cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Mestrado em Comunicação Social CULTURA E TELEVISÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL A produção cultural contemporânea veiculada pelo programa Metrópolis Ana Paula Carvalhais Belo Horizonte 2011

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Page 1: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Mestrado em Comunicação Social

CULTURA E TELEVISÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL

A produção cultural contemporânea veiculada pelo programa Metrópolis

Ana Paula Carvalhais

Belo Horizonte

2011

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Ana Paula Carvalhais

CULTURA E TELEVISÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL

A produção cultural contemporânea veiculada pelo programa Metrópolis

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Comunicação Social.

Orientador: Eduardo Antônio de Jesus

Belo Horizonte

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Carvalhais, Ana Paula C331c Cultura e televisão: uma relação possível a produção cultural contemporânea

veiculada pelo programa Metrópolis / Ana Paula Carvalhais. Belo Horizonte, 2011.

175f. : il. Orientador: Eduardo Antônio de Jesus Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. 1. Telejornalismo. 2. Comunicação e cultura. 3. Metrópolis (Programa de

televisão). I. Jesus, Eduardo Antônio de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 070:654.197

Page 4: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

Ana Paula Carvalhais

Cultura e televisão: uma relação possível

A produção cultural contemporânea veiculada pelo programa Metrópolis

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Comunicação Social.

Belo Horizonte, 2011.

_________________________________________________

Eduardo Antônio de Jesus (Orientador) – PUC Minas

_________________________________________________

Maria Ângela Mattos – PUC Minas

_________________________________________________

Mozahir Salomão Bruck – PUC Minas

Belo Horizonte, 25 de fevereiro de 2011.

Page 5: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

Para meus pais e João,

pelo amor e incentivo.

Page 6: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Eduardo de Jesus, pela generosidade e

dedicação com que me auxiliou na realização deste trabalho.

Às minhas irmãs Ana Guiomar e Carol, pela paciência e incentivo.

À amiga Maria Tereza Fonseca Dias, pelo exemplo.

À Cássia Lages Viana, pela compreensão e apoio.

À Daniela, Fernanda e demais amigos e familiares, que compreenderam o

afastamento temporário e, de alguma forma, também contribuíram para esta

construção.

Page 7: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

RESUMO

Esta dissertação de mestrado realizou um estudo sobre o jornalismo cultural

veiculado pela televisão brasileira, considerando as peculiaridades da produção

simbólica contemporânea. Seu objetivo foi realizar uma análise crítica do modo

como o jornalismo cultural aborda, interpreta e veicula essa produção, tendo como

objeto o programa Metrópolis, produzido e transmitido pela TV Cultura de São Paulo,

desde 1988. Foram utilizadas como amostragem seis edições levadas ao ar entre os

dias 20 e 25 de setembro de 2010 – semana em que foi aberta a 29ª Bienal de Artes

de São Paulo, a maior vitrine da produção contemporânea nas artes visuais. Para

fundamentar esta pesquisa, foi necessário recorrer a diferentes autores e correntes

do pensamento, que auxiliaram a melhor delimitar a complexidade da sociedade

contemporânea, os conceitos de cultura e a lógica com que opera o jornalismo

especializado e o meio televisivo. Os resultados mostraram que, estando o

Metrópolis também inserido no contexto contemporâneo, o programa também

apresenta características próprias do nosso tempo, como a superficialidade.

Palavras-chave: jornalismo cultural televisivo; segmentação jornalística; cultura

contemporânea.

Page 8: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

ABSTRACT

This dissertation conducted a study on cultural journalism through Brazilian

television, considering the peculiarities of contemporary symbolic production. His

goal was to conduct a critical analysis of how the cultural journalism discusses,

interprets and conveys this production, having as object the program Metropolis,

produced and broadcasted by TV Cultura since 1988. This work used six issues

brought to the air between 20 and 25 September 2010 - the week that was open to

the 29th Biennial of Art of Sao Paulo and different authors that helped to better

delineate the complexities of contemporary society.

Keywords: cultural television journalism; jornalism’s segmentation; contemporary

culture.

Page 9: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9

2 CULTURA E MÍDIA ...............................................................................................14

2.1 Crítica e indústria cultural ................................................................................16

2.2 Digerindo um conceito......................................................................................22

2.3 Formação e informação pela tela.....................................................................26

2.4 Para além de Frankfurt......................................................................................29

3 CULTURA E SOCIEDADE ....................................................................................37

3.1 Globalização e culturas locais .........................................................................39

3.2 Identidades na contemporaneidade ................................................................43

3.3 Cultura e subjetividades...................................................................................47

3.4 Um indivíduo para múltiplas identidades........................................................55

4 CULTURA E JORNALISMO..................................................................................60

4.1 Segmentação jornalística .................................................................................61

4.2 A cultura como notícia......................................................................................71

4.3 Jornalismo cultural em revista.........................................................................73

4.4 Referências históricas ......................................................................................74

4.5 Ditando olhares .................................................................................................78

4.6 Jornalismo cultural na TV.................................................................................86

5 CULTURA, SEGUNDO O METRÓPOLIS..............................................................92

5.1 Uma metodologia em construção....................................................................94

5.2 Nosso método ...................................................................................................99

5.3 O que é o Metrópolis .......................................................................................101

5.4 Análise temática e conceitual ........................................................................104

5.4.1 Artes cênicas ................................................................................................105

5.4.2 Cinema ..........................................................................................................107

5.4.3 Literatura.......................................................................................................109

5.4.4 Música ...........................................................................................................111

5.4.5 Fotografia......................................................................................................112

Page 10: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

5.4.6 Artes híbridas ...............................................................................................113

5.4.7 Artes visuais .................................................................................................114

5.4.8 Moda..............................................................................................................117

5.5 Análise macro..................................................................................................118

6 CONCLUSÃO ......................................................................................................122

REFERÊNCIAS.......................................................................................................124

ANEXO A – Programa Metrópolis, 20 de setembro de 2010, segunda-feira.....127

ANEXO B – Programa Metrópolis, 21 de setembro de 2010, terça-feira...........132

ANEXO C – Programa Metrópolis, 22 de setembro de 2010, quarta-feira ........139

ANEXO D – Programa Metrópolis, 23 de setembro de 2010, quinta-feira ........148

ANEXO E – Programa Metrópolis, 24 de setembro de 2010, sexta-feira ..........159

ANEXO F – Programa Metrópolis, 25 de setembro de 2010, sábado................172

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!

!

"!

1 INTRODUÇÃO

A sociedade atual vive imersa numa “cultura veiculada pela mídia, cujas

imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana”, como afirma

Douglas Kellner (2001). Inserida nessa cultura da mídia está ainda a produção

cultural, que, em outras épocas, foi a manifestação estética ligada à exaltação dos

deuses, mas, hoje, reflete – e sobretudo questiona – aspectos da sociedade

contemporânea midiatizada. Com este trabalho, procura-se analisar a forma como

essa produção simbólica contemporânea, realizada num contexto da sociedade

midiatizada, é veiculada pela mídia especializada em cultura – com interesse

especial no espaço a ela destinado na programação da televisão aberta brasileira,

quase restrito às emissoras públicas.

Assim, esta pesquisa busca realizar uma análise crítica do jornalismo

especializado em cultura, veiculado atualmente pela televisão aberta no Brasil. Para

essa análise, o objeto empírico escolhido foi o programa Metrópolis, produzido e

veiculado, ao vivo, pela emissora pública TV Cultura de São Paulo, desde 1988. Por

meio dele, busca-se responder à seguinte questão: o jornalismo especializado em

cultura veiculado hoje pela televisão brasileira é capaz de realizar uma cobertura

analítica, que leve em conta as peculiaridades da sociedade e a produção simbólica

contemporânea?

Com essa pergunta, busca-se identificar ainda o modo como opera o

jornalismo especializado em relação às demandas da “indústria cultural” e à

abordagem dos temas ligados às artes cênicas, literatura, cinema, fotografia, música

e artes visuais, tendo como ponto de partida as características da

contemporaneidade, impregnadas na produção artística e cultural da atualidade.

Para isso, será considerado o posicionamento desse programa-objeto em

relação a tal produção, observando as estratégias, recursos e linguagem utilizados

na construção das narrativas (reportagens e entrevistas), que, num extremo, tanto

podem apresentar-se herméticas demais, exigindo um espectador com repertório

muito específico, como adotarem o papel de tradutor que antecipa todos os aspectos

da produção, poupando-o de pensar criticamente.

Também se constituem operadores conceituais neste trabalho os critérios de

“noticiabilidade” que, no jornalismo especializado, definem lógicas e rotinas

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!

#$!

diferentes das do jornalismo genérico (hard news). Da mesma forma, alguns dos

problemas listados por Maurício Stycer (2007) como típicos da cobertura

especializada em cultura no Brasil servirão de operadores conceituais na pesquisa,

que se apoia ainda em parte das metodologias propostas por Elizabeth Duarte

(2010) e Arlindo Machado (2007), para a análise de programas televisivos.

Para dar conta de responder à questão levantada, primeiramente foi abordada

a intrínseca relação entre a cultura contemporânea e os meios de comunicação.

Assim, no capítulo “Cultura e mídia”, recorreu-se à teoria crítica de Theodor W.

Adorno e Max Horkheimer (1947), que foram os primeiros a estabelecer uma crítica

social, política e econômica a partir da cultura, por meio da crítica ao que batizaram,

na década de 1940, de “indústria cultural”.

Uma epígrafe com um poema de Carlos Drummond de Andrade abre esse

capítulo, expondo o estranhamento do poeta em relação à produção simbólica da

atualidade. Comparativamente, a perplexidade contida nos versos remete a um

estranhamento possivelmente ainda maior dos frankfurtianos, na década de 1940,

em relação a um novo mundo que se vislumbrava com a chegada da televisão.

Para então relativizar e atualizar o pensamento frankfurtiano, marcado por

uma postura majoritariamente fatalista em relação à influência dos meios, buscou-

se, em Jésus Martín-Barbero (1997) e Douglas Kellner (2001), os argumentos que

permitem selecionar pontos ainda atuais da teoria de Adorno e Horkheimer,

principalmente no que tange à televisão – um meio de comunicação então novo e

assustador para a época em que a dupla alemã publicou sua Dialética do

esclarecimento (1947).

Outros autores mais contemporâneos também auxiliam na caracterização da

cultura da mídia na contemporaneidade. Mike Featherstone (1995) defende que se

vive hoje um novo estágio simulatório, em que a televisão reduplica infindavelmente

o mundo. Gilles Lipovetsky (2005) e Roger Silvertstone (1999) enriquecem esta

pesquisa, principalmente em sua tentativa de delimitar as características – quase

sempre escorregadias – da contemporaneidade, segundo a ótica da cultura e da

comunicação.

Chama-se também a atenção nesse capítulo para a superexposição das

imagens na contemporaneidade, ponto em comum entre os diversos autores. Vilém

Flusser (2007) alerta para a substituição do real por um mundo imagético e para os

impactos da valorização das imagens, em detrimento da escrita. Sobre esse

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!

!

##!

assunto, buscou-se contraponto nos argumentos de Arlindo Machado (2001),

segundo o qual ainda serão necessários muito tempo e pesquisa para se comprovar

que o audiovisual consegue mesmo impor as imagens sobre o discurso verbal, e

Néstor García Canclini (2008), para quem as telas atuais também trazem textos, e o

que mudou foi o modo contemporâneo de se ler.

Já no terceiro capítulo, “Cultura e sociedade”, são investigados os diversos

conceitos para cultura e suas possibilidades de definição no contexto da sociedade

contemporânea, demarcada por interações mediadas pelos meios de comunicação e

caracterizadas por identidades fluidas, deslocadas e globalizadas. Dialogando com

autores como John B. Thompson (1995), tenta-se argumentar que, somente a partir

da relação da sociedade atual com os meios de comunicação, será possível

conhecer melhor as peculiaridades dessa mesma sociedade, para, então, identificar

a forma como ela se manifesta na atual produção cultural.

Para traçar um panorama da sociedade contemporânea, foi transcrita, no

início do capítulo, a letra da música Disneylândia, de Arnaldo Antunes (1993), que

ajuda a perceber a fluidez com que indivíduos e bens simbólicos hoje se deslocam,

devido à globalização dos mercados e ao uso dos meios de comunicação. Assim, o

tema da globalização é abordado com referências em Featherstone (1995),

Silverstone (1999) e García Canclini (2008).

Ao abordar a questão das identidades e subjetividades na

contemporaneidade, foram utilizados aspectos determinantes da transição da

modernidade para a contemporaneidade proposta por Stuart Hall (1999) e seu

extravasamento, segundo as noções de capitalismo estético propostas por Ivana

Bentes (2007), até a experiência de identidades múltiplias para um mesmo sujeito,

como defende Suely Rolnik (1996), além de outros autores em diálogo com este

trabalho.

Este trajeto foi fundamental na reflexão sobre o jornalismo cultural realizado

no contexto da contemporaneidade. Assim, no quarto capítulo, “Cultura e

jornalismo”, aberto com uma discussão proposta pela sátira da tirinha de Jussara

Gonzo, buscam-se as características e rotinas diferenciadas da especialização

jornalística. Os principais autores que subsidiam essa abordagem são Mauro Wolf

(2003), numa releitura das teorias dos newsmaking e seus critérios de valor/notícia,

em contraponto a Frederico Brandão de Mello Tavares (2009), com estudos

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!

!

#%!

recentes acerca da especialização jornalística e a cobertura dos chamados

“acontecimentos invisíveis”.

Nesse mesmo capítulo, é apresentado um breve histórico do jornalismo

cultural, com base em Daniel Piza (2003), segundo quem o formato revista

tradicionalmente foi e continua sendo o espaço privilegiado para abrigar os assuntos

culturais. Como, neste trabalho, o objeto é uma revista cultural eletrônica, foi

necessário um diálogo com as pesquisas de Duarte (2010) acerca dos produtos

televisivos, assim como foram relevantes as contribuições de Sérgio Luiz Gadini

(2009) e Francísco R. Pastoriza (2003), com os estudos empíricos sobre o

jornalismo cultural feito no Brasil e a relação entre cultura e televisão na Espanha,

respectivamente.

Além desses autores, foi importante a interseção com alguns

questionamentos propostos por Maurício Stycer (2007) sobre a postura dos veículos

e profissionais especializados em cultura. O autor aponta seis problemas

relacionados ao tema, que serão discutidos no quarto capítulo e retomados no

capítulo seguinte, constituindo um dos operadores conceituais e categoria de análise

na metodologia proposta para se estudar o Metrópolis.

No quinto capítulo, “Cultura, segundo o Metrópolis”, encontra-se ainda uma

descrição do programa-objeto deste trabalho e sua categorização, segundo a

classificação de Duarte (2010), obedecendo às noções de gênero, subgênero,

formato e tonalização. No capítulo é ainda proposto um método específico para a

análise crítica do Metrópolis, a partir de uma amostragem de seis programas

consecutivos. Optou-se por uma análise em blocos, divididos de acordo com os

temas relacionados às manifestações culturais, em vez de uma divisão cronológica.

Com base em Machado (2007), que defende que cada produto audiovisual requer

um método específico de análise, espera-se que o escolhido aqui se mostre eficiente

e permita responder à questão conduzida ao longo desta pesquisa.

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!

!

#&!

Sempre foi difícil

ah como era difícil escolher

um par de sapatos, um perfume.

Agora então, amor, é impossível.

O mau gosto

e o bom se acasalaram, catrapuz!

Você acha mesmo bacana esse verniz abóbora

ou tem medo de dizer que é medonho?

E aquele quadro (objeto)? Aquela pantalona?

Aquela poesia? Hem? O quê? Não ouço

a sua voz entre alto-falantes, não distingo

nenhuma voz nos sons vociferantes...1

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Trecho do poema Três presentes de fim de ano, de Carlos Drummond de Andrade.

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!

!

#'!

2 CULTURA E MÍDIA

O poema modernista de Carlos Drummond de Andrade expõe alguns

estranhamentos ou pontos de tensão, ainda hoje identificados em alguns momentos

da produção jornalística especializada voltada para o campo cultural, interessantes,

portanto, para iniciar a discussão que permeará todo este trabalho.

Mesmo se tratando de pessoa à frente de seu tempo, é possível notar a

perplexidade do poeta diante das inúmeras possibilidades da vida moderna. Basta

um rápido retorno à epígrafe para identificar, nos versos, referências ao consumismo

e às sufocantes possibilidades de escolha vindas com o advento de uma sociedade

e cultura que, apesar de tantas opções, inibem o sujeito, que já não sabe se

preserva seu gosto pessoal ou se se deixa levar pela influência do meio – a mídia e

a moda, por exemplo, que passam a definir o que é belo.

Nesse sentido, o poeta queixa-se do arbitrário mau gosto generalizado, que

tanto pode estar na vitrine como na galeria de arte, pois nem ao menos distingue se

o que está diante de seus olhos é um quadro ou um objeto. Esses estranhamentos,

que comumente engrossam as críticas acerca da produção simbólica

contemporânea, podem remeter ainda a alguns dos principais estudos sobre a

relação cultura e meios de comunicação de massa.

De acordo com John B. Thompson (1995), é impossível imaginar a sociedade

atual sem considerar essa relação, pois o uso dos meios de comunicação implica a

criação de novas formas de ação e de interação no mundo social, novos tipos de

relações sociais e maneiras de relacionamento do indivíduo com os outros e consigo

mesmo.

Quando os indivíduos usam os meios de comunicação, eles entram em formas de interação que diferem dos tipos de interação face a face que caracterizam a maioria dos nossos encontros quotidianos. Eles são capazes de agir em favor de outros fisicamente ausentes, ou responder a outros situados em locais distantes. De um modo fundamental, o uso dos meios de comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida social, criando novas formas de ação e interação e novas maneiras de exercer o poder, que não está mais ligado ao compartilhamento local comum. (THOMPSON, 1995, p.14)

De forma ainda mais intensa que no poema de Drummond, na

contemporaneidade, o indivíduo é, a todo o momento, convocado a comunicar-se e,

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!

!

#(!

portanto, a alterar e reconstruir infinitamente suas relações com os demais e com o

mundo. Essas relações, hoje, ocorrem em diferentes níveis – desde uma elementar

conversa presencial às mais incrementadas formas de interação, em que são

usados dispositivos sofisticados de comunicação.

Para Thompson, no entanto, uma forma de interação não excluiu totalmente

as demais, tendo em vista que se mantém a difusão de mensagens entre duas

pessoas que se falam, mas são acrescentadas também, a cada dia, novas formas

oriundas dos chamados meios massivos de comunicação. Há ainda as

disseminadas em pequenos ou grandes grupos, redes de indivíduos que jamais se

encontraram fisicamente – às quais se pode chamar, segundo André Lemos (2007),

de mídias de funções pós-massivas.

As funções massivas são aquelas dirigidas para a massa, ou seja, para as pessoas que não se conhecem, que não estão juntas espacialmente e que assim têm pouca possibilidade de interagir. Não há estrutura organizacional nas massas, tampouco tradição, regras (…). As mídias de função pós-massiva, por sua vez, funcionam a partir de redes telemáticas em que qualquer um pode produzir informação, “liberando” o pólo da emissão, sem necessariamente haver empresas e conglomerados econômicos por trás. As funções pós-massivas não competem entre si por verbas publicitárias e não estão centradas sobre um território específico, mas virtualmente sobre o planeta. (LEMOS, 2007, p.125)

Esteja ancorada nos meios de comunicação de massa ou em formas com uso

de outras tecnologias, a grande quantidade e intensidade das diferentes interações é

um dos fatores que contribuem para transformar a vida social, que, na

contemporaneidade, apresenta grande complexidade. Acredita-se que as formas

mediadas de se comunicar, como defende Thompson, não são exclusividade deste

tempo, como se verá; certamente, porém, elas hoje se tornaram mais evidentes pela

tela – seja da televisão, do computador, do celular ou de outros equipamentos que

constituem formas híbridas destes últimos.

Com o uso de cada um desses meios, a relação se estabelece de uma forma

diferente. Na tentativa de ordenar simplificadamente as diferentes formas de

interação usadas em distintas situações comunicacionais, Thompson criou as

denominações: “interação face a face”, “interações mediadas” e “quase-interações-

mediadas”. Em breve serão detalhadas as características de cada uma dessas

interações, explicitadas por Thompson em A mídia e a modernidade (1995).

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!

!

#)!

Propõe-se aqui, ainda, uma retomada aos versos de Drummond e à

perplexidade do poeta em relação ao consumismo, às dificuldades de escolha

perante infinitas opções, aos padrões da arte, da estética e da cultura e aos ruídos

ensurdecedores do cotidiano atual. O estranhamento do poeta pode conduzir a

alguns conceitos e críticas estabelecidos por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer,

entre eles, a principal contribuição dos autores ao estudo da comunicação: o

conceito de “indústria cultural”.

Os estudos fundantes da Escola de Frankfurt, embora realizados entre as

décadas de 1930 e 1950, são um ponto crucial para o entendimento da relação entre

cultura e comunicação, a maneira de ver e perceber o mundo, de se produzir e

consumir bens culturais na contemporaneidade.

2.1 Crítica e indústria cultural

Mais que aprofundar o olhar na influência dos meios de comunicação de

massa sobre os indivíduos, Adorno e Horkheimer (1947) estabeleceram uma crítica

social, política e econômica a partir da cultura, que ainda hoje merece crédito e

respeito. O mérito dessa dupla está, sobretudo, no pioneirismo em utilizar a cultura

como base fundamental de uma análise acerca da sociedade da época. Muitos dos

argumentos utilizados por eles ainda podem ser aplicados na contemporaneidade,

embora tantos outros estejam atrelados somente ao contexto a que assistiram

Adorno e Horkheimer, durante as décadas de 1930 a 1950.

Para estabelecer a crítica da manipulação dos meios de comunicação sobre

as massas, esses dois pensadores usaram como ponto de partida o que chamaram

de “racionalidade do sistema capitalista”, para seguir definindo o papel da cultura de

massa nesse mesmo sistema, por meio da música, do rádio, do entretenimento, do

lazer e, claro, da televisão – algo completamente novo e ainda assustador para as

mentes daqueles alemães refugiados nos Estados Unidos durante o período

entreguerras, quando um novo mundo era vislumbrado pela tela desse

surpreendente aparelho, que logo atraiu a atenção e os investimentos das grandes

corporações.

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!

!

#*!

Tendo como contexto, por um lado, a experiência radical do nazismo na

Europa, e, por outro, a iminência de uma influente televisão norte-americana que já

refletia o consumismo, não é de causar espanto que, não apenas esses dois

pensadores, mas o grupo de Frankfurt, em geral, tenha a radicalidade crítica como

base de suas investigações. Essa radicalidade fica explícita no tom de manifesto

com que foi escrito o capítulo dedicado à indústria cultural como esclarecimento e

mistificação das massas, em A dialética do esclarecimento (1947).

Contundente e bem fundamentado, esse texto-manifesto deixa evidente a

impotência do indivíduo perante o determinismo dos meios de comunicação de

massa, que operam numa relação transmissiva e não dialógica, ou seja, não há

ruído, não existe possibilidade de fuga. Assim, segundo Adorno e Horkheimer, os

meios de comunicação de massa foram aprimorados para que todo produto

elaborado para atingir determinado fim, sempre ligado à manipulação das massas

pela classe hegemônica, atingisse seu objetivo, sem sombra de dúvidas.

A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma. Os automóveis, as bombas e o cinema mantêm coeso o todo e chega o momento em que seu elemento nivelador mostra sua força na própria injustiça à qual servia. Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social. Isso, porém, não deve ser atribuído a uma lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia atual. A necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central já é recalcada pelo controle da consciência individual. A passagem do telefone ao rádio separou claramente os papéis. Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem o papel do sujeito. Democrático, o rádio transforma-os todos igualmente em ouvintes, para entregá-los autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p.100)

Na comparação entre dois diferentes meios de comunicação – o telefone e o

rádio –, Adorno e Horkheimer alertam para o fim da autonomia do indivíduo, que

perde o papel de sujeito no diálogo para se tornar apenas “mais um” na linha

comunicacional transmissiva. Segundo os autores, a nova lógica imposta de cima

para baixo tem o receptor como uma parte do sistema e não apenas como uma

desculpa que justifique a engrenagem da indústria cultural. E a ponta da recepção,

embora imensa, para os frankfurtianos, é sempre impotente perante o domínio dos

meios.

Page 20: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#+!

Também é possível notar o tamanho do poder conferido aos meios de

comunicação de massa por Adorno e Horkheimer, que chegam a compará-los a

bombas. Vale ressaltar que o texto data do período entre as duas grandes guerras

mundiais, e que a analogia, nesse caso, não seria mera força de expressão.

Antes de iniciar uma segunda etapa do argumento segundo o qual a arte dá

lugar à réplica, os autores deixam claro que a produção em série, consequência da

industrialização, havia chegado à produção cultural, que aprimorava a coação sobre

indivíduos. O que a dupla batizara como indústria cultural não seria, então, um

avanço da técnica para democratizar a arte e, sim, uma etapa do capitalismo que

retirou dela seu poder místico e estético, para disseminar o que atende aos

interesses econômicos, ao mesmo tempo em que se esconde atrás do interesse de

atender a uma necessidade cultural de seus consumidores.

Assim, a indústria cultural seria uma promessa nunca cumprida. Adorno e

Horkheimer a comparam com um jantar em que apenas é mostrado o cardápio. Ela

simula atender a um desejo das massas, mas oferece somente o mínimo, para que

os indivíduos nunca tenham seu desejo satisfeito.

Daí a relação dos meios de comunicação com o consumismo e o sentimento

de que eles sempre nivelam por baixo, oferecendo produtos de má qualidade que

julguem ser o desejo de seu público. Esse aspecto pode ser observado ainda hoje

nos programas televisivos de cunho policial e violento, formatados de modo quase

idêntico por diferentes emissoras, que acreditam ser a essa realidade sangrenta e

bizarra que os indivíduos querem assistir, a fim de se lembrarem de que suas

próprias vidas não são tão ruins quanto lhes parecem.

O que pode reafirmar que uma fórmula deu certo por cair no gosto popular,

porém, também pode ser interpretado como a falta de interesse em oferecer algo

diferente, ousado, mais sofisticado em termos estéticos ou informacionais. Tendo

em vista o modo como opera a indústria cultural, Adorno e Horkheimer afirmam que

os meios evitam riscos, o que afirma a preferência pela fórmula da repetição.

Mas o que é novo é que os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua subordinação ao fim a uma única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição. O fato de que suas inovações características não passem de aperfeiçoamentos da produção em massa não é exterior ao sistema. É com razão que o interesse dos inúmeros consumidores se prende à técnica, não aos conteúdos teimosamente repetidos, ocos e já em parte abandonados. O poderio social que os espectadores adoram é mais eficazmente afirmado na

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!

!

#"!

onipresença do estereótipo imposta pela técnica do que nas ideologias rançosas pelas quais os conteúdos efêmeros devem responder. (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.112)

Certamente há uma preferência pela repetição das fórmulas aprovadas pela

audiência, o que pode ser observado hoje na grade de programação das emissoras

abertas e até mesmo a cabo. Não se pode negar a existência de produtores de

programas preocupados com a qualidade dos roteiros e temas levados, por

exemplo, à tela das grandes emissoras brasileiras. Há programas, séries,

documentários comprometidos com fórmula e conteúdo, que convidam o espectador

a pensar.

Um bom exemplo são as criações com direção de Luiz Fernando Carvalho,

que, em trabalhos como Hoje é dia de Maria (2005), Pedra do reino (2007), Capitu

(2008) – todos veiculados pela TV Globo, levou para as telas a estética do cinema,

do teatro, da literatura e da oralidade popular, mesclados com a sofisticação da

produção audiovisual contemporânea. Experiências como essas, porém, não são

oferecidas com a frequência devida e, quando propostas, geralmente engajam

primeiro uma luta interna, para se manterem em horários que possam permitir uma

audiência mais ampla dentro da programação.

O questionamento sobre a qualidade da programação televisiva é antigo. Nos

estudos de Adorno e Horkheimer acerca da indústria cultural, os dois membros do

Instituto de Ciências Sociais, que ficou mais conhecido por Escola de Frankfurt, já

demonizavam a crescente influência desse meio de comunicação sobre as

consciências, tornando o receptor um sujeito alienado.

A televisão visa a uma síntese do rádio e do cinema, que é retardada enquanto os interessados não se põem de acordo, mas cujas possibilidades ilimitadas prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéticos a tal ponto que a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cultural pode vir a triunfar abertamente amanhã – numa realização escarninha do sonho wagneriano da obra de arte total. A harmonização da palavra, da imagem e da música logra um êxito ainda mais perfeito que no Tristão, porque os elementos sensíveis – que registram sem protestos, todos eles, a superfície da realidade social – são em princípio produzidos pelo mesmo processo técnico e experimentam sua unidade como seu verdadeiro conteúdo. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p.102)

Esse determinismo, que em alguns momentos parece alternar ironia e

pessimismo, justifica-se historicamente. Como lembra Jésus Martín-Barbero (1997),

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na Europa dos anos 30, 40 e 50, com o nazismo vigente, o capitalismo deixou de ser

unicamente economia, explicitando sua textura política e cultural, ou seja, sua

tendência à totalização.

Em lugar de ir da análise empírica da massificação à de seu sentido na cultura, Adorno e Horkheimer partem da racionalidade desenvolvida pelo sistema – tal e como pode ser analisada no processo de industrialização-mercantilização da existência social – para chegar ao estudo da massa como efeito dos processos de legitimação e lugar de manifestação em que a lógica da mercadoria se realiza. E em parte a reflexão dos frankfurtianos retira a crítica cultural dos jornais e a situa no centro do debate filosófico de seu tempo: no debate do marxismo com o positivismo norte-americano e com o existencialismo europeu. A problemática cultural se convertia pela primeira vez para as esquerdas em espaço estratégico a partir do qual pensar as contradições sociais. (BARBERO, 1997, p.71)

Em determinados aspectos, o pensamento de Adorno e Horkheimer soa

mesmo elitista e segregador. O valor inegociável da arte, como os autores alemães

defendem em outras situações, não deve ser invalidado pelo simples fato de um

dado produto cultural ser veiculado em um meio de comunicação. Da mesma forma,

o valor de um ingresso não é garantia de boa qualidade – haja vista que uma gama

de bons espetáculos é oferecida gratuitamente à população em teatros, museus e

praças públicas; e não são raros os casos de má qualidade com exorbitantes preços

no mainstream. Não poderiam também produtos de qualidade estar disponíveis na

tela do televisor? É certo que sim. Naquele momento, no entanto, e de acordo com

aquelas circunstâncias, a resposta para Adorno e Horkheimer era negativa. Talvez

fosse possível, ainda hoje, concordar com eles, considerando o contexto em que

analisaram a televisão. Os dois pensadores desenvolveram um estudo crítico sobre

a lógica da cultura imposta às massas pelos meios de comunicação, sempre

associando cultura e capitalismo, produção cultural e sistema industrial. E foi

justamente quando se refugiaram do nazismo num exílio nos Estados Unidos, onde

se depararam com o capitalismo em outro estágio – o capitalismo monopolista –, é

que formularam a teoria da “indústria cultural”.

Na América do Norte, Adorno e Horkheimer experimentaram o entretenimento

elevado à potência da racionalização, que centraliza a produção, a distribuição e o

consumo da cultura, funcionando como um sistema integrado, diferentemente das

formas tradicionais de entretenimento difundidas até então no Velho Continente.

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A diversão é um prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação de mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. (ADORNO; HORKHEIRMER, 1947, p.113)

Para Adorno e Horkheimer, a diversão tornou-se, com a indústria cultural,

algo tão mecânico e absorvido de forma impensada, como o trabalho quase

automático realizado pelo indivíduo nos galpões das fábricas. Já a televisão era

classificada pela dupla de pensadores no campo do puro entretenimento e, portanto,

uma forma de lazer que empurrava ainda mais o indivíduo para a obrigatoriedade e

servidão durante os momentos de ócio, de acordo com os interesses ideológicos dos

pequenos e poderosos grupos que manipulavam as massas naquele período. Esses

grupos eram, para Adorno e Horkheimer, aliados à hegemonia econômica do

capitalismo monopolista, enquanto a massa era composta por trabalhadores

industriais, cidadãos médios, para os quais o entretenimento era produzido de forma

planejada, visando minimizar o esforço de raciocínio e ampliar a influência dos

produtores sobre os receptores.

A cultura é uma mercadoria paradoxal. Ela está tão completamente submetida à lei da troca que não é mais trocada. Ela se confunde tão cegamente com o uso que não se pode mais usá-la. É por isso que ela se funde com a publicidade. Quanto mais destituída de sentido esta parece ser no regime do monopólio, mais todo-poderosa ela se torna. Os motivos são marcadamente econômicos. Quanto maior a certeza de que se poderia viver sem toda essa indústria cultural, maior a saturação e a apatia que ela não pode deixar de produzir entre os consumidores. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p.134)

É interessante observar que, no capítulo “A indústria cultural: o

esclarecimento como mistificação das massas”, Adorno e Horkheimer usam

diferentes estratégias e caminhos para analisar o que, naquele momento, em 1947,

eles batizaram como “indústria cultural”. Especialistas da comunicação, como Jésus

Martín-Barbero (1997) e Douglas Kellner (2001), consideram que alguns pontos da

chamada “teoria crítica” estabelecida pela dupla alemã seguem atuais, enquanto

muitos outros foram ultrapassados, como se verá a seguir.

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2.2 Digerindo um conceito

Em seus estudos sobre a comunicação na América Latina, Martín-Barbero

com frequência lança mão dos conceitos fundantes estabelecidos por Adorno e

Horkheimer. O autor faz, no entanto, um alerta àqueles que, como nós, pretendem

compreender melhor o que dizem os frankfurtianos e o que ainda permanece de

atual em sua Dialética do esclarecimento.

Para Martín-Barbero, todo o risco pode estar numa leitura precipitada, tendo

em vista que o conteúdo do conceito de “indústria cultural” não se dá de uma vez.

Ele se desdobra ao longo de uma reflexão que se abre, à medida que as

argumentações se estreitam e se unem. Como passos fundamentais, o autor explica

que, primeiro, os alemães partem de um sofisma de “caos cultural”, para depois

afirmarem a existência de um sistema que regula ao mesmo tempo em que produz

uma aparente dispersão.

A unidade de sistema é anunciada, segundo Martín-Barbero, a partir de uma

análise da lógica da indústria, na qual se distinguiria um duplo dispositivo: a

introdução da cultura da produção em série, sacrificando aquilo pelo qual a lógica da

obra se distinguia do sistema social, e a ligação entre a produção de coisas e

produção de necessidades. O ponto de contato entre um e outro seria, nas palavras

de Adorno, “a racionalidade técnica que é hoje a racionalidade do domínio mesmo”

(ADORNO, apud MARTIN-BARBERO, 1997, p.72).

Implícitos no conceito de indústria cultural estão não somente a mecanização

do lazer e do entretenimento pelos meios de comunicação de massa, como também

a dessublimação da arte, que seria a sua submissão e a dos artistas ao mercado,

tendo como consequência a degradação da cultura. Para Adorno e Horkheimer, a

indústria cultural se alimenta e é nutrida de uma promessa nunca cumprida. Mais de

uma vez a dupla alemã afirma em seu texto-manifesto que a indústria cultural

anuncia o que nunca poderá cumprir, gerando a busca interminável por seus

produtos de consumo.

A indústria cultural não cessa de lograr seus consumidores quanto àquilo que está continuamente a lhes prometer. A promissória sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação, é prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espetáculo significa que jamais chegaremos à coisa mesma, que o convidado deve se contentar com

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a leitura do cardápio. Ao desejo, excitado por nomes e imagens cheios de brilho, o que enfim se serve é o simples encômio do quotidiano cinzento ao qual ele queria escapar. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p.115)

Os procedimentos de massificação vão ser, pela primeira vez, pensados não

como substitutivos, mas como constitutivos da conflitividade do social (MARTIN-

BARBERO, 1997), a partir da Dialética do esclarecimento (1947), o que implica uma

mudança profunda de perspectiva. Como em toda essa obra, não há um conceito

sintético para o que os autores chamam indústria cultural; assim, a argumentação,

segundo Martín-Barbero, pode criar uma armadilha para o leitor; afinal, não se sabe

certamente quando os autores definem, criticam ou idealizam o poder exercido pelos

meios de comunicação.

Para Francisco Rodríguez Pastoriza (2003), os conceitos de cultura e

indústria caminham de mãos dadas em muitas manifestações culturais, e a aparição

da televisão só veio reforçar esses laços e potencializar a utilização do termo

“indústria cultural”. De acordo com Pastoriza, a televisão é, por excelência, o meio

que mais se adéqua ao conceito frankfurtiano, devido a características como

mensagem efêmera, emitida por um reduzido grupo de comunicadores para um

receptor massificado, disperso e anônimo, mesclando alta cultura e cultura de

consumo sem parâmetros de qualidade – o que depois outros pensadores, como

Umberto Eco, rotulariam como anticultura.

A utilização que se faz da televisão e dos conteúdos com que enchem seus espaços tem capitalizado durante muito tempo a preocupação com os efeitos que pode provocar sobre as audiências, em ocasiões com alarmante exagero. Em todo caso, há que se aceitar que nas atuais sociedades o referente cultural dominante se impõe sobretudo através da televisão, que tem de absorver os demais meios de difusão cultural. Seja como for, a inevitável presença da televisão na sociedade atual converteu este meio em um instrumento muito importante para o segmento da cultura por uma grande massa social. (PASTORIZA, 2003, p.28)

Antes de se ater à televisão, faz-se necessário considerar neste trabalho

também algumas ideias defendidas por Douglas Kellner, intelectual que atualiza a

teoria crítica frankfurtiana, aliando conceitos ainda atuais dos estudos culturais

britânicos.

Em sua releitura crítica, Kellner defende que a Escola de Frankfurt fornece

perspectivas úteis, mas também limitações para os estudos culturais da sociedade

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contemporânea. Segundo o autor, nunca se fez tão necessário, como nos dias de

hoje, um estudo minucioso dos efeitos sociais da comunicação de massa sobre os

indivíduos. Ele, porém, afirma não existir uma única teoria que sozinha dê conta de

mapear a contemporaneidade, acompanhando a intensidade das mudanças e a

velocidade das transformações em curso.

Há sérias deficiências no programa original da teoria crítica que exigem uma reconstrução radical do modelo clássico de indústria cultural. A superação de suas limitações compreenderia: análise mais concreta da economia política da mídia e dos processos de produção da cultura; investigação mais empírica e histórica da construção da indústria da mídia e de sua interação com outras instituições sociais; mais estudos de recepção por parte do público e dos efeitos da mídia; e incorporação de novas teorias e métodos culturais numa teoria crítica reconstruída da cultura e da mídia. (KELLNER, 2001, p.44-45)

Segundo Kellner, além de uma atualização de sua teoria crítica, os estudos

de Adorno e Horkheimer ainda precisariam resolver uma questão ligada à dicotomia

entre cultura superior e inferior. Para o autor, o melhor seria a adoção de um modelo

que tomasse a cultura como um espectro e aplicasse semelhantes métodos críticos

a todas as produções, “desde a ópera até a música popular, desde a literatura

modernista até as novelas” (KELLNER, 2001, p.45). Além disso, o autor considera

extremamente problemático o modelo de cultura de massa “monolítica” da Escola de

Frankfurt, em contraste com um ideal de “arte autêntica”, pois esse modelo, segundo

ele, limita os momentos críticos, subversivos e emancipatórios a certas produções

privilegiadas da cultura superior.

A posição da Escola de Frankfurt, de que toda cultura de massa é ideológica e aviltada, tendo como efeito engodar uma massa passiva de consumidores, é também questionável. Em vez disso, devemos ver os momentos críticos e ideológicos em todo o espectro da cultura, e não limitar os momentos críticos à cultura superior, identificando como ideológicos todos os da cultura inferior. (KELLNER, 2001, p.45)

Em sua crítica aos frankfurtianos, Kellner ainda defende que é possível e

preciso pensar também na possibilidade de se detectarem momentos críticos e

subversivos nas produções da indústria cultural, afinal, não apenas os clássicos

devem ocupar lugar privilegiado de contestação e emancipação artística. Outro

importante ponto de discordância entre os frankfurtianos e Kellner é que este autor

defende a distinção entre codificação e descodificação das produções da mídia,

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reconhecendo que um público ativo frequentemente produz seus próprios

significados e usos para os produtos da indústria cultural.

Embora a considere parcialmente ultrapassada, Kellner defende que a Escola

de Frankfurt tem valor inestimável, por oferecer um modelo integral que transcende

as divisões contemporâneas nos estudos de mídia, cultura e comunicação.

É precisamente a focagem crítica da cultura da mídia, a partir das perspectivas de mercadorização, reificação, ideologia e dominação, que constitui um modelo útil para corrigir as abordagens mais populistas e acríticas à cultura da mídia que tendem a subjugar os pontos de vista críticos. Embora parcial e unilateral, a abordagem da Escola de Frankfurt fornece instrumental para criticar as formas ideológicas e aviltadas da cultura da mídia e indica os modos como ela reforça as ideologias que legitimam as formas de opressão. (KELLNER, 2001, p.45-46)

Além da crítica inaugurada nos estudos comunicacionais pelos frankfurtianos,

Kellner considera que algumas contribuições dos estudos culturais britânicos,

surgidos nos anos 1960, também se constituem atuais para se pensar a

contemporaneidade. Esse projeto de abordagem da cultura a partir de perspectivas

críticas e multidisciplinares foi instituído na Inglaterra, principalmente, pelo

Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies.

Classicamente os estudos culturais veem a sociedade como um sistema de

dominação, em que certas instituições – como a família, a escola, a igreja, o

trabalho, a mídia e o Estado – controlam os indivíduos e criam estruturas de

dominação, contra as quais aqueles que almejam maior liberdade podem e devem

lutar.

Segundo Kellner, o ponto crucial de distinção entre frankfurtianos e ingleses é

que estes subvertem a diferença entre cultura superior e inferior, valorizando formas

culturais como o cinema, a televisão e a música popular, deixadas de lado pelas

abordagens anteriores. Dessa forma, pode-se evitar dividir o campo da

mídia/cultura/comunicação em alto e baixo, popular e elite, possibilitando “enxergar”

todas as formas de cultura da mídia e de comunicação como dignas de exame e

crítica.

A junção desses pontos de vista teóricos, para Kellner, ajuda a interpretar a

cultura na sociedade e situa seu estudo no campo da teoria social contemporânea e

da política contestadora, permitindo uma visão crítica da cultura da mídia, na qual

todos estão inseridos.

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A expressão “cultura da mídia” também tem a vantagem de dizer que a nossa é uma cultura da mídia, que a mídia colonizou a cultura, que ela constitui o principal veículo de distribuição e disseminação da cultura, que os meios de comunicação de massa suplantaram os modos anteriores de cultura como o livro ou a palavra falada, que vivemos num mundo no qual a mídia domina o lazer e cultura. Ela é, portanto, a forma dominante e o lugar da cultura nas sociedades contemporâneas. (KELLNER, 2001, p.54)

Discordando parcialmente de Kellner, defende-se, ao longo deste trabalho,

que, embora seja inegável a influência da mídia no modo de vida contemporâneo, o

uso dos meios de comunicação não é determinante em “todas” as formas de

interação, substituindo-as absolutamente. Porém, é indubitável a contribuição desse

autor para os estudos culturais contemporâneos, sobretudo por sua abordagem

autointitulada “materialista cultural”, que se guia pela importância da economia

política da cultura, impondo limites e possibilidades para a produção cultural.

Sob essa ótica, a cultura da mídia tem efeitos materiais e eficácia, e um dos

objetivos dos estudos culturais, segundo Kellner, é analisar de que modo

determinados textos e tipos de cultura da mídia afetam o público, que espécie de

efeito real os produtos da mídia exercem e que espécie de potenciais efeitos contra-

hegemônicos e possibilidades de resistência também se encontram nas obras da

cultura da mídia. No próximo tópico, será abordada especialmente a influência da

mídia televisiva, com base em diferentes autores.

2.3 Formação e informação pela tela

A preocupação com a televisão e a ameaça de alienação representada por

esse meio de comunicação de massa é relativizada por alguns estudiosos

brasileiros, que reconhecem nesse veículo o mérito de chegar até mesmo onde o

Estado muitas vezes não chega.

Pesquisadores, como Maria Regina Mota (2008), mostram-se otimistas em

relação às possibilidades de melhorias no campo da cidadania e cultura levadas de

norte a sul e leste a oeste deste país com dimensões continentais – o que, sem a

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difusão e propagação da televisão, seria praticamente impossível. Porém, não há

dúvida de que a penetração geográfica poderia ser muito mais proveitosa.

No Brasil, o acesso aos meios de comunicação é desigual do ponto de vista do domínio da língua escrita (10,2% da população são analfabetos), do acesso a revistas, livros, jornais e à internet (21% da população têm algum acesso), restando aos pobres e incultos as informações exclusivamente veiculadas por rádio e televisão, que chegam a 87,8% e 95,2% dos domicílios brasileiros, respectivamente (dados IBGE/2007). A televisão atinge mais a população brasileira do que a maioria dos serviços públicos (água e esgoto, por exemplo), sendo a principal e mesmo única fonte de lazer, cultura e contato com o mundo para inúmeras comunidades distantes dos centros urbanos. Assim, seja em função do massivo alcance, seja em decorrência das limitações técnicas para que todos se expressem por meio do rádio e da televisão, denota-se que tais meios de comunicação devem ser especial e peculiarmente regulados em um país democrático. A operação de estações de rádio e de televisão no Brasil é um serviço público, cujo exercício deve atender a condições objetivas e subjetivas. (MOTA, 2008, p.8)

Mota (2008) defende ainda uma emancipação dos cidadãos por meio da

televisão, apoiada, sobretudo, na expectativa de que novas tecnologias, como a TV

digital, possam tornar essa sociedade tão desigual um pouco mais democrática e

justa. Para outros estudiosos, a televisão tem sido também um poderoso

instrumento de difusão de um sentimento nacional, que articula incluídos e excluídos

em torno de certa ideia básica de Brasil, existente ao mesmo tempo como unidade e

diversidade.

O jornalista Gabriel Priolli (2000) ressalta que esse papel desempenhado pela

TV brasileira teve início nos anos 1970, quando a tecnologia permitiu a implantação

de uma rede de telecomunicações, por meio da qual as imagens trafegam longas

distâncias, trazendo como consequência uma falsa sensação de cobertura nacional.

Centrada no Rio de Janeiro e em São Paulo, os dois maiores mercados de produção e consumo no país, a indústria televisiva expandiu-se para todos os outros estados e vem produzindo um determinado imaginário – por meio, sobretudo, das telenovelas e noticiários –, que se pretende nacional e que acaba sendo assim apreendido, com consequências profundas na política, na economia e nas relações sociais. É o Sudeste branco falando para o Brasil, em nome do Brasil, como se fosse todo o Brasil, e com a anuência pacífica da maioria dos brasileiros. (PRIOLLI, 2000, p.16)

A falsa noção de país a que se refere Priolli (2000) tem relação com a criação

de estereótipos – o que é bem próprio da indústria cultural. Para Adorno e

Horkheimer, estereótipos são criados, principalmente, pela repetição, que faz com

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que palavras e ideias circunscritas a um determinado grupo ou comunidade sejam

adotadas de forma indiscriminada; essa apropriação esvazia seu significado anterior,

adquirindo a frieza de um cartaz ou anúncio de jornal. Segundo Adorno e

Horkheimer:

Inúmeras pessoas usam palavras e locuções que elas ou não compreendem mais de todo, ou empregam segundo seu valor behavorista, assim como marcas comerciais, que acabam por aderir tanto mais compulsivamente a seus objetos, quanto menos seu sentido linguístico é captado. (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.137)

A crítica à indústria cultural, atrelada ao modo de produção capitalista, não

previu, no entanto, que ela seria apenas mais uma das tantas facetas do modo de

produção capitalista que já se apresenta de forma diferente nos tempos atuais, de

economia global. Os frankfurtianos também não puderem antever que o receptor

talvez não fosse uma instância tão passiva, que a tudo absorve, ao dispor do que

diziam os meios de comunicação, em especial, a televisão.

O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação: não por sua estrutura temática – que desmorona na medida em que exige o pensamento –, mas através de sinais. Toda ligação lógica que pressuponha um esforço intelectual é escrupulosamente evitada. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947, p.113)

De acordo com a crítica frankfurtiana, os receptores eram vistos pela indústria

cultural como quem não deveria “ter o trabalho de pensar”, seriam completamente

passivos – o que é contestado atualmente por diversos estudos, como se verá a

seguir.

O tipo de jornalismo cultural que aqui se defende ser possível – também na

tela da televisão – segue na contramão do argumento frankfurtiano. Retomando

Martín-Barbero (1997), não se sabe, com exatidão, se Adorno e Horkheimer

estavam analisando, criticando ou apenas alertando sobre o controle total desse

meio sobre o espectador, mas hoje se sabe que o receptor não é, necessariamente,

um ser alienado.

Obviamente, públicos diferentes assistem à televisão de diferentes maneiras. Para alguns, ela nada mais é do que uma colagem fragmentada de imagens que apenas intermitentemente as pessoas vêem ou ligam com aquilo que veio antes ou depois (…). Muitos indivíduos que assistem a

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programas inteiros se atêm simplesmente à superfície das imagens, enquanto programas, anúncios, intervalos comerciais etc. vão fluindo de um para outro e afogando o significado no jogo de significantes desconexos. Muitas pessoas não conseguem lembrar o que viram na noite anterior ou fazer um relato coerente da programação da noite anterior. Contudo, é exagero dizer que, em si, o aparato televisivo solapa inexoravelmente o significado e afoga os significantes sem significados num hiperespaço plano e unidimensional sem profundidade, efeitos ou significações. (KELLNER, 2001, p.303-304)

Assim como Kellner, acredita-se que o espectador pode ter diferentes níveis

de interesse e percepção sobre o que vê na tela da televisão. Daí, a defesa pela

qualidade da programação, na contramão das fórmulas que repetem sucessos com

base apenas na mediação de audiência, esquecendo-se da diversidade e

criatividade. Nesse sentido, defende-se que o bom jornalismo que se propõe a

discutir a produção cultural deve estabelecer um diálogo com o espectador e

possibilitar que ele queira dar sempre um passo além, ou seja, nunca oferecer um

produto pronto, mas o convite a pensar, descobrir e conhecer um pouco mais da

produção simbólica da atualidade.

2.4 Para além de Frankfurt

Ao contrário do que pregavam Adorno e Horkheimer em seu texto-manifesto

sobre a indústria cultural, alguns autores consideram que os meios de comunicação

de massa nunca foram tão totalitários ou que tiveram seu poder relativizado à

medida que os próprios meios passaram a fornecer ferramentas de escape aos

indivíduos. Um exemplo disso é a internet, que permite ao indivíduo buscar diversas

fontes de informação e entretenimento, sem que seja necessário esperar a

programação pronta e predeterminada pelos meios massivos de comunicação.

Para Mike Featherstone (1995), a sociedade atual estaria vivendo num

estágio da comunicação que começou com os primeiros meios de difusão da

informação, no surgimento da imprensa, mas que certamente foi acelerado com a

televisão, que se constituiu um dos meios de maior abrangência, e que seria o

“simulatório”, como defende o autor, numa referência a Baudrillard:

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O novo estágio do sistema é o mundo pós-moderno, simulatório, no qual a televisão, a máquina de simulação par excellence, reduplica infindavelmente o mundo. Este desvio para a produção e reprodução de cópias, para as quais não existe original, o simulacro apaga a distinção entre o real e o imaginário. De acordo com Baudrillard (1993:148), agora, vivemos “em uma alucinação estética da realidade.” (FEATHERSTONE, 1995, p.38)

Em O desmanche da cultura (1995), Featherstone afirma ainda que se assiste

hoje à configuração de uma “pós-sociedade” que foge à classificação e à explicação

sociológica, o que ele chama de um ciclo interminável de reduplicação e

superprodução de signos, imagens e simulações, o qual conduz a uma implosão do

significado.

Essa pós-sociedade, que seria a atual, Featherstone denomina como “pós-

moderna”, enquanto outros podem ser os rótulos, como hipermoderna ou alta

modernidade. Distintas linhas de pensamento defendem diferentes aspectos que

afastam ou aproximam a contemporaneidade da era moderna. A preferência neste

trabalho é pelo termo “contemporaneidade”; para uma breve distinção, porém, será

observado o que dizem dois autores: Roger Silverstone e Gilles Lipovetsky.

Embasado em Anthony Giddens e Zygmunt Bauman, Silverstone (2002) usa

as nomenclaturas “pós-moderna” ou “alta modernidade” para situar o indivíduo atual,

fragmentado e separado da própria vida pela sociedade, por meio de instituições

projetadas por ele para reduzir os desafios do quotidiano, entre elas, a mídia.

Para Silverstone, o indivíduo pós-moderno é um camaleão com listras e

manchas sempre cambiantes, cuja subjetividade e identidade, longe de serem

singulares, são agora concebidas como plurais. Segundo o autor, a modernidade foi

superada e esse movimento também é “mediado, refletido na mídia, refratado na

mídia, possibilitado pela mídia e definido por nossa relação com a mídia em suas

diversas manifestações”. (SILVERSTONE, 2002, p.258).

Numa comparação entre o indivíduo pós-moderno, inserido num ambiente de

complexas formas comunicacionais possibilitadas pela sociedade midiática, com o

sujeito do futuro vislumbrado por Marx, na modernidade, Silverstone acrescenta:

O sonho de Marx de que na nova era ele poderia “caçar de manhã, pescar à tarde, tocar bois à tarde, criticar depois do jantar, conforme eu tenha vontade, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico” (MARX e ENGELS, 1970, p.53) foi rapidamente superado pelo progresso da modernidade, onde eu posso ser homem pela manhã, mulher à tarde e talvez algo completamente diferente após o jantar, e onde meus gostos,

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estilos e minha pessoa podem mudar com cada momento de consumo. (SILVERSTONE, 2002, p.258)

Para além da fragmentação da identidade, fruto da implosão das identidades

na sociedade contemporânea (Kellner), autores como Gilles Lipovetsky (2005)

defendem que se vive hoje não a ruptura com a modernidade, mas a modernização

da própria modernidade. A sociedade estaria, de acordo com o autor,

experimentando uma era de excessos, sem o peso que a visão utópica típica dava à

sociedade moderna: seriam os tempos hipermodernos.

Na hipermodernidade, não há escolha, não há alternativa, senão evoluir, acelerar para não ser atropelado pela “evolução”: o culto da modernização técnica prevaleceu sobre a glorificação dos fins e dos ideais. Quanto menos o futuro é previsível, mais ele precisa ser mutável, flexível, reativo, permanentemente pronto a mudar, supermoderno, mais moderno que os modernos dos tempos heróicos. A mitologia da ruptura radical foi substituída pela cultura do mais rápido e do sempre mais: mais rentabilidade, mais desempenho, mais flexibilidade, mais inovação. Resta saber se, na realidade, isso não significa modernização cega, niilismo técnico-mercantil, processo que transforma a vida em algo sem propósito e sem sentido. (LIPOVETSKY, 2005, p.57)

Para Lipovetsky, a sociedade hipermoderna – a atual – é a que lida com a

extrapolação da modernidade, com a exacerbação de valores como produção,

eficiência, padronização. O planeta parece menor, o futuro está mais perto, porém,

mais imprevisível, e, se os meios de comunicação de massa surgiram na

modernidade, eles estão infinitamente mais presentes e influenciando o cotidiano

hipermoderno, que é completamente dependente deles.

Tanto sob o ponto de vista da pós-modernidade como da hipermodernidade, o

que fica claro é que a contemporaneidade não é uma era tão demarcadamente

fincada em valores como ideologia, religião e política, ou estes não são tão

determinantes como foram na modernidade. Vive-se um tempo de paradoxos, de

subjetividades deslocadas, relações superficiais e mutáveis permeadas pela mídia,

ora tendendo à tradição local, ora conectados com as possibilidades do global.

Sem se ater a polêmicas a respeito de uma e outra nomenclatura, apenas o

termo sociedade contemporânea será utilizado para descrever o momento atual, que

não mais permite analisar a mídia com as lentes frankfurtianas da indústria cultural,

desenvolvida num ambiente específico da modernidade.

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Hoje é possível notar ainda mais claramente as imagens se sobrepondo à

tradição da escrita com maior intensidade, sendo a televisão, bem como o mercado

global importantes peças no processo de redução das distâncias e simulação do

real. Essa substituição do real pela sua imagem provoca grande impacto na forma

como a cultura contemporânea lê o mundo e vê a si mesma. Para o pesquisador

tcheco Vilém Flusser (2007), que passou boa parte de sua vida no Brasil, a

simulação imagética não só é uma forte característica da contemporaneidade, como

constitui uma ameaça a essa mesma sociedade.

Segundo Flusser (2007), as mudanças no modo de se pensar o mundo a

partir da televisão podem, inclusive, comprometer a noção de história, em

consequência da perda da linearidade do tempo e do pensamento.

Recentemente surgiram novos canais de articulação de pensamento (como filmes e TV), e o pensamento ocidental está aproveitando cada vez mais esses novos meios. Eles impõem ao pensamento uma estrutura radicalmente nova uma vez que representam o mundo por meio de imagens em movimento. Isso estabelece um estar-no-mundo pós-histórico para aqueles que produzem e usufruem desses novos meios. De certa forma, pode-se dizer que esses novos canais incorporam as linhas escritas na tela, elevando o tempo histórico linear das linhas escritas ao nível da superfície. Se isso for verdade, podemos admitir que atualmente o “pensamento-em-superfície” vem absorvendo o “pensamento-em-linha”, ou pelo menos, vem aprendendo como produzi-lo. E isso representa uma mudança radical no ambiente, nos padrões de comportamento e em toda a estrutura de nossa civilização. (FLUSSER, 2007, p.110-111)

Crítico em relação às mudanças provocadas na estrutura do pensamento

ocidental, Flusser responsabiliza a televisão e os filmes pela atual crise do

pensamento. Segundo o autor, o aperfeiçoamento técnico das imagens permite hoje

que elas não apenas representem o real, como substituam a própria realidade

representada.

Como consequência da supremacia da imagem, de acordo com Flusser, os

fatos deixam de ser necessários quando as imagens passam a se sustentar por si

mesmas e perdem seu sentido original. Assim, as imagens que antes traduziam o

mundo passam a ser o próprio mundo para o telespectador que assiste a elas. Esse

é o próprio conceito de simulacro.

Para Flusser, se não há uma preocupação em ordenar os fatos por meio de

mecanismos como a literatura e outras formas de escrita, o uso da imagem pode

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!

!

&&!

comprometer a memória e a forma de se entender e construir a própria história –

afirmação da qual se discorda, em parte, neste trabalho.

A não linearidade do material televisivo pode deslocar contextos e sentidos,

mas também pode auxiliar para uma melhor compreensão dos fatos, a partir de

certo distanciamento. O uso adequado de um poderoso arquivo imagético, sem

dúvida, também pode ser enriquecedor, já que, do ponto de vista histórico e cultural,

a televisão tem acompanhado todos os momentos relevantes (ou não) da

humanidade, ao longo dos últimos 70 anos.

Arlindo Machado (2001) mostra-se otimista quanto ao potencial da televisão.

Esse autor acredita que pensamentos semelhantes ao de Flusser componham o que

ele chama de quarta geração de iconoclastas. Segundo Machado, a repulsa às

imagens ocorreu historicamente em três outros momentos, e o primeiro ciclo

iconoclasta teria sido fundado por Moisés, ao quebrar as tábuas da lei; o segundo

viria com os gregos durante o Império Bizantino (séculos VIII e IX), quando as

imagens eram queimadas em praça pública; e o terceiro ciclo teria ocorrido com a

Reforma Protestante, no século XVI, causando novamente a destruição dos ícones e

a perseguição de seus adeptos.

Todos esses três ciclos iconoclastas se ancoram numa crença inabalável no poder, na superioridade e na transcendência da palavra, sobretudo da palavra escrita, e nesse sentido não é inteiramente descabido caracterizar o iconoclasmo como uma espécie de “literolatria”: o culto do livro e da letra. (MACHADO, 2001, p.11)

Na contramão dos críticos da imagem – ou do pensamento em superfície,

como prefere Flusser –, Machado defende a televisão, meio situado na linha de

frente dos ataques, sempre que se fala de uma “sociedade das imagens”. Para ele,

não há dúvidas de que a maioria esmagadora dos programas televisivos está

fundamentada predominantemente no discurso oral, e que neles as imagens servem

apenas como suporte visual para o corpo que fala.

Segundo Machado, ainda serão necessários muito tempo e pesquisa para

que o audiovisual consiga impor as imagens sobre o discurso verbal. Para o autor de

O quarto iconoclasmo, as novas tecnologias, como o uso do computador, seguem o

sentido oposto dessa ideia, revalorizando o uso da escrita.

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Embora não existam estatísticas confiáveis a esse respeito, é bem pouco provável que se produzam, em nosso tempo, mais imagens que textos escritos ou oralizados (sem abordar a música, que é uma outra história). O computador, em especial, incrementou de tal forma os hábitos de ler e escrever, que se pode dizer, sem medo de errar, que a palavra escrita jamais esteve tão presente em nossas vidas como está agora. (MACHADO, 2001, p.17)

Arlindo Machado lembra ainda que, apesar de haver a ameaça de um quarto

iconoclasmo por parte de teóricos que ele classifica como apocalípticos, as imagens

antes demonizadas por muitas religiões passaram a ser usadas por elas como

ferramentas. Um exemplo é a proliferação de canais de TV religiosos. Em vez de

abominar a televisão, como outrora, os líderes religiosos não apenas permitem que

seus fiéis dela se aproximem, como também passaram a utilizar esse meio de

comunicação para propagar a fé.

A dicotomia “leitura-imagem” também é relativizada por Néstor García

Canclini (2008). Segundo esse autor, não há na contemporaneidade uma forma

única de se ler, e as pesquisas sobre consumo cultural não endossam mais as

preocupações de alguns anos atrás, tais como o desaparecimento dos livros e

periódicos ou estratégias para conseguir que os jovens leiam mais. Para García

Canclini, o conceito atual de leitor tanto engloba os de papiros, sermões, livros,

quadrinhos, e-mails ou mensagens de celular.

As telas de nosso tempo também trazem textos e não podemos pensar sua hegemonia como o triunfo das imagens sobre a leitura. É certo, porém, que mudou a maneira de ler. Os editores ficam mais reticentes frente aos livros eruditos de tamanho grande; as ciências sociais e os ensaios cedem suas estantes, nas livrarias, a best sellers de ficção ou de auto-ajuda, a discos e vídeos. Nas universidades massificadas, os professores com trinta anos de experiência comprovam que cada vez se lê menos livros e mais xérox de capítulos isolados, textos curtos obtidos na internet, que comprimem a informação. (CANCLINI, 2008, p.58)

A discussão sobre o papel das imagens e se elas atualmente se sobrepõem à

leitura é frequente no estudo dos meios de comunicação e, com o advento de tantas

telas na contemporaneidade, a “disputa” parece ter-se acirrado.

Não se pode esquecer, porém, de que os indivíduos hoje estão cercados por

diversas tecnologias, que permitem a comunicação em diferentes níveis e distintas

maneiras de interação, muitas vezes simultâneas. Para retomar Thompson (1995),

pode-se afirmar ser possível aos indivíduos, ao mesmo tempo, estarem ligados pela

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&(!

fala, TV, rádio, celular e internet – que disponibiliza conteúdos de livros e periódicos,

coexistentes com suas formas tradicionais. Defende-se aqui ainda que a

complementação entre os diferentes meios pode contribuir, sobretudo, na

contemporaneidade, para a superação do estado “alienado” do espectador descrito

pelos frankfurtianos, como se verá adiante.

Neste capítulo, procurou-se estabelecer um panorama teórico-crítico acerca

da cultura e sua relação com os meios de comunicação. Para explorar aspectos

dessa mediação, foram retomados os estudos fundantes da teoria crítica

frankfurtiana, bem como de autores recentes, que auxiliaram a melhor descrever a

relação entre cultura e mídia na contemporaneidade.

Para avançar nesse sentido e promover a aproximação efetiva do objeto de

pesquisa deste trabalho – os programas televisivos especializados em cultura, tendo

como objeto empírico o programa Metrópolis, da TV Cultura de São Paulo –, serão

propostas algumas considerações sobre o conceito de cultura e as formas como ela

se manifesta, como é interpretada, produzida e veiculada na sociedade atual, uma

sociedade demarcadamente midiatizada.

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&)!

Disneylândia

Filho de imigrantes russos casado na Argentina com uma pintora judia, casou-se

pela segunda vez com uma princesa africana no México.

Música hindu contrabandeada por ciganos poloneses faz sucesso no interior da

Bolívia.

Zebras africanas e cangurus australianos no zoológico de Londres.

Múmias egípcias e artefatos incas no museu de Nova York.

Lanternas japonesas e chicletes americanos nos bazares coreanos de São Paulo.

Imagens de um vulcão nas Filipinas passam na rede de televisão em Moçambique.

Armênios naturalizados no Chile procuram familiares na Etiópia,

Casas pré-fabricadas canadenses feitas com madeira colombiana, Multinacionais

japonesas instalam empresas em Hong-Kong e produzem com matéria prima

brasileira para competir no mercado americano.

Literatura grega adaptada para crianças chinesas da comunidade europeia.

Relógios suíços falsificados no Paraguay vendidos por camelôs no bairro mexicano

de Los Angeles.

Turista francesa fotografada seminua com o namorado árabe na baixada fluminense.

Filmes italianos dublados em inglês com legendas em espanhol nos cinemas da

Turquia.

Pilhas americanas alimentam eletrodomésticos ingleses na Nova Guiné.

Gasolina árabe alimenta automóveis americanos na África do Sul.

Pizza italiana alimenta italianos na Itália.

Crianças iraquianas fugidas da guerra não obtém visto no consulado americano do

Egito para entrarem na Disneylândia.2

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2 Arnaldo Antunes / Titãs – 1993.

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&*!

3 CULTURA E SOCIEDADE

O retrato do mundo na contemporaneidade parece ter sido condensado na

composição de Arnaldo Antunes. As situações expostas na letra dessa música

poderiam ser o roteiro de um documentário ou, ainda, compor detalhes de uma

notícia veiculada em um telejornal de qualquer parte do mundo, transmitido para

outro local, país ou continente. É interessante observar a tamanha fluidez com que

indivíduos e bens simbólicos se deslocam. Diferente de outras épocas, esse e outros

aspectos certamente só podem ser percebidos nos dias atuais, sobretudo devido à

globalização dos mercados e ao uso dos meios de comunicação, conforme discutido

no capítulo anterior.

Se, de acordo com Thompson (1995), a sociedade atual só pode ser

compreendida se consideradas as intensas interações mediadas, pretende-se nas

próximas páginas estabelecer um panorama que permita, a partir da relação com os

meios de comunicação, conhecer melhor algumas peculiaridades desta sociedade e

identificar a forma como elas se refletem na atual produção cultural.

A canção de Arnaldo Antunes, da década de 1990, difundida pela Europa e

América Latina na recente regravação do uruguaio Jorge Drexler, pode ajudar a

definir esse cenário. Disneylândia revela como as distâncias foram encurtadas pelos

mercados e pela comunicação, dando pistas de algumas de suas consequências,

entre as quais se pode listar a grande velocidade com que a informação percorre o

mundo, a desterritorialização de produtos e pessoas, as subjetividades em trânsito,

a celebrização da vida privada e ainda outros fenômenos de reação do local frente

ao global, como o fundamentalismo religioso, a pirataria, o subemprego dos grandes

centros, principalmente em países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Esses são aspectos que, de alguma maneira, estarão refletidos nos modos de

produção, circulação e recepção de bens simbólicos, assim como nas possibilidades

de abordagem do jornalismo voltado para essa produção cultural, como se verá nos

capítulos seguintes. De acordo com Sérgio Luiz Gadini (2009):

A cultura contemporânea constitui-se em modos de ser, pensar e viver expressos, na maioria das vezes, por meio de discursos ou produtos midiáticos. Isso porque entender a cultura como um fato social e histórico, em que o discurso caracteriza-se como uma produção de sentido entre

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&+!

atores, implica que ela só se efetiva a partir de sua publicização ou expressão pública. (GADINI, 2009, p.42)

Nesse sentido, de acordo com Gadini, a cultura é uma construção

necessariamente coletiva que, no campo do jornalismo cultural, mais adiante, irá

interessar fundamentalmente a cultura como expressões materializadas em

produtos. No cenário contemporâneo, conforme aponta Gadini, com base em

Teixeira Coelho (1999), produtos culturais são aqueles que expressam ideias,

valores, atitudes, criatividade artística e que oferecem entretenimento e informação,

quer tenham origem popular, quer se trate de produtos massivos ou de circulação

por um público mais restrito.

Dessa forma, a composição dos Titãs aqui ilustrada contém uma grande

variedade desses produtos, sinalizando para uma discussão sobre a relação

sociedade e cultura contemporâneas, que irá permear todo este capítulo. Já no

título, a experiência do consumo no universo Disney inevitavelmente remete ao

conceito de “simulacro”, que semiologicamente é um signo que só se refere a si

mesmo, ou seja, é esvaziado de sentido. Para Featherstone, este é um mundo

paralelo que, assim como a televisão, dessa forma também se apresenta.

O universo do “como se” é intensificado pela experiência da televisão e pelo modo como ela pode anular o tempo e o espaço. As experiências, as pessoas, os lugares e o tom emocional capturados pelo cinema e pela televisão proporcionam um senso particularmente vigoroso de solicitação e de imediatez que ajudam a desimaginar a realidade. É, no entanto, fácil demais presumir que existe, na televisão, uma perda sócio-semântica completa através dessas tendências pós-modernas. O significado dos programas e anúncios da televisão não é algo programado, manipulado, de acordo com as intenções dos programadores, nem é um jogo de signos, aberto e pós-moderno. Ao mesmo tempo, a Disneyworld ainda não é o mundo e as experiências pós-modernas em geral se dão em cenários cuidadosamente circunscritos, no âmbito da cultura do consumidor e das atividades de lazer. Quando deixam esses momentos encravados, as pessoas têm de voltar ao cotidiano e ao universo do trabalho em que estão inseridas, numa rede densa de interdependências e de equilíbrio de poder. (FEATHERSTONE, 1995, p.112)

Disneylândia seria, então, a experiência proporcionada pelo capitalismo por

meio do cinema e da televisão ao longo de décadas, como aquele mundo fantástico,

milimetricamente planejado para as fotos e vídeos de seus visitantes, o extremo da

espetacularização. Não por acaso, o título da música Disneylândia enquadra-se no

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&"!

mesmo conceito de simulacro em que muitos autores, como Featherstone,

enquadram a televisão.

Essa canção fornece ainda elementos que permitem notar certa tensão entre

as tradições locais e as possibilidades de uma maior conexão com o mundo global.

Há na contemporaneidade uma espécie de revezamento entre as identidades local e

global, que se expressa nas subjetividades, provocando a fragmentação do

indivíduo. Esses processos interferem nas relações do sujeito com o mundo, com o

outro e com ele mesmo, refletindo também na produção cultural da atualidade.

3.1 Globalização e culturas locais

Os conceitos de desterritorialização e deslocamento de produtos culturais,

principais idéias contidas na composição de Antunes, são fortes traços da

globalização. Atualmente as fronteiras não mais representam barreiras

instransponíveis para seres, hábitos, objetos e, consequentemente, culturas.

Aspectos típicos de determinada cultura mesclam-se aos de outra, na velocidade da

comunicação e do capital.

A ideia de “aldeia global”, conceituada pelo sociólogo Marshall McLuhan, na

década de 1960, somente na contemporaneidade efetivou-se e se tornou algo muito

mais complexo e menos ingênuo, já que os fluxos de informação e influências

culturais não ocorrem com a mesma intensidade nos diferentes sentidos. De acordo

com Mike Featherstone (1995), o processo de globalização, numa dimensão ampla,

remete tanto à formação de uma terceira cultura (global), como à revalorização das

tradições locais.

Se a globalização se refere ao processo através do qual o mundo, cada vez mais, passa a ser visto como “um lugar só”, e aos modos mediante os quais nos tornamos conscientes desse processo (Robertson, 1992), então as mudanças culturais, tematizadas sob a bandeira do pós-modernismo, parecem apontar para a direção oposta, levando-nos a apreciar a questão local. (FEATHERSTONE, 1995, p.158)

De acordo com Featherstone (1995), na fase atual, é possível referir-se ao

desenvolvimento de uma cultura global em um sentido menos totalizante. Porém, o

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autor alerta que, se por um lado, a globalização implica ganhos, por outro, implica

perdas e riscos; afinal se trata de um espaço dialógico, de onde se podem esperar

muitas discordâncias, colisões de perspectivas e conflitos.

A dificuldade de lidar com níveis cada vez maiores de complexidade cultural e as dúvidas e ansiedades que elas geram com frequência são motivos pelos quais o “localismo” ou o desejo de permanecer em uma localidade delimitada ou retornar a um sentimento de “lar” tornam-se um tema importante. Pode-se também conjecturar se isso ocorre independente do fato de que o lar é real ou imaginário, ou se é temporário, sincretizado ou uma simulação, se se manifesta através de uma fascinação pelo sentimento de pertença, afiliação e comunidade que são atribuídos aos lares dos outros, tais como os povos tribais. O que parece claro é que não é proveitoso encarar o global e o local como dicotomias separadas no tempo e no espaço. (FEATHERSTONE, 1995, p.144)

Ainda que atualmente as identidades estejam em trânsito ou deslocadas e

que o “global” tenha interferência sobre as culturas locais, inúmeros são os indícios

que impelem o pensamento numa identidade neutralizadora, capaz de consumir as

individualidades e apagar as formas de se identificarem e preservarem aspectos

culturais locais – ao menos, não em todos os momentos, de maneira hegemônica,

de acordo com Featherstone.

Isso faz com que, embora cada vez mais pessoas estejam conectadas entre

si ao redor do planeta, em determinado momento, suas escolhas – segundo aquele

autor – obedecerão não a uma lógica global, mas estarão ligadas à leitura que cada

um faz do mundo, formada por aspectos da cultura, educação e tradição locais.

Nesse sentido, Roger Silverstone (1999) afirma que seria ilusório pensar que,

se todas as pessoas consomem o mesmo tipo de informação, irão processá-la de

uma só maneira, pois acesso não significa participação. O autor alerta que os meios

de comunicação hoje fornecem o espaço global para o tráfego de imagens, idéias e

crenças, que podem ser compartilhadas; ouvir e ver, porém, não são o mesmo que

compreender, assim como informação, pura e simplesmente, não é sinônimo de

conhecimento.

Por esse motivo, de acordo com Silverstone (1999), a globalização impelida

pela mídia não deve ser vista como base para uma política, economia, cidadania e

sociedade globais. Por esse motivo é que não é possível a crença na supremacia de

uma só cultura global, unificada. Para ampliar a discussão sobre a resistência ou

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passividade da cultura local diante da força de uma mídia globalizada, Featherstone

recorre a uma questão ligada aos estudos sobre a televisão:

No exemplo dos efeitos exercidos pela televisão global é importante superar formulações excessivamente simplificadas, concebidas oposicionalmente, que enfatizam ou a manipulação ou a resistência do telespectador. Em anos recentes, o pêndulo oscilou em direção a essa última orientação populista e alega-se que surgiu uma nova ortodoxia em torno dos estudos sobre a cultura, baseada no pressuposto da criatividade e habilidade das plateias e consumidores ativos (Morin, 1990). A televisão e as novas tecnologias da comunicação são apresentadas como algo que produz a manipulação e a resistência, bem como a homogeneização e a fragmentação da cultura contemporânea (Morley). (FEATHERSTONE, 1999, p.161)

Essa questão leva a refletir sobre a formação de novas identidades e

subjetividades, típicas das sociedades híbridas, conforme observa García Canclini

(1989). Numa sociedade híbrida, como as latino-americanas, todos continuam

tentando afirmar sua identidade territorial – dos indígenas aos ecologistas –,

restabelecendo especificidades para seus patrimônios ou novos signos, para

formarem grupos distintos.

Para García Canclini, esse tensionamento gera uma constante avaliação

interna, que leva o indivíduo a adotar ou rejeitar o que oferecem diferentes capitais

simbólicos.

Em geral, todos reformulam seus capitais simbólicos em meio a cruzamentos e intercâmbios. A sociabilidade híbrida que as cidades contemporâneas induzem nos leva a participar de forma intermitente de grupos cultos e populares, tradicionais e modernos. A afirmação do regional ou do nacional não tem sentido nem eficácia como condenação geral do exógeno: deve ser concebida agora como a capacidade de interagir com as múltiplas ofertas simbólicas internacionais a partir de posições próprias. (CANCLINI, 1989, p.354)

De acordo com García Canclini, os sujeitos na contemporaneidade “jogam” a

todo o momento, definindo posições que contribuem para a formação das

identidades. Sob essa mesma perspectiva, Silverstone (1999) analisa a globalização

como uma força cultural mediada e sua relação com a experiência, também partindo

do pressuposto de que a visão de mundo de cada indivíduo depende de como ele

vive, vê o mundo e se vê no mundo – em outras palavras, de como ele configura seu

espaço físico e simbólico.

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Ainda sobre a globalização, é relevante uma questão levantada por

Silverstone (1999): da mesma maneira que muitos aspectos da contemporaneidade

são fluidos, dispersos, inconstantes, “o global é uma coisa frágil” (SILVERTSTONE,

1999). Para esse autor:

A economia global está se mantendo com dificuldade. A política global está fadada ao fracasso. A cultura global é vista, mas poucas vezes é ouvida. Os Estados sobrevivem. O regionalismo avança. Os conflitos sociais são endêmicos. Contudo, e sempre há um contudo, nossa imaginação abarca o globo de maneiras tão novas e intangíveis. A mídia permite isso, pois ela fornece a matéria-prima para esse trabalho imaginativo. (SILVERSTONE, 1999, p.212)

Com base na citação anterior, relacionam-se alguns aspectos da

globalização, que reforçam o argumento do autor: ao mesmo tempo em que se

difundem por toda a extensão do globo alguns bens simbólicos – como a produção

cinematográfica norte-americana ou novos hábitos ligados ao comportamento em

redes sociais –, a globalização proporciona experiências desagradáveis, como a

crise econômica que abalou o mundo todo.

Trazendo para o campo da cultura, esses constantes conflitos entre o local e

o global, entre a tradição e a mistura de populações, de acordo com Thompson

(1995), podem ainda se tornar, em alguns casos, fonte de criatividade e dinamismo.

Para o autor, esse entrelaçamento cria um tipo de insatisfação cultural que

constantemente muda de direção, assumindo novas formas e desligando-se

inesperadamente de convenções estabelecidas, e comprova que:

Num mundo cada vez mais marcado por migrações culturais e fluxos de comunicação, as tradições estão menos protegidas do que antes das consequências potencialmente tonificantes dos inevitáveis encontros com outros diferentes. (THOMPSON, 1995, p.180)

As migrações e fluxos citados por Thompson reforçam as idéias contidas no

panorama de Disneylândia, no início deste capítulo. Se, no âmbito cultural, essa

tensão entre o local e o global pode resultar em criatividade, quando se parte para

uma análise dessa relação conflituosa no campo individual, esses aspectos

provocam a formação de identidades mais reflexivas (THOMPSON, 1995). Essa

discussão, porém, será deixada para o tópico seguinte, no qual se pretende fazer a

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análise das identidades na sociedade contemporânea, estabelecendo um diálogo

entre diferentes linhas conceituais.

3.2 Identidades na contemporaneidade

A experiência cotidiana num mundo mediado produz um tipo de intimidade

que não existia antes, quando as relações eram predominantemente face a face.

Com o desenvolvimento das sociedades modernas, o processo de formação das

identidades tornou-se mais reflexivo e aberto; na contemporaneidade, esse aspecto

potencializa-se. Para Thompson (1995), as identidades constituem um self ou “a

natureza do eu”. Assim, os indivíduos dependem cada vez mais dos próprios

recursos para construir uma identidade coerente para si mesmos, enquanto o

processo de formação do self, segundo a definição do autor:

(...) é cada vez mais alimentado por materiais simbólicos mediados, que se expandem num leque de opções disponíveis ao indivíduo e enfraquecem – sem destruir – a conexão entre a formação e o local compartilhado. Esta conexão é enfraquecida à medida que os indivíduos têm acesso a formas de informação e comunicação originárias de fontes distantes, que lhe chegam através de redes de comunicação mediada em crescente expansão. (THOMPON, 1995, p.181)

Assim, o processo de formação de uma identidade – tipicamente de uma

sociedade mediada, conforme descrito por Thompson (1999) –, chama a atenção

para o crescente acesso dos indivíduos a um “conhecimento não local”, que diz

respeito não apenas aos meios de comunicação, como também à forma como eles

atuam nos processos de globalização comentados anteriormente.

Nesse contexto, conviver com o “outro” também é algo mais complexo que na

modernidade. De acordo com Silverstone (1999), o “outro”, aproximado pela

tecnologia, é tão semelhante, que pode gerar dois problemas, ambos ligados à

mídia: um relaciona-se à distância e outro, à subjetividade.

A distância não pode ser apagada pela tecnologia. Uma chamada telefônica manterá as pessoas separadas no momento mesmo que as conecta. A conexão não é o problema. Ela não garante a proximidade (…). A tecnologia pode isolar e aniquilar o outro. E sem o Outro estamos perdidos.

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E a tecnologia pode aniquilar a distância de maneira contrária. Ela pode trazer o Outro para muito perto, perto demais para reconhecermos a diferença e a distintividade (…). As representações da mídia, as comunicações que executamos que transcendem os limites do face-a-face, as que rompem a proximidade, têm consequência para a maneira como vemos e vivemos no mundo. Elas modelam e também animam a experiência. (SILVERSTONE, 1999, p.253-254)

Efetivamente, as distâncias continuam a existir, porém, a comunicação

permite a compressão espaço-temporal, que é mais intensa nos dias atuais. As

formas mediadas de interação em escala global são tão intensas, que, assim como

na situação hipotética exposta na canção de Antunes, a simples fumaça de um

vulcão na distante Islândia conseguiu provocar, em maio de 2010, um caos aéreo

mundial. Milhares de pessoas tiveram suas viagens canceladas, redirecionadas e

permaneceram “ilhadas” em aeroportos de todo o mundo, num transtorno

comparável ao 11 de setembro de 2001.

Ao vivo pela televisão, o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em

Nova Iorque, demonstrou ao mundo inteiro uma combinação de terrorismo e

espetacularização em níveis jamais vistos antes. Analisando-se friamente, o 11 de

setembro pode ainda ser interpretado como uma reação de fundamentalistas

contrários ao domínio econômico mundial – algo previsto, evidentemente não

nessas proporções, em diversos estudos acerca da globalização e resistências

locais.

Assim como reduz as distâncias e transforma o mundo numa grande rede na

qual as trocas simbólicas ocorrem nos diversos sentidos e direções, a intensidade

com que o sistema midiático incide na sociedade gera outros aspectos, que dizem

respeito aos próprios meios e às identidades.

Um exemplo disso é o fenômeno da conversão da vida privada em mais um

produto da mídia. Jamais se assistiu a tanto interesse sobre o que fazem astros e

estrelas de todo escalão e nunca se viram tantas pessoas interessadas em se

tornarem um deles. Fofocas, intrigas, intimidade. Tudo é publicável. Não só em

revistas que dão cada vez mais espaço à figura dos paparazzi, como na internet,

que espalha esse tipo de “notícia” a quem queira conferir.

Na televisão, programas alimentam o sonho de seres comuns tornarem-se

celebridades, numa mescla de exibicionismo e voyerismo, fazendo surgir novos

“artistas” – o que, em diversos canais, esbarra até mesmo nos limites dos programas

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culturais, que muitas vezes dão mais destaque à vida pessoal do que à obra do

artista.

Mais que uma febre atual nas emissoras de televisão, a exposição da vida

privada tem como principal consequência a proliferação de programas no formato

reality shows. Como observa François Jost (2004), essa tendência não está em voga

por mero acaso; ela constitui um aspecto da televisão, que, por ser fruto e reflexo da

sociedade, está sempre em processo. Para Jost, a “televisão é a câmera

registradora das aspirações da sociedade e aquela evolui mais ou menos no mesmo

ritmo que esta”. (JOST, 2004, p.51)

Outro aspecto para o qual se chama a atenção sobre características das

identidades na contemporaneidade é o consumismo, que, na canção de Antunes,

realiza-se em escala planetária. Tema de interesse para pesquisadores das

diferentes ciências humanas e sociais, a grande difusão do consumismo, de acordo

com Stuart Hall, pode ser comparada a um “supermercado cultural”, com forte

influência sobre as identidades.

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias, tradições específicas e parecem “flutuar livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós). (HALL, 1992, p.75).

Para Stuart Hall (1992), o indivíduo contemporâneo é um sujeito

multifacetado, bombardeado por identidades distintas provocadas pelo consumo e

pela globalização. O autor, representante dos estudos culturais ingleses, postula que

o sujeito classificado como “pós-moderno” distancia-se da identidade moderna,

sobretudo em consequência de cinco rupturas ou cinco grandes avanços na teoria

social e nas ciências humanas, ocorridos no pensamento no período da

modernidade tardia (segunda metade do século XX).

A primeira descentração importante refere-se às tradições do pensamento marxista. Os escritos de Marx pertencem, naturalmente, ao século XIX e não século XX. Mas um dos modos pelos quais seu trabalho foi redescoberto e reinterpretado na década de sessenta foi à luz de sua afirmação de que “os homens fazem a história, mas apenas sob as condições que lhes são dadas”. (…) Assim Marx deslocou duas proposições-chave da filosofia moderna: que há uma essência universal de

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homem; que essa essência é o atributo de “cada indivíduo singular”, o qual é seu sujeito real. (HALL, 1992, p.34-35)

Outro descentramento, segundo Hall (1992), teria sido provocado pela teoria

de Freud, segundo a qual nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de

nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do

nosso inconsciente, que funciona de uma forma muito distinta daquela da Razão,

segundo a qual o sujeito é provido de uma identidade fixa e unificada – o “penso,

logo existo”, do sujeito cognoscente e racional de Descartes.

A terceira ruptura apontada por Hall está associada à linguística estrutural de

Ferdinand de Saussure, que determina que a língua é um sistema social, não

individual. Assim, falar uma língua não significa apenas expressar pensamentos,

mas também ativar a imensa gama de significados, que já estão embutidos em na

língua e em seus sistemas culturais.

Na sequência de “descentralizações” da identidade e do sujeito listadas por

Hall, está o trabalho do filósofo e historiador francês Michel Foucault, em que se

destaca um novo tipo de poder, o chamado “poder disciplinar”, cujo objetivo é

manter as vidas, as atividades, o trabalho, as infelicidades e os prazeres do

indivíduo, assim como sua saúde física e moral, suas práticas sexuais e sua vida

familiar, sob estrito controle e disciplina, sob o ponto de vista da história do sujeito

moderno, para que o ser humano possa, finalmente, ser tratado como um “corpo

dócil”.

O quinto e último descentramento seria o impacto do feminismo, tanto como

uma crítica teórica quanto como um movimento social, além de outros “novos”

movimentos sociais que emergiram durante os anos sessenta, sobretudo em 1968,

que foi o grande marco da modernidade tardia (revoltas estudantis, movimentos

contraculturais e antibelicistas, lutas por direitos civis e pela paz, os movimentos

revolucionários do até então denominado “terceiro mundo”).

Desses primeiros impactos pontuados por Stuart Hall como responsáveis pela

fragmentação das identidades modernas, até a formação do panorama

contemporâneo, observado por Antunes na composição de Disneylândia, há um

processo que condiciona algumas das principais características da sociedade atual,

a qual se caracteriza pela intensidade das mediações, sendo profundamente

influenciada pelo uso dos meios de comunicação. A vida hoje está imersa numa

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cultura midiatizada, e é nesse contexto que se analisará a produção veiculada pelo

jornalismo cultural brasileiro, tendo como exemplo o programa Metrópolis. Antes

disso, serão considerados os diferentes conceitos implícitos na palavra cultura, que,

até este momento, já foi usada para diferentes fins, como no conceito de indústria

cultural.

3.3 Cultura e subjetividades

Toda cultura é resultado de uma seleção e de uma combinação, sempre renovada, de suas fontes. Dito de outra forma: é produto de uma encenação, na qual se escolhe e se adapta o que vai ser representado, de acordo com o que os receptores podem escutar, ver e compreender. As representações culturais, desde os relatos populares até os museus, nunca apresentam os fatos, nem cotidianos nem transcendentais, são sempre re-apresentações, teatro, simulacro. Só a fé cega fetichiza os objetos e as imagens, acreditando que neles está depositada a verdade. (CANCLINI, 1997, p.201)

Cultura, para Néstor García Canclini, seria ainda a produção de fenômenos

que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das estruturas

materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social, ou

seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e instituições dedicadas à

administração, renovação e reestruturação do sentido.

Retomar algumas possibilidades de seu uso e conceito é importante para se

definir melhor o caminho a seguir nos próximos capítulos. Já foram expostos alguns

aspectos da cultura contemporânea, já se buscou a chamada indústria cultural e

agora se busca o conceito de cultura, para se seguir adiante com o que diz respeito

à produção cultural propriamente dita.

Para o jornalismo cultural, o termo, embora bastante abrangente, tende a se

fechar sobre aquilo que se refere tão somente à literatura, cinema, artes cênicas,

artes visuais, música, entre outras formas de arte; porém, “seu sentido pode estar

em tudo o que o homem, através da sua racionalidade, mais precisamente a

inteligência, consegue executar”. (PASTORIZA, 2003, p.15)

Além das artes, são também elementos culturais as ciências, os costumes, os

sistemas, as leis, religiões, crenças, esportes, mitos, valores morais e éticos,

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comportamento, preferências, invenções e todas as maneiras de ser (sentir, pensar

e agir). Esse também, no entanto, é um conceito relativamente recente, advindo com

a sociedade burguesa, como defende Francísco Rodríguez Pastoriza (2003).

Hoje a cultura se entende como todo o conjunto de conhecimentos e instrumentos acumulados pelo homem em sua História, incluindo todos os objetos e códigos sociais, os gostos, as idéias, sempre em movimento e em evolução. Este dinamismo converte a cultura atual em uma realidade complexa. (PASTORIZA, 2003, p.15)

Pastoriza ressalva, porém, que nem sempre foi assim. Para os gregos, o

sentido de cultura estaria na palavra paideia, entendida como informação, educação.

Já os romanos empregavam o termo cultura para o plantio, a agricultura. Na Idade

Média, o cristianismo alterou esse significado, utilizando a palavra para se referir ao

culto de Deus; assim, na sociedade medieval, cultura teria o sentido de graça, aquilo

que situava o homem acima da natureza, o que o distinguia dos demais seres por

possuir moral, filosofia e arte.

O Renascimento significou um grande avanço no conceito de cultura,

revalorizando a exaltação do corpo humano como algo belo, que compartilharia com

os motivos religiosos o status de arte. No século XVI, segundo Pastoriza, é

recuperado o antigo significado, sendo entendida como educação, e, no século

XVIII, o emprego da palavra apareceria como sinônimo de arte, conceito que

coincide com a aparição dos museus na Europa.

Assim como Thompson (1995), Pastoriza argumenta que o termo cultura está

hoje intrinsecamente ligado ao surgimento e desenvolvimento dos meios de

comunicação e às formas como eles alteraram e seguem modificando as relações

interpessoais, a maneira de se pensar o mundo e encurtar distâncias, provocando o

que hoje se pode observar como uma compressão espaço-temporal, que é a noção

de que o mundo parece um lugar cada vez menor.

O tempo das viagens é constantemente reduzido e, com o desenvolvimento das telecomunicações, a velocidade da comunicação se torna virtualmente instantânea. O mundo parece um lugar menor: não mais uma imensidão de territórios desconhecidos, mas um globo cada vez mais explorado, cuidadosamente mapeado e inteiramente vulnerável à ingerência dos seres humanos. (THOMPSON, 1995, p.40)

Como consequência da compressão espaço-temporal, percebe-se, na

contemporaneidade, transformações na experiência dos indivíduos acerca do fluxo

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da história e de seu lugar dentro da história. Na modernidade, foram as mudanças

na vida urbana e fabril que moldaram não só o tempo, mas também as

subjetividades identificadas por Michel Foucault, a partir da então nova disciplina

imposta pela rotina das fábricas.

Já o filósofo Félix Guattari (in PARENTE, 1993) defende que o processo de

diálogo com as máquinas teria começado muito antes de Foulcault, e é o que

determina as subjetividades. Segundo esse autor, o próprio ser humano é uma

máquina movida pelo desejo e, na contemporaneidade, as subjetividades dependem

cada vez mais de sistemas ligados à máquina e que o autor denomina maquínicos.

Porém, o que continua em aberto – e cada vez mais difícil de responder –, é se toda

a tecnologia hoje disponível e atuante sobre as subjetividades um dia irão emancipar

o ser humano.

Antes de mais nada é preciso admitir que poucos elementos objetivos nos permitem esperar ainda por uma tal virada da modernidade mass-midiática opressiva em direção a uma era pós-midiática que daria todo seu alcance aos agenciamentos de auto-referência subjetiva. Parece-me, no entanto, que não é senão no contexto das novas distribuições das cartas da produção da subjetividade informática e telemática que essa voz da auto-referência chegará a conquistar seu pleno regime. É claro que nada disso está ganho! (GUATTARI, apud PARENTE, 1983, p.182)

A emancipação das subjetividades defendida por Guattari (1983) seria o

contraponto às teorias que colocam o ser humano como impotente frente ao

determinismo das tecnologias, como a alienação dos indivíduos em relação à

indústria cultural, segundo a ótica dos frankfurtianos. Para Guattari, tal emancipação

ocorreria por meio do uso das máquinas a favor da humanidade e, ao mesmo

tempo, reconciliando os indivíduos com seu ambiente – a sociedade.

Nada nesse campo poderia substituir as práticas sociais inovadoras. Não se trata aqui senão de constatar que, diferentemente de outras revoluções de emancipação subjetiva – Espartacus, a Revolução Francesa, Comuna de Paris… –, as práticas individuais e sociais de autovalorização, de auto-organização da subjetividade, hoje ao alcance de nossas mãos, estão em condições, talvez pela primeira vez na história, de desembocar em algo mais durável do que as loucas e efêmeras efervescências espontâneas, ou seja, desembocar num reposicionamento fundamental do homem em relação ao seu ambiente maquínico e ao seu ambiente natural (que aliás tendem a coincidir). (GUATTARI, apud PARENTE, 1983, p.182)

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Se os frankfurtianos, conforme posto no capítulo anterior, afirmavam que a

técnica da indústria cultural, num primeiro momento, teria apenas levado à

padronização e produção em série dos bens culturais, Guattari vai além e afirma que

os sistemas maquínicos – desde o próprio ser humano, os relógios, a escritura de

músicas religiosas e até a informatização planetária –, possibilitam uma

processualidade criativa e singularizante, tornando-se uma nova referência de base.

Para Guattari, as infraestruturas materiais não condicionam diretamente a

subjetividade coletiva, mas são componentes essenciais para a sua tomada de

consciência no espaço e no tempo, em função de transformações técnicas,

científicas e artísticas.

Pode-se esperar que tal tomada de consciência se apoie em sistemas coletivos de “memorização” dos dados e dos saberes, mas igualmente em dispositivos materiais de ordem técnica, científica e estética. Pode-se então tentar datar essas mutações subjetivas fundamentais em função, por um lado, do nascimento de grandes Equipamentos (sic) coletivos religiosos e culturais e, por outro, da invenção de novos materiais, de novas energias biológicas. Não estou dizendo que trata-se aí de infra-estruturas materiais condicionando diretamente a subjetividade coletiva, mas somente componentes essenciais para a sua tomada de consciência no espaço e no tempo, em função de transformações técnicas, científicas e artísticas. (GUATARI, apud PARENTE, 1993, p.181)

A importância das máquinas na reconfiguração do mundo e da comunicação

também está presente nos estudos de Roger Silverstone (1999). Para o autor, o

fenômeno que agora se chama globalização – e é anunciado como um admirável

mundo novo liberado pelas maravilhas do eletrônico e do digital – possui uma

história, que é a da máquina, das instituições e indústrias que cresceram em torno

da máquina e uma história das coisas, das pessoas, das notícias, das imagens, das

ideias, dos valores que eram transmitidos pela máquina.

A globalização é também uma realidade material. Indústria, finança, economia, Estado, cultura, tanto separadamente como juntos, operam no espaço e no tempo globais e são construídos dentro deles: transcendendo identidades, fraturando comunidades, universalizando imagens. E a mídia tanto permite como representa esse processo. Tanto que cada vez mais o damos por certo. Damos por certo que nossas chamadas telefônicas e e-mails alcançam o outro lado do mundo em segundos, e que imagens de catástrofes ao vivo e partidas de futebol e novelas vespertinas podem ser vistas nas telas de qualquer cidade do planeta. (SILVERSTONE, 1999, p.199)

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Se, na sociedade atual, cultura e comunicação parecem termos

indissociáveis, e isso se deve ao advento e desenvolvimento dos meios de

comunicação, é porque algo começou a mudar séculos atrás, antes mesmo de

surgirem a internet, o celular, a televisão ou mesmo o rádio.

As transformações simbólicas, segundo Thompson (1995), começaram a se

redesenhar tão logo o alemão Johan Gutenberg desenvolveu comercialmente o

tipógrafo, que possibilitou as primeiras impressões de livros e folhetins. Esse

material já permitia trocas simbólicas em maior escala que os antigos manuscritos,

alterando significativamente as relações sociais, permitindo que a comunicação

ocorresse também independente de uma interação pessoal. Nascia o que Thompson

classificou de quase-interação mediada.

Desenrolando conceitos citados anteriormente neste trabalho, retoma-se a

classificação elaborada por Thompson, segundo a qual os tipos de situação

comunicacional determinam três grupos: “interação face a face”, “interação mediada”

e “quase-interação mediada”.

A interação face a face acontece num contexto de co-presença; os participantes estão imediatamente presentes e partilham um mesmo sistema referencial de espaço e tempo (…). As interações mediadas implicam uso de um meio técnico (papel, fios elétricos, ondas eletromagnéticas) que possibilitam a transmissão de informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no espaço, no tempo, ou em ambos (…). A comunicação por meio de carta, por exemplo, priva os participantes de deixas associadas à presença física (gestos, expressões faciais, entonação, etc.), enquanto outras dicas simbólicas (associadas à escrita) são acentuadas. (THOMPSON, 1995, p.78)

Nos dois primeiros tipos de interação, Thompson (1995) descreve as relações

entre os indivíduos antes do advento dos meios massivos de comunicação. A

conversa face a face permite a resolução de todos os ruídos e a captação de

elementos, como gestos e interjeições. Já a forma mediada geralmente privilegia

algum aspecto, como a escrita – quando utilizada carta ou e-mail, ou o som – no

caso da mediação por telefone.

Em nosso dia a dia, há uma combinação e o revezamento dessas formas de

interação, com o uso cada vez mais intenso das quase interações mediadas, que

são as formas de comunicação em que os indivíduos estão distantes no tempo e no

espaço, utilizando um meio de comunicação de massa.

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Consideraremos agora o terceiro tipo de interação – aquela que chamarei “quase interação mediada”. Uso este termo para me referir às relações sociais estabelecidas pelos meios de comunicação de massa (livros, jornais, rádio, televisão, etc.). Como o precedente, este terceiro tipo de interação implica uma extensa disponibilidade de informação e conteúdo simbólico no espaço e no tempo – ou, em outras palavras, a quase interação mediada se dissemina através do espaço e do tempo. Em muitos casos, ela também envolve um certo estreitamento do leque de deixas simbólicas, se comparada à interação face a face. Contudo, há dois aspectos-chave em que as quase interações mediadas se diferenciam dos outros dois tipos: em primeiro lugar, os participantes de uma interação face a face ou de uma interação mediada são orientados para outros específicos, para quem eles produzem ações, afirmações, etc.; mas no caso da quase-interação mediada, as formas simbólicas são produzidas para um número indefinido de receptores potenciais. Em segundo lugar, enquanto a interação face a face e a interação mediada são dialógicas, a quase interação mediada é monológica, isto é, o fluxo da comunicação é predominantemente de sentido único. (THOMPSON, 1995, p.78-79)

Assim, as interações face a face ocorreriam apenas numa comunicação

presencial, as formas mediadas seriam, por exemplo, cartas, ligações telefônicas, e-

mails, e as quase-interações mediadas seriam as mensagens disseminadas nos

meios de comunicação de massa.

Desde o início, as quase interações mediadas representaram um grande salto

na produção, transmissão e recepção das formas simbólicas – um processo que,

ainda hoje, está em andamento, avançando cada vez mais rapidamente com as

novas tecnologias, aliadas aos meios de comunicação, principalmente no que tange

à hibridização deles –, haja vista a incontável combinação de elementos a partir da

internet e do telefone celular, hoje embutidos ou anexados a praticamente todos os

outros equipamentos eletrônicos utilizados na comunicação. Essa hibridação altera

de forma nítida a lógica da comunicação massiva, que cada vez mais utiliza

elementos pós-massivos.

No contexto brasileiro dos programas televisivos, incluindo aí os de jornalismo

cultural, é possível notar uma tendência à convocação para a interação, antes

mesmo de se instaurar a sonhada interatividade digital, ainda uma promessa neste

período em que o sistema brasileiro de televisão começa a se converter do modelo

analógico para o digital. Por enquanto, essa interação se dá, sobretudo, por meio da

oferta de algo exclusivo nos sites correspondentes, no twitter ou outra rede social.

Espera-se, no entanto, que a televisão, em breve, possa reunir diversas funções de

interação entre emissor e receptor, por meio do controle remoto – o que, em

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diversos países, tem aproximado o equipamento televisivo de um computador ligado

à internet.

Na modernidade, o advento dos meios de comunicação de massa,

desenvolvidos a partir da industrialização, foi um fator determinante para aquela

sociedade. Isso fica claro, como se viu anteriormente, na crítica elaborada por

Adorno e Horkheimer. Na contemporaneidade, é o avanço das tecnologias que

incrementa as formas mediadas de comunicação, permitindo que as transformações

culturais do nosso período possam ser compreendidas a partir das mudanças no

comportamento, no modo de pensar e se relacionar, a partir de uma nova lógica,

que alterou também a relação entre público e privado.

Essa nova ordem intensificou ainda o que Thompson chama de poder

simbólico ou cultural e que classifica como um quarto poder (depois do econômico,

do político e o da coerção). Segundo Thompson, esses poderes são diferentes

recursos usados para se exercer o domínio de um grupo sobre outro, na maioria das

vezes, combinando ou sobrepondo tais formas de poder.

Especialmente sobre o poder simbólico ou cultural, que aqui mais interessa,

Thompson o define como sendo a capacidade de intervir no curso dos

acontecimentos, de influenciar as ações dos outros e produzir eventos por meio da

produção e da transmissão de formas simbólicas.

Há (…) uma grande variedade de instituições que assumem um papel particular historicamente importante na acumulação dos meios de informação e de comunicação. Estas incluem instituições religiosas, que se dedicam essencialmente à produção e difusão de formas simbólicas associadas à salvação, aos valores espirituais e crenças transcendentais; instituições educacionais, que se ocupam com a transmissão de conteúdos simbólicos adquiridos (o conhecimento) e com o treinamento de habilidades e competências; e instituições da mídia, que se orientam para a produção em larga escala e a difusão generalizada de formas simbólicas no espaço e no tempo. Estas e outras instituições culturais fornecem importantes bases para a acumulação dos meios de informação e comunicação, como também os recursos materiais e financeiros, e forjaram os meios com os quais a informação e o conteúdo simbólico são produzidos e distribuídos no mundo social. (THOMPSON, 1995, p.24-25)

O poder simbólico exercido pelos meios de comunicação de massa, segundo

Thompson, nunca foi infalível e totalitário, como defendem alguns estudos, entre

eles, como visto anteriormente, a teoria crítica elaborada por Adorno e Horkheimer,

em Dialética do esclarecimento. Thompson é contrário até mesmo ao uso de termos

como “comunicação de massa”, “sociedade de massa”, preferindo os termos

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“transmissão” ou “difusão”, para designar comunicação, e “meio técnico”, em vez de

meios de comunicação de massa, por acreditar que alguns conceitos são demasiado

impregnados de um sentido arbitrário.

Devemos abandonar a ideia de que os destinatários dos produtos da mídia são espectadores passivos cujos sentidos foram permanentemente embotados pela contínua recepção de mensagens similares. Devemos também descartar a suposição de que a recepção em si mesma seja um processo sem problemas, acrítico, e que os produtos são absorvidos pelos indivíduos como uma esponja absorve água. Suposições desse tipo têm muito pouco a ver com o verdadeiro caráter das atividades de recepção e com as maneiras complexas pelas quais os produtos da mídia são recebidos pelos indivíduos, interpretados por eles e incorporados em suas vidas. (THOMPSON, 1995, p.31)

De acordo com Thompson, a apropriação das formas simbólicas, em

particular, das mensagens transmitidas pelos produtos da mídia, é um processo que

pode se estender muito além do contexto inicial da atividade de recepção. Para esse

autor, as mensagens da mídia chegam de diferentes formas e não raramente são

discutidas por indivíduos durante e após a sua recepção.

Essas mensagens são elaboradas discursivamente e compartilhadas com o

círculo mais amplo de indivíduos, que podem ter participado ou não do processo

inicial da recepção, podendo alterar muito, pouco ou em nada a rotina dos indivíduos

envolvidos. Esse processo, de acordo com Thompson, envolve ainda aspectos de

autocompreensão dos receptores.

Na recepção e apropriação das mensagens da mídia, os indivíduos são envolvidos num processo de formação pessoal e de autocompreensão – embora em formas nem sempre explícitas e reconhecidas como tais. Apoderando-se das mensagens e rotineiramente incorporando-as à própria vida, o indivíduo está implicitamente construindo uma compreensão de si mesmo, uma consciência daquilo que ele é e de onde ele está situado no tempo e no espaço. Nós estamos constantemente modelando e remodelando nossas habilidades e nosso cabedal de conhecimento, testando nossos sentimentos e gostos e expandindo os horizontes de nossa experiência. Nós estamos ativamente nos modificando por meio de mensagens e de conteúdos oferecidos pelos produtos da mídia (entre outras coisas). Esse processo de transformação pessoal não é um acontecimento súbito e singular. Ele acontece lentamente, imperceptivelmente, dia após dia, ano após ano. (THOMPSON, 1995, p.45-46)

Em outras palavras, a mídia ajuda a formar as subjetividades que se

caracterizam na contemporaneidade pela inconstância e maleabilidade das

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identidades. Para retomar Guattari (1993), a mídia nada mais é que um conjunto de

máquinas criadas pelo ser humano e que, a partir delas, muda o modo de ele

pensar, agir e relacionar-se com o outro e o ambiente.

Se na contemporaneidade há maior diversidade e intensidade no uso dessas

máquinas, há também uma alternância de identidades que variam, sobretudo, de

acordo com a natureza das interações e com aquilo se consome a cada momento.

3.4 Um indivíduo para múltiplas identidades

Pensar a contemporaneidade é, antes, de mais nada, imaginar um cenário de

fragmentação, deslocamentos e uma sociedade que se articula em nível global,

utilizando máquinas que moldam as subjetividades. Não se pode esquecer que toda

tecnologia em algum momento provocou impacto e mudanças no modo de pensar e

interagir de outras épocas, mas a contemporaneidade se diferencia, sobretudo, pela

diversidade e intensidade de todos os mecanismos hoje disponíveis.

O panorama segue, então, sendo aquele descrito no início deste capítulo,

com Disneylândia, de Arnaldo Antunes, definidamente marcado pela globalização

dos mercados e da comunicação. Diferentemente do contexto frankfurtiano da

indústria cultural, o cenário atual não tem como fundamentação o sistema capitalista

monopolista e, sim, outra fase do capitalismo, por ora definido como cognitivo ou

capitalismo cultural (ou ainda capitalismo estético), defendido por Ivana Bentes.

Segundo Bentes (2007), são os aspectos culturais e estéticos a base do

sistema na contemporaneidade, uma vez que implicam a ideia de coevolução entre

os dispositivos comunicacionais, a produção da subjetividade e o chamado trabalho

não material (Bentes, 2007). Citando Antonio Negri, a autora defende que:

Podemos afirmar que a economia “material” depende cada vez mais dos elementos “imateriais” que a ela se agregam e a qualificam: ou seja, a produção de conteúdos simbólicos, afetivos, linguísticos, estéticos, educacionais etc. Nesse sentido, a “duração” dos ciclos de crescimento no capitalismo está cada vez mais ligada ao fato da produção cultural e estética tornar-se (ou não) a própria base de sustentação da mobilização produtiva. Eis, portanto, toda a dimensão da cultura/estética como componente estratégico do desenvolvimento capitalista. (BENTES, 2007, p.1-2)

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Segundo Bentes, o capitalismo midiático, cultural ou capitalismo estético é

produtor e potencializador de mudanças subjetivas e tem que gerir bens perecíveis –

como a informação, a notícia –, mas também bens simbólicos e imateriais, altamente

valorizados – como a expressão e a produção estética. Para Bentes, no eterno

presente das mediações e interfaces, o amador e o artista universais surgem como

modelos de uma subjetividade pós-industrial, numa hipertrofia da esfera da

produção estética no campo da comunicação.

Bentes (2007) reforça que, na contemporaneidade, os dispositivos de controle

são também os que colocam os consumidores em contato, criam redes e, mais que

isso, organizam esses consumidores e os transformam em “interatores” e

“performadores”. Afinal, quando os indivíduos codificam ou decodificam mensagens,

empregam não somente as habilidades e competências requeridas pelo meio

técnico, mas também várias formas de conhecimentos e suposições de fundo, que

fazem parte dos recursos culturais que elas trazem para apoiar o processo de

intercâmbio simbólico.

O imperialismo dos meios pode ser relativizado também ao se adotar o

conceito de estratégias e táticas elaborado por Michel de Certeau (1990). Por esse

aspecto, o produto cultural veiculado pela televisão seria a estratégia do “forte”, do

poder econômico e simbólico exercido por um programa, canal ou complexo

midiático, enquanto as apropriações e condutas adotadas pelo receptor,

diferentemente da proposta do meio, seriam a tática do “fraco”. Ele recebe a

mensagem e a reelabora, de acordo com seus padrões culturais. O que Bentes

defende é que o aparato tecnológico dos meios cada vez mais interativos ofereça

mais opções de escape ao sujeito da contemporaneidade.

O indivíduo que habita esse cenário marcado pelas relações de um

capitalismo cognitivo também apresenta distintos processos de subjetividade. Gilles

Lipovetsky (2004) chamaria esse indivíduo de hipermoderno, diferentemente do

sujeito “pós-moderno” das teorias datadas do final do século XX. Dessas teorias,

destacam-se os estudos de Stuart Hall (1992), para quem o indivíduo da virada dos

séculos era caracterizado pela dicotomia entre o local e o global. Iniciava-se a

adoção de termos como identidades descentradas, deslocadas ou fragmentadas. Os

estudos de Hall apontavam para a fragmentação das paisagens culturais de classe,

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gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que determinavam a identidade na

modernidade.

No contexto contemporâneo em que se insere o jornalismo cultural da

atualidade, o terreno é ainda mais instável. A contemporaneidade chega pela via

tecnológica, da mídia, da economia, do urbanismo, do consumo, das patologias

individuais. Segundo Lipovetsky, nesse ambiente, as subjetividades tentam se

reconfigurar, numa tensão entre a desestabilização exacerbada, de um lado, e, do

outro, a persistência da referência identitária, com o risco de que não se torne nada

– caso não se consiga produzir o perfil requerido para gravitar em alguma órbita do

mercado.

Na tentativa de tipificar esse indivíduo “inclassificável”, será utilizada a

experiência descrita por Suely Rolnik (1996) sobre “identidades prêt-à-porter”.

Defensora das teorias de Félix Guattari e Gilles Deleuze, Rolnik defende que não há

carência de identidade ou firmeza de caráter no indivíduo contemporâneo. O que se

observa hoje, segundo a autora, é uma flexibilização dos padrões e inúmeras

possibilidades de escolha entre os perfis disponibilizados pela sociedade atual. Isso

permite que esse indivíduo adote diferentes posturas e identidades, sem que possa

parecer incoerente.

Esse comportamento gera ainda um jogo complexo entre o local e o global,

entre ser cidadão e ser consumidor (CANCLINI, 2008), uma vez que esse sujeito

está mergulhado numa sociedade midiática que apresenta fusões no campo da

produção do sentido – seja na concentração de empresas que comandam a difusão

dos produtos culturais, seja na convergência digital que hibridiza e reorganiza os

modos de acesso a esses bens e às formas de comunicação.

O consumo é uma maneira de mediar e moderar os horrores da

padronização, como defende Silverstone (2005). Daí, a escolha por uma identidade

que “vista” cada ocasião, em diferentes papéis interpretados pelo mesmo indivíduo,

numa constante mutação, de acordo com os contextos, quase sempre midiatizados,

ou de não-interações mediadas, para retomar o conceito de Thompson (1995).

É nesse contexto de relações superficiais, midiatizadas e de consumo, numa

compressão espaço-temporal, que se manifesta a produção cultural dos tempos

atuais. Uma produção bastante questionada e em constante comparação com a arte

no século passado, justamente por refletir aspectos fragmentados do contexto em

que é produzida.

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Fruto estético das relações entre o sujeito e a sociedade há pouco descrita,

as manifestações na dança, na música, nas artes visuais e no cinema também

sofrem mutações constantes, nem sempre compreendidas pelo público ou mesmo

pelos críticos e jornalistas especializados. Estes, muitas vezes, tendem a olhar a

produção contemporânea sob a ótica do moderno, com demasiado preconceito ou

estranhamento, por um lado, ou, por outro, tudo aceitando, sem questionamentos.

No próximo capítulo será proposta uma discussão sobre o jornalismo cultural

televisivo, traçando como percurso algumas considerações sobre a especialização

jornalística, o formato revista como lugar privilegiado da especialização e do

jornalismo cultural. Também é importante traçar um breve histórico do jornalismo

especializado em cultura no Brasil e no mundo. Por último, serão discutidos alguns

aspectos determinantes do meio televisivo que moldam o jornalismo cultural, quando

este passa a ser veiculado pela pequena tela.

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4 CULTURA E JORNALISMO

Nos capítulos anteriores, foram explorados alguns conceitos e aspectos da

cultura e suas relações múltiplas e complexas com os sistemas midiáticos

contemporâneos. Isso exigiu um esforço, realizado para construir um panorama,

tomando como ponto de partida o pensamento comunicacional e áreas

correlacionadas, até a aproximação do objeto de pesquisa deste trabalho, que tem

como principal objetivo analisar o jornalismo cultural produzido hoje na televisão

brasileira.

Depois de desenhado esse panorama, na tentativa de esboçar as complexas

relações entre mídia, cultura e sociedade, o olhar desta autora será direcionado para

o jornalismo, que, no campo da comunicação, aparece como espaço e temática de

destaque. Como assinala Frederico de Mello Brandão Tavares (2008), a relevância

do jornalismo para se pensar a comunicação social deve-se não apenas ao seu

componente histórico, mas também ao fato de estar associado a um lugar

institucionalizado de comunicação e fazer convergir em suas práticas aspectos e

processos comunicativos muito ímpares.

O jornalismo converge materialmente uma série de processos e práticas comunicativas e, por isso, seus produtos não só compõem uma possibilidade para se pensar a questão midiática – objeto de estudo muito caro ao campo comunicacional –, como também permite pensar a comunicação para além da mídia, e a mídia para além dela mesma. (TAVARES, 2008, p.5)

Assim, o jornalismo foi um dos pioneiros no processo de midiatização, de

acordo com Vera França, já que:

(...) nasce da pulsão de falar o mundo, falar o outro, falar ao outro; da atração pela diferença, pela novidade, pelo distante; do enraizamento no mesmo, no próximo e em si que marcam a palavra humana desde sempre. Em síntese, o jornalismo faz parte do “dizer” social. (FRANÇA, 1998, p.26)

Considerando essa função social do jornalismo, coloca-se uma inquietação da

qual se parte para a realização da pesquisa que orienta este trabalho: o modo como

o jornalismo produzido pelos programas televisivos especializados em cultura no

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!

!

)#!

Brasil participam dos processos e das relações de construção cotidiana da realidade

cultural do País.

Para se chegar a tal objeto, esta pesquisa irá se ater ao jornalismo cultural

produzido e veiculado por programas especializados em cultura, desconsiderando,

portanto, o material de teor cultural exibido em reportagens de telejornais ou de

mero entretenimento. Embora o conteúdo de outros programas culturais possa ser

utilizado para fins de argumentação ou exemplificação, o foco de análise aqui, como

se verá no capítulo seguinte, será o programa Metrópolis, produzido e veiculado pela

emissora pública TV Cultura.

O caminho a ser percorrido nas próximas páginas conduz à conceitualização

do jornalismo especializado, passando pela delimitação do campo do jornalismo

cultural, a relação do formato revista como opção da segmentação e especialização

jornalísticas, assim como aspectos relevantes do meio televisivo que são

determinantes para a caracterização da linguagem, gênero, subgênero, formato e

estilo próprios desse programa-objeto.

4.1 Segmentação jornalística

Especialização e divisão temática sem perder de vista o processo jornalístico

com a amplitude de toda sua complexidade. O desafio proposto aos profissionais da

atualidade é bem descrito na tirinha de Jussara Gonzo no início deste capítulo. Uma

exigência que coloca em choque a figura tradicional do “generalista” e a do

especialista, que surgiu com o desenvolvimento dos meios de comunicação de

massa.

Dessa forma, pode-se afirmar que há uma constante tensão no mercado, que

exige uma especialização do jornalista, paralelamente a uma capacidade de

desempenhar diferentes funções e transitar por diversas esferas do mundo da

notícia; estas últimas exigências são mais facilmente observadas nos períodos de

crise, quando as redações – sejam elas de jornal impresso, rádio, televisão ou

internet – sofrem um processo de “enxugamento”.

É possível observar que, voluntária ou involuntariamente, os jornalistas da

atualidade estão sujeitos a uma divisão que se dá pela academia – por meio dos

Page 64: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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!

)%!

diversos cursos que complementam a formação de bacharel com foco em uma dada

área – ou, simplesmente, pelas exigências do mercado atual. Assim, a

especialização está associada, em sua maioria, ao desenvolvimento dos meios de

comunicação e à formação de grupos sociais consumidores de informação cada vez

mais distintos, aos quais as generalidades do jornalismo diário não conseguem mais

satisfazer. Como observa Tavares:

Do ponto de vista dos conteúdos, dada sua vocação de falar do mundo como um “todo”, buscando dar conta desse “todo”, a imprensa, como primeiro grande meio de comunicação jornalístico, sempre esteve fragmentada, falando “genericamente de coisas específicas”. Sua especialidade, pela palavra autorizada e pela fragmentação dos conteúdos, sempre existiu. No entanto, com a introdução de outros meios e, consequentemente, de outros regimes de produção (de noticiabilidade, visibilidade e periodicidade), tal especialidade passou a bater de frente com a lógica da especialização, ou seja, de uma outra especialidade jornalística. (TAVARES, 2009, p.118)

Segundo Tavares (2009), mais que uma mera divisão, pensar em jornalismo

especializado diz respeito a ter de buscar um consenso entre três manifestações

empíricas referentes às suas especializações. A primeira manifestação, segundo o

autor, pode estar associada a meios de comunicação específicos (jornalismo

televisivo, radiofônico, “ciberjornalismo” etc.), a segunda, a temas (jornalismo

econômico, ambiental, esportivo etc.), e a terceira, aos produtos resultantes da

junção de ambos – meios e temas –, como é o caso do jornalismo cultural televisivo,

que se pretende analisar aqui.

No campo científico, conforme destaca Tavares, o jornalismo especializado

atualmente é refletido a partir de duas perspectivas: uma normativa, outra

conceitual. A primeira, de acordo com o autor, está ligada aos preceitos e técnicas

que circunscrevem a prática e os processos jornalísticos; a segunda, direcionada a

um lugar teórico para tal manifestação dentro do campo do jornalismo. Com base

nessas duas perspectivas, Tavares propõe um terceiro caminho, entrelaçando os

dois primeiros, unindo, assim, reflexão crítica sobre esse tipo de jornalismo

(especializado) e suas particularidades – o que também atende aos objetivos desta

pesquisa para se pensar o jornalismo cultural.

Em sua defesa do estudo do jornalismo especializado como um campo

científico à parte, Tavares utiliza a argumentação de dois autores. Baseando-se

primeiro em Elcias Lustosa (1996), Tavares afirma que a especialização do trabalho

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!

)&!

jornalístico é uma consequência lógica da divisão do trabalho nos veículos de

comunicação. Depois, em contraponto, Tavares recorre a Nilson Lage (2005), autor

segundo o qual a especialização entra em choque com o argumento de que talvez

fosse mais fácil contratar especialistas do que especializar jornalistas. Essa questão

com certa frequência volta à baila, sempre que se retoma a discussão sobre a

obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo no Brasil.

Sem, no entanto, adentrar nessa polêmica, é transcrita a seguir a maneira

com que Lage (2005) trata do assunto:

O trabalho do jornalista não poderia ser transferido ao especialista, pois cabe ao jornalista, como agente público, relatar sobre as coisas do mundo com critérios do senso comum, o que não faria o especialista. (LAGE, 2005, p.109, apud TAVARES, 2009, p.120)

Como se pode observar, essa discussão sobre o jornalismo especializado

envolve diferentes pontos de vista e de partida, escapando aos limites do campo

científico. Para efeito deste trabalho, serão estabelecidas algumas características da

prática especializada – uma pista pode estar na sofisticação dos próprios meios.

Segundo Tavares (2009), antes do advento do rádio e da televisão, o

jornalismo impresso – principalmente o diário – falava de forma especializada sobre

o mundo, mas dentro de uma lógica que se apoiava, basicamente, na cobertura dos

fatos e no texto de “informação pura”. Com o novo contexto, a partir das décadas de

1960 e 1970, em que entra em cena a especialização propriamente dita, surgiram

também questões externas, como as crises econômica, do papel e da credibilidade

informativa – culminadas com o escândalo de Watergate, nos Estados Unidos.

De acordo com Tavares (2009), foi esse o cenário que contribuiu não só para

a constituição de conteúdos especializados, mas também para o surgimento de

novos modos do fazer jornalismo e novos produtos – no sentido de textos e notícias

(TAVARES, 2009). No entanto, a questão da especialização parece ser uma tensão

que permanece.

Sem entrar na discussão se a imprensa alcançou ou não o propósito de uma melhor cobertura sobre o mundo, mais qualificada, é certo que quando se pensa na especialização dentro da imprensa diária, ainda persiste, muitas vezes, a predominância do olhar sobre a especialização muito mais pelos conteúdos do que pelo método de trabalho. (TAVARES, 2009, p.118-119)

Page 66: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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)'!

Nesse mesmo sentido, Tavares pondera ainda que, quando se pensa na

relação do jornalismo, nos segmentos e publicações (ou programas audiovisuais)

criados para um público específico, descola-se a superfície “puramente” noticiosa e

passam a configurar outras questões, referentes ao tipo de jornalismo, o que ele

significa e, sobretudo, como pensar um jornalismo que não meramente noticioso.

Nas palavras do autor, esse seria um tipo de jornalismo voltado para os

“acontecimentos invisíveis”: aqueles que não preenchem os requisitos publicáveis

para o grande público, mas ganham status de notícia nos veículos especializados

que dialogam para um segmento específico.

Com certeza, tais produtos não fogem a uma lógica de produção bem como estão assumidamente edificados num processo que tange a elaboração de uma pauta e a apuração de dados e fontes, que enreda procedimentos redacionais e discursivos, bem como adequações editoriais, critérios de noticiabilidade etc. No entanto, entram aí outras questões em relação ao tipo específico de jornalismo tais como: o tratamento de uma identidade, o julgamento de valores, a prestação de serviços, novas preocupações estéticas e visuais (uma programação gráfica distinta); enfim, nos termos de Mouilliaud (2002), um novo posicionamento em relação “à forma e ao sentido”, e também em relação à própria realidade social. (TAVARES, 2007, p.10)

Assim, o conceito de notícia pode ser ampliado no jornalismo especializado,

principalmente, pela abordagem diferenciada dos cadernos dos jornais impressos

diários, revistas ou programas de televisão. De acordo com Gaye Tuchman, “o

status de notícia só é dado às ocorrências que se situam no interior de espaços e

tempos supostos legítimos pelos profissionais” (TUCHMAN, 1978, apud

MOUILLIAUD, 1997, p.67). Algo, então, se torna noticiável de acordo com a

interpretação dos fatos e acontecimentos, sendo esses conceituados, de acordo

com Mouilliaud:

O fato é o paradigma universal que permite descrever os acontecimentos, uma regra da descrição dos mesmos (a codificação de toda experiência, seja qual for a natureza e a origem). O acontecimento (quando falamos acontecimento orientado) designa uma exigência da representação. (MOUILLIAUD, 1997, p.67)

Trazendo os conceitos de Mouilliaud para este trabalho, pode-se afirmar que,

embora haja uma diversificação nas práticas, temáticas e conteúdos do jornalismo

especializado, os conceitos e a lógica que norteiam a atividade não diferem

Page 67: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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)(!

daqueles do jornalismo tradicional, o chamado hard news, cujo profissional – cada

vez mais raro – volta-se para toda espécie de acontecimento que possa ser

transformado em notícia, cobrindo os mais diversos temas, como ironiza a tirinha de

Gonzo do início deste capítulo.

Apesar das várias tentativas existentes para se delimitar um único conceito

para “notícia”, a preferência aqui foi pelo não aprisionamento do termo, amplo por

natureza e que genericamente é entendido como produto final da atividade

jornalística. Considera-se, assim, a definição dada por Tavares, com base em Jorge

Pedro Sousa:

As notícias são vistas como fruto dos acontecimentos, dos fatos que irrompem no cotidiano e que, entrelaçados no ambiente midiático-jornalístico, assumem novas dimensões e novas “roupagens” de acordo com os regimes de visibilidade e noticiabilidade que passam a envolvê-los. Há nesse processo uma “ação informadora”, resultado da convergência de uma série de forças, tais como: ações pessoais, ações sociais, ações ideológicas, ações culturais, ações físicas e ideológicas (sic); todas elas mutáveis e/ou intercambiáveis, ou seja, nunca estanques. (TAVARES, 2007, p.3)

No campo jornalístico, há, contudo, diversas “teorias sobre a notícia”. Entre

elas, com base em Nelson Traquina (1993), destacam-se as primeiras reflexões que

consideravam o jornalista um observador neutro e privilegiado, no papel de

“divulgador de informações”, relacionando a lógica jornalística à lógica especular, em

que o profissional seria um espelho, reflexo da realidade. Daí surge a ideia de um

“jornalismo informativo” (final do século XIX) e “jornalismo objetivo” (entre 1920 e

1940), que, apesar de não mais condizer com a realidade atual, ainda alimenta

algumas discussões sobre o papel desse profissional na relação com a opinião

pública.

Com as teorias recentes, muda-se a perspectiva para se pensar esse

profissional e o tratamento que se dá a ele no interior das rotinas e ambientes da

produção noticiosa. Para Traquina, “os jornalistas não são simplesmente

observadores passivos, mas participantes ativos no processo de construção da

realidade” (TRAQUINA, 1993, p.168). Como ressalva Tavares, porém, a notícia,

embora seja uma narrativa que conta a realidade, ela mesma é um produto ficcional.

Aqui a noticiabilidade será adotada, segundo Mauro Wolf, como sendo:

Page 68: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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))!

Um conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os aparatos de informação enfrentam a tarefa de escolher cotidianamente, de um número imprevisível e indefinido de acontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias. (WOLF, 2003, p.196)

Em Teorias da comunicação de massa, Wolf (2003) reúne conceitos de

diversos pensadores para esquematizar os critérios que determinam a

noticiabilidade, ou seja, os valores-notícia que tornam publicável um dado

acontecimento. Assim, de acordo com o autor, a noticiabilidade está estritamente

ligada aos processos que padronizam e tornam rotineiras as práticas de produção,

estabelecendo quais acontecimentos cotidianos são importantes e relevantes.

Segundo Wolf, é a noticiabilidade que determina, controla e administra a

quantidade e o tipo de acontecimento que servirão de base para a seleção de

notícias. Essa classificação, com base teoria do newsmaking, considera critérios de

noticiabilidade: os critérios substantivos das notícias, os relativos ao meio, ao

produto informativo, disponibilidade do material e ao público, além daqueles ligados

à concorrência.

Os chamados “critérios substantivos” referem-se ao conteúdo e se articulam

segundo dois fatores: a importância e o interesse da notícia para quem a irá receber.

De acordo com Wolf, enquanto o interesse segue características mais individuais e

heterogêneas, a importância pode ser determinada por quatro variáveis:

a) grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável,

como assuntos ligados a instituições governamentais ou ao poder econômico,

que ganham maior relevância;

b) o impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional, que está diretamente

ligado à potencialidade de um fato influir ou incidir sobre os interesses do País.

Segundo Wolf, “para ser noticiável, o acontecimento deve ser significativo, ou

seja, interpretável dentro do contexto cultural do ouvinte e do leitor” (WOLF,

2003, p.210). Relacionado a esse fator, o autor destaca o valor-notícia da

proximidade, considerando a vizinhança geográfica e cultural como fatores que

tornam um acontecimento mais “importante” e atraente;

c) quantidade de pessoas que o acontecimento (de fato ou potencialmente)

envolve. Com referência à H. Gans (1979), Wolf lembra que “os jornalistas

atribuem importância às notícias que dizem respeito a muitas pessoas e, quanto

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)*!

mais elevado for o número de pessoas, mais importante é a notícia” (WOLF,

2003, p.211);

d) relevância e significatividade do acontecimento em relação aos desenvolvimentos

futuros de uma determinada situação. Sobre esse fator, Wolf chama a atenção

para uma notícia relacionada, por exemplo, ao início das campanhas

presidenciais; notícias assim não dizem muito, mas carregam em si a importância

de interferir nos fatos posteriores da vida política do País.

Já os “critérios relativos ao produto”, segundo Wolf, dizem respeito à

disponibilidade de material e aos caracteres específicos do produto informativo.

Quanto à disponibilidade, trata-se de saber “em que medida o evento é acessível para os jornalistas, em que medida é tecnicamente tratável nas formas jornalísticas habituais; se ele já está estruturado de modo que seja facilmente coberto, se requer muito dispêndio de meios para cobri-lo”. (GOLDING-ELLIOTT, 1979, p.144, apud WOLF, 2003, p.214)

No que concerne a esses critérios, Wolf destaca que eles se explicam em

termos como a consonância com os procedimentos de produção, de congruência

com as possibilidades técnicas e organizacionais, com as restrições de realização e

com os limites próprios do meio. Não obstante, quanto menos importante for a

notícia, mais esses fatores serão determinantes para “derrubá-la”.

Aos “critérios de produto”, Wolf acrescenta a “ideologia da informação”.

Segundo o autor, “um dos mais difundidos ditados jornalísticos o esclarece com

eficácia: bad news is good news”. (WOLF, 2003, p.215). Outro valor/notícia relativo

ao produto informativo é a “novidade”:

Outro critério interno à “novidade” é o “tabu da repetição”; por isso, se uma notícia proposta é considerada repetitiva ou semelhante a outras, não é julgada suficientemente noticiável. Isso não vale indiscriminadamente, visto que o valor/notícia “importância” é prioritário e, por conseguinte, permite coberturas informativas constantes e repetidas dos assuntos, temas e personagens que sejam pertinentes. (WOLF, 2003, p.217)

Ainda sobre os “critérios relativos ao produto”, Wolf chama atenção para o

critério ulterior da “qualidade” de uma história, o qual possui, por sua vez, cinco

principais critérios que são determinantes no jornalismo televisivo. De acordo com

Wolf, os critérios da qualidade estabelecidos por H. Gans (1979) são:

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)+!

a) a “ação” (a notícia é tão melhor quanto mais ilustrar uma ação também de

modo visual, um momento importante de um fato);

b) o “ritmo” (nos casos em que a notícia encontra-se intrinsecamente desprovida

de ação, tenta-se torná-la menos enfadonha, recorrendo a vários

procedimentos de exposição ou apresentação);

c) o “caráter exaustivo” (que pode significar tanto o fornecimento de todos os

pontos de vista possíveis sobre um argumento controverso, quanto dar mais

dados cognitivos sobre um determinado acontecimento);

d) a “clareza da linguagem” (levando-se em conta a impossibilidade de o

espectador televisivo retomar o que não entendeu ou o que não está claro);

e) os padrões técnicos mínimos.

O último “valor/notícia ligado ao produto” considerado por Wolf é o

balanceamento ou a composição equilibrada do noticiário em seu conjunto. Esses

fatores ligados ao produto e específicos da televisão serão retomados na análise do

Programa Metrópolis, proposta no próximo capítulo.

Dando sequência à classificação feita por Wolf a partir dos teóricos da

comunicação, há ainda os “critérios relativos ao meio”. No que diz respeito ao meio

televisivo, que coincide com o interesse deste trabalho, o autor afirma que o tempo

de transmissão que uma notícia pode ocupar depende muito menos do argumento

do que seu modo de apresentação. Assim, pode-se observar como temas mais

imagéticos frequentemente ganham destaque, se comparados a assuntos mais

“importantes”, que não permitam a exploração das imagens.

Já os “critérios relativos ao público”, segundo Wolf, “dizem respeito ao papel

que reveste a imagem do público, compartilhada pelos jornalistas. É um aspecto

difícil de definir, rico em tensões contrastantes” (WOLF, 2003, p.222). De acordo

com o autor, aqui estão as crenças e ideais que os profissionais têm a respeito de

seu público, algo nunca comprovado. Esses critérios determinam regras implícitas,

como a obrigatoriedade do uso de uma linguagem o mais simples possível.

Os últimos critérios dos newsmakings elencados por Wolf estão ligados à

concorrência, como a ânsia do furo de reportagem entre veículos rivais. Se, por um

lado, esse fator pode gerar competição até desleal, por outro, pode contribuir para

estabelecer parâmetros profissionais dos modelos de referência. Na situação

americana, Wolf cita a forma como o New York Times e o Washington Post são

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)"!

utilizados como protótipo dos padrões profissionais. Já na televisão, pode-se

perceber que a britânica BBC e a norte-americana CNN “ditam” padrões mundiais de

cobertura para outras emissoras. Da mesma forma, em nível nacional, não deixa de

ser considerado um modelo o chamado “padrão global”, ou seja, o tratamento dado

pela TV Globo ao conteúdo e à estética da notícia.

Todos esses valores/notícia são importantes, mas nem todos são relevantes

para cada notícia. Wolf alerta que eles são claramente identificados no campo

teórico, mas, na prática, a avaliação sistemática de cada item acabaria por

inviabilizar o trabalho do jornalista, reforçando a hipótese do autor de uma “natureza

negociada da noticiabilidade”.

Isso significa que a “transformação” de um acontecimento em notícia é o resultado de uma ponderação entre avaliações relativas a elementos de diferente peso, relevância e rigidez com respeito aos procedimentos de produção. A cobertura informativa e o ciclo de informações que um acontecimento recebe são mais claramente compreensíveis se tivermos presente a inter-relação entre essas múltiplas variáveis. (WOLF, 2003, p.225)

Seja qual for a combinação feita, esses critérios determinam certa

homogeneidade na cobertura jornalística do hard news, enquanto, na prática

especializada, a lógica da noticiabilidade é diferente.

Argumentos que alguns anos atrás simplesmente não “existiam”, hoje fazem normalmente notícia, mostrando a extensão gradual do número e do tipo de assuntos temáticos, considerados noticiáveis. Alguns deles impuseram-se a ponto de determinar uma cobertura informativa específica, sob a forma de seções, opiniões especializadas, inserções especiais e assim por diante. Um exemplo é o das páginas culturais e de espetáculos, cuja presença significativa implicou, evidentemente, uma adaptação e uma extensão dos critérios de noticiabilidade numa área que antes não fazia notícia, ou pelo menos não na medida atual. (WOLF, 2003, p.205).

Esses segmentos começaram a fazer notícia e a superar o limiar da

noticiabilidade, quando se perceberam significativos e relevantes o bastante para

encontrarem o interesse público ou, segundo Wolf, quando deram lugar a eventos

estudados, propositadamente, para ir ao encontro das exigências da mídia.

Em geral, pode-se dizer que cada novo setor, tema, argumento ou assunto que representa uma ampliação da esfera torna-se regularmente “noticiado”, na medida em que ocorrem um reajuste e uma redefinição dos valores/notícia. A segunda consideração – ligada à precedente – determina

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que a especialização temática constitui um índice significativo do modo como os valores/notícia são traduzidos em práticas organizacionais. (WOLF, 2003, p.206-207)

Concordando com Wolf no que diz respeito ao jornalismo especializado,

chama-se a atenção para a construção da notícia por meio da percepção de certos

“acontecimentos invisíveis”, sem que, com isso, percam-se de vista o fazer

jornalístico e a veracidade. Desse modo, assuntos ligados às artes, ao cinema,

literatura, teatro e dança podem não conter a “urgência” de veiculação que faz com

que uma reportagem política facilmente receba destaque nos meios não

especializados; esses assuntos, porém, contêm seu “valor/notícia” assegurado,

quando se trata, obviamente, de veiculação em meios voltados para o segmento

cultural.

Da mesma forma, podem-se observar outros nichos que constituem

crescentes mercados para mídias específicas, refletindo e reforçando algumas das

características da sociedade atual, identificadas nos primeiros capítulos deste

trabalho, entre elas, o fato de as identidades hoje serem fragmentadas. Afinal, não é

apenas a diferença entre os indivíduos que justifica, por exemplo, a diversidade de

revistas disponíveis em uma banca ou o crescente número de canais por assinatura

na TV a cabo, já que, conforme foi colocado nos capítulos anteriores, um único

indivíduo, na contemporaneidade, possuiu identidades, interesses e hábitos de

consumo diversificados e simultâneos. Tudo isso modifica a relação desse indivíduo

com os meios de comunicação, assim como altera a lógica de produção nesses

meios.

Nas sociedades contemporâneas, no que diz respeito à mídia e aos seus diversos campos de atuação, há uma série de produtos culturais voltados para segmentos específicos de público, pensando uma comunicação mais direcionada, que dê conta de “atingir e suprir” certas necessidades ou acompanhar certas identidades. (TAVARES, 2007, p.6)

Pensando o jornalismo cultural como segmento midiático, acredita-se que

essa especialização jornalística caracteriza-se ainda por tentar suprir as

necessidades de um público específico ávido por informação, crítica e reflexão sobre

a produção cultural, ao mesmo tempo em que acompanha e redesenha identidades

voltadas para esse mesmo interesse.

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A forma como se estrutura esse jornalismo especializado em cultura – assim

como suas características peculiares e desafios ao profissional que por ele transita

–, são alguns pontos a que se dedicará nos próximos tópicos deste capítulo, a fim de

compreender melhor esse tipo de mediação e sua função social.

4.2 A cultura como notícia

Por fazer chegar ao grande público o que estava restrito a poucos, o jornalista

cultural necessita de uma formação diferenciada e, portanto, especializada, que

permita conhecer e transitar pelo universo cultural. O que se espera desse

profissional é que ele conheça os códigos e os partilhe de forma acessível com seu

receptor. Trata-se de uma vocação e função original, que ganham contornos ainda

mais evidentes e desafiadores, quando o assunto em questão é o que existe de

mais peculiar nas manifestações e produtos da cultura na sociedade

contemporânea.

É importante termos em mente que a produção simbólica atual reflete

inquietações muito próprias deste tempo. Na contemporaneidade, isso se traduz,

como demonstrado no capítulo anterior, numa produção artístico-cultural demarcada

pelo consumismo, identidades fragmentadas, espetacularização, desterritorialização

e globalização, o que também influencia o modo de produção do jornalismo

especializado na cobertura do tema.

Essa segmentação do jornalismo não ocorreu apenas em relação ao

conteúdo cultural, mas também pode ser observada no campo político, econômico,

ambiental etc. Aqui apenas interessa o segmento cultura, que autores como Gadini

(2009) preferem delimitar como um campo à parte e não como fruto da

especialização jornalística.

Historicamente a idéia de campo cultural está associada ao processo de industrialização da literatura, arte, cinema, teatro, entre outros setores que refletem e projetam visões dos indivíduos ou grupos humanos em determinada época e espaço social. Assim, as diversas expressões do campo cultural podem adquirir formas diferenciadas, seja como atividade educativa, seja de entretenimento, informativa, de serviço ou inerentes aos valores e tradições de vida dos indivíduos. (GADINI, 2009, p.103)

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Para Gadini, são esses eventos ou produtos, instituídos nos espaços e

suportes tecnológicos, que, ao longo das últimas décadas, foram constituindo o

campo midiático. O autor ressalta que esse campo midiático é sempre mencionado

como ligado ao campo cultural e, talvez de forma mais forte, a partir do cinema, do

rádio e da televisão, embora já se pudesse falar na existência de um setor cultural

com os primeiros periódicos do Brasil.

Trata-se, pois, para Gadini, de um campo que envolve muito mais que alguns

educadores formadores de opinião que se deslocam nos espaços públicos e

privados do setor, abrangendo galerias, museus, cinemas, livrarias, teatros e

“envolve sobretudo os espaços midiáticos onde são pensados e articulados os mais

diversos produtos culturais” (GADINI, 2009, p.103).

A partir da delimitação que Gadini faz desse espaço, pode-se estabelecer

uma relação entre esse campo e o conceito de indústria cultural, de Adorno e

Horkheimer (1947), em que os meios de comunicação ocupam lugar de destaque.

Aproximando-se, porém, esse conceito da contemporaneidade, a relevância da

mídia para a cultura atual está, sobretudo, na forma de interação que amplia o

acesso, indiretamente, aos bens simbólicos, por meio do diálogo estabelecido por

uma “quase-interação-mediada” (THOMPSON, 1995).

De acordo com Tavares (2007), pode-se perceber a mediação como um

processo socialmente contextualizado, inserido numa lógica comunicativa mais

ampla, que abrange diversos âmbitos da produção, recepção e da relação entre

ambas. As formas de mediação mais sofisticadas, no sentido de compatibilidade

com determinados públicos, tal como o cultural, surgem também como resposta às

necessidades de novos segmentos.

Assim, percebe-se que o jornalismo cultural, muitas vezes, não se dirige a um

receptor qualquer, mas àquele que tenha não apenas interesse, como também certo

repertório para decodificar suas mensagens. Quanto às rotinas do fazer jornalístico,

de acordo com Gadini (2009), elas são mais ou menos similares às do jornalismo

tradicional.

O que se percebe, pela análise dos cadernos culturais dos diários brasileiros, é que a rotina jornalística – em que pesem as especificidades do setor – não difere muito do que ocorre no cotidiano da produção periodística. Um bom exemplo são as pautas que entram no caderno: mesmo que não sejam sempre determinadas por critérios como atualidade, ineditismo, proximidade, universalidade etc., a lógica da agenda não deixa de estar associada aos mesmos critérios. (GADINI, 2009, p.84)

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Gadini defende que a lógica do jornalismo cultural é a mesma do campo

jornalístico como um todo (hard news), porém admite que existam especificidades

no tratamento da notícia, o que acontece muito mais pelos conteúdos do que pela

forma de abordagem. Assim, pode-se afirmar que o que define se um show, o

lançamento de um dado livro ou a nova montagem de uma antiga peça constituem,

ou não, uma notícia são os mesmos critérios de proximidade ou ineditismo, entre

outros, destacados por Gadini. Porém, o que nem sempre vale capa ou destaque no

telejornal da noite, pode interessar muito a uma revista cultural voltada para um

público segmentado, que deseja consumir esse tipo de informação.

No campo prático, é possível observar que a especialização fez com que se

estabelecesse, se não normas diferenciadas, uma adequação dos profissionais,

visando a um segmento de público. Historicamente foram – e seguem sendo – as

revistas uma das formas mais características de segmentação, tanto de público,

temática e abordagem, como de especialização profissional.

Hoje, o formato revista não mais se restringe às publicações no papel.

Disponível na tela da televisão, do computador e celulares, as revistas eletrônicas

constituem na atualidade importantes dispositivos para a divulgação e reflexão

acerca da produção cultural. Acreditando que objeto de análise deste trabalho – o

Metrópolis – enquadre-se na categoria de revista eletrônica televisiva, propõe-se

uma breve passagem pelo histórico desse tipo de publicação – a revista – e sua

íntima relação com o jornalismo cultural. Inicia-se, pois, pelas características e

conceitos que definem e delimitam o formato, assim como algumas publicações que

marcaram época no jornalismo cultural brasileiro e mundial.

4.3 Jornalismo cultural em revista

Quando se fala da especialização do jornalismo, o formato revista surge como

o que melhor explicita a reunião de práticas especializadas reunidas num só

dispositivo midiático. Como observa Tavares (2008), a revista associa-se

originalmente à ideia da segmentação não só de público, mas também de

especialidade temática, de competências e exigências profissionais e discursivas.

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É um tipo de publicação que determina e exige um tipo de texto, um tipo de cobertura e um tipo de audiência. (...) Neste sentido, a revista – assim como o jornalismo que a faz e por ela é feito – mais do que olhar para uma realidade que é complexa, possui, ela mesma, uma série de características próprias, também permeadas por complexidades. (TAVARES, 2008, p.2)

De acordo com Tavares, nas revistas de periodicidade variada, voltadas para

um público específico e consideradas mais especificamente como representantes de

um jornalismo especializado – distinto daquele “puramente” noticioso –, encontram-

se especialidade temática, uma conformação própria sobre a realidade e uma forma

de interação distinta com a sociedade. Tavares observa ainda que, nessas

publicações, pode-se encontrar uma forma específica de enunciação e,

consequentemente, de discurso.

Desse modo, as revistas especializadas voltam-se para certos

“acontecimentos invisíveis” que permeiam a vida cotidiana, servem de base para a

formação das diversas teias e tramas sociais e “passam a ganhar destaque pela sua

‘anormalidade’ frente ao pano de fundo da qual fazem parte, mas justamente por

esse pano ser considerado hoje um contexto de intensa instabilidade” (TAVARES,

2007, p.7).

A metáfora do “pano de fundo instável”, apontada por Tavares, certamente

remete à sociedade contemporânea, com suas complexidades, caracterizadas nos

capítulos anteriores. Para que se estabeleça a relação pretendida entre as revistas e

o jornalismo cultural, porém, conforme proposto, é necessário voltar um pouco no

tempo. No próximo tópico, parte da trajetória do jornalismo cultural será percorrida,

por meio das principais revistas que marcam o histórico desse tipo de jornalismo.

4.4 Referências históricas

O ano de 1711 é considerado por Daniel Piza como o marco mais remoto dos

princípios do jornalismo cultural. A data não demarca o início, como esclarece Piza

(2003), mas foi naquele ano que surgiu uma das primeiras revistas culturais de que

se tem notícia: a The Spectator. Idealizada pelos ensaístas Richard Steele (1672-

1729) e Joseph Addison (1672-1719), a publicação surgiu na Inglaterra, com a

seguinte finalidade: “tirar a filosofia dos gabinetes e bibliotecas, escolas e

faculdades, e levar para clubes e assembléias, casas de chá e cafés” (PIZA, 2003).

Page 77: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

*(!

The Spectator tratava de livros, óperas, costumes, festivais de música e

teatro, política em tom de conversação espirituosa; era culta, sem ser formal, e

reflexiva, sem ser inacessível, como observa Piza (2003). Pode-se afirmar que a

publicação nasceu na cidade e com a cidade, dirigindo-se ao indivíduo “moderno”.

Segundo Piza (2003), o jornalismo cultural realizado por Addison e Steele, da

mesma forma, era produto de uma nova época, iniciada depois do Renascimento,

quando as máquinas começaram a transformar a economia, ao mesmo tempo em

que o Humanismo propagava-se na Itália, influenciado pelo teatro de Shakespeare,

na Inglaterra, e a filosofia de Montaigne, na França.

Em meados do século XIX, quando a industrialização já tinha tomado conta

da Europa e da história, o ensaísmo e a crítica cultural tornaram-se ainda mais

influentes. Naquela época, na Inglaterra, o crítico de arte John Ruskin (1819-1900)

era respeitado como uma das maiores influências sobre a literatura de Marcel Proust

(1871-1922). Na crítica oitocentista francesa, destacava-se Sainte-Beuve (1804-

1869), cuja visão da literatura como passatempo culto foi atacada celebremente por

Proust. Foi depois dele, como destaca Piza (2003), que o jornalista cultural ganhou

novo status: podia desenvolver uma carreira exclusivamente de crítico e articulista,

independentemente de academias ou de uma obra ficcional.

Antes de Sainte-Beuve, apenas Denis Diderot (1713-1784) teria exercido tal

papel, sendo o equivalente a editor-chefe da Enciclopédia e crítico de arte. Outros

nomes destacaram-se depois na Europa, como o alemão G. E. Lessing (1729-1781),

que escrevia críticas de teatro, literatura e pintura para o jornal Berlinische

Privilegirte Zeitung, e Heinrich Heine (1797-1856), que, por sua crítica social e

polêmica literária, acabou sendo perseguido na Alemanha, tornando-se mais popular

na França.

Foi ainda no século XIX que o jornalismo cultural atravessou o Atlântico e

tornou-se influente em países como os Estados Unidos e o Brasil. No período pré-

guerra civil norte-americana, destaca-se o trabalho de Edgar Allan Poe (1809-1849).

A partir de 1850, o nome mais influente era o de Henry James (1843-1916), como

assinala Piza:

Na segunda metade do século XIX, os críticos americanos se multiplicariam à medida que o país crescia e sua cultura se solidificava. Um grande ensaísta e articulista que brilhou nos jornais e revistas de Nova York, como New York Tribune, foi o genial romancista Henry James (1843-1916). De Paris e Londres, James enviava resenhas literárias e narrativas de viagem

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!

!

*)!

que marcaram época; seu ensaio A arte da ficção, publicado pela Longman’s Magazine, em 1884, foi definitivo ao defender o romance como criação intelectual e criticar as histórias sentimentais escritas para o sucesso popular. (PIZA, 2003, p.16)

No Brasil, um dos primeiros exemplos de publicação que se definia como

revista cultural surgiu em Minas Gerais. A revista Verde, lançada na zona da mata,

em 1927, já nasceu com a ambição de ser uma publicação mensal sobre arte e

cultura; os intelectuais que a vislumbraram, porém, conseguiram bem mais que isso.

Longe da capital, a revista reuniu ensaios e poemas de nomes que logo se

tornariam conhecidos na cena moderna brasileira, assim como autores que já

começavam a chamar a atenção por romper com a tradição – como Carlos

Drummond de Andrade –, sem, contudo, vincular-se a movimentos que brotavam no

Rio de Janeiro e São Paulo como ecos do modernismo francês, de acordo com

manifesto publicado na primeira edição da revista.

Exemplo do jornalismo cultural de uma época, a Verde não só colocou a

então desconhecida cidade de Cataguazes no centro intelectual do país, como

ilustrou os anseios da produção cultural daquele momento. Foi a inquietação do

grupo formado por Martins Mendes, Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Camilo Soares,

Chistophoro Fonte-Boa, Francisco Inácio Peixoto, Guilhermino César, Oswaldo

Abritta e Enrique de Resende – todos contemporâneos de um dos precursores do

cinema nacional, Humberto Mauro, que também vivia na região – que inseriu no

modernismo a cidade, que, posteriormente, passou a abrigar obras de Oscar

Niemeyer, Cândido Portinari, Victor Brecheret e os jardins de Roberto Burle Marx,

que hoje constituem sua marca registrada.

O formato revista, no entanto, não era novidade. Outras revistas e

suplementos já circulavam no País no final do século XIX, tendo colaboradores

como Machado de Assis e José Veríssimo, entre outros escritores que passaram

primeiro pelo jornalismo e pela crítica, para depois se consagrarem na literatura.

Como destaca Daniel Piza, a presença das revistas – incluindo nessa categoria os

tablóides literários semanais ou quinzenais – era ostensiva nos momentos de muita

agitação intelectual e artística do século XX, em toda cidade que vivia a

efervescência cultural.

Page 79: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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!

**!

Estude os “ismos” todos lançados nas três primeiras décadas do século e você terá de estudar as revistas em que eles foram formulados e debatidos. Assim foi com o surrealismo francês, o futurismo russo, o imagismo americano: a expansão das vanguardas estava diretamente ligada à expansão da imprensa, dos recursos gráficos, do público urbano ávido por novidades. (PIZA, 2003, p.19)

De acordo com Daniel Piza (2003), as revistas culturais constituíram uma das

novidades modernas que circulavam na vida das cidades que experimentavam a

industrialização. No Brasil, elas tomaram corpo a partir da década de 1920, com o

intelectualismo influenciado pelos europeus.

Além do exemplo mineiro, o modernismo em revista também foi apresentado

aos paulistas com a publicação Klaxon, título que quer dizer buzina, e que ecoou os

feitos da Semana de 1922. Piza (2003) ressalta que a chamada grande era da

crítica, iniciada nos séculos XVIII e XIX, ainda não tinha se encerrado no Brasil na

década de 1920. Ela tinha apenas se transformado e adaptado a um mundo mais

povoado por máquinas, telefones, cinemas – para um mundo moderno, marcado

pela velocidade e pela internacionalização –, mudando o figurino do crítico, mas não

tanto sua figura (PIZA, 2003).

Da mesma forma, as revistas e suplementos no Brasil também eram

habitados pelas crônicas, que aqui tiveram um papel importante no desenvolvimento

do jornalismo cultural, como observa Piza:

De Machado de Assis a Carlos Heitor Cony, passando por João do Rio, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Ivan Lessa e outros, a crônica sempre teve espaço físico nas seções culturais de jornais e revistas brasileiros e, portanto, é uma modalidade inegável do jornalismo cultural brasileiro. (PIZA, 2003, p.33)

Rever essa trajetória conduz a um questionamento salutar para este trabalho,

de forma específica, e para a atividade de todo profissional que hoje atua no

jornalismo dedicado à produção simbólica, de uma forma geral. Como e a partir de

quando se pode afirmar que o jornalismo cultural assume sua forma contemporânea,

no sentido de adequar-se à produção cultural da atualidade?

Page 80: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

*+!

4.5 Ditando olhares

O desenvolvimento histórico do jornalismo cultural evidencia tanto sua

abrangência temática quanto a imprecisão do seu adjetivo. Essa percepção ficou

mais nítida após a exploração de alguns marcos desse tipo de jornalismo, mas já

constituía uma questão relevante para este trabalho desde o início. Foi, inclusive,

com o intuito de conceituar e delimitar o campo cultural, que algumas concepções de

cultura foram buscadas nos capítulos anteriores, desde a mais ampla ao conceito

específico. Percebe-se, assim, que o conceito de cultura, tal como o de notícia, não

é preestabelecido; ele se desenha, em cada época, conforme convenção social

ditada pelo próprio campo cultural.

Na designação de J. S. Faro (apud ALZAMORA, 2006, p.3), o jornalismo

cultural seria o “espaço público de produção intelectual”, que produz uma

“plataforma interpretadora” sobre a cultura e o pensamento de uma época. Já para

Gadini:

Compreende-se por jornalismo cultural os mais diversos produtos e discursos midiáticos orientados pelas características tradicionais do jornalismo – atualidade, universalidade, interesse, proximidade, difusão, clareza, dinâmica, singularidade etc. – que, ao abordar assuntos ligados ao campo cultural, instituem, refletem e projetam modos de ser, pensar e viver dos receptores, efetuando assim uma forma de produção singular do conhecimento humano no meio social onde ele é produzido, circula e é consumido. (GADINI, 2009, p.80-81)

Utilizando um exemplo da própria produção artística e cultural da

contemporaneidade, arrisca-se aqui a dizer que o jornalismo cultural define seu

objeto da mesma forma como, muitas vezes, a arte se autointitula como arte. Com o

intuito de provocar uma discussão sobre uma espécie de rotulação imposta pelo

circuito profissional de galerias e museus, o artista plástico Paulo Bruscky, um dos

principais nomes nacionais da arte conceitual, desde a década de 1970, chamou a

atenção para o assunto com suas intervenções.

Em 1978, Bruscky criou cartões postais com os dizeres “Confirmado: é arte”.

Tal provocação pode ser facilmente comparada à postura da mídia especializada em

cultura, quando ela dita o que ficará dentro e fora de seus limites e interesses. No

mesmo sentido, Bruscky voltou a provocar o público e a crítica com uma

Page 81: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

*"!

performance, em 1979, quando se vestiu de “homem-sanduíche”, com os

questionamentos “O que é arte? Para que serve?”

Essas perguntas, que constantemente rondam a produção simbólica e os

processos de mediação que a envolvem, são pertinentes neste trabalho, que visa

analisar as peculiaridades do jornalismo voltado para essa produção.

Um dos pontos para o qual se quer chamar a atenção diz respeito às

estratégias utilizadas pelos meios para se posicionar como um interlocutor entre a

obra, o artista e o receptor consumidor de bens simbólicos. Sob determinada ótica,

as principais deficiências, nesse sentido, estão ligadas à questão do repertório.

A simplicidade é condição do texto jornalístico. Lembre-se de que escreve para todos os tipos de leitor e todos, sem exceção, têm direito a entender qualquer texto, seja ele político, econômico, internacional, ou urbanístico. (MARTINS FILHO; LOPES, 1997, p.15)

A citação anterior é um dos primeiros mandamentos a um jovem jornalista

contidos no Manual de Redação e Estilo, do jornal O Estado de São Paulo,

publicação que há muito ultrapassou os limites do impresso paulistano, sendo ainda

bastante influente quanto às regras práticas do jornalismo. Apesar de curto, esse

trecho carrega em si uma discussão relevante para este trabalho: a preocupação

acerca do repertório de um suposto receptor.

Na citação, a preocupação com o jornalismo cultural não foi explicitada, mas

pode-se entender que, seja qual for o assunto central de um texto jornalístico, ele

deverá prezar pela simplicidade – o que muitas vezes é interpretado como

simplismo. Não raras vezes, o jornalismo cultural assume para si o papel de

formador de repertório, constituindo-se um guia prático para aqueles que desejam se

inteirar rapidamente sobre determinados artistas ou obras, numa espécie de senha

para circular no universo da produção cultural, muitas vezes visto como hermético

pelo público e pelos jornalistas.

Outras vezes, o jornalismo especializado parece didático demais, passando

da informação à tradução ou explicação demasiadamente minuciosa, diminuindo as

possibilidades de uma ação crítica e reflexiva do público diante das obras, já que a

fruição parece ser definida e conduzida pelo jornalista. Talvez esta questão esteja

intimamente ligada a uma tensão própria do jornalismo, que tem compromisso com a

universalidade da informação.

Page 82: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

+$!

No campo do jornalismo especializado em cultura, porém, há um segmento

ou tendência que insiste em conservar esse campo elitizado. Como rotula Wellington

Pereira (2007), esses seriam os “barões dos caracteres”, que praticam um

jornalismo de registro, dando ao leitor apenas um pouco de sua intelligentsia e

colocando-se como “pessoas que dominam alguma manifestação cultural, trocando

figurinhas com ídolos desgastados”. (PEREIRA, 2007, p.2)

Produções específicas sobre a temática cultural, muitas vezes, talvez por

essa pressão oculta da universalidade, deixem a desejar por tentar decifrar

excessivamente um produto cultural ou se contentar com o papel de um guia,

tentando ditar o essencial dessa produção tão complexa. Frequentemente observa-

se ainda o papel de mera agenda de eventos, com informações mínimas sobre local,

horário e preço de uma “atração”.

A revista Bravo!, especializada em cultura, em muitos casos prefere o papel

de um guia que antevê e tenta ditar o que da cultura nacional (na visão da revista,

geralmente centralizada no eixo Rio de Janeiro-São Paulo) é merecedor de aplausos

ou se constitui informação indispensável para o leitor que deseja explorar a

produção cultural contemporânea.

Da mesma forma como dita em suas publicações especiais contendo uma

centena de museus imperdíveis ou a lista dos filmes imprescindíveis, sobre a Bienal

de São Paulo 2010, Bravo! publicou:

Diante de tantas escolhas possíveis, Bravo! sugere a seguir três viagens pela Bienal. Em cada uma delas, o visitante irá se deparar com um aspecto expressivo da produção contemporânea: a exploração do mundo da fantasia, o encontro com os “clássicos” – os precursores da arte atual – e as novas formas de arte política. (Revista Bravo!, setembro/2010)

Na sequência da citada reportagem, a revista elabora uma verdadeira visita

guiada para o leitor, com o auxílio de mapas, chamando a atenção para o que vai

ser “visto” adiante. Destaca-se aqui o verbo “ver”, pela crença de que a percepção

direcionada do espectador, nesses casos, limita sua experiência estética.

Da mesma forma, a maneira arbitrária com que traça o trajeto que o leitor

deverá fazer pela exposição, sugerindo que ele vá direto às obras mais significativas

– sempre do ponto de vista da revista –, impede que ele perceba, por si só, o motivo

pelo qual uma dada obra foi instalada em um ponto específico do pavilhão, com o

propósito de provocar uma experiência distinta, pois, ao se relacionar com as

Page 83: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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!

+#!

demais obras, ela formaria o que se convencionou chamar de “eixo curatorial”: um

conjunto de possíveis relações de sentido, que vão ser percebidas pelo sujeito em

uma exposição de arte.

Não há interesse aqui em fazer uma crítica à revista Bravo!. Com esse

exemplo, apenas se deseja chamar a atenção para uma tendência no jornalismo

cultural, de forma geral, que, com frequência, cai na armadilha da simplificação,

extrapolando os níveis da orientação e informação, para direcionar e inibir o

espectador, ao prever as possibilidades da obra.

Outra característica que empobrece o jornalismo cultural é o vício de se

reduzir toda a produção numa agenda de serviço, colocando num mesmo bojo toda

sorte de produtos (filmes, livros, peças, shows). Esse formato tem caráter

predominantemente informativo, destacando apenas o que, quando, onde e quanto

custa a “atração”. É importante salientar que esse tipo de serviço tem seu valor, mas

não deveria prevalecer diante de outras opções voltadas para a análise, a crítica e a

informação contextualizada acerca da produção cultural.

A simplicidade das agendas e a postura arbitrária dos guias, acredita-se aqui,

parecem não condizer com o panorama da sociedade contemporânea exposta no

capítulo anterior e, menos ainda, com a produção cultural contemporânea que se

propõe cada vez mais a impactos sensoriais e menos a pontos de vista únicos e

totalizantes; ressalta-se que, normalmente, a produção simbólica atual aponta para

um situação polissêmica, cheia de tensões e fértil nos modos de aproximação e

compreensão.

Essa contradição torna-se mais clara ao relembrar aspectos já mencionados

no capítulo anterior, considerando o sujeito contemporâneo como multifacetado, com

superficiais e inúmeros interesses em distintas áreas e, sobretudo, atento ao mundo

global, ao mesmo tempo em que firma os pés em seu território local.

Uma pista que poderia ajudar a explicar essa certa “miopia” do jornalismo

cultural pode estar no uso de parâmetros tipicamente modernistas e, portanto,

determinados pela religião, política e ideologia, em contraponto à fluidez do cenário

contemporâneo, no qual se origina um tipo de produção crítica em relação a essa

tradição, buscando ir além, rompendo, refletindo ou comentando criticamente a

modernidade.

Talvez por estar tão fortemente pautado pela dinâmica das indústrias

culturais, por sua estrutura de lançamentos e distribuição, o jornalismo cultural

Page 84: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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+%!

contemporâneo perceba as manifestações estéticas predominantemente a partir do

espetáculo e do evento, reduzindo a cultura a mais um evento ou produto a ser

consumido.

De acordo com Alzamora (2008), a interpretação estética e a representação

do sistema artístico-cultural organizam-se hoje, no jornalismo cultural, a partir de

uma linguagem da antecipação, configurando a expressão cultural como uma

sequência linear de atividades: aberturas de exposições, estreias de espetáculos,

lançamentos de discos e livros, entre outras atrações.

É o que Pereira (2007) classifica como jornalismo “puramente” informativo.

Segundo o autor, esse tipo de jornalismo faz da cultura um espetáculo, organizando

os eventos para serem consumidos. Essa prática noticia a produção simbólica pela

perspectiva do “novo”, “como se um concerto de música clássica ou uma peça de

teatro estivessem aparecendo socialmente pela primeira vez”. De acordo com

Pereira, no plano ideal, o jornalismo cultural deveria dosar entre o simplismo e o

pedantismo, contribuindo para ampliar o repertório do público.

A primeira coisa que o leitor deve exigir de uma reportagem cultural (reportagem aqui no sentido de gênero jornalístico) é que ela tenha um caráter pedagógico, ou seja, contribua para ampliar o repertório cultural do leitor. Por exemplo: numa matéria sobre literatura brasileira, o repórter deve ter o cuidado de fornecer características de cada período, as obras e uma breve discussão sobre o estilo de cada escritor. Quando falar em movimentos artísticos, que englobam literatos, músicos e pintores, os “repórteres especiais” devem datá-los e explicá-los, desde suas origens. (PEREIRA, 2007, p.3)

O equilíbrio entre esses aspectos que tensionam uma reportagem entre o

simplismo e o demasiado intelectual é considerado difícil, não sendo percebido com

frequência no jornalismo cultural da atualidade. O que se observa é um modelo que,

muitas vezes, entra em choque com a proposta das produções contemporâneas não

lineares, desenrolando-se em algumas questões colocadas hoje ao profissional que

se dedica à atividade.

O jornalista Maurício Stycer (2007) concentrou essas questões em seis

principais problemas que hoje afligem o jornalista especializado na cobertura

cultural. Esses “dilemas” enumerados por Stycer são relevantes para este trabalho,

para se pensar a atividade jornalística no campo especializado da cultura, e

constituem, ainda, pontos importantes, que serão retomados posteriormente em

Page 85: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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+&!

análise empírica no capítulo seguinte. Um desses problemas apontados por Stycer

está ligado ao excesso de demanda da indústria cultural:

Ocorre em São Paulo uma média de duas a cinco estreias de filmes por semana. Estreiam também de duas a cinco peças de teatro por semana. Exposições de artes plásticas, um número às vezes maior do que esses. É uma dificuldade e uma tarefa enorme para o jornalista cultural lidar com esse volume de informação e selecioná-lo. (STYCER, 2007, p.72-73)

Agravada por esse problema do volume de produtos da indústria cultural, há

uma questão ligada à dificuldade para se buscar algo novo na cena alternativa e não

divulgado no mainstream. Percebe-se que, no campo cultural, existe uma pressão

dos meios e do público para a “descoberta” de talentos desconhecidos, assim como

o interesse, por parte dos próprios jornalistas, em serem referenciados por

apadrinhar dado artista ao grande público.

Como observa Stycer (2007), porém, a comodidade dos releases e a falta de

tempo dos profissionais – não só especializados em jornalismo cultural – são uma

barreira que impede a busca por novas obras e artistas fora do circuito convencional.

O resultado constitui uma característica à parte no jornalismo e na crítica de cultura:

observa-se uma tensão sublimando essa vaidade dos profissionais quanto à

descoberta de novos nomes na cena contemporânea e o consequente revezamento

dos mesmos personagens do cenário cultural.

Outros problemas práticos considerados por Stycer são a contaminação do

jornalismo cultural pela publicidade, quando as reportagens e manchetes, em vez de

realizarem um jornalismo analítico, mais parecem querer vender um dado produto ou

evento cultural.

E aqui recorro a um exemplo, uma capa da revista Época, sobre o filme Harry Potter. Minha crítica nem é à iniciativa de colocar um filme como este na capa de uma revista semanal. Deixo essa discussão para outro fórum. Era o primeiro filme da série Harry Potter e o título da Época foi: “A magia vai começar”. Considero isso um slogan publicitário, bem distante do jornalismo. Um publicitário, querendo vender esse filme, teria feito um cartaz assim: “Hary Potter, a magia vai começar”. Um outro exemplo, não sei se foi na Época ou na Veja: quando lançaram o segundo filme da série Matrix, o título da capa da revista foi “O novo Matrix”. Não tinha nenhuma informação, nenhuma ideia, o leitor simplesmente era convidado a comprar aquela revista porque estava saindo o novo Matrix. E a função do jornalismo cultural é ir bem além disso. (STYCER, 2007, p.73)

Page 86: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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+'!

Concordando com Stycer, acredita-se que, nessa contaminação do jornalismo

pela publicidade, a principal questão esteja ligada a um equívoco mais de

abordagem que de temática. Não se trata, portanto, de ignorar fenômenos da

indústria cultural, mas de observar a maneira como são tratados, muitas vezes, até

levantando suspeitas sobre interesses e acordos entre as empresas de

comunicação e de entretenimento. Isso se torna ainda mais forte se se considera

que, na citação de Stycer, os veículos nem são especializados em cultura. Não teria

ocorrido nada mais relevante para a sociedade naquela semana em que a Época

anunciou na capa a chegada do “bruxinho” ao cinema?

Ainda sobre contaminações, Stycer critica os limites cada vez mais tênues

entre o jornalismo cultural e o mundo das celebridades. É possível observar hoje que

a vida particular dos artistas parece sobrepor-se à obra, à carreira e à contribuição

deles ao processo cultural. Essa característica se torna muito evidente no jornalismo

cultural televisivo, posto que as celebridades que transitam com maior frequência

nesse meio constituem-se ainda como chamariz de audiência para entrevistas e

reportagens, o que será mais abordado no próximo capítulo.

Outro problema relacionado por Stycer diz respeito à questão do patrocínio,

que não pode ser negligenciada, num país em que a maioria massiva dos produtos

culturais é submetida a leis de incentivo fiscal.

A maior parte da imprensa que acompanha essa área rejeita um assunto considerado chato, pela dificuldade que implica sua cobertura, mas que ocupa hoje um papel fundamental no cenário cultural brasileiro. Estou me referindo à questão do patrocínio e às leis de incentivo à cultura. Atualmente não há um filme brasileiro feito sem apoio de alguma lei, sem algum tipo de renúncia fiscal. O mesmo acontece com exposições, filmes (sic), livros e peças. Isso faz parte da vida da produção cultural. (STYCER, 2007, p.73)

Entende-se que as leis de incentivo voltadas para a produção cultural são

efetivamente um tema delicado e quase sempre silenciado pela imprensa

especializada. Neste trabalho não se pretende esgotar o assunto ou discutir sua

relevância para a produção cultural; é, no entanto, importante observar, a partir de

uma análise mais detalhada, se e como esse assunto é tratado pela revista

eletrônica Metrópolis, da TV Cultura.

Seguindo os seis problemas destacados por Maurício Stycer, depara-se com

a influência dos assessores, sobretudo das celebridades, que negociam as

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!

+(!

reportagens, pautas e enfoques diretamente com as redações, empobrecendo o

jornalismo cultural.

Já a principal queixa de Stycer parece ser exclusiva do jornalismo cultural

impresso: o excesso de espaço a ser preenchido. Esse fator é também observado

por Gadini:

Com uma média de 6 a 12 páginas diárias em formato standard – ou entre 12 e 16 páginas no formato tablóide –, os principais jornais impressos do país apresentam uma estrutura editorial formada por: matérias jornalísticas, crítica cultural, coluna social, serviço e roteiro, programação ou guia de TV, variedades. (GADINI, 2009, p.198)

A abundância do espaço destinado ao jornalismo cultural nos jornais pode

estar ligada ainda ao mau aproveitamento do espaço, que é preenchido com resumo

de telenovelas, horóscopo e palavras-cruzadas. Na internet, o espaço é relativizado

de acordo com a liberdade própria do formato. Segundo Alzamora (2008), a

expansão da internet levou à proliferação de novos formatos de informação cultural,

cuja diversidade cresce exponencialmente.

Os novos formatos, porém, embora interfiram na linguagem e na configuração

temática das editorias de cultura, pouco têm alterado a lógica da produção, que

simultaneamente preserva a identidade jornalística, que cultivou desde o Iluminismo

e aperfeiçoou ao longo do século XX, sem perder de vista as inegáveis

transformações culturais que modelam as interações sociais contemporâneas e os

produtos culturais que delas derivam.

À medida que o objeto do qual se ocupam as editorias de cultura se coloca em processo contínuo de transformação, as diretrizes conceituais que conformam essas editorias demandam algum grau de revisão, assim como a própria concepção de jornalismo cultural que norteia práticas jornalísticas midiáticas e hipermidiáticas. (ALZAMORA, 2008, p.17)

No que diz respeito à televisão, o espaço que pertencia à superfície do papel

é convertido em tempo de programação, que é precioso e determinante para a

formatação de qualquer material televisivo. Isso é próprio do formato, mas é também

imposto pelo espaço destinado à publicidade que mantém os canais e,

consequentemente, os programas no ar. Mesmo em canais públicos, como se verá,

o formato pouco se altera, sendo considerável a mudança também quanto à

possibilidade de propaganda em canais estatais, como a TV Cultura.

Page 88: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

+)!

No próximo capítulo, serão destacados aspectos da programação televisiva

voltada para o jornalismo cultural, tendo como principal referência uma análise

detalhada do modo de ver, divulgar e veicular a produção simbólica brasileira, por

meio de seis edições do programa diário Metrópolis. Antes, porém, serão

assinaladas algumas características do meio televisivo que tornam tão peculiar a

cobertura especializa em cultura nesse veículo.

4.6 Jornalismo cultural na TV

Na dinâmica de segmentação jornalística, multiplicam-se os formatos e os

títulos de mídias disponíveis. Considerando programas televisivos de reportagens

temáticas, como o caso do Metrópolis – uma revista eletrônica –, buscou-se

identificá-lo não apenas conforme sua segmentação de público, mas também do

ponto de vista temático e das rotinas determinantes do jornalismo especializado no

jornalismo cultural.

Esse tipo de programa – assim como grande parte da produção televisiva

brasileira –, segundo Elizabeth Duarte (2004), é classificado pelas próprias

emissoras como informativo. Tal autoclassificação – abrangente e que, de certa

forma, pode parecer polêmica – é percebida com naturalidade por Duarte, que não

vê, por exemplo, oposição entre informação e entretenimento. Para a autora, todo

programa televisivo carrega em si uma carga de entretenimento, ao mesmo tempo

em que deseja transmitir algum tipo de informação, sendo que esse objetivo,

conforme citação anterior, nem sempre é atingido na maneira desejada, pois o

receptor tem sua autonomia para escolher o que deseja assimilar da tela.

Quando deslocado para a televisão, o jornalismo cultural enfrenta ainda

outros desafios próprios do meio televisivo. Como observa Elizabeth Duarte (2004),

a seleção de informações a serem veiculadas e as formas de estruturação desse

material informativo são opções estratégicas que consideram lógicas

mercadológicas e discursivas para determinar o grau de noticiabilidade dessas

informações, a sua adequação a certos gêneros e formatos, o seu interesse

institucional. Além disso, segundo Duarte (2004), os jornais televisivos, com sua

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!

!

+*!

política do discurso direto, foram, pouco a pouco, impondo uma concepção diversa

da informação:

Informar passou a ser mostrar a história em-se-fazendo, assistir, se possível, diretamente, aos acontecimentos, o que reduz o tempo de análise e de reflexão, fazendo supor que a imagem do acontecimento seja suficiente para lhe conferir significação. Estabelece-se com isso a ilusão de que ver é compreender e define-se que todo acontecimento, como se fosse possível, deve apresentar uma face visível, o que condena os fatos pobres em imagens à indiferença e ao silêncio. (DUARTE, 2004, p.81)

O formato que se tornou uma fórmula engessada compromete ainda mais a

informação, quando ela se torna refém da imagem, sobretudo no jornalismo cultural.

De acordo com Pastoriza (2003), a ditadura das imagens sobre a informação na

televisão deixa à margem temas ligados, por exemplo, à poesia, como observou o

autor em seus estudos sobre cultura e televisão na Espanha.

A televisão tem que começar a aceitar sua parte de culpa em suas relações com a cultura e com os intelectuais, a quem em certas ocasiões exclui de suas programações por resultar pouco atrativos, com mensagens pouco inteligíveis para audiências massivas e interclassistas e frequentemente polêmicos com os sistemas políticos vigentes. (PASTORIZA, 2003, p.40)

Esse autor afirma que alguns temas parecem adequar-se melhor às

condições do meio, como o esporte, o cinema, as tragédias e tudo o que tenha

algum componente de espetacular.

Pelo contrário, certas atividades, como a política, a economia e a informação literária, que têm sua força mais em seus conteúdos que no espetáculo de suas imagens, adéquam-se menos a estes requerimentos televisivos e exigem tratamentos mais atrativos para serem postos em cena. (PASTORIZA, 2003, p.41)

O ponto de vista desta autora coincide com Pastoriza, no que se refere ao

tratamento televisivo dispensado à poesia e algumas outras produções simbólicas

mais abstratas. Percebe-se que esses temas sugerem imagens subjetivas,

desafiando a justaposição da linguagem em superfície (imagem) e linear (texto), de

acordo com a classificação de Flusser (2007). Essa dificuldade, intimamente ligada à

linguagem audiovisual, é um dos fatores responsáveis pela marginalização desse

Page 90: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

++!

tipo de produção na programação cultural televisiva, embora seja abundante o

número de publicações poéticas e exposições artísticas.

É importante, ainda, lembrar que esse meio também passa por modificações

relacionadas tanto ao fator tecnológico quanto às determinações ao ritmo da

sociedade contemporânea. Como ressalta García Canclini, também a figura do

espectador mudou muito nos últimos anos, com o desenvolvimento dos meios.

Como ser espectador já não é mais assistir a espetáculos públicos ou vê-los na mídia, ficam para trás as críticas que Guy Debord e sucessores faziam ao capitalismo enquanto “sociedade do espetáculo” porque mobilizam imagens no consumo midiático para controlar o ócio dos trabalhadores e oferecer-lhes satisfações que simulariam compensar suas carências. A televisão, o cinema e a publicidade continuam cumprindo essa tarefa, porém limitada devido à espetacularização generalizada do social (...). Somos convocados a sermos espectadores de nossa própria cidade e das outras, mesmo antes de visitá-las ou ainda que nunca o façamos, acessando seus simulacros na internet. (CANCLINI, 2008, p.48)

Embora atentos aos novos meios – como a internet –, que, de alguma forma,

vêm forçando alterações na audiência, segue inegável que a espetacularização

ainda constitui um fator marcante na televisão. Segundo Pastoriza, esse é um dos

fatores que historicamente dificultam uma maior programação televisiva

especializada em cultura, pelas “dificuldades técnicas, as formas para se levar para

a pequena tela a sofisticação das artes e das letras”. Outro “inimigo” enumerado por

Pastoriza é a questão da rentabilidade comercial, já que a cultura não costuma atrair

públicos multitudinários.

Outra característica demarcada pelo tempo é o texto, que, em televisão, de

acordo com Francisca Ester de Sá Marques (1997), tem que ser fluido. Na tela, “o

texto jornalístico substitui as sequências cronológicas de presente, passado e futuro

por um tempo público determinado pelo aqui e agora, com interpretações e versões

ficcionais do real” (MARQUES, apud MOUILLIAUD, 1997, p.529).

Apesar das peculiaridades do texto, o discurso jornalístico na televisão

obedece à mesma classificação tradicional, podendo ser informativo, opinativo ou

interpretativo. Tal segmentação, no entanto, nunca se apresenta de forma isolada,

mas com alguma predominância. Assim, a forma de discurso informativo, por mais

que busque uma forma asséptica de elaborar as informações, irá conter aspectos

que, de um modo ou outro, manifestem o pensamento do autor – ainda que seja

apenas na forma de dispor, privilegiar ou até mesmo silenciar alguns dados.

Page 91: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

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Do mesmo modo, um texto nunca será meramente opinativo. Para sustentar a

opinião do autor, são necessários muitos dados e informações, que se entrelaçam

com aspectos interpretativos. Estes, por sua vez, quando predominantes num texto,

são a forma de se elaborar um discurso que tente informar e fornecer subsídios para

a compreensão de um fato, sem, contudo, privilegiar apenas a opinião do emissor.

Especificamente sobre o jornalismo cultural na televisão, interessa aqui

encontrar os limites e sobreposições desses gêneros, tendo como ideal o que

Wellington Pereira (2007) chama de jornalismo cultural analítico.

Um jornalismo cultural puramente informativo faz da cultura um grande espetáculo. Organiza os eventos culturais para serem consumidos. Sendo assim, um concerto de música clássica ou uma peça de teatro são noticiadas numa perspectiva do “novo”, como se estivessem aparecendo socialmente pela primeira vez. Existe um outro tipo de jornalismo deslocado do fetiche da mercadoria: o jornalismo cultural analítico. Nele, o choque entre linguagem culta e linguagem de massa só deve ser entendido à luz de uma análise do fluxo das informações. (PEREIRA, 2007, p.2)

Indo no mesmo sentido que Pereira (2007), acredita-se aqui que um tipo de

jornalismo cultural “ideal” seja possível, interpretando a proposta do jornalismo

analítico como o equilíbrio que permite com que o texto (escrito ou falado) possa, ao

mesmo tempo, informar e fornecer ao receptor dados e opiniões embasadas, que

possibilitem a construção de uma interpretação sobre determinado bem simbólico.

Algumas raras vezes, o jornalismo cultural brasileiro atinge esse nível, sem se

deixar trair pelo intelectualismo, a facilidade de uma agenda ou o didatismo de um

guia. Torna-se assim relevante para este trabalho observar, com relação ao

programa-objeto escolhido, se e quando o jornalismo analítico é nele colocado em

prática.

Ao transpor os gêneros para a televisão, será adotada a definição de

Elizabeth Duarte (2004), segundo a qual eles são “categorias discursivas e culturais

que se manifestam sob a forma de subgêneros e se realizam em formatos”

(DUARTE, 2004, p.86). Como observa a autora, porém, a redução dos gêneros a

receitas de fabricação ou a etiquetas de classificação tem impedido a compreensão

de sua verdadeira função e de sua pertinência metodológica, que seria a de operar

como chave de análise dos textos televisivos.

A autora critica a arbitrariedade das emissoras na classificação de seus

produtos e sugere uma categorização que, numa certa medida, também se revela

Page 92: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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arbitrária. Para Duarte, os gêneros televisivos podem sem divididos em: 1)

metarrealidade, que têm ligação direta entre o real e o discurso, tal como jornais e

magazines; 2) suprarrealidade, que pressupõe uma relação indireta entre real e

discurso, porém, com a coerência interna do relato, tal como telenovelas e seriados;

3) para-realidade, em que há uma relação de substituição ou equivalência entre o

real, o paralelo e o discurso, além do compromisso com a exibição, a exposição – tal

como os reality shows. Sobre a classificação proposta, Duarte comenta que:

Não obstante, também como receita de fabricação, o(s) subgênero(s) e o(s) formato(s) detêm um valor: o de indicação segura de um percurso já testado com sucesso sobre o qual se faz variações. Uma questão de mercado! (DUARTE, 2004, p.86)

Por essa citação, pode-se aproximar o pensamento de Duarte ao da crítica à

indústria cultural, elaborada por Adorno e Horkheimer, na década de 1940, e

revisitada no segundo capítulo deste trabalho. Segundo a teoria dos frankfurtianos, a

lógica da indústria cultural estaria justamente em repaginar o velho e apresentá-lo

como algo novo, com o intuito de não se arriscar, buscando inovações. É

interessante observar também que, ao criticar a arbitrariedade dos meios, a autora

também é, em certa medida, arbitrária, ao fazer uma rotulação dos tipos de

programa.

Esse ponto, assim como a classificação e autoclassificação do programa-

objeto utilizado neste trabalho, será retomado com a devida importância no capítulo

dedicado a uma análise crítica do programa Metrópolis. Sob esse ponto de vista, é

interessante observar que, assim como buscou referências externas para seu

surgimento, na década de 1980, e nas diversas reformulações por que passou ao

longo dos anos, o Metrópolis, como se verá, também serve como “receita de

fabricação” para diversas outras revistas eletrônicas culturais que vieram depois

dele, no Brasil.

Page 93: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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Numa televisão bem burra que se preza, os cenógrafos sempre

serão mais importantes que os escritores, os escritores mais

domesticados que os apresentadores, os apresentadores mais

sensacionalistas que os estilistas, os estilistas mais influentes

que os editores, os editores mais covardes que os

pesquisadores e os maquiadores mais preparados que os

atores. Quanto aos telespectadores, cada um terá a televisão

que merece ou agüenta.3

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!3 BONASSI, 2007.

Page 94: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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5 CULTURA, SEGUNDO O METRÓPOLIS

Nos capítulos anteriores, procurou-se atualizar alguns conceitos para melhor

compreender, contextualizar e articular o objeto deste trabalho, a fim de responder à

seguinte questão: o jornalismo especializado em cultura e veiculado hoje pela

televisão brasileira é capaz de realizar uma cobertura analítica, que leve em conta

as peculiaridades da sociedade e a produção simbólica contemporâneas?

Esse percurso feito nos capítulos anteriores conduz agora ao objeto empírico,

o Programa Metrópolis, produzido e veiculado diariamente em cadeia nacional pela

TV Cultura de São Paulo. Por se tratar de um programa voltado para a produção

simbólica atual e, principalmente, por ser concebido por uma emissora pública,

cultural e educativa de televisão, caminha-se para a última parte deste trabalho,

desejando de antemão que tal objeto não se configure no conceito televisivo exposto

no texto de abertura deste capítulo.

A epígrafe do escritor e dramaturgo Fernando Bonassi colabora com uma

forte carga crítica que aguça a discussão acerca da responsabilidade sociocultural

dos meios de comunicação, que, no Brasil, são uma concessão pública.

Longe de adotar uma postura fatalista, deseja-se aqui, a partir do texto de

Bonassi, chamar a atenção para aspectos como a hipervalorização da estética da

imagem sobre o conteúdo, a espetacularização e o esvaziamento da cultura, o

sensacionalismo e a inversão de valores transmitidos por emissoras sem

compromisso com telespectadores, que também esquecem possuir seu quinhão de

responsabilidade sobre o que aceitam ou rejeitam da programação ofertada.

Acredita-se, conforme defende Kellner (2001), que cada público assiste à

televisão de diferentes maneiras. Isso leva a crer que, da mesma forma que há

audiência para sustentar programas sensacionalistas e truculentos, deve haver um

público atento à qualidade e responsabilidade sociocultural do que vai para a tela.

No que tange ao jornalismo cultural, de acordo com Pereira (2008), defende-

se uma postura mais analítica como ideal que, se não for alcançado, deve ao menos

nortear profissionais que, no campo da especialização, se propõem a discutir,

analisar e difundir a produção artística e cultural na contemporaneidade.

Em busca desse jornalismo cultural analítico, propõe-se uma análise crítica do

Programa Metrópolis. Para isso, serão considerados os operadores conceituais

Page 95: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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construídos nos capítulos anteriores, tais como as características próprias da

contemporaneidade, a relação desta sociedade com os meios de comunicação e a

lógica do jornalismo especializado. Outros operadores estão ligados à forma como o

programa lida com desafios relacionados à cobertura especializada.

Assim, pretende-se apontar se o programa tende a uma linguagem mais

hermética, exigindo um repertório prévio do público em relação à produção cultural,

se opta pela tradução desse universo, calcando-se numa linguagem

demasiadamente didática, se procura limitar-se ao lead jornalístico, para, por meio

de agendas e guias, restringir-se a responder às perguntas básicas “que, quando,

onde, quanto”, além de outras possibilidades, abordadas a partir da realização desta

análise.

Quanto às características próprias da sociedade contemporânea impregnadas

nas manifestações artísticas e culturais da atualidade, será observada, nas

reportagens do Metrópolis, uma possível linha editorial que tenda ao

questionamento, contextualização e posicionamento crítico diante da produção

cultural veiculada, aproximando-se, pois, do que se opta aqui por chamar de

“jornalismo cultural analítico”.

Da mesma maneira, será considerado se o programa se distancia dessa

abordagem analítica, ao adotar para si um ponto de vista tradicionalista e, portanto,

inadequado, a partir do qual percebe e veicula a produção contemporânea, deixando

transparecer certo preconceito em relação à produção simbólica atual. Uma terceira

e possível tendência de abordagem a ser considerada seria uma postura acrítica em

relação a essa produção cultural. Assim, observar-se-á em que medida o programa

opta por simplesmente dar voz a obras e artista contemporâneos, sem questionar os

propósitos, conceitos e contextos, exibindo produtos “vazios”, sob o rótulo justificável

de “arte contemporânea”.

Também servirão de operadores conceituais quatro dos seis problemas do

jornalismo cultural brasileiro, detectados por Mauricio Stycer (2007) e comentados

anteriormente. Os dois “problemas” não considerados seriam o excesso de espaço e

a contaminação da redação pelo departamento comercial. O primeiro relaciona-se

mais aos jornais impressos; o segundo exigiria deste trabalho uma abordagem mais

próxima das rotinas internas do programa, fugindo do objetivo, focado nos

conteúdos.

Page 96: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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Assim, das questões apontas por Stycer, irão interessar aqui a maneira com

que o Metrópolis lida com as relacionadas ao excesso de oferta da indústria cultural,

a contaminação do jornalismo pela publicidade, o tratamento dado à questão das

leis de incentivo, que viabilizam a maioria das produções, e ainda como o programa

estabelece o limite, cada vez mais tênue, entre a vida pública e privada dos artistas

das mais diversas áreas, nas manifestações culturais.

Outro operador conceitual para este estudo situa-se no campo da

segmentação jornalística. Na análise das edições selecionadas do programa-objeto,

deseja-se observar se a escolha dos temas e reportagens no Metrópolis, assim

como os hard news, guia-se pela lógica dos lançamentos e se orienta, entre outros

fatores de noticiabilidade, em valores/notícia, sobretudo os “critérios relativos a

produto” (Wolf, 2003). De acordo com o exposto no capítulo anterior, esses critérios,

segundo Wolf (2003, p.218), são ainda mais determinantes na escolha de notícias

televisivas, por considerar não apenas o caráter de novidade do assunto e a

ideologia da notícia, mas também a qualidade técnica e imagética que uma “história”

pode render.

De forma quantitativa, também serão considerados o balanceamento das

edições e do conjunto de programas analisados quanto à escolha de reportagens e

entrevistas ligadas a cada um dos segmentos – artes visuais, literatura, teatro,

dança, música, cinema, fotografia, moda –, assim como a prevalência dos assuntos

que, de acordo com os “critérios relativos a produto”, descritos anteriormente,

permitam maior exploração pelo programa de mais temas imagéticos, como cinema,

teatro e fotografia, em detrimento de assuntos com menor apelo visual, como a

literatura.

5.1 Uma metodologia em construção

Quase tão complexa como foi anteriormente o trabalho de delimitar alguns

conceitos de “cultura” e as características escorregadias da “contemporaneidade”,

apresenta-se agora a tarefa de encontrar uma só metodologia que comporte a

análise de um programa televisivo. Segundo Arlindo Machado (2007, p.5), a própria

Page 97: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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noção de programa tem sido bastante questionada em diversos estudos de

televisão.

Podemos definir o programa de televisão com qualquer série sintagmática (sequência de imagens e sons eletrônicos) que possa ser tomada como uma singularidade distintiva em relação às outras séries sintagmáticas da televisão. Pode ser uma peça única, como um telefilme ou um especial; uma série ou minissérie apresentada em capítulos; um horário reservado para um gênero específico (seriado, telejornal, talk show etc.), que se prolonga durante anos, sem previsão de finalização; ou até mesmo a programação inteira, no caso de emissoras ou redes “segmentadas” ou especializadas, que não apresentam variação de blocos. Mas essa definição não deixa de ter seus problemas. (MACHADO, 2007, p.3-4)

Segundo Machado, já nos anos de 1970, Raymond Williams (1979, p.78-118)

questionava o conceito “estático” de programa, por considerar que, na televisão, não

existem unidades fechadas ou acabadas, que possam ser analisadas

separadamente do resto da programação. Em lugar do conceito de programa, o

autor contrapôs um termo mais “dinâmico”: fluxo televisivo. Apesar disso, autores

como Machado preferem a ideia de programa à de fluxo, por considerar que a

primeira possibilita uma abordagem mais seletiva e qualitativa, em contraposição à

segunda, mais “amorfa” (Machado, 2007, p.5).

Para o desenvolvimento desta análise, será adotado um método de

abordagem que mescla tanto os operadores conceituais descritos anteriormente,

como parte de outros estudos. Essa opção é fundamentada no argumento de

Machado, segundo o qual:

Não existem métodos genéricos, que possam servir como modelos universais de análise para quaisquer produtos audiovisuais. O método de abordagem para cada programa não pode ser tomado como algo predeterminado por um modelo ou teoria, mas deve derivar do próprio trabalho examinado. Há sempre um (ou vários) método(s) de abordagem explícito(s) em cada programa. (MACHADO, 2007, p.9)

Ainda de acordo com Machado (2007), é preciso deixar que o produto

audiovisual se revele para o analista com a força de seus próprios enunciados. Ele

afirma que é preciso ter humildade suficiente para experimentar o produto escolhido

em sua singularidade e diferença, em vez de descaracterizá-lo, “enquadrando-o em

categorias genéricas que apenas servem para atestar teorias, mas não para explicar

o objeto” (MACHADO, 2007, p.10).

Page 98: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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Em busca de um método específico em relação ao objeto deste trabalho e

que seja adequado para analisá-lo, avaliando se a forma como o programa revela a

produção simbólica contemporânea cumpre, de fato, a função analítica do jornalismo

especializado em cultura, serão utilizados blocos temáticos para separar o material

selecionado para análise. Assim, as seis edições serão divididas de acordo com os

assuntos: música, literatura, artes visuais, cinema, dança, teatro, fotografia, moda.

Por uma questão de método, será utilizado ainda o bloco “artes híbridas”, para

melhor situar produções simbólicas mistas, como performances, instalações e outras

manifestações contemporâneas, que dificilmente cabem num desses

“compartimentos” tradicionais.

Para estabelecer alguns conceitos, será parcialmente utilizada uma

metodologia proposta por Elizabeth Duarte (2010). Seguindo uma perspectiva

semiótica, a autora considera os produtos televisuais como textos articulados em um

universo próprio, industrialmente construído, uma vez que as emissoras fornecem,

como qualquer outra empresa comercial, seus produtos ao mercado.

Sem adentrar no campo semiótico, porém, serão considerados, tal como

propõe a autora, os textos televisuais como complexos e híbridos, pois apontam

para uma multiplicidade de aspectos e áreas do conhecimento envolvidas. Essa

característica, de acordo com Duarte, dificulta muitas vezes o estabelecimento de

limites, ou seja, dos níveis de pertinência da análise a ser empreendida.

Neste trabalho não se pretende definir ou conceituar aspectos que

diferenciam a linguagem televisiva do jornalismo como um todo; o ponto de partida,

porém, é que a televisão lança mão de uma gramática própria, elaborada ao longo

de seus sessenta anos de existência, cuja literatura a respeito é bastante extensa e

não necessita ser retomada para este trabalho. É importante, no entanto, ter em

mente que:

(...) elementos estruturam-se em função de um modo particular de contar a narrativa, aquele que é próprio da televisão, dependente das possibilidades dos meios técnicos de produção, circulação e consumo dos produtos televisuais, que acabam por funcionar como linguagens que sobredeterminam o sonoro e o visual. Há uma adequação das estratégias discursivas e mecanismos expressivos, que são relacionados em função de serem apropriados à televisão: são as formas específicas de cortes, planos, justaposição de cenas em movimento, montagens, edição. E o meio dispõe de todo um arsenal de procedimentos para tentar impor ao receptor sua interpretação dos acontecimentos representados. (DUARTE, 2010, p.228-229)

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Assim, nesta análise, serão destacados somente os recursos técnicos e

narrativos que, sob o ponto de vista desta autora, chamam a atenção nas

estratégias utilizadas pelo programa Metrópolis, sem que haja necessidade de

pormenorizar aspectos comuns à linguagem audiovisual utilizada no telejornalismo

padrão ou outras categorizações de produtos televisuais.

Serão enfatizadas experimentações narrativas, levando-se em conta a

permanência ou não da “narratividade” – conceito problematizado por Duarte, em

sua metodologia para análise de produtos televisuais, como a coerência entre

qualificação, ação e sanção dos textos, compondo uma estrutura lógica. O

interessante é então verificar “como” os textos audiovisuais do programa-objeto

deste trabalho fazem para “dizer” o que dizem. Segundo Duarte, é esse “como”,

compreendido como processo de discursivização, que o distinguirá.

Nesse sentido, o segundo conceito atualizado por Duarte e pertinente a este

trabalho é o de “texto”, tido como espaço de manifestação do discurso, afinal, “não

se podem analisar os produtos televisuais independentemente de sua relação com o

processo comunicativo que os engendra e constitui, cujas características

particulares têm repercussões sobre seus conteúdos e linguagens”. (DUARTE,

2010, p.230).

Além desses conceitos, serão tomadas da metodologia proposta por Duarte

as considerações a seguir:

a) definição do âmbito da investigação a ser realizada – propõe-se um exame das

estratégias comunicativas e discursivas, assim como os mecanismos expressivos

utilizados em sua manifestação, pois, segundo Duarte:

A televisão deseja e precisa ser assistida, isto é, conquistar e manter a atenção do telespectador, pois disso decorre sua sobrevivência. Para tanto, emprega diferentes níveis de estratégias comunicativas e discursivas, que correspondem a deliberações em diferentes níveis e à adoção de determinados procedimentos – de seleção, combinação e mesmo ruptura – que se submetem ao princípio da eficácia: seu propósito é o êxito. (DUARTE, 2010, p.232)

b) proposição de metodologia de análise coerente com a proposta teórica adotada e

adequada aos objetivos de determinada investigação – será realizada a

descrição do objeto envolvendo as suas relações internas entre expressão e

Page 100: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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conteúdo. Seguindo essa orientação, a metodologia adotada se norteará pelos

operadores conceituais descritos no início deste capítulo, envolvendo ainda, os

aspectos discursivos ligados à tematização, espacialização, temporalização,

figuralização, actorização e tonalização, o que, segundo a autora, atualiza

possibilidades ligadas às estratégias discursivas – narrativa e enunciativa – e

aquelas ligadas aos mecanismos de expressão utilizados;

c) a categorização do programa-objeto sob o abrigo de gêneros e subgêneros aos

quais está ligado – será adotado o gênero factual, por corresponder a uma

realidade discursiva da ordem da metalinguagem, conforme classificação –

também proposta por Duarte – já citada no capítulo anterior;

d) proposição de categorias dentro de um mesmo subgênero – de acordo com

Duarte, os subgêneros constituem uma pluralidade de programas, por sua vez,

diferenciados pelo formato, que determina a forma e o tipo de produção de um

produto televisivo. Assim, de antemão, será adotado o formato revista eletrônica

para designar o produto Metrópolis, que é um programa, de acordo com a

classificação da autora, também já utilizada no capítulo quatro.

Quanto à categorização, Duarte chama a atenção para a tonalização do

discurso, que seria responsável por conferir um ponto de vista, a partir do qual a

narrativa de um produto televisivo quer ser reconhecida pelo telespectador. Dessa

forma:

O processo de tonalização tem por tarefa a atribuição estratégica de um tom principal ao discurso produzido e à sua articulação com outros tons a ele correlacionados. Mas é preciso ter em mente que, para além de inclinações, tendências ou outras peculiaridades, a escolha de um tom em televisão é uma deliberação de caráter estratégico. (DUARTE, 2010, p.241)

Ainda de acordo com a metodologia proposta por Elizabeth Duarte, o

processo de tonalização dos programas implica dois tipos de procedimentos com

vistas à harmonização e compatibilização das combinatórias tonais, envolvendo

movimentos de modulação (deslocamento de um tom principal aos tons

relacionados ou vice-versa) e gradação (aumento ou diminuição de ênfase em um

mesmo tom). Segundo a autora, a produção televisual se movimenta basicamente

entre dois objetivos – informar e divertir –, que, ora são priorizados, ora se

combinam. Assim, interessa aqui saber quando o tom do programa-objeto tende às

nuances de seriedade, ludicidade e trivialidade.

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5.2 Nosso método

Como lembra Machado, o termo análise vem do grego antigo análusis que

significa “separação, decomposição, desagregação do todo em suas partes

constituintes, para efeito de conhecimento” (MACHADO, 2007, p.10). Assim, de

acordo com o autor, utilizar-se-á aqui a desmontagem e remontagem do programa-

objeto, a fim de conhecer seu modo de funcionamento.

O método que se propõe para analisar o Metrópolis utiliza uma amostragem

de seis programas consecutivos, veiculados durante a semana de abertura da 29ª

edição da Bienal de São Paulo, melhor dizendo, entre os dias 20 e 25 de setembro

de 2010.

É importante observar que a edição de sábado (25/09) é uma reapresentação

das reportagens e entrevistas consideradas pela direção como as “melhores da

semana”. Esse material é condensado em VTs mais curtos e sua “reveiculação” é

bastante emblemática para esta pesquisa, pois sinaliza uma autocrítica do

programa, revelando o que ele considera ser mais representativo de sua linha

editorial durante o período.

Para fragmentar, porém, esse objeto, de modo a refinar a análise, optou-se

por uma divisão que leve em conta, em vez dos dias da semana, os temas culturais

sobre os quais dizem respeito as reportagens, entrevistas, notas cobertas e

participações de repórteres ao vivo. A descrição do conteúdo de todos os programas

analisados está disponível nos anexos deste trabalho, enquanto a divisão temática

utilizada corresponde aos assuntos ligados às artes visuais, música, teatro,

literatura, dança, cinema, fotografia, moda. Foi ainda acrescentado o tema “artes

híbridas”, conforme já exposto, para designar manifestações contemporâneas, como

instalações e performances, que mesclam diferentes formas de arte e cuja

segregação, neste trabalho, seria demasiado complexa e arbitrária.

Definidas as categorias temáticas, o segundo passo do método de análise

aqui utilizado consistirá na aplicação dos operadores conceituais construídos ao

longo deste trabalho:

a) segundo as características da sociedade e produção simbólica contemporâneas

(fragmentação, superficialidade, identidades fluidas, trocas simbólicas em

deslocamento, espetacularização e hipervalorização da imagem, subjetividades

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em trânsito, celebrização da vida privada), pode-se verificar se há tendência ao

posicionamento crítico, preconceito em relação à produção atual, por adotar um

ponto de vista tradicional, ou divulgação acrítica das manifestações em evidência

no cenário artístico e cultural da contemporaneidade;

b) quanto à abordagem dos temas, com base na complexidade da produção cultural

contemporânea, será verificado se o programa opta por elaborar reportagens,

entrevistas, notas cobertas e participações ao vivo de repórteres, conduzido pelo

formato de guias e agendas, que reduzem os temas às respostas do lead; pela

análise crítica e contextualizada das obras; por uma postura hermética que

pressupõe um repertório específico do espectador em relação ao assunto; ou se

prefere traduzir, de forma exageradamente didática, cada um dos temas,

supondo que o público necessite de um tutor para guiá-lo e poupá-lo de pensar;

c) quanto aos critérios de noticiabilidade, procurar-se-á identificar se o Metrópolis

pauta-se pela lógica do jornalismo especializado, optando pelos chamados

“acontecimentos invisíveis”, ou se, do contrário, guia-se pelos mesmos

“valores/notícia” que norteiam o jornalismo como um todo;

d) quanto à utilização de quatro dos seis problemas do jornalismo cultural

identificados por Maurício Stycer (2007), apontar-se-á se, pela amostragem

escolhida, é possível apontar deficiências na cobertura cultural do Metrópolis, em

relação:

• à maneira como lida com o excesso de oferta da “indústria cultural”;

• à contaminação do jornalismo pela publicidade;

• à forma como trata a questão das leis de incentivo, que viabilizam a produção

cultural;

• ao modo como estabelece o limite, cada vez mais tênue, entre a vida pública

e a privada das personalidades culturais.

Como exposto anteriormente, será utilizada ainda parte da metodologia

proposta por Elizabeth Duarte (2010, p.228), adequada da seguinte forma:

a) análise macro, compreendendo a categorização proposta pela autora, segundo a

qual se pode definir o gênero, subgênero, formato e tonalização do programa

Metrópolis como um todo;

b) análise micro, por meio da qual serão destacados os recursos técnicos e

narrativos que compõem a “narratividade” (DUARTE, 2010, p.228) das

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reportagens, entrevistas, notas cobertas, participação de repórteres ao vivo,

assim como a performance do apresentador. Desse modo, serão consideradas

as estratégias discursivas: espacialização, temporalização, actorização e

tonalização.

Antes de se partir para a aplicação empírica do método proposto, porém, será

feita uma breve apresentação do Metrópolis.

5.3 O que é o Metrópolis

Palavra que se faz compreender em praticamente todos os idiomas,

Metrópolis sugere urbanidade e universalidade. Não por acaso, o cenário do

programa da TV Cultura sempre explorou imagens relacionadas à maior metrópole

do País, São Paulo – base da emissora e local onde é realizada a grande maioria

das reportagens veiculadas.

Atualmente, o cenário é composto por um grande sofá em que se acomodam

os entrevistados, tendo ao fundo um monitor de televisão em tela plana e um painel

que ilustra uma vista aérea e noturna da cidade de São Paulo, com seus arranha-

céus iluminados. Combinadas a esse cenário, são colocadas obras assinadas por

artistas plásticos e designers brasileiros da contemporaneidade. Essas obras

permanecem temporariamente no estúdio e nem sempre são focalizadas pelas

câmeras durante as apresentações diárias. À medida que são substituídas, integram

um acervo próprio do programa, que realiza exposições itinerantes pelo País.

O nome do programa possivelmente tem inspiração no longa-metragem

Metrópolis, ficção realizada pelo diretor Fritz Lang, em 1927, e que se passa no atual

século XXI. Além desse clássico do expressionismo alemão no cinema, o termo

ainda designa uma gama de revistas publicadas ao redor do mundo – entre elas, a

Metropolis Magazine, do MOMA (Museum of Modern Art), em Nova Iorque.

Já no Velho Continente, um programa homônimo – e também voltado para a

arte e cultura contemporâneas – constitui-se um dos mais duradouros da televisão

espanhola. Segundo Pastoriza, “aproveitando o ritmo do movimento sociológico

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!

!

#$%!

juvenil” (Pastoriza, 2003, p.161), o Metrópolis espanhol foi criado em 1985 e, desde

então, é exibido semanalmente pelo canal 2, da TVE.

Criado em 1988, o Metrópolis brasileiro é uma revista cultural eletrônica

produzida e veiculada diariamente pela TV Cultura. Adequado às características de

um magazine, o programa combina tons de seriedade e leveza, ao abordar temas

ligados ao teatro, cinema, livros, shows, comportamento, estilo e humor, os quais,

conforme sua autodefinição no site específico na internet, “fazem parte do caldeirão

de assuntos diários”.

Chama a atenção o fato de o programa não se interessar, pelo menos

explicitamente, por manifestações da dança, fotografia e artes visuais. No entanto,

como alguns desses assuntos foram discutidos nas edições analisadas, optou-se

por constá-los no rol dos temas a serem correlacionados nesta pesquisa, assim

como aqueles comumente ligados ao jornalismo especializado em cultura.

Veiculado por um dos principais canais públicos da televisão brasileira, o

Metrópolis também se intitula “um programa de arte e cultura”, voltado para “a

inovação, o experimental e o consagrado”. Atualmente, o programa vai ao ar de

segunda a sexta-feira, às 20h15min, ao vivo, com duração de 45 minutos, divididos

em três blocos. Aos sábados, o Metrópolis apresenta uma edição especial, pré-

gravada, exibindo, durante uma hora, a seleção das reportagens e entrevistas que

foram ao ar nos últimos dias, de forma que o material seja reapresentado de forma

mais compacta que na primeira exibição.

O horário de transmissão localiza-se na chamada “faixa nobre” da televisão

brasileira, configurando-se uma alternativa para quem foge das opções tradicionais

da TV aberta, ou seja, as telenovelas e telejornais. Durante a semana, o Metrópolis

é exibido entre o programa Cultura Mundo, que exibe documentários, e o Jornal da

Cultura, o principal telejornal da emissora.

Além de ser um dos programas de maior longevidade da televisão brasileira,

o Metrópolis chamou a atenção para esta pesquisa por corresponder também a uma

das poucas opções culturais da televisão aberta em nível nacional. Nas principais

cadeias – como Globo, Record e SBT – não existem programas destinados à

produção cultural. A Rede Globo reserva esse tipo de programa apenas a seus

assinantes dos canais a cabo, como GNT e Globonews, que semanalmente

discutem a produção artística e cultural no Starte, Agenda, Sarau. Majoritariamente

a produção cultural está fadada a disputar espaço em reportagens esporádicas nos

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!

#$&!

telejornais. Outra opção seriam programas regionais das emissoras públicas, como a

Rede Minas, que dedica boa parte de sua grade ao assunto, como nos programas

Agenda, Diverso, Harmonia, Imagem da Palavra, entre outros, sem, contudo,

avançar os limites do Estado.

Ao contrário do Metropolis espanhol, que prescinde da figura do

apresentador, a revista eletrônica brasileira sempre contou com âncoras que

apresentam e comentam as reportagens, além de receber entrevistados no estúdio.

Atualmente, a apresentação é do jornalista e músico Cadão Volpato, com a

participação das repórteres Alessandra Calor e Adriana Couto, ex-apresentadora ao

lado do jornalista Cunha Júnior até a última reformulação, feita em 2010.

Ao longo de sua história, outras e muitas foram as mudanças, embora, de

acordo com o site oficial, a direção do programa considere que o conceito

permaneça inalterado. Concebido numa época sem internet, redes sociais e TV a

cabo, o programa estreou como uma opção de cultura e entretenimento ao grande

público, sem que fosse preciso sair de casa. Levava atrações musicais e

performances teatrais para o estúdio, sempre ao vivo, fechando a programação da

emissora. Como último programa da grade, não raras vezes o Metrópolis

extrapolava seu horário e invadia a madrugada.

Hoje, no entanto, é possível observar que pouco restou daqueles tempos de

experimentação e ousadia. O programa não mais apresenta os improvisos que eram

frequentes nas TVs públicas brasileiras nos anos 1980 e 1990. Hoje está formatado

segundo os padrões da profissionalização que imprime certa homogeneidade aos

produtos exibidos na pequena tela, mas carrega em si o mérito da longevidade e da

quase exclusividade na transmissão especializada em cultura na televisão aberta.

Por outro lado, tem perdido em qualidade, como quando se aproxima da vida

privada dos artistas e celebridades do universo cultural – problema não exclusivo do

programa, mas um dos “sintomas” dos meios de comunicação contemporâneos.

Essa e outras questões serão analisadas no próximo tópico, em que se utilizará a

metodologia descrita anteriormente.

Page 106: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#$'!

5.4 Análise temática e conceitual

Tendo em vista a produção simbólica realizada no contexto da sociedade e

cultura contemporâneas, sugere-se agora um olhar mais aprofundado sobre o modo

como o programa Metrópolis interpreta e veicula essa produção. Para isso, serão

consideradas também as especificidades do jornalismo especializado em cultura,

assim como implicações do meio televisivo, conforme exposto nos capítulos

anteriores. É preciso deixar claro que a análise proposta reflete um ponto de vista

com base em um método próprio, construído para esta pesquisa. Muitas e outras

análises diferentes seriam possíveis e pertinentes.

A amostragem escolhida para análise corresponde ao período entre os dias

20 e 25 de setembro de 2010, semana em que foi aberta a 29ª Bienal de Artes de

São Paulo. A opção por esse período se deve justamente ao fato de ser este o

principal evento do calendário das artes visuais do País – e um dos mais

importantes do mundo –, revelando o que há de mais contemporâneo na produção.

Assim, interessa aqui o modo como o programa aborda o tema, por meio da

cobertura de um evento como esse, considerado um desafio ao profissional

especializado, não apenas pelo aspecto da novidade, como também pela

complexidade e grande quantidade de obras.

Antes de tudo, é preciso considerar que um programa de televisão, sobretudo,

diário e de conteúdo cultural, configura-se como uma estrutura complexa e dinâmica,

o que limita a ousadia de aprisioná-lo em conceitos taxativos. Considerando a

amostragem de cinco edições, ou uma semana, deseja-se revelar o modo de pensar

e veicular a cultura, sem se esquecer de que cada uma das edições analisadas está

intimamente ligada ao calendário, ritmo e criatividade da produção que a motiva.

Isso posto, parte-se agora para os subitens relacionados aos temas propostos

para análise.

Page 107: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#$(!

5.4.1 Artes cênicas

As manifestações artísticas ligadas ao teatro, à dança e à ópera tiveram

pouca repercussão no Metrópolis durante a semana de análise. O tema teatro foi

mais abordado em entrevistas, ou, melhor dizendo, motivaram entrevistas com

convidados no estúdio, para, a partir das artes cênicas, conversarem também sobre

outros assuntos, inclusive a vida pessoal de duas entrevistadas. Observa-se que nas

entrevistas, uma realizada na segunda-feira e outra, na quinta-feira, as convidadas

foram atrizes de televisão, ambas vinculadas à Rede Globo, que não se limitaram

aos assuntos ligados ao teatro, mas também à televisão e ao universo das

celebridades – o que melhor se adequaria a programa de comportamento.

A dança não teve nenhuma menção nesses programas, enquanto a ópera,

mais rara de se observar nos cadernos culturais e na programação dos palcos,

mereceu a atenção do Metrópolis na edição de sexta-feira, 24 de setembro. O

conteúdo é uma reportagem possivelmente extraída de agências de notícias, já que

a estreia de Plácido Domingo, interpretando Pablo Neruda, na noite anterior, em Los

Angeles, não contou com a presença in loco de uma equipe do programa ou, pelo

menos, isso não foi identificado nos créditos da reportagem. Da mesma forma, não

foi creditada a origem ou autoria das imagens e da entrevista com o tenor.

A única reportagem de fato sobre o tema teatro foi exibida na quinta-feira, 24

de setembro. O material chamou a atenção pela contextualização e reflexão acerca

da obra Orfeu, buscando referências tanto na mitologia, como no cinema, na

primeira montagem da peça assinada por Vinícius de Moraes, que aborda a questão

étnica e social. Um rico trabalho de produção que se aproxima do jornalismo cultural

analítico, embora pautado pelo critério “lançamento”, já que se tratava da estreia da

peça – considerada um clássico – numa nova montagem, com direção de Aderbal

Freire Filho e direção musical de Jaques Morelenbaum – ambos amplamente

conhecidos e respeitados no cenário nacional.

Outro ponto que pesou contra a citada reportagem foi o fato de a obra ter

custado 2,2 milhões de reais, dos quais 1,6 milhão foi captado via Lei Rouanet. Isso

chamou a atenção de outros veículos, como o caderno especializado Ilustrada, do

jornal Folha de São Paulo, sobretudo pelo valor dos ingressos, que chegavam a 180

reais, o que não mereceu qualquer comentário no Metrópolis.

Page 108: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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!

#$)!

De acordo com as características da sociedade contemporânea na produção

cênica veiculada pelo programa, nota-se que o Metrópolis preferiu posicionar-se de

forma acrítica, principalmente com relação às entrevistas, nas quais era possível

observar mais pontos de conivência com a superficialidade e celebrização da vida

privada. Quanto à abordagem do tema, nas reportagens Orfeu e Ópera há uma

maior preocupação em fornecer mais informações que localizem melhor o

espectador do que nas entrevistas. Na conversa com Marjorie Estiano e Denise

Fraga – duas atrizes que frequentam produções de grande repercussão, como

novelas e seriados da Rede Globo –, o apresentador e as convidadas citam autores,

dramaturgos e outros atores, às vezes, pelo primeiro nome, não permitindo que o

espectador se configure como uma terceira figura no diálogo.

Quanto à noticiabilidade que norteou as pautas veiculadas sobre as artes

cênicas, pode-se afirmar que, em todos os casos, o critério utilizado foi o da

novidade, reforçado pelo discurso do apresentador em expressões como “foi aberta

ontem a temporada de ópera de Los Angeles”, “ela está com a peça Inverno da luz

vermelha”, “estreia em São Paulo, logo mais às nove da noite”.

De acordo com os problemas listados por Stycer, em relação às artes

cênicas, pode-se afirmar que, mesmo com o excesso de montagens em cartaz em

São Paulo, quantitativamente foram poucos os espetáculos mencionados, embora o

tempo destinado a cada um deles tenha sido razoável. Ainda quanto à demanda da

indústria cultural, chama a atenção o interesse do programa em noticiar a estreia de

uma ópera em Los Angeles, aparentemente fora do foco do programa. Já as leis de

incentivo sequer foram mencionadas, conforme já exposto.

Quanto aos limites entre o público e o privado na vida dos artistas, esse

problema revela-se, principalmente, nas entrevistas. No caso da atriz Marjorie

Estiano, que acompanhou uma edição inteira (23/09/2010), chega a ficar cansativo o

tom, que mais se aproxima de uma revista de comportamento ou do universo das

celebridades, como no trecho em que a cantora comenta os livros que não leu.

Aparentemente a produção do programa não foi muito feliz em manter no estúdio a

convidada, que, em princípio, estava presente para divulgar o espetáculo no qual

atua. Os comentários acerca dos outros temas foram majoritariamente vazios.

Em relação aos recursos técnicos e discursivos emprestados da metodologia

de Elizabeth Duarte (2010), pode-se afirmar que a espacialização se divide

basicamente entre o local da reportagem – sempre contextualizada ao assunto, e o

Page 109: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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#$*!

estúdio – em que são utilizadas duas câmeras, poucos planos e enquadramentos (o

sofá onde recebe convidados, plano fechado, plano americano próximo ao televisor).

O tempo é sempre o que represente o mais atual. Excepcionalmente no caso da

ópera, como a estreia foi em outro país, usou-se a conjugação dos verbos no

passado, mas sem deixar perder a atualidade. Para isso foram utilizados recursos

que tornam o assunto mais quente na apresentação, como “a temporada começou

ontem à noite”.

Outra estratégia discursiva que se pode destacar, de acordo com o método

construído, é a actorização, uma vez que fica nítida a mudança de fisionomia do

apresentador, que se mostra mais espontâneo ao conversar com as entrevistadas

do que quando fala com o espectador, ou seja, quando incorpora a figura do

apresentador ao ler as informações no teleprompter.

5.4.2 Cinema

A sétima arte pautou onze conteúdos exibidos pelo Metrópolis durante a

semana entre 20 e 25 de setembro. Foi possível notar que o tema está mais

presente no programa na forma de notas cobertas, principalmente concentradas na

véspera das estreias no cinema. São sinopses ilustradas com imagens de

divulgação dos filmes, com raras exceções beirando a resenha crítica. Também se

observou que, durante o período analisado, dois conteúdos veiculados ligados ao

cinema foram para chamar para a programação da própria emissora, que exibe

filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Chama a atenção que a única reportagem mais longa sobre cinema tenha

sido para discutir a continuação de uma produção hollywoodiana da década de

1980, Wall Strett: poder e cobiça, que, na nova versão, teve o subtítulo mudado para

O dinheiro nunca dorme. Além de a produção ser um blockbuster, a reportagem fala

mais de economia que de linguagem cinematográfica. O programa do dia 24 de

setembro, sexta-feira, convidou um jornalista especializado em economia para

assistir ao filme e comentá-lo; como era esperado, porém, o assunto girou mais em

torno da economia e da verossimilhança entre a obra fictícia e o mundo real dos

negócios.

Page 110: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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#$+!

Apesar de curta, uma nota coberta sobre a obra do cineasta John Ford

cumpriu a função de contextualizar o diretor e sua arte. O programa dosou

informações e imagens emblemáticas da filmografia do diretor que, muito

provavelmente, foram fornecidas pela equipe de divulgação de uma mostra em

homenagem a Ford, que acabara de estrear em São Paulo.

Outros conteúdos que merecem comentários são a nota sobre a divulgação

do filme Lula, o filho do Brasil, como representante brasileiro para possível indicação

ao Oscar de melhor filme estrangeiro, em que o programa questiona o peso político

da escolha; o lançamento do filme de Arnaldo Jabor, Suprema felicidade, na

abertura do Festival do Rio, em que são priorizadas as celebridades na cerimônia

exclusiva para convidados, e o comentário do apresentador quanto à continuação da

série Harry Potter, com novo filme em 3D, motivado pelo fato de o assunto ter sido o

mais comentado no twitter do dia.

Pode-se perceber por esse último exemplo que os parâmetros de público,

noticiabilidade e a forma de pautar o programa deixam-se contaminar pelas

utilidades e futilidades das redes sociais. Nesse caso, percebe-se que essa

demanda funciona como espécie de “pós-release”, que reforça a influência da

indústria cultural, com uma ditadura do público.

Partindo para a aplicação do método proposto, observou-se que, em relação

ao cinema, o Metrópolis manteve-se acrítico quanto às características da

contemporaneidade na produção simbólica, manifestando ponto de vista negativo e

de questionamento apenas em relação a um dos filmes, a comédia norte-americana

Gente grande. Das estreias divulgadas na quinta-feira, 23 de setembro, o

apresentador praticamente recomenda todos os filmes, usando um tom de ironia e

preconceito apenas ao comentar esse blockbuster americano, deixando nas

entrelinhas que se trata de produção nova, que utiliza uma velha fórmula.

Por outro lado, o programa também não adota o ponto de vista estritamente

contemporâneo com preconceito em relação a produções de épocas anteriores. No

material sobre o diretor John Ford, por exemplo, o tom é respeitoso e de

reconhecimento – sem exageros. Vale ressaltar, porém, que esse diretor é

considerado um clássico, sobre o qual é fácil dizer algo sem inovar, como faz o

programa.

Essa mesma mostra sobre o diretor é também o mote para um material mais

analítico e informativo sobre o estilo de Ford. A mesma preocupação não se observa

Page 111: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

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#$"!

em relação às demais produções cinematográficas mencionadas nos programas

desta amostragem, que optam por uma espécie de agenda reduzida ou cardápio do

que está em cartaz ou em evidência na semana. Quanto aos critérios de

noticiabilidade, mais uma vez observou-se a novidade, o evento e a estreia como

norteadores das pautas ligadas ao cinema.

Dos problemas listados por Stycer, o que mais surpreendeu foi a coincidência

do mesmo caso de contaminação do jornalismo pela publicidade, já que o

Metrópolis, em vez de informar sobre o novo Harry Potter, deixou claro que, se o

assunto foi tão bem recebido no twitter, certamente interessará ao público do

programa. O apresentador inclusive promete trazer mais novidades.

Também merece registro a forma como o programa lida com o excesso de

demanda da indústria cultural. Como grande parte do material sobre cinema foi ao ar

no mesmo dia, ou seja, na véspera da estreia, o programa optou por oferecer um

leque de opções com informações superficiais, em vez de se concentrar em um ou

outro filme, que, do ponto de vista da arte cinematográfica, apresentasse algo novo

na linguagem, abordagem ou temática. Quanto às leis de incentivo – certamente

viabilizadoras de filmes como Lula, o filho do Brasil e Suprema felicidade –, elas

sequer são mencionadas.

De acordo com as estratégias discursivas, foi observada uma grande

actorização da repórter Adriana Couto, durante a reportagem sobre o filme Wall

Street – a teatralização da reportagem foi demasiada. Nas reportagens, pode-se

observar que nem repórter, nem entrevistado sentem-se à vontade. De forma geral,

a espacialidade com que foi apresentado o conteúdo sobre cinema foi do estúdio

para as imagens de divulgação dos filmes. Cadão Volpato está sempre em um

enquadramento mais fechado, e o tempo é o presente.

5.4.3 Literatura

A literatura é um dos temas mais desafiadores para a linguagem televisiva –

dependente de imagens. O assunto motivou a produção de quatro conteúdos

veiculados pelo Metrópolis. Observou-se, porém, que esses conteúdos (três

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##$!

entrevistas e uma nota coberta) logo se enveredaram para outros assuntos, que não

a produção literária de fato.

Na entrevista de sexta-feira com Alberto Villas, que lançava o livro Onde foi

parar nosso tempo?, a conversa quase se limita à mania do jornalista e escritor de

colecionar coisas. Quanto a Marçal Aquino, ele é pouco instigado a falar sobre seu

processo de criação literária, já que a entrevista dá preferência a seus roteiros para

o cinema e a televisão. O aspecto “novo” citado pelo apresentador, como se

precisasse justificar a presença de um escritor num programa de cultura, foi o

anúncio da volta do seriado Força Tarefa, com roteiro de Aquino e exibido pela Rede

Globo. Os outros conteúdos pautaram-se por eventos pontuais. Foi exibida uma nota

coberta breve, sobre uma homenagem a José Saramago, na qual Chico Buarque

rouba a atenção numa leitura dramática. Na volta ao estúdio, o apresentador tenta

estabelecer um diálogo com sua convidada, Marjorie Estiano, sobre a obra do Nobel

de literatura, mas ela comenta ter lido apenas uma de suas obras. Já uma entrevista

de estúdio com o ex-curador da Festa Literária de Paraty, o jornalista Flávio Moura,

pontua-se pelas curiosidades sobre as edições anteriores do evento, limitando-se,

no máximo, a citar alguns escritores pelo primeiro nome, sem contextualizá-los.

Percebe-se que, em princípio, não havia um propósito claro para o convite, já que o

jornalista não estava lançando nada e deu a informação de que tinha saído da

curadoria com uma notícia fresca, que se efetivou depois de feito e aceito o convite

para participar do Metrópolis.

Segundo as características da produção contemporânea, como a

fragmentação que marca as diversas atividades exercidas por Aquino, a tendência

foi também de segmentação para a abordagem, resultando numa entrevista

superficial. O curioso é que, sendo o programa também um produto da

contemporaneidade, a postura do apresentador-entrevistador pode ser considerada,

em alguns momentos, preconceituosa em relação ao ponto de vista mais tradicional.

Isso fica claro na entrevista com escritor Alberto Villas, que, em seus livros,

demonstra saudosismo em relação às décadas de 1950 e 1960. O apresentador

insiste para obter uma resposta positiva do entrevistado quanto a se sentir um

deslocado no tempo atual, repetindo a pergunta diversas vezes. Também soa

preconceituosa a forma como ele classifica a obra de uma “memória torta, que

parece ser da idade da pedra lascada”.

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###!

Ao abordar o tema ligado à literatura, os conteúdos revelaram-se mais

próximos dos de uma revista de comportamento, que especializada em cultura. Os

critérios de noticiabilidade foram a novidade, desde o registro de uma homenagem

na noite anterior, ao lançamento de um novo livro e à troca da curadoria de um

evento literário. Com exceção de Villas, que comenta sobre suas filhas, manias e

coleções, aproximando o espectador de seu mundo privado, nenhum dos quatro

problemas listados por Stycer foram evidenciados, no tocante aos conteúdos

literários.

As estratégias discursivas que se destacam são a tonalização, sempre leve,

já que não são utilizados muitos recursos narrativos nas entrevistas com os

convidados no estúdio.

5.4.4 Música

A produção musical esteve presente em seis conteúdos apresentados pelo

Metrópolis – a maioria reportagens em que se exploram canções e videoclipes, além

de duas entrevistas de estúdio. Apenas duas pautas corresponderam à produção

internacional – um registro da despedida da banda Scorpions dos palcos e o

lançamento mundial do novo disco de Phil Collins.

Em relação à produção caracterizada por aspectos contemporâneos, chama a

atenção o tratamento contrastante dispensado ao global e ao local. Com tom de

orgulho, por acompanhar um lançamento simultâneo em todo o planeta, o programa

reedita um material de divulgação sobre o novo disco de Phil Collins, enquanto trata

como caricato e exótico o trabalho da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério,

não só na reportagem como principalmente na participação do maestro no estúdio.

O maestro Forró é, coincidência ou não, o único convidado do estúdio durante

a semana que não chega a sentar-se no sofá. A entrevista é feita de pé, em plano

americano. Outro rótulo ligado à localidade é usado para definir artistas não

paulistanos ou não suficientemente famosos e, assim, mesmo com todo o prestígio e

reconhecimento que a reportagem tenta reforçar sobre Djavan, o artista mais de

uma vez é mencionado como “o alagoano”.

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##%!

Quanto à abordagem do tema, o programa majoritariamente utiliza

reportagens mais elaboradas, enriquecidas com arquivo de imagens, embora, em

alguns casos, exija repertório específico prévio do espectador, como na reportagem

sobre Djavan, em que um trecho exibido requer a informação que ele diz ter dado

anteriormente, mas tal trecho não foi veiculado. Assim, o espectador não consegue

adentrar no diálogo em que ele explica porque foi polêmica a escolha da música

Palco, de Gilberto Gil, para o repertório do CD Ária.

Embora em relação ao tema o programa não se reduza a uma agenda e, em

muitos casos, nem cite o local dos shows, o que pauta os conteúdos veiculados são

os critérios de noticiabilidade ligados à novidade. O que motiva a elaboração, como

fica claro nas cabeças lidas pelo apresentador, em estúdio, é o evento, o

lançamento.

A invasão da vida privada sobre a obra, mais uma vez, fica evidente na

entrevista com a cantora Tulipa Ruiz. O apresentador quis apresentar a cantora da

nova geração como uma herdeira do talento dos pais, que seriam artistas, mas se

atrapalha ao dizer que Tulipa é filha da poeta Alice Ruiz. Daí a conversa acaba

seguindo para o lado pessoal (que é a mãe, o que faz, se o pai já namorou a citada

poeta...).

Das estratégias discursivas utilizadas, destacam-se a espacialidade ligada à

temporalização, visto que, na reportagem sobre a Orquestra da Bomba do

Hemetério, primeiro, o cenário criado é dos músicos com o povo na Praça da

República e, de lá, o Maestro Forró segue com a equipe para a entrevista no

estúdio. É claro que, sendo o programa apresentado ao vivo, foi utilizado o recurso

da actorização para criar essa narrativa, que mistura tempos e espaços diferentes.

Além disso, na reportagem sobre Djavan, a repórter está na passagem de som do

cantor com a banda, dando a impressão de que ela está, ao vivo, no show que

acontece naquele dia.

5.4.5 Fotografia

Em uma das edições, o programa afirma a fotografia como uma das grandes

expressões do século 21. O tema mereceu destaque em duas reportagens, ambas

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pautadas por eventos. A primeira delas é um panorama do evento Paraty em foco,

percorrendo exposições e oficinas, sem se aprofundar em nenhuma discussão sobre

a linguagem fotográfica da produção atual presente no evento. A outra é sobre a

fotografia como linguagem artística, em exposição na 29ª Bienal de São Paulo, aí

sim, com uma discussão um pouco mais reflexiva.

Para reforçar a teoria de que a fotografia seria uma das grandes expressões

contemporâneas, a segunda reportagem se aproxima do jornalismo cultural

analítico, ao deixar que os autores das fotos expostas na Bienal comentem os

trabalhos, as propostas e o porquê da utilização dessa linguagem. Os textos em off

e as intervenções do repórter são apenas para conduzir a narrativa. O critério de

noticiabilidade continua sendo o evento, a novidade. Já quanto aos quatro

problemas adotados neste método de análise, conforme questões aventadas por

Stycer, nenhum deles se mostrou preponderante em relação ao tema.

Nas duas narrativas construídas, a espacialidade se destaca como estratégia

discursiva. Tanto em Paraty, como na Bienal, o espectador é convidado a deslocar-

se junto com a câmera para percorrer vários trabalhos e propostas em diferentes

espaços, que, no segundo caso, compõem um só tema em discussão.

5.4.6 Artes híbridas

Aliando duas ou mais formas de linguagem artística ou simplesmente

misturando tecnologias – assim se apresentam as duas produções culturais que

metodologicamente classificamos neste subitem de análise. Em comum elas têm o

fato de terem sido veiculadas pelo programa por integrarem a 29ª Bienal de São

Paulo. Desde modo, a performance Metade da sala no chão piano mudo, de Tatiana

Blass, e Doutor estranho, de Lívio Tragtenberg, particularmente chamaram a

atenção, pela maneira como o Metrópolis abordou as produções.

Enquanto a obra de Tatiana Blass consiste em derramar cera quente sobre

um piano, durante a execução de Chopin por um músico, a ponto de ele se calar e

formar uma nova estrutura, que a artista dizer ser uma escultura, a obra de

Tragtenberg é uma jaula no pavilhão da Bienal, onde o artista recebe e mixa vídeos

e sons dos visitantes.

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##'!

A opção do programa não foi apenas por uma postura acrítica, como também

espetaculosa. Isto fica claro na exibição de performances que os repórteres tentam

explicar ao espectador, nas participações ao vivo das repórteres em conversas com

os autores das obras durante o evento de abertura da Bienal. Ao mesmo tempo que

tentam apresentar a obra ao público rompem com possíveis reflexões,

questionamentos ou contextualização das produções por parte de quem assiste.

Quanto à abordagem do tema, a postura não está de acordo com nenhuma das

possibilidades previstas no método, pois foi apática em função do tempo e da total

condução dos artistas.

Os critérios de noticiabilidade foram os valores/notícias ligados à novidade,

extremados pela simultaneidade e urgência da cobertura ao vivo de um dado

acontecimento. Nenhum dos problemas listados por Stycer e adotados como critério

no método aqui aplicado foi evidenciado nas participações ao vivo, em relação ao

tema.

A narrativa foi construída utilizando-se as estratégias discursivas: a

temporalização e a espacialização norteadas pelo aspecto de “aqui e agora” do

imediatismo da cobertura, reforçadas pela tonalização do discurso focado na

hipervalorização do presente.

5.4.7 Artes visuais

Demarcadamente influenciada pelos aspectos que caracterizam a sociedade

e cultura contemporâneas, a produção artística visual foi, conforme esperado, um

dos maiores destaques do Metrópolis na amostragem. Em consequência da Bienal

de Artes de São Paulo, mas não exclusivamente pautado por ela, o programa exibiu

sete reportagens, inclusive uma realizada e veiculada no sábado, dia em que o

programa reprisa conteúdos da semana. O motivo foi a abertura da Bienal para o

público no sábado, 25 de setembro.

Um galerista e um artista plástico como convidados no estúdio e a

participação ao vivo de repórteres durante a abertura oficial foram outros recursos

utilizados para enfatizar a cobertura do evento pelo programa, assim como a criação

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##(!

de uma vinheta específica, exibida nos dias subsequentes, indicativa das

reportagens acerca do tema.

Em relação às questões contemporâneas presentes nas obras, o programa,

em alguns momentos, tenta posicionar-se criticamente, mas os questionamentos

são mais voltados à tradução breve da produção simbólica, em função do tempo

televisivo, justificando algumas escolhas e apenas mostrando outras. Isso fica claro,

por exemplo, na reportagem sobre a exposição do artista plástico Ernesto Neto. A

repórter tenta transmitir ao espectador a proposta altamente sensorial das obras

quando tocadas, exploradas em seu interior. O autor está presente para comentar a

proposta, que faz um paralelo entre cultura popular e industrial, o que é positivo. Na

sequência, porém, diversas obras são apenas mostradas, a fim de ilustrar com

imagens uma reportagem sobre elas que não aconteceu.

Apesar de a colaboradora em reportagem especial na Alemanha não

apresentar boa desenvoltura como repórter, é louvável a proposta do programa em

tentar antecipar sobre uma exposição que chegará ao Brasil, contextualizando a

produção de uma geração pós-queda do Muro de Berlim e entrevistando artistas que

questionam até mesmo a saturação da arte política, que dá certa unidade ao grupo.

O evento realizado em São Paulo seria um intercâmbio, ou, conforme tradução

literal, um “encontro às cegas” entre artistas brasileiros e alemães. Pergunta-se: por

que dar tanta ênfase a uma produção que ainda chegaria para essa exposição? Por

que não optar por mostrar a montagem da mostra, com o entrosamento e a troca de

experiências entre os dois grupos de artistas?

Em todo o conteúdo ligado à 29ª Bienal de São Paulo, o programa enfatiza a

grande quantidade de obras e a função fênix dessa edição, que tenta recuperar a

imagem da Bienal depois da edição de 2008, nas palavras do apresentador, “um

grande fiasco”. O Metrópolis, no entanto, parece prender-se mais à primeira

característica que à segunda, pois os conteúdos procuram sempre agrupar um

grande número de obras e artistas em blocos inchados, que inviabilizam a produção

de material audiovisual mais analítico, entre outros motivos, em função do próprio

tempo televisivo.

Em uma das reportagens, o programa opta por um guia de visitação da

Bienal, mas tenta fazer de modo menos arbitrário do que se vê geralmente na

imprensa especializada. Em vez de ditar um trajeto, foram convidados diversos

artistas participantes da Bienal para indicar o que consideram “imperdível” e por que

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!

!

##)!

motivo – sem que nenhum deles indicasse seu próprio trabalho. Vale ressaltar que

tal opção vai contra o chamado eixo curatorial, que define a disposição das obras

em uma dada exposição, na tentativa de construir certa linha narrativa para o

visitante.

Quanto à escolha de Baixo Ribeiro, proprietário da Galeria Choque Cultural, e

do artista plástico Luiz Paulo Baravelli para participação ao vivo no estúdio do

programa no dia da abertura oficial, chama a atenção o fato de nenhum deles ter

ligação direta com o evento. Se, por um lado, a isenção dos convidados permitiu que

pudessem fazer comentários mais críticos acerca da nova edição do evento, por

outro, tais críticas, em sua maioria, foram embasadas em opiniões pessoais, que

pouco acrescentam ao espectador. Nota-se ainda que o aspecto plástico e imagético

de intervenções – como a de Paulo Bruscky e Lygia Pape – é mais explorado que os

questionamentos que, com elas, os artistas tentam provocar. As duas intervenções,

como grande parte do que foi veiculado sobre a Bienal, são citadas dentro do

volume de obras presentes na Bienal.

Bruscky, cuja arte conceitual foi anteriormente citada neste trabalho de

pesquisa, foi mencionado na reportagem como “quem sempre questionou as

estruturas da arte contemporânea”. Tal informação, porém, não é justificada nem

com exemplos, nem com a fala do próprio artista, já que, no trecho selecionado da

entrevista, ele diz que sua obra de gelo vai derreter em quatro ou cinco horas.

Fogueira de gelo, escultura que reflete a efemeridade da arte contemporânea,

instalada na porta do Pavilhão da Bienal, não tem seu nome citado pela reportagem

ou complementado com recursos de letterings e é apresentada como uma grande

novidade, sem dizer que tais experiências de Bruscky são desenvolvidas desde a

década de 1970.

Ainda sobre a Bienal, é interessante notar que, apesar de ter havido

oportunidade para o programa discutir o financiamento do evento – o que

interessaria não apenas àqueles espectadores mais preocupados com a produção

cultural, mas a qualquer cidadão –, o tema apenas foi abordado durante uma rápida

participação ao vivo de uma das repórteres e durante o evento de abertura. Apesar

da complexidade do assunto, ele foi comentado superficialmente pelo presidente da

Fundação Bienal, Heitor Martins, sem que a repórter entrasse em questões mais

delicadas, como recursos públicos e privados e a contrapartida que querem as

empresas que investem na Bienal, por exemplo. Em vez de uma entrevista rápida,

Page 119: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

##*!

feita nos moldes dos colunistas sociais televisivos, mais interessante seria o

programa elaborar um material esclarecedor e denso sobre a Bienal e seus

constantes problemas financeiros.

A noticiabilidade do tema artes visuais, nos programas analisados, esteve

sempre ligada ao valor/notícia da novidade, por sua vez, ligada ao critério de produto

informativo, conforme classificação das pesquisas dos newsmaking (Wolf, 2003).

Pode-se notar ainda que a postura do programa foi de imprensa oficial da Bienal,

sem questionar conteúdo e polêmicas relacionadas ao evento. Quanto aos

problemas listados por Stycer, observa-se, como já exposto, o excesso de demanda,

sobretudo da 29ª Bienal, resultando em conteúdos que comentam grande

quantidade de obras, sem esclarecimento sobre a produção.

Em alguns momentos, o programa torna-se uma vitrine do evento, inclusive

com a criação de uma vinheta específica e com textos próximos dos publicitários, ao

convidar o público. A discussão sobre o financiamento, conforme dito, aparece como

uma intenção em entrevista ao vivo, que não se cumpre e não se retoma

posteriormente nos programas analisados. São efusivamente citados a grande

quantidade de obras e o teor crítico dessa Bienal, que teve como tema da curadoria

a relação entre arte e política.

A narratividade do conteúdo ligado às artes visuais é majoritariamente

construída pela espacialização, já que os repórteres estão sempre no local,

exploram o ambiente. Os movimentos de câmera permitem ainda que o espectador

se atente mais ou menos em uma dada obra, já que, muitas vezes, a imagem mais

percorre as galerias, fixando-se apenas nos pontos sobre os quais a reportagem

dará maior atenção. Também chama atenção a tonalização leve, tendendo mais à

informação que à diversão e temporalização, demarcada pelo presente.

5.4.8 Moda

Durante o período de amostragem, não foi exibido nenhum conteúdo

relacionado ao tema.

Page 120: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

##+!

5.5 Análise macro

Em sua cobertura diária da produção simbólica contemporânea, pode-se

afirmar, com base em nosso método de análise, que o Metrópolis configura-se como

uma revista eletrônica cultural. Com base na classificação proposta por Duarte

(2004), ele é um programa informativo, embora todo programa televisivo carregue

em si uma dose de entretenimento inerente ao meio. Por estabelecer uma linha

direta entre o real (produção cultural) e o discurso (texto jornalístico em forma de

cabeças, reportagens, entrevistas), o Metrópolis pertence ainda, segundo a mesma

classificação, ao “gênero da metarrealidade”.

O formato, de acordo com Duarte (2004), segue as classificações que as

próprias emissoras fazem. Assim, há o formato novela, talk show, telejornal, reality

show e o formato programa televisivo. Para melhor conceituar esse objeto, será

usado o subgênero revista de conteúdo cultural veiculada pelo meio televisivo,

aliando à classificação de Duarte os conceitos do jornalismo especializado

explorados no quarto capítulo desta pesquisa.

De acordo com Tavares (2009), essa segmentação se dá mais pelo conteúdo,

ou seja, as “notícias culturais”, indicando indiretamente questões ligadas ao

consumo e à linguagem, voltadas para determinado público, com repertório e

interesse específicos.

Assim, mesmo desconhecendo as pesquisas de audiência – que não são a

preocupação principal das emissoras públicas –, pode-se notar uma preocupação do

programa com um público mais jovem e, portanto, ainda mais mergulhado nas

características contemporâneas discutidas ao longo deste trabalho. Dessa forma,

procura-se atualizá-lo com temas discutidos no twitter, como Harry Potter, que é uma

produção mais destinada ao público juvenil; são convidadas personalidades teen,

como a atriz Marjorie Estiano; como consequência, pode-se observar ainda a

preocupação com a grande variedade de assuntos numa mesma reportagem,

tornando o material mais fragmentado e superficial.

A tonalização, de uma forma geral, modula entre a seriedade e a ludicidade,

optando quase sempre pelo tom leve e trivial do discurso, aliado ainda a diferentes

linguagens sonoras e visuais, que, no estúdio, caracterizam-se pela discrição nos

figurinos, representação, gestos e expressão corporal do apresentador. Também

Page 121: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

##"!

acrescentam à tonalização leve a pouca quantidade de ruídos no estúdio, optando-

se sempre por músicas em BG (back ground) eletrônicas, em volume baixo e sem

voz de intérpretes.

Da mesma forma, a espacialização é demarcada por um cenário sóbrio, nas

cores cinza e vermelho, que mostra, ao fundo, uma imagem noturna da cidade São

Paulo, um televisor grande em tela plana e uma obra de arte – nunca mostrados em

plano totalmente aberto, que exponha as três situações simultaneamente.

O apresentador é enquadrado em planos americanos ou fechados, quando

sozinho, ou sentado num grande sofá com seus convidados. Ele pouco utiliza

estratégias ligadas à actorização, optando por um discurso que mescla entre a

linguagem própria do telejornalismo e o tom informal, o que resulta num discurso

trivial, que permite ao apresentador dirigir-se diretamente ao espectador: “Você já foi

à Bienal? Se não foi, vá, pois esta edição promete!”. Outra característica é a quebra

de algumas regras do texto televisivo, como a utilização do pronome possessivo em

terceira pessoa (seu, sua), raramente usados em televisão, para não confundir o

espectador.

O discurso também é marcado por estratégias de temporalização, com o

tempo sempre no presente ou, no máximo, em referência ao que ocorreu na noite

anterior. A lógica é a do novo – como observa Duarte e já pregavam os

frankfurtianos com relação à televisão –, mesmo que o material não seja tão recente,

como na reportagem sobre a carreira de Djavan, que percorre a trajetória do artista

desde 1976, tendo como mote a apresentação do cantor/compositor em São Paulo,

para lançar o novo disco Ária.

Esse fato remete a outra característica do programa que, ao contrário dos

“acontecimentos invisíveis” (TAVARES, 2007) que pautam o jornalismo

especializado, prefere nortear-se pela novidade, segundo os critérios de

noticiabilidade ditados pelo valor/notícia referente ao produto televisivo. Assim, foi

possível observar que todos os conteúdos veiculados durante a semana de

amostragem foram motivados por uma agenda de eventos. Em alguns momentos,

tal aspecto é extremado, utilizando-se o recurso de um link ao vivo, para imprimir

maior imediatismo à notícia, como no caso da cerimônia oficial de abertura da 29ª

Bienal de Artes de São Paulo.

Segundo as características da produção simbólica contemporânea, observou-

se que o Metrópolis, em alguns pontos, tenta estabelecer um posicionamento crítico,

Page 122: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#%$!

o qual é, no entanto, majoritariamente superficial, refletindo também a

superficialidade que demarca os tempos atuais. Percebe-se uma preponderância na

divulgação acrítica das manifestações e artistas em evidência no cenário cultural. É

como se, implicitamente, a linha editorial do programa dissesse que tudo aquilo que

é veiculado é bom; o que é questionável é silenciado pela não exibição.

Quanto à abordagem do material analisado anteriormente em subitens

temáticos, acredita-se haver, em alguns momentos, uma inadequação do assunto

com o formato. Um exemplo é a opção de se discutir o financiamento da Bienal

durante um link ao vivo. De forma geral, o programa não se mostra

demarcadamente didático demais, nem se posiciona como agenda. Pode-se notar

que a proposta do Metrópolis é de contextualizar a produção simbólica, mas o

questionamento crítico quase sempre é ceifado pelo curto tempo das reportagens,

uma vez que o programa opta pela quantidade de dados – não pela qualidade das

informações – a serem abordados numa mesma reportagem ou entrevista.

A última reformulação por que passou o programa parece ter agravado um

aspecto apontado Stycer (2007) como um dos problemas do atual jornalismo cultural

brasileiro: o interesse, cada vez maior, pela vida privada dos artistas – sejam eles da

televisão, do teatro, do cinema, das artes visuais. Isso fica mais claro nas entrevistas

com convidados no estúdio, quando a conversa rapidamente desvia-se para

comentários pessoais, aproximando-se de uma revista de comportamento, à medida

que se distancia do jornalismo cultural.

Outra questão apontada por Stycer – o excesso de demanda – é refletida na

produção de maior quantidade de conteúdos curtos e rasos, sobretudo no que diz

respeito às estreias do cinema e à quantidade de obras da Bienal. Outro problema

apontado pelo autor seria a discussão sobre as leis de incentivo que viabilizam a

produção e que sequer são mencionadas. Pode-se confirmar que a linguagem

publicitária, sobretudo na televisão, é frequentemente utilizada no discurso. Resta

saber se tal recurso discursivo realmente está ligado a interesses da indústria

cultural, com o favorecimento de distribuidoras de cinema, gravadoras ou editoras,

ou se é apenas um vício de linguagem.

Quanto ao balanceamento da edição, considera-se apenas o programa

especial de sábado, em que são reprisados os “melhores” conteúdos da semana,

escolhidos de acordo com crivo da direção do programa. Assim, foram onze os

conteúdos reprisados, além uma reportagem inédita motivada pelo primeiro dia de

Page 123: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#%#!

Bienal para o grande público, conforme já mencionado. Desse total, quatro foram

entrevistas com convidados no estúdio, como as atrizes Denise Fraga e Marjorie

Estiano, a cantora Tulipa Ruiz e o escritor Marçal Aquino, condensadas de modo

que as duas primeiras limitaram-se aos temas centrais, ou seja, a divulgação dos

espetáculos em que atuam as atrizes. A entrevista com Tulipa Ruiz fixou-se nas

influências da cantora em disco de estreia. Já a conversa com Aquino guiou-se pelo

principal livro do escritor, Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, que

não é recente, mas lhe rendeu diversas adaptações para o teatro, televisão e

publicações no Exterior.

Quanto às reportagens, a maioria foi relacionada à música, com a reexibição

da Orquestra Popular Bomba do Hemetério, Djavan e Pato Fu. Outra reportagem

que mereceu reprise foi a do espetáculo Orfeu, exibida na quinta-feira. Essa reprise

já era prevista, pois, na sexta-feira, o apresentador voltou a comentar sobre a

montagem com direção de Aderbal Freire Filho, anunciando a realização de um

sorteio de cinco pares de ingressos, cujo resultado sairia no sábado.

Page 124: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#%%!

6 CONCLUSÃO

Tendo em vista a dinâmica da produção cultural e da sociedade

contemporânea demarcada por valores e identidades em transição, é preciso

enfatizar que a complexidade de objeto deste trabalho, em si, como era esperado,

não permite aprisioná-lo em conclusões rígidas. Foi com base nessa hipótese que,

desde o início desta pesquisa, optou-se por estabelecer um diálogo entre múltiplas

tradições e autores, a fim de manter aberto, flexível e crítico o olhar sobre o

jornalismo especializado em cultura e veiculado pela televisão brasileira. Assim,

estudos filosóficos, sociais, comunicacionais e culturais, além da prática jornalística

e das especificidades do meio televisivo, foram fundamentais para embasar a

análise do programa Metrópolis, produzido e veiculado pela TV Cultura de São

Paulo.

O resultado a que se chegou permite, no entanto, afirmar que, sendo o

programa-objeto também um produto cultural imerso na contemporaneidade, ele

próprio apresenta muitas das características fluidas e fugidias dos tempos atuais,

exacerbadas na superficialidade com que são tratados os temas, na velocidade e

fragmentação que esvaziam e reduzem os assuntos culturais a uma agenda de

eventos, estereotipam a produção regional em contraponto aos lançamentos

internacionais e na celebrização da vida privada dos artistas. A espetacularização é

outra questão inerente ao meio televisivo em que atua o Metrópolis, já que a

gramática narrativa da televisão é completamente dependente das imagens e exige

outra temporalidade, bem mais ágil que a dos cadernos culturais impressos

(DUARTE, 2010).

Esses aspectos muitas vezes aproximam o Metrópolis de uma revista de

comportamento, à medida que o distanciam do jornalismo especializado em cultura,

tornando cada vez mais utópica a busca por um jornalismo cultural analítico na

televisão. Uma das explicações para isso pode estar nas peculiaridades do meio;

afinal, se todo programa de televisão, como afirma Duarte (DUARTE, 2010), busca

informar, mas também entreter, o desafio está em se mostrar questionador e crítico

quanto ao conteúdo (texto), porém suficientemente atraente na forma (linguagem

imagética).

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!

!

#%&!

Na contramão, o programa parece ter desaprendido o jornalismo cultural mais

ousado e experimental de que foi protagonista na década de 1980. O estilo

despojado das reportagens, a presença dos repórteres e apresentadores na cena

cultural durante a realização dos eventos – nem sempre consagrados – e o espírito

questionador parecem ter ficado num passado, do qual se distancia na medida em

se aproxima do estilo padronizado das grandes emissoras. Lamentavelmente, essa

homogeneização que repete fórmulas e não ousa inovar só reforça uma

característica típica da indústria cultural, detectada desde a década de 1940 pelos

frankfurtianos.

Hoje se sabe que essa padronização não condiz com a realidade das

audiências segmentadas. Conforme exposto ao longo deste trabalho, há diferentes

espectadores e modos de se ver televisão, tornando-se mesmo um desafio,

especialmente os canais públicos e abertos mostrarem conteúdos que favoreçam a

formação crítica. Se a linguagem audiovisual impõe limitações ao desenvolvimento

de narrativas mais complexas, é preciso buscar alternativas que conciliem ideias,

tempo e imagem, assim como a possibilidade de correr riscos e sair do que já está

estabelecido, para dar visibilidade a manifestações ainda emergentes.

Acredita-se que, dessa forma, pelo menos no tocante aos programas

culturais, a televisão possa, enfim, exercer sua responsabilidade na formação de

cidadãos brasileiros mais informados e críticos, o que, aliás, é sua obrigação

constitucional, como veículo de concessão pública.

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!

!

#%'!

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1947. ALZAMORA, Geane. No limiar da mediação jornalística: notas sobre o acontecimento cultural na contemporaneidade. Publicação Mapeamento: o ensino de jornalismo cultural no Brasil em 2008: carteira professor de graduação – São Paulo, SP: Itaú Cultural, 2008. BENTES, Ivana. O devir estético do capitalismo. Curitiba: Compós, 2007. Trabalho apresentado ao grupo de trabalho “Estéticas da Comunicação”, do XVI Encontro da Compós, realizado em Curitiba, de 13-16/06/2007. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. São Paulo: Editora Vozes, 1990. DUARTE, Elizabeth Bastos. Televisão: ensaios metodológicos. Porto Alegre: Sulina, 2004. DUARTE, Elizabeth. Televisão: desafios teórico-metodológicos. In BRAGA, LOPES E MARTINO (Orgs.). Pesquisa empírica em Comunicação. São Paulo: Paulus, 2010. FEATHERSTONE, Mike. O desmanche da cultura: globalização, pós-modernismo e identidade. São Paulo: Livros Studio Nobel Ltda., 1995. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2007. FRANÇA, Vera. Jornalismo e vida social: a história amena de um jornal mineiro. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. GADINI, Sérgio Luiz. Interesses cruzados: a produção da cultura no jornalismo brasileiro. São Paulo: Paulus, 2009. GARCIA-CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1997. GARCIA-CANCLINI, Néstor. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo: Iluminuras, 2008. GUATTARI, Félix. Produção de subjetividade. In: PARENTE, André (Org.) Imagem máquina – a era das tecnologias do virtual. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. HALL, Stuart. A identidade na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. JOST, François. Seis lições sobre televisão. Porto Alegre: Sulina, 2004.

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!

!

#%(!

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001. LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarola, 2004. MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo, SP: Editora SENAC, 2000. MACHADO, Arlindo. O quarto iconoclasmo – e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro: Editora Contra Capa, 2001. MACHADO, Arlindo; VELEZ, Marta Lucía. Questões metodológicas relacionadas com a análise de televisão. Revista da Compós, Brasília, n.8, p.2-15, abril de 2007. MARTIN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. MARTINS FILHO; LOPES, Eduardo. Manual de redação e estilo. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1997. MOTA, Regina. Cenários para a televisão digital. Buenos Aires, Revista America Del Sur, año 1, Edición n.2, Buenos Aires, 2008. MOUILLAUD, Maurice; PORTO, Sérgio Dayrell (Org.). O jornal: da forma ao sentido. Brasília: Paralelo 15, 1997. PASTORIZA, Francisco R. Cultura y televisión: una relación de conflicto. Barcelona: Editorial Gedisa S.A., 2003. PEREIRA, Wellington. Jornalismo cultural: procedimentos pedagógicos. São Paulo: Ed. Itaú Cultural, 2007. PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. São Paulo: Editora Contexto, 2003. PRIOLLI, Gabriel. Antenas da brasilidade. In: BUCCI, Eugênio (Org.). A TV aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2000. ROLNIK, Suely. Toxicômanos de identidade – subjetividade em tempo de globalização. São Paulo, Folha de São Paulo, Caderno “Mais!”, 19/05/96. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2002. STYCER, Maurício. Seis problemas. In: LINDOSO, Felipe (Org.). Rumos [do] Jornalismo Cultural. São Paulo: Summus, 2007.

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!

#%)!

TAVARES, Frederico Brandão de Mello. O jornalismo especializado e a mediação de um ethos na sociedade contemporânea. São Leopoldo: Unisinos, 2007. 18p. Ensaio. TAVARES, Frederico Brandão de Mello. Entre objetos, objetos no entre: revistas, jornalismo especializado e qualidade de vida. Revista Contemporânea, v.6, n.2, p.10, dezembro, 2008. TAVARES, Frederico Brandão de Mello. O jornalismo especializado e a especialização periodística. Estudos em comunicação n.5, Universidade Vale dos Sinos, 2009. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1995. TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: Questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1993. WILLIAMS, Raymond. Television: technology and cultural form. Glasgow: Fontana/Collins, 1979. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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#%*!

ANEXO A – Programa Metrópolis, 20 de setembro de 2010, segunda-feira

Espelho

Pato Fu

Flávio Moura

Scorpions

Denise Fraga 1

Paraty em Foco

Denise Fraga 2

Arte alemã

Encerra com Pato Fu

Tipo de material

4 reportagens

2 entrevistas – uma delas dividida em duas partes

0 nota coberta

0 participação repórter ao vivo

Apresentador: “Muito bem, a banda Pato Fu está de volta, lançando o nono CD da

sua carreira. O disco se chama Música de brinquedo, e o interessante dessa história

é que ele é todo tocado com instrumentos de brinquedo. Música de brinquedo traz

de volta a vocalista Fernanda Takai, depois de uma carreira solo.

VT – reportagem sobre Pato Fu

Tempo: 3'30''

Tema: música

Pauta: show da banda em SP

A reportagem explora os videoclipes da banda ao longo de sua trajetória, desde o

primeiro disco ao CD solo de Fernanda Takai.

Principais integrantes da banda dão mais de uma entrevista, dizendo que iniciaram o

trabalho como brincadeira e como é o som dos brinquedos no show, entre outras

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#%+!

coisas. É utilizado clipe em que aparece a filha do casal de vocalistas da

banda.Observação: coloca-se a banda em primeiro plano, não se entra no mérito da

filha no clipe, ela e outras crianças são citadas. Há texto em off, com trechos curtos,

intercalados por som e sonoras. Repórter não aparece.

Estúdio 2. Volta apresentador com convidado, o jornalista Flávio Moura.

Entrevista com Flávio Moura – ex-curador da FLIP

Tempo: 4’

Tema: literatura

Pauta: recente saída da curadoria

Apresentador entra mais nas questões do evento e da experiência do jornalista na

curadoria; são exploradas situações das edições do evento, comentam-se desafios e

curiosidades. Não se fala muito de literatura e, sim, do evento. A conversa, em

alguns momentos, é coberta por imagens de Paraty e da FLIP.

VT – Scorpions – turnê mundial é encerrada no Brasil

Tempo: 2’46''

Tema: música

Pauta: cobertura do show de despedida

A reportagem é feita no momento do show, com fãs. Usa-se o recurso “povo-fala”.

Nenhum componente da banda é entrevistado. O repórter não aparece. Quase não

há texto em off. É uma reportagem no show, sobre o show, com as impressões dos

fãs, já com sabor de saudosismo, tendo em vista que o motivo é a despedida da

banda, nesse show que faz parte da última turnê.

Apresentador volta com nota-pé chamando para o site do programa, que

disponibilizará todas as músicas usadas na reportagem.

Page 131: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#%"!

Entrevista Denise Fraga (parte 1)

Tempo: 4'30''

Tema: teatro

Pauta: fim de longa temporada em cartaz

Cadão Volpato se dirige para o sofá onde já está a atriz Denise Fraga. Em tom bem

informal, ele diz: “Tudo bem, Denise? Deixa eu apresentar essa história toda. A

Denise Fraga está se despedindo de seus personagens em A alma boa de Stsuan.”

Apresentador pergunta à atriz se esses personagens ainda trazem novidades a ela,

depois de três anos de convivência tão próxima com eles. Ela responde que sim e

que, na verdade, não são bem dois personagens. É um personagem de uma

personagem, pois ela é uma mulher que não sabe dizer não e se passa por um

homem, primo dela, para pôr ordem nas coisas. A maior parte da conversa é coberta

por imagens de divulgação da peça. Apresentador pergunta sobre a temporada, que

foi maior que o esperado. A atriz conta sobre a trajetória da peça, que encerra

temporada com preços populares. A entrevista intercala preparação pessoal da atriz

e também referências, como Charles Chaplin, e um pouco da teoria do teatro, com

pontos marcantes da obra de Bertold Brecht (1898-1956), autor da peça adaptada

para os palcos brasileiros. A atriz fala sobre comédia, relação “humor/dor”. A

entrevista é interrompida, com a promessa de volta.

Apresentador chama para outro evento em Paraty, o Paraty em foco.

VT – reportagem sobre o Paraty em foco

Tempo: 2’02’

Tema: fotografia

Pauta: cobertura do evento

A reportagem começa por uma ambientação na cidade de Paraty, revelando um

pouco do clima do evento. São utilizadas imagens de algumas exposições e do

processo de produção de um fotógrafo, que levou um estúdio para o local e

promoveu um work shop sobre fotografia na água. Há diversas entrevistas curtas

Page 132: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#&$!

sobre cada um desses aspectos. A primeira é com o curador, depois com fotógrafos

participantes. Finaliza com imagens gerais e inserção do endereço do site do

evento.

Entrevista com Denise Fraga (parte 2)

Tempo: 4'

Tema: carreira

Pauta: trajetória da atriz

Nessa segunda parte, a atriz e o apresentador conversam sobre a carreira dela,

iniciada com a peça Trair e coçar, com a qual ela ficou seis anos em cartaz. As

imagens de arquivo enriquecem a entrevista (uma das imagens até surpreende a

atriz, por ser muito antiga). Falam sobre a opção pela comédia, sobre teatro, os

futuros projetos e a TV. Apresentador pergunta sobre o livro infantil (não há

imagens) que a atriz lança em breve. São crônicas sobre suas aventuras de mãe,

escritas para a revista Crescer e publicadas ao longo de sete anos. Ao falar do livro,

a atriz volta-se para a vida privada, comentando sobre os filhos, a aventura de ser

mãe e de onde veio o desejo de escrever.

Apresentador convida para a exposição Se não nesse tempo, dizendo: “O MASP

recebe, a partir da noite de hoje, uma mostra com o melhor da arte contemporânea

alemã. Adriana Couto foi conferir os últimos preparativos pra essa exposição e ver o

que há de mais interessante na produção artística da Alemanha após a queda do

Muro de Berlim”.

VT – exposição Se não nesse tempo

Tempo: 3’10’’

Tema: artes visuais

Pauta: acompanha últimos ajustes da montagem

Adriana Couto, ex-apresentadora, aparece no VT participando o tempo todo,

inclusive com a captação das perguntas e sua interação com os entrevistados,

Page 133: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

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!

#&#!

concordando com as respostas. Boa parte da reportagem é feita em plano

sequência, em que o repórter percorre a exposição no MASP, entrevistando a

curadora. A câmera acompanha todo o movimento. São usadas imagens de arquivo

para contextualizar a exposição, que é de artistas da pós-derrubada do muro de

Berlim (trabalha a memória). Repórter entrevista um dos artistas participantes

(pergunta é feita em português, com resposta em inglês, utilizando-se tradução com

voz masculina). Chama a atenção o fato de o repórter focar a visita em dois autores

que a curadora aponta como sendo os mais importantes. Só no momento seguinte é

que ela repete a informação, justificando porque esses autores são considerados os

mais importantes do grupo em exposição.

Apresentador encerra o programa, chamando o clipe do Pato Fu e convidando para

o programa do dia seguinte, em que a repórter especial Adriana Couto

acompanhará, ao vivo, a abertura da 29ª Bienal de São Paulo.

VT – clipe do Pato Fu

Tempo: 55”

Ficha técnica

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#&%!

ANEXO B – Programa Metrópolis, 21 de setembro de 2010, terça-feira

Espelho

Montagem da Bienal

Link – Alessandra Calor

Estúdio – convidados

Link – Adriana Couto

Estúdio – convidados

Estúdio – convidados

Link – Alessandra Calor

Link – Adriana Couto

Convidados

Bienal

Tipo de material

2 reportagens

1 entrevista (com dois convidados, intercala todo o programa)

0 nota coberta

5 participações de repórter ao vivo

Estúdio: Apresentador abre o programa, dizendo que é o dia da abertura da Bienal

de São Paulo, o evento de arte mais importante do País. “E essa edição é

particularmente muito significativa, porque tem a responsabilidade de recuperar o

prestígio, depois do fiasco de 2008. Pelo menos a função de provocar discussões e

reflexão, a Bienal 2010 já está cumprindo. Nos últimos dias, não se fala de outra

coisa que não a tentativa da OAB de São Paulo de retirar da exposição as obras do

artista pernambucano Gil Vicente. Bom, a repórter Alessandra Calor foi conferir os

últimos preparativos desta que pode ser uma bienal histórica.”

VT – Bienal de SP

Tempo: 3’01’’

Page 135: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#&&!

Tema: artes visuais

Pauta: paralelo entre a edição atual e a anterior

A reportagem começa com imagens da Bienal 2008. Fala-se da opção da curadoria

em deixar um dos três andares do pavilhão “às moscas”, usando como argumento a

necessidade de se debater o vazio. É exibido um lettering, informando que as

imagens são do arquivo Metrópolis. Em off se diz que “o efeito colateral se

manifestou rapidamente, e houve até quem projetasse o fim da Fundação Bienal”.

Na sequência, fala-se que a Bienal do vazio era para ser um questionamento, mas,

dos cadernos de cultura, o evento foi para as páginas policiais. “O pavilhão, assim,

despertou o interesse de mais de 800 pichadores.” É inserido outro lettering: “a

Bienal foi pichada no primeiro dia de visitação”. Outro lettering – “uma mulher de 23

anos foi presa”. Imagens aceleradas, enquanto, em off, se diz que, dois anos e

muitas reformulações depois, quase não sobra espaço para as mais de 800 obras

de artistas brasileiros e estrangeiros. “Há espaço também para os pichadores.”

Repórter entrevista o curador atual, Agnaldo Farias, que diz que os pichadores o

procuraram e, como o tema seria arte e política, eles gostariam de participar, já que

têm uma postura eminentemente política. “São jovens sem perspectivas, que se

voltam contra uma cidade, contra o mundo que dá as costas pra eles”, afirma o

curador. Lettering informa que “desta vez, a pichação foi só em vídeos e fotos”. Ao

mostrar a obra de Nuno Ramos, a repórter afirma no texto, em off, que, quando o

assunto é política, fica difícil disfarçar o ranço de promessas não cumpridas. “A

poesia aqui aparece de maneira dramática, como na instalação Urubus, de Nuno

Ramos”, narra a repórter. Mais uma vez, é utilizado o recurso de lettering, com a

informação: “Instalação de Nuno Ramos: urubus vivos!” Entra entrevista com o

curador comentando a proposta da obra de Nuno Ramos, “que rompe com o

estereótipo do Brasil da felicidade e da alegria”, diz curador. Texto em off continua

informando que a poesia também vem “de forma explícita e violenta, como na série

Inimigos, de Gil Vicente”. Descreve que o artista se autorretratou em tamanho

natural, executando de políticos ao Papa. Em entrevista com o artista, ele afirma: “eu

não estou apontando a arma, eu estou matando”. O texto em off segue, com o

repórter dizendo que o caso chamou a atenção da OAB-SP, que quer que os

quadros sejam retirados da mostra, por considerar que seja apologia ao crime. Volta

o artista, dizendo que “apologia ao crime é a OAB ficar calada diante dos crimes que

Page 136: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#&'!

ela sabe que acontecem, como o roubo do dinheiro público”. Na sequência, volta o

curador dizendo que se recusou a acreditar que a OAB, tendo em vista sua trajetória

tão digna em favor da liberdade de expressão, tivesse uma posição tão equivocada,

tão reacionária em relação à arte. “Isso é arte, isso não é a vida!”, completa. Termina

com Gil Vicente dizendo que só a OAB chamou mais a atenção para a obra!

Enquanto mostra imagens das obras de Vicente, as últimas informações são

colocadas no lettering: 29ª Bienal de São Paulo. Visitação a partir de sexta-feira, até

12/12 (grátis).

Estúdio – Volta apresentador, dizendo que a repórter Alessandra Calor está, ao

vivo, na Bienal. “E parece que tem gente presa em jaula aí dentro. Que história é

essa, Alessandra?”

Participação repórter ao vivo

Tempo: 2’

Tema: artes híbridas

Pauta: o que acontece nesta edição da Bienal de SP

Repórter Alessandra Calor dá boa noite ao apresentador e diz que a Bienal de SP

também tem espaço para a música. “Aqui atrás, está o compositor Lívio

Tragtenberg, conhecido por suas trilhas para longas metragens. Ele também

participou da orquestra Músicos de Rua. Ele está aqui literalmente enjaulado. Vamos

conversar com ele, pra saber o que está acontecendo. Lívio, tudo bem? Você pode

vir até aqui um pouquinho? Explica pra gente: do que se trata isso?”

O músico está preso numa jaula, acompanhado apenas de equipamentos de som,

imagem, computadores... O artista responde que aquilo é a jaula dele, onde se sente

seguro neste mundo de loucos, que é a Bienal. “Aqui eu sinto segurança e é o

gabinete do doutor Estranho. Eu vou receber seu som, seu vídeo, traga pra mim,

que eu vou estar todo sábado, das 13h às 19h. Você pluga seu som, você usa o

microfone e diz o que tem a dizer. Você traz a sua imagem. Eu vou remixar tudo, e

vai virar uma grande composição.”

Câmera desloca-se para mostrar o cartaz: “use este microfone se tem algo a dizer

ou faça ruído”.

Page 137: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#&(!

Repórter pergunta: “Também é um consultório musical isso aqui?”

O artista responde que sim, que vai dar consulta, fazer atendimentos aos sábados.

“Quem tiver problemas sonoros, traga seus problemas, nós vamos conversar, eu vou

aconselhá-lo sobre as questões de música, de som...”

“E essas plaquinhas ‘é proibido alimentar o Dr. Estranho com guloseimas?’”

“Dr. Estranho só se alimenta de sons e imagens. O compositor é uma espécie em

extinção, ele era aquele cara especial que fazia música pra mostrar como sentia as

coisas tão profundamente. Esse compositor acabou. Hoje o interessante é brincar, é

remixar, é misturar, é trabalhar junto com outros músicos.”

Repórter não entra na discussão e pergunta sobre o microfone. “E aqui é o

microfone. Eu posso dar uma palavrinha? Metrópolis.” Depois diz ao espectador:

“Vamos ver o que acontece”.

Artista volta lá de dentro, dizendo que o que se ouve é o senador Suplicy cantando

Bob Dilan e que vai fazer um remix dele. Completa “Aqui é uma jaula, onde a única

pessoa sã sou eu. O que vocês estão fazendo aí fora? Eu não entendo...”

Repórter faz uma cara mista de ironia e indiferença, agradece ao artista e devolve

para o estúdio, com um: “É isso aí!”

Entrevista com Baixo Ribeiro e Luiz Paulo Baravelli

Tempo: 4’

Tema: artes visuais

Pauta: dia da abertura da 29ª Bienal

Câmera fechada no apresentador. Ele comenta que é o dia da abertura da Bienal e,

enquanto a câmera vai abrindo o plano, ele apresenta os convidados Baixo Ribeiro,

um dos proprietários da galeria Choque Cultural, e o artista plástico Luiz Paulo

Baravelli – segundo o apresentador, ele dispensa apresentações. A primeira

pergunta é: “Vocês acham que esta Bienal promete? Eu tive essa impressão e

gostaria de dividi-la com vocês”. Baravelli diz que, numa contagem rápida, seriam 13

horas de visitação, sem contar os vídeos, considerando que o visitante ficasse

apenas um minuto em cada obra. O apresentador comenta que 13 horas é muita

coisa, “daí a importância de um curador pra indicar as obras mais importantes, não

é?” Baixo alerta que, antes de mais nada, é preciso valorizar a agenda produtiva do

Page 138: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#&)!

evento, que é um dos mais importantes do mundo, já que todos estão de olho no

Brasil, e a Bienal coloca o País num cenário ainda mais privilegiado. “Outra

importância foi revitalizar a instituição em que a gente acredita”, diz o galerista. O

apresentador então comenta que parece que haver uma ideia que está conduzindo

as coisas, diferentemente de outras bienais...

Enquanto entrevistados comentam, são exibidas imagens de bienais anteriores,

começando pela primeira. Baravelli comenta as imagens e, quando aparece o antigo

curador, Ciccillo Matarazzo, relembra que ele era solicitado o tempo todo para

resolver pendências; ele chegava a tirar dinheiro do bolso, sem muita organização,

“tudo era mais artesanal”, comenta o artista. Cadão questiona se é comum em

eventos desse porte ou em outras bienais ter um tema que conduza tudo.

(Apresentador avisa que agora estão sendo exibidas imagens da nova Bienal). Baixo

diz que, antes, as bienais tinham mais um perfil de revista, uma temática mais

variada, pois cumpriam uma função de mostrar um recorte da produção, uma grande

exposição de muitos nomes, que não chegariam juntos ao MASP, por exemplo. Em

seguida, o apresentador pergunta qual a importância de um evento desses no

currículo de um artista. “O que você, Baravelli, que já participou de três, pensa a

respeito?” Baravelli responde que bienais trabalham com encomendas, e ele,

particularmente, não gosta. “Não trabalho pra bienal, eu crio pra mim. A arte é uma

necessidade minha”. O apresentador interrompe a entrevista pra chamar, ao vivo, a

repórter Adriana Couto, “direto do pavilhão da Bienal, onde está sendo aberta a 29ª

edição – somente para convidados”.

Participação ao vivo – repórter Adriana Couto – Bienal

Tempo: 3’

Tema: artes híbridas

Pauta: cobertura da execução de performance

A jornalista faz uma breve introdução, repetindo que está no Pavilhão da Bienal, no

evento de abertura da 29ª edição, e que irá conversar com a artista plástica Tatiana

Blass, sobre sua performance Metade da sala no chão piano mudo. A artista diz que

essa performance foi criada para a Bienal; enquanto o pianista estiver executando

cinco peças de Frédéric Chopin, será derramada uma cera quente lá do alto, o que

vai fazer o instrumento parar de tocar aos poucos. Adriana pergunta se é, então, a

Page 139: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#&*!

primeira vez que faz a performance, pelo menos assim, com tanta gente

acompanhando. A artista plástica responde que é a segunda vez que a realiza; a

primeira foi filmada para o vídeo que vai ser exibido durante os outros dias da

Bienal. “Pra mim, é estranho ter tanta gente, porque, enquanto artista plástica, não

estou acostumada a ser observada por tanta gente”, diz. A repórter agradece e

devolve para o estúdio: “É com você, Cadão!”

Apresentador – Chama Alessandra Calor, repórter que também está ao vivo na

abertura da Bienal, e conversa com o presidente da Fundação Bienal.

Participação de repórter ao vivo

Tempo: 2’

Tema: artes visuais

Pauta: financiamento de uma bienal

A repórter Alessandra Calor conversa com Heitor Martins – presidente da Fundação

Bienal. A primeira pergunta é sobre investimentos e captação de recursos para um

evento desse porte. Heitor diz que a população queria uma bienal forte e que os

parceiros acreditaram na ideia.

Alessandra: “O que é presidir uma instituição como essa?”

Curador: “É uma instituição importante, porque este é o terceiro mais importante

evento de arte contemporânea do mundo. Representantes de todos os museus do

mundo estão aqui.” Comenta ainda que o pessoal da Tate Modern elogiou o

trabalho, por ele provocar uma nova cultura.

Na sequência, a repórter entrevista Nuno Ramos, que comenta a polêmica obra

Bandeira branca, em que foram colocados urubus vivos.

Entrevista com Baixo Ribeiro e Luiz Paulo Baravelli

Tempo: 4’02”

Tema: artes visuais

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!

!

#&+!

Pauta: importância de um evento como a Bienal de SP

Apresentador: Pergunta quais os momentos mais marcantes das três bienais de

que Baravelli participou. O artista comenta que uma bienal é uma obrigação

profissional. (São exibidas imagens do artista em seu ateliê.) Baravelli comenta que

o fato de ser uma obrigação é muito delicado, que obras mais minimalistas, por

exemplo, somem, são esmagadas numa bienal. Baixo Ribeiro interfere, dizendo que

concorda. Comenta que, tanto ele quanto Baravelli estudaram arquitetura e sabem

que espaços monumentais, como o Pavilhão da Bienal, “são uma bosta” para se

expor. Baixo diz que apenas obras grandiosas e espetaculares ficam bem

adequadas ao espaço. Baravelli completa que isso privilegia uma arte simplista, que

“você vê, pronto, passa para outra”. Apresentador chama a atenção para o fato de

ser uma exposição grátis, no Parque do Ibirapuera, e pergunta se isso é interessante

para ampliar o acesso do público a uma linguagem diferenciada. Os entrevistados

concordam que isso tem seu valor. Baixo ressalva que isso não quer dizer que, só

porque o sujeito foi a uma exposição, ele aprendeu, compreendeu alguma coisa do

que viu. Baravelli diz que é importante ampliar o acesso, mas alerta as pessoas para

não se perderem no espetáculo.

Estúdio – Apresentador chama repórter Adriana Couto, que continua no Pavilhão da

Bienal.

Participação de repórter ao vivo

Tempo: 2’

Tema: artes híbridas

Pauta: acompanhar fim da performance

Repórter narra o que acontece na performance, cujo início já foi mostrado na

primeira participação ao vivo da repórter. Nesse momento o pianista já entrou, já

está tocando e todos observam a cera cair, à espera de o piano se calar. (Logo sobe

som.) Piano e cera vão formar uma escultura. O programa é encerrado na Bienal,

enquanto é feita essa performance.

Page 141: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#&"!

ANEXO C – Programa Metrópolis, 22 de setembro de 2010, quarta-feira

Espelho

Bomba do Hemetério

Ao vivo – Maestro Forró

Phil Collins

Blinddate Berlin

Questão de imagem

Dicas da Bienal

Marçal Aquino

Mostra John Ford

Ernesto Neto

Excluídos da Bienal

Encerra clipe Bomba do Hemetério

Tipo de material

4 reportagens

2 entrevistas de estúdio

0 participação repórter ao vivo

2 notas cobertas

Apresentador: Cadão Volpato começa o programa perguntando com certo

estranhamento: “Você já ouviu falar da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério?

Não? Pois você vai se surpreender. A repórter Alessandra Calor levou essas figuras

pra bagunçar o coreto da Praça da República, no centro de São Paulo, e veja só no

que deu!”

VT – Orquestra Popular da Bomba do Hemetério

Tempo: 3’18”

Tema: música

Pauta: a cultura popular revelada pela Orquestra

Page 142: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#'$!

VT abre com repórter na praça, dizendo que, quando se fala numa orquestra, a

todos logo pensam em músicos comportados, um maestro pomposo; mas quando se

trata da Bomba do Hemetério, é bem diferente...

As imagens mostram músicos da Orquestra organizados numa roda na praça.

Maestro forró diz que é preciso desburocratizar o acesso. Diz também que eles

estudam e muito a linguagem acadêmica, mas misturam com a arte popular do

Recife.

No VT, o maestro conta como surgiu a Orquestra, em 2002, quando ele percebeu

que a Bomba do Hemetério é a comunidade mais rica em cultura popular do Recife.

Todos os músicos moram próximo de lá. Misturam Beethoven, Chico Science,

colocam tudo no liquidificador. “O resultado é uma vitamina musical e cultural

maravilhosa” – diz o maestro.

Reportagem explora vários “sobe sons” com músicas como Vassourinha – um dos

frevos mais conhecidos.

Entrevista com Batom, músico da Orquestra. Ele diz que ela é também exemplo de

vida para as crianças da comunidade, e os músicos são orgulhosos disso.

Câmera encontra uma transeunte na praça, que está adorando a apresentação. É a

maratonista Ana Luíza dos Anjos, cujos traços físicos e sotaque parecem ser do

Nordeste. Ela aplaude e diz que o maestro é “doido”. “Adorei! Muito simpático,

alegre, brincalhão.”

Outro cidadão entrevistado na praça é o segurança Ezequiel Roberto. “Doido

mesmo, esse maestro, maluco!” – risos.

Na plateia também é mostrada Solange Aparecida, consultora de vendas, que diz ter

“amado”. Ela fotografa e dança, dizendo que o clima é de carnaval.

A repórter convida o maestro a participar no estúdio. Eles entram no carro e são

filmados chegando à emissora.

(Volta estúdio.)

Apresentador: “Não falei que era animado o negócio? E o maestro acabou de

chegar aí”. Apresentador recebe o maestro Forró.

Entrevista de estúdio com Maestro Forró

Tempo: 3’

Tema: música

Pauta: curiosidades e excentricidades do maestro e sua orquestra

Page 143: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#'#!

Apresentador pergunta sobre as viagens do maestro a muitos países, e se há

semelhanças encontradas entre outras culturas e a do Recife.

Maestro responde que sim, e isso ficou nítido na Turquia, com cantigas

mulçumanas, e na Eslovênia, Nova Orleans...

Apresentador pergunta sobre os figurinos. O maestro diz que são feitos por

Leopoldo Nóbrega, “lá da Bomba do Hemetério”.

O apresentador quis saber sobre o nome e o maestro explicou ser por causa do

“seu” Hemetério, um senhor que, nas décadas de 1930 a 1950, era a única pessoa

que tinha uma bomba d'água na comunidade e fornecia água pra todo mundo.

Cadão pergunta sobre projetos, e o maestro responde que estão gravando um CD

com um DJ estrangeiro. Quanto às apresentações previstas, diz que, de São Paulo,

vão direto para Petrolina. Apresentador agradece e se despede (uma observação é

que, geralmente, os convidados ficam sentados no sofá durante as entrevistas.

Apenas Maestro Forró conversou em pé, sem se sentar).

Apresentador: “Bom, e Phil Collins acabou de lançar um disco novo lá na Inglaterra.

Chama-se Going back. E, como o título já diz, é uma viagem às primeiras memórias

musicais do cantor. Dá uma olhada!”

VT – reportagem com Phill Collins

Tempo: 2’03”

Tema: música

Pauta: lançamento mundial de novo disco

No texto narrado pelo apresentador, afirma-se que o disco é uma viagem às

primeiras memórias do cantor. São as músicas preferidas dele, desde sua

adolescência. (Com material provavelmente fornecido pela assessoria da gravadora,

é exibido um trecho de entrevista coletiva, em que Collins diz ser esse um disco

egoísta, que tem vontade de fazer desde que tem a idade da foto na capa.) O

apresentador-locutor comenta sobre a banda que acompanha o cantor e sobre a

regravação das músicas – segundo o off, fiel às versões originais, diferentemente de

um disco com a mesma proposta, gravado por Rod Stewart. A nota encerra dizendo

Page 144: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#'%!

que o disco já chegou às lojas brasileiras, em lançamento simultâneo ao da

Inglaterra.

Na volta ao estúdio, apresentador comenta: “Parece bem animado o velho Phill!” Em

seguida, chama o VT comentando sobre uma amostra que reunirá diversos artistas

alemães da nova geração em São Paulo. Diz que a reportagem que a seguir mostra

um pouco da arte contemporânea alemã após a queda do muro.

VT – reportagem com Blinddate Berlim

Tempo: 2’37’’

Tema: artes visuais

Pauta: antecipa sobre exposição

A colaboração é da repórter Tuca Padi, que comenta que o muro de Berlim se

tornou a maior galeria a céu aberto desde 1990, a East Gallery. Imagens mostram o

local, e é exibida uma entrevista com o artista plástico Jin Avignou, um dos nomes

com obras expostas na mostra que chegará a São Paulo.

O entrevistado comenta que o artista que chega hoje a Berlim tem planos bem

definidos para o futuro. Ele critica a postura atual da galeria, que pede que os

artistas, de tempos em tempos, retoquem o mural, pois acha que o envelhecimento

é inerente a uma obra a céu aberto; além disso, afirma que seria mais interessante

se o muro fosse pintado de branco, para que outros artistas pudessem participar.

Repórter encerra, falando desse clima de arte e política de Berlim que irá pra São

Paulo.

Lettering: “Blinddate Berlin de sexta a domingo na Serralheria (SP) – grátis.”

Apresentador diz que vai fazer agora fazer um convite: “Logo mais, às dez da noite,

a TV Cultura exibe o filme Questão de imagem, da francesa Agnés Jaoui. É a Mostra

Internacional de Cinema, na Cultura!”

Nota coberta – Questão de imagem

Tempo: 1’08”

Tema: cinema

Pauta: chamar para a programação da própria emissora

Page 145: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#'&!

Nota coberta com locução do apresentador: Uma sinopse do filme; apresentador cita

outras criações da diretora, com destaque para os prêmios de melhor roteiro original,

em Cannes, e indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Há diversos letterings

com informações adicionais, ou que demarcam os temas, como “protagonista sofre

com estereótipos”, “Questão de imagem. Direção: Agnés Jaoui, hoje, às 10 da noite,

na TV Cultura”.

Apresentador: “Foi um acontecimento a abertura da 29ª Bienal de São Paulo,

ontem à noite, como você viu, ao vivo, aqui no Metrópolis. Mais de quatro mil

pessoas passaram por lá, sendo que a visitação pública só abre no sábado. (Troca

de câmera.) E como são mais de 800 obras, nós convidamos alguns artistas para

darem umas dicas pra gente. Veja só o que eles sugeriram.”

VT – Dicas de visita à Bienal

Tempo: 2'33''

Tema: artes visuais

Pauta: o que ver na exposição

Um repórter diz em off que mais de 4 mil pessoas convidadas já visitaram as cerca

de 800 obras da 29ª Bienal. Câmera percorre rapidamente o pavilhão, dando ideia

de quantidade. Como não dá pra ver tudo, o programa dá a dica de vários artistas,

que dizem o que ver. (Cada artista se apresenta e dá a sua dica.)

Entrevistados: Jonathas de Andrade, Henrique Oliveira, David Cury, Rochele Costi.

(Todos são artistas plásticos.)

Juca Ferreira – Ministro da Cultura, último entrevistado, fala sobre o momento que o

Brasil está vivendo, projetando-se para o mundo. Há um interesse enorme sobre a

cultura brasileira, e esta Bienal vai gerar um interesse enorme.

Entrevista de estúdio com Marçal Aquino

Tempo: 6’57’’

Tema: literatura

Pauta: carreira do escritor, que transita entre livros e roteiros para cinema e TV

Page 146: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#''!

Cadão Volpato volta com entrevista de estúdio; o convidado é o escritor Marçal

Aquino.

A conversa começa com Cadão apresentando o escritor, que não gosta muito de ser

chamado de “roteirista”, apesar dos vários trabalhos que foram para o cinema. O

apresentador pergunta sobre o seriado para a TV Força Tarefa, que terá uma nova

fase na TV (Globo). O escritor diz que esse foi um desafio, mas que também tem

conseguido se divertir escrevendo para a televisão.

O apresentador exibe o livro Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios,

que já está em sua 6ª edição. Pergunta sobre o curioso título.

Aquino comenta que esse título teve um problema: 90% das pessoas que leram o

trabalho antes da publicação não gostaram do título, mas hoje muita gente compra o

livro atraída por ele. “Na FLIP, a de 2004, eu falava sobre o livro sem falar o nome,

chamando-o apenas de ‘trabalho’, afinal, ‘trabalho as pessoas levam mais a sério’; e

as pessoas queriam saber o nome e então falei que aquele era um título provisório e

que ninguém iria querer publicar algo com aquele nome.” Na primeira fila, conta o

escritor, estava o dono de uma editora, que disse “eu publicaria”; e publicou.

Apresentador comenta que, apesar de negar que seja roteirista, o escritor está

sempre muito envolvido com os filmes do diretor Beto Brant.

Aquino comenta suas parcerias com Brant e fala que o livro Eu receberia... está

agora sendo transformado em filme. A parte no Pará, em Santarém, já foi toda

filmada; agora resta rodar a parte no Rio. No ano que vem, deverá estar pronto.

Cadão Volpato pergunta se Aquino viu como está, se acompanhou as filmagens e

escritor responde que ainda não. “Assim como todo mundo, eu também estou

curioso”, diz.

Ainda sobre os roteiros, apresentador pergunta se Aquino tem uma participação

mais direta nos filmes de Brant, se acompanha os sets de filmagem...

Aquino comenta que “roteirista não tem nada o que fazer no set, a não ser correr o

risco de tropeçar num fio e desligar a luz! O texto já esta escrito. Salvo algumas

mudanças, improvisos que o diretor queira incorporar ao filme. No máximo, o que o

roteirista faz é almoçar com o diretor e tirar uma foto com ele, pra mostrar pra família

que o conhece. Eu pessoalmente tenho um pouco de preguiça, não é meu lugar,

não gosto de estar no set”.

Apresentador comenta que esse mesmo livro foi publicado em diversos países.

Page 147: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#'(!

Escritor confirma e diz que o livro tem-lhe dado muitas alegrias: virou peça de teatro,

que ganhou o Prêmio Shell; transformou-se em série de televisão, feita pela TV

Cultura; saiu na Alemanha, com um título que significa “fuja”. “Uma tradução muito

caprichosa”, comenta.

Apresentador pergunta se Aquino acompanhou a tradução. Autor diz que não

entende nada a respeito. “Acho que o livro em si não deu muito trabalho. Meu

contato com o tradutor era mais em cima de regionalismos”, diz ele.

Cadão acrescenta dizendo que não é exatamente uma tradução, mas que o livro foi

publicado também em Portugal...

Aquino então comenta que nós (Brasil e Portugal) temos um idioma parecido, mas

não igual. “Nesse caso, houve uma adequação não só de regionalismos, mas

também de coloquialismo”, pois algumas palavras e termos correntes aqui não o são

lá e vice-versa.

Apresentador: “O que você está produzindo atualmente? Conseguiu voltar à

literatura, mesmo com os roteiros?”

Aquino diz que voltou para o livro que estava escrevendo, mas que já falou muito

sobre ele e depois abandonou a história. “É muito difícil fazer coisas distintas, em

que se aplicam realidades diferentes.”

Apresentador: “E já tem nome?”

Aquino: “Sim, estou pensando em Como se o mundo fosse um bom lugar.”

Apresentador: “Bacana!”

Aquino: “Pretendo terminar no ano que vem!”

Encerra entrevista.

VT – nota coberta sobre a Mostra John Ford

Tempo: 1’56’’

Tema: cinema

Pauta: início de evento em homenagem ao diretor norte-americano

Apresentador: “Em meio século de carreira no cinema, John Ford dirigiu mais de

140 filmes e ganhou quatro Oscars. Ele contou a história norte-americana com certa

poesia ríspida e consolidou o western como gênero do cinema, como é possível ver

numa mostra aberta hoje em São Paulo.”

Page 148: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#')!

Com imagens dos filmes (provavelmente disponibilizadas pela assessoria do

evento), o apresentador comenta em seu texto que a mostra em cartaz no Centro

Cultural Banco do Brasil traz 36 longas, um documentário e cópias restauradas em

36mm e 16mm. O texto ainda estaca algumas curiosidades e raridades, que podem

ser vistas, como um filme feito em preto e branco, no qual a luz foi minimamente

programada, para parecer que a história se passava no País de Gales. Outro

destaque do texto são os atores preferidos do diretor, Harry Fonda e John Wayne.

Lettering final: “Mostra John Ford – CCBB/SP, até 17 de outubro –

www.bb.com.br/cultura – cursos 4 reais.”

Apresentador: “O artista carioca Ernesto Neto procura explorar o volume em suas

obras. Ele já usou sacos enormes de tecido e pranchas gigantes em exposições de

Nova Iorque a Londres. Agora, a repórter Adriana Couto foi conhecer o novo

trabalho do artista, que ocupa o Museu de Arte Moderna em São Paulo.

VT – Reportagem com Ernesto Neto

Tempo: 2’22”

Tema: artes visuais

Pauta: abertura de exposição

Adriana Couto visita a exposição “Dengo”, de Ernesto Neto. A câmera começa com

imagens bem abertas, mostrando a repórter entrando na galeria, experimentando

algumas sensações das obras, até chegar ao encontro do artista. Ela passa por uma

instalação que pende do teto até quase tocar o chão, tecida como crochê. Diz que

essa característica dos “grandes volumes é marca registrada do artista, que já expôs

em galerias de Nova Iorque e Londres.

A repórter percorre, toca as obras, mostrando que o visitante precisa “sentir” a

exposição e acrescenta que, nessa mostra no Museu de Arte Moderna de São

Paulo, o artista quer que o público “se sinta, assim, submerso na cultura popular”.

É mostrada uma superfície com várias esculturas, e o artista explica que a

inspiração vem do movimento de pessoas na Rua 25 de Março. Ainda sobre

algumas reflexões acerca da cultura popular, Ernesto Neto faz uma crítica à

proibição do comércio na praia, com o paralelo permitido/proibido.

Page 149: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#'*!

Artista explica que agrupou nos nichos “cultura popular” alimentos como queijo,

coalho e camarão, que atualmente não podem mais ser vendidos, e, em “cultura

industrial”, produtos como cheetos e refrigerantes, que são liberados, mas não

fazem parte de nossa cultura.

Outras instalações que exploram o aspecto sensorial são mostradas pela

reportagem. Trata-se de um piano e um “livro maluco”, em formato gigante e

irregular.

Estúdio

Apresentador – Na volta ao estúdio, Cadão Volpato dá uma última informação: a

obra Alma nunca pensa sem imagem, do artista plástico argentino Roberto Jacoby,

foi retirada da Bienal antes mesmo da abertura para visitação do público. Troca

câmera e encerra com mais um pouco da Orquestra Popular Bomba do Hemetério.

Page 150: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#'+!

ANEXO D – Programa Metrópolis, 23 de setembro de 2010, quinta-feira

Espelho

Marjorie Estiano

Orfeu

Marjorie Estiano

Filme Lula

Marjorie Estiano

Guerra de vizinhos

Último exorcismo

Moscou, Bélgica

Gente grande

Saramago

Marjorie Estiano

Fotografia

Harry Potter

Marjorie Estiano

Tipo de material

2 reportagens

1 entrevista (dividida em 5 partes, ao longo de todo o programa)

7 notas cobertas

0 participação de repórter ao vivo

Entrevista de estúdio – Marjorie Estiano (cantora/atriz)

Tempo: 5’

Tema: teatro

Pauta: espetáculo em cartaz em SP e carreira da artista

Apresentador comenta que a entrevistada do dia é com a atriz Marjorie Estiano, que

está em São Paulo com a peça Inverno da luz vermelha. Ele pergunta como está

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!

!

#'"!

sendo foi interpretar essa personagem tão diferente de outros trabalhos, como os

que ela fez na televisão.

A atriz e cantora responde que sempre teve vontade de fazer um papel mais

desafiador e aí veio o convite da Monique (Gardemberg, diretora) para fazer a

prostituta Christine, que a atriz define como “uma Lolita meio pop, sensual”. A

preparação da montagem, segundo a artista, necessitou apenas de um mês e 20

dias.

Eles conversam sobre o papel da música no espetáculo (é exibido um trecho da

peça em que Marjorie canta em francês, de costas para o público, numa espécie de

streeptease). Ela diz que também é cantora, mas que o trabalho não se trata de um

musical. “A música tem mais uma função de seduzir”, diz a atriz. (Sobe som, com as

mesmas imagens do espetáculo.)

O apresentador comenta que a carreira da artista começou na Malhação e pergunta

se antes ela já havia feito teatro.

Marjorie diz que começou em Curitiba, onde fez vários cursos. Depois se

profissionalizou em SP, cursou a oficina da Globo e, em seguida, resolveu gravar o

primeiro CD, já que, paralelamente, tinha interesse na profissão de cantora. Diz que,

no entanto, nunca parou para optar entre as duas carreiras. Sobre o personagem

Natasha, que a revelou em Malhação, ela comenta que foi uma feliz coincidência de

unir música e interpretação; foi quando aproveitou para se inserir no mercado

musical.

O apresentador comenta que a carreira da atriz parece ser planejada, apresentando

uma linha evolutiva. Ela responde que sempre tenta ter certa mobilidade nos

trabalhos, administrando de forma que conduza as oportunidades a favor do que ela

quer fazer.

O apresentador interfere, dizendo que, do contrário, ela ficaria presa a determinado

rótulo.

A atriz concorda e fala sobre a armadilha de se fazer bem um papel: “Você, o

público e a direção acreditam tanto naquele trabalho, que a tendência é se repetir, aí

você acaba sempre fazendo personagens com temperamentos parecidos”, afirma.

O apresentador interrompe a entrevista para anunciar a primeira reportagem: “Logo

mais, às nove da noite, estreia em São Paulo a nova versão da peça Orfeu da

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#($!

Conceição, de Vinícius de Moraes. Adriana Couto foi acompanhar os últimos

ensaios e aproveitou pra conversar com o elenco. Dá só uma olhada!”

VT – reportagem Orfeu

Tempo: 3’51”

Tema: teatro

Pauta: estreia de nova montagem do espetáculo

A reportagem começa com imagens do espetáculo, apresentando os protagonistas:

“Ele é um poeta do morro e ela, uma linda e ingênua garota. Por Eurídice, Orfeu

deixou outras mulheres e aventuras” narra a repórter.

Na sequência, a repórter aparece com os atores principais e diz que está entre

Eurídice e Orfeu. (Mais um trecho com imagens do espetáculo.)

No texto em off, repórter retoma a importância da peça, um drama montado nos

anos 1950, com canções que inauguram a parceria entre Vinícius de Moraes e Tom

Jobim. (São exibidas fotos antigas de Tom e Vinícius, ao som de antigas canções da

dupla.)

Com imagens da montagem original, a reportagem destaca o cenário assinado por

Oscar Niemeyer.

De volta ao tempo da nova montagem, a reportagem retoma cenas atuais e informa

que a direção é de Aderbal Freire Filho e a direção musical é assinada por Jaques

Morelenbaum. Também é enumerado o elenco: sete músicos, 16 atores, com a

semelhança de todos serem negros.

Repórter pergunta aos atores como está sendo a experiência.

A atriz Isabel Fillardis diz que já tinha feito Orfeu no cinema, com direção de Cacá

Diegues. (São exibidas imagens do filme.)

Sentada novamente entre os protagonistas, a repórter diz que, há 60 anos, um

elenco todo formado por atores negros foi um embate; pergunta: “E hoje?”

O ator Érico Braz (Orfeu) diz que ontem e hoje essa escolha tem funções diferentes.

Diz que, se os atores fossem todos brancos, certamente haveria briga.

A reportagem então mostra imagens do filme Orfeu, de Jean Cocteau (1950),

realizado em branco e preto, dizendo que a ligação entre o mito de Orfeu e os

negros foi “responsabilidade de Vinícius”, já que a história é uma tragédia grega,

levada às telas com atores brancos pelo cineasta francês.

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#(#!

Ainda retomando a história da tragédia na visão de Vinícius, a reportagem exibe

arquivo do filme Orfeu Negro (1959), com direção de Marcel Camus, que ganhou a

Palma de Ouro em Cannes e Oscar de melhor filme estrangeiro.

De volta à atualidade, a repórter apresenta a atriz Aline Nepomuceno, que, durante a

temporada carioca, resolveu morar no morro pra se aproximar da personagem

Eurídice. A atriz conta que morar no morro é “um ato de coragem”. “Eu estou na

peça e depois subo a ladeira do Vidigal e vou ver como são as coisas” afirma.

Com mais um trecho da peça, o texto da reportagem aponta para uma novidade na

montagem de Aderbal em relação à original, que é a figura do poeta, interpretado

pelo ator Wladmir Pinheiro.

Na entrevista, o ator diz que é ele quem apresenta o espetáculo, escrito há 60 anos.

As imagens mostram o poeta em cena, enquanto lettering traz as informações:

“Orfeu, a partir de hoje, HSBC Brasil, até 3/10 – preço: 30 a 180 reais.”

(Volta ao estúdio.)

Entrevista com Marjorie Estiano (segunda parte)

Tempo: 1’

Tema: opiniões da atriz

Pauta: artista acompanha o bloco com comentários

Apresentador pergunta se, como cantora e atriz, a artista já participou de algum

musical ou tem vontade de atuar nesse tipo de espetáculo. “Aliás, você gosta de

musicais?”, pergunta. Atriz responde que gosta, que já fez diversos testes, mas que,

depois que estreou como cantora e começaram a convidá-la pra fazer só papéis

musicais, ela viu que isso poderia ser um problema, pois ela não queria ficar presa a

esse tipo de papel. (Enquanto conversam, são exibidas imagens da peça Orfeu.)

Apresentador – (com a câmera mais fechada) “Bom, e o filme Lula, o filho do Brasil

é o candidato brasileiro para representar o País no Oscar.

VT – nota coberta do filme Lula

Tempo: 5’

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Tema: cinema

Pauta: anúncio do Ministério da Cultura

Com locução do apresentador Cadão Volpato, a nota coberta tem imagens do longa

metragem, dirigido por Fábio Barreto. O apresentador afirma que a obra “não

vendeu o esperado nas bilheterias, mas foi escolhida por unanimidade entre os

representantes do Ministério da Cultura, da Agência Nacional de Cinema da e

Academia Brasileira de Cinema. Apesar disso, os responsáveis pela escolha

garantem que a decisão não foi política”. Outras informações são a data de

divulgação da lista dos indicados ao Oscar e um “detalhe dramático da escolha

brasileira: o diretor Fabio Barreto segue em coma em casa, depois de sofrer um

acidente grave, em janeiro”.

Apresentador diz que outra produção nacional que chega aos cinemas é A guerra

dos vizinhos, que ele define como “estreia do diretor Rubens Xavier em longa

metragem, com Eva Wilma e Karin Rodrigues no elenco”.

VT – nota coberta de A guerra dos vizinhos

Tempo: 1’

Tema: cinema

Pauta: estreia

A nota coberta começa com imagens do filme, apresentando primeiramente o

elenco. “Eva Wilma, Karin Rodrigues e Vera Mancini são as estrelas dessa história,

baseada em fatos reais”. Daí, o texto segue com sinopse do longa, sempre com

imagens de divulgação. Acrescenta a informação que este é o primeiro longa da

carreira do diretor de curtas e documentários, Rubens Xavier.

De volta ao estúdio, o apresentador informa sobre outro filme. “Numa linha bem

diferente, tem uma estreia demoníaca. O último exorcismo incendiou as bilheterias

americanas. É um novo sucesso de terror, com cara velha de vídeo caseiro”, diz a

cabeça da nota.

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#(&!

VT – nota coberta de O último exorcismo

Tempo: 1’04”

Tema: cinema

Pauta: estreia

Com imagens do trailler, a nota traz uma sinopse, mas também uma resenha, um

pouco mais crítica. Compara os recursos do filme com os de Bruxa de Blair, que, “na

época, inovou com a estética de câmera tremida”, afirma a narração. O texto do

apresentador também diz que a principal referência do novo longa de terror é O

exorcista, de William Friedkin (1973), e afirma que a receita deu certo: 40 milhões de

arrecadação na estreia nos cinemas dos EUA.

De volta ao estúdio, sempre com a câmera mais fechada no apresentador, Cadão

Volpato chama para mais uma estreia nos cinemas. “E pra quem prefere comédia,

também tem estreia amanhã.”

VT – nota coberta de Gente grande

Tempo: 1’16’’

Tema: cinema

Pauta: estreia

A narração com locução do apresentador diz que o nome do filme é Gente grande,

“mesmo assim, não dá pra dizer que as piadas são adultas”. (É mostrado um

trechinho do filme.)

Texto segue dizendo que o elenco é de peso. Com imagens do trailler, apresenta os

atores conhecidos por fazerem comédias hollywoodianas. “Mas, para os padrões de

Adam Sandler, até que é leve.” (Entra trecho de uma entrevista com o ator, dessas

contidas no material de divulgação do filme, em que ele diz que “pegou leve”, porque

os filhos dos amigos certamente vão assistir.)

Na sequência, o texto diz que, nos EUA, o filme surpreendeu com a segunda maior

bilheteria: 41 milhões de dólares, em três dias. Segue com sinopse mais crítica,

afirmando que o roteiro não surpreende, sendo a história de três amigos de infância

que se reencontram e levam os filhos para um fim de semana juntos, o que é o

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#('!

pretexto pra todo o tipo de confusão. Encerra com imagens do tombo de um adulto,

enquanto crianças dão risada (cena óbvia).

Volta ao estúdio com câmera fechada no apresentador. Ele chama outra estreia nos

cinemas, dizendo: “Semana sim e semana também, estreia nos cinemas alguma

comédia romântica, e a desta semana é Moscou, Bélgica. Sim, os belgas também

amam!”

VT – nota coberta de Moscou, Bélgica

Tempo: 35’’

Tema: cinema

Pauta: estreia

A nota começa com imagens de divulgação e um lettering com o nome do filme e do

diretor, Christophe van Rompaey. Sinopse apresenta a protagonista, que narrador

apresenta como sendo “uma mulher que vive pro trabalho e pros filhos”, sem tempo

para amigos e diversão, até que “o destino promove um encontro” com o homem em

cujo caminhão ela bate o carro no trânsito. O texto concluiu que “já foi o tempo em

que os românticos sonhavam com o esbarrão certo da pessoa sonhada”.

VT – nota coberta de Saramago

Tempo: 1’02’’

Tema: literatura

Pauta: evento em homenagem ao escritor

Apresentador lembra que o programa segue ao vivo e também pela internet. “Ontem

à noite, aconteceu uma homenagem a José Saramago, no SESC Vila Mariana, em

São Paulo. Trechos da obra dele foram lidos por artistas como Chico Buarque e a

viúva do escritor, Pilar Del Rio.”

VT começa com imagens do evento e lettering “Saramago homenageado em SP”.

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#((!

Texto em off diz: “A homenagem teve direção da cineasta e cenógrafa Daniela

Thomas, com exibição de cenas do documentário José e Pilar, que você já viu aqui

pelo Metrópolis, e com estreia no Brasil em novembro.”

(São explorados alguns sobe sons do evento.)

O destaque foi para as leituras de trechos da obra do prêmio Nobel de Literatura,

com Beth Coelho, Denise Weingber, além da espanhola Pilar Del Rio e do músico e

escritor Chico Buarque. O teatro teve a lotação máxima esgotada, com a presença

de mais de 600 pessoas.

Volta ao estúdio e apresentador retoma entrevista com Marjorie Estiano. “Você gosta

de Saramago?”

Atriz responde que gosta, mas não leu muita coisa. “Li o Evangelho, mas não li o

Ensaio, vi o filme.”

“E você gostou do filme?”

Marjorie: “Gostei, achei bem incômodo.”

Cadão: “E você tem tempo pra ler, com essa vida que você leva?”

Marjorie: “Pois é, leio vários começos de livros. O que funcionava eram livros de

contos. Até em função da espera, durante os intervalos de gravação.” (São exibidas

imagens do filme José e Pilar.)

Cadão: “Você estava falando aqui em off que estava gostando de ler Conversas com

Almodóvar...”

Marjorie: “É sim, é um livro em que Frederic Strauss seleciona umas entrevistas que

Almodóvar deu, você acaba conhecendo muito dele, ele fala das referências dele.”

Cadão: “Legal.”

O apresentador muda de assunto, dizendo que “pra quem pretende aproveitar o

primeiro fim de semana de visitação da 29ª Bienal de SP, um conselho: vá

descansado, porque tem muita coisa pra ver. Esta edição do evento confirma a força

da fotografia, como sendo uma das grandes expressões do século 21”.

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#()!

VT – reportagem sobre fotografia na Bienal

Tempo: 3’

Tema: fotografia

Pauta: subtema da Bienal

A reportagem de Adriana Couto abre com o texto: “Se o seu foco é a fotografia, para

muitos artistas que estão expondo na Bienal, também.” O primeiro trabalho a ser

mostrado é o da gaúcha Rochele Costi, que a repórter explica que está sendo feito

antes e durante a Bienal.

A fotógrafa conta que todas as imagens que ela concebeu antes de entrar no espaço

ela pôde fazer, além de outras que foram realizadas ao longo de dez dias e que

agora ficarão expostas por dois meses.

Na sequência, em off: “Perceberam, né? A fotografia aqui não é só registro da

realidade. O significado das imagens vai ganhando outros contornos. Em ‘sim e

não’, as identidades são múltiplas e efêmeras.” (Imagens da exposição de

transexuais e andrógenos, com sobe som.)

Segue texto em off, perguntando “E que lugar é esse?”, enquanto são exibidas

imagens de um espaço que parece abandonado. A informação num lettering dá a

dica: “Fotos de Otobong Nkang – Nigéria”.

Segue voz em off: “Parece abandonado, mas muita gente mora nesse conjunto

habitacional da Nigéria. Otobong Nkang faz denúncia e, ao mesmo tempo, explora

as formas e cores da infraestrutura improvisada. O artista angolano Kiluanji Kia

Henda também utiliza a fotografia nas obras dele. Ele cria uma ficção por meio das

imagens de Ruanda e a história é muito boa: os preparativos para uma expedição

angolana ao Sol.” (Repórter entrevista o artista, andando pela exposição, e ele diz

que é uma história em que cientistas queriam ir ao sol, mas como ele é muito

quente, impossível, eles resolvem ir à noite. Kia Henda diz ainda que ele quis

explorar as formas que parecem um foguete, que são fruto de uma época do pós-

guerra, em que Angola resolveu ficar do lado comunista.)

Depois são exibidas algumas outras fotos, e o artista conclui que a fotografia tem

uma capacidade muito rápida de representar a realidade e a vantagem da rapidez

de expressar o pensamento.

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#(*!

Estúdio – Na volta ao estúdio, apresentador quer saber o que a atriz Marjorie

Estiano achou, e ela diz que gosta muito de fotografia, que viu recentemente uma

exposição interessante no Rio Grande do Sul.

Cadão pergunta então sobre música. “E música? Você está gravando?”

Atriz responde que o último trabalho foi Combinação sobre todas as coisas. É um

show em que ela queria testar várias sonoridades.

Apresentador chama a atenção para imagens sobre esse trabalho.

Ela retoma dizendo que tem “Tatuagem”, da Rita Lee, André Aquino e Lancaster,

que também experimentou Elton John, que tem muito baixo acústico. “É um

repertório de músicas que eu gostava de ouvir, de cantar, gêneros e temáticas

diferentes. Tem Roberto Carlos, Chico Buarque, um monte de coisa. Eu busquei

encontrar uma unidade através da sonoridade mesmo. Em Taí, a gente deu uma

roupagem meio de tango; eu gostei muito de gravar.”

Apresentador pergunta: “E composições próprias, você tem?”

Marjorie: “Eu não tenho compromisso com isso, eu não me sinto compositora. E

também eu não toco nenhum instrumento, mas quero me jogar mais nisso. Quando

você é intérprete, tem que procurar a intenção, pois você não tem tudo na cabeça,

como o compositor. Você tem que achar o que você quer dizer, às vezes você gosta

muito de uma música e ela não se encaixa muito bem com você.”

Apresentador diz que, daqui a pouco, volta a falar com a Marjorie. “E vem aí o novo

Harry Potter, o primeiro filme da série todo feito em 3D. Harry Potter e as relíquias da

morte estreia por aqui no dia 15 de novembro.”

VT – nota coberta sobre Harry Potter

Tempo: 10”

Tema: cinema

Pauta: lançamento do filme em 3D

(Texto em off com imagens do filme) “É o penúltimo filme da saga, que deve terminar

no meio do ano que vem. A missão agora é encontrar o segredo da imortalidade do

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#(+!

vilão Lord Voldemort. A história, que foi a mais comentada hoje no twitter, vai voltar

a ser assunto aqui no Metrópolis – claro!”

Apresentador – Cadão comenta entre risos que precisou voltar rápido pro sofá,

onde segue a entrevista. Ele diz: “Então vocês ficarão em cartaz só até domingo?”

Atriz confirma e diz que, depois, o espetáculo vai pra Brasília. O programa é

encerrado com cenas da peça (as mesmas que já foram repetidas várias vezes).

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#("!

ANEXO E – Programa Metrópolis, 24 de setembro de 2010, sexta-feira

Espelho

Jabor

Paralela 2010

Plácido Domingo

Alberto Villas

Djavan

Tulipa Ruiz

Janela da Frente

Wall Street

Orfeu (sorteio)

Tulipa Ruiz

Tipo de material

5 reportagens

2 entrevistas (uma delas dividida em duas partes)

1 nota coberta

0 participação de repórter ao vivo

Apresentador: pós-escalada, Cadão diz: “E ontem à noite, foi a abertura do Festival

do Rio, com o lançamento do filme de Arnaldo Jabor, Suprema felicidade.”

VT – nota coberta de Jabor

Tempo: 23”

Tema: cinema

Pauta: evento

A nota é coberta com imagens do evento, como “celebridades” chegando ao cinema.

“O filme foi apresentado pelo elenco para convidados no Cine Odeon. O longa traz a

volta de Jabor ao cinema, depois de mais de duas décadas afastado. Suprema

felicidade se passa no Rio de Janeiro das décadas de 1950 e 1960, e o personagem

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#)$!

principal é uma espécie de alter ego de Jabor. O festival vai até o próximo dia 7, com

mais de 300 filmes.

Apresentador: “Sempre que tem bienal, muitas exposições são realizadas

paralelamente, aproveitando o ambiente favorável para as artes plásticas. Uma

dessas mostras leva um nome bem adequado, a Paralela 10. A diferença pra Bienal

é que, nesse caso, são reunidas apenas obras de artistas brasileiros – mais um

motivo pra você ver!”

VT – reportagem sobre a Paralela 2010

Tempo: 3’30’’

Tema: artes visuais

Pauta: abertura de exposição

O VT começa com uma vinheta criada pelo programa para as reportagens da Bienal

(embora ela não seja diretamente ligada à Bienal).

A abertura é feita pela repórter Alessandra Calor, que está na porta do prédio da

exposição. “A cidade está transbordando arte. Tem a Bienal, tem a Off Bienal, que é

novidade, e a Paralela, que está em sua quinta edição. E os caras estão usando até

o espaço externo aqui do Liceu.”

Em off: “O tema deste ano tem tudo a ver com a arte política da Bienal e a

contemplação do mundo (entra lettering “Off Bienal”, porém ela está na Paralela 10).

A Paralela 10 reúne 82 artistas, que já passaram pelas principais galerias de São

Paulo.”

Entrevista com o curador Paulo Reis (a repórter está em quadro, mas só se ouve

resposta, sem pergunta). Ele diz que a Paralela é um projeto que começou de um

desejo das galerias de São Paulo de mostrar seu acervo e artistas a visitantes que

vêm a SP, sobretudo motivados pela Bienal (enquanto ele fala, é mostrado um

arquivo do Metrópolis de 2006, com a exposição correspondente àquele ano).

Segue o curador (agora parte da sonora é coberta por imagens de outras edições):

“Esta é a quinta edição da Paralela. Ela é um projeto de arte brasileira, então, acaba

por se tornar uma espécie de complemento ao programa internacional, que é a

Bienal de São Paulo.”

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#)#!

(Sobe som, com imagens das mesmas obras já mostradas.)

Em off: “Por aqui, temos uma amostra de alguns representantes da geração dos

anos 80, além dos jovens que têm surpreendido o mundo das artes.” Num áudio em

diferente modulação, a repórter diz: “Aquele trabalho me impressionou. Parece uma

fotografia, mas é pintura mesmo”.

Entrevista: Rafael Carneiro – artista plástico, 25 anos. “Acaba tendo uma

ambiguidade com a linguagem fotográfica mesmo, principalmente a certa distância,

mas meu interesse mesmo era a natureza dessas imagens que eu escolhi trabalhar”

(parece uma sala interditada, com móveis amontoados, e uma corda impedindo a

aproximação).

Curador: “O Rafael Carneiro eu acho que é um dessa safra de jovens pintores que

surgiram nos últimos quatro ou cinco anos. Um trabalho muito demorado, trabalho a

óleo, trabalho difícil, que requer muita precisão.”

(É usado um “respiro”, com músicas e novas imagens para separar os temas. As

imagens são de um grande painel, retratando ondas.)

Em off: “Sandra Cinto, que até o mês passado estava no instituto Tomie Ohtake,

retoma na Paralela o tema do mar. (Câmera percorre a parte da exposição com

trabalhos da artista.) Aqui ela coloca as minuciosas ondas estampadas em vidro e

as ergue numa balsa de tora de madeira. (na verdade, uma jangada). Sobre a balsa,

roupas, cordas e livros com histórias sobre o mar. Um verdadeiro convite à deriva.”

(A obra se assemelha muito à de Adriana Varejão. Isso não é comentado. As

imagens não condizem com o texto. Há porta-retratos com fotos sobre a jangada,

que a repórter chama de balsa.)

Segue voz em off, enquanto a câmera percorre a exposição: “Tem essa obra aqui do

Wagner Malta, que faz um barulho que lembra as ondas do mar (áudio). A Paralela

reforça a sintonia com a Bienal, trazendo o tema da água, presente em várias obras

da exposição.” (Esse texto parece deslocado, já que, anteriormente, já se falou da

obra de Cinto sobre o mar.)

Outra sonora com curador: “Quando eu pensei no tema da contemplação do mundo,

foi uma coincidência, curiosamente tem muita pintura. Parece que a juventude, essa

nova geração, está um pouco saturada das imagens do digital, do mundo

eletrônico.”

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#)%!

Volta Rafael Carneiro – artista plástico: “A pintura tem uma tradição muito longa e

ela tem a necessidade de continuar válida. Isso é desafiador.”

Volta curador: “A pintura nunca morreu e nunca morrerá.”

Encerra VT com imagens gerais (repetidas) e a informação em lettering: “Paralela

2010 – Liceu das Artes e Ofícios – abertura domingo (grátis).”

Estúdio – apresentador está próximo ao televisor que geralmente mantém imagem

com logomarca do programa, onde agora estão sendo exibidas imagens da 29ª

Bienal de São Paulo. Ele diz, numa nota seca: “Olha, não se esqueça de que a

abertura para o público da Bienal de São Paulo é neste sábado. Sã mais de 800

obras, de 159 artistas. Tudo de graça, no Pavilhão da Bienal, no Parque do

Ibirapuera. O dia já começa com duas performances, às 11 da manhã, e o

Metrópolis vai acompanhar tudo de perto, pra mostrar pra você, ainda no programa

deste sábado, que vai ao ar às 8 da noite.”

Entrevista com Alberto Villas

Tempo: 4’

Tema: literatura

Pauta: lançamento de livro e o tempo na obra do escritor

Estúdio – abertura do apresentador: “O jornalista mineiro Alberto Villas é, antes de

tudo, um colecionador de memórias. Seus livros anteriores são O mundo acabou,

Admirável mundo velho, Afinal, o que viemos fazer em Paris? O mais recente livro

dele é Onde foi parar nosso tempo?, que também é uma memória meio torta, assim,

dos anos 50 e 60, pela editora Globo. Villa, você tem saudade dessa época e tenta

recuperá-la, de alguma forma?”

Alberto Villas: “Quem lê meus livros pensa: ‘ele é um saudosista’. Eu sou saudosista,

mas, ao mesmo tempo, superantenado como tempo de hoje. Eu estou no facebook,

adoro computador, tenho celular, mas acho curioso ter vivido uma época sem tudo

isso e em que as pessoas tinham tempo. Então, eu fui atrás desse tempo perdido.”

Cadão: “Tem umas coisas engraçadas aqui, como “mandando telegrama”– fala o

apresentador, citando o nome de um dos capítulos. Segue a conversa em que

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#)&!

apresentador e entrevistado concordam que cada capítulo traz algoque as gerações

de hoje, provavelmente, não têm ideia do que seja. Descontar um cheque, escrever

carta. Do tempo que você matava cachorro com linguiça...”

Villas: “E o leite fervia. Quem ferve o leite hoje?”

Cadão: “Você se sente meio deslocado no tempo de hoje?”

Villas: “Não, na verdade eu vivo o tempo atual, acompanho muito as coisas que

estão acontecendo, mas eu tenho uma memória – na cabeça e física. Eu sempre

gostei muito de guardar coisas, revistas, e, de vez em quando, eu dou uma olhada.

Por exemplo, eu herdei da minha mãe, quando ela morreu, um baú de fotos. Meu pai

fotografava sem parar, a família inteira... Quando eu abro aquele baú, cada foto

daquela, em preto e branco, é um capítulo de um livro.”

Cadão: “Eu tive a oportunidade de conhecer sua casa e vi que você tem

compartimentos cada vez mais lotados de ‘memórias’. Mas eles não estão

desorganizados, muito pelo contrário!”

Villas: “É porque, quando alguém fala que guarda coisas, imagina-se aquela

bagunça, revista velha... Comigo é tudo encadernado, organizado, catalogado. É

uma coisa que me dá muito orgulho esse museu que eu tenho em casa.”

Cadão: “E como a família reage a essa mania de colecionador que você tem?”

Villas: “Eu tenho duas filhas, uma com 21 e outra com 16 anos, e elas já estão assim

pensando: ‘daqui a dois anos, já estamos saindo daqui. A primeira coisa que vai

acontecer quando a gente sair vai ser meu pai ocupar nosso quarto, com estante pra

tudo quanto é lado’. Elas já imaginam isso, porque, quando a empregada resolveu

sair, no dia seguinte já estava o marceneiro lá, fazendo o projeto da estante!”

Cadão: “E parece que você está falando de um tempo que não existe mais – e

realmente não existe. Parece que é a idade da pedra lascada... e é uma memória

meio torta mesmo, que se refere a outras pessoas...”

Villas: “É curioso como o livro funciona como um teste de idade. Se alguém diz

‘nossa, eu me lembro disso tudo’, é porque já tem mais de 50.”

Cadão: “Meu Deus! Eu me reconheci em todos os capítulos! (risos) Você tem um

diário em que anota tudo, desde que nasceu seu primeiro filho de 33 anos, é isso?”

Villas: “É o que eu chamo de ‘cadernos de família’. Como meu filho nasceu em

Paris, em 1977, eu quis registrar o primeiro mês de vida dele e comecei a guardar

recortes de jornal. Pra cada página eu fazia um dia da vida dele, com recorte de

revista, jornal, fotos... eu fazia relatos, fatura do hospital. De um mês, virou seis, um

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#)'!

ano, dois anos, e hoje tem 33 anos que eu faço esses cadernos, que ocupam quase

um cômodo inteiro da minha casa.”

Cadão: “E que ainda vão ser publicados! Boa sorte, Villas, obrigado!”

VT – reportagem sobre Djavan

Tempo: 4’24’’

Tema: música

Pauta: show de lançamento do novo disco, em SP

O VT começa sem apresentação do estúdio (cabeça), com uma espécie de potpourri

com diversas canções de Djavan, em diversas fases de sua carreira. É feita uma

abertura pela repórter, durante passagem de som do show, em São Paulo. Ela diz:

“São tantas, né? Pois agora o cantor e compositor alagoano resolveu gravar pérolas

de outros nomes da MPB”.

Sobe som (espécie de clipe de divulgação novo trabalho).

Texto em off segue e diz que o novo CD acabou de sair. Ária tem produção e

arranjos de Djavan e é esse trabalho que ele leva para o palco, num show intimista.

Sonora com Djavan: “Quis emprestar minha ideia musical e evidentemente pude

voltar aos meus tempos de crooner, que durou basicamente de 74 a 78.”

Texto em off: “Um salto ao passado deste último disco ao primeiro, lançado em

1976, só com canções de Djavan. (Exibe capa.) Flor de Liz estava nesse disco, que

demonstrou a autenticidade do artista logo na estreia. E era tudo tão novo (imagens

de festival da época, porém sem data ou referência), que Lolita Rodrigues até se

atrapalhou com o nome dele.”

É exibido um trecho de arquivo, em que a atriz Lolita Rodrigues, ao apresentá-lo ao

público num festival, diz “Dajivan”. Depois, num arquivo mais recente, o

cantor/compositor cantarola, marcando o ritmo, uma de suas interpretações mais

características.

Em off: “É o jeito de Djavan cantar os ‘tchutchubirubis’, que só ele sabe fazer. (Sobe

som, com mais um trecho.) O estilo das letras, tudo isso só cresceu. O cantor e

compositor alagoano deixou a marca dele na música do Brasil e – por que não dizer

– na música do mundo. Que outro artista brasileiro tem a honra de ter ninguém

menos que Steeve Wonder gravando uma gaitinha, hein? Djavan teve (imagens de

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!

!

#)(!

Steeve Wonder, na faixa Samurai). Só isso já bastaria, né? Não para Djavan. É por

isso que ele é citado por músicos lá de fora.” (São mostrados vários artistas

estrangeiros, num arquivo próprio do programa, mas sem identificar nenhum deles.)

Na sequência, entra uma sonora, com um artista, sem ser identificado. Ele diz ao ex-

apresentador Cunha Jr.: “Adoro o tom da voz do Djavan. Ele é um barítono com

suavidade, que me lembra Nat King Cole. Não ouvi seus trabalhos mais recentes,

mas Djavan ainda é um dos meus artistas favoritos.”

Sobe som, com Gal interpretando Djavan, seguida de outras cantoras.

“É claro que ele é muito interpretado por aqui também.” (Depois é exibido arquivo de

Caetano e Djavan, em Sina.)

Sonora com Djavan: “Eu fico felicíssimo quando gravam minhas músicas; aliás, no

fundo, é uma coisa que já não te pertence tanto, é do mundo. As pessoas podem

fazer o que quiser. E agora eu estou fazendo o mesmo da música de outros, né?”

(Risos. Imagens de clipe recente de Djavan, cantando Palco, de Gilberto Gil.)

Em off: “No disco Ária, ele canta composições de Caetano Veloso, Chico Buarque,

Tom Jobim, Cartola, Gilberto Gil.” (Mais um trecho da música Palco.)

Repórter, agora em quadro, com o artista, pergunta: “E como foi a escolha de Palco?

Só quem sabe onde é Luanda saberá lhe dar valor?” (Mais um pouco da

composição, desta vez no trecho citado.)

Djavan: “A escolha de Palco foi bem difícil, porque ninguém queria; acharam uma

loucura gravar essa música, pelas razões que lhe falei [mas que não foram

mostradas ao público]. Mas, quanto mais diziam que não, mais eu achava que tinha

de ser essa. Apostei em Palco e achei que realmente fiz bem.”

(Sobe som, com o início da música Palco.)

Estúdio – Cadão apresenta sua convidada: “A Tulipa Ruiz é uma cantora da nova

geração, que está fazendo sucesso com este disco aqui (exibe CD em câmera

fechada), Tulipa efêmera. Eu devo dizer Tulipa efêmera ou Tulipa, efêmera?”

Tulipa: “Tulipa (um pequeno silêncio, um momento de introspecção, e depois)

Efêmera!” (Risos.)

Apresentador: “A Tulipa vem de um lar artístico, porque a mãe dela é a Alice Ruiz,

que é uma grande poeta. Não? Errei? Então me explica essa história!”

Tulipa: “Todo mundo confunde, pensa que eu sou filha da Alice Ruiz. Na verdade, eu

não sou, EU NÃO SOU FILHA DA ALICE RUIZ, GENTE!” (frisa a cantora)

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!

!

#))!

Cadão (desconcertado e querendo concertar, encarando a gafe com esportiva):

“Bom, mas você é filha do Luiz Chagas!”

Tulipa: “Sim, e a Alice Ruiz é uma grande amiga do meu pai.”

Cadão: “Mesmo”?

Tulipa: “Sim, mas não é uma amiga colorida. Nunca namoraram.”

Luiz Chagas (pai da Tulipa, que é um dos músicos que a acompanham): “Mas eu

também nunca nem namorei a Alice!” (risos)

Cadão: “E de onde vem essa história?”

Tulipa: “É porque meu sobrenome é Ruiz. O nome da minha mãe é Graziela Ruiz, e

aí fica essa coisa de Ruiz, Ruiz...”

Cadão: “E ela também é cantora, é poeta?”

Tulipa (simultaneamente): “Não, também não. Ela é fotógrafa.”

Luiz Chagas: “Uma poeta do olhar, né?”

Cadão: “Bom, eu ouvi seu disco, gostei muito! Eu acho que ele tem uma coisa

diferente do que a gente tem ouvido por aí. Porque tem uma geração enorme de

novas cantoras chegando. E eu vi que têm muitos desses nomes aqui (cita algumas,

só pelo primeiro nome). Me parece um trabalho de equipe. É muita gente

participando. Inclusive com desenhos, não sei se a gente vai conseguir ver aqui

(mostra para a câmera). Tem tulipas pra todo lado. Todo mundo aqui, né? Você

consegue ver uma geração, de fato, um conjunto de pessoas pensando a música, de

um jeito parecido?”

Tulipa: “Eu não digo pensando junto, porque todo mundo está pensando diferente,

mas são pessoas que trabalham juntas de alguma forma. Tocam juntas ou têm

alguém da banda que é parceria. A gente tem um jeito de trabalhar que é parecido,

de operacionalizar parecido.”

Apresentador: “Mas a logística é a mesma?”

Tulipa: “Exatamente. É todo mundo meio amigo, anda junto, isso é uma

característica”.

Cadão: “E tem um estúdio aqui em SP que eu imagino que seja um ponto onde as

pessoas podem – ou podiam – se encontrar, porque ele, pelo menos, era aberto

para shows de novos talentos, novas cantoras, novos cantores. De alguma forma,

todo mundo acabou circulando por ali, não é?” (O apresentador não chama o

espectador para a conversa, pois ele e a entrevistada sabem que estúdio é esse e

parecem não querer citar o nome, então, fica sem sentido.)

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!

!

#)*!

Tulipa: “Sim, é um dos lugares onde a gente encontra os amigos, onde costuma se

encontrar pra fazer shows.”

Cadão: “Então, Tulipa, se eu dissesse: ‘Tulipa, eu queria que você se apresentasse

musicalmente’, dizendo assim, muito prazer e tal, que música seria essa para

apresentá-la às pessoas que não te conhecem?”

Tulipa: “E eu já toco ou eu falo o nome?”

Cadão: “Toca primeiro, aí a gente fala o nome”. (risos)

(Juntamente com o pai e músico Rafael Chagas, a cantora faz um trecho de

Efêmera – música que dá nome ao disco.)

Cadão: “Essa aí é a principal, a que dá nome ao disco.”

Tulipa: “Isso.”

Cadão: “E essa composição é sua. É natural pra você, quer dizer, você tem pai,

naturalmente, o Luiz Chagas, que é simplesmente o guitarrista do Pochet Set. Você

começou a cantar pequenininha; com é que aconteceu a composição na sua vida?”

Tulipa: “Eu sempre gostei de cantar, sempre tinha música em casa. Meu pai é

guitarrista, e meu irmão – que é produtor musical do disco – também é guitarrista.

Eles eram os acadêmicos da casa, que faziam música efetivamente, eram os caras

da teoria, e eu executava, colocando o disco na vitrola. E eu arriscava, dava umas

cantadinhas com meu irmão...”

Cadão retoma a pergunta: “Você começou a compor a partir daí?”

Tulipa: “Então, eu arrisquei fazer umas coisas em casa, mostrei pro meu pai, pro

meu irmão...”

Cadão: “Bacana, olha, você vai ficar aqui mais um pouquinho.”

Estúdio – Apresentador diz: “A temporada deste ano da ópera de Los Angeles

começou ontem à noite. A estreia foi com um espetáculo estrelado pelo tenor

Plácido Domingo.”

VT – reportagem com Plácido Domingo

Tempo: 1’59’’

Tema: ópera

Pauta: abertura de temporada internacional

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!

!

#)+!

O VT começa com um trechinho da ópera no palco. Em off, o apresentador diz:

“Plácido Domingo reservou os melhores passos de dança para interpretar Neruda.

Ele encarna o poeta chileno em Il postino. A montagem é do mexicano Daniel Catán

e é toda cantada em espanhol. (Sobe som.) O público aplaudiu de pé e

efusivamente a primeira apresentação do espetáculo.”

Sonora com Plácido Domingo – tenor (Conteúdo parece ser de agência ou internet.

Não é creditado o material, a entrevista recebe tradução simultânea, cuja voz não é

a do apresentador-locutor.) “É sempre um prazer uma premier. Já fiz 134 óperas e,

mesmo com esse repertório, não me canso de fazer coisas novas, especialmente

algo dessa qualidade. Quando Daniel (diretor) me convidou, fiquei muito animado.

Tivemos uma ótima plateia para a estreia, o que é difícil.”

(É exibido um microtrecho com trilha do filme O carteiro e o poeta, de Michael

Radford. Um lettering localiza o espectador com a informação.)

Segue off: “A peça é uma adaptação do filme O carteiro e o poeta, de Michael

Radford, que, por sua vez, foi inspirado no livro Ardiente paciência, de Antonio

Skarmeta. Depois da apresentação (imagens agora são de movimento de fotos e

honras), Plácido Domingo recebeu a medalha Pablo Neruda (Lettering: “Tenor

recebeu a medalha Neruda”), uma homenagem ao mérito artístico e cultural,

concedida anualmente pelo governo do Chile.”

Sonora com Plácido Domingo: “Neruda foi um artista extraordinário e, além disso,

infelizmente, um artista que teve de viver em exílio por um longo tempo, que sempre

defendeu os necessitados, que foi amado pela sua poesia e também pelo que

representou para o povo chileno.” (Sobe som. Encerramento do tango no palco.)

Estúdio – Apresentador: “Daqui a pouco, às 10 da noite, tem mais um longa

premiado aqui na TV Cultura. É Janela da frente, apresentado pelo crítico de cinema

Leon Cakoff, na mostra Internacional de Cinema na Cultura.”

VT – reportagem sobre Janela da frente

Tempo: 1’16’’

Tema: cinema

Pauta: programação da emissora

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!

!

#)"!

Voz em off, com imagens do filme: “Produzido em 2003, Janela da frente ganhou

quase 20 prêmios nos festivais de cinema. O elenco tem Giovana Mazzogiorno, no

papel de uma mãe de família infeliz com o casamento. Quando o marido abriga em

casa um veterano da segunda guerra, a mulher procura ajuda com um vizinho, com

quem acaba se envolvendo.”

Sonora com Leon Cakoff – diretor da Mostra Internacional de Cinema: “Hoje, na

Mostra da Cultura, o filme Janela da frente, de Ferzau Ozpetek, cineasta italiano de

origem turca, que faz filmes muito intrigantes. Janela da frente tem também a ver

com voyerismo, sabe... um pouco de Hitchcock, romantismo italiano... enfim,

imperdível.” (Termina com trecho de suspense do filme.)

Estúdio – Apresentador: “Muito bem, e hoje estreia nos cinemas a continuação de

um filme emblemático dos anos 80: Wall Street. Vinte anos depois, as diferenças

são maiores que o subtítulo, que mudou de Poder e cobiça para O dinheiro nunca

dorme. Pois a gente convidou o excelente jornalista de economia Guilherme Barros

para assistir ao filme, e olha só o que ele achou!”

VT – reportagem sobre Wall Street

Tempo: 4’44’’

Tema: cinema

Pauta: estreia da continuação do filme

O VT abre com Adriana Couto, em quadro, dizendo: “Pronto. Ingresso na mão, é

hora de assistir ao filme. A gente tem um convidado bem especial, um dos

jornalistas econômicos mais conceituados do Brasil. Estou puxando muito o seu

saco, Guilherme?”

Guilherme Barros: “Bastante, né?” (risos)

Ela continua: “Já trabalhou nos principais veículos e hoje está no IG. Você assistiu

ao primeiro Wall Street: poder e cobiça?”

(Trecho do primeiro filme é inserido, com Michael Douglas dizendo: “Ganância é

certo. Ganância dá certo.”)

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!

!

#*$!

Barros: “Faz pouquinho tempo, né? (risos) Só 23 anos. Naquele momento, tinha

acabado de estourar uma crise em 1987, a segunda-feira negra. A bolsa de Nova

Iorque caía 20, chegou a cair 20% num dia. O mundo parecia que ia acabar.”

(Cenas do filme anterior.)

Em off: “Se o primeiro saiu em meio a uma crise, o segundo é o retrato da última

grande crise do capitalismo, que estourou eventos que levaram à bolha imobiliária

nos Estados Unidos e quase quebrou o mundo. Esse é o mote de Wall Street: o

dinheiro nunca dorme. Gordon Gekko, personagem de Michael Douglas, encontra o

mundo financeiro ainda mais predador, depois de anos na prisão. Bom, mas nada de

revelar muito na sinopse, né? Vamos ver o filme primeiro.”

(Imagens aceleradas de repórter e convidado entrando no cinema, se acomodando,

vendo o filme, imagens projetadas na telona.)

Adriana: “Bom, final de filme. Gostou”?

Barros: “Gostei, gostei bastante do filme. Ele procurou retratar a crise financeira, a

crise de 2008, que agora completa dois anos, a maior crise nos últimos 30 anos (ele

erra nas contas e colocam no ar do mesmo jeito), desde 1929. Mas o que me

chamou mais a atenção, que é a grande novidade desse filme, é que ele também

procurou tratar a questão de uma forma mais humanizada. Ele foi mais fundo nas

personagens do mundo financeiro.”

Adriana: “E em muitos momentos do filme não se faz tudo por dinheiro, se faz por

um jogo, relações de intriga. Às vezes, o dinheiro foge do foco, você concorda?”

Barros: “Adriana, eu sinto muito isso na vida real, nos contatos que eu tenho, que de

fato o que move o grande investidor não é simplesmente o dinheiro, o

enriquecimento, mas o que ele fala no filme: a competição.”

(Trecho do filme de um racha entre duas motos, numa estrada.)

Adriana: “Você acha que, de alguma forma, o filme é didático, documental,

esclarecedor?”

Barros: “Eu acho, sim. Todas aquelas passagens, sobretudo as reuniões, elas

ocorreram de fato. O Oliver Stone conhece o mercado, o pai dele foi corretor da

bolsa de valores, quebrou, então ele conhece de dentro de casa o sistema

financeiro, a engrenagem.” (Nessa parte, são usadas imagens de making off do

diretor.)

Adriana: “Finalizando, qual deve ser a terceira parte, hein?” (Pergunta mal

formulada.)

Page 173: Cultura e televisão: uma relação possível - a produção cultural

!

!

#*#!

Barros: “O terceiro...”

Adriana: “Do terceiro Wall Street.”

Barros: (risos) “A única certeza que eu tenho é que teremos uma nova bolha. Agora,

qual, não dá pra prever. Isso é de repente, não tem como saber. Agora, que teremos

uma nova bolha, isso sim, sabemos, faz parte do capitalismo. Sempre, né?”

Apresentador: diz que vai sortear cinco pares de ingresso pra remontagem de

Orfeu. Quem quiser participar, deve ligar pro programa e responder qual o

personagem que não existia na peça original e que foi criado na montagem de

Aderbal Freire Filho. “Dica: a resposta está na reportagem que foi ao ar esta

semana”, diz.

Entrevista Tulipa Ruiz

Tempo: 4’

Tema: música

Pauta: disco de estreia da cantora

Tulipa comenta que parece bonito o espetáculo.

Cadão: “Tulipa, você pode falar de influências, assim, na sua carreira?”

Tulipa: “Claro!”

Cadão: “A gente viu que a Na Ozzetti tem uma presença...”

Tulipa comenta influência de Na Ozetti e da designer responsável pelas capas do

Grupo Rumo.

O apresentador então pede que a cantora cante mais um pouco para o

encerramento do programa.

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!

!

#*%!

ANEXO F – Programa Metrópolis, 25 de setembro de 2010, sábado

Reprise com a seleção do que foi ao ar durante a semana e uma reportagem inédita

sobre o primeiro dia de Bienal aberto ao público.

Espelho

Escalada

VT – Bienal Performances

Entrevista Denise Fraga

VT – Bomba do Hemetério

Entrevista com Marjorie Estiano

VT – Orfeu

Entrevista com Tulipa Ruiz

VT – Djavan

Entrevista com Marçal Aquino

VT – Blinddate Berlim

VT – Pato Fu

Encerramento com mais Pato Fu

Estúdio – apresentador abre o programa, excepcionalmente, com uma reportagem

inédita, feita no próprio dia, motivada pela abertura da Bienal ao público.

(Apresentador está ao lado do televisor do estúdio, que costuma mostrar apenas a

marca do programa, mas, naquele momento, exibe imagens da Bienal.)

“Bom, você já foi à Bienal? Não? Se não foi, então vá, pois esta edição promete! A

abertura foi neste sábado, e o Metrópolis, claro, estava lá.”

VT – Bienal aberta ao público

Tempo: 3’02’’

Tema: artes visuais

Pauta: abertura da Bienal

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#*&!

(Em off, Adriana Couto) – “A Bienal de Artes abriu as portas ao público pela manhã.

Mas não era preciso entrar no pavilhão pra começar o passeio. Logo ali na frente

tinha uma escultura de gelo que, assim, antes de derreter, parecia até uma fogueira.

(sonora com Paulo Bruscky – artista plástico) Depois de umas quatro ou cinco horas,

vai criando uma expectativa de que ela vá cedendo e comece a cair. É a obra do

pernambucano Paulo Bruscky, um artista que sempre questionou as estruturas da

arte contemporânea.”

(Imagem de uns cachorros que se aproximam da obra e também parecem

questioná-la.a obra. Depois entre um sobe som diferente, para apresentar o Divisor.)

(Ainda em off) “E o final da manhã de sábado estava agitado mesmo. Mais de cem

pessoas fizeram parte do Divisor – intervenção de Lygia Pape, uma das precursoras

do neoconcretismo brasileiro, com Hélio Oiticica e Lígia Clark.”

(Imagens já dentro do pavilhão.)

“Tá legal, mas já é hora de entrar.”

Repórter aborda uma visitante, que não identifica, e pergunta: “Andando muito nesta

Bienal?”

A visitante responde: “Muito. Só não sei se vai dar pra ver tudo, porque é muita

coisa, né?”

(Imagens percorrem um pouco das obras, algumas já mostradas em outras

reportagens, como a Sim e não.)

Em off, repórter diz que são mais de 800 obras, de 159 artistas de todo o mundo, e

visitantes também. Entrevista então uma argentina, que é curadora de arte

contemporânea em Buenos Aires; ela conta que está gostando muito, pois há poesia

no modo como a arte retrata a política na Bienal.

A reportagem acompanha essa entrevistada, mostrando a obra do artista chileno

Alfred Jaar, que consiste numa sala escura, com um milhão de slides, que retratam

a mesma imagem: o rosto de uma mulher que perdeu toda a sua família num

massacre em Ruanda, em 1994. (Todas essas informações estão no texto em off.)

Volta uma sonora com a argentina, que diz que a obra nos faz de espectadores

pelos olhos de quem viu o horror.

Voz em off afirma que, na Bienal, política e denúncia andam juntas, exibindo uma

foto do músico Francisco Tenório, que acompanhava Toquinho e Vinícius durante

uma turnê na Argentina, quando desapareceu.

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!

!

#*'!

Repórter entrevista Marcelo Brodsky (fotógrafo) e relembra o caso do músico que foi

comprar cigarros e desapareceu, como tantos outros, durante a ditadura argentina.

É mostrada uma grande fotografia do entrevistado, com a imagem do Rio da Prata,

onde tantas vítimas foram jogadas; o repórter diz que a obra do fotógrafo tenta

recuperar essa história.

Depois novamente comenta que são muitas obras e que é preciso um lugar para

descansar. Então se senta com visitantes num espaço onde há várias pessoas

deitadas. Pede uma dica e a visitante diz que gostou de uma obra com capas

gigantes de livros.

A repórter segue pra lá, mostra a obra e pergunta ao espectador: “E que tal fechar o

passeio com um vídeo tailandês?” Imagens captam a projeção do vídeo, em que

garotos jogam futebol com uma bola de fogo. A repórter dá algumas informações

sobre o diretor, como, alguns prêmios que ele já recebeu com seu cinema

experimental em que trabalham atores desconhecidos, mas não acrescenta outras

informações que justifiquem tais prêmios.

Encerra com mais um pouco das imagens do vídeo.

Entrevista Denise Fraga (condensada)

Tempo: 55”

Tema: teatro

VT – Orquestra Popular Bomba do Hemetério

Tempo: 1’49’’

Tema: música

Entrevista com Marjorie Estiano (condensada)

Tempo: 1’05’’

Tema: teatro

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!

#*(!

VT – Orfeu

Tempo: 2’13’’

Tema: teatro

Entrevista com a cantora Tulipa Ruiz (condensada)

Tempo: 52”

Tema: música

Entrevista com o escritor Marçal Aquino (condensada)

Tempo: 57”

Tema: literatura

VT – Blinddate Berlin

Tempo: 1’42”

Tema: artes visuais

VT – Pato Fu

Tempo: 3’19” (com o encerramento)

Tema: música