cultura, língua e comunicaçãocqepdesantotirsodoaetp.yolasite.com/resources/ng7-sf-dr4... ·...
TRANSCRIPT
Área de Competências-Chave
Cultura, Língua e Comunicação RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
A CULTURA E AS ARTES NO SÉCULO XX
1.ª PARTE
Núcleo Gerador 7 – SABERES FUNDAMENTAIS
DR4 – Tema: Leis e Modelos Científicos
EVOLUÇÃO CULTURAL E ARTÍSTICA AO LONGO DA 1.ª METADE DO SÉCULO XX
Página 2 de 41
Página 3 de 41
A CULTURA E AS ARTES NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
As mudanças comportamentais e no pensamento científico nas primeiras décadas do século xx
As transformações da vida urbana
O século XX foi o século das grandes cidades. Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, contavam-
se, na Europa, 180 aglomerados urbanos com mais de 100.000 habitantes, e alguns, como Londres,
Paris, Moscovo ou Berlim, atingiam já uma escala gigantesca, congregando vários milhões de almas.
Pela primeira vez na História, no mundo industrializado, a população urbana superou a das zonas
rurais.
Esta urbanização maciça, que não parou de se acentuar, operou transformações profundas na vida e
nos valores da civilização ocidental.
Desenvolve-se uma nova sociabilidade. Na grande cidade, o indivíduo perde-se no meio da multidão.
A vida despersonaliza-se e, tal como os produtos da indústria, segue um modelo estandardizado: os
citadinos dirigem-se para o trabalho à mesma hora, partilham os mesmos transportes, consomem os
mesmos produtos, habitam casas semelhantes e mesmo os lazeres tendem para a massificação. Nos
tempos livres, são muitos os que convergem para os lugares públicos, invadindo os cafés, as esplanadas,
os cinemas, os salões de baile, os recintos de
espetáculos desportivos.
O crescimento da classe média e, sobretudo, a
melhoria do nível de vida proporcionam uma nova
cultura do ócio, que a cidade fomenta, oferecendo
inúmeras distrações. A anterior ênfase no trabalho vê-
se, pouco a pouco, substituída pelo prazer do consumo e
pela ânsia de divertimento.
A convivência entre os sexos, outrora contida por
rígidas convenções sociais, torna-se mais livre e ousada.
Sobretudo após o primeiro conflito mundial, a mulher
adquire visibilidade: sai para ir às compras nos grandes armazéns, para tomar chá e refrescos, para ir à
praia, para dançar num clube noturno.
O advento do automóvel alarga estes espaços de lazer e incute o gosto pela velocidade. Quem pode
desloca-se com frequência, de carro ou de comboio,
quer para um dia passado nos arredores, quer para
uma viagem entre as grandes cidades da Europa ou
da América.
Este gosto pelo movimento, pela “ação”; fomenta
a prática desportiva que, pela primeira vez, entra nos
hábitos quotidianos. O ritmo de vida, outrora lento e
pacato, acelera-se e, nos anos 20, torna-se quase
frenético.
Embora esta nova sociabilidade se confine, em
Mulheres na esplanada de um café de Paris, em 1920
Carros vencedores de um rali em França, em 1913
Página 4 de 41
muitos aspetos, às classes médias e abastadas, é ela que imprime uma marca de modernidade às
primeiras décadas do século, evidenciando a rutura com os valores e as convenções da rígida moral
oitocentista.
À entrada do século XX, os valores da sociedade burguesa sofriam as primeiras investidas. Os valores
tradicionais vão entrar em crise. Os sinais de que se avizinhava uma alteração profunda eram já
claramente visíveis mas a maioria desprezava-os, considerando-os extravagâncias sem futuro. A confiança
na superioridade da civilização ocidental dava aos Europeus e
Americanos uma sensação de otimismo, de viverem numa época
extraordinária que, apoiada em valores sólidos e grandes
realizações tecnológicas, caminhava firmemente na senda do
progresso.
Subitamente, entre 1914 e 1918, as certezas e esperanças
desmoronaram-se. A brutalidade da Primeira Guerra Mundial
pôs em causa as instituições, os valores espirituais e morais, todo
o edifício social que tinha sustentado a ordem burguesa do
século XIX.
Quando o conflito terminou, tinham morrido nove milhões de
homens e um exército de estropiados lembrava, a cada instante, a
carnificina e a barbárie. A miséria tomara conta das ruas das
grandes cidades europeias, outrora prósperas e ativas.
O impacto da destruição gerou um sentimento de descrença e
pessimismo, que afetou tanto os intelectuais como a gente comum. É então que o filósofo alemão Oswald
Spengler (1880-1936) publica A Decadência do Ocidente, obra de grande impacto em que vaticinava o fim
próximo e inexorável da civilização europeia.
Do choque da guerra e da deceção por ela provocada nasceu, pois, a convicção de que o mundo não
mais voltaria a ser o que era. Uma vaga de
contestação a todos os níveis abalou a sociedade
que, mergulhada numa profunda "crise de
consciência”; se viu sem referentes sólidos. A
família, a indissolubilidade do casamento, a moral
sexual, o papel da mulher, os preceitos religiosos,
as regras de conduta social deixaram de ter um
padrão rígido e foram aberta e sistematicamente
subvertidas. Instalou-se, pois, um clima de
anomia, isto é, de ausência de normas morais e
sociais que, com clareza, distinguissem o certo e o
errado.
Este relativismo de valores, que tudo punha em questão, acelerou as mudanças já em curso que,
num turbilhão, invadiram o dia a dia das grandes cidades. De todas elas, a emancipação feminina foi,
certamente, a que mais perturbou os contemporâneos.
A imagem da rapariga estouvada que, de saia curta e cabelo arrapazado, desafia todas as convenções
marcou, sem dúvida, a década de 20, durante a qual a mulher deu grandes passos no caminho da sua
Soldados nas trincheira, 1.ª Guerra Mundial
Passagem de modelos em 1920
Página 5 de 41
emancipação. No entanto, ela é apenas o lado mais escandaloso e fútil do longo e difícil percurso que
conduziu à emancipação feminina.
O movimento feminista organizado remonta
ao século XIX. Por volta de 1850, as
reivindicações centravam-se no direito das
mulheres casadas à propriedade dos seus bens
(nem mesmo lhes era reconhecida a liberdade
de dispor do seu salário), à tutela dos filhos (em
caso de viuvez, o poder paternal era exercido
por um parente masculino), ao acesso à
educação e a um trabalho socialmente
valorizado. Em suma, as primeiras feministas
lutaram por alterações jurídicas que
terminassem com o estatuto de eterna menori-
dade que a sociedade burguesa oitocentista
reservava à mulher.
Cerca de 1900, o direito de participação na vida política (direito ao voto) passou a assumir um papel
preponderante nas reivindicações femininas. Organizaram-se então numerosas associações de
sufragistas que, com um enorme espírito de militância, desencadearam uma luta tenaz pelo voto
feminino.
Na Europa, destacaram-se as sufragistas britânicas lideradas pela célebre Emmeline Pankhurst (1858-
1928) que, pela sua combatividade, viria a marcar o feminismo do princípio do século. Indignadas com a
oposição que se lhes deparava, as sufragistas inglesas procuraram atrair a atenção pública recorrendo a
meios extremos que incluíam longas e ruidosas marchas públicas, piquetes, apedrejamentos de polícias e
montras, irrupções intempestivas no Parlamento, greves de fome.
Em Portugal fundou-se, em 1909, a Liga
Republicana das Mulheres Portuguesas e,
mais tarde, a Associação de Propaganda
Feminista (1911), que perseguiram objetivos
idênticos aos das suas congéneres europeias
e contaram com a dedicação e o esforço de
mulheres prestigiadas como Ana de Castro
Osório (1872-1935), Carolina Beatriz Ângelo
(1878-1911), Adelaide Cabete (1867-1935),
Maria Veleda (1871-1955), entre outras.
Com exceção de um pequeno punhado de
países como a Austrália ou a Finlândia, as
pretensões políticas femininas chocaram, até
à Primeira Guerra Mundial, com uma forte
oposição, sendo alvo da censura e do escárnio dos poderes políticos e da própria sociedade,
maioritariamente conservadora.
As convulsões da guerra vieram alterar este estado de espírito. Com os homens nas trincheiras, as
mulheres viram-se libertas das suas tradicionais limitações como donas de casa, assumindo a
autoridade do lar e o sustento da família. Podiam ser vistas a trabalhar nas fábricas de armamento, a
Sufragistas inglesas manifestam-se pelo direito ao voto em 1913
Mulheres trabalhadoras numa fábrica de munições de Londres, 1917
Página 6 de 41
conduzirem carrinhas e autocarros, a fazerem reparações elétricas, a carregarem materiais pesados. No
campo, realizavam também o trabalho masculino e mesmo na frente de batalha se tornaram
imprescindíveis, assegurando os cuidados de enfermagem, com risco da própria vida. Como reconheceu
um comunicado do Ministério da Guerra britânico, "as mulheres tinham-se revelado capazes de
substituir o sexo forte em praticamente todas as tarefas”:
Este esforço reforçou a autoconfiança feminina e granjeou-lhe a valorização social que até aí lhe
faltava. Nas décadas subsequentes ao final do conflito, em grande parte dos países ocidentais as
mulheres adquiriram o direito de intervenção política, consolidaram a sua posição jurídica na família e
viram aberto o acesso a carreiras profissionais prestigiadas.
Embora a efetiva igualdade entre os dois sexos tenha demorado a concretizar-se e se depare, ainda
hoje, com algumas resistências, o movimento feminista do início do século derrubou as principais
barreiras e abriu à mulher uma nova etapa da sua história.
A descrença no pensamento positivista e as novas conceções científicas
Por meados do século XIX, o positivismo estabelecera uma confiança absoluta no poder do
raciocínio e da ciência, que considerava capazes de desvendar todos os mistérios do Universo.
Acreditava-se então num mundo perfeitamente ordenado, regido por leis claras e objetivas.
No início do século XX, o pensamento ocidental rebela-se contra este quadro de estreita
racionalidade, valorizando outras dimensões do conhecimento.
Na Filosofia, Henri Bergson (1859-1941) defende haver realidades (como a atividade psíquica, por
exemplo) que escapam às leis da Física e da Matemática e só podem ser compreendidas através de uma
outra via, a que chama intuição.
A intuição é, para Henri Bergson, de natureza muito diferente da inteligência, algo comparável ao
instinto e ao sentimento artístico que nos permite compreender a essência das coisas. Deste modo, o
pensamento filosófico revaloriza o transcendente e, com ele, a imagem de Deus.
O intuicionismo de Henri Bergson teve grande impacto na comunidade intelectual, que viu nele uma
libertação das normas rígidas do racionalismo. Mas, paradoxalmente, foi a própria ciência, com as suas
desconcertantes descobertas, que mais contribuiu para a ruína do pensamento positivista.
O conhecimento de que o átomo não era a unidade mais pequena da Natureza abriu à Física um
campo de estudos até então desconhecido, o da microfísica, área em que o alemão Max Planck (1848-
1957) desempenhou um papel pioneiro. Max Planck demonstrou
que, ao contrário do que era tido como certo, as trocas de energia
não se fazem num fluxo suave e uniforme mas em pequeníssimas
unidades separadas (a que chamou quantum - porção) que se
movimentam a velocidades inimagináveis, em saltos bruscos e
descontínuos.
A teoria quântica veio a ter profundas repercussões no avanço
da microfísica pois permitiu explicar o comportamento dos
átomos e das suas partes constituintes. Revelou-se assim um
mundo onde, como mais tarde ficou demonstrado por cientistas
como Niels Bohr (1885-1962) e Werner Heisemberg, (1901-1972) não existem regras fixas, sendo
impossível determinar, com rigor, o que está a acontecer e prever o que acontecerá.
Página 7 de 41
Foi, no entanto, Albert Einstein (1879-1955) e a sua Teoria da Relatividade quem protagonizou a
revolução científica do início do século. Einstein destruiu as mais sólidas bases da Física ao negar o
caráter absoluto do espaço e do tempo. Ninguém poderia imaginar que o tempo fosse uma variável e
decorresse mais depressa ou mais devagar consoante a velocidade dos corpos!
As teorias de Max Plancke Albert Einstein provocaram um profundo choque na comunidade científica
que se viu obrigada a reconhecer que o Universo era mais instável do que até aí se pensava e a verdade
científica menos universal do que se tinha acreditado.
Abriu-se assim uma nova conceção filosófica – o relativismo – que aceita a subjetividade do
conhecimento, o mistério e a desordem, como partes integrantes do Universo, rejeitando o
pensamento positivista fundado na clareza, na ordem, na explicabilidade de todos os fenómenos. Em-
bora tal mudança tenha representado, de facto, um avanço, o certo é que contribuiu para abalar a fé na
ciência e na sua capacidade para compreender e controlar a Natureza.
A ideia de que o Homem possui uma mente estritamente racional ficou também seriamente
comprometida pelos estudos do médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939). Freud interessou-se
pelos trabalhos dos conhecidos neurologistas Jean Charcot (francês, 1825-1933) e Josef Breuer (vienense,
1842-1925). Os dois terapeutas tinham em comum a particularidade de
recorrerem à hipnose como processo de cura dos sintomas
neurasténicos.
Freud depressa compreendeu que, sob o estado hipnótico, os
pacientes se recordavam de pensamentos, factos e desejos que
aparentemente haviam esquecido. Esta constatação revelou a existência
de uma zona obscura, irracional, na mente humana, que o indivíduo não
controla e da qual não tem consciência, mas que se manifesta,
permanentemente, no comportamento - o inconsciente. Foi com base
nesta descoberta que Freud elaborou, a partir de 1897, os princípios do
que veio a chamar psicologia analítica ou psicanálise.
Segundo a psicanálise, o psiquismo humano estrutura-se em três níveis distintos: o consciente, o
subconsciente e o inconsciente.
O consciente representa apenas uma pequena parte da mente, semelhante à "extremidade visível de
um icebergue”; por oposição ao inconsciente, camada profunda, rica e significativa mas dificilmente
penetrável. Entre estas duas zonas situa-se o subconsciente, constituído por uma constelação de
elementos psíquicos que, com alguma facilidade, podem passar ao consciente.
Por influência das normas morais, o indivíduo tem tendência para bloquear desejos ou factos
indecorosos e culpabilizantes, remetendo-os para o inconsciente onde ficam aprisionados, num aparente
esquecimento. No entanto, os impulsos e sentimentos assim recalcados persistem em afluir à consciência,
materializando-se em lapsos (troca de palavras), esquecimentos súbitos, pequenos gestos de que não nos
damos conta ou, de forma mais grave, em distúrbios psíquicos a que Freud chama neuroses.
Para além de uma teoria revolucionária sobre o psiquismo, a psicanálise engloba ainda um método
de tratamento das neuroses que, basicamente, consiste em fazer emergir o recalcamento (trauma) que
lhes deu origem e racionalizá-lo. Esta terapêutica baseia-se em grande parte na "livre associação'; em
que, sob a orientação do médico, o paciente deixa fluir, livremente, as ideias que lhe vêm à mente, e na
análise dos sonhos, considerados por Freud a "via régia de acesso ao inconsciente".
Sigmund Freud
Página 8 de 41
Nas primeiras décadas do século XX, as conceções psicanalíticas chegaram ao conhecimento do
grande público que as recebeu entusiasticamente. A revelação do lado irracional da natureza humana
afetou os comportamentos, favorecendo a quebra das convenções sociais que marcou os anos 20.
O impacto da psicanálise estendeu-se também ao mundo da arte, dando origem ao movimento
surrealista, que teve uma forte expressão no panorama cultural da primeira metade do século.
AS VANGUARDAS CULTURAIS DO INÍCIO DO SÉCULO XX: RUTURAS COM OS CÂNONES TRADICIONAIS
Introdução
A produção cultural do final do século XIX e início do XX foi particularmente brilhante pelas suas
inovações em quase todos os domínios. De uma maneira mais ou menos inconsciente, os artistas
estavam à procura de um novo estilo, contra o enquadramento do academicismo. Surge, então, um
novo mundo com expressões originais e de certa forma caótico. A arquitetura, tendo à sua disposição
meios até então desconhecidos, procurava novas formas. Nascia o Jazz, o cinema adquiria vida e
amplitude, apareciam os primeiros edifícios altos na paisagem. A produção musical da Europa brilhava de
maneira fulgurante. Na escultura temos Auguste Rodin (1840-1910), com a conhecida obra O Pensador.
Na música vamos encontrar na Alemanha Franz Liszt (1811-1886) e Richard Wagner (1813-1883); na Itália
de Giuseppe Verdi (1813-1901) e Giacomo Puccini (1858-1924); na França de Gabriel Fauré (1855-1924) e
Claude Debussy (1862-191); na Rússia de Rimsky-Korsakov (1844-1909) e Ilitch Tchaikovsky (1840-1893);
na Áustria de Schonberg (1874-1951); na
América surge a nostalgia e a musicalidade do
Jazz.
O cinema ganha vida em 1912 com o
aparecimento da sincronização entre a película e
o fonógrafo. Vemos aparecer David Griffith
(1875-1948), surge a "fábrica de sonhos" que é
Hollywood, e com ela artistas de enorme
popularidade como: Mary Pickford (1892-1979),
Theda Bara (1885-1955), Charles Chaplin (1889-
1977), Rodolfo Valentino (1895-1926), de entre
outros.
As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela crise do capitalismo e pelo nascimento das
democracias. O homem viveu a guerra e começou a questionar os valores do seu tempo. Com a Primeira
Guerra Mundial (de 1914 a 1918) vem a instabilidade no sistema político, social e filosófico. Em 1917, a
Revolução Russa trouxe a classe operária ao poder pela primeira vez. O capitalismo sentiu-se ameaçado
pelo comunismo e pelas ideias de Karl Marx. Em 1929, o crash da Bolsa de Nova Iorque foi um dos
prenúncios da Segunda Grande Mundial (1939 a 1945). O curto período entre as duas guerras ficou
conhecido como "anos loucos", no qual se percebe um estilo frenético de vida provocado pela incerteza
de paz gerada pela Primeira Guerra. Tudo isso mudou radicalmente a forma de ver e analisar a realidade e
o modo de a representar artisticamente.
As correntes de vanguarda, como o próprio nome indica, anteciparam os acontecimentos captando
e antecipando o futuro. Daí serem muitas vezes incompreendidas e suscitaram enormes polémicas.
Trabalhadores americanos desempregados após a crise de 1929
Página 9 de 41
Fauvismo, Expressionismo, Cubismo, Abstracionismo, Dadaísmo, Futurismo e Surrealismo terão sido as
mais representativas e inovadoras correntes artísticas do início do século XX, tendo influenciado
artistas em todo mundo. Todos estes movimentos tinham em comum: a proposta de desorganizar a
cultura, em especial a arte produzida até então; a integração entre as diversas artes, como a escultura,
pintura, música, arquitetura e literatura; a deformação intencional e sistemática da realidade. A
proposta era radical, pretendia-se criar uma arte totalmente nova, mas nem por isso os vanguardistas
deixaram de se inspirar em estilos anteriores. 1)
O início do século XX assistiu pois a uma
autêntica explosão de experiências inovadoras
no domínio da cultura e das artes. Dando
continuidade ao caminho já aberto no final do
século anterior, escritores e artistas, derrubando
a estética tradicional, criaram uma estética
inteiramente nova que ficou conhecida como
modernismo, movimento cultural que, irradiando
de Paris, na altura o centro artístico da Europa,
revolucionou as artes plásticas, a arquitetura, a
literatura, a música, estendeu-se às restantes
manifestações culturais. Desenvolve-se assim
um movimento inovador, de vanguarda, em
todas as dimensões da área cultural,
designadamente nono campo artístico e
literário que rejeita os modelos estabelecidos e
antecipa tendências posteriores.
Nesse período, as artes podem ser consideradas únicas e revolucionárias. Os artistas procuram
inovar radicalmente os conceitos da estética vigente. Num contexto social e ideológico de profunda
rebeldia e de grandes inquietações, assiste-se, talvez, à maior revolução artística dos últimos séculos,
rompendo-se definitivamente com as regras e os modelos artísticos da Idade Média e do
Renascimento.
O aparecimento da fotografia no século XIX havia aberto um leque de novas possibilidades aos artistas
do século XX que abandonando o realismo/naturalismo, a perspetiva e o modelado, passam a explorar
outras dimensões de si próprio: a sua criatividade, as suas emoções, o seu pensamento (consciente e
inconsciente). Procuram ser originais, fazendo obras únicas, explorando as cores e as formas de maneiras
inovadoras. Produzem obras de arte que suscitam múltiplas interpretações por parte de quem as vê,
colocando desafios intelectuais e levando cada espetador a procurar os seus possíveis sentidos e a
questionar-se sobre eles.
Artistas e homens das letras, agrupados de acordo com os seus interesses, criaram numerosas
correntes estéticas, integradas no movimento modernista que revolucionaram a cultura do século XX.
Na última década do século XIX, no campo da pintura, já haviam começado a aparecer os primeiros
sinais de mudança com o surgimento do Expressionismo e das características precursoras do cubismo na
obra de Paule Cézanne (1839-1806). Entrados no século XX, vão aparecer os novos movimentos estéticos
que irão romper com os anteriores, não deixando contudo de coexistir, de se influenciar mutuamente e
de dialogar entre si.
O início do século XX foi pois marcado pelo questionamento dos valores autoritários, na política pelo
colapso dos governos oligárquicos e na organização da sociedade pela difusão de ideias democráticas de
cidadania e de liberdade.
Página 10 de 41
Nas artes o questionamento deu-se pelo repúdio da descrição impressionista em detrimento da
liberdade de experimentação. O avanço científico também alterou as condutas sociais e interferiu na
noção de tempo, fragmentando-o: nas artes, os estilos que se caracterizam por amplas categorias de
definição deram lugar à ideia de movimentos, mais transitórios.
Essa nova maneira de ver o mundo mudou também a maneira de se expressar: na pintura os rígidos
métodos de representação natural do impressionismo já não correspondiam à necessidade de liberdade
de expressão dos artistas, exigida pela transformação do mundo.
AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS DO INÍCIO DO SÉCULO XX
FAUVISMO
O primeiro movimento de vanguarda de características
modernas foi o Fauvismo, corrente vanguardista, marcadamente
francesa, iniciada em 1905 e liderada pelo pintor Henri Matisse
(1859-1954). Defende o primado da cor na pintura e utiliza-se
com total liberdade, em tons fortes e
agressivos, negligenciando a precisão e a
representação. As pinturas fauvistas
apresentavam um colorido muito intenso,
aplicado de forma aparentemente
arbitrária, tornando-as, à primeira vista, obras estranhas, quase selvagens.
Os fauvistas reivindicam o primado da cor sob a forma e é na cor que
encontram a sua forma de expressão artística. Elevada ao papel de
protagonista, a cor desenvolve-se em grandes planos, desempenhando o papel
do desenho na perspetiva ou da sombra na modelação do volume. O colorido
fauvista autonomiza-se completamente do realidade, isto é, não procurar concordar com as cores do
objeto representado, mas refletir a sua essência, tal como se revela aos olhos do pintor.
O fauvismo valorizava mais a liberdade do artista em criar um novo mundo nos limites estruturais do
quadro do que a rigidez na representação da imagem do modelo. Para os fauvistas, a pintura não tem que
representar a realidade, mas apenas o mundo apreendido pelos sentidos do autor, sendo esta a tese que
vai caracterizar toda a arte moderna. Embora já presente
nos trabalhos de outros pintores como Paul Gaugin (1848-
1903) ou Vincent Van Gogh (1853-1890) , de alguma forma
precursores do novo movimento, será com os fauvistas
que essa tese será formulada de forma clara. O fauvismo,
movimento marcadamente francês, distingue-se
essencialmente do expressionismo por recusar qualquer
sentimento de angústia ou de crítica social.
O Fauvismo teve em Matisse o seu expoente máximo. Uma
das obras mais significativas deste autor é a Mesa Posta
(Harmonia em Vermelho), de 1908. Nela, Matisse expressa a sua influencia não europeia. Devido às suas constantes
Henri Matisse
Henri Matisse (1869-1954),
Madame Matisse
Página 11 de 41
viagens à Argélia, colónia francesa no norte da África, Matisse começa a pintar painéis decorativos, influenciado
pelas tapeçarias africanas.
Nesses quadros fica evidente a constante representação de elementos da cultura árabe,
como os arabescos. Podemos perceber esse olhar de Matisse para o oriente na própria
imagem da sua mulher, que foi representada com um penteado oriental. Pode-se perceber
que o cenário tem papel de destaque na conceção do quadro, adquirindo grande importância
nos trabalhos inovadores de Matisse, dando a mesma a importância a todos os elementos do
cenário, contrária à ideia tradicional da valorização do objeto central. Apesar da influência
estampada dos tapetes, os painéis decorativos de Matisse utilizam de linhas de fuga que
causam a ilusão da perspetiva: essa é retratada através das linhas dos móveis e da moldura da janela, além dos
líquidos nos arabescos sobre a mesa. O quadro valoriza as cores primárias, sendo o amarelo e azul utilizados para
representar formas e conteúdos e o vermelho para dar harmonia ao quadro, unindo a parede e a mesa num mesmo
plano. E mais uma vez o verde, em oposição ao vermelho, produz a ideia de profundidade
Outro dos quadros mais conhecidos de Matisse é
Madame Matisse, que representa a sua mulher. Símbolo
máximo do Fauvismo, caracteriza-se pela exclusiva
preocupação em demonstrar a técnica de representar
vivências e sensações por meio da força cromática e dos
contrastes. Utiliza a formação das cores à luz para produzir
noções de espaço/profundidade. Para isso, as cores do
preenchimento do rosto da Senhora Matisse são em
pinceladas soltas que expressam uma certa desordem
contrastando com as cores chapadas das áreas planas que
completam o fundo do quadro. No fundo, o verde, cor
intermediaria, em contraste com os tons quentes do
vermelho e do laranja, produz a ideia de profundidade, ressaltando o rosto da figura. Este é dividido ao meio por
uma linha verde que também expressa a parte central do espaço físico do quadro.
Análise de uma pintura Fauvista
A pintura é figurativa, o artista retrata um restaurante em Marly-le-Roy, representando um espaço ao ar livre.
A obra não é realista nem naturalista, pois as cores usadas não correspondem à realidade observada: as cores são alegres, vivas e contrastantes, justapondo-se em grandes manchas de tinta na tela.
Não há a preocupação de retratar o pormenor e os sombreados.
EXPRESSIONISMO O expressionismo surgiu tal como o fauvismo em 1905, mas simultaneamente em diversas cidades
alemãs, com o objetivo de abalar o conservadorismo da arte oficial germânica, mas também da própria
sociedade alemã excessivamente moralista e hierarquizada. Os criadores do expressionismo, reunidos
no grupo artístico a que chamar Die Brucke (A Ponte), Henri Matisse (1869-1954), Mesa Posta
Maurice de Vlaminck, O restaurante em Marly-le-Roy, 1905
Página 12 de 41
defendiam uma arte impulsiva, fortemente individual, produto do impulso artístico do autor. O
movimento expressionista não foi
homogéneo. Teve diferentes formulações,
diferentes estilos, dispersos por diversos
polos geográficos, em diferentes países, não
deixando de ser essencialmente alemão.
Os expressionistas recorriam à utilização
de grandes manchas de cor, intensas e
contrastantes, aplicadas livremente, tal
como o fauvistas. Mas, ao contrário destes,
os expressionistas desenvolviam uma
temática pesada, que privilegiava a
angústia, o desespero, a morte, o sexo, a
miséria social. Visavam provocar a moral
burguesa e abalar as suas estruturas. A
estética expressionista traduzia-se em
formas primitivas e simples, onde a distorção e o desenho caricatural serviam para reforçar a
expressividade. Desta forma, obtinham uma forte tensão emocional, obtida por formas distorcidas e
cores intensas que transmitiam ao espetador sensações de desconforto, de repulsa e mesmo de
angústia.
Edvard Munch (1863-1944), um dos mais conhecidos pintores do movimento expressionista, nasceu
na Noruega, em 1863, mas está intrinsecamente ligado ao expressionismo alemão, sendo a sua obra O
Grito, realizada quando tinha trinta anos, uma das mais conhecidas. Faleceu em 1944. A sua obra retrata
as suas obsessões com temos como a morte, a angústia, a solidão, a melancolia, o terror das forças da
natureza.
Análise de uma pintura expressionista
• A pintura é figurativa, o artista retrata a crucificação de Cristo no monte Gólgota.
• A obra não é realista nem naturalista, pois as cores usadas não correspondem à realidade observada: as cores são
escuras e carregadas e as faces das pessoas distorcidas mas expressivas.
• Não se encontram definidos os pormenores dos rostos (são uma massa anónima que o pintor desconhece) mas
realçam-se os seus sentimentos relativamente à crucificação de Cristo: alguns mostram-se alegres, outros tristes.
• A perspetiva e o modelado são pouco significativos.
CUBISMO
O Cubismo foi um movimento fortemente influenciado pelo geometrismo de Paule Cézanne (1839-
1806) e pela estilização volumétrica da arte africana, que teve em Pablo Picasso (1881-1973) o seu
fundador ao pintar, em 1907, o quadro a óleo Les Demoiselles d´Avignon. Podemos pois definir o
Cubismo como o movimento artístico iniciado por Picasso e George Braque (1882-1963), por volta de
1907, que rejeita a representação do objeto em função da perceção ótica e a substituiu por uma visão
intelectualizada globalizante de tipo geométrico. Podemos distinguir no cubismo duas correntes
estéticas: a do cubismo analítico e a do cubismo sintética.
Edvard Munch (1863-.1944), Gólgota, 1900.
Edvard Munch
Página 13 de 41
O Cubismo Analítico presente nas pinturas de paisagens elaboradas por Picasso e Braque em 1908,
caracteriza-se pela destruição completa das leis da perspetiva, que continuava a dominar a pintura da
altura. Picasso entendia que a pintura tradicional era redutora e mentirosa pois apenas mostrava parte da
realidade, aquela que percebemos de um
ponto de vista fixo, num determinado
momento. O cubismo analítico procura
representar os objetos de forma total e não
parcelar, montando-nos simultaneamente
de frente, de lado, por cima, por baixo...
estilhaçando o volume em vários planos que
se justapõem. Se o pintor tradicional pinta o
que vê, o cubista pinta o que sabe existir,
mas que só pode ser visto em momentos
sucessivos. As cores, a pouco e pouco,
restringem-se a uma palete quase
monocromática de azuis, cinzentos e
castanhos, de forma a não perturbar o rigor
geométrico da representação.
O Cubismo Sintético surge após Picasso e Braque terem levado o Cubismo aos limites, com a
desmantelação do objeto numa miríade de facetas, decompondo-o minuciosamente em planos
geométricos que se intercetam e sucedem, tornando-se para o observador, irreconhecível. O cubismo
havia entrado numa fase de pura abstração.
Os cubistas sentiram a necessidade de adotarem um processo de reconstrução/recriação,
reagrupando os elementos fundamentais que resultavam da desmantelação geomética dos objetos, de
uma maneira mais coerente e mais lógica, mais de acordo com as leis da perceção. Aproveitaram para
eliminar neste processo de síntese todo o pormenor, fazendo regressar a cor às telas. Por outro lado,
juntam à pintura outros materiais antes impensáveis como papeis, cartão, madeira, corda, etc., objetos
comuns. Um dos exemplos desta fase é a Natureza Morta com Cadeira Empalhada, de 1912.
Para além de Georges Braque (1882-1963) e de Picasso outros nomes adotaram a estética cubista:
Albert Gleizes (1881-1953), Jean Metzinger (1883-1956), Fernand Leger (1881-1954), Robert Delaunay
(1885-1941), entre outros. O Cubismo teve o seu apogeu até à 1.ª Guerra Mundial, altura em que deixou
de apresentar novos contributos para a arte moderna.
Em síntese, podemos considerar que o Cubismo revolucionou a arte:
Destruindo as leis tradicionais da perspetiva e da representação, que
embora abaladas pelos movimentos anteriores, se mantinham, no geral
válidas. Abriu, deste modo, caminho para a arte abstrata, verdadeiro
emblema da arte dói século XX.
Alargando os horizontes plásticos introduzindo neles materiais comuns, de usos quotidiano, até
então completamente alheios ao mundo da arte. Esta inovação está na origem dos ready-made
com que alguns anos mais tarde, Marcel Duchamp (1887-1968) chocou o mundo, bem como de
várias técnicas modernas como, por exemplo, a colagem, a fotomontagem e o Assemblage.
Pablo Picasso (1881-.1973), Natureza-Morta com Cadeira
Empalhada, 1912, 1907
Pablo Picasso
Página 14 de 41
Proporcionou meios de expressão a outras correntes, nomeadamente ao futurismo (a
representação de visões simultâneas, por exemplo).
O precursor e representante máximo do cubismo
como se referiu anteriormente, foi o pintor Pablo Ruiz
Picasso. Nasceu em 25 de outubro de 1881 na cidade
espanhola de Málaga. Desde cedo já pintava motivos
pictóricos, como pombas, por orientação de seu pai. A
sua obra é definida como revolucionária, genial,
vanguardista e visionária. Foi um artista ativo e
observador da evolução da pintura e criador de um estilo
inconfundível.
Picasso não se limitou à pintura académica, buscava
algo novo na arte. As suas mulheres e os seus dramas
pessoais (como o suicídio do pintor e amigo Casagenas,
em 1901, que o levou à fase azul) são elementos
transformadores nessa busca pictórica. Morreu em 8 de
abril de 1973.
Análise de uma pintura cubista
A Dança é uma das mais célebres das pinturas
cubistas de
Picasso. A inspiração inicial para o trabalho foram os ensaios do
ballet russo. A Dança é um quadro marcado pelas
metamorfoses da anatomia humana, que é apresentada ao
espetador violentada e com deformações grotescas e
monstruosas. Mas também expressa ambiguidade, dor e
prazer causados pela mistura da alegria da dança e com o
tratamento individualizado e introspetivo das personagens.
Outras das obras mais conhecidas de Picasso é o quadro Les
Demoiselles d'Avignon (As senhoritas de Avignon) de 1907.
Influenciado por Matisse e André Derain (1880-1954), Picasso
começou a elaboração desse trabalho, inspirando-se num
bordel de Barcelona. Demorou nove meses até ficar pronto,
depois de 809 estudos prévios. Revolucionou a história da arte
com suas anatomias humanas geométricas e deformadas. Ao
centro o espetador pode observar duas mulheres a olharem
para ele, como que se oferecendo. Em primeiro plano podemos observar um prato com frutas. A mulher
mais à esquerda parece inspirada na arte egípcia; as duas do meio, na inexpressão da arte ibérica; e as
duas da direita ficam por conta da revolução das formas, com os seus semblantes e corpos deformados. A
que se encontra curvada parece estar com o corpo invertido e apresentar as mãos deformadas. Julga-se
que ambas estejam a usar máscaras africanas.
Pablo Picasso (1881-.1973), Les
Demoselles d´Avignon, 1907
Pablo Picasso (1881-1973), A Dança
Página 15 de 41
Guernica, obra monumental, de 3m e 51 cm de cm de comprimento por 7m e 82 cm de altura, é uma das
mais conhecidas pinturas de Picasso. Foi criada a pedido do governo republicano espanhol para um mural
no pavilhão da Espanha na Exposição Internacional de Paris. A inspiração partiu do ataque da Legião
Condor da Alemanha de Hitler à cidade de Guernica em 26 de abril de 1937. O bombardeamento resultou
em 1660 mortos e 890 feridos. O mural pode ser considerado um grito contra os horrores da guerra. As
cores usadas são o preto e branco com toques de cinza e azul que transmite como na fase azul, tristeza,
melancolia e sensação de angustia. Pode-se perceber um
triangulo no centro da tela, partindo dos dois vértices
inferiores até o ponto mais alto da obra.
As figuras são muito representativas: o touro pode ser
percebido como a brutalidade, as trevas; o cavalo é a
representação da dor; o lustre ao meio assemelhar-se-á
representação do olho divino; o candeeiro mantém a chama
da esperança acesa; a mãe com o filho no colo "A piedade
dolorosa", demonstra a aguda dor maternal; e o incêndio
representado no canto direito da tela foi diretamente
influenciado pelas fotografias que Picasso recebeu do
bombardeamento.
A pintura é figurativa, identificamos as ervilhas e
certos aspetos do pombo, mas já perfeitamente
desconstruídos; o fundo confunde-se com os objetos e com
as figuras retratadas: caminhamos a passos largos para o abstracionismo.
O realismo, o naturalismo, a perspetiva e o modelado são abandonados. O artista privilegia duas cores:
o cinzento e o amarelo-torrado.
As figuras e os objetos são geometrizados (cubos, cones, cilindros, etc.) e decompostos em partes, que
se sobrepõem no mesmo plano.
ABSTRACIONISMO
Pablo Picasso (1881-.1973), Guernica,
Página 16 de 41
A Arte abstrata procura eliminar qualquer relação entre a realidade e a obra, entre as linhas e os
planos, as cores e as ideias que se fazem destes elementos, assim como aquelas que eles sugerem ao
espírito. Quando a compreensão de um quadro depende essencialmente das reações às cores e às
formas, quando o pintor quebra as conexões entre a sua obra e a realidade, ela passa a ser abstrata.
O abstracionismo foi um movimento artístico que rejeita o tema ligado à realidade concreta, à
descrição do visível. A obra de arte abstrata procura uma linguagem universal capaz de superar as
diferenças intelectuais e culturais dos espetadores. Decomposição da figura e a simplificação da forma,
novos usos das cores, abandono da perspetiva e das técnicas de modelagem e rejeição dos jogos
convencionais de luz e sombra são os traços essenciais do Abstracionismo.
A ideia de descolar a pintura da representação do real terá sido concretizada, pela primeira vez, em
1910, pelo pintor russo Vassily Kandinshky (1866-1944) ao pintar a aguarela Sem Título. Outros pintores
seguiram as suas pegadas, enveredando contudo por caminhos diversificados, às vezes opostos. De entre
esses caminhos destacam-se o abstracionismo sensível e o abstracionismo geométrico.
O abstracionismo sensível ou lírico - O Abstracionismo Sensível dava o primado aos sentimentos e às
emoções na produção da obra. As cores e as formas
são criadas livremente e a forma abstrata ao dirigir-se à
perceção sensorial, comum à espécie humana, é, tal
como a música, uma linguagem universal. Por outras palavras, as abstrações de forma e de cor, tal como a
música, atuam diretamente na lama.
Kandinsky pode ser considerado o principal representante do abstracionismo sensível. A
expressividade das suas obras fazia-se através da cor e das formas. Fruto das suas pesquisas cromáticas,
passou a utilizar nas suas pinturas diferentes tonalidades e matizes que resultaram em variações espaciais
e formais. A sua obra caracteriza-se por um expressionismo abstrato, sensível e emotivo.
Kandinsky é considerado o pai da arte abstrata. Ele acreditava na existência de uma relação entre as
cores e os sons. Música e Pintura encantavam-no de tal maneira, que passaram a ser a chave mestra da
sua inspiração artística e a origem de todas as suas criações.
Durante sua vida Kandinsky entrou em contacto com diversos estilos artísticos que passam a
influenciar suas obras: o Fauvismo, o Expressionismo e o Surrealismo são apenas alguns deles. A sua obra
foi considerada a mais consistente e lógica na busca de uma forma de expressão não figurativa.
Análise de pinturas do abstracionismo sensível
A tela Sem Título (primeira aquarela
abstrata) produzida entre 1910 e 1913 marca a
iniciação de Kadinsky na arte abstrata. Os
elementos nela representados não guardam
qualquer relação com objetos reais. No espaço
imaginário branco, formas indefinidas flutuam
constituídas apenas por pinceladas de cores
vermelha, azul, amarela, verde e preta.
Kandinsky mostra nesta obra o dinamismo
das formas e das cores. Utilizando uma composição em espiral e dispondo as pinceladas Vassily Kandinshky
Vassily Kandinshky, Sobre o Branco II, 1923
Página 17 de 41
vermelhas e azuis de forma circular, o artista cria um movimento centrífugo iniciado no canto inferior esquerdo da
tela.
Podemos ver na manifestação das pinceladas vermelhas, amarelas, azuis e verdes a tentativa expressarao
máximoestas cores, traduzindo sons, apenaslimitadas pelas linhas negras existentes no quadro. Desta forma,
podemos presenciar a relação que Kandinsky tenta estabelecer entre cores e sons.
Em Sobre o Branco II, de 1923, somos remetidos
novamente para a relação entre cor e som tão cara a
Kandinsky. Há quem considere esta tela a obra-prima de
Kandinsky. Formas geométricas e linhas dispõem-se de forma
livre evocando sensações diversas. No conjunto, na
extremidade esquerda percebe-se o sol, representado por
um pequeno círculo alaranjado, com os seus raios
representados pelo triângulo amarelo banhando a tela,
enquanto o vento a contorna em forma de brisa
representada pelas linhas pretas curvas. Alguns dos
elementos que constituem esta tela parecem visões
estilizadas de alguns dos motivos mais habituais encontrados
nas obras de Kandinsky. Um exemplo são as duas diagonais cruzadas que reproduzem estilisticamente São Jorge no
cavalo.
A pintura é abstrata pois retrata uma composição de
pontos, linhas e figuras geométricas – triângulos,
círculos, quadrados.
Kandinsky compara a sua obra à música: a composição
de linhas, pontos e cores, combinados numa
determinada dinâmica, está para o pintor como uma
composição de notas musicais sequenciadas numa
determinada tonalidade e seguindo certas dinâmicas e
ritmos está para o músico. Não traduz uma realidade
existente, antes transmite um estado de alma do
artista e constitui um processo criativo, o qual exprime
pensamentos e emoções pessoais, influenciados pelo
ambiente circundante.
Abandona-se o realismo/naturalismo, o modelado e a
perspetiva.
O abstracionismo geométrico – Esta corrente
do abstracionismo procurou fazer da pintura um meio de expressar a verdade essencial e inalterável
das coisas. O seu máximo representante foi Piet Mondrian (1872-1944), pintor holandês, que procurou
dar ao seu trabalho para além da dimensão estética, uma função social, impressionado que ficou com a
violência e o sofrimento causados pela 1.ª Guerra Mundial. Recusando o individualismo reinante,
procurou as verdades universais, os valores
últimos, essenciais e permanentes da vida e
Wassily Kandinsky, Composição VIII, 192.
Piet Mondrian, Composição em
vermelho, amarelo e azul, 1921
Vassily Kandinshky, Sem Título, 1910-1913
Página 18 de 41
da realidade. Tal implicava, segundo ele, a supressão, na obra de arte, de toda a emotividade pessoal e
também de tudo o que é efémero e acessório. A pintura deveria ser depurada, liberta de tudo o que não é
essencial, circunscrita aos elementos básicos: a linha, a cor, a composição e o espaço bidimensional. O
desenvolvimento desta opção levará o pintor à mais matemática
das artes, feita de linhas retas e figuras geométricas elementares
preenchidas por manchas de cores. Organizadas de forma
rigorosa, estas formas exprimiriam a “realidade pura” que
Mondrian tanto procurava.
Análise de pintura do abstracionismo geométrico
• A pintura de Piet Mondrian é abstrata, pois retrata uma
composição de linhas verticais e horizontais, e usa cores primárias:
vermelho, amarelo e azul, bem como o preto (ausência de cor e luz) e o
branco (todas as cores do arco-íris).
• Mondrian procura captar a essência da realidade visual – tudo aquilo que observamos é composto por essas linhas
e cores, tal como os átomos constituem o elemento indivisível e essencial de toda a matéria existente no Universo.
A obra traduz, pois, a conceção do mundo e da arte do pintor, marcada pelos avanços da ciência física.
• Abandona-se o realismo/naturalismo, o modelado e a perspetiva.
FUTURISMO O Futurismo, contemporâneo do cubismo, surge em Itália, em 1909, proclamado por Fillipo Marinetti
(1876-1944) no seu Manifesto Futurista, verdadeiro hino à vida moderna, rejeitando o passado,
glorificando o futuro, que se acredita prodigioso, graças ao progresso da técnica. A máquina e a
velocidade assumem um lugar central no discurso futurista.
Os artistas futuristas desligam-se do passado centrando a sua estética na representação do mundo
industrial cheio de máquinas, velocidade, ruído, aceleração e dinamismo universal. A obra de arte não
pode ser encarada como algo de estático, mas em permanente transformação. Por isso a estética
futurista adota a diluição das formas, a justaposição de imagens fugazes, a decomposição da realidade em
segmentos representando ponto de vista simultâneos que se interpenetram, numa mistura de
movimento, som, cintilação e de luz. Deste modo,
aproximam-se da estética cubista, com quem partilham o
simultaneísmo e a decomposição fragmentada, sem
contudo conseguirem dialogar.
Análise de pintura futurista
A pintura é figurativa, identificamos um cão e os pés de
alguém que o passeia.
O pintor procura retratar as figuras e os objetos em
movimento, sobrepondo na tela várias imagens do cão e dos pés, em momentos diferentes.
Página 19 de 41
O realismo, o naturalismo, a perspetiva e o modelado vão sendo progressivamente abandonados.
O futurismo glorificava pois o progresso, a máquina, a velocidade e mesmo a guerra, a glória dos
vencedores construtores de um mundo novo. Estendeu-se às diferentes formas de expressão artística:
escultura, arquitetura, literatura, música, fotografia, teatro... Tornou-se uma moda, uma maneira de
estar, usando cartazes, panfletos, como meio de divulgação. Contudo, morreu cedo, com o eclodir da 1.ª
Guerra Mundial, que ironicamente vitimou Marinetti. Dos escombros da Guerra surgiu um novo
movimento vocacionado para a intervenção social, apostado em proclamar a destruição da própria arte,
o Dadaísmo.
DADAÍSMO
O Dadaísmo, movimento de contestação artística que recusa todos os
modelos plásticos e a própria arte, nasceu na Suíça, em 1916, mas quase
simultaneamente desenvolveu-se noutros polos, nomeadamente em Nova
Iorque, Paris e Berlim. O movimento assumia o seu desprezo pelo mundo
violento sacudido pela guerra, pela sociedade e pelas suas regras, um desprezo
pela própria arte que é sempre o reflexo dos homens e do mundo.
Unidos pela fome do absurdo, pela necessidade compulsiva de destruir os
fundamentos da arte, os dadaístas exprimiram-se das formas mais díspares: as assemblages de Kurt
Schwitters (1887-1948), as composições ao acaso de Max Ernst (1891-1976) e Hans Arp (1866-1976), os
ready-made de Marcel Duchamp (1987-1968), tudo servia para negar a arte e o seu valor. O seu desprezo
pela arte levaram-nos a insultar o próprio público, a publicar panfletos obscenos, a realizar espetáculos
públicos ininteligíveis. Como movimento de subversão
intelectual e artística, procurou contrariar frontalmente
a via reflexiva e metódica aberta pelo cubismo, seguindo
a via do inconsciente, do ilógico, do absurdo, enfim do
irreal. Os dadaístas acabaram por se negar a si próprios,
tendo parte deles enveredado pelo surrealismo.
Análise de pintura dadaísta
• A pintura é figurativa, embora com características evidentes
da arte abstrata; identificamos com bastante dificuldade o
movimento de uma mulher a descer uma escada.
• O pintor procura retratar a mulher em movimento,
sobrepondo na tela várias imagens da mesma, em momentos
diferentes.
• O realismo, o naturalismo, a perspetiva e o modelado são
abandonados, caminhando-se para o abstracionismo.
Esta obra apresenta características comuns ao Cubismo e
ao Futurismo. Giacomo Balla, Dinamismo de um cão
na coleira, 1912.
Joan Miró
Página 20 de 41
SURREALISMO Nas primeiras décadas do século XX, os estudos psicanalíticos de Sig-
mund Freud (1856-1939) e as incertezas políticas criaram um clima
favorável para o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura
europeia e a frágil condição humana diante de um mundo cada vez mais
complexo. Surgem movimentos estéticos que interferem de maneira
fantasiosa na realidade.
O surrealismo foi por excelência a corrente artística moderna da
representação do irracional e do subconsciente. Surgiu como resposta
ao esgotamento do dadaísmo esgotado e cada vez mais extremo, pela
mão de André Breton (1896-1966), ex-dadaísta, que além de poeta, era
médico e pertencia à geração à qual foram revelados os mistérios do
inconsciente. Publicado em 1924, o manifesto do surrealismo, marca o
nascimento oficial do surrealismo. A ele aderiram escritores como
Louis Aragon (1897-1992)e Paul Éluard (1895-1952) e artistas como André Masson (1896-1987), Hans Arp
(1886-1966), Joan Miró (1893-1983), Max Ernest (1891-1976), René Magrit (1898-1967), Salvador Dali
(1904-1989)e cineastas como Luis Buñuel (1900-1983).
O surrealismo que pretende negar a estética e os valores estabelecidos de uma sociedade burguesa
e burocrática. Os artistas surrealistas deixam o mundo real para penetrarem no irreal, em direção a
novas formas de pensar a sociedade moderna pós-industrial.
O Surrealismo apresenta relações com o Futurismo e o Dadaísmo. No entanto, se os dadaístas
propunham apenas a destruição, os surrealistas pregavam a destruição da sociedade em que viviam e a
criação de uma nova, a ser organizada noutras bases. Os surrealistas pretendiam, dessa forma, atingir
outra realidade, situada no plano do subconsciente e do inconsciente. A fantasia, os estados de tristeza e
melancolia exerceram grande atração sobre os surrealistas, influenciando-os nas mais variadas
produções, fossem elas literárias, plásticas, esculpidas, filmadas cinematograficamente, questionando os
limites da reprodução artística.
O modelo de arte surrealista é procurado já não na realidade exterior, mas na realidade interior, na
mente do artista. Deste modo, o surrealismo não se prende em questões formais, aceita que o artista se
exprima do modo que achar melhor para transmitir o que lhe vai na mente, no seu psiquismo, no seu
inconsciente. Daí a diversidade de estilos surrealistas, desde o surrealismo de traço rigoroso e académico
às colagens à expressão abstrata.
O surrealismo enquanto movimento de vanguarda fecundo
desenvolveu-se até à 2.ª Guerra Mundial, embora alguns autores
continuassem a cultivá-lo até ao fim dos seus dias, como Miró e
Dali. Em Portugal somente após o citado conflito teve alguma
expressão. Podemos afirmar que com o surrealismo se encerra o
ciclo das primeiras vanguardas que revolucionaram a arte
europeia.
O nome mais representativo do surrealismo é sem dúvida
Salvador Dali.
Talvez não haja
adjetivos para
definir um dos pintores mais populares e controversos do Século
Marcel Duchamp, Nu descendo uma
escada, 1912.
Segismundo Freud
Página 21 de 41
XX. Nasceu em 1904, e desde pequeno demonstrou aptidão para o desenho e pintura. Dali considerava-se
um pintor impressionista ao ingressar na Escola Especial de Pintura Escultura da Real Academia de Belas-
Artes de San Fernando, em Madrid, estabelecendo contacto com diversas ideias e alunos como Frederico
Garcia Lorca (1988-1936) e Luís Buñuel. Porém, em 1923, é expulso da Academia.
Em meados de 1926, já em Paris, conhece Picasso e realiza experiências com o cubismo. Nessa fase,
aprofundou a sua relação estética com cubismo e o surrealismo, em torno de temáticas sexuais, oníricas e
escatológicas que garantiram identidade à sua obra, aproximando-o dos cérebros do movimento
surrealista, que reconhecem nas representações do quadro "O jogo lúgubre" as suas ideias.
À partir de 1936 os seus quadros foram expostos nos EUA, onde é acolhido na sequência da Guerra
Civil Espanhola (1936-1939) criando grandes laços com a
elite americana. O seu vasto trabalho elevou-o à categoria
de uma das figuras mais notáveis do Século XX, ligado à
estética surrealista estando a suas obras intimamente
associadas à descoberta do inconsciente de Freud, às
manifestações dos sonhos e à imaginação como matéria-
prima, em busca incessante para descobrir o ser humano e
as suas maneiras de se representar.
Análise de pinturas surrealistas
Com o título sugerido pelo poeta Paul Éluard, em O Jogo
Lúgubre, Salvador Dali destaca a sua obsessão pela castração,
pela masturbação e pelas reações provocadas por elas. O quadro
apresenta uma figura central com cores vivas onde se nota o
perfil de Dali com olhos fechados, o desmantelamento do ser nas
suas intenções, logo acima da sua cabeça, a descoberta do
inconsciente e a explicitação do ser completo na sua
obscuridade.
Construção mole com feijões cozidos (premonição da Guerra Civil), é uma das poucas obras de Dali relacionadas
com conflitos bélicos ou políticos, no caso a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) que o fez abandonar a Espanha. O
quadro chama atenção pela obscuridade e desolação da paisagem, representação que se referia auto-aniquilamento
pelo qual passava a Espanha.
Salvador Dali
Salvador Dali, O Jogo lúgrebe, 1929
Página 22 de 41
A pintura é figurativa, o artista retrata, aspetos da realidade visual – uma mulher, uma romã, um peixe, dois tigres… – enquadrada num ambiente fantasista, fruto da imaginação do artista – um elefante com umas patas muito estranhas, a sombra da maçã representada em forma de coração… Há uma relação ilógica e irracional entre os elementos retratados: um peixe a sair de dentro de uma romã e um tigre a aparecer de dentro da boca do peixe…
O artista recorre ao naturalismo, ao modelado e à
perspetiva, mas num contexto de fantasia e imaginário, próximo do mundo do inconsciente e dos sonhos.
Outro nome grande do Surrealismo foi René Magritte.
Nasceu na Bélgica em 1998 e faleceu em 1967. • A pintura (Golconda) é figurativa. Nela o artista retrata
aspetos da realidade visual – uma chuva de homens –
enquadrada num ambiente fantasista, fruto da
imaginação do artista. Há uma relação ilógica e irracional
entre os elementos retratados…
• O artista recorre ao naturalismo, ao modelado e à
perspetiva, mas num contexto de fantasia e imaginário, próximo do mundo do inconsciente e dos sonhos.
Em síntese... Até ao século XX, a pintura permaneceu fiel ao “princípio da realidade”, representando um mundo de
aparência lógica e objetos reconhecíveis. As vanguardas vieram romper com este universo plástico,
destruindo, um a um, os seus fundamentos. Assim:
René Magritte, Golconda, 1953.
Salvador Dalí, Sonho provocado pelo voo de uma
abelha em torno de uma romã um segundo antes
do acordar, 1944.
Salvador Dalí, Construção mole com feijões cozidos, 1936.
Página 23 de 41
Libertaram a figuração da sujeição a modelo, distorcendo as formas e utilizando arbitrariamente
as cores, sem atender à sua fidelidade ao mundo real. Assumida por fauves (feras), e
expressionistas, esta liberdade tornou-se comum a todas as correntes.
Desconstruíram o espaço pictórico que, desde o Renascimento, se organizava segundo as leis da
perspetiva. Os esbatimentos dos volumes e da profundidade presentes nas telas fauvistas e
expressionistas anunciam o regresso da pintura à sua natureza bidimensional. Coube porém ao
cubismo a desarticulação completa das regras da figuração, ao substituir a perspetiva pela visão
plena e simultânea do
objeto.
Adotaram novos modelos
temáticos de índole
abstrata (as emoções
puras de Kadinsky, as
ideias essenciais de
Mondrian...) ou
projetadas pelo
inconsciente humano.
Pela primeira vez, a
pintura desliga
totalmente os seus temas
da realidade sensível.
Alargam o universo da
pintura ao introduzirem aspetos que desde sempre lhe tinham sido alheios, como o movimento e
o tempo (4.º dimensão), esboçados pelo cubismo e plenamente desenvolvidos pelo futurismo.
Introduziram um conjunto vasto de novos materiais artísticos, aumentando significativamente o
potencial plástico e expressivo da pintura. Iniciada pelo cubismo, esta vertente vai ser também
adotada pelos movimentos posteriores.
A ESCULTURA O modernismo na arquitetura e no design
Depois de um grande desenvolvimento da arquitetura ao longo do século XIX, fruto dos progressos
técnicos e das condições sociais resultantes da Revolução Industrial, em que se utilizou preferentemente
o ferro e o vidro, a arquitetura vai procurar novas soluções estéticas agora possíveis devido à utilização do
betão.
É na transição do século XIX para o século XX que na Europa ganha expressão uma nova forma de
construir e de decorar os edifícios, a Arte Nova, que valoriza a natureza a fauna e a flora. Um dos mais
representativos arquitetos deste movimento foi o espanhol Antoni Gaudi (1852-1926). As suas primeiras
obras revelam um certo ecletismo tradicional, com predominância de elementos góticos, mas acabou por
Antoni Gaudí, Templo Expiatório da Sagrada Família, Barcelona, 1882-1936
Página 24 de 41
evoluir na direção da Arte Nova evidenciando uma grande originalidade bem patente nas suas obras mais
representativas: o Parque Guell e o templo da Sagrada Família, ambas em Barcelona.
Na América, a Escola de Chicago foi responsável pela rutura com os modelos tradicionais de influência
europeia, povoando as cidades americanas de arranhas-céus cada vez mais altos. Entre os arquitetos mais
representativos sobressai o de Frank Lloyd Wrigt (1867-1959), responsável pela revolução no modo de
construir habitações e que falaremos mais adiante, quando abordarmos o Funcionalismo Orgânica.
Em Portugal, o início do século XX não foi propício a uma renovação artística que corresse
paralelamente à que então se processava no resto da Europa. O clima de instabilidades social e política,
subsequente à instauração da República, a que se seguiu a 1.ª Guerra Mundial, não permitiu grandes
inovações na arquitetura portuguesa, que vai continuar a seguir
os modelos desenvolvidos ao longo do século XIX. Só com uma
nova geração de arquitetos,
enquadrados pelos Estado Nova, a
arquitetura Portuguesa trilhou
caminhos de características modernas
sobre as quais nos debruçaremos mais
adiante.
As vanguardas na literatura do início do século XX
À semelhança do que aconteceu nas artes plásticas e
basicamente pelos mesmos motivos, o início do século XX
correspondeu, no campo das letras, a uma verdadeira revolução que pôs em causa, por vezes de forma
radical, os valores e as tradições literárias.
No mundo das letras, a vastidão de temas e de estilos assemelha-se ou ultrapassa até a
complexidade do mundo das artes. Por isso fiquemos
pela ideia de que a literatura percorreu, nessa época,
todas as vias que a expressão escrita permite
percorrer.
Nas primeiras décadas de novecentos, os esforços
concentravam-se sobretudo, na libertação da obra
literária face à realidade concreta. Tal como na
pintura, foi abandonada a descrição ordenada e
realista da sociedade e dos acontecimentos. As obras
voltam-se para a vida psicológica e interior das
personagens mas do que para a narrativa de uma
ação. Marcel Proust (1871-1922) e o seu vasto
conjunto romanceado Em Buscado Tempo Perdido
(sete volumes) cujo primeiro saiu em 1913, podem ser
considerados como um bom exemplo desta corrente
profundamente psicológica da literatura.
Apollinaire, Reconhece-te, poema
caligrafado, 1915
Louis Sullivan, Armazéns Carson, Chicago, (1899-1904)
Página 25 de 41
Numa linha complementar, autores como André Gide (1869-1961) proclamam a liberdade total do ser
humano, o seu direito a tudo usar (desde que o faça por convicção), assim rejeitando as regras da oral, da
família e da sociedade.
Se a modernidade das obras referidas se situa ao nível do tema e da sua abordagem, outras há que se
destacam pela introdução de novas formas de expressão, ao nível da linguagem e da construção frásica.
Como exemplos extremos podemos citar os poemas caligrafados de Guilhaume Apolinaire (1980-1918),
que funde a palavra e a forma, os dadaístas, como Hugo Ball (1986-1927), que transformam o nonsense
em poesia, ou os escritos automáticos de Paul Éluard (1895-1952) e André Breton (1896-1966).
Estas correntes, se bem que efémeras e pouco
produtivas em termos de qualidade literária,
romperam convenções e abriram as portas a obras
de grande valor, verdadeiramente inovadoras. Entre
todas, pela sua envergadura e pioneirismo, destaca-
se Ulisses do escritor irlandês James Joyce (1882-
1941), publicada em 1922. O romance, que não tem
fio condutor, desenvolve-se num persistente
diálogo interior em que passado e presente se
intercetam, quebrando a lógica narrativa
tradicional.
Por todos os aspetos que reúne, quer ao nível
temático, quer ao nível formal, Ulisses é, ainda hoje, unanimemente considerada a melhor súmula da
revolução que o século XX soube introduzir, também na narrativa literária.
A ARTE E A CULTURA EM PORTUGAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX Tendências culturais: entre o naturalismo e as vanguardas
Enquanto, na Europa das primeiras décadas do século XX, as vanguardas
artísticas anunciavam novas e radicais soluções estéticas, em Portugal a
corrente naturalista reunia as preferências do público, das instituições oficiais
e da crítica. A arte académica e, nomeadamente, a
pintura continuavam a explorar cenas da vida
popular, que pareciam satisfazer uma burguesia
nostálgica das vivências tradicionais.
Embora os políticos republicanos se revelassem
culturalmente conservadores, a República acabou
por propiciar os primeiros sinais de mudança nos
gostos e padrões estéticos. A agitação política, em que foi fértil, fomentou o
debate ideológico, o livre exame e a crítica. Foi assim que um conjunto de
jovens artistas e escritores se propôs, desde os anos 10 do século XX, agitar a
cena cultural nacional com a originalidade, a ousadia e o cosmopolitismo das
suas propostas estéticas. Conhecidas por modernismo, nelas se mesclavam as
vanguardas europeias como o cubismo, o futurismo, o expressionismo, o abstracionismo.
Distinguem-se duas gerações de modernistas. Ambas nasceram nas últimas décadas do século XIX
mas, enquanto a primeira se afirmou entre 1911 e 1920, a segunda geração deu-se a conhecer depois
dos anos 20.
Página 26 de 41
O primeiro modernismo (1911-1918)
Na pintura, o
primeiro modernismo
ficou ligado a um
conjunto de exposições
(livres, independentes e
de humoristas)
realizadas com
regularidade desde
1911, em Lisboa e no
Porto. Nelas
encontramos artistas
como Manuel Bentes
(1885-1965), Emmérico
Nunes (1888-1966), Almada Negreiros (1893-1970), Cristiano Cruz (1892-1951), Stuart Carvalhais (1987-
1961), Jorge Barradas (1894-1971), António Soares (1894-1978), Mily Possoz (1988-1966), entre outros.
Os desenhos apresentados, muitos deles
caricaturas, perseguiam objetivos de sátira
política, social e até anticlerical. Entre
enquadramentos boémios e urbanos, ora
avultavam as cenas elegantes de café, ora as
cenas populares com as suas figuras típicas.
Praticava-se a estilização formal dos motivos,
esbatia-se a perspetiva, usavam-se cores claras
e contrastantes.
Este primeiro modernismo sofreu um
impulso notável com a eclosão da Primeira
Guerra Mundial, principalmente quando, ao nosso país, regressaram Amadeo de Souza-Cardoso (1887-
1918), Guilherme Santa-Rita (1889-1918), Eduardo Viana (1881-1967), José Pacheco (1985-1934), em
suma, o núcleo mais talentoso dos pintores portugueses que
estudavam em Paris. Com eles veio também o casal Robert
Delauny (1885-1941) e Sonia Delaunay (1885-1979),
destacadas personalidades do meio artístico parisiense.
Destes regressos resultou a formação de dois polos ativos e
inovadores: um em Lisboa, liderado por Almada Negreiros
(1893-1970) e Santa-Rita (1889-1918) que, numa das conju-
gações mais felizes da história das nossa artes, se juntaram a
Fernando Pessoa (1988-1935) e a Mário de Sá-Carneiro (1890-
1916), fazendo nascer a revista Orpheu; outro polo radicou-se
no Norte em torno do casal Delaunay, de Eduardo Viana e de
Amadeo.
Retrato de Fernando Pessoa, Almada
Negreiro, 1954
Fernando Pessoa
Nasceu em Lisboa em 1988 e faleceu em
1935. De temperamento enigmático,
desdobrou-se em diferentes
personalidades, os heterónimos: Alberto
Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos,
entre muitos outros. É considerado o
maior poeta português do Século XX. As
suas poesias estão dispersas por
diferentes obras: Poemas de Alberto
Caeiro, Odes de Ricardos Reis, Poesias de
Álvaro de Campos, Poesias, Poemas
Dramáticos, Poesias Inéditas e Mensagem
do ortónimo Fernando Pessoa.
Página 27 de 41
Com a publicação de Orpheu, revista de que apenas saíram dois números em 1915, o modernismo
português revelou a sua faceta mais inovadora, polémica e emblemática: a do futurismo. A revista, que
"fez o encontro das letras e da pintura”; contou com a colaboração de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916),
Fernando Pessoa (1988-1935), Raul Leal (1886-1964), Luís de
Montalvão, Ângelo de Lima (18872-1921), Almada Negreiros
(1893-1970), Santa-Rita (1889-1918), José Pacheco (1985-1934).
Arrebatados pelo mundo da técnica do seu tempo,
excêntricos e provocadores, os jovens de Orpheu deixaram o
país escandalizado. Nas suas dissertações agressivas,
repudiavam o homem contemplativo e exaltavam o homem de
ação. Propunham-se a um corte radical com o passado, denun-
ciando a morbidez saudosista dos Portugueses e incitando a "raça latina" ao orgulho, à ação, à aventura
e à glória. Assim se exprimiu, em Portugal, o dinamismo moderno, que o futurista Fillipo Marinetti
(1876-1944) preconizara em 1909.
Face às críticas indignadas do escritor e académico Júlio Dantas (1872-1966), os futuristas explodiram
de raiva. O Manifesto Anti-Dantas, qual resposta pronta, atacou
violentamente o escritor, associando-o a uma cultura retrógrada
que urgia abater.
Influenciado pelo futurismo declarou-se, igualmente, Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). Duas
exposições individuais, realizadas em 1916, não colheram o apoio da crítica nem do público (no Porto,
Amadeo de Souza-Cardoso até agredido foi), mas favoreceram a aproximação ao grupo de Orpheu.
Almada desdobrou-se em elogios ao pintor, que o país não compreendia e não merecia. Um terceiro
número de Orpheu, que não chegou a publicar-se, deveria incluir reproduções de obras de Amadeo de
Souza-Cardoso (1887-1918). A agitação futurista culminou, em 1917, com a apresentação espalhafatosa do Ultimatum futurista às
gerações portuguesas do século XX, no Teatro República, em Lisboa, feita por Almada Negreiros (1893-
1970). Logo a seguir, saiu o número único da revista
Portugal Futurista. Nela apareceram trabalhos de Santa-
Rita (1889-1918), Almada Negreiros (1893-1970),
Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), Pessoa, Mário
de Sá-Carneiro (1890-1916), entretanto falecido, além de
escritos de Fillipo Marinetti (1876-1944), Guillhaume
Apollinaire (1880-1918), Blaise Cendrars (1887-1961).
Considerada hoje a "peça fundamental do movimento
futurista português”; a revista conheceu a apreensão
pela polícia no momento de saída da tipografia. Atacado
nos gostos e opções culturais, o regime republicano não
ousava desvincular-se dos cânones académicos e
defendia-se. Pouco animadoras se mostraram por isso as
possibilidades de sobrevivência do modernismo futurista.
Até do ponto de vista político as opções dos primeiros
modernistas chocavam os republicanos.
“Fac-simile” das capas da Revista Orpheu, números 1 e 2, alías
únicos, pois o 3.º não chegou a ser publicado
A Cabeça, atribuído a Santa-Rita
Pintor, 1912
Amadeu de Sousa-Cardoso, Parto da Viola, 1916
Página 28 de 41
Dois nomes sobressaem pois no panorama do primeiro modernismo português, ambos ligados à
publicação da revista Orpheu: Fernando Pessoa e Almada Negreiros, artistas multifacetados que tão
bem ligaram a literatura e a pintura. Para conhecer um pouco melhor a obra de Fernando Pessoa e de
outros grandes vultos da literatura portuguesa poderá aceder ao documento “Literatura portuguesa do
início do século XX à atualidade”.
Almada Negreiros (1893-1970), artista múltiplo, com uma atividade que se prolongou durante grande
parte do século XX, deixou-nos monumentais frescos nas gares de
Alcântara e Rocha Conde de Óbidos, integrados em projetos
arquitetónicos do arquiteto Pardal Monteiro. A composição Os
Emigrantes, presente na gare de Rocha Conde de Óbidos, segue a
inspiração cubista europeia, bem presente nas cores vivas e intensas
usadas pelo pintor.
Reagindo à apropriação do modernismo pelo Estado Novo, o jovem
artista António Pedro (1909-1966) organizou, em 1936, a exposição dos
Artistas Modernos Independentes, onde se homenageou a originalidade
dos primeiros modernistas, que se considerava perdida. A António
Pedro (1909-1966) coube, nos anos 40, a dinamização do surrealismo,
numa clara oposição à "arte oficial" do Estado Novo.
Impacto do modernismo na escultura e na
arquitetura ESCULTURA
À semelhança do ocorrido na pintura, também a escultura da primeira década do século XX ficou
marcada pela hegemonia do gosto naturalista. Mestre António Teixeira Lopes (1866-1942), o grande
cultor desta corrente, continuou a reunir as preferências do público.
Tal não impediu a manifestação, se bem que tímida, de características modernistas nos anos 20, em
escultores como Francisco Franco (1885-1955), Diogo de
Macedo (1889-1959) e Canto da Maia (1890-1981) que, em
Paris, haviam tomado contacto com as vanguardas
artísticas. O modernismo das suas obras ora se expressou
na simplificação geométrica das formas e volumes, ora na
busca da essencialidade plástica, ora na facetação das
superfícies.
À semelhança da
pintura, a
modernidade
escultórica acabou
condicionada nos anos
30 e 40 pelas encomendas oficiais. Aos valores heroicos e à estética
monumental do Estado Novo - patrocinador das grandes obras -
submeteram-se muitos dos escultores.
Adão e Eva, Canto da Maia, 1929
Almada Negreiros, fresco Os Emigrantes, Gare de
rocha Conde de Óbidos, 1946-1949
A Ilha do Cão, António Pedro, 1841,
1934
Página 29 de 41
ARQUITETURA
Os primeiros sinais de uma nova linguagem arquitetónica datam dos anos 20. Cristino da Silva (1896-
1976), Carlos Ramos (1897-1969), Pardal Monteiro (1897-1957), Cottinelli Telmo (1897-1948) e Cassiano
Branco (1879-1970) contam-se entre os primeiros autores de projetos arquitetónicos modernistas. A
modernidade das suas obras manifestou-se no uso do betão armado, no predomínio da linha reta sobre a
curva, no despojamento decorativo das paredes, na utilização de grandes superfícies de vidro, nos
terraços e coberturas planos. Estes arquitetos adaptar o modernismo europeu dando-lhe um cunho
nacional.
Nos anos 30 e 40, as experiências modernistas consolidaram-se
graças ao apoio recebido pela política de obras públicas do Estado
Novo, com cujo programa e valores tiveram, naturalmente, de se
conciliar. É no quadro da renovação dos edifícios públicos e da
expansão urbana de Lisboa que a ação dos novos arquitetos
modernistas se vai fazer sentir e que ganhar toda a sua expressão
com a construção efémera de edifícios no âmbito da exposição do
Mundo Português, em 1940.
A DIMENSÃO SOCIAL E POLÍTICA DA CULTURA A PARTIR DOS ANOS 20
A cultura de massas
É nos meios urbanos que, no princípio do século XX, emerge a cultura de massas, mas que se afirma
sobretudo após a 1.ª Guerra Mundial. Como o nome indica, trata-se de uma cultura comum à maioria
da população, cujos gostos se uniformizam, orientando para o consumo maciço dos mesmos bens
culturas. Dois fatores contribuíram decisivamente para esta
homogeneização cultural: a generalização do ensino e o
extraordinário desenvolvimento dos meios de comunicação de
massas – os
media – que,
transformados
numa
poderosa
indústria,
“moldaram” a
acultura do
século XX.
Pardal Monteiro, Igreja de Nossa
Senhora de Fátima, Lisboa, 1924-38,
O Jornal “A Capital”, edição de 5 de
outubro de 1910.
Cristino da Silva, Parça do Areeiro, Lisboa, 1938-1943
Página 30 de 41
A imprensa, a rádio e o cinema foram os mais importantes meios
de comunicação da primeira metade do
século XX. Em conjunto, proporcionaram ao
cidadão comum a evasão da rotina diária,
transpirando-o para o mundo de sonho e
irrealidade. Transmitiram, também, valores
e modos de estar que, ligados à miragem de
uma vida melhor, se impuseram como
padrões culturais.
A imprensa de massas utiliza um
vocabulário simples e atrativo, feito de frases curtas e diálogos vivos
e informais. O livro, antes apanágio de uma elite, tornou-se um produto de consumo corrente popular.
Apoiados nesta linguagem acessível, desenvolveram-se novos géneros literários: o romance cor-de-
rosa, feito de empolgantes histórias de amor com um final sempre feliz; a banda desenhada, cujos heróis
vivem épicas aventuras em defesa dos oprimidos e dos valores do mundo ocidental; o romance policial,
em que argutos detetives solucionam os mais inexplicáveis crimes. Este último género, que conheceu uns
períodos de ouro entre 1930 e 1949, mereceu a preferência do público. Agatha Christie (1890-1976), a
criadora do célebre inspetor Poirot, foi a autora
mais vendida do século XX.
Para além
destes novos
géneros
literários, o
século XX
inaugura
também o
jornal de
grande
tiragem.
Alguns
chegam a
vender mais
de um milhão de cópias por dia, em cidades como Paris, Nova Iorque, Berlim
ou Londres. Para atrair o leitor, os jornais recheiam-se de histórias de guerra
e de crime, socorrem-se de títulos bombásticos, ilustram-se com uma profusão de
fotografias. A edição completa-se, frequentemente,
com secções desportivas, páginas femininas e crónicas
avulsas, cujo objetivo é mais entreter que informar.
Em breve estes artigos ganham destaque e enchem as
páginas de domingo.
A par dos jornais proliferam as revistas, cujas
temáticas são as mais diversas. Sobre política,
eventos sociais, desporto, moda ou cinema, enchem
periodicamente os escaparates dos quiosques e
Orson Wells, através da rádio, em 30 de outubro de 1938, assustou a América
com uma invasão marciana. No dia seguinte os jornais davam conta do pânico
instalado.
Friedrich Wilhelm Murnau
(1888-1931) foi um dos mais
importantes realizadores do
cinema mudo
Agatha Christie
Página 31 de 41
instalam-se a rotina dos leitores da classe média.
A rádio, depois do aperfeiçoamento da telegrafia se fios por Marconi, em 1896, torna-se entre as
duas guerras mundiais, o mais popular dos meio de comunicação.
Em 1937, menos de duas décadas volvidas sobre o início das emissões regulares, contam-se já 36 mil
emissoras e 70 milhões de ouvintes em todo o mundo. Acessível a todos, mesmos aos analfabetos, a rádio
tornou-se um importante meio de difusão cultural: transmite notícias, música, novelas radiofónicas,
anúncios publicitários. Transforma a sala dos ouvintes em auditórios onde se realiza colóquios e debates,
se analisam as obras literárias, se ouve música sinfónica e música ligeira. Em suma, estimula gostos e
consumos, contribuindo também para esbater as diferenças de pronuncia e vocabulário entre regiões e
classes sociais. Esta abrangência da rádio transformou-a num veículo
privilegiado de propaganda política, que os governos usaram largamente.
O cinema, nascido em França pela mão dos irmãos Lumiére, rapidamente se universaliza, encontrando
excelentes cultores na Europa, na América na Ásia.
O nascimento do cinema sonoro, em 1927, com Jazz Singer abre à Sétima Arte novas perspetivas. O
cinema adquire uma dimensão muito próxima da realidade e cultiva outros géneros, com destaque para o
musical. Poucos anos depois (1932), o technicolor aumenta, com o brilho da cor, o encanto do cinema.
Qualquer que fosse o seu género – amor, comédia, guerra, suspense, western, musical –, o filme
conduzia o espetador a uma outra dimensão. Na obscuridade da sala de cinema, sozinho no meios da
multidão, o homem vulgar era transportado a um mundo de sonho e de quimeras em que, identificados
com as personagens, ria, chorava, amava ou vivia as maiores aventuras. Por momentos, evadia-se da sua
própria vida para viver as vidas que se projetavam no ecrã. Nesta possibilidade de evasão residia, (e
reside ainda hoje) a magia do cinema.
De todos os mas media, o cinema foi também o que mais contribuiu para a difusão dos modelos
socioculturais e a consequente estandardização de comportamentos. A forma de vestir, de estar, a vida
privada das estrelas cinematográficas tornou-se num modelo a seguir, que influenciou modas, atitudes
e valores.
ABC, Revista portuguesa.
Edição de 1920
Família ouvindo radio à volta de 1920
Cartaz de apresentação do The Jazz Singer,
primeiro filme sonoro, 1927
Página 32 de 41
A rápida difusão dos mass media fez do mundo uma gigantesca sala de espetáculos, transformando o
cinema e a música ligeira em entretimentos coletivos que não conhecem fronteiras. Foi também sobre o
impulso dos media que o desporto se internacionalizou e se transformou num fenómeno de massas capaz
de arrebata multidões.
Enquanto modalidades como o ténis e o
golfe permaneceram ligados às classes
privilegiadas e conhece uma difusão restrita,
outras, como o
futebol, o boxe
ou o ciclismo,
adquirem grande
popularidade,
atraindo
milhares de
aficionados. Aí,
identificados com os atletas em competição, os
espetadores aplaudem, rejubilam e sofrem,
descarregando nesses momentos de
empolgamento as tensões e as frustrações
acumuladas a vida quotidiana.
Para além da emoção do espetáculo, os ídolos desportivos proporcionavam ainda o sonho da ascensão
social. Oriundos muitas vezes dos bairros pobres, servem de modelos aos mais desfavorecidos, que assim
ligam o desporto à obtenção da fama e da riqueza, o que aumenta, em muto, o seu fascínio.
AS PREOCUPAÇÕES SOCIAIS NA LITERATURA E NA ARTE
Em meados dos anos 20, já se fazia sentir
um certo cansaço relativamente às audácias da
arte da literatura modernas. Acusavam-nas de
uma ânsia de originalidade a qualquer preço,
de se lançarem em pesquisas excessivamente
especializadas, de se tornarem
incompreensíveis para o grande público, não
contribuindo, por isso, para a ávida da coletividade.
A Literatura
Numa Europa marcada ainda pelas dificuldades do pós-guerra e com os olhos postos na Revolução
Soviética, cresceu o sentimento de que a literatura e a arte não possuíam um valor puramente estético
mas tinham também uma missão social a cumprir. A profunda crise económica desencadeada em 1929
veio avolumar este sentimento.
Primeira Volta a Portugal em ciclismo, 1927
Jogo do 1.º Campeonato Mundial de futebol, 1930
Página 33 de 41
Entre as duas guerras, a literatura tomou uma feição combativa e socialmente empenhada. Critica-
se a sociedade que produziu a carnificina e que, no entanto, lhe sobreviveu: os seus vícios, a sua
podridão moral, a sua hipocrisia. Os protagonistas deixam de ser personagens singulares e tornam-se
tipos sociais. No romance, na poesia ou no teatro, este tipo de literatura ganhou um lugar cimeiro.
Entre os seus muitos e excelentes cultores podemos destacar o alemão Bertolt Brecht (1899-1956), o
inglês Aldous Huxley (1894-1963) e o francês André Malraux (1901-1976).
Poeta e um dos maiores dramaturgos do seu tempo, Bertolt Brechttem como fim primeiro provocar o
leitor e forçá-lo a participar criticamente na obra. Segundo Bertolt Brecht, o teatro tradicional (bem como
a literatura em geral) deixava o público à mercê da ação dramática, forçando-o a uma identificação com
as personagens que o fazia viver as suas desgraças, paixões e triunfos. Ao contrário, Bertolt Brecht
propõe-se despertar no público a surpresa e a perplexidade para que este se sinta compelido a debater e
a questionar o sentido da peça literária.
Erich Maria Remark (1898-1970) publica, em 1929, A Oeste Nada de Novo que tem como pano de
fundo a 1.ª Guerra Mundial, sendo o livro de sempre mais vendido na Alemanha.
Aldous Huxley publica, em 1932, a mais célebre das suas obras - Admirável Mundo Novo -, na qual, sob
a forma de ficção científica, denuncia a civilização industrial, mecanizada, onde se perderam os valores
humanos fundamentais.
A literatura de contestação social identificou-se, muitas vezes, com os ideais
marxistas, dando origem a obras de acentuado cariz sociopolítico. É o caso de A
Condição Humana de André Malraux (1933), cuja ação decorre na China e relata
a repressão brutal de uma insurreição comunista. Esta literatura
ideologicamente empenhada, que foi comum a uma geração de escritores como
André Breton (1896-1966), André Gide (1869-1951) ou Paul Éluard (1895-1952),
mereceu ainda a André Malraux obras como O Tempo
do Desprezo (1935), onde, em traços apocalípticos,
descreve as prisões hitlerianas e A Esperança (1937),
dedica da à luta antifranquista, na Guerra Civil de
Espanha.
O retorno da literatura a fórmulas neorrealistas teve também grande
expressão nos Estados Unidos, onde a miséria resultante da Grande Depressão
sensibilizou os escritores para as questões sociais. Ernest Hemingwai (1899-
1961), John dos Passos (1896-1970) e John Steinbeck
(1902-1968), entre outros, retratam o mundo
desencantado do capitalismo, que acusam de
fomentar a guerra, a desumanização e as injustiças sociais.
Portugal: o 2.º modernismo na literatura e na
pintura
Com as mortes prematuras de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), Santa-
Rita (1889-1918) e Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), o regresso dos
Delaunay a França (1917) e a partida de Almada Negreiros para Paris (1919),
encerrou-se o primeiro modernismo português.
Página 34 de 41
Nos anos 20 e 30, decorreu um novo ciclo no movimento modernista, que continuou a conciliar
as letras com as artes plásticas. Distinguiram-se escritores como José Régio (1901-1966), João Gaspar
Simões (1903-1987) e Adolfo Casais Monteiro (1908-1972), e pintores como Dordio Gomes (1890-1976),
Mário Eloy (1900-1951), Sarah Afonso (1899-1993), Carlos Botelho (1899-1992), Abel Manta (1888-1992),
Bernardo Marques (1898-1962), Júlio (Reis Pereira) (1982-1983), Vieira da Silva (Maria Helena) (1908-
1992). Almada Negreiros (1893-1970) regressou ao país e, tal como Eduardo Viana (1881-1967),
protagonizou uma consistente carreira.
Mais uma vez as revistas assumiram a dinamização literária e artística, sendo de destacar a
Contemporônea (1922-26) e a Presença (1927-40). Mais uma vez, também, os artistas continuaram a
deparar-se com a rejeição pelos organismos oficiais, pelo que as exposições independentes que
realizavam (coletivas ou individuais), os cafés e clubes que
decoravam e os periódicos que ilustravam vieram a ser os seus
grandes espaços de afirmação.
Como era de esperar, a decoração modernista de A Brasileira do
Chiado e logo a do Bristol Club, realizadas em 1925-26, causaram
polémica. No dizer de José Augusto França, aqueles espaços
converteram-se no museu de arte contemporânea que Lisboa, de
facto, não tinha.
Entre as revistas que empregaram artistas modernistas,
salienta-se a Ilustração Portuguesa (de onde se viram afastados ao
fim de um ano de colaboração), a Domingo Ilustrado, a ABC a
lIustração, a Sempre Fixe. Nelas se distinguiram com as suas figuras
estilizadas, em enquadramentos de moda, de música e de
desporto.
Em 1933, António Ferro (1895-1956) que, além de destacado jornalista
era simpatizante dos modernistas, assumiu a direção do Secretariado da
Propaganda Nacional. A partir de então, a quase totalidade dos artistas
modernos foi utilizada na construção da imagem de "novidade" que o Estado Novo pretendia criar. Ferro
convenceu Salazar que "a arte, a literatura e a ciência constituem a grande fachada duma nacionalidade,
aquilo que se vê lá fora”.
Para saber mais sobre os movimentos literários e autores mais representativos durante o Estado Novo
consultar “Literatura portuguesa do início do século XX à atualidade”
A pintura
Interrompidas pela violência da Primeira Guerra
Mundial, as vanguardas artísticas esmoreceram. Numa
Europa reduzida a escombros, o sentido da obra de arte
procurou-se na intervenção social e esta, porque
dirigida ao grande público, requeria uma linguagem
simples e clara.
Página 35 de 41
É assim que, depois de todas as desconstruções vanguardistas, se assiste, na Europa e no mundo, a
um "regresso à ordem”, isto é à arte figurativa.
Este novo realismo, que se fez sentir por toda a Europa, revelou-se cedo na Alemanha, especialmente
atingida pela trágica derrota na Primeira Guerra Mundial. Aí, o testemunho do primeiro expressionismo
passa para pintores como Max Beckmann (1880-1950), Otto Dix (1891-1961) ou George Grosz (1893-
1959), que nas suas obras nos deixam um retrato amargo da sociedade do pós-guerra, marcada pelos
contrastes sociais e pela agitação política.
Nos Estados Unidos, a tendência figurativa assumiu uma
expressão particularmente forte. Conhecido como American
Scene, um movimento artístico de grande amplitude reuniu,
nos anos 30, artistas como Edward Hooper (1982-1967) ou
Grant Wood (1891-1942), que, numa linguagem realista,
intensa e eficaz, retrataram os mais diversos aspetos da
América "da Grande Depressão".
A convicção de que o artista deve contribuir para a
coletividade suscitou, neste período, o ressurgimento da
pintura mural. Preterindo a arte de cavalete, os pintores interessam-se pela ornamentação dos edifícios
públicos, onde a sua obra é mais facilmente visível.
Muito utilizado como elemento da propaganda dos
regimes totalitários europeus, o mural teve também, por
influência de Diego Rivera (1886-1957) e outros artistas
mexicanos, grande difusão nos Estados Unidos. O
programa de
construções do
New Deal incluiu
mais de 2000 encomendas de pinturas murais para os
novos edifícios públicos, que difundiram pelos recantos
de uma América abatida pela crise mensagens de alento e
episódios da glo-
riosa história do
país. No México
Frida Kahlo
(1907-1954), é
também um nome a registar, pela singularidade da sua pintura
ligada a temas de costumes e das tradições.
A arquitetura, arte da coletividade A consciência coletivista que marcou a cultura entre as duas
guerras manifestou-se também na arquitetura. Numa Europa
destruída, os governos viram-se na necessidade de reerguer
numerosos edifícios e de realojar os seus cidadãos. Impunha-se
uma construção simples, barata, mas digna. Havia muito que a
insalubridade dos bairros operários era alvo de denúncia social,
acicatada pela difusão das ideias socialistas que, na Rússia,
Grant Wood, American Gothic, 1930
Diego de Rivera, A Nova Liberdade, 1933
Frida Kalo, Coluna Partida, 1944
Página 36 de 41
acabavam de obter a sua primeira vitória. Tudo se conjugava, pois, para que os arquitetos orientassem
as suas pesquisas para as necessidades da comunidade.
Nascido sob o signo da eficiência e do baixo
custo, o novo estilo arquitetónico tomou o nome de
funcionalismo e rapidamente começou a marcar,
com as suas construções despojadas, os bairros das
cidades europeias.
O que primeiro chama a atenção na arquitetura
funcionalista é a simplificação dos volumes
exteriores. Linhas predominantemente retas delimi-
tam volumes básicos, sólidos geométricos regulares
como o cubo e o paralelepípedo, que dão forma à
maioria das construções. Os telhados praticamente
desaparecem, substituídos por coberturas planas que, transformadas em terraço, prolongam o espaço da
casa para o exterior.
Recobrindo estas formas, as paredes pr imam pela
ausência de elementos decorativos. Nelas, muitas vezes formando uma linha contínua, rasgam-se grandes
janelas que deixam entrar o ar e a luz. Os edifícios abrem-se e o vidro toma neles um lugar de destaque.
Estas mudanças complementaram-se com uma
nova conceção dos espaços. Não são necessários
grandes quartos com tetos demasiadamente altos e
portas por onde passam gigantes. O Homem será a
escala para a construção da casa e esta deve ter
sempre em conta a vida que se processa dentro
dela. Tem de ser prática, racional, em suma
funcional, de acordo com os seguintes princípios
enunciados por Le Corbusier (1887-1965):
1. Sentido prático dos espaços (“ter uma casa
prática como uma máquina de escrever”).
2. Volume simples da casa (o que pressupõe a
redução das construções a sólidos geométricos como o cubo e o paralelepípedo, que dão forma à
maioria das construções).
3. Eliminação dos elementos puramente
decorativos (o branco, por exemplo, é a cor
dominante em paredes lisas).
4. Janelas rasgadas de grandes dimensões,
graças ao uso de betão armado (“janelas
semelhantes às das fábricas”).
5. Coberturas em terraço (“viver numa casa
sem telhado pontiagudo”).
6. Colunas que parecem sustentarem o edifício
(o que permite o aproveitamento do espaço sobre
o qual a casa parece suspensa).
7. Flexibilidade no uso dos espaços interiores. Le Corbusier, Edifício habitacional, Berlim, 1957
Le Corbusier, Chemin de Villier, 1929
Le Corbusier, Capela de Ronchamp, 1950
Página 37 de 41
A arquitetura funcionalista desenvolvendo-se em vários polos simultaneamente, o funcionalismo
contou com homens notáveis que, em conjunto, podem considerar-se os criadores da arquitetura
moderna. É o caso de Le Corbusier (1987-1965), arquiteto francês de origem suíça que, para além de uma
notável obra construída, publicou numerosos artigos, ensaios e livros, onde expõe os fundamentos da
nova arquitetura; é também o caso do alemão Walter Gropius (1883-1969), pioneiro pelas suas soluções
arrojadas e fundador da Bauhaus, escola de artes que terá uma influência marcante no design e na
arquitetura do século XX.
No decurso da década de 30 do século XX, a arquitetura funcionalista sofreu uma crescente
contestação. Acusavam-na de excessiva rigidez, de traçar géIidos planos de casas despersonalizadas que,
invariavelmente, lembravam muros de cimento armado com uma fieira horizontal de janelas. Por esta
altura, o novo estilo tinha já perdido muito do seu caráter inovador e esgotava-se em repetições de
fórmulas preestabelecidas.
Uma nova geração de arquitetos enveredou
então por um estilo mais humanizado que, sem negar as linhas mestras do funcionalismo, se libertou dos
seus dogmas, procurando, para cada caso, a melhor solução: em zonas chuvosas, por que optar por
coberturas planas que propiciam as infiltrações, em vez dos velhos telhados de duas águas, mais eficazes?
Porquê utilizar obsessivamente linhas retas se, por vezes, a curva ondulante, orgânica, se adapta melhor à
exposição solar e ao terreno? Por que destacar a casa da paisagem, como um corpo estranho, se for
possível fundi-la com o meio envolvente, integrando-a na Natureza?
Conhecido como funcionalismo orgânico, esta nova vertente arquitetónica teve excelentes cultores,
como é o caso do arquiteto finlandês Alvar Aalto (1898-1976)) ou do norte-americano Frank Lloyd Wright
(1867-1959), que vieram trazer um novo fôlego à arquitetura do século XX.
As preocupações do funcionalismo estenderam-se, naturalmente, à cidade que, vista como um todo,
deveria também ser repensada segundo critérios racionais.
A importância do tema trouxe-o para o centro dos debates sobre arquitetura, tornando-o objeto de
estudo das CIAM - Conferências Internacionais de Arquitetura Moderna - iniciadas em 1928. Cada
conferência tomou como tema de trabalho um aspeto específico. Em 1930, por exemplo, debateu-se a
habitação social e, em 1933, sob a orientação de Le Corbusier (1887-1965), os trabalhos debruçaram-se
sobre "A Cidade Funcionalista".
As conclusões da conferência foram publicadas na
célebre Carta de Atenas, que se tornou numa espécie
de guia do urbanismo funcionalista.
Segundo a Carta, a cidade deve satisfazer quatro
funções principais: habitar, trabalhar, recrear o corpo e
o espírito, e circular. Numa lógica estritamente
funcionalista cada uma destas funções ocuparia uma
zona específica da cidade. As três zonas articular-se-
iam por uma eficiente rede de vias de comunicação.
Embora estas propostas tenham sido,
posteriormente, consideradas demasiado racionalistas
e redutoras, a Carta teve o mérito de colocar as
questões sociais no centro.
Walter Gropius, Sede da Bauhaus, Berlim, 1925
Frank Lloyd Wrigt, Casa da Cascata, 1936 (ver vídeo)
Página 38 de 41
A cultura e o desporto ao serviço dos estados
A dimensão social e política que marcou a cultura dos anos 30 do século
XX fez-se sentir com particular intensidade nos estados totalitários. De
direita ou de esquerda, as ditaduras compartilharam o mesmo objetivo
de colocar a cultura ao serviço do poder, procurando assegurar que a
criação intelectual contribuísse eficazmente para a construção da "ordem
nova" que defendiam.
Poder-se-ia pensar que, ao subverterem a estrutura social, os
comunistas soviéticos pressionassem as artes a romperem, igualmente,
com o passado. Porém, os bolcheviques eram revolucionários em nome da
coletividade e bem depressa começaram a encarar as pesquisas estéticas como expressão do
individualismo burguês.
À arte, à literatura, ao cinema foi atribuída a missão de exaltarem as conquistas do proletariado e de
contribuírem para a educação das massas. O êxito de uma tal tarefa
implicava a utilização de uma linguagem básica, acessível até aos mais
humildes. Como já
vimos, essa Iinguagem não poderia ser outra
senão a do realismo.
Assim, o regresso à arte figurativa e ao
realismo Iiterário que se fez sentir um pouco por
toda a parte assume, na Rússia de Estaline, uma
vertente dominantemente política que o regime
batizou de realismo socialista. Aos poucos, o
vanguardismo russo, pujante nas primeiras
décadas do século, desvaneceu-se, abafado por
um rígido controlo estatal, que se oficializou em
1932. Em abril desse ano, o Comité Central do
Partido Comunista obriga todos os "trabalhadores criativos soviéticos" a agruparem-se em "uniões de
criadores”; de acordo com a sua atividade (União
dos Arquitetos, dos Escritores, das Artes
Plásticas...). A ninguém é permitido exercer a sua
atividade fora destas associações que estabelecem
os parâmetros a seguir.
O realismo socialista procura refletir a alegria e
o otimismo da nova sociedade, o seu vigor e a sua
dinâmica revolucionária, a excelência dos seus
dirigentes. Nas artes plásticas, os temas ficam
Iimitados à pintura histórica, às cenas que evocam
o mundo socialista ou ao retrato que exalta os
líderes do regime.
Isaak Brodsky, Lenine discursando aos operários, 1917
Arno Breker`s, O Guarda, 1930
(Arte ao serviço do estado nazi)
Aleksandr Guerassimov, Stalin e Vorochillov no Kremlim,
1938
Página 39 de 41
Este cariz propagandístico da cultura estruturou-se também, em moldes semelhantes, no regime
nazi. Pouco depois da subida de Hitler ao poder, é criada a Câmara da Cultura do Reich que adota uma
política frontalmente antimodernista. Centenas de obras de vanguarda são retiradas dos museus e são
destituídos do seu cargo os conservadores
que se identificam com as novas correntes.
Posta ao serviço do nacional-socialismo, a
criação artística empenha-se em exaltar,
dentro dos preceitos do academismo, o valor
da raça ariana, a força e a felicidade
protagonizados pelo novo regime. É no
quadro dessa exaltação que tem que ser
analisada a ação propagandística levada a
cabo pelo
regime nazi de
realização dos
Jogos Olímpicos em 1936.
Mais moderado, o fascismo italiano limita-
se a proteger os artistas que Ihe são
favoráveis. Sem instituições oficiais de controlo, o
poder exige, apenas, que não sejam postos em
causa os pilares da ordem fascista. Ponto comum a
todos os regimes estatizados é também o regresso a
uma arquitetura de feição neoclássica e de
dimensões grandiosas. 2)
Estado Novo: o projeto cultural do regime
Bem cedo o Estado Novo compreendeu a
necessidade de uma produção cultural
submetida ao regime. Por isso, artistas,
escritores, jornalistas, cineastas, ensaístas
sentiram as malhas apertadas da censura, que,
sob o pretexto da subversão, atingiram de
forma discricionária pedaços da criação cultural portuguesa. Mas o Estado Novo foi mais longe nos seus
propósitos de controlo da produção cultural. Concebeu um projeto totalizante que fez de artistas e
escritores instrumentos privilegiados da inculcação e da propaganda do seu ideário.
Esse projeto cultural, a que se chamou "política do espírito”; pois pretendia elevar a mente dos
portugueses e alimentar a sua alma, viria a ser implementado pelo Secretariado da Propaganda
Nacional (1933), que António Ferro dirigiu com devida mestria.
Jornalista afamado e cosmopolita, amigo dos modernistas (editou a revista Orpheu, em 1915),
admirador convicto de Mussolini e de Salazar, António Ferro (1895-1956) convenceu o ditador
português da importância das manifestações culturais para o regime se revelar às massas, as impregnar
Leni Riefenstahl, a mais famosa
realizadora de cinema do período
nazi. O Triunfo da Vontade é o seu
filme mais conhecido
Estádio Olímpico de Berlim, construído para os Jogos Olímpicos de
1936
Hitler presidiu à abertura dos Jogos Olímpicos de 1936
“A Lição de Salazar”, cartaz editado em 1938 pelo Secretariado de
Propaganda Nacional, a fim de ser comentado pelos professores
nas escolas primárias
Página 40 de 41
e cultivar. Ferro costumava dizer que "a arte, a literatura e as ciências constituem a grande fachada
duma nacionalidade, o que se vê lá de fora; pelo que ao Estado competiria estimular a criação cultural.
Conhecedor do efeito da propaganda fascista na Itália, Ferro servia-se, assim, da "política do espírito"
para mediatizar o regime. Claro que A. Ferro e Salazar possuíam uma ideia muito precisa de cultura.
Pretendiam-na arredada de preocupações, decadentistas e dissolventes da unidade nacional. Pelo
contrário, as artes e as letras deveriam propiciar uma "atmosfera saudável”; inculcando no povo o
amor da pátria, o culto dos heróis, as virtudes familiares, a confiança no progresso, ou seja, o ideário do
Estado Novo.
Mas essa cultura, que se queria portuguesa e nacionalista, teria, igualmente, que evidenciar uma
estética moderna e aberta ao seu tempo, aquilo que Ferro designava de "bom gosto': Simpatizante dos
modernistas, Ferro chamá-Ios-ia a colaborarem com o regime, promovendo uma controversa e
problemática união entre conservadorismo e vanguarda.
No domínio literário, a ação do Secretariado da Propaganda Nacional revelar-se-ia um fracasso. A
adesão dos escritores foi escassa e, dos que o regime premiou, poucos se vieram a destacar. Em 1947, o
SPN elaborou uma lista das obras "essenciais" da literatura, que se ficava pelo Romantismo.
Já nas artes plásticas e decorativas, na arquitetura, no bailado, no cinema e até no teatro, a
colaboração mostrou-se mais fecunda. Num país em que a burguesia não criara um mercado cultural, o
Estado assumia-se como grande entidade empregadora.
Através de exposições nacionais e internacionais, muitas de cariz histórico, como a Exposição do
Mundo Português, realizada em 1940, das
obras públicas do regime, de festas
populares, do teatro, do cinema e da
rádio, do bailado, do turismo e de
concursos (como os concursos de montras
e da "aldeia mais portuguesa"),
patrocinaram-se artistas e produções que
divulgassem, sobretudo, as tradições
nacionais e populares e que enaltecessem
a grandeza histórica do país e a dimensão
civilizadora dos Portugueses. Salazar faz-se esculpir por António Franco, sob o olhar atento de
António Ferro, 1934
Página 41 de 41
Mas, ironia do destino, todo o investimento do Estado Novo e todo o empenho entusiástico de
António Ferro sofreriam um duro golpe com a derrota dos fascismos em 1945. Perante a dificuldade de
enquadrar as novas gerações de modernos na ideologia do regime e agastado com as críticas à sua ação
no SPN, Ferro abandonou aquele organismo em 1949. Para trás ficava o projeto grandioso de forjar um
português novo, o português "estado-novo”.
1) In Contemporâneos, Revista de Artes e Humanidades, nº 3. Henriques, Emílio Andrade e Rogério et outros2009 A Arte do
Século XX como a Exaltação de todos os Sentidos, Universidade Federal de Viçosa. 2009. [Consultado em 2015-04-23 21:22:00].
Disponível na Internet: http://www.revistacontemporaneos.com.br/n3/pdf/seculoxx.pdf, Adaptado
2) No essencial retirado de: Couto, Célia Pinto de; Antónia, Maria; Rosas, Monterroso. (2015) Um Novo Tempo da História.
Porto: Porto Editora. Adaptado.
Exposição do Mundo Português, 1940