisadora, em permanente movimento de

formação, ao reconhecer esses espaços como local de estudo e pesquisa.

Figura 5: Reprodução da capa do jornal A Notícia de 15 de fevereiro de 1949. Fonte: Original

pertencente ao acervo do Arquivo Histórico de Joinville, acessado dia 24 de novembro de 2016.

27 A fabricação artesanal da Pomada Minancora iniciou em 1912. Em 1929: "A sede da empresa éfundada em um dos pontos mais tradicionais de Joinville: a Rua do Príncipe. No local, funcionavam aprodução dos remédios e a farmácia. Hoje o prédio é considerado patrimônio histórico-culturaljoinvilense." Disponível em: <http://www.minancora.com.br/> Acesso: julho/2017.

54

Um outro momento deu-se de forma transversal a todo o período em que

estive no território, constituindo-se como uma observação participante. Pude estar

presente em alguns encontros do Projeto “Construindo Histórias e Identidades” e

seus desdobramentos, encontros em que tiveram participação da professora

Tamanini e com quem pude colaborar realizando atividades de apoio (registros

fotográficos, criação de leiaute para apresentação em PowerPoint, colaboração na

criação de dinâmicas para abordagem dos conteúdos trabalhados, colaboração nas

leituras de produções textuais dos participantes do Projeto propostas pelos

desdobramentos desse); bem como pude circular pela comunidade/território para

melhor conhecê-lo e refletir sobre questões pertinentes a este estudo.

Sobre a observação participante, Neto (2001), em obra organizada por

Minayo, expõe que:

A técnica de observação participante se realiza através do contato direto dopesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre arealidade dos atores sociais em seus próprios contextos. O observador,enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face aface com os observados. Nesse processo, ele, ao mesmo tempo, podemodificar e ser modificado pelo contexto. A importância dessa técnica resideno fato de podermos captar uma variedade de situações ou fenômenos quenão são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observadosdiretamente na própria realidade, transmitem o que há de maisimponderável e evasivo na vida real (NETO, 2001, p.59-60).

Além das leituras sobre o município contexto deste estudo, circular pelo

território auxiliou na ampliação de conhecimentos sobre ele. No início do mês de

dezembro de 2016, estive em Massaranduba com o propósito de conhecer um

pouco dos lugares e de estar com as pessoas que lá vivem. Neste período, estava

imersa em leituras da história de Santa Catarina e de Massaranduba, o que tornava

o olhar para o território mais atento e sensível às marcas da história daquela região.

Acompanhei, nessa ocasião, o trabalho de campo de outra pesquisadora do

Mestrado em Educação da Univille, que também realizava pesquisa em

Massaranduba e que integra o mesmo grupo de estudo e pesquisa (Grupo de

Estudo e Pesquisa em Políticas e Práticas Educativas - GEPPPE/UNIVILLE). Nos

acompanhava, também, profissional do município que nos auxiliou no deslocamento

55

e acesso à pessoa com quem a outra pesquisadora estabeleceria diálogo sobre

suas memórias.

Já afastadas do centro administrativo e político do município, passamos

rapidamente por uma casa enxaimel28 sendo desmontada. A retirada das partes da

casa parecia cuidadosa, ficando a impressão de que talvez viria a ser remontada em

outro lugar. O olhar para essa vivência no território, cenário em que presenciei ação

de registro de memórias de uma pessoa e a ação de desmontagem de uma

construção, provocou-me a reflexão sobre o tempo e a ação humana e seu potencial

de registrar, bem como de apagar ou deixar na invisibilidade memórias, artefatos e

saberes.

Dialoga com essa reflexão as ideias de Tamanini e Peixer (2011, p.33), ao

expor que, “(...) é através do patrimônio cultural e ou da materialidade humana e das

narrativas que se concentra a passagem do tempo, assim a leitura é feita a partir

das experiências acumuladas que se desdobram na memória, diante da imagem do

presente.” E acrescentam que a educação pode contribuir para a compreensão das

contradições presentes nos processos históricos e, sobretudo, na construção de

diálogos e rupturas.

A ida a Massaranduba no final do mês de dezembro de 2016 também

contribuiu para ampliação do conhecimento sobre o território e sobre a experiência

das participantes e dos participantes do Projeto "Construindo Histórias e

Identidades" de lançar olhar para os patrimônios culturais do município por eles e

elas escolhidos, de estudar, de pesquisar, de dialogar e de escrever.

Nesta ocasião, em sala do Museu Histórico Municipal de Massaranduba/SC,

pude observar um encontro do Projeto em que as coordenadoras desse e a

professora Tamanini receberam as participantes e os participantes para encontro de

orientações diante das ideias, estudos e escritas por elas e eles realizados ao lançar

olhar para os patrimônios culturais do município. Uma pessoa por vez, mas na

presença de várias outras que se revezavam para também dialogar, compartilhava

suas ideias. Sobre diferentes temas relacionados ao município as pessoas

motivaram-se a estudar, como histórias de escolas, de creches, de construções,

28 A técnica enxaimel é “um modo de construir a partir de estruturas de madeira que se encaixam esão completadas com tijolos em seus vãos. (...) Esse tipo de construção tradicional de extremacomplexidade, apesar de ser resistente e representar um forte traço cultural dos habitantes da região[texto refere-se a Blumenau/SC], começou a entrar em declínio e parou de ser produzida,principalmente após a repressão de estrangeiros, na década de 1940.” Disponível em:<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1043> Acesso em: julho/2017.

56

espaços religiosos, espaços de lazer, festividades. Pude conhecer mais sobre o

território por meio da escuta das falas das pessoas e sobre esse processo de olhar

para os patrimônios culturais do município, pesquisar, dialogar com pessoas da

comunidade e escrever.

Pude acompanhar este ciclo de orientações. Minha presença naquela

ocasião, observando e aprendendo, pareceu, em alguns momentos, auxiliar alguns

na compreensão de que nem tudo que para as pessoas que moram em

Massaranduba é óbvio e familiar assim o é para quem não pertence àquele território,

quando, por vezes, a professora Tamanini perguntava a mim se sabia o que era algo

que havia sido mencionado pelos participantes, tendo em vista que não sou

massarandubense e nem catarinense. Diante das minhas negativas, a professora

sugeria a quem realizava o estudo mais detalhamento para que pessoas de

diferentes lugares pudessem entender melhor do que se tratava.

Aspectos da cultura podem ser vivenciados pelos seres humanos ou por uma

comunidade como naturais e universais, mas à medida que se amplia a

compreensão da diversidade, amplia-se a percepção de que o que é familiar pode

ser para o(a) outro(a) estranho. Como expõe Bosi (2003):

Embora tenhamos a ilusão de participar intensamente desse mundo únicoque encerra os seres viventes, conhecemos, na verdade, um reduzidoespaço dentro dele, e um caminho familiar pelo qual nos guiamos e onderepetimos nossos passos, entre a infinidade de caminhos oferecida a outrosseres (BOSI, 2003,p.114).

A observação participante que ali ocorreu, assim como exposto acima por

Neto (2001), leva o(a) observador(a) a modificar e ser modificado pelo contexto.

Minha presença estrangeira, no sentido de àquele território não pertencer,

colaborou, ao meu ver, para a evidência deste grande país Brasil ser recheado de

diferentes paisagens e, também, de distintos saberes, fazeres, sabores, festividades,

expressões e sotaques, que dão vida aos distintos cotidianos das pessoas em

diferentes lugares.

Sobre observação participante, é oportuno expor o que diz Minayo que afirma

que: “Como qualquer fase de trabalho de pesquisa, também a observação não é

neutra. O que observar? Como observar? São questões influenciáveis pelos

esquemas teóricos, preconceitos e pressupostos do investigador” (MINAYO, 2000,

57

p.148-149). A observação participante constituiu um importante meio de

aproximação do contexto de estudo, sendo essa fase influenciada pelas

experiências e concepções impressas nas lentes de quem olha.

2.1.1 Recorte do cenário de estudo: um olhar para uma experiência do Projeto

“Construindo Histórias e Identidades”

Com o intuito de analisar os efeitos da prática educativa mediatizada pelo

patrimônio cultural e narrativas orais, tendo em vista a formação humana,

entrevistou-se participantes do Projeto “Construindo Histórias e Identidades” e de

seus desdobramentos, da SECET/MASSARANDUBA.

A centralidade da pesquisa ora proposta se dá não na busca pela apreensão

dos efeitos do Projeto “Construindo Histórias e Identidades” em todas as suas

diferentes atividades e em todos os envolvidos (inscritos no Projeto e comunidade

convidada para os eventos das Noites Culturais, por exemplo). O Projeto é contexto

de onde se pôde ouvir pessoas que tiveram a experiência de olhar para o território

em que vivem, estudar e registrar histórias de patrimônios culturais da comunidade,

contando com narrativas orais de pessoas da região, gravadas ou não, para analisar

os efeitos da prática educativa fundamentada nesse tipo de vivência.

Este estudo lança olhar, então, para a experiência de participantes ao

engajarem-se na proposta de pesquisa sobre a comunidade onde vivem ou

trabalham, buscando identificar nesses territórios indícios/sinais, presentes nos

artefatos, memórias, tradições, costumes, artes, artesanatos, saberes, fazeres, que

possam dar pistas das histórias e culturas desses lugares para serem descritos.

Foram entrevistadas participantes do Projeto que contaram com narrativas obtidas a

partir de entrevistas, com assinatura de termo de cessão das entrevistas, bem como

foi entrevistada participante que contou com conhecimentos adquiridos a partir de

conversas informais ao longo da vida com as pessoas da região sobre o patrimônio

cultural escolhido.

58

2.2 Estradas, percursos, paradas: história oral como guia do caminhar

Na introdução deste texto foi descrito o primeiro momento, fase

essencialmente exploratória. Os dois primeiros momentos até aqui já expostos

auxiliaram na preparação para o terceiro momento, a etapa final, ou seja, as

entrevistas e análise.

O terceiro momento, com realização em 2017, contemplou a realização das

pré-entrevistas, que auxiliaram na revisão do roteiro de entrevista; pela realização

das entrevistas propriamente ditas gravadas em áudio; transcrição; aprovação pelas

entrevistadas; e análises das entrevistas. As entrevistas e análises são orientadas

pela história oral.

Thompson (1992) afirma haver espaço para diferentes espécies de história

oral, com consequências sociais distintas, mas que elas, no fundo, se relacionam. O

autor assim entende a história oral:

A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança avida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação.Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioriadesconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tornaremcompanheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade eextrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, eespecialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia ocontato - e, pois, a compreensão - entre classes sociais e entre gerações. Epara cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmasintenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e adeterminada época. Em suma, contribui para formar seres humanos maiscompletos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitosconsagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. Eoferece os meios para uma transformação radical do sentido social dahistória (THOMPSON, 1992, p.44).

Tendo em vista que a essência deste estudo busca valorizar vozes, memórias

e saberes de pessoas e de grupos e o encontro dessas distintas vozes em

processos educativos, investigando os efeitos de prática educativa mediatizada pelo

patrimônio cultural e o diálogo com as pessoas da comunidade, a história oral

mostrou-se como uma interessante metodologia.

Para Meihy e Holanda (2015), a história oral é um conjunto de procedimentos

que se ampara na memória e que necessita de personagens vivos colocados em

situação de diálogo, tendo como espaço e tempo o “aqui” e o “agora” e resultando

como produto um documento (MEIHY; HOLANDA, 2015).

59

Ao considerá-lo um conjunto de procedimentos, aponta-se a ideia de que não

se trata de um ato único, sendo atitudes pensadas em conjunto, articuladas e

planejadas para responder às situações que orientam a realização da história oral,

sendo elas “de quem?”, “como?” e “por quê?” (MEIHY; HOLANDA, 2015).

Santhiago e Magalhães (2015) expõem que a história oral tem sido entendida

de distintas formas pelos autores, possuindo bases comuns. De forma sintética,

definem história oral a partir da sua dupla dimensão: método de pesquisa e fonte. É,

essencialmente, um método de pesquisa que registra as memórias narradas por

meio da técnica da entrevista. É, ainda, fonte de informação resultado desse

método. Acrescentam que:

Como método, história oral é uma atividade na qual entrevistado eentrevistador tomam parte - cada um com suas visões, seus interesses,seus repertórios -, com a missão comum de, através desse diálogo,construir histórias. Ela é a ocasião na qual uma pessoa (o narrador)compartilha - voluntária, consciente, deliberada e generosamente - comoutra (o pesquisador) relatos sobre o que viveu e viu. Ela é o momento emque memórias, antes adquiridas e conservadas, são, finalmente, evocadasatravés de um trabalho de memória (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015,p.22).

Chamam a atenção para importante aspecto da história oral:

Ao contrário do que se pode imaginar, a fonte oral não serve apenas paraoferecer uma ilustração mais concreta de fatos já conhecidos ou paracomplementar informações trazidas por outra fontes a fim de garantir umavisão mais completa sobre determinado fenômeno. Ela mostra como ossujeitos o perceberam, digeriram, significaram; por isso, em uma entrevista,queremos que as pessoas descrevam seus passados, mas que tambémexponham seus sentimentos, suas opiniões, suas emoções, suaspreocupações, suas expectativas.

Mais do que informar sobre acontecimentos, a fonte oral descortina osignificado que eles tiveram para as pessoas que os viram ou vivenciaram.Tanto os fatos quanto as percepções sobre tais acontecimentos sãoimportantes na construção do conhecimento (SANTHIAGO; MAGALHÃES,2015, p.23).

Na relação de pesquisa contemplada na história oral há o(a) entrevistador(a) e

o(a) entrevistado(a). As entrevistas produzem ao menos um documento material, a

gravação, sendo, em grande parte dos projetos, transformados em texto escrito e

aprovado (MEIHY; HOLANDA, 2015).

60

Dentro do campo da História oral, memória é um importante conceito. A

memória é um processo neurobiológico. No contexto aqui inserido, contudo, tem

destaque outra dimensão: “Ela é a base para a narração; permite a construção de

um eu através da linguagem - e é nesse sentido que ela mais nos interessa”

(SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.37-38).

Diferentemente do disco rígido de um computador, a memória do ser humano

não registra os fatos exatamente como se sucederam, sendo mais dinâmica e

complexa. “Quando lembramos, os elementos de nossa memória são filtrados e

reelaborados conforme as circunstâncias do presente: nosso estado emocional, a

fase de nossa vida, a interação com outras pessoas, (...) entre outros”

(SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.36). Pode-se dizer, então, que: “A memória é,

por definição, um termo que dirige nossa atenção não ao passado, mas à relação

entre passado e presente” (POPULAR MEMORY GROUP, 1998, p.78 apud

SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.36, tradução dos autores).

Uma importante questão surge, então, dessa constatação:

Há quem se pergunte, então, sobre a fidedignidade da memória: quandogravamos uma entrevista, como poderemos saber se o que está sendo ditoé “verdadeiro”, já que a memória não é exata? Na realidade, a memória épermeada tanto pela factualidade (que está, sim, presente nas entrevista)quanto pela impressão: ela registra não apenas os acontecimentos, mas aforma como esses acontecimentos foram digeridos por quem os rememora.E isso nos interessa na história oral: a percepção de quem narra(SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.36-37).

Santhiago e Magalhães (2015) acrescentam ainda que além da memória ser

dinâmica e individual, ela é, também, coletiva, de forma que o narrador compartilha

da memória e das vivências do seu meio social. O estudo sobre memória e narração

será melhor abordado no terceiro capítulo.

Há distintos gêneros de história oral. Para a realização desta pesquisa

utilizou-se o gênero história oral temática, em que há um foco central que justifica a

entrevista. Diferencia-se das entrevistas tradicionais porque “os procedimentos que

determinam a história oral não se restringem apenas ao ato de apreensão das

entrevistas. Todo o enquadramento em etapas previstas no projeto caracteriza o

trabalho de história oral temática” (MEIHY; HOLANDA, 2015,p.35).

Como expõem Santhiago e Magalhães (2015, p.48-49), na entrevista de

história de vida o(a) entrevistado(a) narra sobre sua vida como melhor lhe convier,

61

sendo as temáticas selecionadas pelo entrevistado. Já na modalidade entrevista

temática “(...) em vez de imergir no universo de seu narrador, o pesquisador visa

explorar, junto com ele, questões orientadas por um tema. As entrevistas temáticas

buscam informações mais precisas, mais localizadas e mais pontuais.” Desta forma,

expõem que a partir de um assunto delimitado pela questão geral do projeto, abre-se

espaço para que o(a) narrador(a) fale sobre como se relaciona com o assunto.

A história oral privilegia as entrevistas nos estudos. A história oral temática

tem caráter social e as entrevistas não se sustentam sozinhas ou em versões

únicas, de forma que a “(...) contundência faz parte da história oral temática que se

explica no confronto de opiniões firmadas” (MEIHY;HOLANDA, 2015, p.38).

Meihy e Holanda (2015, p.39) consideram que: “O entrevistador, no caso de

história oral temática, deve ser preparado antes com instruções sobre o assunto

abordado. Quanto mais informações se têm previamente, mais interessantes e

profundas podem ser suas questões.” Penso que os estudos teóricos e a

observação participante realizada no contexto do Projeto “Construindo Histórias e

Identidades” auxiliaram na preparação para a realização das entrevistas.

Sobre a ética em história oral, o autor e a autora supracitados afirmam que:

“Evidentemente não se advoga a possibilidade de uma ação neutra, distante e

imparcial. Isso simplesmente não existe. O que se pede é uma postura profissional,

de alguém que sabe ouvir e dialogar” (MEIHY; HOLANDA, 2015, p.59).

Este estudo, conforme já observado na escrita do texto, não tem uma

proposta de amostragem e não almeja neutralidade. A intenção é registrar vozes e

pensamentos de sujeitos que lançaram olhar para os patrimônios culturais do seu

próprio território, compondo esse olhar também com a escuta e o diálogo com as

pessoas da região; e refletir sobre os efeitos dessa prática para o processo

educativo desses.

Dentre os autores que trabalham com história oral e fazem passagem da

oralidade à escrita, há divergências sobre a construção do texto final da entrevista.

Meihy e Holanda (2015) apresentam as seguintes etapas de preparo: transcrição

absoluta, em que as palavras são escritas em estado bruto, mantendo repetições,

erros e palavras sem peso semântico; a textualização, em que são retiradas as

perguntas do entrevistador, os erros gramaticais e reparadas as palavras sem peso

semântico, bem como é extraído da entrevista o “tom vital”. Sobre esse afirmam:

62

O “tom vital” é um recurso usado para requalificar a entrevista segundo suaessência. Porque se parte do princípio que cada fala tem um sentido geralmais importante, é tarefa de quem estabelece o texto entender o significadodessa mensagem e reordenar a entrevista segundo esse eixo. É o “tomvital” que diz o que pode e o que não pode ser eliminado do texto (MEIHY;HOLANDA, 2015, p. 142).

Para Meihy, transcriação é:

(…) a fase final do trabalho dos discursos. [...] Teatralizando-se o que foidito, recriando-se a atmosfera da entrevista, procura-se trazer ao leitor omundo de sensações provocadas pelo contato, e como é evidente, isso nãoocorreria reproduzindo-se o que foi dito palavra por palavra. [...] tem comofito trazer ao leitor a aura do momento da gravação. [...] (MEIHY, 1991, 30-1apud MEIHY; HOLANDA, 2015, p.160).

Diferentemente dos primeiros, Santhiago e Magalhães (2015, p.53)

consideram que: “O texto final da entrevista deve ser uma cópia das palavras e

frases ditas, e é a ele que devemos nos apegar para o armazenamento em bancos

de histórias ou para a análise científica”.

Sobre a transcrição da entrevista, consideram essencial que se tenha em

mente que ela é uma “representação” e não uma “reprodução” da gravação. A

transcrição é a escrita do que foi dito na entrevista, palavra por palavra, sendo a

entrevista gravada e o relato escrito dois documentos distintos (SANTHIAGO;

MAGALHÃES, 2015).

Na passagem do oral para o escrito, perde-se muita coisa: o sabor daoralidade, o tom das falas, o volume, o ritmo, as entonações, os jeitos defalar, as pausas, as nuances… Dificilmente se encontra forma de reproduzir,por escrito, o gestual e os olhares que caracterizam a entrevista e que sãoigualmente importantes nessa troca interativa, comunicacional, intercorporale intergestual. É praticamente impossível reproduzir tudo isso - e essa é arazão pela qual a transcrição nunca substitui a gravação, devendo ser maisbem entendida como uma chave de acesso para aquilo que esta últimaregistrou (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.53).

O texto final de uma entrevista é um derivado de uma forma oral. Possui

limitações, mas mantém sua relação de fidelidade com a gravação e seu valor.

Tomam-se os cuidados “(...) para que o texto seja o mais parecido possível com o

que foi dito e para que se tente reproduzir o ambiente da entrevista. Existem

diversas propostas técnicas para isso, incluindo edições no texto após a transcrição”

(SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.54).

63

Orientam que a transcrição seja o mais próximo possível do que foi dito, mas

dentro da ortografia padrão. Não se altera, contudo, as palavras e nem são feitas

correções para ficar em conformidade com a gramática padrão. São mantidas as

palavras e frases repetidas por muitas vezes, tendo em vista que a repetição

evidencia seu significado (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015).

Em muitos casos, após a realização da transcrição, essa é transformada em

uma segunda versão, a edição (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015). No que diz

respeito a quanto se pode alterar o texto transcrito, sugerem:

(...) pode omitir repetições sem significado imediato, fazer algumascorreções em tempos verbais quando necessárias, explicar entre colcheteso significado de gírias, colocar notas de rodapé oferecendo explicações parafatos mencionados, etc. Porém, é essencial que o estudante saiba que deverespeitar o que está gravado. Nunca, sob nenhuma circunstância, ele pode:incluir no texto editado palavras que não foram ditas pelo narrador; alteraros termos utilizados; excluir trechos longos e significativos; manter naversão editada trechos cujo uso o narrador eventualmente não tenhaautorizado (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.127).

Conforme Santhiago e Magalhães (2015), para tornar a transcrição inteligível,

pode-se utilizar elementos gráficos, como indicação entre colchetes de expressões

do narrador (exemplos: [risos], [silêncio], [choro]) ou para indicar acontecimentos

externos (exemplos: [telefone toca]) (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015).

Meihy e Holanda (2015), dentro da metodologia que assumem, realizando

transcriação, advogam que a versão final seja apresentada para o colaborador ou

colaboradora, compondo, após conferência e autorização, a série de entrevistas do

mesmo projeto (MEIHY; HOLANDA, 2015).

Thompson (1992, p.297), ao comentar sobre uma prática de envio do texto

transcrito para serem revisados pelos informantes, expõe haver vantagens e

inconvenientes. Expõe que permite detectar erros simples e erros na grafia de

nomes, mas que por outro lado: “Muitos informantes não conseguem resistir à

tentação de reescrever a fala original, em tom de conversa, sob forma de prosa

convencional”. E acrescenta que “(...) a transcrição é considerada o testemunho oral

autorizado, o processo de correção enfraquece a autenticidade da evidência oral

que se está utilizando” (THOMPSON, 1992, p.298).

Neste estudo, optou-se por realizar transcrição o mais próximo possível do

que foi dito, com indicação entre colchetes de expressões do narrador, quando

64

marcantes; apresentação dos textos às narradoras para leitura e conferência do

texto, tendo em vista a checagem da forma de escrita de algumas palavras

mencionadas e para oportunizar a elas a leitura de suas palavras; bem como

apresentação dos textos às narradoras para checagem se desejavam omitir trechos

ou suprimir nomes citados. As narrativas são apresentadas neste manuscrito em

partes e não na íntegra, como informado às narradoras.

Sobre a história oral, em suas diferentes formas, penso ser importante a

afirmativa de Thompson de que: “A história oral devolve a história às pessoas em

suas próprias palavras. E ao lhes dar um passado, ajuda-as também a caminhar

para um futuro construído por elas mesmas” (THOMPSON, 1992, p.337).

2.2.1 Passo a passos do caminhar com a história oral no contexto desteestudo

Após as reflexões teóricas sobre a metodologia da história oral, parto para a

exposição sobre os passo a passos realizados neste estudo, quanto à realização

das entrevistas e de suas análises. Para este estudo foram entrevistadas três

participantes do Projeto “Construindo Histórias e Identidades” e de seus

desdobramentos. Para a seleção das participantes entrevistadas, foram critérios de

exclusão a não conclusão do curso de formação proposto pelo Projeto, a não

realização de estudo e registro sobre patrimônio cultural da comunidade, contando,

também, com narrativa(s) oral(is) de pessoa(s) do território e não aceite em assinar

o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (CEP/UNIVILLE).

Para garantir diversidade entre as pessoas a serem entrevistadas, foram

eleitas participantes do projeto vinculadas à gestão pública municipal, à rede de

ensino e à comunidade, entendendo aqui pessoa vinculada à comunidade como

sujeito não vinculado à gestão pública ou à rede de ensino.

A eleição das participantes entrevistadas deu-se respeitando os critérios de

exclusão supracitados, bem como a busca pela diversidade acima exposta. Além

disso, a seleção das entrevistadas deu-se segundo minha possibilidade de

constatação de engajamento das participantes no processo de estudo e registro

sobre história de patrimônio cultural da comunidade, por meio da observação de

alguns encontros do Projeto e de seus desdobramentos, bem como facilidade de

65

acesso às entrevistadas. A justificativa da escolha de cada entrevistada será

apresentada no capítulo de apresentação e análise das entrevistas.

Após maior aproximação com o campo e melhor delimitação dos objetivos do

estudo, no primeiro semestre de 2017, foram selecionadas algumas perguntas do

roteiro de entrevista inicial pensado para a pesquisa, roteiro guarda-chuva do projeto

com questões relacionadas a diferentes temas dentro da grande temática

relacionada a este estudo. Feito o recorte do roteiro inicial (perguntas dele

selecionadas), realizou-se pré-entrevista com duas participantes do Projeto, o que

auxiliou na revisão final do roteiro.

Na ocasião da pré-entrevista, o encontro com cada uma das participantes

deu-se no local da cidade sobre o qual elegeram estudar e fazer registro escrito.

Nesse contexto, pude conhecer mais a cidade e suas histórias por meio da narrativa

das participantes e lançar perguntas, inspirada no roteiro de entrevista, para maior

aproximação com a experiência das entrevistadas no que diz respeito ao estudo, à

escuta e ao registro sobre o bem cultural do território por elas escolhidos. O

encontro não foi gravado em áudio. Fiz registro, após os encontros, em caderno de

campo.

A reflexão sobre as pré-entrevistas indicou a necessidade da redução do

número de perguntas, de forma a utilizar as que se restrinjissem aos temas que

seriam possíveis, na ocasião deste estudo, debruçar-se para análise. À guisa de

exemplo, a pergunta: “No Projeto ‘Construindo histórias e identidades’, como foi para

você escrever sobre sua história de vida?”, foi retirada do roteiro, tendo em vista que

a proposta de exercício de escrita do narrar sobre si compôs os recursos de ensino

e aprendizagem do desdobramento do curso, mas que não mais compõe os

objetivos de estudo desta pesquisa. Como adverte Alberti, ao refletir sobre os

caminhos de se chegar ao conhecimento de si e do(a) outra(a):

É claro que, ao contar sua história a outrem, o entrevistado estaráelaborando o passado e fazendo descobertas sobre si mesmo. A realizaçãode entrevistas de história de vida terá sempre relação com processos deconstrução de identidades. Mas daí a tornar essa construção objetivo dapesquisa vai uma grande diferença (ALBERTI, 2004, p.52).

O termo “história de vida” foi retirado do roteiro de entrevista, limitando-se a

investigar a experiência dos participantes do Projeto com o estudo, a escuta e o

66

registro de histórias de patrimônios culturais da comunidade ligados à cultura

material e imaterial. Percebeu-se, ainda, a necessidade de ajustes nas palavras e

modo de formular a pergunta para que fosse compreendida. O roteiro de entrevista

definido para as entrevistas gravadas encontra-se no Apêndice F.

Sobre a pré-entrevista, também chamada de estudo exploratório, Bosi (2003,

p.60) considera essencial “(...) não só porque ela nos ensina a fazer e a refazer o

futuro roteiro da entrevista. Desse encontro prévio é que se podem extrair questões

na linguagem usual do depoente, detectando temas promissores. A pré-entrevista

abre caminhos insuspeitados para a investigação”. A autora, diante dos muitos anos

de orientação, faz sugestões para jovem pesquisador(a) estudioso(a) da memória

que entrevista idosos, trabalhando a autora com histórias de vida. Entendo que as

sugestões dadas podem beneficiar pesquisadoras e pesquisadores que trabalham

com memória oral, de uma forma geral, e assim entendendo, compartilhei aqui sua

orientação.

Tendo em vista esse movimento de ajustes ao longo do caminhar, Deslandes

(2001), sobre a pesquisa qualitativa, em obra organizada por Minayo, diz que:

Quando tratamos da pesquisa qualitativa, frequentemente as atividades quecompõem a fase exploratória, além de antecederem à construção doprojeto, também a sucedem. Muitas vezes, por exemplo, é necessário umaaproximação maior com o campo de observação para melhor delinearmosoutras questões, tais como os instrumentos de investigação e o grupo depesquisa (DESLANDES, 2001, p.31).

Após a realização das pré-entrevistas e ajuste do roteiro, foram realizadas as

entrevistas gravadas com as participantes do projeto. O intervalo entre as pré-

entrevistas e as entrevistas gravadas com as narradoras participantes do Projeto foi

de aproximadamente dois meses. Para a entrevista gravada, o encontro ocorreu no

Museu Histórico Municipal de Massaranduba.

Posteriormente, foi realizada transcrição literal, o mais próximo possível do

que foi dito, com indicação entre colchetes de expressões da narradora, quando

marcantes. As transcrições das narrativas foram apresentadas às narradoras,

individualmente, para leitura e conferência do texto, tendo em vista, como já exposto

acima, a checagem da forma de escrita de algumas palavras mencionadas e para

oportunizar a elas a leitura de suas palavras. Também foram informadas que caso

considerassem necessário, seriam omitidos trechos ou suprimido nomes citados se

67

não autorizassem sua divulgação. Nenhuma das narradoras solicitou que trechos

fossem omitidos ou nomes suprimidos. Foram informadas que as narrativas seriam

apresentadas neste manuscrito em partes e não na íntegra, bem que,

provavelmente, assim seria também em trabalhos apresentados em eventos.

O encontro com as narradoras para apresentação da transcrição das

narrativas foi um momento, para mim, especial, pois pude presenciar o que falou

Thompson (1992) sobre a história oral devolver a história às pessoas em suas

próprias palavras. Foi especial ver as narradoras envoltas pela leitura e ouvir, por

vezes, comentários reflexivos sobre suas palavras.

Sobre o processo de análise de entrevistas, Santhiago e Magalhães (2015)

afirmam que:

Todo o processo de trabalho com história oral é interpretativo: desde aseleção de temas, como a formulação de projetos e a indicação dosentrevistados, refletimos continuamente, elaboramos e reelaboramoshipóteses, percebendo os rumos da pesquisa e nos comportando de acordocom essa percepção. Existe, porém, um momento em que esse trabalhointerpretativo se torna explícito: é quando analisamos as entrevistascoletadas (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2000, p.130).

Assim: “A análise é o momento em que são buscados os sentidos de uma

entrevista. Analisar significa, literalmente, decompor o todo em suas partes

constituintes.” As entrevistas são discutidas do ponto de vista individual e em seu

conjunto (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2000, p.131).

A análise de dados faz parte, assim, de todo o desenvolvimento desta

pesquisa, sendo envolvida por referencial teórico, observação participante que

auxiliou na aproximação com o contexto, trabalho com fontes orais e escritas,

alinhavadas aos objetivos deste estudo.

No Apêndice E deste manuscrito é apresentada a matriz de referência da

pesquisa desenvolvida. Nesta, de forma compilada, favorecendo a visualização da

organização geral do estudo, constam informações quanto ao título, objeto de

estudo, lócus de pesquisa, participantes, abordagem, instrumentos de coleta

utilizados, forma de análise de dados, objetivo geral, objetivos específicos, questão

de pesquisa e questões do roteiro de entrevista, relacionando essas últimas com

objetivos a que respondem.

68

2.2.2 Entre narrativas, memórias, saberes: encontro com as narradoras

Neste estudo, foram entrevistadas três participantes do Projeto “Construindo

Histórias e Identidades”, e de seus desdobramentos, da SECET/MASSARANDUBA.

A entrevista com as duas primeiras narradoras, individualmente, ocorreu no Museu

Histórico Municipal de Massaranduba, espaço localizado no centro administrativo do

município e familiar para a entrevistadora e para as narradoras. A entrevista com a

terceira narradora ocorreu no espaço de uma escola da rede pública de ensino.

Como já exposto, foram eleitas participantes do projeto vinculadas à gestão

pública municipal, à rede de ensino e à comunidade, entendendo aqui pessoa

vinculada à comunidade como pessoa não vinculada à gestão pública ou à rede de

ensino. São utilizados neste manuscrito nomes fictícios, nomes de flores por mim

escolhidos.

Quase a totalidade das pessoas que participaram do Projeto e de seus

desdobramentos estão vinculadas à rede pública de ensino. A pessoa vinculada à

comunidade entrevistada neste estudo é aqui representada pelo nome Camélia,

nome de flor muito plantada em jardins e quintais de avós e avôs na região sul do

Brasil. A escolha da Camélia para compor as narrativas deste estudo deu-se por ser

uma professora aposentada e por ter sido para mim possível perceber, durante

observação participante, seu engajamento no que diz respeito ao cuidado com a

memória da casa centenária onde vive, tema por ela eleito para realizar estudo e

registro escrito.

Camélia, 53 anos, na ocasião da entrevista, cedida dia 14 de junho de 2017,

contou que nasceu, estudou e trabalhou em Massaranduba. Estudou pedagogia e,

nos anos 1990, fez pós-graduação em informática na educação. Trabalhou como

professora em escola pública no ensino fundamental por 35 anos. Conheceu quase

todas as famílias que residiram em sua comunidade. Adorou ser professora e sente

muito orgulho de ter participado da escola e da vida da comunidade. Conta que está

aposentada há quatro anos e que, hoje, colabora com a comunidade no que pode,

em outras áreas, não na educação, entendendo que se referia ao ensino formal.

Na proposta de escrita sobre memórias do município, Camélia escolheu como

tema a história da casa centenária onde vive (construção do século XIX). Morou

sempre na mesma região do município e mudou-se para essa casa pouco antes de

aposentar-se. Informou que a casa faz parte de um complexo que foi polo da

69

comunidade no passado. Nesse polo, era vendido e comprado tudo o que era

produzido na região, bem como foram instaladas pessoas que prestavam serviços,

como seleiro, ferreiro, dentista.

A pessoa vinculada à gestão pública entrevistada neste estudo é representada

pelo nome Margarida, nome de uma flor que busca luz no amanhecer, como quem

busca com alegria olhar o mundo. A escolha da Margarida deu-se por trabalhar na

Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Turismo de Massaranduba

ligada ao setor da Educação.

Na entrevista, cedida dia 14 de junho de 2017, Margarida contou que tem 36

anos, e que sempre residiu em Massaranduba. Estudou até a oitava série e o

magistério em escolas públicas. Cursou pedagogia em universidade que tinha polo

em seu município. Fez especialização em gestão escolar (orientação, supervisão e

administração escolar). Há dois anos concluiu mestrado em instituição de Itajaí. É

profissional concursada do município. Iniciou na educação infantil. Posteriormente,

trabalhou no ensino fundamental em sala de aula, direção e secretaria. Desde 2010,

está designada para a SECET/MASSARANDUBA.

Na proposta de escrita sobre memórias do município, Margarida escolheu

como tema a história da rua onde mora desde a infância, rua que seu avô ajudou a

abrir em um mutirão.

A terceira pessoa entrevistada é vinculada à rede de ensino e é neste estudo

representada pelo nome Íris, nome de flor associada ao conhecimento, à amizade e

à esperança. A escolha da Íris deu-se por abordar na proposta de escrita sobre

memórias do município uma temática relacionada à cultura imaterial, diversificando

aqui as temáticas discutidas.

Na entrevista, cedida dia 14 de agosto de 2017, Íris contou que tem 39 anos e

que mora em Massaranduba desde que nasceu. É graduada em pedagogia e pós-

graduada em psicopedagogia. Trabalha na Educação há 19 anos. Ao longo da vida,

já exerceu várias funções em uma mesma escola. Já foi diretora, diretora-adjunta,

orientadora e, atualmente, trabalha como professora nas séries iniciais (turma de

primeiro ano e sala de apoio para estudantes com dificuldades de aprendizagem).

Na proposta de escrita sobre memórias do município, Íris escolheu como tema

a manifestação cultural Bom Princípio de Ano Novo. Trata-se de uma festividade que

acontece no primeiro dia do ano, nas primeiras horas, ainda na madrugada. Nessa

ocasião, crianças e adultos andam pelas ruas da comunidade e passam nas casas

70

desejando feliz ano novo, sendo as crianças presenteadas pelas famílias com doces

e dinheiro.

Em meio a narrativas, lembranças e saberes deram-se os encontros com as

narradoras, momentos de diálogos, momentos de fala e de escuta. Camélia,

Margarida, Íris, uma casa, uma rua, uma festividade, elementos de um território

envolto por memórias, saberes e fazeres, território envolto pela cultura e educação.

3. EDUCAÇÃO E CULTURA: territórios envoltos por encontros, narrativas,

memórias, saberes e fazeres

Este capítulo discute, essencialmente, sobre educação e cultura, entendendo-

as como intrínsecas, difusas em diferentes espaços e envoltas pelas memórias e

pelas narrativas. Em meio a esse contexto, aborda-se o entendimento aqui utilizado

sobre prática educativa e formação humana.

São abordadas, ainda, ao final deste capítulo, contribuições de autores e

autoras no que diz respeito a reflexões sobre práticas educativas que lançam o olhar

para o território, as memórias, as narrativas, os saberes e fazeres.

3.1 Educação e práticas educativas: redes e trocas

Entre os seres humanos e os demais animais da Terra há muitas semelhanças

genéticas, biológicas e até mesmo psicológicas. Há, também, diferenças relevantes,

sendo uma delas essencial: a cultura. Outros animais, como o pássaro João de

Barro - que constrói uma engenhosa “casa”, constroem sempre o mesmo e da

mesma forma, como uma extensão natural da sua biologia, com mudanças mínimas

ao longo dos milênios. Os seres humanos, diferentemente, são seres “aprendentes”,

aprendendo e reaprendendo ao longo do tempo (BRANDÃO, 2008).

Somos pessoas humanas que dependemos inteiramente dos outros e denossas interações afetivas e significativas com eles para aprendermos atémesmo a sermos… pessoas. Tartarugas nem sequer das mães necessitampara saírem dos ovos e da areia prontas para a vida. Pássaros precisam damãe ou do par de pais para completarem por algum tempo, sobre a biologiado corpo, aquilo que é o saber da espécie e se individualiza em cada umdeles. Lobos (...) precisam conviver um tempo maior com os pais e, depois,com a comunidade da alcatéia, para se socializarem completamente.Macacos (...) mais ainda. Eles aprendem com os pais e com outros de seusbandos, por um tempo ainda maior. E entre eles há jogos expressivos, ritose cuidados afetivos que os aproximam muitos de nós, os humanos(BRANDÃO, 2008, p.28-29).

O ser humano, por sua vez, é o “(...) extremo da experiência em que a vida de

um indivíduo precisa aprender interativa, social e culturalmente, para tornar-se um

ser pessoal, uma pessoa” (BRANDÃO, 2008, p.29) E por sermos seres

“aprendentes”:

72

(...) a educação tem, na criação da vida humana, um lugar bastante maisessencial do que em geral imaginamos. Na verdade, como seresinteiramente dependentes de processos culturais de socialização (detransformação de um indivíduo em uma pessoa) somos e seremos semprea educação que criamos e que criaremos, para que ela continuamente nosrecrie. A nós e aos nossos filhos (BRANDÃO, 2008, p.29).

Os seres humanos sabem pensar reflexiva e simbolicamente. Criaram teorias,

crenças, ciências, mitos, religiões, artes e outras formas culturais de dar sentido à

vida. São criadores de diferentes culturas e modos de vida. “A cultura existe nas

diversas maneiras por meio das quais criamos e recriamos as teias, as tessituras e

os tecidos sociais de símbolos e de significados que atribuímos a nós próprios, às

nossas vidas e aos nossos mundos” (BRANDÃO, 2008, p.31).

A educação existe difusa em todos os mundos sociais nas diversas práticas

do aprender, da família à comunidade, sem classes de alunos e livros e mais adiante

com escolas, salas, professores e professoras e métodos pedagógicos. “A educação

pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam

para tornar comum, como saber, como idéia, como crença, aquilo que é comunitário

como bem, como trabalho ou como vida” (BRANDÃO, 1984, p.10).

A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociaisque a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura29, emsua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para queelas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber queatravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras dotrabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologiaque qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo ea de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza eentre os homens, trocas que existem dentro do mundo social onde a própriaeducação habita, e desde onde ajuda a explicar - às vezes a ocultar, àsvezes a inculcar - de geração em geração, a necessidade da existência desua ordem (BRANDÃO, 1984, p.10-11).

29 Sobre cultura, endoculturação e socialização, Brandão (1984, p.25) explica que: “Tudo o que existetransformado da natureza pelo trabalho do homem e significado pela sua consciência é uma parte desua cultura: o pote de barro, as palavras da tribo, a tecnologia da agricultura, da caça ou da pesca, oestilo dos gestos do corpo nos atos de amor, o sistema de crenças religiosas, as estórias da históriaque explica quem aquela gente é e de onde veio, as técnicas e situações de transmissão do saber.Tudo o que existe disponível e criado em uma cultura como conhecimento que se adquire através daexperiência pessoal com o mundo ou com o outro; tudo o que se aprende de um modo ou de outrofaz parte do processo de endoculturação, através do qual um grupo social aos poucos socializa, emsua cultura, os seus membros, como tipos de sujeitos sociais”.

73

A educação “(...) aparece sempre que surgem formas sociais de condução e

controle da aventura de ensinar-e-aprender.” O ensino formal30 é a educação

submetida à pedagogia, à teoria da educação, com seus métodos, regras, tempos e

executores especializados (BRANDÃO, 1984, p.26).

Sobre o ensinar e aprender, Freire (2011) considera que:

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa, e foi aprendendo socialmenteque, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possívelensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos temposmulheres e homens31 perceberam que era possível - depois, preciso -trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar (FREIRE, 2011, p.25-26).

Freire, assim, percebe a existência do aprender e ensinar no contexto social e

no envolto por caminhos e métodos. Entre os fenômenos vitais dos seres humanos,

além do ensinar e aprender, chama a atenção para o inacabamento e para a

curiosidade.

Compreende que o inacabamento do ser humano é próprio da experiência

vital, de forma que onde há vida existe inacabamento. Apenas entre mulheres e

homens, contudo, tornou-se consciente sobre sua inconclusão. Entende curiosidade

como “(…) inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como

pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de

atenção que sugere alerta, faz parte integrante do fenômeno vital”. Da inconclusão

do ser humano de que se tornou consciente, segundo o autor, que se assenta sua

educabilidade e inserção em permanente movimento de busca (FREIRE, 2011,

p.33).

30 Para Gohn (2016), a educação é um conjunto que inclui a educação formal, informal e não formal.Sobre isso, afirma que, “(...) a educação propriamente dita é um conjunto, uma somatória que inclui aarticulação entre educação formal – aquela recebida na escola via matérias e disciplinas, normatizada–, a educação informal – que é aquela que os indivíduos assimilam pelo local onde nascem, pelafamília, religião que professam, por meio do pertencimento, da região, do território e da classe socialda família – e a não formal, que tem um campo próprio, embora possa se articular com as duas. Já anão formal engloba os saberes e os aprendizados gerados ao longo da vida, principalmente emexperiências envolvendo a participação social, cultural ou política em determinados processos deaprendizagens, tais como projetos sociais, movimentos sociais etc. Há sempre uma intencionalidadenestes processos. Assim, a educação não formal contribui para a produção do saber na medida emque atua no campo no qual os indivíduos atuam como cidadãos. Ela aglutina ideias e saberesproduzidos pelo compartilhamento de experiências, produz conhecimento pela reflexão, faz ocruzamento entre saberes herdados e saberes novos adquiridos” (GOHN, 2016, p.61).31 Sobre a natureza de mulheres e homens, Freire (2011, p.37) diz ser “Natureza entendida comosocial e historicamente constituindo-se, e não como um a priori da história”.

74

Freire (2011, p.17-18) entende prática educativa enquanto prática formadora e

inseparável da ética universal do ser humano. Ao buscar delimitar de que ética

refere-se, diz, entre outros aspectos, que: “A ética de que falo é a que se sabe

afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta

ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças,

jovens ou com adultos, que devemos lutar”.

Entende prática educativa, também, “(…) como um exercício constante em

favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos”

(FREIRE, 2011, p.142). Por autonomia, Freire entende:

(…) enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Nãoocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomiatem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e daresponsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade(FREIRE, 2011, p.105).

Para Freire (2011, p.68), tendo em vista professores e professoras, entende

que, “(…) prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando,

aprende, outro que, aprendendo, ensina (...)”; conteúdos a serem ensinados e

aprendidos; uso de métodos; técnicas; materiais; e objetivo, não sendo assim,

neutra32. Considera, ainda, que envolve “(…) afetividade33, alegria, capacidade

científica, domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da

permanência do hoje” (FREIRE, 2011, p.140).

Afirma que: “Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não

resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de

refazer o ensinado (...)”. A prática educativo-crítica é, então, a que ao autor interessa

32 Para Freire (2011, p.108-109): “Para que a educação fosse neutra era preciso que não houvessediscordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, comrelação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a ser encarnados. Era preciso que nãohouvesse, em nosso caso, por exemplo, nenhuma divergência em face da fome e da miséria no Brasile no mundo; era necessário que toda a população nacional aceitasse mesmo que elas, miséria efome, aqui e fora daqui, são uma fatalidade do fim do século. Era preciso também que houvesseunanimidade na forma de enfrentá-las para superá-las. Para que a educação não fosse uma formapolítica de intervenção no mundo era indispensável que o mundo em que ela se desse não fossehumano. (…) O que devo pretender não é a neutralidade da educação, mas o respeito, a toda prova,aos educandos, aos educadores e às educadoras”.33 Freire (2011, p.138) associa a ideia de afetividade ao querer bem aos educandos e à práticaeducativa de que se participa. Descarta “(...) como falsa a separação radical entre seriedade docentee afetividade. Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professorquanto mais severo, mais frio, mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com osalunos no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar”.

75

e sobre esta elenca saberes que entende serem fundamentais na relação

educadores-educandos (FREIRE, 2011, p.26).

Considera um saber fundante da prática educativa o da nossa inconclusão

assumida. Afirma que “(…) inacabados e conscientes do inacabamento, abertos à

procura, curiosos, ‘programados, mas para aprender’, exercitaremos tanto mais e

melhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não

puros objetos do processo nos façamos” (FREIRE, 2011, p.58).

Um dos outros saberes fundamentais à prática educativo-crítica é o que alerta

para a necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade

epistemológica, que diz respeito ao se aproximar de forma cada vez mais

metodicamente rigorosa do objeto, encontrando achados com maior exatidão,

devendo estar a curiosidade, como sua liberdade, sujeita a limites, limites

eticamente assumidos, respeitando os demais (FREIRE, 2011). Dentre outros

saberes elencados pelo autor, entende que:

Este é outro saber indispensável à prática docente. O saber daimpossibilidade de desunir o ensino dos conteúdos da formação ética doseducandos. De separar prática de teoria, autoridade de liberdade,ignorância34 de saber, respeito ao professor de respeito aos alunos, ensinarde aprender. Nenhum destes termos pode ser mecanicistamente separadoum do outro (FREIRE, 2011, p.93).

Diante do exposto, compreende-se neste trabalho que a educação e a cultura

são elementos intrínsecos, que se moldam continuamente, e que processos de

ensinar e aprender encontram-se em diferentes espaços, praticados pelas pessoas

socialmente e por pessoas com formação técnica especializada. Compreende-se,

ainda, o ser humano, mulheres e homens, como ser inacabado, inconcluso, curioso

e consciente do seu inacabamento, o que coloca a educação como processo

permanente.

34 Para Freire (2014), não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos. Diz que: “Minha segurançase funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que possosaber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei. Minha segurança se alicerça no saberconfirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta, deum lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para conhecer” (FREIRE, 2011, p.132).

76

3.2 Educação dialógica e formação humana: o pensar mediatizado pelarealidade

Como já exposto acima, para Freire (2011; 2014) o ser humano é inconcluso e

é em função do saber ser inacabado que a educação se funda como processo

permanente, na busca pelo conhecer a si e ao mundo. Considera a humanização a

vocação ontológica dos seres humanos, apesar da desumanização também ser uma

possibilidade dentro da história, em contexto concreto, sendo, nesse caso, sua

vocação negada quando há injustiça, opressão, violência.

A perspectiva freiriana critica a educação “bancária” e valoriza a educação

dialógica. Sobre educação “bancária”, Freire (2014, p.80) diz que: “Em lugar de

comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras

incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.” Esse tipo de prática,

segundo o autor, implica em uma espécie de anestesia e inibição do poder criador

dos educandos. Considera

Que o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidadedo pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, naintercomunicação. Por isto, o pensar daquele não pode ser um pensar paraestes nem a estes imposto. Daí que não deva ser um pensar no isolamento,na torre de marfim, mas na e pela comunicação, em torno, repitamos, deuma realidade (FREIRE, 2014, p.89-90).

Entende que a educação não deve ser depósitos de conteúdos e sim

problematização dos seres humanos em suas relações com o mundo, educação que

afirma a dialogicidade e se faz dialógica. Nessa perspectiva: “Já agora ninguém

educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se

educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. Na prática “bancária”,

diferentemente, os objetos cognoscíveis “(…) são possuídos pelo educador que os

descreve ou os deposita nos educandos passivos” (FREIRE, 2014, p.96).

No diálogo: “Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem

sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais”. O diálogo

exige, ainda, esperança no poder fazer e refazer, criar e recriar do ser humano

(FREIRE, 2014, p.112).

Na comunicação é importante a fala, a escuta e o silêncio.

77

A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental. De umlado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito e não como objeto, afala comunicante de alguém, procure “entrar” no movimento interno do seupensamento, virando linguagem; de outro, torna possível a quem fala,realmente comprometido com comunicar e não com fazer puroscomunicados, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou.Fora disso, fenece a comunicação (FREIRE, 2011, p.115).

No sentido freiriano, escutar

(...) significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escutapara a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro.Isso não quer dizer, evidentemente, que escutar exija de quem realmenteescuta sua redução ao outro que fala. Isso não seria escuta, masautoanulação. A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, acapacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar.Pelo contrário, é escutando bem que me preparo para melhor me colocar oumelhor me situar do ponto de vista das ideias (FREIRE, 2011, p.117).

Sobre a importância do saber escutar, Freire (2011, p.111) diz que: “Somente

quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas

condições, precise falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder

falar com é falar impositivamente”. Desta forma, uma escuta atenta à fala do(a)

outro(a) não serve para somente aprender com o(a) outro(a), mas também para falar

com o(a) outro(a), pois conforme a fala de Freire, só assim estaremos dialogando.

Chama a atenção para o respeito à diferença como uma das virtudes

necessárias para que a escuta possa acontecer. “Se me sinto superior ao diferente,

não importa quem seja, recuso escutá-lo ou escutá-la. (…) Se a estrutura do meu

pensamento é a única certa, irrepreensível, não posso escutar quem pensa e

elabora seu discurso de outra maneira que não a minha” (FREIRE, 2011, p.118).

Para Freire (2014, p.115): “Somente o diálogo, que implica um pensar crítico,

é capaz, também, de gerá-lo. Sem ele não há comunicação e sem esta não há

verdadeira educação.” A educação, nessa perspectiva, tem o papel de contribuir

para a construção de nível sempre mais elevado de humanização do mundo

(ZITKOSKI, 2008).

Retomo, aqui, a ideia de Brandão (2008), de que a vida de um indivíduo

necessita aprender interativa, social e culturalmente para se tornar uma pessoa,

bem como de que “(...) somos e seremos sempre a educação que criamos e que

criaremos, para que ela continuamente nos recrie. A nós e aos nossos filhos”

(BRANDÃO, 2008, p.29).

78

Dialoga com essas ideias a concepção de Freire (2011), de que o exercício

educativo do ser humano tem caráter formador. Formação, para ele, inclui a

preparação técnico-científica e vai mais além dela. Entende que: “A desconsideração

total pela formação integral do ser humano, a sua redução a puro treino fortalecem a

maneira autoritária de falar de cima para baixo, a que falta, por isso mesmo, a

intenção de sua democratização no falar com” (FREIRE, 2011, p.113).

Volto-me, novamente, também, a ideia de Brandão (1984), de que ninguém

escapa da educação, de forma que todos os dias envolvemos a vida com a

educação para aprender, ensinar, aprender e ensinar, para saber, fazer, conviver,

podendo ocorrer em diferentes espaços, como na rua ou na escola.

Resgato essa ideia para refletir sobre os saberes populares. Segundo o

mesmo autor, nas culturas populares existem formas de educação extraescolar. Ao

lado dos “mais velhos”, os “mais jovens” convivem com aprendizados simples e

complexos. Afirma que as culturas populares têm sido desqualificadas, em contexto

de uma educação utilitária e instrumental, “(...) em nome de formas únicas e

pretensamente civilizadas e eruditas do saber e do viver” (BRANDÃO, 2008, p.36). E

mais adiante:

Temos sido levados a pensar que apenas o conhecimento oficialmenteocidental e científico, originado em centros consagrados do sabercompetente, é válido, útil, confiável. (…) Outros sistemas de conhecimentos,de sentidos e de significados são igualmente fontes preciosas e originais desaber e de valor. (...) Tal como acontece entre diversas culturas, dentro deuma mesma cultura, a física nuclear, a poesia, a música e a matemática nãosão formas hierarquicamente desiguais de conhecimento. São experiênciasigualmente diferentes de sentir, de compreender e de interpretar o real e,nele, a vida e a condição humana (BRANDÃO, 2008, p.36-37).

Brandão (2008, p.37) chama a atenção para que, assim como ocorre nos

domínios das ciências e artes eruditas, há na criação popular, entre pescadores

artesanais, camponeses e tantos outros sujeitos, sistemas complexos de

conhecimento. “Complexos saberes técnicos, científicos, sociais e artísticos, com

que tanto se cura uma doença quanto se recorda a memória da história de um

povo”. O autor considera que na missão de educar, em um sentindo menos

utilitarista e mais humanamente integrado e interativo, um dos passos importante:

(...) estaria na redescoberta do valor humano e artístico das criaçõespopulares. Mas seria então necessário trazê-las para a escola e para aeducação, não como fragmento do que é pitoresco e curioso, ou como um

79

momento de aprendizado de hora de recreio. Ao contrário, o que importa éreaprender com a arte, com o imaginário e com a sabedoria do povo - dosvários povos do povo - outras sábias e criativas maneiras de viver, e desentir e pensar a vida com a sabedoria e a sensibilidade das artes e dasculturas do povo (BRANDÃO, 2008, p.37-38).

No presente estudo, é reconhecido que os saberes, os fazeres, as criações,

as memórias e as narrativas populares podem, também, contribuir em processos

educativos, bem como a importância dos encontros, falas, escutas e diálogos entre

os seres humanos, seja em interações sociais, seja em espaços educativos

especializados. O estudo busca melhor compreender os efeitos de práticas

educativas mediatizadas pelo patrimônio cultural da comunidade, ou seja,

realidades, e por narrativas orais, permeadas, assim, por falas, escutas, silêncios e

diálogos.

Ao pensar em formação humana, nesta pesquisa, busca-se anunciar que os

efeitos da prática educativa a que aqui se lança olhar não se restringem a aspectos

técnico-cientícos, sem os desconsiderar. É entendido aqui, desta forma, como

também de relevância efeitos, aprendizados, em um sentido mais amplo. Como já

exposto no texto de abertura deste manuscrito, tocou-me, ao conhecer o Projeto

“Construindo Histórias e Identidades” e seus desdobramentos, a observação da

percepção de uma participante de que ouvir a história de seus ascendentes

contribuiu para entender mais sobre a própria vida. Uma observação empírica

simples que cativou a vontade de busca, de entender mais, o que dialoga com o que

afirma Streck (2004), já mencionado acima, sobre pouco sabermos das coisas que

nos cercam, o simples, sendo a partir da abertura para o mundo que a pesquisa

começa.

A concepção de formação humana, aqui utilizada, associa-se, também, à ideia

de humanização, do caminhar no sentido oposto ao da injustiça, opressão, violência;

bem com a ideia de caminhar no sentido do respeito e do diálogo.

3.3 Memória, narrativa e educação

Assim como fui cativada pela observação empírica de simples falas de

participantes do Projeto “Construindo Histórias e Identidades”, despertando interesse

de estudo, o que foi comentado no texto de abertura deste manuscrito, assim

80

também fui por Ecléa Bosi ao ler sua conhecida obra intitulada Memória e

Sociedade: lembranças de velhos. Retomo a reflexão da Bosi (1994), já acima

apresentada, que diz que um mundo social que não conhecemos pode chegar a nós

pela memória dos velhos, podendo ser compreendido por pessoas que não o viveu e

até humanizar o presente.

Neste subtópico, são apresentadas palavras pronunciadas por distintos

autores e autoras que auxiliaram a pensar sobre memória, identidade, narrativa,

elementos importantes para a compreensão sobre a socialização humana e a

educação.

Enquanto as obras da psicóloga social Ecléa Bosi (1994; 2003) cativaram por

ser atravessada pela história das sensibilidades, busquei auxílio do antropólogo Joel

Candau (2016) para estudo do balanço sobre o campo tão vasto da memória e

identidade. O autor contribuiu, ainda, no que diz respeito às reflexões sobre como

um ser individual passa para formas coletivas, “(...) como os indivíduos chegam a

compartilhar práticas, representações, crenças, lembranças, produzindo, assim, em

uma determinada sociedade, aquilo que chamamos de cultura” (CANDAU, 2016,

p.11). O autor, ao refletir sobre o jogo social da memória e da identidade, tendo em

vista o transmitir e o receber, afirma que “Sem a mobilização da memória que é a

transmissão, já não há nem socialização nem educação (...)”. Expõe, ainda, que a

transmissão nunca será pura, atuando no complexo jogo da restituição e da

reconstrução, da lembrança e do esquecimento (CANDAU, 2016, p.105).

Walter Benjamim (1994) e as reflexões sobre a narrativa e Maurice Halbwachs

(2003) e o estudo sobre a memória coletiva também ganham aqui destaque,

recebendo o texto contribuições, ainda, de outros autores e autoras.

Sobre narrativa e oralidade, Bosi (2003, p.45) afirma que: “Ambas se

desenvolveram no tempo, falam no tempo e do tempo, recuperando na própria voz o

fluxo circular que a memória abre do presente para o passado e deste para o

presente”. Expõe que:

Quem está atento à escuta da voz e do pathos do narrador oral, que reviveos momentos cruciais de sua vida, consegue distinguir uma fala que, aomesmo tempo, produz imagens e conota a sentimento do tempo enquantoduração. Não é portanto uma linguagem de coisas (no sentido estreito defunção referencial), pois o que se lembra são momentos vividos, respostaspessoais, em suma, a melodia do passado interpretada pelo presente. Nãoé uma linguagem de coisas porque o autor da narrativa oral coincide

81

existencialmente com o seu sujeito; a duração do relato coincide com oTempo relembrado que assim é intuído por dentro (BOSI, 2003, p.48).

Para Bosi (1994, p.82), ao encontrar, o ancião, ouvidos atentos e ressonância,

a sua vida ganha uma finalidade. “O vínculo com outra época, a consciência de ter

suportado, compreendido muita coisa, traz para o ancião alegria e uma ocasião de

mostrar sua competência”.

Com isso, Bosi refletiu sobre o narrar e sobre a escuta. Mas o que alimenta as

memórias, matéria-prima das narrativas? A memória dividida em marcos, onde se

concentra a significação da vida; as lembranças de família; os espaços da memória;

a memória política; e a memória do trabalho são algumas substâncias sociais da

memória abordadas por Bosi (1994).

Expõe que se vivem tempos vivos e tempos mortos. Os tempos vivos

relacionam-se ao tempo biográfico em que há densidade de substância memorativa

no fluxo do tempo. Os tempos mortos dizem respeito às horas sem significação

biográfica, são os tempos vazios das filas, dos bancos, da burocracia que apenas se

suporta e que são multiplicadas na sociedade industrial. Com a rapidez e

descontinuidade das relações vividas ocorre ofuscamento perceptivo, embota-se a

observação do mundo e o conhecimento do outro (BOSI, 2003).

Sobre as lembranças de família diz que: “As lembranças do grupo doméstico

persistem matizadas em cada um de seus membros e constituem uma memória ao

mesmo tempo una e diferenciada.” Muitas lembranças anteriores ao nosso

nascimento são para nós contadas diversas vezes e passamos a relatar, muitas

delas, como nossas (BOSI, 1994, p.423).

Como substância social da memória também aparecem os espaços, estando

aí incluídos objetos, lugares, paisagem sonora típica de uma época, substâncias que

compõem um mapa afetivo da cidade (BOSI, 1994).

A respeito da memória política, observou na fala das pessoas entrevistadas

que os sujeitos não se contentam em fazer narrativas como testemunhas históricas

neutras, fazendo a marcação de sua posição no momento da história contada. Sobre

a memória do trabalho, observou que quanto mais as pessoas na velhice recordam

de um trabalho que fizeram com paixão, mais se esforçam em compartilhar, com

quem escuta, os segredos do ofício. Verifica nos memorialistas que compõem o livro

Memória e Sociedade: lembranças de velhos, valorização do trabalho evocado e

82

estranheza diante de alguns costumes atuais. Estando, segundo a autora, diante de

narradores de atitude geral progressista, analisa que “Não se trata simplesmente de

uma ‘ideologia’ saudosista (...). Vejo, antes de mais nada, um movimento peculiar à

memória do velho que tende a adquirir, na hora da transmissão aos mais jovens, a

forma de ensino, de conselho, de sabedoria (...)”, esclarecida por Walter Benjamin

ao interpretar a arte narrativa (BOSI, 1994, p.480-481).

Segundo Walter Benjamin (1994, p.205), a narrativa é, em certo sentido, uma

forma artesanal de comunicação: "Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em

seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a

mão do oleiro na argila do vaso". O narrador recorre ao acervo da vida, que inclui

experiências suas e alheias. Quem escuta uma história, ou ao ler, está em

companhia do narrador. Expõe, contudo, que tendo as atividades associadas ao

tédio extinguido-se na cidade, desaparece o dom de ouvir (BENJAMIN, 1994).

A arte de narrar, afirma Walter Benjamin (1994), está em vias de extinção35

decorrente de processo desenvolvido concomitantemente com a evolução das

forças produtivas ao longo dos séculos. Aponta que esse processo expulsa

gradativamente a narrativa da esfera do discurso vivo ao passo que também dá

nova beleza ao que está em processo de desaparecimento.

O ser humano moderno, acredita Bosi (1994, p.88), “(...) não cultiva o que ele

pode simplificar e abreviar”. Perdeu-se a arte da narrativa e a faculdade de escutar.

Aponta que a informação de imprensa e a narração são distintas. O receptor da

comunicação de massa: “Recebe um excesso de informações que saturam sua

fome de conhecer, incham sem nutrir, pois não há lenta mastigação e assimilação”

(BOSI, 1994, p.87).

Cabe aqui trazer, para a construção de uma rede teórica, as reflexões de

Freire sobre a narração. Ao fazer crítica à educação “bancária”, critica a “narração”,

mas é importante expor que o sentido que Freire (2014) confere a essa palavra não

é o mesmo dado por Benjamin (1994) e Bosi (1994; 2003). Freire (2014, p.79) critica

a “narração” do educador enquanto o: “Falar da realidade como algo parado,

estático, compartimentado (...) ou dissertar sobre algo completamente alheio à

experiência existencial dos educandos (...)”. Nesse sentido, diz que “A narração, de35 Benjamin (1994) reflete, também, sobre a atrofia da “aura” da arte na era da reprodutibilidadetécnica. O autor expõe que a reprodução exerce uma enorme atração sobre o ser humano moderno echama a atenção para a destruição da aura, da figura singular. As reflexões de Benjamin auxiliam apensar, assim, na extinção da narração, bem como no lugar de margem que os fazeressingularizados vão assumindo na sociedade industrializada.

83

que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do

conteúdo narrado” (FREIRE, 2014, p.80).

Ao afirmar, Benjamin (1994), que o narrador recorre ao acervo da vida, que

inclui experiências suas e alheias, e incorpora as coisas narradas à experiência dos

seus ouvintes, faz-me pensar que ele e Freire, mesmo atribuindo significados

distintos às palavras narrativa e narração, respectivamente, parecem andar em um

mesmo sentido no que se refere às qualidades necessárias para que exista

comunicação entre pessoas.

Dentre as orientações teóricas que embasam estudos da psicóloga social

Ecléa Bosi estão concepções de Henri Bergson, Maurice Halbwachs e Walter

Benjamin, autores que também são referências para muitos outros estudiosos e

estudiosas sobre memória e narrativa.

Bosi (1994; 2003) apresenta a distinção entre memória e percepção e os seus

modos de interação apoiada nas concepções de Bergson. Afirma que a percepção

era vista como resultado da interação do ambiente com o sistema nervoso e que

Bergson tornou mais denso o que parecia simples ao trazer as lembranças para o

jogo perceptivo, impregnando as representações. Assim:

O afloramento do passado se combina com o processo corporal e presenteda percepção. Começa-se a atribuir à memória uma função decisiva naexistência, já que ela permite a relação do corpo presente com o passado e,ao mesmo tempo, interfere no curso atual das representações (BOSI, 2003,p.36).

Desta forma, para ele, “(...) a percepção concreta precisa valer-se do passado

que de algum modo se conservou; a memória é essa reserva crescente a cada

instante e que dispõe da totalidade da nossa experiência adquirida.” (BOSI, 1994,

p.47). Para Bergson, segundo a autora, memória aparece como conservação do

passado, que sobrevive chamado pelo presente nas formas da lembrança ou em

estado inconsciente (BOSI, 1994), de forma que “(...) é do presente que parte o

chamado ao qual a lembrança responde” (BERGSON apud BOSI, 2003, p.38).

Bosi valeu-se, ainda, de orientações teóricas ancoradas em quadros de

referências sociais e historicamente determinados. Inspirou-se, entre outros, nos

estudos sobre memória coletiva de Halbwachs (BOSI, 2003, p. 53).

84

Enquanto Bergson parte da experiência individual do perceber e do lembrar

(BOSI, 2003), Halbwachs foi “(...) o principal estudioso das relações entre memória e

história pública”. Bergson fez o esforço de conferir à memória um estatuto espiritual

diferente da percepção. Para ele, o espírito conserva o passado na sua inteireza e

autonomia. Halbwachs relativiza a pureza da memória, de forma que cada memória

individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva (BOSI, 1994, p.53).

Em Bergson, o método introspectivo conduz a uma reflexão sobre amemória em si mesma, como subjetividade livre e conservação espiritual dopassado, sem que lhe parecesse pertinente fazer intervir quadroscondicionantes de teor social ou cultural. (...) Não há, no texto de Bergson,uma tematização dos sujeitos-que-lembram, nem das relações entresujeitos e as coisas lembradas; como estão ausentes os nexosinterpessoais, falta, a rigor, um tratamento da memória como fenômenosocial (BOSI, 1994, p.53-54).

Halbwachs modifica ou rejeita os resultados de Bergson.

A mudança de visada se dá na própria formulação do objeto a serapreendido: Halbwachs não vai estudar a memória, como tal, mas os“quadros sociais da memória”. Nessa linha de pesquisa, as relações aserem determinadas já não ficarão adstritas ao mundo da pessoa (relaçõesentre o corpo e o espírito, por exemplo), mas perseguirão a realidadeinterpessoal das instituições sociais. A memória do indivíduo depende doseu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com aIgreja, com a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos dereferência peculiares a esse indivíduo (BOSI, 1994, p.54).

Halbwachs (2003, p.30) afirma que: “Nossas lembranças permanecem

coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que

somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos”. Isso acontece

porque, para o autor, sempre levamos pessoas conosco e em nós.

O autor expõe que, “(...) cada memória individual é um ponto de vista sobre a

memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que

esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes”

(HALBWACHS, 2003, p.69).

Mesmo não estando na presença de outros, pode-se falar em memória

coletiva quando alguém evoca um fato que faz parte de um grupo de que faça parte

ou de que tenha feito parte, se mesmo à distância recebe sua influência. Há uma

85

“corrente de pensamento” social invisível, sendo reconhecida sua existência apenas

quando a ela resistimos (HALBWACHS, 2003).

Halbwachs (2003, p.102) diferencia memória coletiva da memória histórica36,

destacando dois aspectos. Sobre o primeiro, diz que a memória coletiva: “Ela é uma

corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade que nada tem de artificial,

pois não retém do passado senão o que ainda está vivo ou é capaz de viver na

consciência do grupo que a mantém. Por definição, não ultrapassa os limites desse

grupo”. A história examina os grupos de fora, abrange um período bastante longo e

observa as mudanças, as diferenças, percebendo o resultado final, como se a série

de acontecimentos históricos fosse aparentemente descontínua. A memória coletiva,

por sua vez, é um painel de semelhanças. Sobre o segundo aspecto, diz haver

muitas memórias coletivas, enquanto só existe uma história.

Sobre a memória coletiva, Halbwachs reflete ainda sobre o tempo e o espaço.

Considera que a maioria dos grupos esboça “(...) de algum modo sua forma sobre o

solo e encontram suas lembranças coletivas no contexto espacial assim definido.

Em outras palavras, há tantas maneiras de representar o espaço quanto grupos”

(HALBWACHS, 2003, p.188). Já a respeito do tempo, expõe que há divisões

convencionais dele que se impõem às pessoas, mas não há apenas um único tempo

social. As divisões do tempo tomam significados diferentes nos distintos grupos

(HALBWACHS, 2003).

Assmann (2016, p.117) afirma que: "A maior conquista do sociólogo francês

Maurice Halbwachs foi mostrar que nossa memória depende, como a consciência

em geral, de socialização e comunicação, e que a memória pode ser analisada

como uma função de nossa vida social."

Cabe aqui trazer as reflexões de Michael Pollak (1989) em que ressalta que:

(...) Halbwachs, longe de ver nessa memória coletiva uma imposição, umaforma específica de dominação ou violência simbólica, acentua as funçõespositivas desempenhadas pela memória comum, a saber, de reforçar acoesão social, não pela coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo, dondeo termo que utiliza, de "comunidade afetiva". Na tradição européia do séculoXIX, em Halbwachs, inclusive, a nação é a forma mais acabada de um

36 Halbwachs (2003) considera, na verdade, o termo memória histórica inapropriado, visto que histórianão é memória já que quem a lê não são os grupos de testemunhos ou atores dos acontecimentos.Entende, contudo, que um dos objetivos da história seja talvez fazer a ponte entre passado epresente.

86

grupo, e a memória nacional, a forma mais completa de uma memóriacoletiva (POLLAK, 1989, p.3).

O autor chama a atenção para o caráter destruidor, uniformizador e opressor

da memória coletiva nacional tendo em vista os(as) excluídos(as), os(as)

marginalizados(as) e as minorias. Expõe que "(...) essas memórias subterrâneas que

prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase

imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e

exacerbados. A memória entra em disputa" (POLLAK, 1989, p.4).

Candau (2016), por sua vez, concorda com as contribuições de Maurice

Halbwachs sobre a importância de quadros sociais que facilitam a memorização e

fazem com que uma corrente de pensamento social irrigue a rememoração, bem

como o esquecimento. Discorda, contudo, sobre a ideia de ver nas memórias

individuais os fragmentos da memória coletiva, de forma a ter a tendência dessa a

despojar as primeiras. Diz que:

Ao final, a memória coletiva segue as leis das memórias individuais que,permanentemente, mais ou menos influenciada pelos marcos depensamento e experiência da sociedade global, se reúnem e se dividem, seencontram e se perdem, se separam e se confundem, se aproximam e sedistanciam, múltiplas combinações que formam, assim, configuraçõesmemoriais mais ou menos estáveis, duráveis e homogêneas (CANDAU,2016, p.49).

Assim, o autor entende que toda memória é social, mas não necessariamente

coletiva. Reflete, então, sobre o que chama de retóricas holistas, entendida por ele

como “(...) o emprego de termos, expressões, figuras que visam designar conjuntos

supostamente estáveis, duráveis e homogêneos, conjuntos (...) tidos como

agregadores de elementos considerados, por natureza ou convenção, como

isomorfos” (CANDAU, 2016, p.29). Não considera a memória coletiva inexistente, e

sim chama a atenção para o grau de pertinência para aplicação das retóricas

holistas aplicadas à memória e à identidade (CANDAU, 2016).

Quanto a isso, faz uma distinção metodológica entre representações factuais,

“(...) que são representações relativas à existência de certos fatos (...)”; e

representações semânticas, “(...) que são as representações relativas ao sentido

atribuído a esses mesmos fatos” e formula hipóteses sobre o grau de pertinência

das retóricas holistas (CANDAU, 2016, p.39). Expõe que:

87

1) Quando as retóricas holísticas pressupõem o compartilhamento derepresentações factuais por todos os membros de um grupo, seu grau depertinência é proporcional à frequência da repetição dessas representaçõese inversamente proporcional ao tamanho do grupo considerado; 2) Quandoas retóricas holistas pressupõem o compartilhamento de representaçõessemânticas, seu grau de pertinência é sempre inferior ao das retóricasholistas aplicadas às representações factuais e é igualmente proporcional àfrequência da repetição dessas representações e inversamente proporcionalao tamanho do grupo e sua permeabilidade à dúvida. A permeabilidade àdúvida dependerá por vezes de fatores internos ao grupo (por exemplo, ocarisma maior ou menor do líder do grupo ou a existência de condições quepermitem que se constituam grandes categorias organizadoras derepresentações factuais e semânticas) e de fatores externos (frequência eintensidade da interação com outros grupos, por exemplo) (CANDAU, 2011,p.44).

Candau (2016, p.9) considera que memória e identidade estão

indissoluvelmente ligadas e opõe-se, como muitos pesquisadores, a concepções

essencialistas e fixistas de identidade, entendendo que “(...) essa seja uma

construção social, de certa maneira sempre acontecendo no quadro de uma relação

dialógica com o Outro.”

Acrescenta que: “Se a memória é ‘geradora’ de identidade, no sentido que

participa de sua construção, essa identidade, por outro lado, molda predisposições

que vão levar os indivíduos a ‘incorporar’ certos aspectos particulares do passado, a

fazer escolhas memoriais (...)” (CANDAU, 2016, p.19).

A perda da memória seria, assim, uma perda da identidade. Sem memória o

sujeito perde suas capacidades conceituais e cognitivas, vive apenas o momento

presente e sem a lembrança da sua gênese perde a consciência e o conhecimento

de si (CANDAU, 2016).

Candau (2016, p.61) entende que: “Através da memória o indivíduo capta e

compreende continuamente o mundo, manifesta suas intenções a esse respeito,

estrutura-o e coloca-o em ordem (tanto no tempo como no espaço) conferindo-lhe

sentido”.

Um indivíduo, ao narrar sua história, realiza um trabalho de memória que

nunca é puramente individual, ajusta-se às condições coletivas de sua expressão e,

como anunciou Halbwachs, não é possível dissociar os efeitos relacionados às

representações da identidade individual das ligadas às representações da identidade

coletiva. “Muitas de nossas lembranças existem porque encontramos eco a elas,

observação que conduziu Halbwachs a elaborar a noção de ‘quadros sociais da

88

memória’. Por isso, é um tecido memorial coletivo que vai alimentar o sentimento de

identidade” (CANDAU, 2016, p.77).

Importante mencionar que a narrativa ilumina alguns episódios e deixa outros

na sombra, “(...) é trabalhada pelo esquecimento ao qual se teme, pelas omissões

que se desejam e pelas amnésias que se ignoram, tanto quanto é estruturada pelas

múltiplas pulsões que, na classificação de nosso passado, nos fazem dar sentido e

coerência à nossa trajetória de vida” (CANDAU, 2016, p.76-77).

Sem a memória há risco do desaparecimento. Candau (2016) adverte,

contudo, que:

A memória esquecida, por consequência, não é sempre um campo deruínas, pois ela pode ser um canteiro de obras. O esquecimento não ésempre uma fragilidade da memória, um fracasso da restituição do passado.Ele pode ser o êxito de uma censura indispensável à estabilidade e àcoerência da representação que um indivíduo ou os membros de um grupofazem de si próprios (CANDAU, 2016,p.127).

Candau (2016, p.204) entende que a construção de identidades poderosas e

estáveis, atualmente, tem cedido lugar a identidades plurais, fragmentadas e

móveis, tendo as retóricas holistas grau de pertinência diminuído ou restrito “(...) a

uma aplicação muito localizada, frente precisamente a memórias e identidades

locais, particulares, limitadas a grupos cada vez mais fragmentados”.

O estudo sobre memória, identidades, narrativas auxilia a compreender o

movimento dos seres humanos, dos grupos e das instituições ao construírem

histórias e sendo a mobilização da memória, ou seja, a transmissão necessária para

que haja socialização e educação, como expôs Candau (2016), vejo a compreensão

de tal movimento como de grande importância para aumentar a compreensão sobre

a educação e a cultura. Este estudo entende educação e cultura como categorias

intrínsecas, e memória e narrativa como pertencentes a esses processos.

Cabe aqui trazer reflexão de Ecléa Bosi (2003) de que a história estudada na

escola não trata o passado recente e que pode parecer para os estudantes que foi

uma sucessão unilinear de lutas de classes ou de tomadas de poder por distintas

forças. Não contempla aspectos do quotidiano e os microcomportamentos. Ressalta

que a história apoiada apenas nos documentos oficiais não mostra as paixões

individuais escondidas atrás dos episódios.

89

As instituições, como a escola, são mediadoras formais dos constituintes da

cultura. Transmitem conteúdos, atitudes, valores. São instâncias interpretativas da

História e reproduzem versões solidificando uma certa memória social. A autora

entende a memória dos velhos como um intermediário informal da cultura, podendo

ser abordada como mediadora entre nossa geração e as testemunhas do passado.

Considera a memória oral um precioso instrumento, “(...) é fecunda quando exerce a

função de intermediário cultural entre gerações” (BOSI, 2003, p.73). Expõe que:

A memória oral, longe da unilateralidade para a qual tendem certasinstituições, faz intervir pontos de vista contraditórios, pelo menos distintosentre eles, e aí se encontra a sua maior riqueza. Ela não pode atingir umateoria da história nem pretender tal fato: ela ilustra o que chamamos hoje aHistória das Mentalidades, a História das Sensibilidades (BOSI, 2003, p.15).

Ao passo que considera a memória oral preciosa, pondera que histórias de

vida não substituirão um conceito ou uma teoria da História, que por mais ricos que

sejam os depoimentos colhidos, “(...) não podem tomar o lugar de uma teoria

totalizante que elucide estruturas e transformações econômicas, ou que expliquem

um processo social, uma revolução política” (BOSI, 2003, p.49).

Brandão (2008), como visto acima, considera que na criação popular, entre as

pessoas, há sistemas complexos de conhecimento com que, inclusive, se recorda a

memória da história de um povo. Neste estudo, a memória e a narrativa das pessoas

que com este colaboraram (entrevistadas), bem como das pessoas com quem estas

dialogaram durante o estudo e escrita sobre patrimônio cultural da comunidade são

valorizadas e em meio a narrativas, memórias e estudos busca compreender as

contribuições de prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural da

comunidade e a narrativa oral tendo em vista a formação humana. É aqui entendido,

assim como por Freire (2011; 2014) e Walter Benjamim (1994), o valor da narrativa e

da escuta quando se trata de comunicação entre pessoas; e que por meio da

memória das pessoas pode-se recordar um mundo social que não conhecemos e

humanizar o presente, como Bosi (1994) inspira a pensar.

90

3.4 Práticas educativas e o olhar para o território, as memórias, as narrativas,

os saberes e fazeres: o que dizem outros estudos

Neste tópico são apresentadas contribuições de autores e autoras no que diz

respeito a reflexões sobre práticas educativas que lançam o olhar para o território,

as memórias, as narrativas, os saberes e fazeres.

Jadir de Moura Pessoa (2005), ao discorrer sobre práticas educativas,

considera importante o olhar para a densidade humana de experiências passadas,

além do olhar para o futuro e para as novas tecnologias. Rememorando ofícios e

saberes comunitários, como os das parteiras, expõe que o ofício não é apenas o

exercício de uma profissão, é algo exercido com maestria e derivado de um

conhecimento vivencial, aprendido com alguém que já o fazia de forma bem feita. O

exercício de um ofício era resultado de longo processo de ensinar e aprender e era

desempenhado de acordo com as necessidades da comunidade. O autor

recomenda, então, que diante de um mestre de ofício dedique-se tempo para

perguntar sobre seu ofício.

Santhiago e Magalhães (2015), no livro intitulado História oral na sala de aula,

consideram que, por meio da fala, da escuta e do registro de histórias narradas, a

história oral possibilita o contato com a memória do passado e a cultura do presente,

bem como reforça laços entre pessoas, comunidades, gerações e tempos.

A metodologia da história oral vem cada vez mais sendo utilizada com

estudantes de graduação de distintas áreas. No ensino básico, contudo, isso não

vem ocorrendo. Em parte, isso se dá em função da carência ou ausência desse

conteúdo nos livros de metodologia de ensino das distintas disciplinas e, também,

por atuarem os(as) professores(as), muitas vezes, baseados nos livros didáticos

recebidos, livros que se voltam cada vez mais para as imagens (SANTHIAGO;

MAGALHÃES, 2015).

A obra História oral na sala de aula foi escrito em função da escassez de

publicações que orientem educadores sobre o uso pedagógico da história oral.

Volta-se fundamentalmente para o educador do ensino médio e oferece roteiro

prático orientado por conceitos. O autor e a autora supracitados afirmam que o uso

desse método exige preparação, planejamento, instrumentos e conhecimentos

prévios. Consideram a história oral “um método generoso para quem estiver

91

disposto a com ele criar e aprender”. A flexibilidade é uma de suas características

(SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.19).

A história oral como instrumento educativo constitui-se como sopro de ar

fresco em discussões sobre, por exemplo, a necessidade de maior aproximação

entre o conteúdo estudado na escola e a vida dos(das) estudantes. Alinha-se a ideia

de uma educação preocupada em auxiliar os(as) estudantes na construção da

habilidade de tomar decisões e agir frente aos fenômenos que ocorrem na vida

presente, respondendo aos desafios do seu tempo. “É um recurso que desperta as

perspectivas que falam em favor de um reforço da consciência histórica, científica,

cultural, das pessoas e de suas comunidades” (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015,

p.11).

Está afinada com modelo de ensino interativo. “Ela insere alunos, professores,

livros e narradores em uma mesma conversa cultural. (...) é um poderoso recurso de

aproximação e construção de teias de diálogo” (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015,

p.13).

Essas teias permitem que os estudantes:

sejam agentes do conhecimento, desenvolvendo a curiosidade e a habilidadeinvestigativa e participando ativamente no processo de construção do conhecimento;

tenham um aprendizado mais agradável e participativo, mobilizando habilidadesdiferentes daquelas normalmente requeridas em sala de aula. Múltiplas inteligências -inclusive a inteligência de saber lidar com outras pessoas e com suas emoções - sãodespertadas;

diversifiquem suas fontes de informação, percebendo que há diferentes formas decompreender e explicar os fatos e a realidade;

desenvolvam o pensamento crítico na leitura de suas fontes de informação e atentempara o fato de que elas não falam por si mesmas, mas dependem da intervenção ativa dopesquisador;

sensibilizem-se diante de pessoas diferentes, aprendendo a conviver com a diversidadede maneira respeitosa; (...)

passem a se reconhecer como protagonistas e produtores de história, reforçando suaconsciência histórica;A história oral ajuda o estudante a entender que a história não é feita somente porgrandes homens, com seus grandes feitos - mas abrange, igualmente, as histórias detodos os outros indivíduos, permeadas por projetos, desejos, expectativas, emoções,sonhos e frustrações.

entendam, com maior facilidade, conceitos abstratos (tempo, espaço, individual, social,local, nacional, por exemplo) que aparecem concretamente nas histórias de pessoas;

exercitem suas habilidades na comunicação oral e escrita, em cada um dos momentos detrabalho (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.13-14).

Entendem que a história oral “(...) tem valor como ferramenta de diálogo entre

pessoas, gerações, grupos; como instrumento decisivamente ligado ao respeito à

alteridade, à cidadania, à igualdade” (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.11).

92

Para Santhiago e Magalhães (2015), a história oral tem grande potencial para

abordar questões relacionadas ao patrimônio cultural. Afirmam que:

Os patrimônios imaterial e material de uma sociedade devem, portanto, servalorizados pelas novas gerações, atitude que se aprende por meio daeducação. A história oral como ferramenta de sala de aula tem um papelimportante no conhecimento que os alunos podem adquirir sobre astradições, os saberes e as práticas do grupo no qual estão inseridos. Issoporque o patrimônio imaterial dificilmente está registrado em outras fontesalém da memória das pessoas; nesse sentido, memória é tambémpatrimônio, e uma de suas formas pode ser capturada pelo gravador(SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.12-13).

Os autores argumentam que a história oral “(…) abre caminho para um tipo de

aprendizagem mais participativa e cidadã, contribuindo para a valorização da

memória da comunidade, da escola e da sociedade como um todo” (SANTHIAGO;

MAGALHÃES, 2015, p.202).

Mostra-se como importante, ainda, trazer as reflexões de Paim et al. (2012)

construídas a partir da experiência com oficinas pedagógicas realizadas com adultos

e crianças, envolvendo memórias, histórias e o olhar para a cidade, destacando,

aqui, reflexões traçados sobre o olhar para o território. A referida prática deu-se no

contexto da cidade de Campinas. As autoras e o autor consideram que:

(...) tomamos como uma das premissas do projeto que uma cidade acolheuma diversidade infinita de práticas socioculturais, valores e crenças. E, queem uma cidade temos comunidades plurais que se articulam no espaçourbano, reinventando lugares e modos de viver, que reafirmam relações depoder e exclusão e, ao mesmo tempo, muitas vezes, as subvertem e astransformam. Acreditamos que sem a percepção dessa pluralidade dehistórias e memórias que uma cidade acolhe, é difícil para qualquer pessoa,na condição de cidadão, vivenciar o sentimento de pertença a umacomunidade, conceber a existência de laços identitários e um destinocompartilhado e comum, entre si e as demais pessoas com as quaisconvive, nessa situação. Neste caso, sem a percepção dessa pluralidade dehistórias e memórias é difícil vivenciar a alteridade e a política; ainda nestecaso, o cidadão que não teve a sua história contemplada na versão queidentificamos como oficial tenderá a experimentar a sensação dedesenraizamento; tenderá a ter dificuldades para compreender a existênciade um passado e de experiências vividas coletivamente, naquela cidade,para além daquelas cristalizadas pela versão oficial (PAIM et al., 2012, p.6-7).

Entendem que uma cidade precisa ser contemplada e fruída esteticamente

pelas pessoas e que a vivência proporcionada no projeto por eles desenvolvida, com

construção de conhecimentos históricos e entrelaçamento de rede de saberes sobre

93

a cidade, possibilitaram fortalecimento de vínculos identitários e do sentimento de

enraizamento em um caminhar participativo e significativo para os envolvidos na

experiência (PAIM et al., 2012).

4. ENTRE ESCUTAS, ESTUDOS E REGISTROS: efeitos educativos da prática

educativa mediatizada pelo patrimônio cultural e a narrativa oral

Para este estudo, foram entrevistadas participantes do Projeto “Construindo

Histórias e Identidades” e de seus desdobramentos, da SECET/MASSARANDUBA.

Como já exposto, foram eleitas participantes do projeto vinculadas à gestão pública

municipal, à rede de ensino e à comunidade, entendendo aqui pessoa vinculada à

comunidade como pessoa não vinculada à gestão pública ou à rede de ensino,

representadas, neste manuscrito, pelos nomes fictícios: Margarida (36 anos), Íris (39

anos) e Camélia (53 anos).

Neste capítulo, são apresentados fragmentos das narrativas das pessoas

entrevistadas, buscando em meio as suas falas e a ideias de autores e autoras,

referências bibliográficas desse estudo, refletir sobre os efeitos de uma prática

educativa mediatizada pelo patrimônio cultural e pela narrativa oral tendo em vista a

formação humana.

Partiu-se, na ocasião da entrevista com as narradoras, do estímulo à fala

sobre si para melhor conhecê-las, como idade, tempo de residência em

Massaranduba, grau de instrução, cargo ou função que exerce e tempo de

experiência profissional, o que já foi compartilhado no segundo capítulo ao

apresentar as narradoras. A segunda temática da conversa com as narradoras, na

ocasião da entrevista, foi a respeito da motivação para a escrita sobre o tema por

elas escolhido. Após fala sobre si, partiu-se desse tema gerador por concordar com

Freire (2011), quando diz que entre os fenômenos vitais dos seres humanos, está o

ensinar e aprender, o inacabamento e a curiosidade.

Freire (2011), ao se referir aos saberes necessários à prática educativa,

considera fundamental que professores(as) e estudantes sejam

epistemologicamente curiosos, sendo a curiosidade sujeita a limites éticos e ao

respeito aos demais. Afirma que a curiosidade é o que move, o que insere na busca.

“É ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-conhecer” (FREIRE,

2011, p.84). Tendo em vista a importância da curiosidade epistemológica em

movimentos de ensinar e aprender que se partiu, nesta pesquisa, da busca pelas

motivações para a escrita sobre o tema por elas eleito.

A terceira temática diz respeito ao caminhar das narradoras na coleta das

informações sobre o tema escolhido, e a quarta temática é um convite à reflexão

95

sobre a importância ou não do estudo, registro e escuta das pessoas sobre o tema

eleito para o processo educativo das narradoras (pessoas por mim entrevistadas).

Este capítulo é organizado em subcapítulos, segundo esses temas geradores.

Importante mencionar que, a partir desses temas geradores, as narrativas das

pessoas que colaboram com este estudo trazem, ainda, outros mais para este texto.

4.1 Um olhar para o território: motivação para a escolha do tema estudado

Margarida, Camélia e Íris, na proposta de fazer registro escrito sobre um

patrimônio cultural do município, feita pelo Projeto “Construindo Histórias e

Identidades” e seus desdobramentos, elegeram, respectivamente, escrever sobre

uma rua, uma casa e uma festividade. Após breve fala sobre si, temática da primeira

conversa do roteiro de entrevista, falaram sobre a motivação para a escrita sobre o

tema por elas eleito, segundo tema gerador. Margarida conta que:

“Eu sempre gostei da parte da cultura, assim, isso me atrai, né?, a parte da cultura,

o trabalho da Ivoni. Então, eu acho que eu dou muita importância, assim, acho que,

desde pequena, assim, eu fui criada numa coisa de dar valor pras coisas mais

antigas, não deixar esquecidas. Valorizar, assim, o…, como identidade, assim. Tá

certo que, assim, teria uma questão de, teria uma questão, assim, de criação, de ...

Que aqui em Massaranduba tem muito isso das etnias, né? Alemã, polonesa,

italiana... [...] "Ah, eu sou polonesa". Então... Quando tem um evento, "Ah, o polonês

tem que fazer bonito". Pela família, também, a gente... do meu pai principalmente,

tem as reuniões familiares. [Feita pequena pausa em função de conversa próxima a

nós.] Tem as reuniões familiares e aí as músicas polonesas, trazido muito isso na

família que tem que valorizar, cultivar e... o que os avós deixaram. Então, isso veio

de criação, assim, de valorizar essa história da gente, enfim. E aí eu me identifico,

assim, com a Ivoni, com o trabalho dela, com a cultura do município. Vejo que o

município é... falta muito pra mostrar o que tem. Então, agora, com a organização do

museu tá começando, né? Muita coisa penso que já se perdeu, mas que a Ivoni

tenta resgatar. E aí veio essa coisa do curso, né? O curso, na verdade, era uma

parte de uma coisa maior que ela queria assim, que é buscar esse, essa valorização

da cultura no município. Então... foi, assim, um nicho, assim, começar por uma

96

formação, começar por professores pra chegar até os alunos pra se resgatar isso,

assim, né?, de sentimento de valor ao município, da cultura, de pertencimento que,

às vezes, a gente acha que isso se perde assim, que não se dá tanto valor. E aí veio

o curso, e aí a proposta foi crescendo e tomando outros rumos, e a proposta de

deixar escrito alguma coisa, né?, proposta da professora Tamanini. E aí, essa ideia

surgiu em uma fala da professora Tamanini assim, que ela ensina muito pra gente

né? Trouxe essa coisa do sentimento de pertencimento, né? Então, vamos escrever

alguma coisa que não está escrito ainda e que é uma micro-história e que faz parte

de uma história maior que também tem seu valor, né? Que, às vezes, as culturas

que se quer, né?, que se mantém são culturas mais elitizadas, né?, grandes heróis,

né?, e aí se esquece, não se fala, se deixa morrer as coisas pequenas que

formaram esse município, enfim, que tem tanta história, né? Esse sentimento a

professora trouxe. E aí eu pensei na minha rua, né? Porque minha rua, desde

criança, assim, eu ouço coisas dela, assim, é..., [...] que meu avô já falava, que "Ah,

eu participei do mutirão que abriu a tua rua." Que... que ... Abriu que se diz é... não

sei como é que fala... desmatou, enfim, abriu a rua. "Participei de um mutirão com o

padre." Então, isso me fez sentir mais pertencente ainda à rua, além de morar nela,

né?, desde criança. Tinha essa coisa que o vô já tava envolvido... uma fotinha que

ele tinha em casa. Ele morava em Guaramirim na época e eu descobri essa foto, eu

lembro, na minha infância, a avó mostrando daí pra gente as fotos antigas e dizendo

"Ó, esse mutirão aqui o vô tá e é tua rua." E eu disse, "Como assim é minha rua lá

em Massaranduba?" Ai não, contando a história, desde pequena ouvindo, assim.

Enfim, isso que me atraiu, assim, esse pertencimento e querer trazer uma coisa que

parece pequena e pra valorizar as coisas pequenas também. Não a minha rua em

si, mas dizer que cada coisa tem uma história bonita e que pode ser escrita e enfim,

que faz parte da cultura e da história do município, né?” (Margarida, 36 anos).

Diante da narrativa de Margarida, perguntei se a fotografia a que ela se referiu

a cativou de alguma forma. Margarida contou que:

“Eu não sei dizer. Acho que sim, acho que essa foto pra mim, é desde infância que

me motiva. Aquela foto antiga que eu trago no texto, que é preto e branca, e que diz

que meu avô tá lá, e que ele tava desbravando, né?, a rua junto com o padre, acho

que foi isso assim que... Essa coisa de é da minha rua” (Margarida, 36 anos).

97

Percebo na fala de Margarida, como compondo as motivações para a escolha

do tema, o gosto pela valorização e o não deixar no esquecimento a história do

grupo, repassado no ambiente familiar; o sentimento de pertencimento ao território

sobre o qual realizou a escrita; e valorização das micro-histórias, de uma forma

geral, que fazem parte da cultura e da história do município, percebendo valor nas

pequenas coisas.

Camélia, por sua vez, narra que:

“Eu sempre quis escrever essa história da da minha casa. Que eu moro numa casa

centenária. E... ela é o polo de toda a nossa comunidade. Se a gente for analisar,

tudo girou em torno desse complexo onde eu moro é, foi um grande complexo.

Então tinha lá do comércio a ... todas as áreas. E os primeiros, os que formaram lá o

comércio, que começaram a construir, começaram a aumentar as vendas, a compra

e venda, eles tinham uma visão muito grande de..., eu digo empreendedorismo.

Porque eles olhavam pra comunidade, o que a comunidade tinha de necessidade

eles buscavam e sanavam. Por exemplo, a comunidade precisava de um ferreiro.

Então eles iam em Jaraguá, Joinville, na região e traziam um casal, um ferreiro, uma

família e eles davam a casa. Eles davam a terra pra esse se instalar. Então veio o

seleiro, dentista, ferreiro, tudo em torno deles. E tudo o que era produzido, era

comprado e vendido ali. Então isso me inspirava muito. E como eu ainda tenho a

casa intacta, fazem anos que eu recebo escola, pessoas... [...] Então assim, isso

cativa muito. Me cativa muito. Vem pessoas assim, avô com o bisneto e eles querem

parar lá pra mostrar. "Aqui eu comprava", "Aqui eu vinha com minha mãe", "Aqui eu

trazia o milho para moer". Então, essa história não está escrita em lugar nenhum. E

eu penso, assim, que eu tenho uma responsabilidade muito grande em cima disso.

Se não ela vai sumir. Então, o que me motivou foi isso. E eu sempre queria

escrever ela até em forma, assim, de um documentário, alguma coisa que eu

pudesse mostrar pras crianças para que eles entendessem melhor isso. Não visse

como uma coisa muito longe. Eu percebo assim que ... nós, ainda da minha idade,

de cinquenta anos pra sessenta, nós ainda somos aqueles que viveram essas

dificuldades, essa transformação grande desde antes da energia elétrica até hoje as

facilidades de acesso aos grandes centros, a informática, a educação. Então, assim,

que nós temos essa responsabilidade, senão vai sumir. Meus filhos já tem algumas

98

coisas que já não sabem mais, meus netos já não vão ouvir mais e daí ... eu acho

que foi isso que me motivou” (Camélia, 53 anos).

Diante da narrativa da Camélia em que mencionou receber crianças na casa

centenária, perguntei sobre como isso começou e o que a motivou. Camélia conta

que:

“Eu sempre fui muito ... eu não sei se... ativa ... ou... eu sempre conversei, participei

muito das coisas enquanto professora. Onde tinha um curso, onde tinha um

encontro de professores eu ia. Então, eu participei com os, a gente, eu e mais

quatro, começamos lá em 84, a rabiscar os primeiros mapas de Massaranduba,

porque não tinha material nenhum pra trabalhar. Veio no terceiro ano conteúdo de

município, mas Massaranduba o município não tinha. Não tinha livro, num tinha

caderno, num tinha apostila, não tinha nada. Então, nós começamos a nos encontrar

e registrar isso. "Ah, na minha comunidade tem essa igreja, essa escola, essas

famílias, tem um rio, tem...” E a gente começou a montar materiais e começou a

coletar. Então, eu acho que eu sempre participei muito dessa construção de tudo

que acontecia. Então, a gente foi registrando, foi registrando. E hoje as crianças... Ai

quando eu trabalhava, eu era ainda professora, nós fazíamos troca de... por

exemplo, eu ia na escola da Campinha, da outra região. Aquela vinha na minha.

Nós, pelo menos nas escolas das quatro, nós nos visitávamos, trocava cartas,

fazíamos intercambio de cartas entre os alunos. E a gente ... Porque ninguém se

conhecia. A gente parecia assim que era um... "Muito longe eu ir até lá", né? "Ah,

vou lá pro lado de lá dos italianos. É muito longe", mas dava. A gente começou ali.

Depois que eu fui morar na casa, que eu morava do lado. Aí quando eu fui morar na

casa, eu já tava quase me aposentando, aí os professores começaram a me pedir

pra ver. Aí assim, a Secretaria da Educação já começou a se organizar, as apostilas,

os livros do município. A Maria Ivoni já tinha uma caminhada quando eles lançaram

aquele livro "Massaranduba", já foi colocada nossa casa dentro. E daí as escolas

começaram a me procurar, "Podemos visitar?". Daí as crianças começaram a vir me

visitar. Isso foi um encanto, Camila! Quando tu chega no mercado e a criança puxa

a mãe e diz assim "Essa é a Camélia [nome fictício para este estudo], essa é a

Camélia onde eu fui naquela casa velha. Lá ela tem isso. Lá ela tem aquilo." [Contou

com voz de cochicho], sabe assim. Isso é maravilhoso. Aí a mãe diz "Ah, mas você

99

não é a professora tal?" Então a gente já começa a fazer parte. E eles vão levando e

daí vem gente falar com a gente "mas meu pai comprava lá, eu ia lá de cavalo com

meu avô", sabe. Então eu vejo que por ali que entrou. E hoje eu tenho uma média

de seis a oito escolas que vêm todo ano. Marco e vem lá. Agora ano passado eu já

tive visita de escola de... com alunos de oitavo ano, que eu nunca tive, sempre

foram os pequenos. Já tive grupo de estudo de turismo que vieram me procurar, já

vieram visitar. Pessoas que escrevem livros também já vieram me procurar, assim

conhecer o espaço, ver comigo como isso tá acontecendo, que às vezes é tão difícil

a gente falar, né?” (Camélia, 53 anos).

É possível perceber na fala da Camélia, como elementos que compõem sua

motivação para o estudo e escrita sobre o tema por ela eleito, o compromisso com o

registro de uma história da comunidade a que pertence, que a cativa e que é

valorizada por muitos, para que não suma; o entender-se como elo entre gerações;

e o compromisso com a cultura e educação. Sobre essa última, mesmo Camélia

tendo comentado, ao ser estimulada a falar um pouco sobre si no início da

entrevista, que está aposentada e que atualmente busca colaborar com a

comunidade em outras áreas, não na educação, entendo que se referia à educação

formal, percebendo a continuação da sua colaboração em processos educativos,

mesmo não mais atuando dentro da escola como professora, ao receber e dialogar,

por exemplo, com escolas e pessoas interessadas em lançar olhar para histórias de

um patrimônio da comunidade.

Íris, ao falar sobre a motivação para a escrita sobre o tema por ela escolhido,

conta que:

“É… Em 2009, a gente foi convidada a fazer um curso de italiano, da língua italiana,

um projeto do consulado italiano. E a minha família tem raízes italiana, né? Então,

tudo que é de manifestação cultural dessa área eu gosto bastante. Então, de 2009

pra cá a gente trabalhou também com projeto aqui em Massaranduba de italiano,

aula de italiano extra curricular. Formou vários alunos aqui. E essa manifestação

cultural assim dos meus pais, do meu pai na verdade, da família do meu pai que

sempre fez, participou. Só que como meu pai casou e veio morar em outra

comunidade, a gente, como filho dele, não participou, só os meus primos. Então, era

100

uma frustração muito grande ir no dia primeiro de janeiro lá na casa dos meus

nonos37 e ver que os meus primos tinham ganhado bolo, docinhos, balas,

guloseimas e dinheiro e a gente não. Então, a gente ficava com aquela inveja boa,

sabe? E todo ano a gente pedia "Pai, final do ano, você leva a gente pra participar?".

Isso nunca aconteceu. E a minha amiga que escreveu junto comigo, [...], na

comunidade dela também é bem forte isso. E ela participa, sabe. Então, assim, são

coisas que estão se perdendo na nossa cidade e que a gente... Na época, ali em

2009, 2010, até 2012, a gente passou para nossos alunos também isso desse Bom

Princípio de ano novo” (Íris, 39 anos).

Falou ainda que:

“Porque está se perdendo, sabe. Então a gente gostaria, fez isso pra ter registrado

mesmo que já aconteceu nessa comunidade, acontecia muito forte. Mas, hoje, a

prioridade das famílias dessa comunidade é passar a virada de ano na praia, assim,

né?, beira-mar. Enquanto que na outra comunidade do Segundo Braço do Norte

não, lá eles se reúnem, fazem ainda essas visitas nas casas” (Íris, 39 anos).

Tendo comentado, compondo a motivação para a escolha do tema e escrita,

que a manifestação cultural sobre a qual elegeu escrever estar diminuindo, perguntei

qual a importância de registrar sobre isso, e Íris conta que:

“Acho que tem que registrar porque as crianças daquela comunidade vão saber que

isso existiu. Vão ler esse livro, vão ler um outro documentário, vão saber "Ó, isso

aconteceu", né? Então, acho que por isso a importância do registro, dos outros

terem a oportunidade de saber que aconteceu” (Íris, 39 anos).

Na narrativa da Íris é possível perceber, como elementos que compõem sua

motivação para a escolha do tema, o estudo e a escrita sobre a manifestação

cultural Bom Princípio de Ano Novo, a valorização das manifestações culturais

relacionadas às raízes familiares italianas a que pertence, a vontade de deixar

registrado a existência dessa manifestação cultural em dada comunidade, tendo em

37 “Nono” e “nona” são os termos utilizados pelos descendentes de italianos para chamar avô e avórespectivamente.

101

vista que vem diminuindo o número de pessoas que a praticam, e o envolvimento

com o compartilhamento de tal manifestação cultural em processos educativos.

Uma casa, uma rua, uma festividade… Os temas eleitos para estudo e

registro escrito pelas narradoras são elementos do território de Massaranduba/SC,

que contém aspectos sociais, históricos e culturais das comunidades que o constitui.

Como exposto por Bosi (1994), como substância social da memória, aparecem,

dentre outras, as lembranças de família e os espaços, estando aí incluídos objetos e

lugares, substâncias que compõem um mapa afetivo da cidade.

O sentir-se pertencente a essas lembranças de família e a esses espaços

surgiu como um dos mobilizadores para o estudo e escrita dos temas eleitos pelas

narradoras. Sobre o sentimento de pertencimento, Candau (2016), ao refletir sobre

memória familiar, comenta que:

A reminiscência comum e a repetição de certos rituais (refeições, festasfamiliares), a conservação coletiva de saberes, de referenciais, derecordações familiares e de emblemas (fotografias, lugares, objetos, papéisde família, odores, canções, receitas de cozinha, patronímia e nomespróprios), bem como a responsabilidade pela transmissão das herançasmateriais e imateriais, são dimensões essenciais do sentimento depertencimento e dos laços familiares (...) (CANDAU, 2016, p.140).

Entendo que as vivências próprias ou contadas por outros em torno desses

temas para elas familiares – uma casa, uma rua, uma festividade – são substâncias

vivas mobilizadoras do sentimento de pertencimento e do desejo de estudo e escrita.

Os temas escolhidos parecem representar tempos vivos, como expôs Bosi (2003),

os relacionados ao tempo biográfico, que também compõe a substância social da

memória.

A preocupação com o esquecimento das histórias comunitárias também

aparece nas falas das três narradoras. Sobre a perda da memória, Candau (2016)

afirmar ser uma perda de identidade e, ainda, que sem memória vive-se apenas o

momento presente, perdendo-se consciência e conhecimento de si.

Na fala da Margarida, também está presente, compondo as motivações para o

estudo e escrita do tema por ela eleito, a valorização das micro-histórias. A esse

respeito, Bosi (2003) comenta que o passado recente não é tratado na história

estudada na escola, não contemplando aspectos do quotidiano e os

microcomportamentos. Tamanini (2016), por sua vez, ao refletir sobre patrimônio

102

cultural, educação e museu, expõe que a concepção de patrimônio era centrada,

inicialmente, em objetos e monumentos pertencentes à história dos grandes feitos e

grandes personalidades, em uma concepção elitista e que a concepção de

patrimônio “(...) ampliou-se para os diversos aspectos da vida cotidiana e cultural

dos grupos sociais, (...) para a compreensão das desigualdades e valorização da

diversidade cultural” (TAMANINI, 2016, p.158).

Assim, reflito que a história de uma rua, e de tantas outras, fala do cotidiano,

do desenrolar da vida no espaço e no tempo, entrelaçando lembranças, saberes,

gerações e pontos de vista diversos e que compõe as histórias das vivências da

comunidade e do território massarandubense.

Na fala da Camélia, compondo as motivações para o estudo e escrita do tema

por ela eleito, aparece, ainda, o entender-se como elo entre gerações. A esse

respeito, como já exposto acima, Bosi (2003) considera a memória dos velhos como

um intermediário informal da cultura. No livro Memória e sociedade: lembranças de

velhos, Ecléa Bosi (1994) entrevistou pessoas com idade superior a setenta anos,

moradoras da cidade de São Paulo. Neste trabalho, a narradora Camélia está na

quinta dezena de vida, não compondo o grupo denominado por Bosi de velhos.

Considera-se oportuno trazer para cá, contudo, as reflexões de Bosi, por, no

contexto narrado por Camélia, ela já ser uma pessoa com papel de intermediário

informal da cultura entre gerações, entre vivências que não mais existem e pessoas

que estão no início da vida.

Bosi (1994, p.421), sobre a memória dos velhos, reflete que “Quando: morrem

as vozes dos avós, sua época nos aparece como um caminho apagado na distância.

Perdemos os guias que o percorreram e saberiam conduzir-nos em suas bifurcações

e atalhos.” Na narrativa da Camélia, ela reflete sobre seu desejo de registrar

memórias do cotidiano vivido naquele espaço para que as crianças entendam que

apesar das grandes mudanças vivenciadas na comunidade, como a chegada da

energia elétrica, essas histórias não são tão distantes delas. Essa fala da Camélia

dialoga com o que alerta, de certa forma, Bosi ao falar do parecer ser a época dos

avós um caminho apagado na distância.

Refletindo sobre a escuta da memória dos velhos, como já apresentado neste

manuscrito muitas vezes, Bosi (1994, p.82) comenta que: “Momentos desse mundo

perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o

presente".

103

Na fala da Camélia sobre a motivação para o estudo e escrita do tema por ela

escolhido, ainda é possível perceber o compromisso com a educação e a cultura.

Bosi (1994, p.413) formula a pergunta: “Como transmitiríamos a nossos filhos o que

foi a outra cidade, soterrada embaixo da atual, se não existem mais as velhas casas,

as árvores, os muros e os rios de outrora?”. Camélia parece caminhar na mesma

direção do questionamento feito por Bosi, ao passo que sem desconsiderar as

facilidades conquistadas ao longo do tempo, como demonstra ao estudar já na

década de 1990 sobre a informática na educação, atenta-se, também, ao zelo pela

preservação das memórias, demonstrada no cuidado com a casa centenária, no

cativar-se pelas lembranças das histórias do cotidiano vivido na comunidade e no

transmitir/compartilhar essas memórias, já concretamente, por exemplo, ao receber

escolas para visita, bem como imaginando forma de registro, ao mencionar a ideia

de documentário.

Na narrativa da Íris também está presente o envolvimento com

compartilhamento de memórias, no caso, sobre uma festividade, em processos

educativos em espaço formal da educação com crianças. Como expõe Candau

(2016), a memória permite que o indivíduo capte e compreenda continuamente o

mundo; e a educação, como afirma Brandão (1984), que pode existir em diferentes

lugares, é uma das maneiras de tornar comum - como saber, como ideia - o que é

comunitário - como bem, como trabalho, como vida.

A fala da Margarida faz menção a uma fotografia e à fala dos avós sobre a

história que essa retrata. A partir do tema gerador da entrevista sobre a motivação

para a escolha do tema, a narrativa da Margarida cativa para a construção, aqui, de

uma reflexão sobre a fotografia na sua interface com a memória e a educação.

A fotografia possibilita representar materialmente o tempo passado, podendo

os sujeitos fazer dela o suporte de uma narrativa possível (MUXEL, 1996 apud

CANDAU, 2016). Para Dantas (2000, p.5), as fotografias, quando lidas por meio de

um recorte espaço-temporal “(...) têm o poder de desacelerar o olhar para ver, no

detalhe, enunciados, valores, desejos e compor narrativas que revelam sentidos

diversos, recicladores e alimentadores da existência humana”. Ainda:

A fotografia instiga o olhar para uma atitude investigativa do sujeito (...), põeem diálogo o universo visível e invisível cartografados nos arquivos damemória, através das lembranças postas em movimento. A lente deaproximação com a realidade revela o olhar desejante de “ver sempre mais

104

do que lhe é dado a ver” deixando-nos a pensar sobre o caráter movente darealidade, mesmo quando se estar diante de materiais “congelados” pelotempo. A fotografia (...) Revela imagens e sombras de momentos que nãose deixam verificar totalmente, mas recruta o arsenal cognitivo do que querver (DANTAS, 2000, p.2).

A fotografia, segundo a autora, só tem sentido quando cativa na pessoa a

necessidade de descongelá-la, pondo o enquadramento retratado em movimento,

dando continuidade narrativa. Tomando por base Roland Barthes, que diz que o(a)

leitor(a) da fotografia pode ter um interesse geral, sem acuidade particular, ou ser

atravessado por outro tipo de leitura (DANTAS, 2000). Assim, afirma que:

O ponto de partida é uma realidade dada pela composição do documento ode chegada é o resultado do esforço empreendido pelo investigador em“descongelar”, um documento cifrado pelo tempo, encoberto por camadasde memória que ficaram perdidas em seus recantos” (DANTAS, 2000, p.8).

Considera que nesse movimento, tecendo o itinerário do conhecimento, estão

a aproximação, a imaginação, os sentimentos como recursos metodológicos. Sobre

os álbuns de família, a autora entende que deles se pode retirar matéria que

conservam laços, pertencimentos, sentidos e que: “Sendo a educação um processo

que se realiza através de trocas diversas entre indivíduos, grupos sociais, entre

outros, a utilização da fotografia tomada como narrativa propicia a comunhão, a

generatividade, a genealogia” (DANTES, 2000, p.7).

Parece ter sido a aproximação, os sentimentos, o olhar atento, a postura

curiosa em torno da fotografia e da narrativa dos avós sobre a rua onde vive e a

participação do avô na abertura dessa, em um mutirão contadas na infância,

recursos metodológicos, como na ideia de Dantas (2000), que fizeram parte dos

mobilizadores do movimento da Margarida no eleger o tema e caminhar entre fontes

e vozes para ampliar o enquadre da fotografia e das narrativas ouvidas no passado,

no convívio familiar, uns dos pontos de partida da caminhada. Buscando

acompanhar as narradoras que colaboraram com este estudo em seus itinerários de

construção do conhecimento, partiu-se, então, para outro tema gerador do diálogo

com elas.

105

4.2 Um olhar para o território: o caminhar entre fontes e vozes

No encontro com as narradoras, outro tema gerador do diálogo foi sobre o

caminhar das participantes do Projeto “Construindo Histórias e Identidades” e de

seus desdobramentos no processo de coleta das informações sobre o tema por elas

escolhido, procurando conhecer as fontes que buscaram e como foi a vivência de

ouvir o outro. A esse respeito, Margarida que escolheu como tema de estudo e

registro a rua que seu avô ajudou a abrir em mutirão e onde viveu conta que:

“Então, na época, minha avó tava viva, ano passado. Eu fui conversar com ela.

Porque aí assim, deu aquela vontade de pegar a foto, levar a foto pra ela e aí dizer

de novo, perguntar quem era o vô ali. Ela confirmou aquela pessoa ali da foto. Só

que a vó não tava mais tão lúcida assim. Pra ela essa história não era importante,

assim. Já tava "ai, que que é isso aí?" [fala bem baixo nesse momento, como se

imitando a fala da avó]. As pessoas antigas às vezes não acreditam que elas têm

muito pra dizer, né?, que o que elas falam é importante e acham que num é, né? Daí

ela não me contou muita coisa. Daí eu comecei a falar com meu pai. Pai, eu preciso

de informações, com quem será que eu converso? Daí ele disse "Ah, fala com seu

Mozinha”, né?, que é o senhor Moser que eu fiz uma entrevista com ele. Ele mora

não na rua, mas próximo assim né? Que... o pai diz assim que "Ele era tratorista",

que "Ele ajudou depois com o trator", "Ele é uma pessoa bem lúcida, ele vai te

ajudar". Ai foi a primeira pessoa que eu conversei, com seu Mozinha. Daí o seu

Mozinha contou várias coisas, né? Ele conta a história, bastante detalhes, sabe os

antigos que moravam, que eram os primeiros donos. Ele trouxe isso pra mim. O

contato dele com o senhor que doou as terras pra que fosse feita a abertura da rua.

Que a ideia da rua, daí ele coloca né?, que era do padre fazer uma igreja que

integrasse duas comunidades no topo do morro [...]. Que depois não deu certo, mas

enfim. [...] mas a rua ficou aberta. E ele teve contato, seu Mozinha com esse senhor

que doou esse terreno. Então ele fala muita coisa do que esse senhor falava. Eu

sinto que minha pesquisa ainda tá incompleta. Eu ainda tenho que procurar mais

pessoas, né? Na época daí eu falei com mais um senhor, que sem querer, é um tio

do meu marido, que conversando na casa de minha sogra, assim tava falando que

estava fazendo essa pesquisa e ela falou "Mas o tio José também abriu essa rua",

que é irmão dela, né?, não é meu parente, no caso, é parente agora de casada. "O

106

tio Zeca", no caso ela fala, né?. E conversando com ele... só que como ele foi morar

pra Gaspar, há muitos anos, ele troca assim muita coisa. Ele não ficou aqui em

Massaranduba, então ele... percebi assim que não bate algumas coisas do que ele

fala, né?, de data, assim ele trocou, né?, enfim. Que depois seu Mozinha confirmou

e daí assim pelos dados também da época de que o padre estava realmente aqui,

então bate mais com a do seu Mozinha mesmo, seu Moser. E o tio daí coloca... só

que daí ele coloca uma parte bonita desse sentimento de do movimento que o padre

fez. Porque ele era de uma região, né?, de Massarandubinha, e esse padre envolvia

todas as regiões de Massaranduba para um mutirão que ele queria assim, sabe, pra

essa ideia dele, né? Ele chamava as pessoas que tinham ferramentas, né?, que

eram dispostas, agricultores. […] E na época o tio tinha motosserra. Isso ajudava a

serrar a lenha. Então foi ele e o pai dele, no caso, já falecido, né? Então ele tem

hoje... quase oitenta anos vamos dizer assim, né? [...] Então, foi legal também

porque ele relatou porque ele tava lá. O senhor Mozinha depois entrou com o trator

daí para fazer uma outra terraplenagem. Enfim, esses dois que eu conversei.

Conversei com meu pai, também, mas pai não era morador dali. Ele foi um dos

primeiros moradores, assim, ele conta, mas a rua já estava aberta. E aí eu tenho

que conversar ainda com, é..., conversei com um senhor que mora ali, que mora

mais ou menos desde o começo, é..., e tenho que conversar também com outro

também que ele me indicou, no caso, que foram os dois primeiros que eles queriam

até tá junto pra conversar, mas vai ser meio difícil, então, eu vou fazer isso ainda,

conversar com cada um. E tem uma pessoa que eu também quero buscar

informações que é a neta do senhor Bertodo Guesser, que mora ainda ali na

redondeza e ela disse que tem fotos, algumas coisas mais antigas. Eu quero

investigar isso. Essas três pessoas eu ainda quero conversar, né? Logo né? [risos]

tá aí né?” (Margarida, 36 anos).

Questionada sobre como foi para ela ouvir essas pessoas, diz que:

“Ah, eu gosto de conversar com pessoa assim que, né?, dessas histórias antigas.

Acho que isso me acrescenta, é... acrescenta história, parte de conhecimento,

cultura, o respeito. Acho que isso me traz, sentimentos que me trazem, assim, que

eu aprendo com eles né? Eu gosto. Sempre gostei. Gosto de ser pesquisadora

107

também, isso também me motiva né? Deixar algo escrito também, contribuir.

Enfim...” (Margarida, 36 anos).

Margarida inicia sua narrativa falando sobre sua busca pela avó e por suas

memórias. A avó foi uma das pessoas que cativou a curiosidade da Margarida ao

narrar e mostrar uma fotografia, ainda na sua infância, retratando a participação do

avô na abertura da rua onde ela viveu. Como diz Walter Benjamin, sobre o encontro

entre o(a) narrador(a) e quem escuta: "O narrador retira da experiência o que ele

conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas

narradas à experiência dos seus ouvintes" (BENJAMIN, 1994, p.201). Recorrendo

ao acervo da vida, os avós da Margarida narraram no passado fragmentos da

história da abertura de uma rua que tinha significado na experiência da pequena

Margarida. Anos depois, envolta por outras experiências ao longo da vida, Margarida

retoma o movimento de narrativa e escuta sobre o mesmo tema com a avó. Penso

ter esse tipo de vivência potencial de nutrir, com lenta mastigação e assimilação,

retomando aqui as ideias da Bosi (1994) quando compara narração e o excesso de

informações da comunicação de massa, que podem inchar sem nutrir. Não se quer

dizer com isso que as informações provenientes dos meios de comunicação de

massa devam ser ignoradas, e sim chamar a atenção para o valor dos encontros,

narrativas, escutas, diálogos.

Para Margarida, às vezes, as pessoas com mais idade acham que não têm

muito o que dizer e reflete que ela aprende com elas. Dialoga com as reflexões da

Margarida as reflexões da Bosi (1994), que considera a conversa evocativa de um

velho, termo utilizado pela autora, desalienadora para quem sabe ouvi-la. Importante

trazer, aqui, também, as reflexões da Bosi sobre o velho, as lembranças e seu

retraimento social. Diz que:

Nas lembranças de velhos aparecem e nos surpreendem pela sua riqueza.O velho, de um lado, busca a confirmação do que se passou com seuscoetâneos, em testemunhos escritos ou orais, investiga, pesquisa, confrontaesse tesouro de que é guardião. De outro lado, recupera o tempo quecorreu e aquelas coisas que, quando as perdemos, nos fazem sentirdiminuir e morrer. Ele nos aborrece com o excesso de experiência que queraconselhar, providenciar, prever. Se protestamos contra seus conselhos,pode calar-se e talvez querer acertar o passo com os mais jovens. Essaadaptação falha com frequência, pois o ancião se vê privado de sua funçãoe deve desempenhar uma nova, ágil demais para o seu passo lento. Asociedade perde com isso. Se a criança ainda não ocupou nela seu lugar, é

108

sempre uma força em expansão. O velho é alguém que se retrai de seulugar social e este encolhimento é uma perda e um empobrecimento paratodos (BOSI, 1994, p.83).

O tempo passou e levou a avó da Margarida. Procurando pessoas e suas

narrativas sobre a história da rua em que viveu, Margarida foi em busca, também, de

outras pessoas idosas. Em meio às narrativas, deparou-se com falas com

informações contrastantes, diferentes entre si. Como expõe Bosi (1994), às vezes,

ocorrem falhas na localização temporal de um acontecimento. A autora entende que

os(as) memoralistas contam sua verdade, de forma que ser inexato não invalida o

testemunho (BOSI, 2003). A mesma pessoa que parece ter feito um deslize na

localização temporal de um acontecimento, pôde narrar sobre ele, sobre

experiências vividas, envolto pelas lembranças cativadas pelo momento presente,

pelo encontro e escuta da Margarida.

Margarida, ao conversar com as pessoas sobre a abertura da rua em que

viveu, realizou entrevistas gravadas, coletou os termos de cessão das entrevistas e

que autorizam a publicação na íntegra ou em partes, materiais guardados no Museu

Histórico Municipal de Massaranduba.

Camélia, sobre o seu caminhar no processo de coleta de informações sobre o

tema por ela eleito, narra que:

“Sobre a minha casa, né? Eu tinha já uma entrevista com um senhor […]. Ele é um

herdeiro da família [...] que comprou lá e construiu todo o complexo. Eles

compraram a minha casa que já era uma venda. Mas isso foi de fala em fala. Não

tem escritos. Então assim, notas, fui atrás de documentos, de notas, de registros em

livros de cartório. Achei assim os blocos, achei... Porque eu também ajudava a

minha sogra, então depois que a gente desativou o comércio a gente guardou essas

coisas. Eu já tinha esse capricho. Eu sempre quis guardar as coisas, nunca fui de

jogar fora, então... […] Eu tenho assim... não sei... uma facilidade... não sei como

dizer... mas onde eu vou eu consigo e gosto de conversar sobre isso. Sobre quem

trabalhava lá. Tipo "Ah, minha tia trabalhava lá no comércio". Então "Como que era

isso lá?", "A mãe comprava como um tipo de compra", né? "O que eles compravam

lá?", "Quem ia comprar?". E isso eu converso muito com as pessoas. Em todos os

espaços, assim. As pessoas vêm lá em casa ou quando eu saio, eu converso muito

sobre isso. Então as falas foram muito, mas escrito eu tenho muito pouco. E daí fui

109

pra livros. Livros que traziam as mesmas histórias, no mesmo espaço de tempo, né?

Como é que era o comércio, como é que foi essa colonização do grupo que veio

naquela época. Tentei por ali, me identificando, né? A escola também, ajudou. O

livro da Ivoni ajudou muito” (Camélia, 53 anos).

Perguntada sobre como a escola ajudou disse:

“A escola... porque assim... A gente fazia muitos projetos na escola. Então fizemos o

projeto do cemitério, por exemplo. A gente fez toda a pesquisa do cemitério. Como

ele foi criado, quem foram os primeiros, como eles enterravam, como eles faziam.

Então isso tá registrado na escola, né? Em forma de apostila, mas tá registrado.

Então eu fui na escola, conversei com eles. Daí vi lá pessoas que ainda estão vivas,

que gostam de conversar. Fui na casa das pessoas conversar com eles, né? Eu

tenho um cunhado, não é muito mais velho, tem sessenta e poucos anos, mas ele

sempre ajudou o pai no comércio e ele tem uma memória muito boa pras famílias.

Quem morava mais lá pra cima, né? Porque, né?, hoje tem regiões assim bem

pouco povoadas. Então ele também me ajudou nisso, a identificar essas pessoas. E

daí eu fui atrás. E a escola tem alguns projetos, sobre o Rio Massarandubinha,

sobre a produção do arroz. E isso me ajudou a trazer dados pra colocar na minha,

no meu texto” (Camélia, 53 anos).

Camélia, ao olhar para o território e estudar e escrever sobre uma casa

centenária, caminhou em meio a fontes escritas e narrativas orais em encontros

informais ao longo da vida. Sobre a vivência de ouvir as pessoas falarem sobre esse

tema conta:

“Gratificante é pouco. [Risos] É uma emoção, é uma coisa... eu fico, parece...

flutuando no espaço. As histórias parecem que passam na minha cabeça assim

como... com 3D. Eu consigo me colocar neles... e isso me faz muito bem. Me deixa

muito, muito alegre, muito contente. A... e nas conversas assim... eu poder, as

vezes, assim, interferir, ajudar eles, esclarecer algumas coisas. Isso pra mim é muito

gratificante. E acima de tudo entra muito o emocional também. Eu fico emocionada,

eu fico feliz, muito feliz em conversar sobre a família do meu avô, a família da minha

110

tia, aquele grupo que veio e fez isso. Ah, como agora tem uma polêmica na igreja...

então, ah falar com as pessoas, com a família daqueles que ajudaram a fazer a

igreja, a construir aquela pequena parte e isso crescendo. Eu me sinto muito bem,

muito bem. E daí, também, eu me cobro” (Camélia, 53 anos).

Sobre o cobrar-se explica que:

“Eu acho que eu tenho uma responsabilidade grande nesse ponto também. Porque,

assim, muitos não estudaram, muitos não têm acesso a isso. E muitos... Parece que

ainda nossa comunidade, como é uma comunidade de... de... Assim... Eles acham

que os livros, a cultura em si está na mão... está longe deles. Eles acham que eles

não sabem e na verdade eles sabem tudo. E eles sabem do modo mais simples,

que é aquilo que eles viveram com os pais, aquilo que eles viveram, passaram.

Tiveram que passar as coisas, né? Então, eu me sinto também responsável em

ajudar eles e incentivar eles a passar pros filhos, passar pras pessoas que vem,

guardar. Hoje eu tô com... assim, eu tô vivendo um momento muito bom no... É igual

a história... Todo lugar foi assim... E no meu lugar foi muito forte a época do jogar

tudo fora. "Ah veio o armário bonito sob medida de MDF, eu queimo o armário da

minha vó e boto o armário de MDF". Então, a gente passou por essa fase muito

difícil. Ver, as vezes, as coisas sendo jogada fora, sendo dada pra pessoas que

levavam embora pra vender, ou, pra, né?, colecionar. E hoje já a comunidade está

revertendo. Eles trazem coisas pra mim. "Ah, isso aqui, lá em casa não tem mais

lugar, mas eu não quero jogar fora. E eu sei que tu vai guardar". Então, eles trazem

pra mim essas coisas e pedem pra eu guardar. Outros já conseguem cuidar das

coisas que têm, não jogar fora. Então eu sinto muita alegria nisso, muito prazer

nisso, em ter contribuído pras pessoas se conscientizar que eu posso ter o novo, eu

não preciso me me privar, né?, da modernidade, do conforto, mas também não

preciso jogar fora a minha história, a história da minha família” (Camélia, 53 anos).

Enquanto Margarida refletiu sobre as pessoas idosas pensarem, às vezes,

que não têm muito o que dizer, Camélia refletiu sobre as pessoas que não

estudaram acharem que a cultura está longe delas e que não têm saberes, vendo,

contudo, muitos conhecimentos entre elas. As palavras da Camélia dialogam com o

111

que diz Brandão (1981) sobre cultura, entendendo, o autor, ser tudo que foi

transformado da natureza e significado pelo ser humano. Brandão (2008, p.34)

entende ainda que, cada pessoa “(…) é uma fonte única e original de saber e de

sentido”. A fala da Camélia caminha na mesma direção da ideia de Paulo Freire de

que ninguém sabe tudo e ninguém ignora tudo. A narrativa de um jogo proposto por

ele para um grupo de camponeses ilustra bem essa concepção.

Em uma roda de conversa, em 1982, encontro registrado e transformado em

um documento no mesmo ano, e relançado em publicação do campo da educação

popular em saúde em 2007, Paulo Freire conta que em uma casa camponesa no

Chile os camponeses estavam inibidos não querendo discutir com ele, considerado

o doutor. Paulo Freire propôs um jogo de perguntas entre ele e os camponeses, de

forma que cada lado marcava um ponto quando o outro não acertava a pergunta.

Freire iniciou o jogo perguntando o que é a hermenêutica socrática. Conta que os

camponeses riram, não sabiam o que era. Em seguida, os camponeses fizeram uma

pergunta para Freire sobre semeadura, que não sabia a resposta. O jogo terminou

em 10 a 10 e Freire narra que os camponeses convenceram-se que ninguém sabe

tudo e ninguém ignora tudo (CECCIM, 2007).

Em sua narrativa, Camélia fala do seu movimento de escuta e de fala, não

“ao” outro(a), mas “com” o(a) outro(a). Fala do ouvir a palavra do(a) outro(a) e dizer

a dela, em movimento de diálogo. Para Freire: “Na medida (…) em que eu parto do

reconhecimento do teu direito de ‘dizer a sua palavra’, quando eu te falo porque te

ouvi, eu faço mais do que fala ‘a ti’, eu falo ‘contigo’” e reflete que, no Brasil, há

muita gente falando “pra” gente e não “com” a gente (CECCIM, 2007, p.35). A escuta

não diminui a capacidade de se posionar e sim permite melhor colocar-se do ponto

de vista das ideias (FREIRE, 2011).

Camélia reflete sobre os objetos na sua relação com nossas histórias e sobre

o movimento humano de jogá-los fora ou guardar. Nesse contexto, menciona o

armário bonito sob medida de MDF e o armário de vó, e defende não o privar-se dos

confortos advindos com a modernidade e sim o desfrutá-los sem, contudo, jogar fora

as nossas histórias. Bosi (1994, p.441) também reflete sobre os objetos e considera

que: “Mais que um sentimento estético ou de utilidade, os objetos nos dão um

assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade. Mais que da ordem e

da beleza, falam à nossa alma em sua doce língua natal”.

112

Bosi discorre sobre os objetos biográficos e os objetos de status. Violette

Morin (apud BOSI, 1994; 2003) chama de objetos biográficos os que envelhecem

com o possuidor e que se incorporam à sua vida, representando uma experiência

vivida. A medalha do esportista e o mapa-múndi do viajante são exemplos de objetos

biográficos (BOSI, 1994).

Os objetos de status, por sua vez, são objetos valorizados pela moda, mas

que não se enraízam nos interiores, não envelhecem com o dono, somente se

deterioram. A sociedade de consumo é rápida na produção, circulação e descarte

dos objetos de status, criando o objeto descartável. Acrescenta que: “Faz parte da

estética neocapitalista o desprezo pelas coisas gastas, usadas, com marcas do

trabalho e da vida. Preferem-se objetos novos, frios, protocolares. No entanto, os

velhos objetos estão impregnados de biografia e de memória” (BOSI, 2003, p.167).

Assim como na fala da Camélia, entendo dessas ideias da Bosi não um

ataque contra o que é novo, pois como a própria autora afirma, “(...) as

representações da cultura estão sempre ligadas às de liberdade” (BOSI, 2003,

p.157). E em outro momento, discorrendo sobre a memória da cidade e a história da

paisagem do bairro, diz que: “Faz parte da dialética do espírito moderno essa tensão

diária entre a transformação e a resistência. Mas ser moderno para Berman é não

perder os vínculos com o passado para não sermos eliminados num sorvedouro”

(BOSI, 2003, p.77).

Sem desconsiderar a complexidade da dialética do espírito moderno, a autora

chama atenção para a noção de que os objetos biográficos são insubstituíveis e ao

envelhecer com as pessoas “(...) dão a pacífica sensação de continuidade” (BOSI,

2003, p.26).

Sobre a dialética da memória e da identidade, Candau (2016), por sua vez,

comenta que:

A memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nósmodelada. Isso resume perfeitamente a dialética da memória e daidentidade que se conjugam, se nutrem mutuamente, se apoiam uma naoutra para produzir uma trajetória de vida, uma história, um mito, umanarrativa (CANDAU, 2016, p.16).

Como expõe Candau (2016, p.18), “(…) o jogo da memória que vem fundar a

identidade é necessariamente feito de lembranças e esquecimentos (...)”. O que

113

guardar, o que deixar no esquecimento? As escolhas memoriais acontecem ao longo

da vida. Em meio a narrativa da Camélia e das ideias dos autores e das autoras aqui

em diálogo, fica a reflexão sobre a importância não da petrificação do espaço

urbano, do impedimento de mudanças no cenário, do congelamento no tempo, da

abdicação da incorporação no cotidiano de novos bens produzidos pelos seres

humanos, e sim da atenção à memória, matéria-prima das narrativas, das histórias e

indissoluvelmente ligada à identidade, tendo em mente que, como expõe Candau

(2016), a memória esquecida não é sempre um campo de ruínas, podendo ser

canteiro de obras, pode ser necessária aos laços sociais de um grupo, bem como

para a afirmação da identidade. Pode liberar as pessoas de lembranças dolorosas

de seu passado.

Camélia, cativada pelo olhar para a casa centenária, já de longas datas

caminha entre fontes e vozes em seu processo de melhor conhecer a história local.

Seu caminhar é envolto por conversas informais em diferentes locais sobre essa

temática, bem como pelos documentos existentes no local e por livros que narram

histórias de outras localidades que possuem semelhanças com as do território a que

pertence.

Íris, sobre seu caminhar no processo de coleta de informações sobre a

manifestação cultural Bom Princípio de Ano Novo, narra que:

“Ah, foi muito legal. Assim... a gente ... Eu sempre vou falar da professora [...] que a

gente fez junta, né? É... Assim, as pessoas contar, sabe, a experiência que tiveram,

que nem meu pai, assim. Ele lembrou de coisas que nunca tinha contato pra gente.

Daí, das minhas primas, da minha prima que foi entrevistada por mim, dos meus

primos também, sabe. Então... Ah, foi muito bom, assim... das aventuras que eles

passavam quando saiam de madrugada. Como as famílias se sentiam felizes em

recebe-los, né?, principalmente se era homem, né? Porque tem aquela coisa que a

gente até pesquisou, mas a gente acredita que é da cultura, sabe. Mulher ficava em

casa preparando as coisas, enquanto os meninos saiam pra desejar o Bom princípio

de ano novo. Foi bem gratificante, assim, sabe, ouvir esses relatos dessas pessoas”

(Íris, 39 anos).

Questionada se o texto escrito havia sido baseando em relatos da família, Íris

conta:

114

“Isso. Porque a gente procurou sobre isso, também, na internet. Tem até e é nas

outras cidades que também são de origem italiana, assim, né? que nem Rodeio,

Ascurra, sabe. E é a mesma manifestação lá, a mesma movimentação assim de

pessoas, de… a maioria de meninos, que saem também pela madrugada. Então, é

parecido com o nosso. Mas o que a gente escreveu é em cima das nossas histórias,

daquilo que a gente viveu. No caso da professora [...] mais, porque ela viveu

mesmo. Eu não, só nos bastidores, sabe” (Íris, 39 anos).

Em seguida, perguntei sobre a vivência de investigar sobre a não participação

das mulheres no Bom Princípio de Ano Novo em dada comunidade em dado tempo.

Conta:

“A gente perguntou pros nossos entrevistados todos, né? "Por que que as mulheres

não iam?". Ai eles não sabiam nos responder. Até as pessoas de mais idade

também não. "Ah, porque tinha que ficar em casa ajudando a mãe a fazer o café, a

preparar os pacotinhos pra quando chegassem as pessoas". Dai a gente pesquisou

em livro e na internet também. Isso é cultural, né? Que assim, a mulher ficava com

os trabalhos domésticos e o homem não. Então, acompanhavam os pais os

meninos, acompanhava os pais. Mas depois de muita insistência, eu acho, das

meninas, elas começaram a participar na comunidade, porque uma das

entrevistadas minha é a minha prima, menina, né?, e ela disse não, que ela

começou a participar, mas só aos nove anos, sabe. Enquanto isso, meu avô, né?, o

nono, não deixava ela ir. Então, aos nove anos sim. Depois de tanta insistência sim.

Então isso é uma coisa cultural. E já na comunidade Segundo Braço do Norte não

teve isso, sabe, de as meninas não participarem. Elas podiam participar. Então,

razão, uma lógica pra isso a gente não tem, né?, uma explicação, assim, maior.

Nem os homens entrevistados sabiam dizer” (Íris, 39 anos).

Sobre o que fica de reflexão, narra:

“De que hoje a gente pode muito mais, a mulher, né? Ela pode fazer tudo, né?,

consegue muito mais coisas, tanto na área social, no trabalho, em tudo, no lazer e

antes não. E elas também não se questionavam "Ah, por que que eu vou ficar em

115

casa?", né?, “Por que que eu não posso participar?". Então essa minha prima ela diz

"Ah, eu sempre pedia pro nono pra ir, mas ele dizia que não que tinha que ficar

ajudando a minha mãe", a mãe dela, né?, "a fazer os pacotinhos, a receber as

pessoas”. Isso aí. Uma coisa de se perguntar, né?. Nunca ninguém parou e

perguntou, e... né? Sabe, de... fazer diferente. Que nem, assim, a professora [...]

disse "Não, mas eu sempre participei lá na minha comunidade." E já aqui, tão perto

as duas comunidades, não, só os homens. A gente não achou nada assim de real

"Ah, porque isso, isso, isso", sabe. A gente pesquisou aqui nos nossos livros da

biblioteca e até na internet, as mesmas respostas. Hoje, a gente faz diferente, né?

Mulher participa de tudo” (Íris, 39 anos).

Falar em Bom Princípio de Ano Novo é falar em uma festividade. As festas

populares, segundo Brandão (2008b, p.232), “(…) são imagens do que mulheres e

homens fazem juntos quando se reúnem, numa quebra do cotidiano, para compartir

algo, para conviver, rememorar, celebrar, festejar, honrar um deus, um santo ou

alguma pessoa, enfim, comemorar algo: ‘festar’”.

Íris, sobre o Bom Princípio de Ano Novo, escreveu em parceria com outra

professora. Caminhou entre suas próprias lembranças e lembranças contadas por

familiares. Esses aceitaram compartilhar lembranças sobre o Bom Princípio de Ano

Novo em entrevista e assinaram termo de cessão das narrativas. Fez, também,

pesquisa em livro e na internet sobre o Bom Princípio de Ano Novo, identificando a

existência dessa manifestação cultural, também, em outros municípios de origem

italiana. Considerou ser gratificante a escuta das narrativas dos familiares sobre as

vivências em torno dessa festividade. Sobre memória e interação, diz Bosi (1994,

p.414) que: “O grupo é suporte da memória se nos identificamos com ele e fazemos

nosso seu passado”.

Lançando olhar para a manifestação cultural Bom Princípio de Ano Novo,

mencionou diferenças no que diz respeito a forma de participação das mulheres na

festividade em diferentes épocas na mesma comunidade e entre comunidades. Em

dada localidade e época, as mulheres participavam da festividade no espaço

doméstico, enquanto aos homens a rua também era uma possibilidade.

Cabe, aqui, uma breve reflexão sobre o processo de socialização de mulheres

e homens. Segundo Saffioti (2015), as mulheres são socializadas para

desenvolverem comportamentos dóceis e apaziguadores, ao passo que os homens

116

são socializados para desenvolver condutas perigosas, que demonstrem força e

coragem. Aos homens, sempre lhes foram cobrado o prover as necessidades

materiais da família. A manifestação de choro e de sensibilidade, por outro lado, é

comumente negada. O sexismo reflete uma estrutura de poder, com distribuição

desigual entre homens e mulheres, prejudicando a ambos e sua relação, tendo nisso

a mulher um maior saldo negativo. Segundo a autora: “As mulheres são

‘amputadas’, sobretudo no desenvolvimento e uso da razão e no exercício do poder”

(SAFFIOTI, 2015, p.37). À mulher, por muito tempo, lhe coube o espaço doméstico e

suas atividades, enquanto aos homens couberam as atividades nos espaços

públicos. Os papeis e espaços atribuídos aos homens e às mulheres têm passado

por transformações, sendo socialmente construídos.

Uma festividade é uma manifestação cultural, sendo atravessada pelas visões

de mundo de uma sociedade. Interessante observar que o lançar olhar para uma

festividade traz consigo a possibilidade de perceber, por exemplo, as relações

existentes entre homens e mulheres, bem como as mudanças que ocorreram ao

longo do tempo. Uma festividade, assim como uma casa centenária ou uma rua, são

elementos de um território e possuem aspectos sociais e culturais que ao se lançar

olhar mediatizado por distintas fontes e vozes podem fomentar reflexões,

aprendizados. Buscando compreender as contribuições da vivência de estudo e

escrita sobre um patrimônio cultural da comunidade para seus processos

educativos, contando, também, com narrativas orais que se partiu para o quarto

tema gerador no diálogo com as narradoras colaboradoras deste estudo.

4.3 Prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural da comunidade e

pela narrativa oral: contribuições para o processo educativo

O quarto tema gerador é um convite a reflexão sobre a importância ou não do

estudo, registro e escuta das pessoas da comunidade sobre o tema eleito pelas

narradoras para os seus processos educativos. A esse respeito, Margarida afirmou

que sim e justifica contando que:

“Porque eu acho assim, nem tudo tá escrito, né? As vivências... Elas, é... O seu

Mozinha, por exemplo, ele também tem esse sentimento de querer deixar guardado

117

as coisas, assim. De querer marcar assim. Não de querer se aparecer, né? Porque

pelo o que ele me colocou, ele fez parte depois da reforma de uma igreja ali do

centro, né?, como não deu certo aquela. E ele disse pra mim que ele tem guardado,

que ele tomou cuidado de guardar, fazer uma lista de pessoas que iam ajudar, né?,

tinha uma lista pra assinar. Ele tem isso guardado, ele tem fotos desde a pedra

fundamental, então, assim esse valor que ele dá, assim, isso foi legal. Se eu acho

que é importante? Sim porque eles têm muita coisa a contribuir que não tá escrito,

que não tá... e eu acho que trazer isso a tona faz uma reflexão... opa! de repente é...

quebra um paradigma que já tava posto, que foi colocado, né?. Eles trazem as

vivências ali, de quem tava vivendo, o povo, como é que tava sentindo isso, como é

que Massaranduba tava se mostrando enquanto tava crescendo, nos bastidores,

vamos dizer assim. Não só aquela ideia de governo, de elite, de enfim, né? O

próprio... monumen... posso falar de coisas, é... materiais, enfim, né?, não assim...

vivências que trazem ali as situações realmente econômica que se vivia, né?,

situações culturais ali que se vivia, que se fazia, os movimentos religiosos, a família,

tudo isso é trazido na história oral, né? A história oral traz isso, né? Uma outra

percepção. E eu acho que também a gente nem consegue escrever isso tudo

também. Uma parte a gente traz, mas tudo não, né? Muita coisa se perde, né?”

(Margarida, 36 anos).

Sobre a importância do ouvir as pessoas, fazer estudo e registrar sobre um

patrimônio cultural da comunidade, Margarida menciona o potencial de entrar em

contato com as percepções das pessoas a respeito do que viveram, do que

sentiram, contato com pontos de vista do povo sobre o vivido, bem como com o

potencial disso provocar reflexões, quebrar paradigmas. Pode-se dizer, assim,

dialogando, aqui, com Freire (2011), que favorece a curiosidade epistemológica,

relacionada à capacidade de imaginar, perguntar, comparar, avaliar, refletir sobre o

objeto, curiosidade que é mais organizada que a simples curiosidade vital aos seres

humanos, compreendendo movimento que aproxima as pessoas de uma maior

compreensão sobre o objeto, curiosidade essa sujeita a limites éticos.

Margarida menciona a existência de narrativas enunciadas pelo governo, pela

elite, pelo povo, considerando importante a narrativa de quem viveu os episódios de

dentro. Bosi (2003, p.15) diz que, por meio da memória oral, camadas da população

não incluídas na história ensinada na escola dizem sua palavra e acrescenta que: “A

118

história, que se apoia unicamente em documentos oficiais, não pode dar conta das

paixões individuais que se escondem atrás dos episódios”. Kessel (2004) entende,

por sua vez, que:

Vivemos hoje numa sociedade em que a escrita é fundamental. Ela é a basepara boa parte da comunicação e da transmissão de informações e teve asua importância potencializada pelas novas tecnologias de informação. Se aoralidade não representa mais o veículo privilegiado para a transmissão deinformações, ela é fundamental e insubstituível para a transmissão de certostipos de saberes e para a construção de significados pelos grupos. (…) Oacesso às experiências dos grupos não seria possível senão pela narração(KESSEL, 2004, p.57).

London e Kessel (2007) consideram que as narrativas orais articuladas a

outras disponibilizadas em jornais, livros, filmes, proporcionam diversidade nos

olhares e ajudam a entender o lugar em que vivemos.

Camélia, por sua vez, sobre a importância ou não do estudo, registro e escuta

das pessoas da comunidade sobre o tema por ela eleito para seu processo

educativo, afirma ter sido muito importante e conta que:

“Amadureceu, tranquilizou, eu me reeduquei. Amadureceu muito a minha postura

frente às outras pessoas” (Camélia, 53 anos).

Diante do meu desejo de melhor entender sua afirmativa narra que:

“Desde amá-las e sentir elas presentes na minha história. A história delas é muito

parecida com a minha. A minha história é muito parecida com muitas. Então só

ouvindo as pessoas que eu, a gente pode perceber isso, né? Não importa se eu vivi,

ou escutei ou não escutei, mas hoje quando eu converso com as pessoas elas

passam isso pra mim. Então, eu me sinto muito feliz, muito” (Camélia, 53 anos).

Sobre ter dito que amadureceu e tranquilizou explica que:

“Porque eu sinto esse amadurecimento da comunidade... em já passar a história, em

ouvir, também é importante, né? Eu não preciso só falar, mas eu também ouvir, ouvir

os outros, ouvir meu avô, meu pai. Quando tem uma conversa que tá acontecendo,

119

essa troca de ideias de contar o que eu passei, o que eu vivi, como era, como não

era, ficar ouvindo também. E não achar que isso é coisa de velho, né? Eu acho que

isso, isso tá acontecendo muito hoje já na nossa comunidade” (Camélia, 53 anos).

Sobre ter reeducado comenta que:

“Eu acho assim de de ... novamente ter vontade de escrever, né? Eu me eduquei, eu

aprendi, aprendi a ouvir, aprendi a registrar, aprendi a fazer do pequeno, mas fazer

aquilo que eu posso. E agora, com esse curso, eu de novo tive essa vontade de

fazer. E eu me senti bem fazendo. Eu acho que eu tava assim com um bloqueio que

eu não saberia escrever. Eu não sei escrever. E o grupo mostrou pra mim que dá

pra escrever e que a gente pode escrever daquilo que a gente sente, daquilo que a

gente ver e tá bom. Acho que isso pra mim isso foi reeducar” (Camélia, 53 anos).

Por fim, acrescenta que:

“Eu hoje eu consigo ler livros e tirar dele aquilo... e esse curso tá me

proporcionando. Muito. Essa leitura da vida dos outros, a leitua das histórias, né? ...

Como eu tô lendo agora o livro "A religiosidade e a cultura de Ibituba". Então

quantas coisas estão escritas lá que a gente tem aqui e agente não escreve. Então

essa iniciativa, esse incentivo de escrever tá voltando em mim. E isso eu estou

gostando muito. Talvez venha um novo tema [risos], eu acho que sim [risos]”

(Camélia, 53 anos).

A escuta, estudo e registro sobre um patrimônio cultural da comunidade

contribuiu, segundo Camélia, para o reconhecimento de pontos comuns entre sua

vida e dos demais. Expõe, também, que tal vivência reavivou o desejo de escrever,

bem como deu outra tonalidade para suas leituras, valorizando a leitura de

experiências de vida. Menciona o reconhecimento de que assim como outras

comunidades a sua própria também tem o que contar. Kessel (2004, p.60) reflete

que: “Ao trabalhar com a memória o grupo se constitui como produtor de saberes.

Adquirem uma imagem positiva de si mesmos, capazes de se constituir como seres

históricos, em estreita vinculação com a cultura de suas comunidades”.

120

A narrativa da Camélia, ao meu ver, convoca para a reflexão sobre a atenção

ao outro(a). Nesse sentido cabe trazer a fala da Bosi (2003, p.190) ao considerar

que: “A educação compreende uma liberdade em relação ao objeto, um

desprendimento na visão do belo que derivam da qualidade de atenção”. A

“liberdade para o objeto” seria o não se prender a si mesmo. A atenção, no

entendimento da autora, é leve, é o contrário da certeza e da posse, é um sair de si.

Inspirada em Simone Weil, diz ser a atenção uma forte generosidade.

A narrativa da Camélia faz refletir, também, sobre aspectos do aprender, que

segundo Brandão e Borges (2008c, p.17) não se limita ao adquirir novos

conhecimentos, sendo também uma reequilibração de todo o ser. Afirmam que:

(…) aprender não se limita a adquirir quantidades de conhecimentos eacumular porções do “adquirido”, mas significa, na outra margem do rio,transformar toda a consciência de mim mesmo através da integração decada um novo saber carregado de sentido. Quando se faz um longo “ah!”,quando se aprende algo novo e relevante, cheio de uma desejada novidade,é porque se acabou de lograr algo mais do que “um novo conhecimento”. Éporque a consciência que aprende- e de quem aprende - descobre comsusto e alegria que já não é mais a mesma, depois “daquilo” (BRANDÃO;BORGES, 2008, p.17).

Íris também considerou importante para seu processo educativo ouvir as

pessoas, fazer o estudo e registrar sobre o patrimônio cultural por ela escolhido.

Narra que:

“Hoje, quando a gente fala pros alunos, a gente fala mais assim "Ah, vocês têm que

ouvir mais as histórias dos outros”, sabe. Porque eles não têm conhecimento do que

as outras pessoas podem contribuir para a vida deles. É… Eu me refiro, assim, a um

aluno que eu tenho que ele sempre conta as histórias que a avó dele conta, do

primeiro ano. E outros não sabem, não dão bola pros avós ou pros pais. Então,

assim, hoje é muita tecnologia, né? E eles se perdem nisso. E eu penso, assim, de a

gente mesmo ... visitar essas pessoas, conhecer um pouco mais que foi muito bom,

sabe” (Íris, 39 anos).

Sobre o entendimento de que as pessoas podem contribuir, pergunto com o

que ou como e Íris conta que:

121

“Com essas histórias que eles têm. Porque assim, meu pai mora comigo sempre,

sabe, mas ele nunca falou disso. Então, eu tive que elaborar essa pesquisa, essa

entrevista com ele pra ele poder me contar algumas coisas. E hoje ainda ele fala de

outras coisas, sabe, mas agora a gente já escreveu, já entregou, sabe. Então...

umas histórias bem... porque daí ele se junta com os irmãos, quando a gente vai lá

na casa dos meus tios "Ah, lembra daquilo que aconteceu?". Se eu sabia antes,

teria escrito sobre isso, né?” (Íris, 39 anos).

Indago que tipos de ensinamentos ela pensa que isso proporcionou para ela e

diz:

“Ah, assim, aprendizado pra vida, de..., como eu posso explicar assim... De que vai

ficar guardado, sabe. Ah, hoje não se faz mais lá nessa comunidade, mas se tivesse

oportunidade participaria, né?, faria... Eu não tenho filhos, né?, mas ... faria com que

ele participasse disso, né? Isso... Eu acho que é um legado que fica pra história,

sabe” (Íris, 39 anos).

Íris reflete que as crianças se beneficiariam de ouvir mais as histórias dos pais

e dos avós, estando elas muito envoltas pela tecnologia. Acreditando que essa

escuta pode contribuir para o processo educativo das crianças, diz ter passado a

estimular mais esses momentos de escuta das histórias dos avós e pais. Reflete que

isso é benéfico não apenas para as crianças, mas também para adultos como ela,

sendo algo prazeroso. Kessel (2004, p.55), sobre a memória-experiência, “(…)

memória do vivido nos diferentes tempos das nossas vidas (…). Vivências que me

ensinaram coisas, como preparar melhor a carne, ou fazer um bolo, ou plantar, ou

consertar, ou construir. Lembranças que são a minha própria história” e o

compartilhar, reflete que na sociedade contemporânea tem havido pouco espaço de

troca desse tipo de lembrança de idosos e de jovens, de forma que ao passo que se

tem mais recursos tecnológicos para registrar as memórias, há menos espaços para

compartilhar a memória-experiência com os demais. Expõe ainda que:

Na medida em que os espaços de compartilhar narrativas vêm sendosuprimidos na sociedade contemporânea, é preciso criar espaços esituações em que as histórias possam emergir. É aí que a memória seexterioriza e passa a se articular às memórias de todos. Na forma de uma

122

roda de conversa, por exemplo, garante-se o espaço de dizer, de dividir oque se pensa, se sente e se descobre. Ali as memórias trazidas pelascrianças e pelos idosos, antes confinadas, podem ser partilhadas,combinadas a outras memórias presentes em relatos, imagens e textosescritos. A memória externada pode, assim, se articular às memórias detodos. Por isso é tão importante construir projetos com esse objetivo(KESSEL, 2004, p.58).

Diante da fala da Íris, é possível perceber que, ao fazer o estudo e registro

sobre o Bom Princípio de Ano Novo, novos diálogos entre pai e filha aconteceram,

fomentando momentos de trocas. Assim, o olhar para um patrimônio cultural da

comunidade foi um estimulador do diálogo.

Uma rua, uma casa, uma festividade… elementos de um território com que as

narradoras estabelecem relação de pertencimento, elementos sobre os quais se

motivaram para lançar olhar, dialogar e escrever.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cativada pela fala de participantes do Projeto “Construindo Histórias e

Identidades” e por ideias da Bosi (1994) busquei caminhar movimentando-me entre

o que me cerca, entre o simples, para melhor compreendê-lo, sendo a partir da

abertura para o mundo que a pesquisa começa (STRECK, 2004).

Atravessada por questões e objetivos, caminhando entre fontes e vozes

(narradoras, autores e autoras, colegas pesquisadores e pesquisadoras,

orientadoras) é que este estudo foi desenvolvido. Esta dissertação também é uma

narrativa, uma narrativa escrita do meu caminhar durante a pesquisa, o caminhar

rumo a aproximação a um território, território que não é a simples superposição de

sistemas naturais e sistemas de bens criados pelo ser humano, sendo chão e

população um influenciando o outro (SANTOS, 2008); à uma vivência; à narradoras;

ao objetivo de analisar os efeitos de uma prática educativa mediatizada pelo

patrimônio cultural e pela narrativa oral tendo em vista a formação humana. É uma

narrativa construída atravessada pelo olhar da pesquisadora, pelas ideias

transmitidas pelas narrativas das pessoas entrevistadas que colaboraram com este

estudo e pelas ideias dos autores e autoras, postos todos aqui em diálogo.

Paulo Freire (2011; 2014) defende prática educativa dialógica e que se parta

da realidade dos sujeitos. Paulo Freire (2011) e Carlos Rodrigues Brandão (1984;

2008) entendem que o ensinar e o aprender ocorrem em diferentes espaços, não

somente na escola e contribuem para o entendimento da educação e da cultura

como dimensões entrelaçadas. Em consonância com a perspectiva do Freire, Maria

Célia Teixeira Moura Santos (2008) e Tamanini (2015) consideram necessária prática

educativa que tenha o patrimônio cultural da comunidade como referencial.

Tendo em vista que os seres humanos se educam mediatizados pelo mundo

(FREIRE, 2014), pela realidade e pela intercomunicação, trouxe para o diálogo as

concepções da Ecléa Bosi (1994; 2003), que entende que por meio da memória dos

velhos um mundo que não conhecemos pode chegar a nós e até humanizar o

presente. Ecléa Bosi reflete sobre a memória dos velhos, enquanto Bandão (2008)

ressalta os saberes simples e complexos existentes na criação popular,

considerando importante a redescoberta do valor humano das criações populares.

No encontro com o outro, para que exista comunicação entre as pessoas, Freire

124

(2011) menciona o dizer a sua palavra, a escuta e o silêncio para que o diálogo

aconteça, bem como o respeito à diferença. O falar “com” é valorizado (FREIRE,

2011; 2014).

Sobre o ser humano, Freire (2011) o considera inconcluso e consciente de

sua inconclusão, o que lhe coloca em permanente movimento de busca pelo

conhecer mais a si e ao mundo. Na proposta de escrita sobre um patrimônio cultural

da comunidade, no contexto do Projeto “Construindo Histórias e Identidades”, os

temas eleitos pelas narradoras são elementos do território onde vivem, são temas

relacionados às suas biografias. Partiram, assim, de realidades para elas familiares.

Entendo o partir de um patrimônio cultural da comunidade em que se vive, elegido

pela pessoa, e com que se tem relação de pertencimento como uma vivência de

tempo vivo, no sentido dado por Bosi (2003), e como um importante motivador para

o estudo e registro escrito, como fomentador do engajamento na busca pelo

conhecer mais a si e ao mundo. A valorização das memórias do município, o desejo

de deixar registradas para que não sumam e o compromisso com a educação,

também foram marcantes motivadores.

Pessoas idosas, familiares, pessoas da comunidade, livros, fotografias,

internet. Essas foram as fontes com que as narradoras caminharam em seus

movimentos de busca, no itinerário da construção de uma escrita. Entraram em

contato com narrativas orais de pessoas da região onde vivem, narrativas que

recorrem ao acervo da vida vivida e incorporadas a experiência das ouvintes, como

na ideia de Benjamin (1994). Sobre a experiência de ouvir os relatos das pessoas

(idosos, familiares, pessoas da comunidade) sobre o patrimônio cultural por elas

eleito, foram mencionados, por alguma das narradoras, o prazer, o aprender, o

respeito, o perceber semelhanças com a vida do outro.

Sobre a importância do ouvir as pessoas, fazer estudo e registrar sobre um

patrimônio cultural da comunidade, todas as narradoras que contribuíram com este

estudo afirmaram sua importância. Dentre os aspectos mencionados estão o contato

com pontos de vista do povo sobre o vivido, bem como com o potencial disso

provocar reflexões e quebrar paradigmas; o perceber as semelhanças das próprias

histórias com as histórias das outras pessoas proporcionado pela escuta dessas; a

valorização da fala das pessoas mais velhas e de familiares, vistas com potencial de

agregar conhecimentos, de ensinar; a valorização de leituras sobre experiências de

125

vida e o reconhecimento de que assim como outras comunidades a sua própria

também tem o que contar.

Diante da pesquisa realizada, entendo que o estudo, a escrita e a escuta

sobre um patrimônio cultural da comunidade a que o sujeito se sente pertencente é

um potente mobilizador para a busca do conhecer mais. Que o partir de tema com

quem se tem familiaridade possibilita a abertura para outros conhecimentos.

Compreendo, também, que a escuta da fala das pessoas, feita por sujeitos adultos,

no caso desta pesquisa, possibilita acessar diferentes pontos de vista, refletir

criticamente, comparar, buscar entender a perspectiva do outro e dizer a sua

palavra, de forma que a escuta não anula o sujeito que ouve. Entendo, ainda, que a

escuta do outro a quem se foi em busca pode proporcionar momentos prazerosos,

fomentar respeito e teias de diálogos. Desta forma, compreendo que o olhar para os

patrimônios culturais da comunidade e a narrativa oral podem contribuir para uma

formação humana, que caminha no sentido do respeito, do diálogo, das trocas de

conhecimentos e de afetos.

Assim, concordo com Freire (2011) sobre a importância da curiosidade

epistemológica, movimento que aproxima as pessoas de maior compreensão sobre

o objeto, movimento sujeito a limites éticos; com London e Kessel (2007) sobre a

possibilidade de melhor entender o lugar onde vivemos quando se articula narrativas

orais a outras presentes nos jornais, livros, filmes entrando em contato com

variedade de olhares; com Brandão (2008) quando entende que a poesia, a

matemática, a física e o saber popular serem formas diferentes de entender e sentir

o mundo, atribuindo valor a elas; bem como, por fim, com a ideia de Freire (2011)

sobre a importância da alegria e da boniteza no movimento de ensinar e aprender.

Estamos vivendo um momento social em que temos acesso a muitas

informações e a muitas ferramentas de comunicação (via internet e telefone celular).

Ter acesso a muitas informações, contudo, não é garantia de construção de

conhecimento, assim como facilidade de acesso a ferramentas de comunicação não

é garantia de diálogo, de fala, escuta, silêncio, abertura para a busca pelo

entendimento da perspectiva do outro e dizer a sua palavra. Presenciamos um

momento social em que diversas informações circulam nas redes sociais da internet

e em que algumas pessoas têm dificuldade em lançar olhar crítico sobre as

informações acessadas. Penso que a prática da educação “bancária”, no sentido

criticado por Freire, tem influência nisso, ao passo que nesse tipo de prática as

126

pessoas são habituadas a receberem “comunicados”, “depósitos” que apenas se

memoriza e repete. Assim, entendo que práticas educativas que partem da realidade

do sujeito na busca pelo saber mais e que sejam mediadas pelo diálogo, pelo falar

“com”, podem contribuir para uma formação promotora de consciência crítica e de

respeito aos demais.

Para compreender os efeitos da prática educativa mediatizada pelo patrimônio

cultural da comunidade e pela narrativa oral tendo em vista a formação humana,

caminhei, assim com as narradoras que contribuíram com este estudo, entre fontes

e vozes. A aproximação a um território por meio do estudo de livros, jornais, sites da

internet, pesquisa em arquivo histórico, bem como pela circulação no território e por

alguma convivência com pessoas que o habitam foi essencial para compreender o

contexto em que as falas e reflexões das narradoras e minhas estão inseridas.

Como já exposto acima, o estudo sobre a história do estado e do município por

diferentes fontes contribuiu para melhor entendimento de atos cotidianos sendo

vistos em sua rede de relações de sentidos construídos no passado com

desdobramentos no presente. Contribuíram, assim, para ampliação da minha

consciência histórica. É possível extrapolar essa reflexão para fora do contexto

desta pesquisa. É possível afirmar que conhecer aspectos da história de um

território por meio dos documentos oficiais e das narrativas orais dos diferentes

povos do povo oportuniza às pessoas, seja enquanto integrante de uma família,

enquanto cidadão, enquanto profissional alocado em determinada comunidade, a

possibilidade de melhor entender os indivíduos, suas falas, suas ações, as relações

entre sujeitos e instituições.

A escuta das narradoras que colaboraram com este estudo mostra como cada

ser é singular, como o vivido é sentido e significado de forma diferente, como cada

pessoa tem suas histórias e potências, como cada sujeito tem muito a compartilhar e

ensinar.

O estudo sobre educação, prática educativa, cultura, memória e narrativa fez-

me olhar para os territórios com outro olhar. Como não prestar atenção nas escolhas

memoriais retratadas em museus, em textos, em fotografias? Como não entender

que há diferentes fontes e vozes e diferentes pontos de vista? Como não lançar

olhar para a forma de encontro entre as pessoas, para o complexo movimento de

abrir-se a perspectiva do outro, ouvir sua palavra e dizer a sua, falando “com” o

outro?

127

Educação e cultura, categorias intrínsecas e inerentes à vida humana,

envoltas por encontros, memórias, narrativas. As reflexões aqui apresentadas têm

muito dos saberes e fazeres das narradoras que colaboraram com este estudo, para

com quem tenho sentimento de gratidão.

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APÊNDICES

APÊNDICE A - PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA

136

137

138

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

139

APÊNDICE C – Carta de Apresentação da Pesquisa à Instituição Coparticipante

140

APÊNDICE D - DECLARAÇÃO DE INSTITUIÇÃO COPARTICIPANTE

141

APÊNDICE E – MATRIZ DE REFERÊNCIA

Título da pesquisa:

Cultura, narrativas, escutas e registros de comunidades como prática educativa –

olhares para o território de Massaranduba/SC

Objeto de estudo:

Prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural e narrativas orais

Lócus da pesquisa:

Projeto “Construindo histórias e identidades” e seus desdobramentos da Secretaria

Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Turismo de Massaranduba-SC,

desenvolvido em 2016 e com continuidade em 2017.

Participantes:

Para este estudo são entrevistadas três participantes do Projeto “Construindo

Histórias e Identidades” e de seus desdobramentos. Para a seleção das participantes

entrevistadas, foram critérios de exclusão a não conclusão do curso de formação

proposto pelo Projeto, a não realização de pesquisa e registro escrito sobre histórias

de um patrimônio cultural da comunidade contando, também, com narrativa oral de

pessoa do território e não aceite em assinar o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido - TCLE.

Para garantir diversidade entre as pessoas a serem entrevistadas, foram eleitas

participantes do projeto vinculadas à gestão pública municipal, à rede de ensino e à

comunidade, entendendo aqui pessoa vinculada à comunidade como sujeito não

vinculado à gestão pública ou à rede de ensino.

A eleição das participantes entrevistadas deu-se respeitando os critérios de exclusão

supracitados, bem como a busca pela diversidade acima exposta. Além disso, a

seleção das entrevistadas deu-se segundo minha possibilidade de constatação de

engajamento das participantes no processo de pesquisa e registro sobre histórias de

um patrimônio cultural da comunidade, por meio da observação de alguns encontros

do Projeto e de seus desdobramentos, bem como facilidade de acesso às

entrevistadas. A justificativa da escolha de cada entrevistada será apresentada no

capítulo de apresentação e análise das entrevistas.

142

Abordagem:

Qualitativa

Instrumentos de Coleta:

Observação participante e História Oral Temática

Análise de dados:

De acordo com orientações do método da história oral

Questão de pesquisa:

Objetivo geral: Objetivos específicos:

Pergunta(s) do instrumento de coleta de dados (roteiro de entrevista)

Que contribuições a prática educativa mediatizada pela escuta de narrativas orais e o registro de histórias de patrimônio cultural da comunidade trazem para a formação humana?

Analisar os efeitos da prática educativa mediatizada pelo patrimônio cultural da comunidade e a narrativa oral tendo em vista a formação humana.

Conhecer as motivações para o estudo e registro escrito sobre um patrimônio cultural da comunidade por pessoas não especialistas da área;

Na proposta de fazer registro escrito sobre um patrimônio cultural do seu município, feita pelo Projeto "Construindo histórias e identidades", o que o/a motivou a escreversobre o tema por você elegido?

Identificar e analisaros efeitos da práticaeducativa mediatizada pelo patrimônio cultural da comunidade e a narrativa oral.

Como foi o processo de coleta das informações sobre o tema por você escolhido? (Como foi chegar até as fontes? Chegando às fontes orais, como foi ouvir o outro?)

Você considera que ouvir as pessoas, fazeresse estudo e registraré/foi importante para seu processo educativo? Por quê?

APÊNDICE F - ROTEIRO DE ENTREVISTA

Blocos Temáticos para as narrativas dos(as) participantes do Projeto "ConstruindoHistórias e Identidades" da Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte eTurismo de Massaranduba-SC – apoiado em temas geradores - para o processo dePesquisa.

Narradora:_________________________________________________________

Ouvinte/pesquisadora: Camila Santiago da Rocha

Data: / / Horário: _________

Local da Narração: _________________________________________________

Temática da 1ª conversa: conhecendo o(a) narrador(a).

● Fale um pouco sobre você (idade, tempo de residência em Massaranduba, grau de instrução, cargo ou função que exerce e tempo de experiência profissional).

Temática da 2ª Conversa: motivação para a escolha do tema estudado

● Na proposta de fazer registro escrito sobre um patrimônio cultural do seumunicípio, feita pelo Projeto "Construindo histórias e identidades", o que o/amotivou a escrever sobre o tema por você eleito?

Temática da 3ª Conversa: coleta das informações sobre o tema escolhido

● Como foi o processo de coleta das informações sobre o tema por vocêescolhido? (Como foi chegar até as fontes? Chegando às fontes orais, comofoi ouvir o outro?)

Temática da 4ª Conversa: escuta e registro como prática educativa

● Você considera que ouvir as pessoas, fazer esse estudo e registrar é/foiimportante para seu processo educativo? Por quê?