cultura e formação

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.1 NÚMERO Reflexões sobre espaços culturais e seu papel na contemporaneidade Possibilidades de mediação e educação Estratégias de Gestão Cultural, diálogos de transformação Cultura e Formação .15

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NÚMERO

Reflexões sobre espaços culturais e seu papel na contemporaneidadePossibilidades de mediação e educaçãoEstratégias de Gestão Cultural, diálogos de transformação

Cultura e Formação.15

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Centro de Memória Documentação e Referência Itaú Cultural

Revista Observatório Itaú Cultural : OIC. - N. 15 (dez. 2013/maio 2014). – São Paulo : Itaú Cultural, 2013.

Semestral ISSN 1981-125X 1. Política cultural. 2. Gestão cultural. 3. Cultura e formação. 4. Mediação

Arte: Renan Magalhães

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n. 152013

SUMÁRIO

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AOS LEITORESPaloma Automare

MEDIAÇÃO, FORMAÇÃO, EDUCAÇÃO: DUAS APROXIMAÇÕES E ALGUMAS PROPOSIÇÕESJosé Marcio Barros

PENSAMENTOS E AÇÕES – SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CULTURA E FORMAÇÃO ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES: QUESTÕES DE DISCUSSÃOCibele Risek

ERA UMA VEZ O PROGRAMA CULTURA VIVACelio Turino

MUSEU E EDUCAÇÃO: FIGURAS DE TRANSIÇÃO. REFLEXÕES A PARTIR DO REINA SOFÍAJesus Carillo

A GESTÃO PÚBLICA DA CULTURA LOCAL: O CASO DO INSTITUTO DE CULTURA DO MUNICÍPIO DE QUERÉTARO (MÉXICO)José MacGregor

REFLEXÕES SOBRE CULTURA E FORMAÇÃO: ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES CRIANDO ESPAÇO CULTURALFernando Garcia

O CENTRO COMO UMA EXPERIÊNCIA DE MEDIAÇÃOFrancisca Caporali

O MUSEU, ALGO MAIS DO QUE ABRIGAR O PATRIMÔNIO, O CASO DE MUSEU E TERRITÓRIOS NO MUSEU DE ANTIOQUIACarlos Rendon

CULTURA, PÚBLICOS E FORMAÇÃO: O QUE PODEM SER, NA PRÁTICA?Maria Carolina

ARTE, CULTURA E FORMAÇÃOIlana Godlstein

PENSAMENTOS E AÇÕES, SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CULTURA E FORMAÇÃO

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Revista Observatório Itaú Cultural N. 15Expediente

Coordenação editorial e ediçãoPaloma AutomareSonia Sobral

Edição de ImagensLaerte Matias Marcel Fracassi Rafael D. Figueiredo

RevisãoKiel Pimenta

Equipe Itaú CulturalPresidenteMilú Villela

DiretorEduardo Saron

Superintendente administrativoSergio Miyazaki

Núcleo de Inovação/ObservatórioGerênciaMarcos Cuzziol

Coordenação do Observatório Luciana Modé ProduçãoCelso Justo Ediana Borges Lima Marcel FracassiRafael D. Figueiredo

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Núcleo de Comunicação e RelacionamentoGerênciaAna de Fátima Sousa

Produção editorialRaphaella B. Rodrigues

Direção de arteJader Rosa

Projeto gráficoLuOrvat Design (terceirizada)

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AOS LEITORES

Desde seu lançamento, a Revista Observatório Itaú Cultural tem se dedi-cado a apresentar e discutir questões relativas aos estudos, pesquisas e desenvolvimento de políticas públicas no âmbito da cultura. Com esse foco, destaca-se em suas edições a centralidade da cultura nos proces-sos sociais, seja por meio do levantamento e análise de dados referentes à cultura, seja pela publicação das reflexões e contribuição de seus inú-meros colaboradores no debate sobre gestão, direito, democratização e diversidade culturais.

É nessa trajetória de pensamento crítico, proposições e questionamentos que se insere o presente número, uma edição especial, dedicada ao Se-minário Internacional de Cultura e Formação. Realizado pelo Itaú Cultural, em novembro de 2012, o seminário é fruto de dois processos relaciona-dos: primeiro, uma grande reflexão sobre os destinos da instituição, que completara, nesse mesmo ano, 25 anos de fundação; consecutivamente, o desejo de dialogar sobre como o terceiro setor pode contribuir para o desenvolvimento dos processos de formação cultural, bem como qual lugar lhe cabe nesse cenário.

A apropriação do mundo por meio da cultura, como estratégia para estimular situações de maior protagonismo aos indivíduos, sempre foi uma diretriz nos projetos desenvolvidos pelo Itaú Cultural. Motivado, no entanto, em assumir um papel ainda mais comprometido com a sociedade e a cultura brasileira, o instituto observou a necessidade de ampliar sua atuação no campo da formação, compreendida em suas ações como o favorecimento da produção de atividades que tenham – não como caráter exclusivo, mas como valor unificador – o objetivo de, por meio da experimentação da arte, integrar, transformar e impactar a vida das pessoas.

Consciente do seu não-isolamento e imbuído em encontrar interlocu-tores, parceiros e inspiradores nesse grande desafio, o Itaú Cultural vem

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mapeando – tanto por meio de seu Observatório, quanto das diversas programações realizadas em todo Brasil – iniciativas valiosas. São pro-postas e ações desenvolvidas por agentes, ONGs, instituições similares e todos os demais pares com os quais o instituo divide sua crença na importância da cultura para o fortalecimento da cidadania. Reuni-los, então, torna-se uma consequência inevitável, culminando ora no Pensa-mentos e Ações - Seminário Internacional de Cultura e Formação.

O evento, organizado em núcleos distintos de discussão (Arte e Cul-tura na Vida das Pessoas; Mediação, Formação, Educação; Estratégias e Possibilidades) contava com três modos de abordagem para os temas: desconferências (espaço aberto ao debate livre entre os convidados), mesas-redondas e exposição de painéis). Para tanto, formam convida-dos representantes de diversos setores da educação, das artes e da cul-tura, com experiências oriundas de todas as regiões do Brasil, além de alguns participantes estrangeiros.

Selecionamos para a revista algumas das contribuições derivadas desse encontro. O leitor perceberá que os textos em questão têm naturezas diversificadas, discutem conceitos, debatem políticas, analisam situações ou simplesmente narram experiências. A organização dos mesmos no interior da publicação obedece a esse critério básico de distintas orien-tações, compondo assim um pequeno retrato do seminário, bem como das relações entre cultura e formação na contemporaneidade.

Aos interessados em saber mais sobre o evento, sobre os debates ou ainda sobre a participação de um convidado em especial, cabe ressal-tar que, na versão digital, a relatoria realizada pela pesquisadora Maria Carolina Vasconcelos Oliveira encontra-se em versão integral.

Paloma Automare

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José Marcio Barros

Primeira aproximação

Procurar entender a sintaxe das afirmações discursivas, mais que uma operação gramatical formal, constitui-se como uma busca da compreensão do arranjo relacional entre termos, de forma a poder compreender uma intenção de significados. Tais significados, entretanto, lon-ge de expressar formas permanentes e duradouras de nomeação e classificação da realidade, constituem-se em elementos desencadeadores de um circuito de produção e circulação de sen-tidos. Aqui sua importância: entender o como se diz permite a compreensão de como se tenta organizar e tornar públicos significados e, o mais importante, como tal operação desencadeia um processo de significação sempre aberto, dinâmico e, potencialmente, produtor de desconti-nuidades. Segundo a semiótica peirceana, o centro vital dos processos de comunicação devem ser buscados nos ruídos, nas instabilidades provocadas e nas fraturas operadas em estruturas preexistentes (PINTO, 2008).

Cabe aqui uma primeira problematização: ao alinhar os termos mediação, formação e educa-ção, separando-os apenas por vírgulas, o que se propõe? Que artifício de significado pode ser

MEDIAÇÃO, FORMAÇÃO, EDUCAÇÃO: DUAS APROXIMAÇÕES E ALGUMAS PROPOSIÇÕES

Foto: istockphoto

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identificado – uma proposição de descontinuidade ou uma afirma-ção de complementaridade?

Como nossas lembranças escolares não nos deixam esquecer, a vírgu-la tem duas aplicações: como sinalizador de pausa, define um modelo rítmico para a oralidade; como marcador, isola elementos com uma mesma função sintática. Ou seja, a vírgula tanto separa quanto une, e o faz de uma maneira muito peculiar. Se a sintaxe de colocação dos termos em uma frase revela sua estrutura gramatical, são a apropria-ção e o uso dessa estrutura que oferecem sentidos. O que os produz são os modos de expressão mediante o uso da linguagem, seja para produzir efeitos, seja para aumentar o rendimento informativo. Assim, nem mesmo a “função respiratória” da vírgula, quanto mais a de sepa-ração de termos, pode ser tomada como única e definitiva, afinal, se a escrita e a fala são modos de representação do sujeito, tudo depen-derá de quem as aciona e das interações e circuitos de enunciação e recriação produzidos1.

O que a disposição linear e pausada dos termos mediação, formação e educação pode propor? Uma continuidade de significados ou a equi-dade de sentidos? Certamente, trata-se da segunda opção. Mediação, formação e educação são processos culturais que possuem uma mesma natureza sintática, mas uma diferença semântica significativa. Aqui resi-de a intenção desta primeira aproximação.

Por mediação entende-se aqui o processo de circulação de sentidos nos diferentes sistemas culturais, operando um percurso entre a esfera pú-blica e o espaço singular e individual dos sujeitos. Trata-se, portanto, de uma operação cognitiva, simbólica e informacional que se faz presente em processos tanto de formação quanto de educação. Por formação, propõe-se a compreensão dos processos continuados que realizam nos sujeitos, pensados de forma individual ou coletiva, a produção de co-nhecimentos e o desenvolvimento de competências e habilidades. Já o termo educação remete ao processo pelo qual os sujeitos são prepa-rados para uma existência social. Educação, seja formal, seja informal, é todo aquele processo que instrui o sujeito para o desempenho de papéis socialmente valorizados e reconhecidos.

Decorre dessa proposição a possibilidade de reconhecer que todos os processos formativos e educativos demandam e se processam por meio de práticas de mediação. Mas nem toda mediação se dá no contexto da formação e da educação. A questão que se configura aqui é complexa. E é essa complexidade que torna o tema importante, atual e oportuno. Por um lado, trata-se de buscar saber como a arte e a cultura realizam um processo de mediação nos processos de formação e educação e, por outro, que práticas mediadoras asseguram efetiva formação e educação artística e cultural.

Segunda aproximação

Se a mediação é um processo que envolve atores, práticas, objetos e contextos, uma segunda problematização refere-se a seu espaço insti-tucional. Ou seja, os processos de mediação, sejam eles ativados por

1 “O uso de vírgulas, na ver-dade, tem função respirató-ria. Mas, segundo o enten-dimento de Gertrude Stein, um dos ícones dos anos 1920 representados pelo cineasta Woody Allen em Meia-noite em Paris, quem tem de saber quando pre-cisa respirar é o leitor.” OLI-VEIRA, Antônio de. Vírgula existencial. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/3120463.

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práticas mais amplas de formação ou de educação, estarão sempre de-lineados pelas concepções e pelas forças políticas que configuram seu espaço institucional. Trabalha-se aqui com a definição de instituição pro-posta por Gregorio Baremblitt:

as instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, segundo a forma e o grau de formalização que adotem, podem ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de maneira manifesta, podem ser pautas, regularidades de comportamentos. (BAREMBLITT, 1992, p. 27)

Nessa perspectiva, o desvelamento do espaço institucional que configura as práticas de mediação, formação e educação em arte e cultura, tanto em instituições formais quanto em espaços informais, representa outra ope-ração possível e necessária. Abre-se a possibilidade de problematizar as diferenças entre o trabalho com o cultural tratado como adjetivo e a ação com a cultura pensada como substantivo. Tratada como adjetivo, a cultura apenas acrescenta qualidade a outra coisa considerada central e instituinte das práticas e dos significados. Quando tomada como substantivo, a cul-tura é a própria coisa, ou seja, o centro configurador. O meio e o fim. Não se trata de um detalhe ou uma curiosidade, mas um enquadramento que faz diferença. Afinal, os mediadores culturais atuam no campo dos adjeti-vos ou das questões substantivas da existência humana?

Adaptando uma tipologia criada por Mata-Machado (2007) para a compreensão das políticas culturais e dos modelos de configuração do Estado, o quadro abaixo propõe uma leitura das diferenças no enquadra-mento da questão da cultura. Importa perceber como o enquadramento institucional determina o que se faz com e por meio da cultura, e o lugar que as práticas de mediação ali ocupam.

Quando a cultura se transforma em cultural, os processos de mediação cumprem sempre uma perspectiva funcional e oportunística de se colo-car a serviço de outra coisa. Ao contrário, quando tomada e trabalhada como contexto substantivo para o desenvolvimento humano, os proces-sos e as práticas de mediação configuram o próprio espaço institucional.

Os efeitos, resultados e compromissos diferem substantivamente entre uma e outra configuração. Tomando Jean Baudrillard (1991) como refe-rência, a questão que parece se apresentar é a de saber se buscamos a

Tipo de instituição/características A cultura como adjetivo A cultura como substantivo

Objetivos Legitimação e promoção da instituição

Participação

Mediação

Prioridades A missão da instituição

Baixa

Instrumental e oportunística

A dinâmica cultural

Alta

Processual e finalística

Os direitos culturais

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superação da selvageria e da barbárie social por meio da ação civilizató-ria de nossos “hipermercados culturais” ou se nos preocupamos com o pleno exercício dos direitos culturais.

Outras aproximações e algumas proposições

O que, então, pode ser definido como mediação no contexto da arte e da cultura?

Ao explorar a etimologia do termo mediação, encontramos um tríplice sentido que apresenta um convite à reflexão. A mediação é tomada ora como intercessão, ou seja, um agir por; ora como interposição, constituin-do-se como um colocar-se entre; ora como intervenção, o agir sobre e entre. Entretanto, no campo das ações educativas e formativas, por meio

Foto: istockphoto

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da arte e da cultura, a mediação representa sempre, nos espaços onde a cultura é tratada como um substantivo, um agir com e por meio de. Ca-racteriza-se como um conjunto de ações que se realiza na esfera pública e se configura como conexões entre ações sociais e representações.

Nesse sentido, a mediação refere-se ao espaço simbólico ou represen-tativo que articula a relação entre os sujeitos em situação de intera-ção, em que cada polo se apresenta, simultaneamente, como emissor e receptor. Tomada como uma atividade de produção de sentidos que, tal e qual a linguagem, produz a tão necessária transição do sensível ao inteligível, a mediação oportuniza o trânsito, tão fundamental para a constituição do espaço social, entre o eu e o outro. Entre o conhecido e o desconhecido. Entre as semelhanças e as diferenças. A mediação refere-se, portanto, à circulação de sentidos nos sistemas culturais. Aqui está sua potência, ela é simultaneamente significação individualmente codificada e sentido socialmente produzido. Sua tarefa central é reduzir a distância entre sujeitos e objetos de sentido, tornando, assim, a vida coletiva inteligível e possível.

Daí o porquê de se afirmar que, para além de sua dimensão técnica e pe-dagógica, a mediação é sempre uma questão ética e política que se efetiva na relação direta com os sujeitos, por vezes tomados como públicos, outras vezes como parceiros, constituindo o que pode ser chamado de nível das realizações. Mas a mediação deve ser reconhecida também na arquitetura Foto: Lucila de Avila Castilho/

dreamstime.com

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dos encontros, definida como a dimensão das concepções, dos conceitos e das curadorias que desenham os objetos colocados em frente ao sujeito.

Os mediadores são, nessa perspectiva, os operadores pelos quais os sentidos se tornam reconhecíveis, compreendidos e reconstruídos, abarcando tanto os estrategistas quanto os operadores das ações e das interações. Isso explica o fato de que as práticas de mediação tenham se transformado em espaços culturais para a atuação de profissionais de diversas áreas do conhecimento humano e não apenas um campo exclusivo da figura tradicional do educador e/ou pedagogo.

Como afirmam os especialistas, pode-se também falar de mediações tan-to diretas quanto indiretas, definidas conforme as intencionalidades que alimentam as interações, sejam elas presenciais ou virtuais, induzidas ou espontâneas. Se na mediação direta a interação com o público se dá a par-tir de uma proposta protagonizada por curadores e educadores, é preciso considerar que o público, com sua diversidade de linguagens e de universos representacionais, também realiza operações mediadoras. Configura-se aqui uma proposta de pensar a mediação como espaço de diálogos, espa-ço de trânsitos e trocas informacionais, simbólicas e subjetivas.

Assim pensada, a mediação instaura um tríplice diálogo, segundo a pro-fessora Rosângela Côrrea (s.d.).

Um primeiro diálogo definido como multicultural, de afirmação identitá-ria, que ajuda a descobrir a face de nossa própria cultura espelhada em outra cultura. Outra dimensão dialogal chamada de intercultural, clara-mente favorecida pelo desenvolvimento dos transportes e da comunica-ção e pela globalização econômica, em que os diferentes se hibridizam. E um terceiro nível, chamado de diálogo transcultural, que designa a abertura de todas as culturas para aquilo que as atravessa e as ultrapassa. Aqui, por meio das diferenças, reconhece-se a universalidade.

É preciso atentar para possíveis generalizações e confusões com o termo e aquilo que designamos como mediação. Três usos recorrentes necessi-tam ser desconstruídos: a naturalização do conceito, ou seja, a designação de mediação como efeito imediato de algo que se interpõe entre outras duas coisas; a generalização das práticas que toma como mediadora toda e qualquer prática que se faz “para” alguém ou alguma coisa; e sua redução à educação. Como afirmado anteriormente, a mediação deve ser pensada como referente das formas de apropriação que se dão tanto por aproxi-mação quanto por estranhamento pelos diversos sujeitos envolvidos nos processos interativos. Isso desafia os mediadores e suas capacidades de observar e ouvir, na medida em que concebemos a mediação tanto como convite quanto como provocação, que se dá pela participação lúdica e crítica, mas também pela introspecção e pela contemplação. A mediação tanto é reflexão quanto ativação de sensibilidades.

Em síntese, o desafio parece ser o de desenvolver processos de media-ção, formação e educação que preparem os sujeitos para o diálogo e a diversidade cultural. Trata-se aqui de preparar sujeitos e instituições não só para a interpretação de uma cultura pela outra, mas também para que se perceba o processo de fertilização de uma pela outra. Tais processos são

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condições para uma efetiva experiência transcultural, em que a descoberta da tradução de uma cultura para várias outras ajude a decifrar o significado do que une a todos, na medida em que também as ultrapassa.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Marco Antônio de (2007). Mediação cultural e da informação – Conside-rações socioculturais e políticas em torno de um conceito. Trabalho apresentado no VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (Enancib).

BAREMBLITT, G. F. (1992). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos.

BARROS, José Marcio (Org.). As mediações da cultura – Arte, processo e cidadania. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2009.

BAUDRILLARD, J. (1991). Simulacros e simulação. São Paulo: Relógio D’Água.

CORRÊA, Rosângela Azevedo (s.d.). Educar para a diferença. Disponível em: http://:www.publicacoesacademicas.uniceub.br/.

COSTA, Leonardo Figueiredo (2009). Um estudo de caso sobre a mediação cultural. Trabalho apresentado no V Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Enecult).

DANTAS, José Guibson Delgado. Teoria das mediações culturais: uma proposta de Jesús Martín-Barbero para o estudo de recepção. Trabalho apresentado no GT Teorias da Co-municação, do Inovcom, evento componente do X Congresso de Ciências da Comuni-cação na Região Nordeste.

MARTÍN-BARBERO, J. (1997). Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hege-monia. Rio de Janeiro: UFRJ.

MATA-MACHADO, Bernardo Novais da (2007). Direitos humanos e direitos culturais. Disponível em: http://www.direitoecultura.com.br/wp-content/uploads/Direitos-Huma-nos-e-Direitos-Culturais-Bernardo-Novais-da-Mata-Machado.pdf.

PINTO, Júlio (2008). Comunicação organizacional ou comunicação no contexto das or-ganizações? In: OLIVEIRA, I. L.; SOARES, A. T. (Org.). Interfaces e tendências da comuni-cação no contexto das organizações. São Caetano do Sul: Difusão.

SFORNI, Marta Sueli de Faria. Aprendizagem e desenvolvimento: o papel da mediação. Disponível em: http://www.nre.seed.pr.gov.br/ibaiti/arquivos/File/Sforni.pdf.

SILVA, Silvia Maria Cintra da. Mediação cultural – Reflexões a partir da teoria históri-co-cultural. Disponível em http://www.abrapee.psc.br/documentos/cd_ix_conpe/IX-CONPE_arquivos/25.pdf.

José Marcio BarrosDoutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Professor dos PPG em Comu-nicação da PUC Minas e da Faculdade de Políticas Públicas da UEMG. Coor-denador do Observatório da Diversidade Cultural. E-mail: [email protected]

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Cibele Saliba Rizek

No quadro de severas transformações que marcam nosso tempo, talvez seja preciso pensar a pas-sagem dos elementos que caracterizavam as relações entre arte, cultura e sociedade no quadro de uma modernidade constituída e em constituição para os elementos que permitem caracterizar essas mesmas relações no momento contemporâneo. Se era possível pensar a cultura como regra e a arte como exceção, como momento de criação excepcional, talvez seja o caso, nas condições contempo-râneas, de historicizar ainda mais essas relações, tensionando suas transformações no tempo. Talvez

PENSAMENTOS E AÇÕES – SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CULTURA E FORMAÇÃOESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES: QUESTÕES DE DISCUSSÃO

Foto: Birgit Schrader/ istockphoto

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esse processo de historicização seja uma das condições mais importan-tes para que se possa perceber quais são as especificidades contempo-râneas da produção da cultura.

Uma dessas especificidades é a escala temporal da criação e da divul-gação da arte e da cultura. Pode-se, dessa perspectiva, pensar em uma multiplicidade de escalas temporais ou mesmo espaços temporais que se articulam e se superpõem: há um tempo local da produção da arte e da cultura, sobretudo quando referidas às ancoragens da produção estética nas várias camadas de uma cultura popular, por exemplo – um tempo que articula esse nível local com as políticas de incentivo e finan-ciamento, os tempos de cada evento circunscrito, isto é, o tempo dos acontecimentos artísticos e o tempo de suas assimilações, transforma-ções, subjetivações. Há ainda o tempo mais ou menos acelerado dos registros, das formas de documentação e divulgação, tempos digitais cuja velocidade provoca uma sensação de aceleração e de evanescên-cia, tempos velozes que permitem pensar na desmaterialização da ex-periência, numa crescente impossibilidade de experimentar o mundo.

Nesses tempos e espaços superpostos, no cruzamento dessas escalas, podemos conhecer novos hibridismos – arte e vida, regra e exceção, educação e formação, estratégias e possibilidades, arte e política, mate-rialidades e virtualidades, tangências e tensões. É preciso alertar, porém, que esses hibridismos não são misturas insossas e apaziguáveis. Ao contrário, são eixos de conflito, são campos de força. Dessa perspec-tiva, para uma compreensão adequada das dimensões contemporâneas dessas ligações e mediações que emaranham arte, cultura e sociedade, talvez seja necessário não permitir que as diferenças sejam minimizadas; ao contrário, talvez seja necessário deixá-las aparecer, permitindo que nelas se enunciem possibilidades e potências, para além do encolhimen-to tantas vezes diagnosticado frente às dimensões modernas relativas à autonomia da produção estética.

Nas novas configurações contemporâneas, uma ganha um caráter bas-tante importante face às questões relativas às relações arte/sociedade. Face às questões sobre a autonomia da arte, questões de corte e an-coragem claramente modernos, é necessário qualificar e refletir sobre a força das mediações das formas de financiamento contemporâneas. Trata-se de uma mediação importante, que não deve ser minimizada nem invisibilizada. A questão do financiamento e do fim ou do canto do cisne do ideário moderno da autonomia da produção estética - auto-nomia que permitia que o artista fosse um sobrevivente em um mundo onde imperava pela primeira vez, de modo extenso e quase total, a alienação do trabalho, a impossibilidade de reconhecimento do produ-tor e de suas marcas no produto de suas mãos – tem desdobramentos importantes. A questão do financiamento como mediação coloca em cena as possibilidades e impossibilidades de outras mediações, bem como encontros, redes, tangências, concordâncias e discordâncias. O financiamento público da produção de arte e cultura de fato permite ou acena com possibilidades de publicização daquilo que se financia? Ain-da que em princípio a resposta seja afirmativa, é necessário apontar para uma crescente naturalização do mecenato, direto e indireto, bem como pensá-lo como política de financiamento da cultura e, muitas vezes,

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de sua mais franca apropriação e instrumentalização. Essa apropriação privada, esses mecanismos de financiamento e arbitragem permitem colocar como horizonte a pergunta sobre as razões pelas quais arte e cultura contemporâneas adquirem sua face passível de ser apreendida como negócio. Por que se transformam – arte e cultura – em economia criativa ou alternativa de geração de emprego e renda? Por que deixam de ser vistas como formação, subjetivação, bildung (formação e cultivo) e se transformam em questão econômica? Como esses processos se vinculam a estratégias e possibilidades – e, sobretudo, de que estratégias e possbilidades se fala? Disputas de sentido e práticas? Deslizamento e torção de significados, oferecer outras possibilidades de sentido, abrir uma cunha nas leituras canônicas inventando novas possibilidades?

Tudo isso nos fala de estratégias – relações entre meios e fins – e pos-sibilidades de táticas que permitem sobrevivências e desvios, que talvez possam ser enunciadas como janelas que abrem o futuro para percursos não plenamente traçados no presente. Entretanto, cabe sempre pergun-tar de quem são essas estratégias e para quem se abrem possibilidades. Essas perguntas, enunciadas em relação a estratégias e possibilidades, podem conduzir a um enorme quebra-cabeça de um sem número de combinações possíveis. Que campos de força se constituem a partir dessas estratégias? Que disputas se desenham? É possível disputar o sentido da criação artística e cultural em seu nascedouro, bem como suas formas de apropriação e recepção? Assim, aquilo que pode ser vis-to como mera estratégia para alguns pode se configurar em campo de disputa para outros atores. Os coletivos Fora do Eixo, por exemplo, afir-mam disputar com bancos, universidades e diferentes institucionalidades que compõem tanto o terreno do Estado como aquele que pode ser identificado como sociedade civil. As ONGs, por sua vez, definem-se como não governamentais, mas podem se conformar como uma nova margem do Estado, no desdobramento de seus modos de atuação. O Estado, em seus desdobramentos contemporâneos, mantém relações muitas vezes perigosamente promíscuas com grupos financeiros e seus modos de intervenção na produção da arte e da cultura. Novos hibrid-ismos também aqui parecem embaralhar fronteiras, abrir poros, impedir definições e descrições claras.

De qualquer modo, não se pode falar em arte e cultura sem pensar nos processos de objetivação permanentemente em operação e de subjeti-vação e seus truncamentos – isto é, processos que a partir da produção estética e cultural informam e constituem subjetividades, sujeitos, vidas, sentidos... Isto é, de experiências e de suas possibilidades num mundo de automatismos e truncamentos, de reduções de encolhimento das possi-bilidades. Nessa direção, já no início do século XX, Georg Simmel falava de uma dimensão trágica – a tragédia da cultura – que se instalava na medida em que a constituição de sujeitos, sua formação pela cultura, seu cultivo eram cada vez menos possíveis, cada vez mais desproporcionais em relação à produção objetiva da arte e da cultura em suas múltiplas manifestações. Aquilo que se objetivava, que se tornava dado objetivo e exterior aos homens, não podia mais se tornar formação, subjetividade. Truncamentos, impossibilidades, mercadorização, transformação da cultura e da arte em estilo de vida, dissolução da experiência estética pela força do dinheiro – meio por excelência transformado permanente-

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mente em fim, motor de estratégias cuja finalidade se desvanece, elisão de outras finalidades... Essas eram algumas das dimensões da tragédia da cultura tal como o Ocidente a tinha compreendido até então. Trata-se, assim, de uma obliteração da finalidade, do fim último da produção da cultura e da arte e, assim, da impossibilidade de julgamento estético. Afi-nal, a que se destinam arte e cultura a partir de suas configurações trági-cas? A quem se destinam? Como se imbricam a possibilidade de julga-mento estético e a formação? Na verdade, sem formação – construção de sujeitos e subjetividades – é impossível julgar, escolher. A formação e a escolha, o julgamento estético, nos dizem vários autores, entre os quais H. Arendt e, ainda que de outro modo, Simmel, são constitutivas das promessas de constituição de nossas subjetividades, de nossa própria construção como sujeitos. Também por essa vereda, o pensamento do século XX apontaria para a questão da possibilidade e impossibilidade da experiência e da experiência estética em particular. Dito de outro modo, sem a constituição de sujeitos, tampouco a experiência é possível.

Tudo isso quer dizer que falar de estratégias e de possibilidades é falar de relações complexas entre meios e fins. Talvez seja a possibilidade mesma de conservar uma reflexão sobre os fins e seus sentidos, sua propriedade, sem que os meios, entre os quais as dimensões e usos da arte e da cultura como economia – criativa ou não –,dissolvam seu espectro do que restou de sua autonomia no mar das formas de criação de emprego, de renda e, no limite, de valorização do capital. Dessa perspectiva, o seminário em seu desenvolvimento permitiu que se antevisse a expansão, os riscos, as questões que, com diferenças e semelhanças, atravessam coletivos e mu-seus, investimentos de Estados e de fundações privadas, cooperativas e organizações não governamentais. No eixo hegemônico e na construção de novas formas de aglutinação – elas também, talvez, crescentemente vinculadas àquilo mesmo a que se dirigem críticas e contraposições –, há questões e perguntas transversais: a que será que se destina? Como pen-sar essa multiplicidade de atores constituídos pelas políticas, pelos pro-gramas de incentivo, pelas formas de produção e financiamento?

Se há algo de verdade no esgotamento dos paradigmas modernos, uma questão parece ainda persistir: quais os sentidos, estratégias e pos-sibilidades que levaram os porta-vozes e enunciadores da experiência moderna a pensar na autonomização das esferas econômica, política, teórica, estética? O que significa sua dissolução ou, antes, sua diluição no terreno das políticas culturais e nas dimensões crescentemente im-portantes da esfera do financiamento (e seus desdobramentos sociais e estéticos) e do gerenciamento da arte e da cultura? Se esse ideário está fortemente ameaçado, como pensar os novos imbricamentos e hibridis-mos em termos de suas estratégias e possibilidades?

Uma das respostas talvez possa apontar para a diversidade dessas ex-periências. Talvez o mecanismo pelo qual essas experiências possam se manter diversas e múltiplas seja pensar os modos pelos quais elas são acolhidas e ancoradas pela multiplicidade de programas de incentivo.Talvez seja o caso de inventar e reinventar finalidades para além da pura adequação entre meios e fins. Talvez por essa reinvenção de possibili-dades possamos continuar, como queria G. Simmel, autor de O Con-ceito de Tragédia da Cultura no início do século XX, construindo caminhos,

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criando portas e pontes, portais e ligações para que possamos, por meio de uma reinvenção de momentos de formação, evitar as zonas cinzentas da indiferença generalizada, recuperando a experimentação, superando os riscos que fazem da existência administrada o sucedâneo da vida, do con-domínio fechado o sucedâneo da cidade, do parque temático o sucedâ-neo do lugar, do turismo o sucedâneo da viagem e da experiência de al-teridade, das instituições fechadas e circunscritas do mundo das curadorias o sucedâneo do lugar da apreciação e da formação estéticas. E para que, para além dos lugares canônicos e de suas crises, seja possível produzir conhecimento – um saber que se localize fora dos muros das grandezas e magnitudes contabilizadas, no terreno do incontável, do que não pode ser computado porque é qualidade, atravessando limiares, cruzando soleiras, pondo destinos em suspensão, em linguagem benjaminiana –, talvez seja preciso, para pensar novos parâmetros, aproximar pensamento e desvio.

Desse modo, um balanço dos painéis e mesas do evento Pensamento e Ações – Seminário Internacional de Cultura e Formação pode nos dar um panorama da diversidade de situações, instituições e institucionali-dades, resistências e contrapontos, confluências e disjunções das práti-cas que conduzem ou que estão presentes nas dimensões da produção e recepção de cultura, bem como nas dimensões de um processo bastante múltiplo de formação. Museus itinerantes, como o de Antioquia; proje-tos como o mARTadero, que integram artes (visuais, cênicas, desenho de arquitetura, letras e literatura, música) e interação social; centros que se propõem a pensar políticas culturais articuladas com práticas de inte-ração social; núcleos de formação e de práticas culturais e de políticas de produção cultural em múltiplos campos vistos como campos de força e de disputa, como os coletivos Fora do Eixo – essa multiplicidade de dimensões em relação e em contato –; além de financiadores, protagoni-stas e públicos com graus distintos de hibridização ou de contraposição apontam para uma espécie de avesso da autonomia da esfera da arte e da cultura, para uma espécie de ponto final nos ideários de uma suposta independência da elaboração estética e seus desdobramentos. Práticas culturais, práticas simbólicas, práticas ao mesmo tempo sociais – porque entranhadas nas relações e dimensões societárias – e práticas artísticas... Talvez seja preciso a partir dessas constatações repensar muito profun-damente o terreno que essas dimensões estão criando para que nele possamos todos nos situar para além do solo móvel do que se pode re-conhecer como território entre o passado e o futuro. Entretanto, sempre cabe perguntar sobre as possibilidades de criação de novos sujeitos, de

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emergência de um conjunto de práticas que ganham novos estatutos, novos vínculos entre relações societárias, dimensões políticas, estraté-gias econômicas e densidade simbólica. Enorme desafio que começa a ser desenhado aqui e ali por iniciativas que aproximam dimensões tão diversas como museus investidos de sua autoridade e, por outro lado, práticas que emergem aqui e ali, que despontam de núcleos, grupos, coletivos, pessoas e suas apostas, sentidos em disputa, consonâncias e dissonâncias para além dos marcos oficiais e dos confinamentos que se-param em nichos o que, nesses dias, pôde estar em diálogo.

Uma última observação talvez mereça ser pontuada. Talvez seja fun-damental reconhecer a diversidade de propostas e pontos de partida, bem como reconhecer a diversidade de atuações e seus ideários. As-sim, por exemplo, a universidade ou o banco do coletivo Fora do Eixo não são necessariamente aquilo que corresponde à sua nomeação. São antes tensões e disputas. Dessa perspectiva, talvez seja importante o reconhecimento da diversidade de perspectivas e práticas, sem alisar ou minimizar essas rugosidades e tensões. São, sim, práticas e ideários diversos entre si. Essa diversidade é mais do que uma possibilidade de hibridização. Ao lado das articulações possíveis, há também conflitos, sentidos diversos, proposições e alvos diferentes entre si. Nessa diversi-dade residem ao mesmo tempo complexidade e dissensos, articulações e contrapontos. Talvez, em sua multiplicidade, esses atores e práticas precisem ser considerados em sua diversidade, precisem ser tratados e apoiados de maneiras também diversas, para além da homogeneização dos meios de financiamento pelos programas e políticas. Conflitos, ten-sões, diversidades, campos múltiplos referidos a atores diversos entre si permitem a apreensão dessas práticas em relação, em formação, como território crivado de estratégias – que, espero, possam não perder de vista finalidades articuladas a possibilidades e potências.

Referências Bibliográficas:

SIMMEL, G. O conceito de tragédia da cultura. In: Souza, Jessé; ÖELZE, Berthold. Simmel e a modernidade. Brasília: UnB,1998. p. 79-108.

OTTE, G.; SEDLMAYER, S.; CORNELSEN, E. Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: Humanitas/Editora UFMG, 2010.

ARENDT, H. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.

Cibele Saliba RizekDocente do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (FFLCH-USP), pesquisadora do CNPq. Organizou A Era da Indeterminação, em conjunto do F. de Oliveira, Hegemonia às Avessas (com F. de Oliveira e R. Braga) e Saídas de Emergência – Ganhar/Perder a Vida na Periferia de São Paulo ( Com R. Cabanes, V. S. Telles, Isabel Georges), publicados pela Boitempo Editora

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Célio Turino

Foi uma fresta. Uma fenda que se abriu. E, de repente, um conceito matemático (“dá-me um ponto de apoio e uma alavanca e moverei o mundo!” – Arquimedes) transforma-se em política pública. Em seis anos de trabalho, 8.500.000 pessoas beneficiadas por ano, em 1.100 municípios e mais de 3.000 Pontos de Cultura (dados do Ipea 2009). Os mais variados pontos, de indígenas fazendo filmes no Parque Nacional do Xingu à orquestra de violinos na favela da Mangueira (RJ); jovens organizando bibliotecas comunitárias ou criando fusão entre jazz e aboios (o canto dos vaqueiros) no Vale do Cariri; quilombolas trabalhando com cultura digital em software livre; universitários aprendendo com griôs; Pontos de Mídia Livre; Pontinhos de Cultura para a cultura infantil e lúdica; Pontões; Teias; Ofi-cinas de Conhecimentos Livres; Interações Estéticas e tudo mais que caiba na cultura (e tudo cabe na cultura, assim como a cultura cabe em tudo).

ERA UMA VEZ O PROGRAMA CULTURA VIVA...

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Foi retirado o véu da invisibilidade (entre muitos outros véus que pre-cisam ser retirados) e todo um país se desescondeu. Ponto de Cultura, a sedimentação do fazer cultural no território, junto às comunidades, desencadeando processos de autonomia, protagonismo e empodera-mento criativo e social. Cultura Viva, a macrorrede que une e dá sentido a essa imensa rede de pontos diversos. Diversos e comuns, ao mesmo tempo. Cada ponto com sua forma e modo de ser, mas todos com um ponto em comum: a unidade na diversidade.

Não era essa a intenção original do governo brasileiro. Com a posse do presidente Lula, havia o desejo sincero de “descentralizar e democratizar o acesso aos bens culturais”, todavia, o caminho inicialmente adotado previa a construção de espaços físicos, as BACs (Base de Apoio à Cultura), pe-quenos centros culturais pré-moldados que seriam instalados em bairros de periferia em pequenos municípios. Era um caminho que privilegiava a estrutura em detrimento do fluxo, o cimento e o ferro em lugar da pulsa-ção. Depois de construídos esses centrinhos culturais, caberia à população ocupá-los e mantê-los. Mas quem pagaria as despesas? Não somente água, luz, segurança, mas também a remuneração das pessoas que minis-trariam as aulas de arte (quem defende a cidadania dos outros, com tra-balhos socioculturais, também precisa ter respeitada sua própria cidadania e seus direitos), a manutenção dos grupos artísticos estáveis, as apresen-tações, os intercâmbios... Sobre isso, nenhuma palavra ou conceito. Por sorte (uma vez que seria mais um caso de desperdício de recursos públi-cos – à época, cada BAC custaria R$ 2 milhões), a ideia não prosperou; escolheram terrenos, fizeram maquetes, mas no momento da operação houve uma série de desentendimentos que levaram o próprio Ministério da Cultura a uma grave crise, incluindo a saída de diversos dirigentes.

Passados quase seis meses em que a secretaria responsável permaneceu sem titular, aconteceu a minha nomeação. Mas o que fazer? A ordem era: “O presidente da República quer implantar as BACs, adorou as maque-tes!”. Mas eu não concordava com esse caminho. Já havia passado por experiências anteriores, estudado processos de apropriação de espaços de cultura e lazer em bairros de periferia e implantado circuitos de cine-clubes e feiras de arte nesses mesmos bairros, 20 anos antes. Um progra-ma com foco apenas na construção física não daria certo. Melhor nem assumir a secretaria a ter de implantar um projeto com o qual não con-cordava. Tive de agir rápido e apresentar um programa alternativo, com conceito, filosofia, objetivos, descrição, metas, orçamento e cronograma, tudo escrito em duas noites, antes de a nomeação ser publicada no Diário Oficial. Se o ministro Gilberto Gil estivesse de acordo, ótimo; do con-trário, pouparíamos tempo para ambos. Ele não só concordou como foi o esteio para a implantação da Cultura Viva e dos Pontos de Cultura. “Cultura é fluxo e fluxo é vida”, foi o que ele percebeu. E assim invertemos a ordem: saímos da parede morta e fomos para a Cultura Viva.

O programa cresceu em progressão geométrica, isso porque adequa-do ao veio da vida. E os projetos apareceram. 800 logo no primeiro edital. Era para selecionar 100 Pontos de Cultura, mas ampliamos para 260, tão boas e belas foram as propostas recebidas. E tudo a partir de uma ideia simples: potencializar o que já existe, valorizando a criati-vidade e inventividade de nosso povo. O primeiro Ponto de Cultura

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oficialmente assinado no Brasil foi em Arcoverde, no agreste de Per-nambuco, instalado em uma estação ferroviária desativada e dirigido por jovens universitários, agricultores sem terra e indígenas, fazendo arte e invertendo a própria lógica do poder nestas pequenas cidades do interior do país. Isso aconteceu apenas cinco meses após o lança-mento da ideia, em novembro de 2004; um mês depois, já eram 72 Pontos de Cultura com convênio assinado (alcançados às 16 horas da tarde do dia 31 de dezembro). Com a surpresa e o êxito alcançados, o orçamento subiu de R$ 5 milhões em 2004 para R$ 65 milhões em 2005 (via emenda parlamentar). No ano seguinte, novo edital e mais 2.500 projetos inscritos. Em seis meses de trabalho, consegui provar minha tese: quando um governo vai além e promove uma gestão com-partilhada com seu povo, os resultados são muito mais eficazes. E não se falou mais em BAC.

Foi muito trabalho. Mas tanta coisa boa e bela brotou! E feita direta-mente com as pessoas, sem intermediação, aplicando os conceitos de Estado-Rede (Castells) e Estado Ampliado (Gramsci) em toda a sua radicalidade. Assinei convênios com mães de santo, jovens de favelas, o cacique Aritana dos Yawalapiti... Surgiu o primeiro problema: o Esta-do não estava (e não está) preparado para esse diálogo direto com o povo. A mesma burocracia que regia contratos bilionários com bancos, empreiteiras ou grandes ONGs iria reger os pequenos e microcontratos com entidades comunitárias. E a burocracia morta foi travando a vida. Ainda assim foi possível encontrar soluções. Ao final de 2007 (mais precisamente entre os dias 17 e 31 de dezembro), foram estabelecidos convênios com 21 estados e diversos grandes municípios, transferindo a seleção, conveniamento e acompanhamento das redes de Pontos de Cultura para esses entes federados. Essa medida permitiu ampliar a rede de 600 Pontos de Cultura para mais de 3 mil, bem como ampliar recur-sos (uma vez que os estados e municípios agregam 1/3 do valor total da rede em contrapartida), eliminar a contrapartida dos Pontos de Cultu-ra e reduzir a burocracia, tornando-a mais próxima das entidades. Mas essas redes seguiam com a modalidade convênio e subordinadas à lei 8.666, que rege licitações e contratos do Estado. Ao final de 2009, mais um avanço nas normas de gestão: a rede de 300 Pontos de Cultura do Estado de São Paulo foi estabelecida a partir de premiação, em que a prestação de contas acontece por resultados e não por procedimentos burocráticos. Essa medida deveria ser estendida às demais redes, mas nessa época eu já estava de saída do ministério e, infelizmente, não foi aplicada pelas gestões que me sucederam. Outra ação indispensável se-ria transformar em lei esse acúmulo de teoria, conceitos e gestão, como acontece com a lei Cultura Viva, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), que tramita no Congresso.

Passados nove anos desde a formulação inicial do programa, há que se perguntar: o que representou todo o esforço em conceituação, gestão e aplicação dessa política pública e qual o motivo de ela estar sofrendo tamanho retrocesso (do ponto de vista da prioridade do governo em relação ao programa) nos tempos atuais?

Gostaria de não ser eu a apresentar a resposta, sobretudo pelo meu envolvimento intelectual, político e afetivo com o tema. Mas, tentando

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despir-me dessa roupa e assumindo-me na condição de historiador, vou arriscar uma análise.

1. Uma política pública como a Cultura Viva e os Pontos de Cultura só pode surgir em um momento político muito determinado. Não me refiro ao ponto de vista político-parti-dário, mas ao simbolismo da eleição do presidente Lula, em 2002, que abriu um novo ambiente para o protagonismo po-pular. A história de vida do presidente Lula mistura-se com a própria história do povo e provocou uma simbiose que permitiu que as pessoas acreditassem mais nelas mesmas, colocando-se em movimento. Foi esse caldo de cultura que arou um terreno fértil para a experimentação de políticas pú-blicas participativas e inovadoras;

2. A inclusão social foi a marca do novo ciclo governamen-tal iniciado em 2003, os dados são incontestes. Todavia, apesar do forte componente inclusivo da Cultura Viva e dos Pontos de Cultura (“reconhecer e apoiar grupos sociais e culturais historicamente alijados”), o programa pretendia ir além, apresentando o componente emancipatório, alicer-çado no tripé autonomia/protagonismo/empoderamento. Por diversas vezes, eu próprio dizia que o grande indicador de êxito do programa estaria na “perda do controle”, o que era uma contradição para alguém que ocupava cargo de gestão de Estado;

3. A lógica do Estado é a lógica da imposição e do contro-le. Contudo, a lógica da Cultura Viva era outra: “do Esta-do que impõe para o Estado que dispõe”, “do Estado que controla para o Estado que está disposto a perder o contro-le”. A imposição e o controle do Estado são estabelecidos pela técnica (principalmente quando técnica se transforma em ideologia), que se traduz na burocracia, com suas nor-mas, portarias, decretos e leis. É o habitus (no conceito de Bordieu) da burocracia, como uma maneira de ser do apa-rato de controle estatal. Aí reside a contradição entre a ló-gica de um governo reformista e com proposta de inclusão social, mas subordinado à lógica de controle de Estado e de manutenção do equilíbrio de poder que o sustenta. Como a Cultura Viva se propunha a ir além da inclusão, houve o embate e o programa travou;

4. Na primeira fase do governo Lula, sobretudo no Minis-tério da Cultura, havia algum espaço para experimentações de políticas públicas inovadoras, principalmente pela carga simbólica representada por um deslocamento de classes no exercício de governo. Foi nessa brecha que a Cultura Viva surgiu, como se tivesse entrado por uma pequena fresta de porta que logo mais se fecharia. Enquanto houve vontade política combinada com a baixa institucionalidade no Ministério da Cultura, foi possível avançar. Depois, tudo tornou-se mais difícil;

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5. Sob o governo Dilma, essas poucas frestas simbólicas fo-ram ainda mais fechadas. E o império da técnica e da gestão sobrepôs-se ao mundo dos sonhos (ou da experimentação, para manter o termo no léxico tecnicista). Não que tenha sido uma intenção perversa e premeditada, buscando con-ter inovações para além das formas tradicionais, mas foi da própria lógica do sistema Estado, que precisa se autopreser-var. Cultura Viva diz respeito à pluralidade da vida, de suas expressões e desejos, mas o mundo da técnica transforma tudo em coisa, até mesmo a gratuidade da vida. Com isso, Oficinas de Conhecimentos Livres tiveram de ceder lugar à economia criativa (submetendo a cultura à lógica da eco-nomia e não o contrário) e processos formativos horizontais (em que um ponto contribuía com outro via afecções e as ideias disseminavam-se de forma virótica) passaram a ser substituídos por formações verticais. E tudo amparado no discurso da qualificação técnica, em que os agentes do Es-tado são os qualificadores e os representantes da sociedade, os desqualificados.

Observando hoje, com o máximo de isenção possível (ou pelo menos me esforçando para tanto), diria que são esses cinco fatores que nos levam a entender como aconteceu o ciclo de “encantamento/expansão/contenção/declínio” do Cultura Viva. Isso significa que a Cultura Viva

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morreu? De maneira alguma. Ela segue viva como sempre seguiu e, in-clusive, em um novo e mais poderoso patamar. Vários Pontos de Cultura empoderaram-se nesse processo, equipararam-se, avançaram na cons-ciência política, saindo do estágio do “em si” para o “para si”. Houve o exercício do movimento coletivo, desencadeado pelas Teias (a última reuniu 5 mil pessoas em Fortaleza, em 2010), encontros, Teias estaduais, comissões representativas, que continuam. Também houve o exercício da ação reflexiva, com diversos seminários e publicações, dezenas de teses e dissertações de mestrado, livros publicados. Parte das entida-des, diria que aquelas mais artificiais, com menos vínculos comunitários e mais assemelhadas ao funcionamento de ONGs tradicionais, já nem fazem parte do movimento dos Pontos de Cultura. Mas outro tanto, talvez centenas, ou para além de um milhar, mantém-se, inegavelmente, em outro patamar de protagonismo na formulação e defesa de políticas públicas avançadas, inclusive ocupando espaços institucionais em go-vernos, sobretudo municipais. Há o movimento latino-americano pela Cultura Viva comunitária em 11 países, sendo que em quatro (Argentina, Colômbia, Costa Rica e Peru) com implantação efetiva como política de governo, já com decretos ou projetos de lei em tramitação. Em maio de 2013, houve o 1º Congresso Latino-americano Cultura Viva Comunitá-ria, em La Paz, na Bolívia, com o tema “Cultura, Descolonização e Bem Viver”. Tudo isso fornece um ambiente propício à retomada e ao avanço da Cultura Viva e muito além da própria ação do governo do Brasil.

Assim, uma história que começa a ser contada por um “Era uma vez...” segue viva e sem fim, como são os caminhos da cultura. E que outros contem e recontem essa história que é de todos nós.

Célio TurinoHistoriador, escritor e gestor de políticas públicas. Exerceu diversos cargos públi-cos, entre os quais o de secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cul-tura (2004-2010), diretor de promoções esportivas e lazer na prefeitura de São Paulo (2001-2004) e secretário de Cultura e Turismo em Campinas/SP (1990-1992). Autor de vários livros e ensaios, como: Na Trilha de Macunaíma (Editora Senac, 2005), Ponto de Cultura – O Brasil de Baixo para Cima (Editora Anita Garibaldi, 2009), Uma Visão Inclusiva (Instituto Olga Kos, 2011).

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MUSEU E EDUCAÇÃO: FIGURAS DE TRANSIÇÃO. REFLEXÕES A PARTIR DO REINA SOFÍAJesús Carrillo

Cada vez com maior frequência, ouve-se falar da crise dos museus, entendendo com isso sua ob-solescência e seu anacronismo: sua dificuldade para identificar um sujeito a quem interpelar de for-ma efetiva e relevante, já que estão ancorados em estruturas e dispositivos que não correspondem mais às dinâmicas das sociedades contemporâneas. Ao falar da crise dos museus, também se faz referência ao modo como, frequentemente, vinculam seu crescimento aos fluxos de circulação eco-nômica, tornando-se zumbis, mortos-vivos que se desenvolvem animados por energias espúrias: a especulação do mercado, os processos de gentrificação, a indústria turística ou a propaganda política, desvinculando-se de qualquer sistema de representação social plausível.

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Também é possível entender essa crise do museu a partir de outra perspec-tiva. Seu anacronismo pode ser considerado uma distância crítica, a opção de não competir com a imagem do presente, do novo, por não ser uma mi-ragem criada pelo marketing nem um aparato mistificador. É a opção de não fazer parte de uma bolha especulativa da cultura que cresceu paralelamente à bolha financeira e que, ao menos na Espanha, explodiu definitivamente.

Portanto, a crise do museu é um bom ponto de partida para abordar a questão da educação, juntamente com a convicção na potência das operações da arte e sobre a arte, sempre contingentes e múltiplas, para combater as imagens homogeneizadoras e alienantes do espaço social.

Ocorreu o fato de que a nova equipe do museu Reina Sofía, sob a direção de Manuel Borja Villel, começou a trabalhar em 2008, no mesmo ano em que se deflagrou a crise das hipotecas subprime nos Estados Unidos. Hoje, a crise não é mais meramente uma posição enunciativa, mas sim o am-

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biente no qual vivemos. Atualmente, a Espanha tem um desemprego de 26%, taxa que dobra na população juvenil, chegando a quase 60%.

Mas a crise espanhola não é meramente uma crise financeira ou um episó-dio local da crise que afeta o sistema global. A crise afeta a raiz do modelo político, de arquitetura institucional, e da ideologia do regime no qual vive-mos. Trata-se de uma crise geral de governança. Recentemente, identifi-cou-se essa situação como uma crise da denominada “cultura da transição”. Por esse termo entende-se o sistema ideológico e político que envolveu o processo de transição para a democracia desde a morte do ditador Francis-co Franco, por meio do qual se transferiu, de forma branda e com um de-bate público amenizado, a soberania das estruturas da ditadura para as de uma monarquia parlamentar: uma cultura de consenso e paz social constru-ída com base no capitalismo de consumo. Mas o termo tem uma segunda acepção, que diz respeito diretamente ao que estamos tratando aqui e que designa o papel dado à cultura dentro desse novo regime.

A chegada em 1981 de Guernica, famosa obra de Picasso, após um longo exílio desde que havia sido produzido para o Pavilhão da República Espa-nhola da Exposição Universal de Paris de 1937, é um exemplo paradigmático da cultura da transição, em suas duas acepções. Perfeitamente orquestrado a partir do governo, Guernica sofreu um processo de “transubstanciação”, por meio do qual aquele que havia sido o símbolo da denúncia da violência do Estado contra a sociedade civil e um ícone da esquerda antifranquista tornar-se-ia o sinal da reconciliação das duas Espanhas divididas pela guerra civil dentro do novo regime democrático. Por extensão, a arte de vanguarda e suas instituições ficariam excluídas da cultura oficial do regime, após dé-cadas de exclusão franquista, sendo impregnadas por um verniz ideológico que as identificava com os valores de educação, progresso e consenso, des-pojando-as simultaneamente de qualquer capacidade crítica e de dissensão.

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Nesse mesmo ano de 1981, foi inaugurada a Arco, feira internacional de arte de Madri, anos antes de serem abertos os primeiros museus de arte contemporânea. A coincidência é significativa porque, por um lado, a arte de vanguarda é identificada com os valores do regime democráti-co e, por outro, é identificada como cúspide da pirâmide de consumo. Desse modo, na consideração da arte contemporânea cristalizam-se os valores do novo regime democrático capitalista na Espanha.

A nova Espanha seria representada no exterior como um “país de cultu-ra”, destino do assim chamado “turismo cultural”, como se a guerra civil e os 40 anos de ditadura nunca tivessem acontecido: cidades históricas, monumentos, museus, festas populares e a gastronomia completavam a oferta de sol e praia que anteriormente havia sido promovida pelo go-verno de Franco. A Espanha era cultura. Das portas para dentro, a cul-tura funcionava também como um modo adequado para representar as complexidades e contradições da sociedade. As tradições locais, por um lado, e a inovação e a criatividade da arte, por outro, seriam os traços de identidade de nossa sociedade, tais como eram definidas verticalmente a partir das instituições.

O Estado tornar-se-ia o principal provedor de cultura, monopolizando a autoridade e a legitimidade cultural, assim como os espaços destinados a seu desenvolvimento por meio do investimento de enormes recursos na construção de um grande número de museus e centros de arte que cobririam todo o país. Esse despotismo cultural transformaria a arte e suas instituições em ferramentas de propaganda política. Paradoxal-mente, a proteção social-democrata da cultura era veículo de valores de mercado, concorrência e expansão, conforme eram definidos pelas novas correntes do liberalismo capitalista.

O museu Reina Sofía, eixo das políticas artísticas do Estado espanhol, seria uma peça-chave nesse processo. Embora tenha aberto as portas como centro de arte em 1986, pode-se dizer que seu papel como referência cen-tral se consagraria com a chegada de Guernica à sua sede, proveniente do Museu do Prado, em 1992. Essa é outra data importante para a constru-ção ideológica e cultural da Espanha contemporânea, já que nesse ano se concentraram as comemorações do quinto centenário, a Expo Universal de Sevilha e as Olimpíadas de Barcelona. Com essa pompa, pretendia-se reativar a imagem da Espanha no exterior, porém interiormente isso con-tribuiu para consolidar uma espetacularização de cultura na qual o público era chamado a assistir de forma passiva e maciça à celebração dos valores da cultura encerrados em grandes museus e centros de arte.

O Reina Sofía nasceu, então, com uma marcante função ideológica que também era pedagógica. Devia inculcar na sociedade espanhola, que durante décadas havia ficado à margem dos debates centrais da moder-nidade cultural, o desejo, o hábito e a atitude adequada para a aprecia-ção da arte moderna tal como se instalava nos museus. O modelo Reina Sofía foi replicado com diferentes variantes locais durante a década de 1990 por toda a geografia espanhola.

Quando a nova equipe se incorporou ao museu, em 2008, enfrentamos o desafio de abordar um novo contrato social da cultura, uma vez que

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o existente estava entrando em crise e tínhamos que fazê-lo a partir da própria instituição que havia desempenhado um papel protagonista no processo prévio. A educação seria um eixo fundamental no modo de conceber tal processo de transformação. Entretanto, retomar a noção de educação a partir do museu no momento atual implicava numerosos desafios que colocavam em risco a própria identidade da instituição.

Indiquei recentemente na introdução do volume 6 de Desacuerdos1, de-dicado à questão da educação, que a assim chamada “virada educacio-nal” da arte atual responde tanto às modas e correntes teórico-críticas típicas do sistema do artístico quanto a processos de maior abrangência que estão borrando os contornos do campo da cultura e que têm a ver com as expectativas de construção pessoal, com as novas estruturas produtivas e com a governança geral do social. A necessidade de se atualizar no tocante a situações complexas e sempre mutantes tornaria a educação contínua não somente uma pretensão digna de elogio, como também um verdadeiro mandato escorado por mecanismos ideológi-cos, entre os quais se encontrariam a cultura e a arte.

Não só um número crescente de práticas artísticas assume hoje a aprendiza-gem, individual ou coletiva, como base e como método de suas operações; as instituições museológicas, os projetos curatoriais e os programas de promo-ção cultural pública ou privada também afirmam cada vez com maior frequ-ência que a orientação pedagógica se encontra entre seus interesses priori-tários, à frente inclusive dos indicadores qualitativos que se costumava aplicar tradicionalmente à arte, como o grau de originalidade e o valor estético.

A velha promessa ilustre e burguesa que ligava a potência educacional e cívica da arte à natureza autônoma da experiência que esta propiciava foi superada por demandas muito menos abstratas e que já não provêm exclusivamente de uma elite que pretende refinar seu já “educado” gos-to estético. A arte contemporânea e as instituições que a veiculam são chamadas atualmente a implementar sua função dentro da engrenagem social geral, por meio de um trabalho pedagógico específico que esti-mule e dissemine a sensibilidade, a imaginação criativa e a capacidade de julgamento na população como um todo. Essas capacidades não são mais entendidas como sinal de distinção social dentro de uma noção vertical de cultura, nem somente como estágios de crescimento pes-soal, mas sim, e principalmente, como ferramentas básicas para operar naquele mundo complexo e mutante que mencionamos anteriormente.

Mas a prática artística e a instituição de arte estão realmente habilita-das a realizar tal função ou se trata de mera usurpação de papéis e uma adscrição oportunista ao auge da esfera educacional? Caso estejam, em que residiria a especificidade dessa aprendizagem que ocorre a partir do estético e da arte? A história da arte de vanguarda nos ajuda a responder positivamente à primeira pergunta: desde Klee e Kandinsky até Oteiza, Munari e Beuys, muitos artistas do século passado entenderam sua prá-tica dentro de um modelo ampliado de pedagogia.

Por mais que o sistema de arte atual propicie o maneirismo e a impostu-ra, as dinâmicas de trabalho colaborativo e os hábitos e meios de com-partilhar conhecimentos deram um salto qualitativo nos últimos anos. Os

1 Introducción editorial. Desacuerdos. Sobre arte y esfera pública en el estado español 6. Educación. Bar-celona, 2010, p. 11.

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artistas não ficaram alheios a isso, contagiando-se e tornando-se, com frequência, pioneiros no afloramento de espaços e métodos de trabalho adequados a tais dinâmicas de coaprendizagem e à geração de ferra-mentas de ação cooperativa.

Para responder à segunda pergunta, devemos situar tal especificida-de, em primeiro lugar, em uma crítica radical da práxis pedagógica: de seus objetivos e dos modos de relação que coloca em prática. A assim chamada “educação radical”, tão mencionada nos últimos anos, assumiu esse imperativo, questionando e colocando do avesso as prelações e hierarquias da educação “normal” e normativa.

Em segundo lugar, será necessário situar aquela especificidade no estí-mulo e desenvolvimento das capacidades intelectivas, sensoriais, imagi-nativas e plásticas de descobrir e apreciar a diferença, tornando a apren-dizagem um processo aberto e de abertura ao mundo. Seria possível dizer que a experimentalidade e a geração de abertura são o contexto de intersecção natural entre a educação e a arte.

Trazer tudo isso à terra, geri-lo e dotá-lo de efetividade é extremamen-te difícil, principalmente se o que se quer é ir além dos dispositivos de enunciação, como, por exemplo, a exposição ou o espetáculo, por mais sugestivos e densos em significados que eles possam ser. O processo de aprendizagem é sempre de média ou longa duração. Exige dar es-paço à tentativa e ao erro, à repetição e à indeterminação. Seus efeitos dificilmente são mensuráveis, pois sempre vêm diferidos ou distorcidos por outros processos e por uma multiplicidade de fatores de todas as índoles, que constituem as condições reais da aprendizagem.

Muito raramente, os artistas – e pode-se dizer o mesmo de suas ins-tituições, como o museu Reina Sofía – são capazes de adequar suas propostas a tais condições. A experiência da arte também está situada prioritariamente dentro da lógica do acontecimento e do encontro único e exclusivo e o museu tende a ser o veículo de tal experiência. Também se pode falar da dificuldade de conciliar as pretensões de experimen-talidade e abertura dessa arte-educação que o museu oferece com a lógica dos currículos educacionais, tanto infantis quanto de ensino su-perior, encarregados da tarefa de dotar os estudantes de uma estrutura estável na qual possam sedimentar os conhecimentos e de certos limites de contenção nos quais possam dar-lhes forma.

Quando a arte ou o museu pretende adentrar no âmbito e nas pre-tensões da educação, deve-se ter em conta que se está entrando em um campo alheio e desconhecido, mas não porque seja o campo dos educadores, corporativa ou disciplinarmente falando, mas sim porque a educação implica entrar no terreno do outro, entrar em negociação com suas expectativas, seus tempos e seus desejos.

Implica também estar em risco constante de perder a pureza da pro-posta inicial ou de ver seus orçamentos impugnados e, o mais impor-tante, implica abrir um processo de aprendizagem para múltiplas faixas no qual você, a partir de sua própria situação, também deve saber se deixar ensinar pelo outro.

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Apesar das dificuldades e condicionantes iniciais, o paradigma educacio-nal que se propõe agora como alternativa, longe de contaminar e pertur-bar suas essências, pode servir como estímulo para aprofundar a dimensão pública e política da arte, à medida que a projeta para artistas e instituições, indefectivelmente para fora de si mesmas. Isso em um momento em que todas as práticas culturais, incluindo a arte, tiveram suspensas suas paten-tes tradicionais de necessidade e se encontram à deriva.

Outros modelos, como o de investigação ou de produção, somam-se ao educacional nesse novo campo de indeterminação e precariedade da arte; um território que não lhe deveria ser estranho, por sua história, e que compartilha com a maioria das disciplinas e esferas de ação na sociedade contemporânea.

Mais do que adotar o papel de fornecedor de cursos de pedagogia ra-dical, o museu atual, como figura transicional em um processo de trans-formação profunda dos sistemas de articulação institucional do social, pode intervir, propagar e ajudar a consolidar protótipos provisórios, mas funcionais em pequena escala, de diferentes configurações de espaço, tempo e relações produtivas e afetivas.

Para isso, o museu deve, por si mesmo, aprender a renunciar ao monopólio de autoridade e de legitimidade cultural que ostenta e reconhecer auto-ridade e legitimidade cultural nos demais, por mais que sejam menores e distantes dos modos formais de representação. Esta terra de ninguém que é hoje o museu pretende se tornar o catalisador de um território comum e isso somente pode ser realizado concebendo-se a si mesmo como um espaço de educação, sabendo que ele não ensina, mas que nele se pode aprender.

Devemos concluir destacando um fato evidente: que a crise do museu já não é uma hipótese de trabalho, mas sim uma realidade que exige um esforço global de transformação. Para que ela seja possível, há duas pre-missas básicas que é necessário admitir: que a sobrevivência do museu não pode ser um fim em si mesmo. O uso de estratégias de marketing e a aliança com os fluxos financeiros podem lhe permitir crescer e se ex-pandir, mas isso não vai lhe devolver sua base instituidora, passando a ser aquilo que denominávamos no início deste texto como uma instituição zumbi, uma instituição carente de qualquer base social, cuja única missão é ampliar seu poder aumentando, para isso, sua dependência dos po-deres econômicos dos quais derivam sua existência e seu crescimento.

A segunda premissa é que não podemos fazê-lo sozinhos. Apesar de todo o nosso peso simbólico, a redefinição da instituição exige necessa-riamente a suspensão estratégica de nossa autoridade cultural, que até agora geríamos com exclusividade, e o reconhecimento da autoridade e da legitimidade de outros: movimentos sociais, coletivos cidadãos, ini-ciativas de autogestão etc. Isso é fácil de dizer e difícil de implementar, devido ao fato de que os recursos culturais foram geridos e adminis-trados exclusivamente por instituições burocraticamente estruturadas e verticalmente organizadas.

Em um período de escassez de recursos, no qual o papel e a neces-sidade social das instituições culturais estão sendo questionados pelos

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governos neoliberais, e no qual simultaneamente estão sendo propostos outros modos de produção e consumo cultural que desafiam os disposi-tivos tradicionais, o diálogo e a interação com esses outros é fundamen-tal. Tais alianças nos ajudam a perceber que nossa missão não é defender a cultura e a arte da ameaça dos bárbaros, mas que devemos participar, embora de forma modesta, do processo presente de articulação institu-cional da sociedade e dos processos contemporâneos de produção de subjetividade. Talvez, como velha instituição ilustre, não possamos mais ser a vanguarda, mas sim a nave mãe de uma particular viagem a um futuro desconhecido.

Jesús CarrilioLicenciado em História da Arte pela Universidade de Murcia, Mestre em estu-dos históricos pelo Instituto Warburg da Universidade de Londres e Doutor em História pela Universidade de Cambridge. Desde julho de 2008 dirige o Depar-tamento de Programas Culturais do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía. Entre seus livros se destacam, Arte na Rede (Madrid: Cátedra, 2004), Natureza e Império (Madrid: 12 calles, 2004) y Tecnologia e Império (Madrid: Nivola, 2003).

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José Antonio MacGregor

O conceito de cultura evoluiu de forma vertiginosa, particularmente a partir do final do século XX. De uma visão elitista que restringia a cultura ao campo das belas-artes, avançou de forma significati-va a partir da Declaração do México sobre as Políticas Culturais de 1982, na qual foram afirmados os princípios que devem reger as políticas culturais: identidade cultural; dimensão cultural do desenvol-vimento; cultura e democracia; patrimônio cultural; criação artística e intelectual e educação artística; relações entre cultura, educação, ciência e comunicação; planejamento, administração e financia-mento das atividades culturais; cooperação cultural internacional.

A GESTÃO PÚBLICA DA CULTURA LOCAL: O CASO DO INSTITUTO DE CULTURA DO MUNICÍPIO DE QUERÉTARO (MÉXICO)

Foto: dreamstime.com

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Desde o início do século XX, a UNESCO, por meio de múltiplas con-venções e declarações, gerou uma nova visão de cultura como direito humano individual e coletivo, como patrimônio da humanidade, como âmbito estratégico para o investimento público, como aspecto funda-mental do exercício das liberdades e como campo eficaz para fortalecer a governabilidade democrática.

A cultura como processo de configuração das identidades individuais e coletivas, como guardiã da memória, valores e patrimônio de um povo e como atmosfera propícia para a criatividade. E o eixo em torno do qual deve girar um tipo de desenvolvimento que pretenda ser integral, sustentável, auto gerenciável, com rosto humano e fundamentado na participação da sociedade.

A cultura como geradora de coesão social e participação comunitária para a reconstituição do tecido social, reformulando as formas de resolver os problemas e o papel que a cultura pode ter nas soluções. No reconheci-mento e apoio aos indivíduos e grupos que impulsionem os melhores pro-jetos de desenvolvimento para o município. No planejamento sistemático que substitua a improvisação a fim de realizar ações culturais que fortale-çam a identidade e a solidariedade como práticas para desestimular vícios, violência e desintegração social, particularmente entre grupos juvenis.

Em um mundo globalizado que impõe padrões que estimulam o indivi-dualismo e o consumismo, onde a insegurança e a violência crescente in-vadem as esferas que antes permitiam a socialização das pessoas; onde as migrações provenientes de todo o país e de outros países confluem nas zonas fronteiriças de forma particularmente intensa e conflituosa; onde o desemprego e a deterioração da qualidade de vida afetam seto-res cada vez mais amplos da sociedade, torna-se necessário reformular as formas de resolver os problemas e reposicionar o papel que a cultura pode ter na solução de alguns deles: no fomento à participação de toda a sociedade e na solução dos problemas que afetam a todos.

Diagnóstico

A cidade de Santiago de Querétaro – patrimônio cultural da humanidade desde 1996 – é a pedra angular da história de nosso país e abriga uma de nossas zonas de monumentos históricos mais importantes. Querétaro conta também com um amplo patrimônio cultural, como sua música, dan-ça, gastronomia, línguas e tradições. Por outro lado, sua excelente localiza-ção como via de comunicação entre o norte e o centro do país também a situa como receptora de múltiplas influências artísticas e culturais.

Desde meados do século XX, o município de Querétaro cresceu verti-ginosamente sem o planejamento estratégico e a infraestrutura neces-sários para responder às crescentes demandas e à consequente deterio-ração do tecido social. Com uma população 20 vezes maior do que em 1950, Querétaro é uma das cidades com maior taxa de crescimento do país. A área metropolitana compreende hoje os municípios de Corregi-dora, Querétaro e El Marqués, formando uma grande zona metropoli-tana. O município de Querétaro conta com quase 900.000 habitantes,

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porém se encontra em uma área conurbada com os municípios de El Marqués e Corregidora, com os quais totaliza 1.200.000 habitantes.

Querétaro passou de uma cidade expulsora de migrantes a receptora de migrantes de diversos estados e, nos últimos cinco anos em especial, da região norte do país, assim como lugar de passagem para imigrantes centro-americanos. A Secretaria de Desenvolvimento Sustentável esti-ma que, em média, chegam a Querétaro cem pessoas por dia.

A multiplicidade de fatores que convergem no cenário atual do municí-pio de Querétaro leva a pensar na cultura como fundamento de desen-volvimento sustentável e integral enquadrado em uma política cultural participativa, na responsabilidade social da arte e no vínculo estratégico para o desenvolvimento comunitário, estabelecendo a cultura como chave para o desenvolvimento humano e social, assim como para a re-constituição do tecido social.

Instituto de Cultura do Município de Querétaro

De acordo com o Regulamento do Instituto de Cultura aprovado em 8 de março de 2011, o instituto é um órgão descentralizado adscrito à prefeitura1, encarregado de conservar, promover e difundir expressões culturais e artísticas, assim como as tradições do município.

Com a atual administração (2012-2015), inicia-se uma reformulação no funcionamento e operação do instituto, por meio de um planejamento estratégico fundamentado na consulta que reflita o sentir e o olhar para o futuro dos queretanos, para redefinir o papel que tradicionalmente foi atribuído à cultura como parte do desenvolvimento do município.

A estrutura proposta corresponde aos sistemas mais atuais de ges-tão cultural institucional e oferece uma proposta de desenvolvimento organizacional moderna, flexível, consensual e viável, para fortalecer institucionalmente o Instituto de Cultura do Município de Querétaro, diversificar seus programas conforme uma concepção de cultura ampla e alinhada com as discussões mais recentes e avançadas em termos de políticas culturais, procedentes principalmente da UNESCO.

Dessa forma, a missão que propomos para o Instituto de Cultura do Município de Querétaro estabelece três princípios básicos: 1) O papel orientador em matéria de políticas culturais que o Instituto de Cultura do Município de Querétaro deveria ter no âmbito municipal, articulando os esforços das diversas instâncias culturais, públicas, privadas e comu-nitárias, federais, estaduais e municipais; 2) O compromisso do governo municipal de garantir aos habitantes de Querétaro o exercício de seus direitos culturais, a partir da definição proposta pelo Grupo de Friburgo perante a UNESCO em 2007; 3) Define-se a quais direitos culturais se faz referência, situando-os como eixos estratégicos sobre os quais poste-riormente se estrutura a proposta programática: fortalecimento da iden-tidade cultural, preservação do patrimônio artístico e cultural, educação artística e formação cultural e acesso à fruição das mais diversas expres-sões da cultura e das artes.

1 Em algumas regiões, como Querétaro, recebe também o nome de Alcaldía.

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A cada um desses eixos estratégicos corresponde um objetivo estraté-gico, que em conjunto orientam o sentido dos programas por meio dos quais se propõe concretizar o desenvolvimento cultural do município. Dessa forma, foram desenvolvidos em primeira instância a missão, a vi-são e o objetivo geral do instituto, assim como os eixos estratégicos que estruturam o programa.

Missão

O Instituto de Cultura do Município de Querétaro deve garantir aos habitantes o exercício de seus direitos culturais, sustentado em proces-sos participativos com a finalidade de criar comunidade e reconstituir o tecido social.

Visão

O Instituto de Cultura do Município de Querétaro compromete-se a ser uma instituição aberta ao diálogo, que impulsiona ações e processos sistemáticos de comunicação, capacitação, difusão e promoção cultural, sustentados em princípios de equidade, eficiência e respeito à diversidade.

Foto: dreamstime.com

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Objetivo geral

Impulsionar o fortalecimento das identidades, a preservação do patri-mônio cultural, a educação artística e a formação cultural, assim como o acesso à fruição das mais diversas expressões da cultura e das artes por meio da participação de promotores e gestores culturais, criadores e artistas, assim como da população em geral e de órgãos e instituições municipais, estaduais, nacionais e internacionais que influenciam no de-senvolvimento cultural do município.

Eixos estratégicos

a) Desenvolvimento cultural comunitário

Fortalecer a identidade cultural das comunidades do município, promo-vendo o conhecimento e a revalorização da diversidade cultural.

• Criação da Rede para o Desenvolvimento Comunitário em coordenação com as áreas de saúde, esporte, juventude, se-gurança pública, equidade, acessibilidade e capacitação.

Criação dos Coletivos Comunitários integrados por jovens promotores comunitários.

• Criação dos Núcleos de Animação Vicinal.• Criação dos Pontos Comunitários de Cultura: espaços de

convivência, expressão, diálogo e participação social.

b) Patrimônio cultural

Preservar e divulgar o patrimônio cultural do município (memória co-letiva e vida cotidiana, cronistas, museus, obras artísticas e históricas de relevância por seu valor estético ou significativo para a comunidade) por meio de ações dirigidas a seu conhecimento, revalorização, prote-ção e difusão.

c) Infraestrutura cultural

Ampliar, restaurar, remodelar, acondicionar e aproveitar ao máximo a in-fraestrutura cultural.

d) Fomento artístico e difusão cultural

Facilitar o acesso aos bens e serviços culturais de todos os habitantes do município, por meio de programas que impulsionem um desenvol-vimento cultural mais equilibrado, ampliando sua cobertura em setores, delegações e bairros do município.

e) Formação cultural e educação artística

Estimular a sensibilidade e a criatividade, impulsionar a formação e ca-pacitação artística e cultural para propiciar, em todos os níveis, a forma-

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ção de artistas, criadores, promotores e gestores culturais, articulando os esforços realizados pelas diferentes instituições públicas e privadas, estaduais e federais que influenciam o âmbito municipal.

Em síntese, o que o Instituto de Cultura do Município de Querétaro pro-põe é a condução dos assuntos culturais em coadjuvação com a comu-nidade artística e cultural, para que, no orçamento atribuído a cada linha estratégica, seja considerado pelo menos 10% do total destinado a pro-jetos àqueles gerados a partir da sociedade civil e dar prioridade àqueles que impliquem participação coletiva e desenvolvimento do tecido co-munitário, como os Coletivos Culturais, as Células Corais de Crianças em cada distrito, as artes cênicas nos bairros e comunidades populares, a programação de teatros, cinemas e espaços formativos do instituto, de acordo com as necessidades e requerimentos da comunidade artística, dos quais se valerá cada vez com maior decisão e compromisso.

Referências bibliográficas

MACGREGOR José Antonio. “Identidades globalizadas y patrimonio intangible” en México: Su apuesta por la Cultura: El siglo XX. Testimonios del Presente. Ed. Grijalbo, Revista Proceso y UNAM. Textos de varios autores coordinados por Armando Ponce. México, 2003.

DECLARACIÓN DE MÉXICO SOBRE LAS POLÍTICAS CULTURALES Conferen-cia mundial sobre las políticas culturales. México D.F., 26 de julio - 6 de agosto de 1982.

LOS DERECHOS CULTURALES. Declaración de Friburgo. UNESCO. 2003.

INFORME SOBRE DESARROLLO HUMANO 2004 La libertad cultural en el mundo diverso de hoy. Publicado para el Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD), en 2004.

INFORME MUNDIAL DE LA UNESCO 2010 Invertir en la diversidad cultural y el diálogo Intercultural. Resumen. Publicado en 2010

José Antonio Mac GregorLicenciado em Antropologia Social e Mestre em Desenvolvimento Rural pela Universidade Autônoma Metropolitana. Vencedor do Prêmio Nacional de An-tropologia Social “Fray Bernardino de Sahagún” em 1985, outorgado pelo Insti-tuto Nacional de Antropologia e História. Consultor da UNESCO, assessor da Prefeitura de Medellín e convidado frequente de cursos, semin rios e encontros da Organização de Estados Iberoamericanos. De 2001 a 2007 exerceu o cargo de Diretor de Capacitação Cultural de CONACULTA, onde impulsionou a criação do Sistema Nacional de Capacitação e Profissionalização de Promoto-res e Gestores Culturais do México. Atualmente é Diretor Geral do Instituto de Cultura do Município de Querétaro.

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Fernando José Garcia Barros

Primeiro, gostaria de agradecer ao Itaú Cultural, à Sônia, à Bebel e a toda a equipe pelo convite para este encontro e pela oportunidade de repensar nosso projeto a partir de um olhar que relacione cultura e formação, ambas a partir da abrangência que o caso merece. Sempre é muito bom ter a oportunidade de nos distanciarmos um pouco de nosso cotidiano e analisar estratégias, avaliar pos-sibilidades, revisar fracassos e nos lançar com maior vigor ao nosso objetivo.

REFLEXÕES SOBRE CULTURA E FORMAÇÃO: ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES. CRIANDO ESPAÇO CULTURAL

Foto: Carlos Mota/ dreamstime.com

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Desculpem se esta palestra for um pouco híbrida, uma mistura de pala-vras e etimologias, imagens fixas e dinâmicas, posicionamentos teóricos e aplicações práticas. Tudo isso tem o objetivo de tentar transmitir-lhes uma experiência própria de educação, cultura e arte, que nos últimos sete anos ocupa a maior parte de minha energia.

Após o vídeo de seis minutos que explica nosso projeto e a transfor-mação de um antigo matadouro em um espaço de arte e cultura para a mudança social, realizaremos uma pequena jornada (de 16 bilhões de anos), acompanhando o fluxo expansivo de informação entrelaçada que vai configurando tudo, desde o nada (que compartilha sua raiz etimo-lógica com “nascer”), passando pelo nascimento da vida em nosso pla-neta, vida bacteriana à qual Howard Bloom atribui aquilo que decide denominar como inteligência multiespécie.

Um nada, então, repleto de totalidade, que concentra em um pon-to de dimensão nula uma infinita quantidade de energia, de luz, de informação, e que, instantes depois, já se expandiu a distâncias in-comensuráveis, produzindo combinações de partículas, átomos, mo-léculas, gases, planetas, estrelas, galáxias, bactérias, células, tecidos,

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seres, até configurar progressivamente nosso cérebro, dispositivo que vamos conhecendo cada vez mais e que nos permite decodificar e codificar a energia recebida pelos sentidos, atribuindo sentidos ao cosmos cheio de aparente diversidade que, entretanto, está profun-damente enlaçada.

Um cérebro com 100 bilhões de neurônios, capazes de gerar inumerá-veis redes neurais para suportar e facilitar o fluxo de energia, de informa-ção, capaz de possibilitar conhecimentos, competências, valores.

Redes neurais que podem se fortalecer com o tempo e com a continui-dade de uso e que nos tornam capazes de interagir, por outro lado, com outras mentes, gerando relações complexas que estruturam um campo social, uma sociedade que Émile Durkheim denominava “inteligência maior”, pois transcende a impermanência espaço-temporal dos indivíduos.

Relações entre indivíduos, ou entre células neurais, que ocorrem justa-mente graças ao espaço vazio entre eles e que possibilita a sinapse ou a construção de algo novo que está além de cada ser individual e que, entretanto, pertence-lhes e fortalece a ambos.

Foto: Cone Jota/ dreamstime.com

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1. O porquê… [espaço]

“[…] assim, do ser depende o uso, e do não ser que cumpra sua missão.” (Lao-tsé. Tao Te King)

Espaço: de spatium,“estar aberto”. Lugar ou tempo no qual podem acon-tecer coisas.

E é justamente nesse espaço vazio que ocorre o ressurgimento da informação, sempre por interação, sempre por construção interativa. Uma série de conceitos que contêm energia e que são realizados, efetivados, quando são valorizados, sendo apropriados por um grupo e, dentro desse grupo, por alguém que identifica sua busca, seu ca-minho, com esse conceito específico, como mecanismo para atingir o objetivo comum.

Então poderíamos compreender, como Ander-Egg, que a cultura deve ser sempre mais entendida como criação de um destino pessoal e cole-tivo, como antecipação consciente, uma cultura construtiva apoiada em um projeto de futuro, de criação de novos modos de ser no mundo. Um patrimônio que todos vamos criando. Conceituação que supera clara-mente a cultura entendida como refinamento intelectual, a “cultura cul-tivada”, a “aprendizagem ilustrada” e, inclusive, vai além da cultura como estilo de vida, a “cultura cultural”, de adaptação inconsciente.

Para isso, torna-se imprescindível entender e conhecer nosso contexto temporal, um tempo (chamado por Régis Debray de videosfera, após a logosfera e a grafosfera) no qual o visual, o novo, o informacional, o virtual, a gestão, o global, a estratégia, o lúdico, o espetacular predo-minam como lógicas, deixando abertos alguns espaços que, provavel-mente, vão sendo tomados por esta nova era de incipiente presença: a redesfera. Tanto nossas relações sociais quanto nossas artes e formas de educar vão sendo ressignificadas e se aproximando de lógicas co/inter/trans/multi… E o melhor lugar para experimentar essas mudanças que vão ocorrendo, para construí-las, é justamente esse espaço de es-paços que surgem, que emergem em diferentes lugares como espaços de liberdade criativa e projetiva.

Investigamos, a partir desses espaços, novos modos de olhar a realidade, de construí-la criativamente, de tecê-la.

2. O onde… [contexto]

“[…] a arte não é um espelho para refletir a realidade, mas sim um martelo para dar-lhe forma.” (Bertolt Brecht)

[Pre-] [con-] texto: de texere, “tecer, entretecer, entrelaçar” [“previamen-te”] [“em conjunto”]

Falamos de uma nova geração de espaços sempre contextualizados, que leem seu entorno e estabelecem relações de vizinhança, de projeção de

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futuro, dessa resposta a necessidades que nos ajudem a configurar um bem viver. Como o mARTadero, localizado no bairro de Villa Coronilla, periférico e abandonado pelo poder público, em Cochabamba (cida-de que não é capital, nem sede de governo, nem motor econômico do país), “distante” de La Paz e em um país, Bolívia, mediterrâneo e isolado em diversos sentidos. Essas circunstâncias, aparentemente desfavorá-veis, eram justamente aquelas que se procuravam para ressignificá-las, transformando ameaças em oportunidades.

Assim nasceu, há sete anos, o mARTadero, projeto integral e multidi-mensional concebido como viveiro das artes e focado em transforma-ção social. Tem vocação de protótipo e de foco irradiador de criati-vidade e melhorias para o entorno, realizando, para isso, um amplo espectro de atividades, partindo de uma cooperação entre artistas bem organizada e estruturada em sete áreas de criação, de princípios claros de ação, e de sete programas de desenvolvimento social por meio da arte. É também um espaço único pensado como uma incubadora de processos de criação, cujos frutos beneficiam toda a comunidade por meio de uma contribuição substancial ao desenvolvimento humano e socioeconômico da população.

Como espaço eminentemente de encontro e geração, buscamos pro-vocar uma mudança social responsável por meio da cultura e da arte. Porque entendemos a cultura como a expressão localizada – temporal, histórica e geograficamente – de certa comunidade, que expressa e traduz a complexidade do mundo em que lhe coube viver e, como tal, representa o principal ativo de um povo.

Temos, ao mesmo tempo, três pilares que nos sustentam. A saber:

• O espaço: o conjunto arquitetônico do ex-matadouro mo-delo, de 3 mil m2, construído em 1924, de caráter manifesta-mente patrimonial, ainda por ser declarado como expoente privilegiado e autêntico do desejo de progresso próprio da arquitetura industrial do começo do século XX, único, flexível, eloquente, descentralizado, estratégico, social e geografica-mente adequado à lógica e às necessidades das artes emer-gentes, e concedido por 30 anos à Nada para o desenvolvi-mento autogestionário do projeto.

• A gestão cultural: uma equipe profissional multidisciplinar e aberta, integrada por aproximadamente 25 pessoas e al-tamente qualificada na promoção intercultural nas esferas locais, nacionais e internacionais. A equipe tem autonomia de gestão e caráter de assembleia, está organizacionalmente bem estruturada e trabalha com procedimentos focados em obter recursos claros e pertinentes para a sociedade, capaz de ir se regenerando e projetando conforme o sinal dos tem-pos e as necessidades prioritárias, convencida das vantagens da conexão, das redes e da urgência de chegar a um acordo sobre uma cultura de futuro.

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• Os princípios: sete máximas baseadas em uma intenção clara de inovação, investigação, experimentação, rigor con-ceitual e formal, integração, intercâmbio e interculturalidade como critérios aplicáveis a toda proposta gerada, impulsio-nada, apoiada ou organizada pelo projeto, manifestando os valores intrínsecos à sua atuação e o convencimento de nos-sa capacidade para gerar um futuro melhor.

Tais pilares constituem nosso capital: um capital econômico que facilita nossa autogestão, um capital humano que é o motor do projeto e um capital simbólico que sustenta nossos valores e forma de agir.

Trabalhamos para conseguir nossos objetivos a partir de sete áreas de criação artística (artes visuais, letras, artes cênicas, design gráfico e ar-quitetônico, cinema e vídeo, música, interação social) e sete programas de desenvolvimento social (oficina infantil de livre expressão e educação sobre meio ambiente; programa formARTe de formação artística; es-tratégia de ação urbana para melhoria do bairro (praça e passeio das artes); programa Vivo e Verde de redesenho ambiental em local e bairro; residências artísticas para intercâmbio; programa de impulso de políticas culturais e redes; e o Viveiro de Empreendimentos Artístico-Criativos), todos baseados nos sete princípios.

Figura 1 - As sete áreas criativas e o modelo sistêmico organizacional da NADA

Interação de áreas e subsistemas

Projetos multidisciplinares

ÁREA SINERGÉTICAPlanejamento

CriaçãoAvaliação

interação social

música

audiovisual

artes visuais e fotografia

letras

artes cênicasdesign gráfico e arquitetônico

NÍVEL / SUBSISTEMA ESTRATÉGICO

NÍVEL / SUBSISTEMA COORDENADOR

NÍVEL / SUBSISTEMA OPERACIONAL

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Hoje em dia, é o projeto cultural mais inovador e de maior crescimento na Bolívia e um exemplo na região, graças ao trabalho de muitas pessoas que ao longo desse período colaboraram com seu esforço e capacidade de gestão. As sete áreas de criação artística propõem como objetivo o fomento e o desenvolvimento de sua esfera artística na cidade de Co-chabamba, não somente por meio de exposições, mas também por meio da ativação de dispositivos de formação e desenvolvimento, com espe-cial inclinação para a arte emergente. Acreditamos no futuro.

Por nosso trabalho, recebemos diferentes reconhecimentos nacionais e internacionais, como a seleção entre as 18 práticas de sucesso da Amé-rica em cultura como denominador comum para o desenvolvimento, da OEA, 2011; a Medalha ao Mérito Institucional à Promoção do Desen-volvimento Humano e Social, do Bicentenário (GAMC), 2010; o Prêmio de Investigações e Publicações sobre Arte, do Projeto de Apoio à Arte, PROAa-FAUTAPO, 2009; e o Prêmio de Agentes de Mudança, MTV América Latina, 2007.

Pouco a pouco, fomos entendendo que o mARTadero não era somente a intersecção de realidades geradoras que continuavam existindo nele, mas também um detonador de processos possíveis que colocassem em jogo as diversas energias sociais. Mas ia ficando claro que, para poder cumprir sua missão, os espaços culturais, e obviamente o nosso, enfren-tariam seriamente algumas questões, como a autogestão responsável (com modos de espacialização e sobrevivência engenhosos), a gover-nança interna (com novas lógicas de estruturação operacional não hie-rárquica), a projeção e continuidade (com modos de trabalho interdis-ciplinares e deslocalizados), a sistematização e gestão do conhecimento (com novas formas de gestar, gerir, propor, dispor) e a acessibilidade e sustentabilidade social (com modos de contextualização e difusão).

Poderíamos conseguir isso apenas aplicando a força da inteligência co-letiva e do trabalho colaborativo.

Figura 2 - Os sete programas de desenvolvimento social e sua relação com o desen-volvimento sustentável.

SUST

ENTA

BILIDADE SOCIAL SUSTENTABILIDADE AM

BIENTAL

SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA

consciênciaambiental

INTERAÇÃO SOCIAL

melhoria do nível de vida

produçãoecológica

GESTÃO DE PROJETOS

POLÍTICAS CULTURAIS

E REDES

OFICINA CRIATIVIDADE

INFANTILVIVO E VERDE

FORMARTEVIVEIRO DE

EMPREENDIMENTOS CRIATIVOS

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

DO BAIRRO

SISTEMAS DE AUTOGESTÃO

(CONTRIBUIÇÕES, RESIDENCIAIS)

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3. O quê… [inteligência coletiva]

“A inteligência, assim como as ferramentas cortantes, melhora quando se confronta com outras de maior dureza.” (Mario Sarmiento)

Inteligência: int-leggere-nt-ia, qualidade ativa de escolher entre vários

Coletiva: co-leggere-iva, capacidade de coescolher

Curiosamente reforçado, evidente em sua etimologia, esse conceito bastante contemporâneo de formulação, porém antigo como a própria existência, impele-nos a pertinentes reflexões sobre como construímos, como geramos conhecimento. E por isso, e pelas necessidades geradas pela vida contemporânea, vai se evidenciando um surgimento de espa-ços culturais independentes que se atrevem a sobreviver e operar nos múltiplos contextos de austeridade em que nos cabe viver. Espaços em permanente construção e ressignificação, que questionam as frequente-mente ancilosadas estruturas físicas e organizacionais dos poderes pú-blicos, a partir de estratégias de continuidade e visões compartilhadas e projetivas, que conseguem aglutinar artistas e gestores comprometidos com uma cultura de futuro, dialógica e colaborativa, propositiva e vi-sionária. Um terceiro setor vivo e vital que configura novos territórios físicos e virtuais, experimentando renovadas tecnologias sociais e relações paradiplomáticas. Espaços intermediadores e ativistas, autogestionários e horizontais, articuladores e contextualizados, que dinamizam o patrimônio, ressignificam a interdependência e fomentam o exercício da cidadania, do intercâmbio, da construção de inteligência coletiva, visualizando e pro-pondo refrescantes modos de ser no mundo.

Como o nosso, um lugar onde podemos nos formar e formar, nos criar e criar, nos projetar e projetar, tudo isso por meio da criatividade.

4. O como… [criatividade]

“O princípio básico da natureza não seria a adaptação, mas sim a cria-tividade, como elemento básico da evolução de um sistema auto man-tenedor autorrenovável, autossuficiente e autotranscendente.” (Fritjof Capra, O Ponto de Mutação)

Criatividade: qualidade ativa de engendrar

Propagada nesta sociedade, que é o verdadeiro campus integral, um en-torno social que permite – como nossos espaços – gerar um espaço de formação fruto da interação de criadores, públicos, equipe, redes, poderes do Estado, gestores e formadores, com uma comunicação necessariamente bidirecional, na área de experiências e interesses co-muns, que permita processos cíclicos de codificação e decodificação para a transformação da realidade na qual ocorre. Uma comunicação que é, em si, transmissão de informação que permita uma construção coletiva em um ciclo espiral:

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E que nos permitiu estabelecer lógicas estruturadas de aproximação com a criatividade e a aprendizagem artística, que regem nossos espa-ços de formação e onde os participantes:

– Dos 5 aos 11 anos, podem participar da Oficina de Livre Expressão e Educação Ambiental, que privilegia as experiências no contexto.

– Dos 12 aos 17 anos, estão envolvidos no Programa Jovens ARTivistas, que é realizado maioritariamente nas Unidades Educacionais, induzindo à reflexão sobre as experiências.

– Dos 18 aos 24 anos, fazem parte do Programa Agentes de Mudan-ça, focado na ação reflexiva para a melhoria de seus entornos, podendo também começar a participar do programa formARTe.

– A partir dos 24 anos, aprofundam-se por meio do programa formARTe em ferramentas para ação e avaliação contínuas, o que facilita seu pro-gressivo envolvimento em áreas e programas, conforme seu interesse.

Além disso, tais programas estão combinados e articulados com os diversos eventos culturais anuais que possibilitam a demonstração dos resultados obtidos (por exemplo, os resultados de oficinas cênicas vão consolidando um elenco permanente que participa do Festival Bertolt Brecht etc.).

Tratar-se-ia, então, de posicionar a criatividade como transversal a to-dos os processos possíveis, de criação e recriação, produção e repro-dução, transmissão e socialização, entendendo tal criatividade como a capacidade humana de conseguir realizar uma ideia útil e original, e/ou melhorá-la de forma contínua e progressiva, para a solução de proble-mas. É a arte como portadora privilegiada da criatividade e modo de conhecimento do mundo, análoga à ciência e à filosofia.

Figura 3 - Esquema de ensino-aprendizagem em relação ao psicossocial de Freire

EXPERIÊNCIAS DIRETAS ATIVIDADES DE CAMPO OU CONTATO ATIVIDADES DE EXERCÍCIO, DE REPRESENTAÇÃO

EXPERIÊNCIAS INDIRETAS VISUALIZAÇÕES E LEITURAS

“CRIAM-SE CONDIÇÕES”, AMBIENTE SOCIAL, ECONÔMICO, POLÍTICO E CULTURAL. GRUPOS HUMANOS E SEU PAPEL. FREIOS, RESISTÊNCIAS.

BUSCA DE ELEMENTOS ESSENCIAIS E MELHORIAS APROXIMAÇÃO DA MISSÃOANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DE INSTRUMENTOS E MÉTODOS.

“SÃO AVALIADOS GESTÃO, CAPACIDADE DE REFLEXÃO E ATITUDES”

- CONSIDERAÇÕES- ANÁLISE CRÍTICA DE DADOS

CODIFICAÇÃO

CONTEXTOEXPERIÊNCIA

ASSIMILAÇÃO

CONSIDERAR O SIGNIFICADO E A IMPORTÂNCIA HUMANA DO QUE ESTÁ SENDO TRABALHADO. INTEGRÁ-LO. APROPRIAR-SE.

RELAÇÕES CAUSA-EFEITO E CONCISÃO E RELATIVIDADE NOS FATOS OBSERVADOSCOMPREENDER VÍNCULOS, CONSEQUÊNCIAS.

“SÃO ALCANÇADAS CONVICÇÕES PESSOAIS, DESCOBRIR CAUSAS DE COISAS E IMPLICAÇÕES

- AUTOANÁLISE, MONITORAMENTO- CONTROLE SOCIAL

AVALIAÇÃO

INOVAÇÃO

DECODIFICAÇÃO

REFLEXÃO

COMPREENSÃO

- ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS ADEQUADOS- ORDEM METODOLÓGICA E INSTRUMENTAL

- IMPLEMENTAÇÃO EM CAMPO

- SOLUÇÕES. PROPOSTAS.

APRENDER FAZENDO LINHAS DE AÇÃO: UTILIDADE PARA A COMUNIDADE

REALIDADE MOTIVADORA

“SÃO ADQUIRIDAS OPÇÕES INTERIORIZADAS E EXTERIORIZADAS: COERÊNCIA”.

PRAXIS

AÇÃO

APLICAÇÃO

TERRITÓRIODESENVOLVIMENTO

ATORES

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Porque, além disso, está claro para aqueles que se dedicam ao ensino artístico que as diversas características da criatividade (amplamente desenvolvidas pelo doutor Ortiz Ocaña) desencadeiam apreciados valores cidadãos:

– A motivação facilita a participação e a responsabilidade;– A autoestima dá segurança e autonomia;– A iniciativa abre as portas para a proatividade e a abordagem resolutiva;– A fluência forja a profissão;– A divergência possibilita o trabalho colaborativo, o diálogo;– A flexibilidade proporciona abertura, respeito, equidade, escuta;– A sensibilidade facilita a empatia, a solidariedade, a paz e a amizade;– A originalidade gera inovação;– A elaboração rigorosa educa a constância, a paciência, o esforço;

Para isso, desenvolvemos instrumentos de formação, como a matriz de criatividade que facilita a consideração e a interconexão de saberes a partir de um posicionamento pessoal e uma leitura do contexto espacial e temporal, permitindo gerar narrativas que sejam expressas na obra.

5. O para que… [transformação]

“Para mudar o mundo é necessário mudar as formas de fazer o mundo, ou seja, a visão do mundo e as operações práticas pelas quais os grupos são produzidos e reproduzidos.”(Pierre Bourdieu, Capital Cultural, Escola e Espaço Social)

[Trans-] [in-]formação: ação de formar [o exterior] [o interior]

Justamente essa capacidade de gerar narrativas que transformem é o maior valor da arte, que já não resultaria, somente, de criar formas ou sensações no espaço, mas sim, principalmente, de propiciar relações no espaço social.

Não se trata, então, somente de oficializar (compor) projetos e obras, mas sim de propor (dispor) reações (ações e reações) mais qualitativas quanto mais potencialmente interativas.

O artista entendido não somente como “produtor de objetos”, mas sim como “detonador de processos” de futuro.

Por isso, também, tal estratégia de formação para as diversas idades está imbricada com o próprio planejamento do mARTadero, que prevê três fases (instalação, intermediação e criação), passando da sobrevivência à dignidade e à superação, especificando em cada fase lógicas a serem consideradas, mecanismos, pontos de atenção etc.

Todos os anos, trabalha-se também com linhas específicas, definidas em assembleia. Em 2012, referiam-se ao trabalho de redes, à intermediação, à autogestão, à cultura livre e à melhoria do bairro.

A Carta de Nizhny Tagil do TICCH 2003, sobre o patrimônio industrial, lembra a profunda consequência histórica destes imóveis, seu valor uni-

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versal como registro de vidas de homens e mulheres comuns que podem contribuir notavelmente para o sentimento de identidade, para fomentar e promover a participação em associações e iniciativas, para regenerar áreas deterioradas ou em declínio, possibilitando a continuidade e a reu-tilização de tal patrimônio, proporcionando estabilidade psicológica às comunidades e evidenciando a interconexão.

Assim, o projeto mARTadero chegou ao momento presente, quase sete anos após ser colocado em prática, com 1.400 atividades realizadas, cer-ca de 180 mil participantes, mais de 1.400 artistas formados complemen-tarmente, 40 obras artísticas de arte urbana instaladas na área, mais de 12 publicações, 86 artigos longos em jornais sobre o projeto como um todo, uma equipe humana formada e eficaz (24 pessoas, das quais 18 são contratadas e o restante por convênios de estágio), o local adequado em 86% e sua sustentabilidade mínima garantida.

Por outro lado, conseguiu-se construir um capital simbólico perante a sociedade e contribuir com outros efeitos notáveis, como a mudança de percepção sobre o bairro, a consecução de equipamentos culturais, o impulso de duas plataformas (patrimonial e de desenvolvimento do bairro), o envolvimento de muitos vizinhos no processo, a previsão de fundos municipais para o bairro, a intervenção em espaços públicos, vá-rias ruas transformadas em calçadões, um projeto de ciclovia na região, o ordenamento da gestão de resíduos etc.

No tocante a algumas conquistas em processo, estão sendo impulsiona-das de forma colaborativa políticas culturais, por meio de diversos mo-dos de trabalho e influência, assim como a articulação em redes locais, nacionais e internacionais que multipliquem a capacidade de fazer de seus membros.

Além de trabalhar o presente de forma interativa e colaborativa (por meio de dispositivos como painéis físicos e blogs), foi proposto ”res-significar” o passado do lugar e do bairro, marcado pelo carma e pelo imaginário de milhões de animais sacrificados ali. Por isso, foi empre-endida a proposta lúdica [imagem]ando (www.martadero.org/image-nando), que enche de imagens possíveis esse passado, reescrevendo a história e permitindo, em forma de jogo, estabelecer conjuntamente quem deveria ter estado no mARTadero para desencadear os atuais processos e dar-lhes sentido.

O mesmo é feito com o futuro (www.martadero.org/ideando), idea-ndo e propondo de forma colaborativa visões motivadoras que ajudem a en-tender a multivocalidade do local e suas múltiplas possibilidades, assu-mindo nosso protagonismo como motivadores e geradores do mesmo.

Assim, a ação em/do con[texto] de in/trans[formar] por meio da inte-ligência coletiva dinamizada em espaços culturais foi feita por meio de uma associação artística denominada Nada (Nodo Associativo para o Desenvolvimento das Artes), que, além de ironizar com o nome, apro-veitava justamente essa força geradora do nada (que tem raiz etimoló-gica comum com “nascer”) como estado fértil de potencialidade, onde tudo está por ser feito.

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E, do nada prévio à explosão de informação do Big Bang, finalizamos esta jornada também no nada gerador. E termino comentando que en-tendemos que duas chaves fundamentais para poder levar adiante este processo de abertura de espaços (abertos) têm a ver com entender pro-fundamente a dinâmica do patrimônio (e da identidade) e o processo coletivo da construção de soluções.

Porque, como bem lembrava a Declaração da Cidade do México sobre as Políticas Culturais, “é a cultura que dá ao homem a capacidade de refletir sobre si mesmo”.1

Referências Bibliográficas: ANDER-EGG, E, Desarrollo y política cultural, Buenos Aires: Ed. Ciccus, 1992

BORDIEU, PIERRE. Capital Cultural, Escuela y espacio Social. México. Siglo XXI Edi-tores. 2008

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GARCÍA, FERNANDO Proyecto martadero, vivero de las artes. Un espacio ejemplar de gestión cultural. 2005-2010. Libro ganador del premio FAUTAPO para investigaciones y publicaciones culturales (I Fondos concursables). FI y PROA, 2009. Cochabamba.

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ORTIZ OCAÑA, ALEXANDER. Hacia una didáctica de la educación Superior.

Fernando José Garcia Barros É arquiteto e gestor cultural, dedican parte de seu tempo ao ensino universitário e a criação artística. Possui pós-graduação em cultura e desenvolvimento, gestão de patrimônio, planejamento e avaliação de projetos culturais. Presidente de As-sociativo para o Desenvolvimento das Artes e Diretor de mARTadero, projeto abrangente de desenvolvimento artístico e cultural na cidade de Cochabamba, na Bolívia. www.martadero.org

1 Se quiser saber mais sobre o projeto mARTadero, em www.martadero.org há todo um sistema de informação que permite obter dados, informar-se sobre convoca-tórias, reservar espaços, gerir recursos e muito mais.

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Francisca Caporali

O JA.CA (Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia) atua como uma plataforma para o apren-dizado e o intercâmbio de experiências. O centro busca incentivar projetos artísticos que utilizem abordagens e tecnologias variadas para atuar especificamente na realidade local, seja por meio de estímulos educacionais, seja pela ativação de práticas colaborativas, e promove uma variedade de eventos relacionados à arte, como palestras, oficinas e exposições. O projeto foi concebido como uma expansão de minha prática artística, que já nos anos anteriores à fundação do JA.CA se ocu-pava de investigar questões que me pareciam essenciais: relações com o espaço urbano e possíveis estratégias para colaborações.

O CENTRO COMO UMA EXPERIÊNCIA DE MEDIAÇÃO

Foto: dreamstime.com

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O JA.CA iniciou-se em 2008, ainda como uma articulação incubadora, por meio de pesquisas de experiências semelhantes, centros de produção artística internacionais e estratégias de adequação ao contexto particu-lar onde nos instalaríamos. A escolha do bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, para sediar o projeto não foi nada aleatória: permeava questões afetivas dos fundadores do centro, mas, primariamente, aproveitava-se da intensa transformação urbana em que se encontrava o bairro para criar um laboratório expandido de experi-mentações nas fronteiras entre a arte, o design e a arquitetura.

O bairro Jardim Canadá teve início nos anos 1950 como um loteamento do município de Nova Lima em área complemente dissociada tanto de Nova Lima como de Belo Horizonte, ao longo da rodovia BR-040, rodeado de áreas de proteção ambiental. Nasceu como um empreendimento que pretendia explorar o potencial de um novo tipo de ocupação: os condomí-nios residenciais de luxo. No entanto, como o Jardim Canadá não foi cons-truído como condomínio e não oferecia infraestrutura básica, não logrou sucesso. Atraídos pela oferta de emprego em construção civil na região sul da metrópole, os primeiros moradores foram se instalando de maneira precária em terrenos apossados, ou adquiridos a preços baixos. A partir dos anos 1990, com a intensificação dos empreendimentos de condomínios e a consolidação do eixo sul como expansão mobiliária de classe alta da região metropolitana, o bairro passou a assumir o papel de polo de serviços.

Hoje, o bairro situa-se ilhado entre as margens de um parque natural, uma mineração, condomínios de luxo e uma importante rodovia federal. A dis-sociação geográfica do bairro aos centros (Belo Horizonte e Nova Lima), juntamente com a própria identidade árida de uma comunidade formada por imigrantes recentes, explicita-se em paradoxos recorrentes de pobre-za e periferia. O polo de serviços e de comércio dos condomínios residen-ciais de luxo coexiste com pequenas indústrias e com bolsões de pobreza.

No ano de 2010, ocupamos um galpão de 700 m2 em uma larga ave-nida de terra vermelha, em uma região do bairro ainda não asfaltada.

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Iniciamos as atividades com o lançamento do programa de residência, tanto para artistas brasileiros quanto para internacionais. O desejo inicial, ao nos instalarmos em área de tanta complexidade era desenvolver um ambiente propício à criação, uma plataforma de promoção das práticas colaborativas e interdisciplinares que contribuísse para a formação de estudantes e artistas e viesse a ser um espaço artístico-cultural integrado ao cotidiano da comunidade onde atuamos, promovendo uma prática artística que age como um instrumento de intervenção para o desenvol-vimento de pessoas, comunidades e territórios.

Durante esses três anos, O JA.CA hospedou cerca de 50 artistas, entre seus estúdios e o espaço de moradia. O centro priorizou apoiar projetos que apontaram relações com o entorno, com a arquitetura e com a comunidade, assim como práticas artísticas que se mostraram mais suscetíveis a possíveis colaborações originadas no processo de compartilhamento de um espaço comum de trabalho. O projeto inicial de residência possibilitou-nos acessar informações do bairro de maneira intensa, porém orgânica, por meio da vivência ordinária, da experiência compartilhada do dia a dia, do estabele-cimento real de uma relação de vizinhança. A tarefa de infiltrar-se na vida das pessoas do lugar resultou muito mais árdua, o bairro ainda carece de identidade própria e a precariedade urbana parece chegar às relações pes-soais, já que a população habita o local de maneira transitória e improvisada, como se buscasse, constantemente maneiras de deixar o bairro. Essa falta de organização comunitária, somada à dimensão espacial do bairro que abriga realidades tão díspares, fez com que os laços estabelecidos com as pessoas fossem frágeis e tênues. Ainda assim, foram diversos os artistas que viveram o Jardim Canadá, encontraram inspiração e desenvolveram ferramentas para ocupar e estabelecer diálogos com as pessoas do lugar.

Relato aqui dois dos muitos projetos que, nesses primeiros anos, foram importantes para aprofundar o vínculo com o lugar.

A dupla formada pelo arquiteto Roberto Andrés e pela socióloga Fernan-da Regaldo desenvolveu uma série de projetos durante o primeiro ano

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de residência. O projeto original, que previa a construção de uma horta e um jardim comunitário, enxergou a rua ainda sem asfalto como um lugar perfeito para uma experiência verde: a rua foi gramada com uma grama doada por outros artistas que por um dia foram autorizados a gramar a rua em frente da escola de arquitetura. Conseguir suporte da prefeitura para expandir a ideia e criar toda uma rua verde tornou-se uma ação artística, e íamos às reuniões armados de falsas fotografias que mostravam projetos imaginários em outros países. Uma tentativa de explorar o pobre vício que nossos líderes políticos têm em inspirar-se menos com experiências ino-vadoras tupiniquins do que com as de terras longínquas. Encontros com instâncias diversas do poder público foram em vão para o projeto, mas nos mostraram a dinâmica da prefeitura de Nova Lima em relação ao bair-ro Jardim Canadá, que se encontra geograficamente deslocado da sede principal da cidade. Depois de várias tentativas de criar uma área pública na larga rua, a dupla decidiu criar uma instalação que ilustrava a lógica econômica do lugar. No final de 2010, o Jardim Industrial foi instalado no grande quarteirão em frente ao JA.CA, uma imitação dos canteiros cen-trais da BR que limita o bairro e das bordas da mineração. Eucaliptos foram plantados lado a lado, seguindo uma distância constante, e um caminhão usado para plantar grama em encostas mineradas jogava uma mistura de adubo com sementes de grama na área central desse jardim.

Durante o período de sua residência, a artista Fabiana Faleiros convidou ou-tros dois artistas, Victor Faleiros e Olga Robayo, para compartilhar o espaço do JA.CA. Juntos, eles desenvolveram o projeto “Bem-vindo ao Deserto Vermelho: Festa Própria”. Uma festa foi realizada como obra de arte, na qual os artistas e o público interagiam com um espaço específico de arte e seu entorno físico, social e político. No bairro existem diversas casas de eventos que são alugadas para celebrações de pessoas de classe social distinta da maioria dos habitantes do Jardim Canadá. A festa foi produzida em conjun-to com alguns moradores da região: DJ Reynaldo Costa, Banda Anônimos, ambulantes que vendiam cerveja e churrasquinho. A noite incluiu trabalhos de performances em uma escultura em forma de palco, além de obras de arte interativas. Durante essa noite, o JA.CA foi frequentado por um público exclusivamente local: pais com crianças, idosos que dançavam ao lado dos jovens, o funk que Fabiana criou em parceria com DJ Reynaldo. O públi-co acostumado a frequentar as exposições e eventos do JA.CA, em sua maioria vindo de Belo Horizonte, não conseguiu entender o que se passava, tamanha interação a artista atingiu com a comunidade. O evento tornou-se uma festa sem ar de obra de arte; foi tomado pelos moradores do bairro como uma festa própria, feita por eles e para eles.

Partindo dessas primeiras observações da dinâmica do território, inicia-mos, com a Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, uma investigação mais focada, por meio de mapeamentos es-pecíficos. Uma dado que nos pareceu interessante foi a questão do lixo gerado no bairro – principalmente pelas microindústrias locais e minera-doras –, que pode ser considerado ao mesmo tempo tanto um problema como um potencial, devido à sua possibilidade de reciclagem, como os resíduos de madeira. Em 2011, a parceria entre o JA.CA e a UFMG so-lidificou-se por meio do programa de extensão DESEJA.CA – Desen-volvimento Sustentável e Empreendedorismo Social no Jardim Canadá (http://programadesejaca.wordpress.com).

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Foto: Leonardo Wen/dreamstime.comO programa fundamentou-se, inicialmente, no reconhecimento dos me-

canismos excludentes presentes no interior dos processos de produção do espaço nas metrópoles contemporâneas e na crença na possibilidade de uma promoção de desenvolvimento socialmente mais sustentável via uma atuação que considere o território em suas dimensões locais e globais. Com a participação de diversos estudantes bolsistas, são ofertadas oficinas criati-vas e técnicas para a população local em três núcleos diferentes: marcenaria, estamparia e tecelagem. Iniciamos as atividades por meio de intervenções urbanas, criação de aparatos e mobiliário urbanos construídos a partir da ob-servação e do mapeamento das lógicas construtivas do bairro.

Em 2012 já mais próximos da realidade e das pessoas do Jardim Cana-dá, presenciamos a transformação contínua do bairro: aparecimento de novos complexos de lojas, construção de uma nova escola municipal e posto de saúde. Acompanhamos o longo processo de asfaltamento da Avenida Canadá, onde se localiza nossa sede, e observamos de longe o superaquecimento do mercado imobiliário. Em novembro de 2012, im-possibilitados de negociar um novo contrato de aluguel, deixamos nosso galpão e passamos a ocupar outro com um terço da área do primeiro.

Nada disso veio como surpresa. Prevíamos esses acontecimentos recentes quando escolhemos o lugar como laboratório de ocupação. Estávamos cien-tes do processo de gentrificação. Sabíamos também que a própria ocupação por artistas e a existência de aparelhos culturais poderiam vir a contribuir para a aceleração do desenvolvimento do bairro seguindo a lógica do capital.

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Em 2013, o galpão funcionará mais concentrado nos projetos do projeto DESEJA.CA, e as residências ocorrerão ao redor desse projeto. O JA.CA também vai realizar duas residências itinerantes, uma em Salvador e outra em Belém, buscando estabelecer diálogos com áreas nas bordas de outras regiões metropolitanas. Seguiremos, por meio das atividades artís-ticas e da gestão criativa e autônoma, buscando maneiras de compartilhar experiências nestes lugares representativos dos processos metropolitanos contemporâneos de produção de espaço, investigando as lógicas que vêm sendo aplicadas às bordas metropolitanas em geral, sobretudo aque-las inseridas em regiões de expansão do mercado imobiliário de alta renda.

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CAPORALI, Francisca (org.) Habitar o Deserto. JA.CA: Belo Horizonte, 2011.

CAPORALI, Francisca; TORRES, Juliana e RENA, Natacha. Estratégias externsionistas interdisciplinares para o desenvolvimento sustentável no Jardim Canadá: O Programa DESEJA.CA. in Revista Fórum Internacional de Regularização Fundiária. Belo Horizonte: PUC Minas 2011.

COCCO, G. MUNDOBRAZ. O devir-mundo do Brasil e o devir-brasil do mundo. Rio de Janeiro: Editora Record. 2009.LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2008.

_____. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2006.MONTE-MÓR, Roberto L. Ur-banização extensiva e lógicas de povoamento: um olhar ambiental. In: SANTOS, M. et al. (Org.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec/Anpur, 1994. p. 169-181.

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YEMAIL, Antonio; RENA, N. S. A.; CAPORALI, F.. Atlas da Diversidade. in: Parahyba, 2012. v. 1, p. 52-57.

Francisca CaporaliGraduou-se em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Ge-rais (UFMG), tendo concluído Máster em Arte, pelo MECAD / ESDi, em Bar-celona e em Fine Arts, pelo Hunter College de Nova Iorque. Exibiu suas obras em diversos festivais como (Break 2.4 Festival in Slovenia; VideoBrasil, Wide World Film festival em Toronto e o Flaherty Seminar em Hamilton); galerias e instituições internacionais (Goethe Institute, SCOPE and Orchard47 em NYC; UnionDoc em Brooklyn; Jeu de Paume em Paris; Gandy Gallery em Eslovakia). Participou de residências como artista (LMCC, Tiltfactor em NY e OpenArt na Grécia), além de ter organizado e curado exposições em NY  (UHP, Electronic Social Club; the IMAterial Show).

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Foto: Michael Spring/ dreamstime.com

Carlos Edwin Rendón Espinosa

O museu clássico tem um grande trabalho estético. É concebido conforme o ICOM (International Council of Museums - pertencente à UNESCO) como “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e aberta ao público, que adquire, conserva, estuda, expõe e difunde o patrimônio material e imaterial da humanidade com fins de estudo, educação e lazer”. Na atualidade, esta concepção clássica deve estar orientada à substituição de um método – estética - para dirigir-se a um dispositivo que gere relações entre pessoas e entre processos sociais, um museu relacional, cuja principal característica é considerar o intercâmbio de experiências e conhecimentos, o museu como um organismo vivo, vigente, agente de mudança social e desenvolvimento.

O museu deve ter mentalidade aberta para se permitir explorar alternativas de acordo com a contemporaneidade, desmontando os discursos hegemônicos, chegando às comunidades com

O MUSEU, ALGO MAIS DO QUE ABRIGAR O PATRIMÔNIO, O CASO DE MUSEU E TERRITÓRIOS NO MUSEU DE ANTIOQUIA

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humildade intelectual para incluir todas as expressões, conseguindo entender e assimilar as novas estéticas, as manifestações culturais que se transformam para enriquecer os processos artísticos. Museu com liberdade de pensamento para romper padrões, imaginários e paradigmas, sem medo de assumir uma postura política e, assim, re-alizar uma aposta na inclusão. Museu com uma inquieta curiosidade e motivação para apostar na arte e na cultura como um meio de transformação social, onde estas não são um fim, mas sim um veículo que nos permita responder ao desafio de intervir na construção de sujeitos, sociedade e, portanto, de cultura.

Este desafio nos permite questionar se o museu deve ser concebido como algo mais do que a edificação que abriga e salvaguarda o patri-mônio cultural, para ser pensado a partir das pessoas e do território; é por isso que as áreas missionárias dos museus devem dirigir suas ações de forma contundente e direta para as comunidades, mas não desen-volvendo processos a partir do escritório, mas sim com a participação direta dos públicos.

É assim que o Museu de Antioquia, situado na cidade de Medellín, Colômbia, pretendeu abordar este desafio a partir de uma dimensão mais inclusiva, democrática e participativa, mais além de um trabalho estético, entendendo a missão do museu como uma dimensão huma-na, concebendo a obra de arte como uma pergunta aberta ao indiví-duo, conseguindo que o museu seja uma construção de realidades, de outros olhares sobre a vida, uma interpelação ao ser e à cultura. Assim, o museu não é somente um acúmulo de bens patrimoniais que podem ser admirados, mas também um ponto de encontro dinâmico, vivo, mutante que permite construir coletivamente e refletir sobre o entorno de forma ativa, vigente, especialmente com responsabilidade, apropriação e senso de pertença.

Dessa perspectiva, circunscreve-se a experiência chamada Museu e Territórios, que é uma estratégia de diálogo entre o museu e a comunidade, permitindo consolidar a partir dos seus três compo-nentes (Museu Itinerante, Museu + Comunidade, Museu Virtual) e seus dois programas especiais (Simpósio de Líderes Culturais pelo Desenvolvimento e Acompanhamento Cultural com Responsabili-dade Social) essa concepção do humano, do vivencial e do cotidiano, abordando não somente o conceito, o significado e o significante dos termos socioculturais, como também imprimindo nele uma mar-ca pessoal e contemporânea à concepção de museu; uma arquite-tura cultural onde a instituição é pensada mais fora do que dentro, onde o limite dos muros se dilui para incluir os territórios, onde a salvaguarda do patrimônio transita para um patrimônio vivo que se vincula diretamente ao habitual, à construção participativa e coletiva da comunidade, ao ritmo da vida que não fica estática, mas sim vibra e evolui constantemente.

A partir do percurso pelo território, refletimos sobre a apropriação dos processos culturais e de museu e vimos que a palavra é um fator chave para convocar e incentivar a construção coletiva de conheci-

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mento e identidade. É por isso que estamos na geração de um novo tesauro, onde as comunidades se sintam incluídas, pois a forma como as coisas são nomeadas nos permite gerar proximidade com o cida-dão comum, ou, ao contrário, permite distanciá-lo. Além disso, utili-zar uma linguagem nova (ou pelo menos nomeá-la de outra forma) nos permite construir coletivamente e instaurar certos vínculos de apropriação mais contundentes. É assim que durante o nosso proces-so pelo território não buscamos salas de exposição, mas sim espaços de hospitalidade; não realizamos inaugurações, mas sim festivais da memória; não falamos de oficinas, mas sim de espaços de encontro; não procuramos apoio logístico, mas sim companheiros de viagem; não falamos de alunos, mas sim de comunidade de aprendizagem; não realizamos saídas a campo, mas sim entradas do campo ao ter-ritório aberto; não realizamos avaliações, mas sim valorizações; não construímos indicadores, mas sim descritores e analisadores etc. Isto nos permite, de forma mancomunada com a comunidade, gerar no-vas narrativas onde o museu e o patrimônio são concebidos como algo mais do que a lei de cultura, ou um artigo regulamentar definido por algum ministério ou organização, pois estes processos culturais são próprios da comunidade com suas especificidades e, portanto, não se deve homogeneizar nem padronizar, mas totalmente ao con-trário, deve-se priorizar a territorialidade, o contexto e, especialmen-te, a identidade e idiossincrasia dos seus povos.

Figura 1 - Como é concebido o macroprocesso de Museu e Territórios no Museu de Antioquia

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Portanto, o museu deve se transformar para poder ser algo mais do que um referencial do passado e continuar sendo relevante, vigente, atual. O patrimônio deve ser algo mais do que uma herança do passa-do, para ser algo onde “eu” como indivíduo participo de sua concepção e construção; onde a obra de arte adquire um compromisso proativo; onde não somente deve haver uma ficha técnica ou analítica, além de visitas guiadas, como também se deve abalar esse discurso rançoso, ancilosado e ultrapassado, para conseguir se adaptar às realidades so-ciais de nossas comunidades, do nosso entorno, para se permitir outros discursos, outras dialéticas, outras leituras e uma aproximação mais vi-vaz à comunidade; onde se cumpra uma função comunicacional proa-tiva e próxima aos públicos, proporcionando uma aproximação à histó-ria da arte, não como algo do passado, mas como algo do presente, do agora; uma história viva, na qual nós como cidadãos comuns podemos contribuir, somos considerados, podemos transformar, complementar, adotar ou mudar, conseguindo um verdadeiro nível de pertença entre o indivíduo e a concepção de museu, um museu como ferramenta de transformação social.

Figura 2 - Componentes didáticos a partir das linhas de base gerados pelos proces-sos de Museu e Território do Museu de Antioquia

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1 Território, Memória, Iden-tidades, Patrimônio.

Passamos para uma construção coletiva onde “eu” como indivíduo também sou patrimônio, além do reconhecimento dos patrimônios locais materiais e imateriais; onde o museu é concebido como um organismo vivo construído com e para a comunidade, o território é pensado como o resultado de uma deliberação coletiva que é desen-volvida, ressignificada e reinventada durante o desenvolvimento de es-paços de encontro, de reflexão e de geração de perguntas; onde a con-cepção e o desenvolvimento dos processos e atividades não vem de fora, mas sim da comunidade como artífice dos seus processos; onde é necessário ter claros os eixos temáticos1, não para ensiná-los, mas sim para abordá-los de forma coletiva e compartilhá-los, questioná-los, debatê-los e refletir a partir deles, conseguindo, ao final dos encontros, determinar em consenso se eles são conservados, complementados, transformados, modificados ou alterados.

Figura 3 - Modelo Contextual de Aprendizagem (J. Falk & L. Dierking)

É desta forma que Museu e Territórios é proposto como uma ex-periência transformadora, onde possam ser definidos os conceitos de outra forma, para levar o cidadão comum das concepções emancipa-das e estereotipadas que temos preconcebidas, para outras onde a participação ativa da comunidade e a integração dos conhecimentos se torna uma oportunidade para a criação coletiva, permitindo-nos o empoderamento, senso de pertença e aproximação a isso que, de ime-diato, não consideramos tão próximo e nosso (é por isso que falamos da humildade do conhecimento, da dignidade e do respeito, quanto abordamos e interagimos com o outro).

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Componente Aposta conceitual

Museu Itinerante

Propicia circuitos culturais em forma de rede, gerando espaços de diálogo, criação e valorização do território, da memória, das estéticas locais e do patrimônio cultural; dando um significado renovado em cada geração; impulsionando desenvolvimentos endógenos de acordo com reflexões atuais, vigentes com projetos de vida comum; contribuindo ao fortalecimento do tecido social e das experiências significativas de responsabilidade social do museu; fomentando a reflexão por uma cultura que promova e respeite a vida e a construção de sentidos compartilhados; ressignificando os conceitos de patrimônio, identidades, comunicação, território, memória, direitos humanos, cultura, arte e museu; visual izando as expressões culturais das comunidades; e integrando o museu com as dinâmicas das regiões e seus povos.

Museu + Comunidade

MAWI - Museu virtual

Acompanha as localidades em processos que facilitem a discussão de suas memórias, patrimônios e territórios, no contexto de suas realidades culturais, sociais, econômicas e políticas, com a finalidade de gerar diálogos intergeracio-nais que promovam aprendizagens por meio de estratégias participativas e investigativas que propiciem a criação de espaços simbólicos comunitários, proporcionando assim intercâmbios culturais dentro e fora das comunidades, gerando diálogos plurais que permitama ressignificação de suas memórias e fortalecendo nas comunidades a apropriação de seus patrimônios e suas relações com o território.

Gera um espaço virtual que possibilita a experimentação, livre expressão, criação individual e coletiva, a lúdica e a reflexão em torno à cultura, à arte, e aos territórios, a partir da apropriação de múltiplas linguagens que relacionem as histórias locais, a vida cotidiana e a tarefa do museu com propósitos comunitários, educacionais e sociais, a partir das tic’s

Simpósio de líderes culturais pelo desenvolvimento

É um espaço referencial e de intercâmbios de experiências que contribui para o fortalecimento local dos planos de ação dos mediadores e líderes culturais. O Simpósio facilita o encontro e a articulação de saberes e aprendizagens daqueles que trabalham em torno à cultura nas diferentes localidades, sendo o museu o espaço de hospitalidade daqueles que regularmente o visitam ao longo do ano através dos diversos componentes. O Simpósio se destina a pessoas e organizações ligadas a processos sociais, econômicos, culturais e artísticos que a partir dos seus papéis contribuem para o desenvolvimento comunitário. Também queremos convocar empresários, instituições universitárias, entidades públicas e meios de comunicação, que a partir dos seus cenários de responsabilidade social empresarial constroem o país.

Acompanhamento cultural com responsabilidade social

Durante o percurso pelo território, detectamos algumas localidades que estão muito organizadas e estruturadas no tocante aos conceitos abordados a partir do macroprocesso de Museu e Territórios, porém necessitam outro tipo de apoio, suporte e acompanhamento. Para isso, está sendo desenvolvi-do este programa especial que pretende acompanhar os territórios com serviços profissionais e de apoio à gestão, zelando desta forma pelo desenvolvimento cultural e investigativo das regiões; promovendo, divulgando e fortalecendo o cultural dos territórios e estimulando seu caráter ativo como organismos enriquecedores da vida, da identidade cultural do território e de sua memória histórica.

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Esta é a forma integral como é concebido o Museu de Antioquia nos territórios e é a perspectiva desenvolvida a partir da área Museu e Terri-tórios como uma forma viva, inclusiva e coerente de gerar cidade e país a partir da arte e da cultura como meio de transformação social.

Tudo isso nos permite democratizar o acesso à arte, descentralizar a arte e ser mais generosos com o conhecimento para compartilhá-lo, para oferecê-lo, para que a comunidade ativa possa fazer modifica-ções, ajustes, transformações e consiga uma verdadeira apropriação deles. É colocar à disposição de toda a comunidade esses saberes que o museu abriga e que, assim, ela possa participar ativamente dos seus espaços e do seu conteúdo, onde se deve ser modesto e ter es-cuta ativa para que a informação seja construída a partir da colabo-ração horizontal, de projetos colaborativos, para que desta forma o conhecimento parta da base comunitária para o museu. Para obrigar as instituições a se questionarem constantemente e buscarem espa-ços de encontro, de reflexão, de debate, deixando de lado modelos para evoluir e encontrar outras linguagens a partir do contemporâneo, onde todos estão comprometidos, sem deixar de ser autônomos e sim ser responsáveis pelo trabalho colaborativo; desta forma, gerimos o nosso próprio processo cultural, permitindo-nos novas formas de valorizar o patrimônio e compartilhar as reflexões, potencializando o desenvolvimento participativo, passando de um modelo egoísta, egocêntrico e autista para outro onde se reconhece que o conheci-mento não é unidirecional, mas sim de múltiplas fontes e que sempre foi coletivo, permitindo o contato mais direto entre Museu – Arte – Cultura e Comunidade, gerando um conhecimento compartilha-do, promovendo eixos temáticos de interesse comum, eliminando as barreiras, gerando novos conhecimentos de intercâmbio cultural, onde o território é justamente o espaço propício para fortalecer os processos culturais, implementar didáticas alternativas, potencializar as capacidades existentes das comunidades e organizações sociais de base comunitária; conseguindo projetar o museu como um verda-deiro território da cultura centrado entre o diálogo de organizações e cidadãos participativos que interagem com a arte, que visualiza as novas concepções de museu, onde o cidadão pode participar deste lugar de encontro em um contexto comunitário para a convergência, o colaborativo, aprendendo com o outro; onde a motivação é um pre-texto, é uma ocasião para o encontro, para o reconhecimento, para inventar-nos, para pensar-nos de outro modo, para ter esperanças, para permitir-nos sonhar, imaginar, criar, evoluir dia a dia, explorando e compartilhando, ao pensar-nos como parte de um todo que se chama museu-território–arte–cultura–patrimônio.

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Universidade de Antioquia, Grupo de Investigação em Ciências Expe-rimentais e Matemáticas. Uma aproximação à formulação do modelo de pedagogia museológica para o Museu de Antioquia

A dissertação deste texto se enquadra no seguinte contexto: fala-se a partir do “Museu de Antioquia”, um museu que tem cento e trinta anos de fundação, situado na Colômbia, América do Sul, país de múltiplos conflitos e esperanças. A localidade é “Medellín”, uma cidade violenta, mas em processo de transformação. A partir de um contexto chamado “Museu e Territórios”, experiência de trabalho que itinerou durante seis anos por cento e setenta e seis localidades do território nacional; durante este processo, trabalhamos com uma pergunta integradora, “O que é patrimônio?”, que nos permite afiançar o conteúdo conceitual já estabe-lecido pela arte e a cultura a partir de linhas de base como o território, a memória, as identidades e o patrimônio.

Estratégias

Museu Clássico Museu Comtemporâneo

Modelo

Modelo Administrativo Tradicional de um museu: Consecução, conservação e investigação do patrimônio. O Patrimônio é um fim.

Modelos de Gestão de Pedagogia Museológi-ca: criação de cenários pedagógicos para a mobilização cultural e educacional da Sociedade. O patrimônio é um meio

O objeto

Programa Educacional

O patrimônio As audiências e sua reflexão sobre o patrimônio

Centrado no patrimônio

Espaços de encontroOficinas para informar e realizar trabalhos manuais

Comunicação

As audiências e sua reflexão sobre o patrimônio

Centrados nas audiências e na construção coletiva do conhecimento

Em uma única direção. Transmissão de conhecimentos hegemônicos

Diálogo Intercâmbio de conhecimentos e experências

Exposições, visitas guiadas, oficinas e eventos culturais

Investigação, ação participativa, além de componentes didáticos, acadêmicos, culturais e expositivos

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Bibliografia

Freire, Paulo (2009). Cartas a quien pretende enseñar. México: Ed. Siglo XXI. ISBN: 9682319447

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Universidade de Antioquia, Grupo de Investigação em Ciências Experimentais e Mate-máticas, Gecem (2010). Una aproximación a la formulación del modelo de pedagogía museal para el Museo de Antioquia. [PDF]. Manuscrito não publicado. Medellín, Colômbia.

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Carlos Edwin Rendón EspinosaGraduado em Matemática Estatística pela Universidade de Medellín, Mestre em Artes Plásticas e Licenciado em Educação pela Universidade de Antioquia. Sua atuação na área de Cultura e Convivência se desenvolveu a partir do projeto BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), no Município de Medellín e do De-partamento de Estatística da Saúde. Como consultor atuou na área de Responsa-bilidade Social Empresarial - Cultura – pela Comfenalco em Vale de Cauca (Cali), no Centro Invamer e na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Antioquia. Experiência docente em instituições como a Universidade de Antioquia, Medellín University, University Foundation María Cano, Universidade Autonoma Latinoameri-cana, Esumer e do Instituto de Belas Artes. Atualmente dirige o projeto Museu e Ter-ritórios do Museu de Antioquia, proposta que liga o Museu às necessidades reais do contexto municipal, nacional e internacional. [email protected]

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Maria Carolina Vasconcelos Oliveira

O que é cultura? Quem é o público? Qual é a fronteira entre público e produtor? Quem deve formar? Formar para quê? Essas e outras perguntas bateram insistentemente à nossa porta du-rante os dias do Seminário Cultura e Formação no Itaú Cultural. A discussão sobre essas ques-tões não raro nos coloca numa corda bamba entre posições ora muito impositivas e genéricas, ora relativistas demais.

Essas questões emergem de processos de revisão pelos quais categorias como cultura, públicos e formação vêm passando recentemente. Pretendo aqui discutir esses processos, buscando situar as discussões do seminário e levantar possíveis caminhos para a reflexão e a prática.

CULTURA, PÚBLICOS E FORMAÇÃO: O QUE PODEM SER, NA PRÁTICA?

Foto: dreamstime.com

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Cultura de baixo para cima; quebra de monopólios

É notável que a maior parte das políticas/iniciativas discutidas no seminário tenha se posicionado a favor de um caminho de formação “de baixo para cima”, que busca “dar voz” a grupos e indivíduos muito mais do que “levar” cultura ou conhecimento a eles. Não por acaso, o programa Cultura Viva foi a política mais citada no encontro. Como mostrou Célio Turino, o pro-grama realmente marca uma mudança de paradigma: se uma política “clás-sica” de cultura focaria na carência e propor-se-ia a “levar” cultura, um pro-grama como o Cultura Viva, focando na potência, propõe-se a impulsionar processos e dinâmicas culturais que já existem em qualquer contexto social.

Iniciativas como os Pontos de Cultura são revolucionárias porque possi-bilitam uma prise de la parole1, permitem que os grupos e indivíduos vi-vam e desenvolvam sua própria cultura. Há algum direcionamento (afi-nal, trata-se de uma política), mas não imposição ou dirigismo. E a ideia de que conhecimento e cultura podem ser construídos de baixo para cima, colaborativamente, a partir dos indivíduos e grupos está presente também no discurso de várias instituições da sociedade civil. Um exem-plo é o Fora do Eixo, que teve sua proposta de universidade discutida no seminário. Penso que a proliferação desse tipo de iniciativa/discurso pode ser entendida como uma tendência mais geral de nossa época.

As chamadas “grandes instituições modernas” – escola, universidade, fa-mília, classes sociais e, por que não, também museus e outras instituições “clássicas” da cultura – têm sido questionadas a respeito de seu “mono-pólio” na formação dos indivíduos e na construção de representações e referências da sociedade. A imagem da grande instituição cultural/edu-cacional como a portadora mais legítima do conhecimento e da cultura é posta em xeque num processo que tem como causa e consequência a emergência do individualismo como forma de socialização mais típica. Norbert Elias trabalha com uma imagem boa: a “balança” da sociedade passa a pesar mais para o lado “eu” do que para o lado “nós” (ELIAS, 1994), num processo que já apresentava sinais no início do século XX (como vemos nos escritos de Simmel de 1903) e que culmina no cenário atual, que alguns autores definem como pós-modernidade, outros como modernidade reflexiva, hipermodernidade ou alta modernidade2.

Como processos de socialização típicos da contemporaneidade, indivi-dualização e erosão das grandes instituições modernas desencadeiam efeitos tanto positivos como negativos. Podem culminar na perda de importância dos vínculos sociais e do sentido do “público” (um efeito negativo), mas, como no exemplo que mencionamos acima, também podem se manifestar numa tomada de voz de grupos sociais menores, o que pode ser interessante no âmbito político3.

É exagerado afirmar, no entanto, que as instituições sociais, mesmo as modernas, perdem totalmente a importância. Os que assumem isso, a meu ver, correm o risco de cair num completo relativismo e, pior, de acei-tar a premissa de que o indivíduo atomizado tem total responsabilidade por sua formação e é plenamente soberano em sua atuação no mundo – o que significa assumir os pressupostos do individualismo conservador, ainda que travestidos de um discurso progressista.

1 Expressão cuja tradução poderia ser “tomada da palavra” e que é bastante utilizada em análises sobre os movimentos culturais e políticos que, a partir do fim dos anos 1960, passaram a “dar voz” a certos grupos da população que antes eram tidos como invisíveis.

2 A meu ver, Beck, Giddens e Lash (1995), Elias (1994), Harvey (1989) e Sennett (1974) apresentam ótimas ferramentas conceituais para compreendermos a socieda-de contemporânea.

3 Vale mencionar também a importância do desenvol-vimento das tecnologias de comunicação como fator que nos permitiu levar a sé-rio a ideia de “dar voz” (ver Castells, 1996).

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Uma postura intermediária seria compreender que as tais “grandes ins-tituições” não são as únicas responsáveis por definir valores e represen-tações da sociedade, nem têm monopólio na formação dos indivíduos e, consequentemente, entender que elas precisam se articular a novas questões e demandas que brotam “de baixo para cima”, para que não se tornem impositivas e obsoletas. Calibrar a balança entre posturas muito impositivas e muito relativistas, tanto na teoria quanto na prática, é tarefa difícil, pois não existe fórmula única.

Um dos grandes desafios, a meu ver, é pensar como as instituições “maiores” (escolas, universidades, museus) podem sair do abstrato e realmente chegar ao nível mais micro que é necessário atingir, princi-palmente quando o assunto é formação – afinal, formação pressupõe diálogo e o interlocutor não pode ser genérico ou teórico. Como pensar estratégias de mediação para que não caiam na velha fórmula do conhe-cimento “de cima para baixo”? No seminário, esse tipo de questão surgiu nas apresentações de instituições como o Museo Reina Sofía (Espanha), o Museu de Arte do Rio, a Bienal do Mercosul, o Museo de Antioquia (Colômbia) e, de forma mais teórica, também na exposição da pesqui-sadora Ivana Bentes.

Inicio com essa discussão, pois ela nos obriga a repensar e a desmistificar diversas outras categorias. Se a “cultura” é um dos objetos que, em algu-ma medida, se liberta das instituições que tinham monopólio sobre sua definição, como então definir e operacionalizar o que é cultura? Estamos falando de artes/patrimônio ou de um conjunto diverso de manifestações e práticas? E se a cultura escapa do âmbito das grandes instituições, como separar públicos e produtores? Quebrado o monopólio, o que é forma-ção? Quem pode se responsabilizar por ela? Para que se deve formar?

Cultura?

Para nos auxiliar na reflexão sobre o que é cultura, vale trazer a distinção de suas duas dimensões, a sociológica e a antropológica. Para autores como Botelho (2001; 2007), Coulangeon (2005) e Fleury (2006), a cul-tura em sua dimensão sociológica geralmente assume o recorte das ma-nifestações mais legítimas, como as artes (muito devido aos objetos de pesquisa estudados pela sociologia da cultura francesa, como a bourdieu-siana). Já cultura na dimensão antropológica é um conjunto que reúne qualquer tipo de atividade sem finalidade produtiva em que o indivíduo encontra possibilidade de expressão (COULANGEON, 2005), o que inclui uma enorme diversidade de práticas, valores, costumes e crenças.

Na esfera da política, nota-se um alargamento no escopo de cultura, prin-cipalmente a partir da passagem do paradigma de democratização da cultura para outro de democracia cultural. As políticas de democratização, típicas do cenário francês dos anos 1960, buscavam solucionar desigual-dades na fruição da cultura legítima (patrimônio e artes), principalmente por meio de ações que visavam “levar” esses bens para diferentes grupos da sociedade (políticas de descentralização). Já na década de 1970, esse paradigma passa a ser questionado, por sua visão restrita (e impositiva) de cultura e por sua concepção de público como algo passivo, a quem se

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deve formatar. Começa-se a substituir a ideia de democratização por ou-tra, de democracia cultural: a cultura é um conjunto plural e não hierárqui-co de manifestações e registros, e o cenário ideal é aquele em que os ci-dadãos têm acesso ao maior número de manifestações culturais possíveis e podem escolher quais delas vão praticar (BOTELHO, 2007; FLEURY, 2007; BOLÁN, 2006). Acesso, aqui, significa opção e não obrigação. Mas a disseminação de códigos e linguagens continua sendo fundamental para que os indivíduos de fato possam escolher4. Essa mudança de paradigma se manifesta nas Conferências de Políticas Culturais da Unesco, que já a partir dos anos 1970 passam a discutir cultura em termos de identidade e expressão (ver BOLÁN, 2006).

Se a cultura é maior do que o conjunto das manifestações mais legitimadas, como definir quem é público e quem é produtor? De fato, trabalhar com essa visão mais ampla de cultura nos obriga a repensar a existência de frontei-ras rígidas entre produtores e públicos. Nesse contexto, o “direito à cultura” não pode ser reduzido à questão do acesso aos bens/serviços culturais. Nas palavras de Bolán (2006), a participação criativa dos cidadãos é um comple-mento indispensável para a questão do acesso. Ou seja, o fomento à cultura como prática que esteja ao alcance de todos e o direito a viver diferentes culturas têm tanta importância quanto a difusão da produção5.

Essas questões estiveram presentes durante todo o seminário: de que cultura estávamos falando, afinal? De uma “cultura” que podia signifi-

4 Para mais detalhes des-sa discussão, ver Oliveira (2009a).

5 Sobre esse ponto, ver Oli-veira (2012).

Foto: Boris Kondrashov/ dreamstime.com

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6 Ver também Oliveira, 2009b.

car coisas tão diferentes como cidadania, identidade, produção cultural (artística ou não), tradições, entre outras possibilidades. É interessante reparar que, desde o início das discussões, a cultura que consistiu em nosso objeto-área de reflexão apresentou-se como um conjunto diverso e não hierárquico.

Públicos?

Se cultura pode assumir significados tão variados, se políticas culturais podem ter objetivos tão variados, então a concepção de público tam-bém não pode ser única, nem pode haver uma única fórmula para se relacionar com ele.

Um ponto de partida fundamental é romper com a ideia de “público” como algo abstrato e passivo. O público nunca é uma folha em branco, em que “imputamos” conhecimentos dos mais variados tipos. Nem é um conjunto singular e homogêneo de pessoas – não é à toa que muito autores que estudam públicos fazem questão de utilizar o termo sempre no plural, “os públicos” (por estranho que possa soar em línguas como o francês, les publics; ver FABIANI, 2003).

Destaco também a importância de pensar os públicos também como produtores de cultura. Se a cultura não é monopólio das grandes ins-tituições, esse público é também um conjunto de pessoas que produz e pratica cultura, que cria sentidos e representações. Entender isso sig-nifica romper, ainda que parcialmente, com a ideia – essencialmente moderna – do artista, intelectual ou professor (ou de seus equivalentes institucionais, o museu, a universidade, a escola) como aqueles que “le-vam a mensagem” para um amplo público que “não tem o conhecimen-to” (por falta de acesso ou por “alienação”). É interessante perceber que essas mudanças de paradigma reverberam dentro da própria produção artística: a partir do pós-guerra, a pretensão modernista de levar grandes mensagens nas obras, numa espécie de redenção para um público “que não sabe” ou “que não enxerga”, começa a soar antiquada.

A meu ver, aceitar essas revisões não implica a adoção de um relativis-mo absoluto, ao menos não quando o assunto é política cultural. Não significa assumir que não precisamos mais de instituições, de catego-rias, nem de governança. Significa, isso sim, assumir que, ao formular políticas/ações culturais, estamos fazendo escolhas que precisam estar bastante claras. Significa, sobretudo, assumir o conhecimento e a cultura como processos, e não como “pacotes” de conteúdos predefinidos. E pensá-los como processos de mão dupla, e não unidirecionais6.

Como bem pontua Olivier Donnat (2011), assumir o fracasso do paradig-ma da democratização cultural, bem como as revisões nos conceito de cultura e de públicos, não resolve, por si só, a questão da formação. Se a de-mocracia cultural pressupõe conhecer diversos registros para poder esco-lher quais praticar, então ela continua sendo, na prática, restrita à pequena porção dos cidadãos que têm acesso a esse conhecimento. A questão da formação continua sendo, portanto, central – especialmente num contexto em que a educação formal pública tem qualidade baixa, vale acrescentar.

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Formação?

Por óbvio que pareça, um primeiro passo para pensar estratégias de formação é entender para que se quer formar. No próprio seminário, diversos sentidos de formação foram discutidos. Podemos organizar as iniciativas a partir de diferentes objetivos de formação – ainda que mui-tas delas tenham mais de um objetivo.

Pensando em formação no sentido amplo, visando à promoção de cidada-nia e/ou reconstrução de relações entre a comunidade e o espaço, teríamos como exemplos as ações de Jose MacGregor junto ao Instituto Municipal de Cultura de Querétaro (cultura para a paz); os programas conduzidos com a comunidade pelo Museo y Territorios, do Museo de Antioquia; as inovadoras propostas da Casa M, da Bienal do Mercosul (em que a população realmente se apropriou de um espaço institucional); o Ponto de Cultura Bola de Meia, em São José dos Campos (que forma crianças por meio de brincadeiras tradicionais); a Central Única de Favelas (cuja atuação é pautada no contexto social e cultural das periferias urbanas); o trabalho fortemente vinculado ao entorno do JA.CA; os projetos de Marie Ange Bordas com refugiados; os programas do centro boliviano mARTadero (em que o espaço tem bastante centralidade); o projeto de Alexandre Sequeira em Nazaré do Mocajuba (em que a comunidade local não somente é tema do trabalho artístico, mas de fato participa do proces-so de criação); e mesmo a experiência da Universidade Fora do Eixo (que discute possibilidades de uma formação mais ampla).

Já quando pensamos em formação para públicos ou audiências de mani-festações artísticas específicas, iniciativas exemplares foram trazidas por instituições “maiores”, como a Escola do Olhar, do Museu de Arte do Rio de Janeiro; o Museo Reina Sofía, de Madri (Espanha); ou, novamen-te, a Bienal do Mercosul, mas também por organizações que atuam em contextos locais, por exemplo, a Casa da Ribeira, em Natal (RN), ou o colombiano Lugar a Dudas e, em alguma medida, também o Ponto de Partida, de Barbacena (MG).

E tivemos ainda iniciativas cujo objetivo era formar produtores ou po-tenciais produtores, ou seja, iniciativas que visam à descentralização do próprio “fazer” artístico/cultural. Exemplos mais diretos são os Pontos de Cultura, como o Método Canavial (um programa bastante completo de capacitação de produtores culturais na Zona da Mata de Pernambuco); o Cinema de Animação em Gravatá/PE (que teve vários alunos que se profissionalizaram nas áreas de vídeo e animação); o Guaikuru (que oferece formação em diversas linguagens em Campo Grande/MS); e o Pontão de Cultura Digital da ECO/UFRJ (que coordena programas de formação na área de cultura digital, além de oferecer espaço e apoio para iniciativas já existentes). Além dos Pontos de Cultura, destacam-se, nesse mesmo sentido, o Núcleo do Dirceu, em Teresina/PI (grupo que começou em um curso de dança oferecido por Marcelo Evelin no bairro do Dirceu e hoje consolida-se como núcleo de dança contemporânea reconhecido internacionalmente).

Formação pode sim assumir mais de uma dessas tarefas e não precisa ha-ver hierarquia de importância entre elas. Mas é necessário ter clareza acer-

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ca do que se pretende, para poder traçar estratégias de mediação espe-cíficas, ou a instituição acaba caindo num discurso genérico de formação.

Toda ação de formação, a meu ver, deve ser encarada como um pro-cesso de mão dupla, em que não é só o público que aprende, mas tam-bém a instituição. Independentemente do tipo de formação que está em questão, ela sempre pressupõe comunicação, e comunicação pressupõe diálogo: é necessário saber escutar o interlocutor, mais do que simples-mente “propor uma programação” (“levar”). Para que se estabeleça esse diálogo, o primeiro passo crucial é conhecer, de fato, os públicos, em suas dimensões reais e não imaginadas. Afinal, a comunicação não pode funcionar bem se lidamos com um interlocutor genérico.

Pensando em políticas culturais, particularmente julgo que ações de for-mação que possibilitam “dar voz” e que descentralizam não só a fruição, mas também o fazer cultural, são as mais efetivas, e inclusive podem impulsionar outras formações específicas. Por exemplo, uma ação de formação de públicos para determinada manifestação artística é mui-to mais efetiva quando propicia que os participantes experimentem, de fato, as técnicas em questão, em vez de destinar a eles somente o lugar da contemplação. Dessa forma, o interlocutor não somente recebe um repertório determinado, mas também pode combiná-lo ao seu próprio, empregando-o para expressar suas próprias questões.

A meu ver, esse caminho pela prática e pela experimentação é o que mais se alinha ao pressuposto de democracia cultural e à concepção de cultura não somente como um conjunto de linguagens, mas também como cidadania e identidade. Mesmo no nível da reflexão, o caminho da experimentação (que inclui tentativa e erro) acaba sendo a saída pos-sível quando se percebe que metaconceitos como cultura, públicos e formação, da forma genérica e totalizante como foram construídos, não são suficientes para explicar a realidade.

Enxergando por essa ótica, a separação entre cultura e formação quase vira uma falsa questão: cultura como prática é sempre formação. Mas há de se ter cuidado: isso não significa que a formação ocorre espontanea-mente e que não é preciso direcionamento algum. Célio Turino lembrou no seminário e nunca é demais relembrar: a origem da palavra cultura remete a cultivo. Cultivo e geração espontânea são coisas diferentes.

Referências bibliográficas

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DONNAT, Olivier (2011). Democratização da cultura: fim e continuação? In: Revista Ob-servatório Itaú Cultural, n. 12, maio-ago. 2011. São Paulo: Itaú Cultural.

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ELIAS, Norbert (1994). A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

FABIANI, Jean-Louis (2003). Peut-on encore parler de légitimité culturelle? In: DONNAT, Olivier; TOLILA, Paul (Org.). Le(s) public(s) de la culture. Paris: Presses de Science Po.

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HARVEY, David (1989). Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2011.

BOLÁN, Eduardo Nivón (2006). La política cultural: temas, problemas y oportunidades. Coleção Intersecciones, v. 16. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes e Fon-do Nacional para la Cultura y las Artes de la Zona Centro.

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OLIVEIRA, Maria Carolina Vasconcelos (2012). Fábricas de Artes y Ofícios (Faros): o direito a viver a cultura nas periferias da Cidade do México. In: Anais do III Seminário Inter-nacional de Políticas Culturais. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa.

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Maria Carolina Vasconcelos OliveiraA autora pesquisa e atua na área de cultura. Cursa doutorado em sociologia na Universidade de São Paulo, pela qual também é mestre. E-mail: [email protected].

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Ilana Seltzer Goldstein

Introdução

É muito frequente encontrarmos as palavras arte e cultura associadas, num binômio tão inseparável quanto pouco problematizado. Isso acon-tece em eventos como a Semana de Arte e Cultura da USP; em nomes de organizações como o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza; em iniciativas como o Programa Arte e Cultura nas Escolas, da Prefeitura Municipal de São Carlos, entre tantos outros exemplos – como a própria mesa-redonda que deu origem a este texto1.

A vinculação entre o universo abrangente da cultura e os campos ar-tísticos específicos é inegável. Muitas vezes, não se sabe onde estão as fronteiras entre os dois, já que toda produção artística é fruto de con-venções e contextos culturais e, ao mesmo tempo, os valores culturais se expressam e se transformam por meio das práticas artísticas.

Proponho iniciar a presente reflexão pelo exercício de delimitar o campo se-mântico que envolve os termos arte e cultura – ainda que para concluir depois que os dois domínios mantêm diálogo permanente e podem se sobrepor. Tecerei também algumas considerações sobre educação e formação. Após a primeira parte, de cunho conceitual, serão recuperadas algumas das questões e propostas que vieram à tona durante o Seminário Internacional de Cultura e Formação, realizado no Itaú Cultural entre 28 e 30 de novembro de 2012.

1 A mesa-redonda que deu origem a este artigo intitulava-se “Arte e Cultu-ra na Vida das Pessoas”. A programação do evento, muito intensa, durou três dias e contou com mesas--redondas, painéis e rodas de conversa (chamadas “desconferências”). Mais informações em: http://novo.itaucultural.org.br/p ro g ra m e - s e /a g e n d a /evento/?id=63619.

ARTE, CULTURA E FORMAÇÃOFoto: dreamstime.com

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1. Conceitos e terminologias

A origem do termo cultura está no particípio passado do verbo cultivar, em latim. Por isso, assumiu inicialmente a posição de sufixo em palavras que descrevem o plantio de alimentos e a domesticação de animais – apicultura, piscicultura, vinicultura etc. Esse sentido, que remete ao cui-dado permanente para que algo cresça ou floresça, prevaleceu até o século XVI, em várias línguas (EAGLETON, 2005).

A partir do século XVIII, três noções modernas de cultura se delinearam. O conceito iluminista, surgido na França, aproximava-se de civilização e civilidade, ou seja, um processo geral de evolução material, intelectual e espiritual que incluía o polimento dos costumes, o progresso técnico e político. Era um conceito de cultura universalista, que se opunha à ideia de barbárie (ELIAS, 1994).

Já o conceito romântico, surgido no século XIX, na Alemanha, equivalia a modo de vida. Um de seus formuladores foi Johann Herder que, jun-tamente com o jovem Goethe, refutava as teses iluministas: negavam a centralidade da razão, pondo a intuição e o sentimento em primeiro plano; fracionavam a unidade fundamental da humanidade, que passava a ser vista em suas peculiaridades regionais; e propunham uma volta às fontes populares, consideradas mais autênticas (WILLIAMS, 1969).

O conceito de cultura como arte, por sua vez, emergiu na Inglaterra após a Revolução Industrial, quando autores como Matthew Arnold e T.S. Elliot decidiram resistir à perda de valores e referências decorrentes das transformações urbanas aceleradas. A cultura adquiriu, então, uma dimensão de individualidade e interioridade, associada às belas-artes, à música e à ciência, consolidando-se nos salões, onde se admiravam as pessoas cultas e habilidosas (WILLIAMS, 1969).

Recuperar essas três maneiras de abordar a cultura é importante porque, de alguma forma, elas continuam permeando os debates contemporâ-neos. Foram sendo desdobradas e reinterpretadas a ponto de, no livro Culture (1952), Kroeber e Kluckhon terem elencado nada menos do que 145 variações para o conceito de cultura.

Não caberia, aqui, passar por cada uma das abordagens. Mas, em linhas gerais, o conceito antropológico de cultura abrange objetos e conjun-tos simbólicos – valores, crenças, normas, modos de fazer etc. – cria-dos pelo ser humano, que viabilizam e dão sentido à vida social, além de alimentar a construção de identidades coletivas. Nessa concepção abrangente, a cultura está difusa no cotidiano, é internalizada espon-taneamente, ao longo de nossa socialização. Grande parte das criações culturais tem origem indeterminada e apresenta uma relativa continuidade na longa duração. O que não quer dizer que se trate de um fenômeno estático: “a análise dos fenômenos culturais é necessariamente análise da dinâmica cultural, isto é, do processo permanente de reorganização das representações na prática social (DURHAM, 2004, p. 231).

E a arte? Em nossa sociedade, a arte corresponde a um subconjunto de atividades e objetos culturais considerados especiais. Com o advento do

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romantismo, o trabalho de pintores e escritores passou a ser visto como decorrente de uma vocação singular. O artista, apartado da linha de pro-dução, passou a figurar como uma espécie de gênio e a singularidade de sua obra ganhou destaque em contraste com as mercadorias produzidas em série (HEINICH, 2001).

A ideia moderna de arte foi construída em cima de três pressupostos. Em primeiro lugar, a obra de arte precisa ser, em alguma medida, úni-ca e original. Em segundo lugar, deve ser pautada pelo desinteresse, ou seja, não pode haver motivações utilitárias, econômicas ou reli-giosas por trás dela. Por fim, a autoria da obra precisa estar refletida na assinatura de um artista reconhecido por seus pares, pela crítica e pelas instituições de arte (HEINICH, 1998).

Paradoxalmente, a história da arte e os museus outorgaram a posteriori o título de arte a peças que não se encaixam nesses pressupostos. Fala-se, por exemplo, em “arte egípcia” ou em “arte sacra” para se referir a artefatos anô-nimos, produzidos com finalidades políticas e religiosas. De onde se conclui que não existem objetos intrinsecamente artísticos: eles adquirem tal status a partir de convenções sociais e culturais2 (COLI, 1995).

Em síntese, nas sociedades modernas ocidentais, uma parcela restrita das criações culturais recebe a designação de arte. Ela se origina em in-divíduos e grupos considerados portadores de talentos e competências excepcionais. E depende da aprovação das instâncias de legitimação – a crítica, os diretores de equipamentos culturais, os colecionadores e os demais artistas.

Se, por um lado, a arte dialoga com tradições particulares e com obras preexistentes, por outro, carrega um potencial de inovação, risco e ruptu-ra. Por isso mesmo a relação entre a obra de arte e o público sai fortale-cida quando são oferecidas oportunidades de familiarização com aquela linguagem e estratégias de mediação daquela experiência.

Chegamos, então, ao terceiro elemento do tripé conceitual deste ar-tigo: a educação. Ela é a grande responsável pela transmissão dos repertórios culturais de uma geração a outra, e é fundamental no desenvolvimento de competências e sensibilidades que permitem a fruição artística.

Infelizmente, no Brasil, existe grande descompasso entre as políticas cul-turais e as políticas educacionais (COELHO, 2011, p. 9). As escolas ainda pensam e atuam de forma fragmentada, preocupadas com a acumula-ção de saberes mensuráveis e a preparação para seleções universitárias. Desse modo, a educação escolar “não leva em conta o fato de que a refundação do sujeito responsável, exigida pela sociedade do conheci-mento, requer como ponto de partida a religação e circulação dos sabe-res” (CARVALHO apud COELHO, 2011, p. 35).

É verdade que já existem alguns dados animadores, sobretudo no Ensi-no Superior. No Seminário Internacional de Cultura e Formação, Ivana Bentes, da UFRJ, mencionou a parceria de sua instituição com o movi-mento social Rede Ação Griô, que, com financiamento do Ministério da

2 Durante o Seminário In-ternacional de Formação e Cultura, Jesus Carrilo, do Museu Reina Sofia, adver-tiu que a distinção entre arte e cultura é sempre re-lacional e política. “É preci-so ver quem designa quem, com que interesses. A cul-tura costuma ser hierarqui-camente inferior; chama-se de cultura, normalmente, o que o Outro e o subalterno fazem”. Em sua opinião, há resquícios dessa hierarqui-zação nas políticas culturais que precisamos combater.

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Educação, promoverá a inserção das tradições orais brasileiras dentro do âmbito acadêmico. É interessante ainda o caso da Universidade da Floresta, fundada no Acre, em 2005, com a finalidade de aproximar os professores das cidades dos mestres da floresta, valorizando os saberes tradicionais e o manejo da biodiversidade local. Mas esse tipo de prática ainda não é generalizada.

Com efeito, é urgente que o sistema educacional se abra para a plura-lidade, a divergência e a ação em rede. Aprendemos com Paulo Freire que a educação não é mera difusão do saber “dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber” (FREIRE, 1987, p. 58). A educação deve ser dialógica, um espaço de encontro. Ademais, a cultura e a arte devem estar presentes na escola em todas as suas facetas, de forma transversal – não relegadas a atividades extras, de menor importância, como costuma ocorrer.

Enquanto a maioria das instituições educacionais permanece fiel a um modelo rígido, compartimentado e conteudista, os relatos que compu-seram o Seminário Internacional de Cultura e Formação deixaram claro que as organizações culturais e os projetos artísticos têm se lançado em iniciativas flexíveis e inovadoras de formação. Algumas delas serão apre-sentadas na próxima parte do texto.

Antes, porém, convém fazer uma última observação de cunho termino-lógico. A utilização do termo formação, em vez de educação, no semi-nário de novembro de 2012 deve-se ao fato de que, tradicionalmente, “educação significa ensino e aprendizagem relevantes para o desempe-nho de todas ou de um número considerável de funções operacionais [...]. A formação, por outro lado, visa a uma boa performance em uma tarefa específica ou em um conjunto de tarefas que constituam um tra-balho” (DANNEMANN, 2004, s.p.). Ainda que, no terreno da arte e da cultura, os processos formativos resultem em algo mais complexo do que o “bom desempenho de uma tarefa específica”, trata-se, a princípio, de ações bastante focadas.

2. Formações no plural: pensando a partir do Seminário Internacio-nal de Cultura e Formação

As experiências compartilhadas no Seminário Internacional de Cultura e Formação, organizado pelo Itaú Cultural entre 28 e 30 de novembro de 2012, sugerem, antes de mais nada, que não existe o “vácuo de pro-messas culturais” no Brasil, alardeado pela controversa edição da revista CartaCapital de fevereiro de 2013.

No que concerne às interfaces entre arte, cultura e educação, as inicia-tivas apresentadas no seminário permitem decantar algumas grandes categorias de formação, ao mesmo tempo distintas e complementares.

Em primeiro lugar, a formação de público. Exemplo emblemático é o da Escola do Olhar, que funciona vinculada ao Museu de Arte do Rio de Janeiro, inaugurado em 2013, no porto carioca requalificado. Segun-do a coordenadora Janaína Mello, o edifício da Escola do Olhar tem o

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mesmo tamanho do Museu de Arte e a entrada dos visitantes do mu-seu se dá pela escola. A ideia é que as exposições ativem e propiciem sensações e reflexões discutidas e compartilhadas no espaço da Escola do Olhar. Se a experiência for enriquecedora e estimulante, os visitantes provavelmente voltem.

Outro exemplo mais radical foi apresentado por Marcelo Evelin: quando o público não vai às apresentações, os artistas vão até sua casa. O co-reógrafo implantou num bairro periférico de Teresina o projeto “1.000 Casas”, que consiste em levar espetáculos instantâneos às residências, numa espécie de assalto poético. Coloca em xeque, assim, a separação entre público e privado, entre arte e cotidiano, e produz uma performan-ce de acordo com o espaço da casa e as histórias dos moradores. Ao responder acerca do efeito dessas ações na vida dos moradores, Evelin foi assertivo: “Agora há mais gente no galpão para assistir aos nossos espetáculos e o orgulho de morar no bairro Dirceu Arcoverde está niti-damente mais forte”.

Uma segunda categoria é a formação de multiplicadores que lidam com o público, sejam eles monitores de exposições, professores ou mes-mo colaboradores dos equipamentos culturais. Mônica Hoff, responsá-vel pelo setor educativo da Bienal do Mercosul, contou, no Seminário Internacional, que, na última edição, 12 mil professores foram formados. Não apenas nos espaços expositivos, mas também na “Casa M”, espécie Oficina Monta Livros

Foto: Christina Rufatto/ Itaú Cultural

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de anexo do evento que foi instalado no centro histórico de Porto Ale-gre, onde aconteciam oficinas e encontros.

De forma similar, na 29ª edição da Bienal Internacional de Arte de São Paulo, houve formação presencial, com duração de três a seis horas, para 30 mil educadores de escolas e ONGs, nos meses anteriores ao evento; capacitação de mediadores para a bienal por dois meses, incluindo o acompanhamento da montagem; e produção de material destinado a educadores de ONGs e professores de escolas.

O terceiro tipo identificável é a formação para a prática artística – que, assim como a formação de multiplicadores, não deixa de estar relacio-nada à formação de público. Uma bela ilustração é o projeto Cine Ani-ma, coordenado por Lula Gonzaga, que se apresentou na primeira noite do seminário. O Cine Anima promove mostras e oficinas itinerantes de produção audiovisual em regiões com pouco acesso a essa linguagem. Leva um estúdio completo de desenho animado para os locais em que oferece suas oficinas – comunidades quilombolas, aldeias indígenas e assentamentos do MST, entre outros – e ensina os interessados a fazer roteiros, desenhos, animações, digitalização e edição.

O Teatro da Laje, núcleo de pesquisa e produção teatral carioca, embora não tenha feito parte da programação do seminário, merece menção na categoria formação artística. Sediado na Vila Cruzeiro, favela estigma-tizada pelo assassinato do jornalista Tim Lopes, surgiu a partir de uma demanda da própria comunidade. Durante o processo de montagem dos espetáculos, faz-se uma pesquisa temática, com leitura de textos, exibição de filmes e debates; os participantes assistem a espetáculos em cartaz de outros grupos, participam de oficinas de improvisação, de interpretação e de voz, além de colaborar com a produção dos espetá-culos. As peças que montam colocam em diálogo a realidade da favela com clássicos da dramaturgia.

A quarta categoria refere-se à formação cidadã – e, muitas vezes, combina-se e confunde-se com a anterior. Nesses casos, a atividade artística é, sobretudo, uma ferramenta. A Casa da Ribeira, criada pela companhia Clowns de Shakespeare, em Natal (RN), abriga um projeto chamado ArteAção, que atua com jovens entre 14 e 18 anos, matri-culados em escolas públicas parceiras. As escolas abrigam projeções de cinema e oficinas de teatro organizadas pela Casa da Ribeira, que forma 70 alunos por ano, interessados em aprender interpretação, ce-nografia, figurino e iluminação. Gustavo Wanderley, que apresentou o caso no Seminário Internacional, sintetizou o objetivo da seguinte forma: “Criar oportunidades educativas por meio da arte, para o de-senvolvimento humano; criar arte e apreciar arte a fim de fortalecer competências para a vida”.

A proposta do Projeto Guri, apesar de não enfocada no seminário, vai na mesma direção. A iniciativa da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, que existe há 18 anos, contempla crianças e adolescentes que vivem em locais com poucas opções de lazer. Em cada um dos polos formam-se orquestras-escola, corais e grupos instrumentais com jovens entre 8 e 18 anos. O Guri não tem como finalidade principal a forma-

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ção profissional de músicos, embora isso possa ocorrer isoladamente. O foco recai sobre “um ensino técnico aprimorado e consciencioso, [...] que fortaleça a (re)construção da cidadania das crianças e adolescentes e insira-as no processo social através da utilização da música como agente transformador”, segundo se lê no site da iniciativa.

Talvez uma subcategoria dentro da formação cidadã seja a transfor-mação comunitária por meio de trabalhos artísticos. O projeto que o paraense Alexandre Sequeira expôs no Seminário do Itaú Cultural, por exemplo, pautava-se pelo deslocamento do artista rumo a comunida-des que, normalmente, têm pouco contato com as artes. Sequeira fre-quentou o vilarejo de Nazaré do Mocajuba (PA) entre 2004 e 2005, a fim de desenvolver um trabalho fotográfico. Passou meses pescando e roçando com os moradores. Quando descobriram que ele era fotó-grafo, passaram a lhe encomendar retratos, pois pouquíssimas pessoas guardavam uma memória visual da família. Ao frequentar as casas, o artista percebeu que um elemento comum eram as divisórias de teci-do entre os cômodos. Pediu que lhe doassem essas cortinas internas, dando-lhes novos tecidos em troca. Sobre os tecidos, imprimiu fotos dos moradores em tamanho real. O resultado, de grande impacto visual e poético, foi exposto de frente para o rio, no vilarejo, antes de ir para Belém e para a China. Os tecidos estão sendo vendidos e metade do valor vai para a comunidade.

Marie Ange Bordas, também presente no Seminário Internacional, é ou-tra a utilizar a criação visual como ferramenta de reconstrução de iden-tidade de grupos em situação de fragilidade. Ela produziu, entre outras obras, uma fotonovela com crianças de campos de refugiados no Quê-nia, em projeto intitulado “Deslocamentos”.

Por fim, existem as iniciativas de formação profissionalizante para o mercado cultural. Dentre as que estiveram presentes no seminário, chamou a atenção o Método Canavial, criado por Afonso Oliveira em 2006, a fim de alcançar a sustentabilidade para o setor cultural na Zona da Mata. Consistia, inicialmente, numa rede articulada de agentes cul-turais – empresas, artistas, produtores, associações de maracatu, Pontos de Cultura e rádios comunitárias. Em seguida, foi fundada também uma agência na cidade de Nazaré da Mata, que ajuda a formatar e captar recursos para projetos voltados à cultura popular. Adicionalmente, desde 2008 é oferecido um curso de produção cultural.

Já o grupo de teatro Ponto de Partida, representado no seminário pela diretora Regina Bertola, mantém a Bituca – Universidade de Música Popular, na cidade de Barbacena (MG). Os cursos livres oferecidos na Bituca englobam baixo, saxofone, violão, mas também afinação de piano e engenharia de som.

Caso semelhante, no campo das artes cênicas, que não fez parte do se-minário mas merece destaque, é a Escola Spectaculu. Idealizada pelo cenógrafo Gringo Cardia, com apoio da atriz Marisa Orth, a ONG pro-fissionaliza jovens de 16 a 21 anos em situação de vulnerabilidade, para que atuem no ramo de espetáculos. São oferecidas oficinas de ceno-técnica, iluminação, adereços, design gráfico, vídeo, além de discussões

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temáticas sobre cidadania, saúde e temas atuais. Um aspecto importan-te do programa da Spectaculu, no tocante à complementaridade com a educação formal, é que, assim como no Projeto Guri, a precondição para a participação é o jovem estar cursando ou já ter cursado o Ensino Médio em uma escola pública.

Haveria muitos exemplos interessantes de Norte a Sul do Brasil, tantos que não seria possível contemplá-los aqui3. E talvez existam outras cate-gorias, para além das que pude identificar: formação de público, forma-ção de mediadores, formação para a prática artística, formação cidadã por meio da arte e da cultura e formação de quadros para o mercado cultural. Formação, enfim, para cada um dos elos da cadeia – criação, produção, difusão e fruição.

Conhecê-las e aprender com essas iniciativas é o que de melhor podem fazer aqueles que atuam em organizações culturais. Afinal, formatos e metodologias já vêm sendo testados e não é preciso “inventar a roda” a cada vez. Por outro lado, fica claro que não é possível falar em formação no singular, somente em formações no plural, cada qual levantando uma série diferente de desafios.

3. Propostas e desafios no campo da formação artística e cultural

Célio Turino, um dos idealizadores do programa Cultura Viva, do Mi-nistério da Cultura, destacou na primeira mesa-redonda do Seminário Internacional de Cultura e Formação que a cultura está ligada ao cul-tivo e, portanto, ao exercício. A continuidade das ações formativas revela-se, assim, crucial. Um segundo aspecto destacado pelo pales-trante foi a opção por valorizar, em programas culturais, aquilo de interessante que já existe na sociedade, “olhar para a potência, não para a carência”. Em terceiro lugar, Turino enfatizou a importância de se criarem ambientes solidários e plurais, nos quais a alteridade seja tão importante quanto a identidade e os fundamentalismos sejam evi-tados. Eis três boas sugestões para quem concebe ações formativas na área cultural.

Jesus Carillo, chefe de programas culturais do museu espanhol Reina Sofia, que integrou a mesma mesa-redonda, chamou atenção para “o poder cívico e educativo da arte”. Em sua visão, a arte estimula a imagi-nação e a criatividade, que são ferramentas básicas para a transformação do mundo. A especificidade do viés artístico na educação é colocar em xeque tudo o que é normativo, levando a apreciar a diferença e a surpresa. “Só a potência não basta; é preciso afeto, magia e encanta-mento”, afirmou ele.

Com efeito, o prazer e o acolhimento são cruciais. Como formulou John Dewey (2010), o segredo é propiciar às pessoas uma “experiência singular”, vivida de forma estética, em oposição às experiências gené-ricas do cotidiano, da ordem da dispersão e da distração.

Outro desafio, segundo Carillo, seria que as instituições culturais conse-guissem propor atividades que não se esgotassem nos eventos de curta

3 Uma excelente fonte com (outras) boas práticas em termos de ações edu-cativas vinculadas à arte e à cultura encontra-se nos anais de um encontro sobre mediação cultural organi-zado pela Unesp em 2007 (MARTINS; SCHULTZE; EGAS, 2007).

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4 Vêm surgindo alternativas paralelas à educação formal oferecendo novas metodo-logias, como é o caso da Universidade Fora do Eixo, que disponibiliza opções de formação em rede com base na vivência prática, na escolha individual dos iti-nerários de formação e no compartilhamento de infor-mações, conforme explicou Carol Tokuyo, presente no Seminário Internacional de Cultura e Formação.

duração, como uma exposição ou um espetáculo. Publicações acessíveis e a regularidade na oferta de programação são alguns dos caminhos para isso, bem como a aliança entre educação formal e não formal. Janaína Mello, da Escola do Olhar, também disse acreditar na aliança entre os equipamentos culturais, as escolas e universidades. Uma precisa da outra, pois “é o professor que conhece o aluno e é na relação entre professor e aluno que se estabelece a continuidade”. Por outro lado, “a instituição artística instaura fissuras na cultura e no processo escolar”, ca-talisando transformações.

Tampouco se pode ignorar as especificidades da sociedade contem-porânea, atravessada pelas novas tecnologias e pela mobilidade. Ivana Bentes, que fez parte da terceira mesa-redonda do seminário, propôs uma comparação entre os formatos convencionais de formação e os novos formatos. Nos formatos convencionais, os conteúdos são apre-sentados de maneira linear, as fontes de informação são escassas e existem “guardiões” com monopólio do conhecimento. Já nos forma-tos que começam a se consolidar, a comunicação é descentralizada e não linear, as fontes de informação são abundantes e acessíveis e os conteúdos são portáteis4.

Isso estimula a formação flexível, individualizada e contínua. Mas gera certa crise nas instituições culturais e educacionais, que precisam se rein-ventar. Ao mesmo tempo, exige do facilitador da aprendizagem, além de repertório e erudição, a capacidade de estimular as pessoas em forma-ção a buscar ativamente suas próprias respostas, a selecionar e re-lacionar conteúdos com base em parâmetros coerentes e pertinentes.

Há que se atentar ainda para a importância de consultar os diversos envolvidos nos processos de formação. O que eles querem? Do que precisam? Quais suas limitações? O que já sabem? Sem responder a perguntas como essas, quaisquer iniciativas artísticas, culturais ou educa-cionais têm menos chance de êxito.

Um último aspecto importante é a relevância do acompanhamento e da sistematização das atividades. Quem oferece uma formação, seja ela do tipo que for, precisa registrar as etapas do processo e elaborar meios de saber como os formandos são (ou não) impactados por ele. A avaliação da formação é uma grande ferramenta de aprendizagem para os próprios formadores.

Apesar do tamanho do desafio, é fascinante atuar na interface entre cul-tura, arte e formação. No mundo difícil e violento em que vivemos, essa é uma forma de consolidar “valores da paz e da solidariedade, modos de vida culturalmente saudáveis, imaginário rico e eivado de utopias [...] identidades abertas e novas tendências, poéticas de um mundo novo (FARIA, 2000, p. 19). Afinal, as experiências estéticas nos ajudam a transcender o imediatismo que povoa o mundo contemporâneo. São descondicionantes e, portanto, transformadoras.

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Referências bibliográficas

COELHO, Teixeira (Org.) (2011). Cultura e educação. São Paulo: Iluminuras/Itaú Cultural.

COLI, Jorge (1995). O que é arte. São Paulo: Brasiliense.

DANNEMANN, Robert Nicolas (2004). Atos e fatos da formação profissional. Boletim Técnico do Senac v. 30, n. 3, set.-dez. 2004. Disponível em: http://www.senac.br/BTS/303/boltec303a.htm. Acesso em: 10 fev. 2013.

DEWEY, John (2010). Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes.

DURHAM, Eunice (2004). A dinâmica da cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify.

FARIA, Hamilton (2000). Desenvolvimento cultural como desafio. In: FARIA, Hamilton; NASCIMENTO, Maria Ercília do (Org.). Desenvolvimento cultural e planos de governo. São Paulo: Instituto Pólis.

FREIRE, Paulo (2000). Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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EAGLETON, Terry (2005). A ideia de cultura. São Paulo: Editora da Unesp.

ELIAS, Norbert (1994). O processo civilizador. V. 1: Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar.

HEINICH, Nathalie (1998). Le triple jeu de l’art contemporain. Paris: Éditions de Minuit.

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KROEBER, Alfred; KLUCKHOHN, Clyde; UNTEREINER, Wayne (1952). Culture: a cri-tical review of concepts and definitions. New York: Vintage Books.

MARTINS, Mirian Celeste, SCHULTZE, Ana Maria; EGAS, Olga (Org.) (2007). Mediando [con]tatos com arte e cultura. São Paulo: Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista.

WILLIAMS, Raymond (1969). Cultura e sociedade: 1780-1959. São Paulo: Editora Nacional.

Ilana Seltzer GoldsteinMestre em antropologia social pela USP, especialista em direção de projetos culturais pela Université Paris 3 e doutora em antropologia social pela Unicamp. Autora de O Brasil best-seller de Jorge Amado: literatura e identidade nacional (Senac, 2003), entre outras publicações. Docente de gestão cultural na Funda-ção Getulio Vargas e no Centro Universitário Senac, atua também como con-sultora para diversas organizações.

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Ao completar 25 anos em 2012, o Itaú Cultural se propôs um novo desafio: pensar a formação como orientadora de sua política de atuação cultural.

A cultura como estratégia para estimular situações de maior protagonismo por parte dos indivíduos é uma diretriz dos projetos desenvolvidos pelo instituto ao longo do tempo. O foco da instituição é a pesquisa, o registro e a difusão de bens culturais, além do mapeamento, fomento e apoio à produção artística contem-porânea. Nesse sentido, criou programas e produtos que se tornaram modelo de política cultural.

O atual contexto do país e do mundo encaminha o instituto à produção de atividades que tenham como valor unificador a experimentação da arte, com o objetivo de integrar, transformar e impactar a vida das pessoas. O Itaú Cultural não se vê sozinho nesse desafio. Importantes iniciativas têm sido propostas por agentes, organizações não governamentais, instituições, com quem dividimos a crença na importância da cultura para o fortalecimento da cidadania, relacionada à dimensão sensível dos indivíduos.

Pensamentos e Ações – Seminário Internacional de Cultura e Formação reúne representantes de diversos setores da educação, das artes e da cultura para tratar de questões relacionadas a três eixos temáticos: Arte e Cultura na Vida das Pessoas; Mediação, Formação e Educação; e Estratégias e Possibilidades. Além das mesas redondas diárias, a programação conta com painéis de relatos de experiências com educação e arte realizadas no Brasil e em outros países da América Latina.

Milú VillelaPresidente do Itaú Cultural

PENSAMENTOS E AÇÕES – SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CULTURA E FORMAÇÃO

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PROGRAMAÇÃO

QUARTA 28

16h30 às 19h30 mesa Arte e cultura na vida das pessoas

Como a formação para a arte pode refletir na qualidade de vida das pes-soas? Nesta mesa, propõe-se uma reflexão sobre o papel da arte e da cultura na formação de indivíduos afinados com valores democráticos. Entre os temas a serem abordados estão a alteridade e a diversidade.

debatedores Celio Turino, Jesús Carillo e Marcelo Evelinmediação Ilana Seltzer Goldstein

Célio Turino faz um balanço do programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura. Essa política pública marcou uma mudança de paradigma na cultura no Brasil, ao viabilizar a criação de mais de 3.000 Pontos de Cultura, em cerca de mil municípios. O Cultura Viva atingiu aproxima-damente 8 milhões de pessoas e gerou 30.000 postos de trabalho.

Jesús Carillo reflete sobre os desafios dos museus de arte, que se en-contram em um profundo processo de crise institucional. A mudança desse quadro passa pela criação de novas estruturas e modelos éticos para regular as relações entre instituições, público e agentes sociais. As instituições devem assumir o risco de perder o monopólio da autoridade e da legitimidade cultural.

Marcelo Evelin põe em perspectiva a experiência do Núcleo do Dir-ceu, de Teresina, que desde 2006 atua em diferentes linguagens das artes performáticas. No galpão do coletivo são desenvolvidos diver-sos projetos e criações que apostam num compromisso de autonomia artística horizontal e fundamentalmente colaborativa. Jovens artistas encontram nessa plataforma um lugar de convívio, articulação política e ação em comum.

20h às 22h painéis

Afonso Oliveira explica o Método Canavial, da Zona da Mata de Pernambuco. Ferramenta de formação em produção cultural para pro-jetos coletivos e comunitários, desde 2008, essa ação prepara pessoas para atuar na cadeia produtiva da arte popular, das artes cênicas e do cinema, entre outros. Mais de 100 alunos concluíram os cinco cursos já realizados.

Alexandre Sequeira conta sobre o projeto Nazaré do Mocajuba, de-senvolvido em uma vila de pescadores da região amazônica, O artista fotografou os moradores (a maioria nunca havia se visto em uma ima-

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gem fotográfica), e reproduziu as imagens em tamanho real sobre ob-jetos pessoais dos retratados, como cortinas, lençóis, toalhas de mesa e redes. O dinheiro da comercialização das fotografias retornou à vila para ser usado em benefício dos moradores.

Lula Gonzaga elenca as ações do Ponto de Cultura Cinema de Anima-ção, criado em 2005 em Gravatá (PE). O ponto foi uma decorrência de uma atividade que Gonzaga realiza desde os anos 1980: o Cine Anima, São oficinas itinerantes de animação e desenho animado, que ocorrem em comunidades indígenas, quilombolas, casas paroquiais, assentamen-tos e pontos de cultura de diversas cidades. Mais de 1.000 pessoas já participaram dessa iniciativa de formação.

Celso Athayde apresenta o trabalho da Central Única das Favelas (Cufa), presente em todo o Brasil e em 17 países. A organização, que mobiliza milhares de pessoas, é um polo de produção cultural. Dentre as atividades desenvolvidas estão cursos e oficinas de DJ, grafite, basquete de rua, informática, gastronomia. A equipe da instituição é composta, em grande parte, por jovens moradores de favelas, formados nas oficinas de capacitação e profissionalização que a Cufa oferece.

QUINTA 29

16h30 às 19h30 mesa Mediação, formação, educação

Qual o papel de formação de um instituto de cultura? O que represen-tam, em agilidade e alcance, os trabalhos de formação realizados por coletivos e organizações não governamentais? Esta mesa propõe uma reflexão sobre mediação, formação e educação em dois eixos: os limites e os alcances da educação não formal e sua relação com a educação formal; e os diferentes agentes que, no mundo contemporâneo, realizam trabalho de formação em arte e cultura.

debatedores Francisca Caporali, Janaína Melo e José Mac Gregormediação José Marcio Barros

Francisca Caporali relata as ações do Ja.Ca –Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia. Criado em 2010, é um projeto de residência artís-tica situado em Belo Horizonte, que atua como plataforma para o apren-dizado e o intercâmbio de experiências. Nesse espaço, são realizadas palestras, oficinas e exposições e oferecidos ao público os serviços de biblioteca e midiateca. Vários artistas brasileiros e internacionais tiveram a oportunidade de trabalhar em conjunto nos ateliês do centro,

Janaína Melo traz ao público a experiência da Escola do Olhar, que integra o Museu de Arte do Rio (MAR), a ser inaugurado em 2013. A instituição surge com o conceito inovador de combinar museu e es-cola. Mais do que a porta de entrada para as exposições, a Escola do

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olhar será um grande espaço de experiências voltadas para os profes-sores da rede pública do ensino municipal. Ela se utilizará do conteúdo das exposições e trará à tona a possibilidade de expansão do olhar do professor. Oficinas criativas explorarão novas possibilidades de ensinar e aprender.

José Mac Gregor fala de sua experiência na gestão pública da cultura no México, com destaque para a experiência atual, no Instituto de Cultu-ra do Município de Querétaro. A instituição tem por objetivo fomentar e difundir a cultura e produção artística local.

20h às 22h painéis

Gustavo Wanderley fala sobre o projeto ArteAção, desenvolvido há seis anos pela Casa da Ribeira, Natal (RN). A ação envolve duas escolas públicas da cidade e é voltada para jovens de 14 a 18 anos, para quem são oferecidas três dinâmicas educativas em arte por semana, com três horas cada uma. O objetivo é que cada educando assuma para si a res-ponsabilidade sobre a qualidade de sua própria educação e da melhoria da sua escola.

Andrea Freire apresenta o Pontão de Cultura Guaicuru, de Campo Grande (MS), Trata-se de uma associação cultural que articula ações que fomentam o relacionamento e a convivência entre grupos cultu-rais e artísticos distintos. O foco é a aprendizagem de teatro, cinema, música e fotografia, além da geração de oportunidades para a criação artística, a promoção das artes e da cultura e a facilitação do acesso social aos bens culturais. Realiza atividades de forma cooperativa, so-lidária e inclusiva.

Regina Bertola conta a história do grupo de teatro Ponto de Partida, criado em 1980, em Barbacena (MG), A companhia já montou 32 espe-táculos que tiveram como tema a cultura brasileira. Além do teatro, atua na área musical com a Bituca: Universidade de Música Popular e o coro Meninos de Araçuaí. O projeto mais recente do grupo é o Corredor Cultural Ponto de Partida.

Jacqueline Baumgratz expõe as ações da ONG Cia, Cultural Bola de Meia, fundada em 1989, em São José dos Campos (SP). Em des-taque, a experiência do Projeto Brinca Brasil, pelo qual foi selecionada pelo Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura para se tornar um Pontão de Cultura. A comunicação aborda ainda a qualificação do modelo de gestão, com foco na tradição oral e no diálogo com a cultura da infância.

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SEXTA 30

16h30 às 19h30 mesa Estratégias e possibilidades

Quais são os modos de trabalho com educação e arte hoje? Como a arte pode ser “ensinada”? Esta mesa propõe uma reflexão sobre metodo-logias para o desenvolvimento de processos educativos que não elimi-nem a sensibilidade, a liberdade, a criatividade, a curiosidade, o criticismo e a alteridade. Aborda também o papel da arte como elemento central e não coadjuvante nesses processos – prática da educação formal, voltada essencialmente para o desenvolvimento da sociedade tecnológica.

debatedores Carlos Rendon, Fernando Garcia Barros e Ivana Bentesmediação Cibele Rizek

Carlos Rendon aborda o projeto Museo y Territorios, estratégia de construção de pontes e de diálogo entre o Museu de Antioquia (Co-lômbia) e a comunidade. Seu objetivo é redefinir conceitos como patri-mônio, território, identidades e memórias, que contribuem para o reforço do tecido social. Cria ainda uma rede de trabalho colaborativo entre ges-tores culturais e líderes locais, além de facilitar a troca de experiências e a visibilidade das expressões culturais.

Fernando Garcia Barros fala sobre o projeto mARTadero, de Cocha-bamba (Bolívia), concebido como viveiro de artes. Realiza ações que visam à transformação social, à preservação do meio ambiente e ao encontro. É também um espaço concebido como uma incubadora de processos criativos. Suas ações beneficiam a comunidade ao contribuir para o desenvolvimento humano e socioeconômico da população.

Ivana Bentes traz ao público estratégias de formação que incluem a cultura digital, entre elas os projetos Laboratório Cultura Viva, de apoio e fomento à produção audiovisual dos Pontos de Cultura, em parceria com o MinC, e Pontão de Cultura Digital da ECO/UFRJ, ambos coor-denados por essa profissional.

20h às 22h painéis

Carol Tokuyo apresenta a Universidade Livre Fora do Eixo (UniFdE), que articula mais de 450 campi de formação livre em todas as regiões do país e envolve cerca de 2 mil pessoas. A iniciativa surgiu da compre-ensão de que essa rede é um grande ambiente de aprendizagem com potencial de transformação, atualização e nivelamento de informações, dinâmicas e saberes.

Mônica Hoff aborda o projeto educativo da Bienal do Mercosul, que procura estabelecer uma contínua aproximação do público com a cria-

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ção artística contemporânea e seu discurso crítico. O projeto atendeu, nas oito edições do evento, 1.163.351 alunos, além de oferecer seminá-rios, conversas com o público, oficinas, cursos para professores e forma-ção em mediação para 1.548 jovens.

Sally Mizrachi traz a público o Lugar a Dudas, laboratório de fomento ao conhecimento da arte contemporânea, situado em Cali (Colômbia). Contribui para o desenvolvimento de processos criativos e para a intera-ção da comunidade por meio de práticas artísticas.

Marie Ange Bordas explana sobre o projeto Tecendo Saberes, que valoriza a identidade de comunidades tradicionais e indígenas bra-sileiras. Sua principal ação é a criação de livros infantis que repre-sentem e divulguem um repertório contemporâneo dos saberes e fazeres dessas comunidades, vistas pelos olhos de suas crianças. As publicações colaboram no estabelecimento de um referencial pró-prio para cada comunidade e fomentam o intercâmbio cultural e ge-racional por meio de processos horizontais e lúdicos de aproximação e reconhecimento cultural.

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Maria Carolina Vasconcelos Oliveira1

Apresentação

Este texto apresenta o conteúdo das discussões conduzidas nas mesas e painéis do Seminário Cultura e Formação, realizado no Instituto Itaú Cultural entre 28 e 30 de novembro de 2012. Aqui, a abordagem é, pro-positalmente, mais descritiva do que analítica, já que apresento uma aná-lise transversal dos grandes temas que foram discutidos no Seminário em um texto publicado na Revista do Observatório, edição número 15, destinada ao tema Cultura e Formação2.

O Seminário foi organizado por um grupo de trabalho formado há mais de um ano no instituto, que se propõe a pensar e discutir as formas pe-las quais o Itaú Cultural pode dialogar com outras instituições e com a comunidade para trabalhar com a ideia de formação. O projeto do Seminário, como explicaram os membros do GT (Grupo de Trabalho) durante o evento, era a realização de um panorama geral das discussões que estão sendo conduzidas a respeito do tema cultura e formação em diversas instituições (nacionais e internacionais), para que se pudesse também refletir sobre os posicionamentos do Itaú Cultural. Isso levou o Grupo a levantar iniciativas conduzidas tanto por instituições parecidas com o Itaú Cultural, como por outras organizações da sociedade civil (associações, artistas, produtores etc.), como também por instituições governamentais ou com participação do governo.

O Itaú Cultural reuniu diversas dessas organizações, iniciativas e pessoas em novembro, no Seminário Cultura e Formação. Mais do que somente um espaço para a exposição dos projetos, o evento possibilitou o conví-

2 OLIVEIRA, Maria Carolina Vasconcelos (2013). “Culturas, públi-cos e formação: o que podem ser, na prática?” In. Revista Observatório Itaú Cultural, n. 15, dez. de 2013, p.?.

1 A autora pesquisa e atua na área de cultura. Cursa doutorado em so-ciologia na Universidade de São Paulo, pela qual também é mestre. Con-tato: [email protected]

CULTURA E FORMAÇÃO RELATORIA DO SEMINÁRIO REALIZADO ENTRE 28 E 30 DE NOVEMBRO DE 2012

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vio e a discussão entre esses diferentes atores que se engajam em ques-tões e dificuldades por vezes tão semelhantes.

O Seminário envolveu “desconferências” (grupos de discussão num formato relativamente livre, em que pudemos conversar sobre ques-tões que surgiram da troca de experiências), mesas (organizadas em torno de alguns temas) e painéis (em que foram apresentados alguns casos de instituições/iniciativas culturais e artísticas cuja formação tem bastante centralidade).

Aqui, relataremos as iniciativas apresentadas e discutidas no Seminário, mas mais do que isso, chamaremos a atenção para algumas questões transversais que permearam o encontro.

PROGRAMAÇÃO

A programação aberta ao público do Seminário Cultura e Formação incluía, em casa um dos três dias, uma mesa (com três debatedores e um mediador e organizada em torno de um tema de discussão) e um painel (em que alguns casos e iniciativas específicos eram expostos e discutidos). A programação do evento foi a seguinte:

28 DE NOVEMBRO

mesa Arte e Cultura na Vida das Pessoas

A mesa tem por objetivo refletir sobre o papel da arte e da cultura na formação de indivíduos afinados com valores democráticos. Entre os temas a ser abordados estão a alteridade e a diversidade.  Questão: Como uma formação para a arte pode refletir na qualidade de vida das pessoas?

debatedores Célio Turino (Cultura Viva - SP); Jesus Carillo (Museo Reina Sofía, Espanha); Marcelo Evelin (Núcleo do Dirceu - PI)mediação Ilana Goldenstein (FGV-SP) 

Painel

Afonso Oliveira (Método Canavial - PE); Alexandre Sequeira (Proje-to Fotográfico Mocajuba - PA); Lula Gonzaga (Cinema de Animação - NO e NE); Celso Athayde (CUFA - RJ)

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29 DE NOVEMBRO

mesa Mediação, Formação, Educação

Reflexão sobre mediação, formação e educação em dois eixos: os li-mites e os alcances da educação não formal e sua relação com a edu-cação formal; e os diferentes agentes que, no mundo contemporâneo, realizam trabalho de formação em arte e cultura.  Questões: Qual o papel de formação de um instituto de cultura? O que representam, em agilidade e alcance, os trabalhos de formação realizados por coletivos e organizações não governamentais? Educação formal e educação não formal: interseções possíveis.

debatedores  José Antonio Mac Gregor (Uadec - México); Janaina Melo (Escola do Olhar - MAR - RJ); Francisca Caporali (Ja.Ca - Jar-dim Canadá Centro de Arte e Tecnologia - BH)mediação José Marcio Barros (PUC - MG)

Painel

Marie Ange Bordas (Tecendo Saberes); Andrea Freire (Pontão Guaikuru - MS); Regina Bertola (Ponto de Partida - Barbacena/MG); Jacqueline Baumgratz (Bola de Meia - São José Campos/SP)

 

30 DE NOVEMBRO

mesa Estratégias e Possibilidades

As metodologias para o desenvolvimento de processos educativos que não eliminem a sensibilidade, a liberdade, a criatividade, a curiosidade, o criticismo e a alteridade. Garantir o papel da arte como elemento cen-tral e não coadjuvante nesses processos - prática da educação formal, voltada essencialmente para o desenvolvimento da sociedade tecnoló-gica. Questões: Quais são os modos de trabalho com educação e arte hoje? Como a arte pode ser “ensinada”?

debatedores Carlos Rendon (Museo y Territórios - Colômbia); Fernando Garcia Barros (mARTadero - Cochabamba/BO); Ivana Bentes (ECO-UFRJ)mediação Cibele Rizek (USP São Carlos, Centro de Estudos Direito da Cidadania) 

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Painel

Monica Hoff (Bienal do Mercosul - RS); Gustavo Wanderley (ArteA-ção - Casa da Ribeira/RN); Carol Tokuyo (Universidade Fora do Eixo); Sally Mizrachi (Lugar a Dudas - Colômbia)

Apresentações/discussões

Nesse item, descrevo o conteúdo discutido em cada uma das apresen-tações do Seminário. Optei por não apresentar uma transcrição literal das falas, mas de uma edição realizada a partir dos eixos que considerei mais importantes e recorrentes nas discussões como um todo. É impor-tante pontuar também que essas discussões foram conduzidas no mês de novembro de 2012, então é possível que já tenham ocorrido algumas atualizações nos projetos no decorrer de 2013.

28 DE NOVEMBRO

mesa Arte e Cultura na Vida das Pessoas

mediadora Ilana Goldenstein (FGV-SP)

A mediadora iniciou a mesa apresentando uma diferenciação entre os termos arte e cultura, que, a seu ver, aparecem erroneamente como in-tercambiáveis em diversos momentos.

Para ela, a arte só pode ser pensada dentro de um conjunto mais amplo, o da cultura (universo mais amplo que dá sentido à vida social). Somente uma pequena parcela desse universo é considerada arte. Isso é muito importante para o gestor cultural, que precisa ter clareza do que vão tomar operacionalmente como objeto.

Goldenstein mostrou uma tabela elucidando as principais diferenças en-tre esses dois conceitos. Destaco alguns itens:

• Cultura tem origem coletiva/indeterminada. Arte tem origem em indivíduos e grupos específicos (pressupõe autoria).

• Cultura envolve práticas de longa duração, tradições. Arte é com-posta por conteúdo com grande potencial de risco e ruptura.

• Cultura está difusa em todas as esferas da vida cotidiana. Arte é localizada em tempos e espaços específicos.

• Na cultura, a aprendizagem se dá espontaneamente, internalizada pela socialização. Na arte, o aprendizado requer formação específi-ca e estratégias de mediação.

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• Objetos da cultura são validados pelo consenso. Validade das obras de arte se dá por instâncias de legitimação específicas.

A partir dessa breve reflexão, iniciou o Seminário alertando para a ideia de que formação no campo da arte e formação no campo da cultura são coisas diferentes.

Célio Turino (Cultura Viva - SP)

Turino, que esteve presente na formulação do Programa Cultura Viva na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, apresentou as princi-pais bases dessa política. Ele parte da definição de cultura como cultivo. Cultura é processo, “como na agricultura”. E perguntou: “Como se faz na agricultura? Preparamos a terra, semeamos, acompanhamos o cres-cimento, limpamos o terreno, separamos as ervas daninhas, colhemos as plantas. Com a cultura é a mesma coisa.” Como cultivo, ela depende de exercícios e práticas e de treinamento de percepção.

Ele contou um pouco da experiência do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura, e que Gil pediu para que ele pensasse uma propos-ta de descentralização da política cultural. Primeiro, eles pensaram em pequenos centros culturais, prédios descentralizados. Segundo Turino, a ideia não funcionou, pois estava muito centrada em estrutura física, e “cultura não é estrutura, é vida, pulsação”.

A ideia seguinte foi a de focar naquilo que já existe em cada local: “olhar mais para a potência e menos para a carência”. Para ele, há uma tendên-cia de formular políticas a partir da ausência, da falta e não da potência, dos recursos que os indivíduos já possuem. “São 500 anos de uma ca-beça colonial, em que aprendemos a pensar com a cabeça do outro. Por que não pensar com a própria cabeça?”.

Ele ilustrou seus apontamentos com a história do Sarau do T-bone, que surge a partir do açougueiro Luiz de Brasília que, por gostar de ler, or-ganizou uma pequena biblioteca e começou a fazer um evento. Hoje Ponto de Cultura, os saraus recebem cerca de cinco mil pessoas. Turino insiste na ideia de fomentar iniciativas já existentes como essas, em vez de simplesmente “construir mais uma biblioteca”.

Trata-se, a seu ver, de uma busca por um processo de desenvolvimento mais horizontalizado, que rompa com a tradição iluminista de “iluminar as pessoas, levar algo de fora”. “A gente busca diferente, iluminar o que já existe”. Para que isso se desenvolva, há necessidade de desenvolvi-mento de autonomia e protagonismo, de possibilitar que os indivíduos “falem na primeira pessoa”, algo que não é muito permitido para os mais pobres.

Ele fez uma brincadeira dizendo que a política dos Pontos de Cultura pode ser entendida numa equação: Ponto de cultura = autonomia mais protagonismo elevado à rede; PC= (a+p)r. A partir daí se mobiliza a ética,

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a estética e também a economia. Estrutura-se a economia a partir da cultura e não o contrário, e esse é um ponto bem importante da lógica de funcionamento da política.

Para ele, a questão da identidade precisa ser combinada com a da alte-ridade: é preciso reconhecer sua identidade, mas também reconhecer o outro, para que a identidade não vire fundamentalismo. As políticas públicas voltadas para a carência de certa forma ignoram a identidade.

Jesus Carillo (Museo Reina Sofía, Espanha)

Jesus Carillo propôs uma análise crítica sobre as instituições culturais do seu país, buscando identificar os discursos sobre os quais se fundam. Seu ponto de partida é o de que os museus estão em crise, são objetos anacrônicos e obsoletos. Suas mensagens estão codificadas segundo uma estrutura que não chegam aos sujeitos contemporâneos. Para ele, os museus se converteram numa espécie de “zumbis”, pois já não estão construídos sobre sistemas representacionais plausíveis. Além disso, es-tão cada vez mais fundados em processos de mercado, gentrificação, marketing e turismo.

Como diretor do Reina Sofía, propõe-se a pensar essa instituição a partir de um ponto de vista crítico. Essa crítica se funda numa crença na potên-cia das narrativas, especialmente na arte, como possibilidade de pensar espaços críticos na sociedade.

Coincidentemente, segundo ele, essa preocupação com a crise do mu-seu coincidiu com uma crise maior (do capitalismo) na Espanha. Para Carillo, não se trata de uma crise somente financeira, mas também po-lítica e ideológica, que reflete a transição que começa em 1975 com a morte de Franco e a passagem da ditadura à monarquia parlamentar.

Carillo chamou a atenção para o papel que assumiu a cultura nesse mo-mento de transição. Para ele, a Espanha atual vive uma crise dessa “cultu-ra de transição”: “as instituições da transição não nos representam mais”.

Ele exemplificou contando a história da chegada de Guernica à Espanha, em 1981, justamente no ano em que um general tenta dar o golpe e reverter o processo democrático no país. A arte e a cultura contemporâ-nea tiveram um papel fundamental na construção da “Espanha Moder-na”, que se separava do passado da ditadura. De certa forma, a produção artística também vendia ao exterior uma imagem moderna de Espanha. Para ele, de alguma forma, a rubrica “cultura” trazia um componente “analgésico ou amnésico” para o novo regime político, amolecendo a du-reza da ditadura anterior (é interessante pensar que isso também ocorre, talvez em menor escala, no Brasil dos anos 1980). Em suas palavras, é como se “cultura fosse construída como um antônimo de ditadura”. Nes-se momento, proliferam-se espaços de arte em toda a Espanha.

Por fim, ele colocou: mas como chegar à questão arte e educação/ arte e formação? Ele trouxe o conceito de “virada educativa” ou educatio-nal turn como central. Hoje se vive no imperativo da necessidade de

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atualizar-se diante de experiências cada vez mais complexas do mundo. E essa necessidade também engloba a esfera da arte e da cultura. Para ele, a cultura pode servir como ferramenta pedagógica, uma vez que se relaciona ao desenvolvimento de capacidades cognitivas. Formações em artes dotam os alunos de capacidade para perceber e pensar as dife-renças, em vez de somente reproduzir o sistema dado.

Carillo chamou a atenção para um ponto central: “quando o museu vai entrar no campo da educação deve saber que está entrando num campo alheio. Não porque é o campo dos educadores, mas porque educação pressupõe o outro.” E continuou: “trabalhar com educação supõe o risco de ter que alterar seu projeto original em função do outro. E isso nem sempre é simples para o museu e para os artistas”,

No mesmo sentido, ele finalizou dizendo que “o museu deve abandonar o monopólio da autoridade e da representatividade cultural e aceitar a cultura dos outros. Precisa conceber a si mesmo como um espaço de educação. O museu não ensina, mas nele se pode aprender.”.

Marcelo Evelin (Núcleo do Dirceu - PI)

Marcelo Evelin, dançarino e coreógrafo, apresentou a iniciativa do Nú-cleo do Dirceu, sediado no Bairro do Dirceu, periferia de Teresina.

Em 2005, Evelin, que então trabalhava na Holanda, foi convidado pelo prefeito de Teresina para assumir um teatro no Bairro do Dirceu, a maior periferia da cidade. O local já tinha uma identidade cultural bem forte: o próprio teatro, o Joao Paulo II, havia sido construído a partir das de-mandas dos movimentos dos bairros. Evelin propôs ocupar o teatro com um centro de criação, uma plataforma na qual “se juntassem pessoas e informações”. Ele começou abrindo uma turma de aula, de um curso chamado “Corpo”. Para ele, corpo é também pensamento. E arte é a soma de pensamento e ação.

Ele contou que o curso atraiu artistas, adolescentes, senhoras com problema no corpo; enfim, um grupo bastante heterogêneo. E ele propunha trabalhar “um pouco de tudo”: yoga, corpo, improvisação, discussão. Assim, ele foi conhecendo as pessoas do bairro e criando relações com a população.

Em paralelo, Marcelo Evelin propôs uma programação/curadoria para o teatro, que não existia. Ele conta que não havia programação de arte contemporânea por lá.

Num momento posterior, ele juntou o grupo que frequentava as aulas regularmente, conseguiu algumas bolsas e criou o Núcleo do Dirceu, com 18 artistas, muitos dos quais sem formação nenhuma em artes. Se-manalmente, o grupo apresentava um espetáculo improvisado, chama-do Instantâneo. Essa iniciativa durou três anos e foi assistida por mais de 15 mil pessoas. E o público também começou a participar das improvi-sações. Evelin começou a investir no desenvolvimento daqueles artistas promovendo cursos e discussões.

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A mudança do gestor cultural trouxe alguns problemas políticos para o Núcleo do Dirceu. Segundo Evelin, a nova gestão exigia que o grupo trabalhasse com cultura popular (em vez de dança contemporânea, que havia sido a opção original) e, diante disso, todo o Núcleo pediu demis-são. Após passarem um tempo fora do bairro, conseguiram voltar em um galpão emprestado e chegaram a virar Ponto de Cultura.

O Núcleo do Dirceu ganhou apoio da Petrobrás para o projeto Mil Casas, em que os artistas entram nas casas e realizam performan-ces envolvendo temas ou objetos relacionados à casa. O foco das performances é justamente discutir a relação espectador/artista. Marcelo contou sobre algumas reações dos moradores, como cons-trangimento e até certa resistência inicial. As visitas às casas são documentadas e os moradores decidem com os artistas como será feita a documentação.

O Núcleo do Dirceu, como algumas outras iniciativas apresentadas no Seminário, corre o risco de acabar ou, ao menos, diminuir sua atividade, devido à falta de recursos (em novembro de 2012, eles só tinham recur-sos para manter o espaço por mais alguns meses). 

Painel 28 de novembro

Afonso Oliveira (Método Canavial - PE)

Afonso Oliveira apresentou a história do Método Canavial, uma rede de princípios e metodologias de formação em produção cultural formada na zona da mata pernambucana. O método se estruturou a partir de suas várias experiências como produtor autodidata por 22 anos. Ele re-solveu criar um curso de produção em 1998 em que participavam pesso-as que nunca tinham elaborado um projeto, mas que, no entanto, tinham interesse em produzir sua própria cultura. Tal iniciativa se deu na região da zona da mata, no norte de Pernambuco, cuja a economia é 90% ba-seada em atividades relacionadas à cana de açúcar.

O Canavial é hoje um Movimento que inclui diversas iniciativas. Segun-do Afonso, um dos alicerces do desenvolvimento do movimento foi o programa Cultura Viva (e continua sendo, já que dez dos alunos que se formaram no método hoje são Pontos de Cultura).

O curso, que tem como foco a capacitação para a produção cultural e a elaboração de projetos, tem duração de um ano (antes eram cinco meses). Afonso apontou que muitos alunos caminham por quilômetros para chegar às aulas. Os alunos do curso começaram a trabalhar no Engenho Santa Fé, uma agência de projetos culturais que hoje é Pon-tão de Cultura Canavial. A Agência de Projetos Culturais, um tipo de incubadora, é a única agência desse tipo no Brasil. O produtor fica lá pelo tempo que for necessário para fazer o seu projeto. E sai com boas condições para propor o projeto para um edital (Afonso contou que na última edição do edital FunCultura de Pernambuco, uma aluna dele de 65 anos teve seu projeto aprovado).

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Em outro engenho, o Poço Comprido, foi construída a Escola de Cul-tura Canavial. Afonso fez um paralelo com a usina de açúcar, que é a referência da maior parte dos alunos: ele diz que os espaços são Usinas Culturais, em que a matéria prima é o saber dos mestres e artistas. Den-tro do curso, eles organizam grupos de pesquisa e projetos, priorizando o trabalho coletivo.

Como resultado, ele lista quatro cursos, 76 produtores culturais formados, 42 produtores inseridos no mercado, R$ 9,2 milhões em projetos aprovados, executados ou em execução. A maior parte dos projetos está ligada aos maracatus rurais, cocos e cavalos marinhos. É interessante pensar que essa iniciativa “dá voz” e coloca em cena produtores que nunca haviam elaborado um projeto antes. Determi-nante no método é a prerrogativa de que a administração dos meios de produção cultural deve estar nas mãos dos produtores culturais locais. Eles mesmos devem se capacitar para administrar, organizar, produzir, escrever, ou seja, ter os meios de produção da cultura de sua localidade. Hoje, por exemplo, eles têm uma rádio e outros meios de comunicação próprios, também já têm um hotel para receber vi-sitantes e interessados.

Afonso chamou a atenção para a importância da prática: é preciso exer-citar, “é muito exercício para aprender a fazer os projetos”. Hoje, alguns alunos já vivem de projetos. Ele apresentou o exemplo de um aluno que já produziu Emílio Santiago no Rio de Janeiro: “Imagina o cara sair da Zona da Mata e produzir Emílio Santiago no Rio de Janeiro?”.

Afonso tem uma longa experiência como produtor cultural, mas contou que antes ele “tinha que contratar produtores de São Paulo e do Rio de Janeiro para falar sobre a cultura da terra dele”, o que, segundo ele, agora não é mais necessário. Ele enfatizou um aspecto bem importante: que esse tipo de iniciativa não é “projeto social”, mas sim a “economia criativa” de que tanto se fala.

Alexandre Sequeira (Nazaré do Mocajuba - PA)

Alexandre trouxe sua experiência junto aos moradores de Nazaré do Mocajuba, um pequeno vilarejo localizado na beira do Rio Mocajuba, próximo à Belém do Pará.

Seu projeto foi motivado pela “paixão” por esse local. Ele ganhou um edital de fotografia com um projeto em que se propunha a fazer um trabalho no vilarejo, mas ainda não sabia muito bem o que seria. Então começou a conviver com os habitantes, participar de festas, atividades, sair para pescar, retratar festas (como a festa dos mortos), até que, aos poucos, foi sendo acolhido pelos moradores.

Numa ocasião, quando todos já o conheciam e sabiam da sua condição de fotógrafo, uma senhora pediu que ele fizesse uma foto sua para um documento ( já que ele “sempre estava com a câmera”). Ele fez, revelou em Belém e entregou a ela. A partir desse dia, começaram a surgir vários

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pedidos de fotografia, de um parente, do casal, dos filhos... E ele se deu conta de que muitas pessoas de lá nunca tinham se visto numa imagem. Alexandre ficou um pouco encantado com a altivez com que as pessoas se colocavam diante da câmera: “armam o peito e fuzilam o fotógrafo com o olhar”.

Começou, então, a exercer esse papel de “o retratista” da vila, sem nun-ca propor a foto. Ele esperava os moradores pedirem e clicava. Para entregar as encomendas, ele fazia um viral e pendurava os retratos com o nome das pessoas, como se fosse uma exposição. E toda a vila vinha ver, mexer etc.

Com o tempo, as pessoas começaram a pedir também para que ele res-taurasse fotos que estavam se estragando. A partir de disso, ele come-çou a trabalhar com a memória da vila.

Alexandre contou que sempre olhava com curiosidade para alguns tecidos que havia na casa das pessoas, como cortinas, lençóis e ou-tros tipos que eram utilizados para os mais diversos fins. E achava os panos “parecidos com seus donos moradores”. Teve assim a ideia de pedir esses tecidos para os moradores, propondo-se trocá-los por novos. Interessados, os próprios moradores passaram a “oferecer” seus panos para ele.

Surgiu assim a ideia de imprimir as pessoas em tamanho real sobre os seus próprios tecidos e esse foi o trabalho resultante da sua vivência na vila. Ele expôs o trabalho pela primeira vez em Nazaré do Mocajuba, depois em Belém e em diversos outros locais do mundo. Os objetos--imagens “originais” impressos nos panos foram dados a cada morador, para que colocassem onde quisessem em suas casas. Ele então fotogra-fou os objetos in loco e organizou uma exposição com essas fotos que também já circulou o mundo.

Hoje, quando as imagens são vendidas, metade do valor fica com ele e metade vai para a vila para que os moradores decidam o que fazer com o dinheiro.

Lula Gonzaga (Ponto de Cultura Cinema de Animação Gravatá - PE)

Lula contou a experiência do Ponto de Cultura Cinema de Animação, em Gravatá -PE. Ele começou sua fala apresentando a animação O Trambolho, realizada em uma das oficinas.

O Ponto de Cultura tem duas ações principais: o Cinema na Praça, um projeto de exibição itinerante de filmes nacionais com animação (proje-to que antes era da Prefeitura de Olinda) e o Cine Anima (uma oficina de animação).

Em relação ao Cinema na Praça, Lula apontou que os moradores das co-munidades decidem em que praça será a projeção; eles próprios levam as cadeiras, distribuem os folhetinhos e palpitam na escolha do filme. Segundo ele, “é por isso que eles vão!”. Já foram realizadas sessões para

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diversas comunidades, incluindo assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras), quilombolas e tribos indígenas.

Em relação às oficinas, Lula contou que muitos dos ex-alunos são “pro-fissionais”, já realizam curtas como cineastas, animam para games, entre outras ocupações.

Lula Gonzaga, assim como muitos de seus alunos, conta que nas-ceu numa família pobre e começou a trabalhar numa feira com o tio. Quando fez 15 anos, conseguiu entrar pela primeira vez em um cine-ma de bairro e decidiu trabalhar com isso. Aos 18, arrumou uma ca-rona para o Rio de Janeiro e começou a procurar espaço no mercado de cinema da cidade. Conseguiu entrar numa produtora de cinema numa função bem simples, limpando acetato, mas ficava na produtora durante a noite toda, aprendendo a fazer animação com a ajuda de alguns colegas.

Ele disse que desde 1979, ainda no Rio, tinha em mente o projeto de voltar a Pernambuco para trabalhar com a animação em escolas públicas das comunidades. Em 2005, quando surgiu o Cultura Viva, teve o proje-to aprovado no primeiro edital.

Nas oficinas, trabalha-se uma animação bem artesanal, que valoriza tra-ços como o da xilogravura e da literatura de cordel.

Celso Athayde (Cufa – Central Única de Favelas - RJ)

Celso Athayde, para falar sobre o surgimento da Cufa, contou sua pró-pria trajetória. Membro de uma família pobre da baixada fluminense, foi morar na rua com o irmão e com a mãe, que saiu de casa. Após sete anos morando na rua, aos 16, ele “foi ser feliz e morar numa favela”. A favela para ele constitui-se então como um “espaço de felicidade, pois era bem melhor que na rua”.

Contou ainda que por volta dos 16 anos chegou a se envolver com tráfi-co e, curiosamente, o traficante chefe era comunista e o presenteou com Guerra e Paz, dizendo: “não quero bandido burro aqui”.

Ele também disse que a mãe queria que ele fosse borracheiro. E quan-do o livro que escreveu Falcão, meninos do tráfico se transformou em best-seller, sua mãe “não acreditou” que tinha sido ele que havia escrito. Passou então a trabalhar com rap, com os Racionais MCs e com o MV Bill.

Athayde contou que eles “queriam mudar o mundo e fazer uma revo-lução, mas não faziam nada”. “Eu queria ser comunista, mas não sabia explicar o que era isso”. Passou a achar que “era muito discurso e pouca prática”. “Como discutir com o asfalto, como criar uma ponte entre o asfalto e a favela?”.

Nessa época, ele era camelô em Madureira e se juntou a outros amigos para fazer reuniões: “as reuniões eram basicamente para poder marcar a

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próxima reunião, a gente não sabia o que falar!”. Depois eles começaram a chamar pessoas para falar nessas reuniões, sobre cinema, energia nu-clear, entre outros temas. A quantidade de público presente o fez per-ceber que várias pessoas tinham informação, mas não tinham um espaço para trocar essas informações.

Athayde notou assim que “quando o homem do asfalto chega na favela diz: você conhece Vivaldi, Mozart? Não? Então você não é culto”. E co-menta: “nada que o asfalto não legitime é ‘cultura’. E quando vira ‘cultura’, não pode ser da favela.”

Foi a partir dessas reuniões que começaram a se organizar para produzir eventos e ações, dando origem à Central Única de Favelas (Cufa) – que se iniciou formalmente há dez anos, mas na prática existe há cerca de 15.

A Cufa, hoje uma organização amplamente conhecida no Brasil e no mundo, promove diversas atividades culturais principalmente relaciona-das ao movimento do hip hop (mas não só). Além de realizar produções culturais e esportivas (eventos), a Cufa promove cursos e oficinas (como de DJ, dança de rua, Graffiti, basquete de rua, skate, informática, gas-tronomia). Hoje também têm quatro programas de TV e presença em diversos estados. Além disso, ganham cada vez mais projeção e desta-que internacional, inclusive em organizações como a Unesco e a LSE (London School of Economics).

Athayde finalizou a fala mostrando um vídeo sobre a atuação da Cufa.

29 DE NOVEMBRO

mesa Mediação, Formação, Educação

José Marcio Barros (PUC - MG)

O mediador iniciou a mesa chamando a atenção para o fato de que a mediação não pode ser reduzida a um processo de facilitação da com-preensão de uns sobre outros, numa lógica linear. Ao contrário, trata-se de um processo circular: é importante ter em mente que a mensagem flui tanto de um lado como de outro.

Lembrou também que a mediação não é algo “natural” e sim resultado de uma intencionalidade. Nem tudo aquilo que fazemos ou falamos para alguém é uma ação mediadora. E a educação formal não é o único espa-ço possível para que ocorram iniciativas de mediação.

José Márcio também sugeriu que pensemos a mediação como um lugar de cultivo e não só de colheita. Ou seja, lugar em que as relações de comunicação precisam ser construídas.

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Nessa direção, ele argumentou que os “mediadores” são, na verdade, todos os atores da prática cultural, incluindo o próprio público (não so-mente os “formadores”).

José Antonio Mac Gregor (Instituto Municipal de Cultura de Que-rétaro - México)

José Mac Gregor iniciou sua apresentação contando sobre sua trajetó-ria: trabalhou durante 20 anos no Consejo Nacional para la Cultura y las Artes do México e depois atuou como promotor cultural independente na associação Praxis (cuja atuação se inspira nos princípios de Paulo Frei-re, que concebe a gestão cultural como prática de liberdade, como um eixo educativo não formal e como meio de diálogo).

Nos últimos anos, o México foi invadido pela violência relacionada ao narcotráfico. Mac Gregor indagou: como a cultura pode ajudar a responder aos grandes problemas relacionados à violência? Ele con-tou que desenhou um projeto de gestão cultural para a paz e a res-tauração do tecido social. Da primeira vez que apresentou o projeto ao município de Querétaro, obteve a resposta de que “aquilo não era cultura, cultura é quando se organizam festivais, se publicam livros”. Algum tempo depois, uma verdadeira guerra desatou em Tamaulipas, devido à disputa de duas organizações de narcotráfico. Segundo ele, a violência no local aumentou em 1200%. Foi aí que o seu projeto de cultura para a paz foi aceito pela primeira vez. Posteriormente, ele foi convidado para ser diretor do Instituto de Cultura de Querétaro (o que corresponde a um cargo de Secretário Municipal de Cultura, po-sição que ele ocupa hoje).

O foco da sua atuação está na relação cultura e violência. Mac Gregor explicitou seu pressuposto: antes que o jovem pratique a violência, ele próprio foi vítima de várias violências, como falta de acesso à saúde, dis-criminação, preconceito com tatuagens e roupas, desintegração familiar. Ele também notou que o conceito de “comunidade” já não existe no imaginário desses jovens que vivem em ambientes de vulnerabilidade social: eles estão vivendo cada vez mais sozinhos, mesmo que estejam conectados. A ausência de “comunidade” desencadeia um problema de identidade. E ele constatou: “e o que organizações criminosas relaciona-das ao narcotráfico oferecem aos jovens? Justamente uma identidade”. Por isso a situação é bastante grave.

Em relação aos pressupostos de ação e às estratégias de mediação, Mac Gregor, seguindo Paulo Freire, enxerga que a gestão cultural deve ser uma prática de liberdade e que a educação libertária reside na práxis. Ele também traz uma consideração bem importante sobre o mediador. Diz: “o mediador não é uma pessoa, é um projeto”. E esse projeto é um processo: é diálogo. A palavra precisa “atravessar”, ou seja, precisa ser estabelecido diálogo entre o promotor cultural e os grupos.

Ele definiu a “gestão cultural para a paz” como “uma práxis coletiva e permanente para construir condições adequadas”. Não se trata de

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“criar cultura”, mas de criar condições para que a comunidade possa decidir o que fazer com a cultura. Isso pressupõe abrir espaços para a convivência comunitária. Na construção desses espaços estão as oportunidades de recuperação e fortalecimento do tecido social. O objetivo principal da gestão cultural para a paz, para ele, é o de for-talecer a identidade e o sentido de pertencimento. Trata-se, em suas palavras, de um projeto de vinculação de um passado com um futuro: possibilitar que o indivíduo “se sinta parte de algo que seja digno de se viver”.

Ainda mantendo o foco na questão da identidade, ele declarou: “cultura é memória e um povo com Alzheimer não sabe de onde veio e para onde vai”. Trabalhar a identidade também pressupõe recuperar e dar sentido à memória. Destacou também a importância de promover a di-versidade cultural em todos os sentidos, incluindo as minorias, a terceira Idade, os migrantes e também os ditos “jovens criminalizados”.

Mac Gregor afirmou que no Instituto de Cultura de Querétaro o ob-jetivo principal da gestão é o de garantir aos habitantes o exercício de seus direitos culturais, como enunciados na Declaração de Friburgo, da Unesco. Desse ponto de partida, decorrem quatro eixos de atuação:

• Criação de uma rede para desenvolvimento comunitário, forma-da por coletivos. Essa rede não é só da pasta Cultura e envolve também participação das pastas de Saúde, Esporte, Juventude e Segurança Pública (segundo ele, há até espaço para a polícia);

• criação de coletivos comunitários integrados por jovens promoto-res culturais;

• criação de núcleos de animação vicinal, formados pela aglomera-ção de coletivos comunitários. Os vizinhos se organizam e dizem para a gestão o que é preciso “trazer”;

• criação de pontos comunitários (inspirados nos Pontos de Cultura) a partir da aglomeração dos núcleos de animação vicinal. São espa-ços de convivência, expressão, diálogo e participação social.

Ele citou o escritor Carlos Fuentes: a identidade é o que somos agora. Desde os anos 1980, a Unesco e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento discutem a associação entre cultura, identidade e desenvolvimento. A cultura não é mais vista como um fim em si mes-mo, mas como uma ferramenta para o desenvolvimento. E a liberdade cultural é central nessa ligação entre cultura e desenvolvimento. Ela significa o direito do indivíduo de escolher as identidades (no plural) que quer viver: territoriais, sexuais, políticas etc. A identidade é algo “que um vai construindo com o outro e vai decidindo o que quer para si mesmo”.

Por isso, todas as ações desencadeadas pelo Instituto sustentam-se em processos participativos. Ele exemplificou que havia um teatro na cidade e, antigamente, o diretor geral decidia a programação; na atual gestão, quem decide a programação de música são os músicos, quem decide a

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de teatro são atores. Coube a ele apenas estabelecer as regras como, por exemplo, que haja espaço para grandes nomes, para novos nomes, para experimentalismos.

A equipe de Desarollo Cultural de Mac Gregor é formada por ex--alunos da universidade em que ele ministrava aula. Esses alunos foram às comunidades mais periféricas para buscar pessoas que já eram líderes culturais desses locais. Ofereciam então um curso de formação para esses agentes, que se tornariam formadores. Trata--se de uma formação prática para a organização do espaço público, um curso com 30 ou 40 horas de duração, mas que, segundo Mac Gregor, “é permanente”, pois os agentes se conectam em redes e seguem trocando experiências. Ele enxerga a própria formação de gestores culturais como uma práxis cultural. Esses agentes formados, posteriormente, incumbem-se então de formar coletivos e núcleos vicinais em seus contextos.

Outro objetivo do Instituto é oferecer aos jovens opções de atuação profissional, o que é feito a partir do oferecimento de oficinas e do es-tímulo para que os jovens formem os coletivos. Esses mesmos jovens (promotores e coletivos) viram professores das oficinas depois.

Ele também citou como exemplo uma iniciativa de Ciudad Victoria (na região mais violenta do Estado de Tamaulipas), o Disk 834 - Resgate Cultural. Os responsáveis pela iniciativa saem às ruas fazendo barulho para que as famílias voltem ao espaço público. Passam de casa em casa chamando as pessoas e organizando os eventos nas ruas a partir das ferramentas que possuem, sem “contratar” ninguém.

Janaína Melo (MAR – RJ)

Janaína, que já havia feito parte da equipe da área educativa do Instituto Inhotim, agora coordena a Escola do Olhar, do Museu de Arte do Rio de Janeiro, inaugurado no início de 2013.

Ela iniciou sua apresentação pontuando que “acesso, diálogo, autonomia e experiência são centrais para que se pense a prática educativa no âm-bito das instituições de arte” (ela traz referências de teóricos como Paulo Freire, Barthes, Rancière, Dewey e de artistas como Chris Burden).

Janaína Melo baseia-se fortemente na ideia de que, num museu, o pro-jeto curatorial e o projeto educativo precisam ser indissociáveis e não pode haver hierarquia entre ambos. Ela apresentou o projeto do MAR focando na Escola do Olhar, o braço educativo da instituição.

Para ela, o educador no museu precisa ser um “elemento perturbador”. Precisa construir um ambiente naquele espaço-tempo específico para suscitar ideias na cabeça de quem vê o que está exposto. Trabalhar no processo educativo implica em construir o espaço do museu como um ambiente que suscite essas ideias.

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Em relação à arquitetura, o projeto do MAR foi pensado para integrar dois edifícios, o do pavilhão de exposições e o da Escola do Olhar. A ideia é formar um complexo único e interligado: “museu com escola do lado ou escola com museu do lado?”. A entrada de todos os visitantes será pelo prédio da Escola do Olhar, para que sua primeira relação seja justamente com o espaço educativo.

O MAR foi implementado na zona portuária do Rio de Janeiro, que está passando por um processo de reestruturação (ou revitalização). A instituição, segundo ela, “precisa instaurar um diálogo com todo esse território”. A própria localização do museu, segundo ela, traz a experiência do trânsito: porto, rodoviária (a antiga rodoviária era lá). Ela metaforizou a rodoviária como uma plataforma onde se está e se convive com o outro. O projeto arquitetônico é pensado para ser não só acessível, mas também acessado; e ele pode ser repensado a partir do acesso do outro.

A equipe do MAR conduziu, em 2012, antes da abertura do museu para o público, rodas de conversação com as comunidades para dis-cutir o que as pessoas esperavam do museu. Nessas rodas, eles apre-sentavam a matriz e o programa e conversavam sobre o que poderiam fazer juntos. Eles também se reuniram com professores e mediadores (por exemplo, professores de artes visuais da rede pública e da univer-sidade) para pensar que tipos de ações poderiam ser conduzidas no espaço do museu.

A Escola do Olhar foi pensada a partir de algumas linhas de ação, que incluem: a experiência de viver na cidade, a interação entre arte e educa-ção, as práticas de mediação, a pesquisa entre território e relações histó-ricas (especialmente na zona portuária do Rio de Janeiro).

A programação do museu conta com exposições temporárias (incluindo visitas educativas), programas destinados a jovens artistas, programa de formação de professores, parcerias com as universidades, programas de recepção, programa de formação continuada de educadores/ mediado-res. Além disso, há um programa destinado a interagir com os vizinhos do MAR, a comunidade do entorno.

Interessante que, ao comentar sobre a programação e o acervo do MAR, Janaína mencionou que é sempre importante se colocar a questão: “ex-posição para que?” Ela defende que sempre vale a pena a instituição se colocar essa provocação: “para que se gasta milhões para fazer uma exposição?” Para ela, a exposição deve ser uma plataforma aberta para essas indagações, e o trabalho educativo serve justamente para levantar essas questões. Por isso, é impossível pensar o projeto curatorial separa-do do projeto educativo.

Francisca Caporali (Ja.Ca Centro de Arte e Tecnologia - MG)

O Ja.Ca Centro de Arte e Tecnologia nasceu da inquietação de seus fundadores (dentre eles Francisca Caporali), de aproximar o fazer artís-tico do cotidiano das pessoas.

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O Ja.Ca foi inaugurado em 2010, com uma convocatória de residência artística baseada numa definição bem aberta de arte e tecnologia que, no entanto, estabelecia que os projetos deveriam dialogar com o entor-no. O espaço do Ja.Ca era um galpão, com espaço expositivo no andar de baixo e residência e área de trabalho no andar de cima.

O galpão, bastante contemporâneo, estava localizado na cidade de Nova Lima (pertencente à região metropolitana de Belo Horizonte), uma área de preservação. Segundo Francisca, o bairro em que se en-contrava o Ja.Ca era distante do centro de Nova Lima, “encravado entre a rodovia, uma mineração e um parque”, além de sediar alguns condomínios de luxo. A partir dos anos 1980, o bairro começa a ser ocupado (de forma pouco organizada) pelos trabalhadores desses condomínios. As famílias foram subdividindo os terrenos, de modo que hoje são várias casas em cada um deles. E, além disso, algumas indústrias também começaram a se instaurar no local. Esse bairro, se-gundo Francisca, tinha um “problema de identidade”: fica na saída de Belo Horizonte, mas longe do centro de Nova Lima. “Então você sai de BH e vê a placa: volte sempre. E não chega a lugar nenhum, chega a esse bairro que não é “nada””.

As residências do Ja.Ca tem uma proposta de interação com o entor-no que também é bem aberta. Segundo ela, os artistas podem tudo: gramar a rua na frente do Ja.Ca, plantar um jardim, estabelecer diálogo com a comunidade. Francisca contou como esse último ponto foi mais demorado, porque os moradores da região tinham certa resistência. Ela disse que ouvia depoimentos do tipo: “ah não, vocês estão vindo estudar a gente de novo?”. A relação com eles, portanto, foi se construindo aos poucos. Ela trouxe o exemplo da artista residente Fabiana Faleiros que, ao perceber que a região abrigava vários galpões que eram alugados para festas luxuosíssimas, resolveu promover a festa do Jardim Canadá, chamando todo o bairro e incluindo nas “atrações” itens como o movi-mento hip hop da região.

Francisca mencionou uma parceria do Ja.Ca com a faculdade de Ar-quitetura da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) num projeto de desenvolvimento sustentável e empreendedorismo social chamado deseja.ca. Inicialmente, eles trouxeram ao centro arquitetos que trabalhavam na fronteira entre arte e arquitetura e fizeram vários seminários abertos. Reuniam-se com a comunidade e pensavam jun-tos o que eles poderiam oferecer. Mapearam atividades culturais que existiam no bairro, centros comunitários, as tipologias das fachadas de casas e o local onde as pessoas moram etc. (descobriram, por exemplo, que o Ja.Ca ficava um pouco distante para que os moradores do bairro frequentassem). Propuseram também diversos workshops dos quais a população participava.

O deseja.ca fez uma parceria com a associação comunitária do Jardim Canadá e ambos colocaram em prática um brechó de material de cons-truções ( já que na região há muitas construções e empresas desses ma-teriais). A partir dos resíduos trocados, eles passaram a fazer algumas obras, com os arquitetos/artistas em parceria com a comunidade.

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Além disso, a escola de arquitetura oferece uma disciplina no Ja.Ca na qual os alunos são deslocados para trabalhar lá. A primeira disciplina ofe-recida foi um reconhecimento dos tipos de resíduos existentes no local. Depois, no segundo semestre, os alunos mapearam as possíveis solu-ções/construções criativas a partir daqueles resíduos: lixeira, postes, cer-ca para as casas, ponto de ônibus etc. Francisca contou que as próprias pessoas da comunidade passaram a procurá-los: “eu preciso fazer um banco para a minha casa…”. E começaram a propor oficinas de marce-naria, por exemplo. Esse projeto de intervenção no entorno incluiu até a reforma da casa de uma moradora (que era faxineira do Ja.Ca), realizada em colaboração com os parentes dela. Francisca enfatizou como esses moradores ficavam orgulhosos de participar dos processos de decisão sobre a obra, contando como eles resolveriam determinado problema ou como fariam determinadas etapas.

Infelizmente, as melhorias que o Ja.Ca ajudou a trazer para o local resul-taram em um problema para o próprio projeto: o entorno foi asfaltado, um shopping será construído na região e o preço do aluguel do galpão quadruplicou. O resultado foi a saída do Ja.Ca do galpão. Francisca declarou, no Seminário, que eles estavam à procura de outro local para se instalar.

Como diversos projetos encabeçados pela sociedade civil, esse tam-bém encontrou problemas de financiamento. O Ja.Ca foi financiado pela Lei Rouanet durante o primeiro ano, mas como eram poucas pessoas, não foi possível se dividir para tocar um projeto enquanto outro era preparado para o ano seguinte. Por esse motivo, passaram o ano de 2011 sem verba, tendo as despesas pagas com recursos dos próprios dos fundadores (apenas os bolsistas da UFMG eram remu-nerados). Em 2012, eles conseguiram captar algum financiamento e as empresas locais ajudaram com doação de material para as oficinas e trabalhos. Além disso, passaram a prestar serviços: os alunos ajudaram em montagem de exposições, por exemplo. Para 2013, conseguiram algum recurso por lei de incentivo estadual, ganharam um projeto Fu-narte, ainda que em outra cidade e seguem em busca de parcerias com empresas locais.

Painel 29 de novembro

Marie Ange Bordas (Projeto Deslocamentos/ Projeto Tecendo Saberes)

Marie Ange Bordas é artista visual e jornalista, desenvolve projetos jun-to a grupos de refugiados e indígenas. Ela propõe uma concepção do artista como mediador, como um articulador político, tendo em vista o “potencial subversivo e transformador da arte”.

Marie Ange propõe um jogo entre as palavras formação, informação e transformação. Contou que, em dado momento, quis mudar o foco de sua carreira como jornalista para ter uma ação mais transformadora. Sem ter tido formação acadêmica em arte, a partir vivenciadas próprias experiências, conseguiu desenvolver uma metodologia de trabalho ar-

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tístico que, segundo ela, é bastante libertária: a de pensar o artista como agente provocador.

A artista falou de alguns de seus projetos, como Deslocamentos, em que trabalhou com a questão da imigração e dos refugiados. O foco no tema residências desencadeou reflexão poética sobre os deslocamentos. Ma-rie Ange trabalhou com crianças de comunidades refugiadas que, nas oficinas de criação, exercitavam suas memórias sobre “casa”. Também fez uma parceria com artistas congoleses instalados em Joanesburgo, pro-pondo reflexões sobre esse mesmo tema. Ela contou como o processo todo foi pautado por uma rica troca de repertórios: ela apresentava o dela e os outros artistas ou participantes das oficinas apresentavam seus próprios universos.

Depois dessa experiência na África do Sul, partiu para o Quênia para dar oficinas de participação visual num campo de refugiados Como resul-tado dessa vivência, os participantes criaram uma fotonovela e algumas cartas visuais. O mesmo projeto também foi desenvolvido emum alber-gue de refugiados políticos na França.

O objetivo da atuação de Marie Ange é “criar espaço de diálogos para que as pessoas possam falar sobre suas vidas”. Ela trabalha com um con-ceito de empoderamento visual, ou seja, apresentar as técnicas audiovi-suais como ferramentas para que as pessoas pensem e expressem suas próprias situações e questões.

A artista e jornalista também desenvolve o projeto Tecendo Saberes, jun-to a comunidades tradicionais brasileiras. O foco é tratar a tradição a partir do ponto de vista das crianças. Como produto, o projeto propõe o desenvolvimento de livros que apresentem os saberes pautados pelos pontos de vista da própria comunidade, com objetivo de de serem distri-buídos ou comercializados.

Andrea Freire (Pontão Guaikuru – MS)

Nascida na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, Andrea se formou como atriz no Rio de Janeiro e iniciou seu trabalho no teatro por lá. Algum tempo depois, decidiu voltar para o Mato Grosso do Sul, pois queria colaborar para o crescimento da cena teatral do seu lugar de origem.

Ela deu início a um projeto de formação em teatro a partir de cursos livres. Em parceria com outros artistas, fundou uma associação para cria-ção teatral, que logo começou a despontar como referência no MS.

Em 2007, eles se formalizaram como Pontão de Cultura Guaikuru (com sede em Campo Grande) e a partir daí começaram a integrar outras linguagens, como o audiovisual, a fotografia e a música. Sempre com o mesmo objetivo de formação, que visava a capacitação, o fomento à produção e o acesso ao teatro e a outras linguagens artísticas (eles também têm ênfase nas culturas populares).

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O Pontão Guaikuru é um centro de convergência que articula diver-sos outros pontos de cultura e grupos da região (por exemplo, eles fomentam núcleos de produção teatral em algumas cidades próximas a Campo Grande). Andrea contou que já é possível observar um “empoderamento” dos grupos que começam a mostrar protagonismo, pensando em como conseguir os próprios recursos, como entrar em editais etc.

Destaca-se também a atuação desenvolvida junto aos povos guaranis (a frente Ava Marandu), que inclui o desenvolvimento de uma mostra de produção audiovisual indígena (feita por indígenas ou com temática in-dígena), além de diversas outras ações contemplando direitos dos povos indígenas, como eventos, oficinas de vídeo e fotografia e ação cultural nas escolas. O Pontão também tem um papel importante de colocar a cultura e os direitos dos guaranis no centro dos debates da sociedade do Mato Grosso que, segundo Andrea, é um dos lugares do mundo em que eles são mais mal tratados.

À época do Seminário, o Pontão estava sem uma sede física, mas ainda assim as atividades estavam sendo conduzidas.

Regina Bertola (Grupo Ponto de Partida - MG)

Regina é diretora e fundadora do Grupo Ponto de Partida que atua em Barbacena, MG, há 32 anos.

À época da fundação do grupo (ainda em tempos da Ditadura Militar), Barbacena “não tinha nada, nem time de futebol”, como contou Regina. Ela tinha uma escola de educação infantil em que a arte era um eixo central. E percebia que os moradores viajavam para o Rio de Janeiro ou para São Paulo recorrentemente para assistir a eventos culturais. A partir dessa percepção, ela e um grupo de colegas optaram por “fazer acontecer” tais eventos em sua própria cidade. Ela informou que o Ponto de Partida não tem esse nome por acaso, eles realmente significaram um ponto de partida na vida cultural da cidade.

A primeira ação planejada no âmbito do novo grupo foi a de formação de público: “as pessoas precisavam ter necessidade da arte”. Sendo as-sim, eles desenharam um projeto para “levar a Barbacena o melhor do que acontecia no Brasil”: peças de teatros, shows de música, palestras com intelectuais e outros eventos. Regina contou que eles vendiam os ingressos de mão em mão, fazendo ofertas do tipo “se você gostar, você paga depois”, o que, segundo ela, possibilitou que criassem uma “fre-guesia cultural”.

Depois de um tempo trabalhando nessas ações, Regina montou um es-petáculo de teatro de encerramento de escola. Ocorreu que um produ-tor cultural já consolidado assistiu ao espetáculo, gostou e propôs que fosse levado para um festival em Belo Horizonte. Para Regina “foi um sucesso”, porque apresentaram o trabalho no Palácio das Artes, onde nenhum espetáculo teatral infantil havia sido apresentado antes.

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Num outro momento, eles perceberam que tinham necessidade de aprender e de ter uma formação mais técnica. Todo o dinheiro que o grupo ganhava passou a ser gasto para levar outros artistas a Bar-bacena a fim de formá-los. Assim, o grupo se preparou para atuar em diversas frentes: os atores sabem fazer montagem técnica, ou-tro grupo se especializou em fazer projetos, vender espetáculo etc. Tornaram-se totalmente independentes e nunca contrataram um téc-nico, executando desde a redação do texto até o relatório final dos projetos que realizam.

Nesse momento, o grupo decidiu que jamais sairia de Barbacena, que se recusaria a ter que ir para a “vitrine” (São Paulo e Rio de Janeiro) para fazer sucesso. Decidiram que iriam ter uma obra tão consistente que não precisariam se deslocar para esse eixo. E decidiram também que trabalhariam com enfoque na cultura brasileira, pesquisando refe-rências desse universo. Regina declarou: “o Ponto de Partida não monta Shakespeare não é porque não sabe, é porque não quer. A gente quer falar Guimarães Rosa, que é tão difícil quanto”. Com a mesma ousa-dia, ela proclama: “a gente não aspira Minas ou o Rio ou o Brasil, mas o mundo. A gente se inventou um grupo de teatro trabalhando com cultura brasileira.” A partir da decisão de pesquisar temas da cultura bra-sileira, tiveram que inserir em sua formação a música e a dança, muito ligadas às nossas tradições.

Regina acredita que “a beleza por si só é transformadora”, e que “a arte por si só abre espaços para a transformação, porque é capaz de comover.”.

Por fim, Regina contou um pouco do projeto Bituca Universidade de Música Popular. O Ponto de Partida foi desenvolver um trabalho na região de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, que é bastante pobre. O foco era trabalhar a partir do que os habitantes do local possuíam e não a partir do que eles não possuíam e, dessa forma, foi criado o Coro de Meninos de Araçuaí, com quem eles gravaram um primeiro disco. Depois disso, o Ponto de Partida resolveu continuar a parce-ria e gravaram outros discos, um deles com a participação de Milton Nascimento. Também conseguiram levar o Coro para Paris e outros lugares do mundo.

Devido ao projeto com os meninos de Araçuaí, foi criada uma escola pro-fissionalizante chamada Bituca Universidade de Música Popular, que ensina música a partir de uma metodologia desenvolvida pelo Ponto de Partida.

O Grupo Ponto de Partida está ligado a mais de 350 pessoas, entre be-neficiários e parceiros (só os alunos da Bituca são 190).

Jaqueline Baumgratz (Cia Cultural e Pontão de Cultura Bola de Meia - SP)

O Pontão Bola de Meia está sediado em São José dos Campos e tra-balha com a ludicidade, principalmente na forma em que aparece em manifestações tradicionais (como tambores, congadas e folias de reis, por exemplo).

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Eles buscam construir pontes entre mestres e crianças, partindo da ideia de que são as crianças que vão continuar as tradições. O foco das ativi-dades está sempre na maneira como as crianças vivenciam as tradições. Os parceiros do Pontão Bola de Meia são diversos outros pontinhos de cultura que trabalham com a cultura das crianças. Eles fazem intercâm-bio com esses pontos, levam e trazem oficinas, que apostam principal-mente em brincadeiras (como rodas) e jogos transmitidos por tradição oral. Jaqueline contou que a equipe do Bola de Meia viajou por um ano e meio por vários Pontos de Cultura do Brasil para conhecer como as crianças brincam.

Explicou ainda que as crianças vão para o Bola de Meia nos horários em que não estão em aula, e lá conseguem resolver diversas questões que não são resolvidas na escola. Jaqueline exemplificou com ocasiões em que a diretora da escola dizia: “esse menino tem um distúrbio de apren-dizagem”. E diz: “a gente sempre desconfia que pode ser um distúrbio de “ensinagem” também!”. De fato, muitas vezes eles conseguem alterar as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Defendem, ainda, que os jogos e brincadeiras, devido ao seu caráter lúdico, são uma porta de entrada para que as crianças aprendam.

Jaqueline fez uma colocação interessante acerca da atuação do Bola de Meia: “para nós, economia criativa não é nenhuma novidade, por-que nós sempre fomos criativos na nossa economia”. Um bom exemplo disso está na organização do grupo: o Bola de Meia tem uma diretoria composta por adultos e uma por crianças: “se você chegar lá e pedir para falar com o diretor, vão te encaminhar primeiro para o diretor criança”. Isso permite que as próprias crianças se organizam em assembleias e grupos para tomar decisões.

30 DE NOVEMBRO

mesa Estratégias e Possibilidades

Cibele Rizek (USP São Carlos, Centro de Estudos Direito da Ci-dadania - SP)

Cibele Rizek abriu a mesa chamando a atenção para a importância de não ignorar as diferenças entre os atores envolvidos nesse debate sobre formação, mas sim fazê-las aparecer e colocá-las em discussão.

Ela exemplificou levantando algumas questões sobre o próprio Itaú Cul-tural e argumentou que essas questões são importantes para a discussão que se delineia. Chamou a atenção para o fato de estarmos discutindo todas essas questões no âmbito de um banco (“não se pode esquecer que estamos num banco”). E colocou a pergunta: por que a cultura se torna instrumento de desenvolvimento econômico em vez de instru-mento de realização simbólica? Por que se transforma em vitrine? Para a

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mediadora, todas essas questões impactam no conteúdo das discussões que estão sendo realizadas no Seminário.

Carlos Rendon (Museo y Territórios - Museo de Antioquia - Bolívia)

Museo y Territórios é uma estratégia de diálogo entre o Museo de Antio-quia, em Cochabamba, Bolívia, e comunidade do entorno. Sendo assim, esse programa aborda não só conteúdos patrimoniais e curatoriais, mas também socioculturais e cotidianos.

Carlos Rendon iniciou sua apresentação chamando a atenção para a di-ferença entre trabalhar para a comunidade e com a comunidade. Optar pelo segundo caminho implica em implementar, desde a base, um pro-cesso de construção coletiva.

A partir de três linhas de ação (Museu Itinerante, Museu +Comunidade e Mawi), o programa Museo y Territórios proporciona simpósios (Lí-deres Culturales por el Desarollo, visando dar ferramentas aos líderes culturais já existentes na comunidade), acompanha in loco algumas estratégias culturais da comunidade, promove um informe (Mawi) dis-tribuído para a comunidade, além de realizar diversos tipos de ação nas comunidades (exposições, visitas guiadas, oficinas, espaços de conver-sa e criação de sentido, trabalho com crianças). Toda a programação gira em torno de alguns eixos principais, que incluem direitos humanos, deveres e direitos das crianças, equidade de gênero e a questão do espaço público x privado.

Para Carlos, o que se pretende com o Museo y Territórios é criar o que ele chama de “comunidade de aprendizagem”, uma relação horizontal estabelecida entre eles e a comunidade do entorno. Ele enxerga a arte e cultura essencialmente como meios de transfor-mação social. No trabalho do Museu, cultura e arte não são vistas simplesmente como um conjunto de patrimônio e objetos, mas signi-ficam sobretudo identidade, sentido de pertencimento e construção coletiva. Por conta disso, nas ações, “o fundamental é escutar, mais do que propor”, segundo ele. Afinal, o que está em questão é fazer com que a própria comunidade se aproprie da arte e das reflexões propostas no Museu.

Os objetivos principais propostos por eles são a democratização do acesso à arte e cultura; a geração de cidadania; a recuperação da memó-ria e o fortalecimento da identidade; e o fomento do sentido de perten-cimento (para fomentar a dignidade, o respeito e a tolerância).

Carlos propôs uma interessante tipologia de diferenciação entre o que ele considera o museu “clássico” e o “contemporâneo”. Em relação ao modelo organizacional, enquanto o do museu clássico é voltado para administração do patrimônio, o modelo do museu contemporâneo é o da gestão pedagógica. Enquanto o objeto do primeiro é o patrimônio, o do segundo é a comunidade. Enquanto, no primeiro, o programa educativo é centrado no patrimônio, no segundo, é centrado nas audi-

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ências e na construção coletiva de conhecimento. E, por fim, enquanto o museu clássico está mais baseado na comunicação unidirecional, o museu contemporâneo se sustenta no diálogo, ou seja, o museu é pen-sado como ator no processo de construção da cidadania e de diálogo com as comunidades e culturas. E no projeto deles, o território é tam-bém uma das expressões da cultura.

Fernando Garcia Barros (mARTadero - Cochabamba, Bolívia)

O espaço em que está instituído o mARTadero é o de um antigo aba-tedouro fundado em 1924. O local ficou muito tempo fechado e, em 2004, iniciou-se sua transformação em espaço de cultura, consolidando o mARTadero como associação.

O foco da atuação está na arte contemporânea e nas experimentações. Sem abrir mão de pressupostos de curadoria e programação (que in-cluem o rigor conceitual, a integração de disciplinas e um intercâmbio permanente), o mARTadero é também pensado como um espaço de vida, de encontro: há um café, uma loja, além de vários espaços expo-sitivos e jardins. Um objetivo que retornou diversas vezes na fala de Fernando é o de “transformar um espaço que antes era degradado num espaço de vida”.

As áreas de ação programática dividem-se em sete eixos, contemplando artes visuais, letras e literatura, artes cênicas, design gráfico e arquitetôni-co, audiovisuais, música e interação social. As ações dentro de cada uma das áreas são diversas, incluindo residências, programação de recreação e laboratórios. A questão da memória (principalmente relacionada ao próprio espaço, um antigo matadouro) também aparece como eixo das ações e programações propostas.

Destaca-se a área de ação denominada “interação social”, que tem por objetivo justamente reforçar a capacidade de comunicação da arte com o bairro. Essa preocupação em estabelecer diálogo com o entorno está presente desde a implementação do centro (houve uma etapa, no pro-cesso de implementação, destinada justamente para se “discutir” com o bairro). Fernando mencionou que “a vida é mais importante que a arte”, daí a necessidade de trazer melhorias para o bairro e o entorno, pensan-do arte e cultura como ferramentas para a mudança social (Paulo Freire e Ezequiel Egg foram citados como referências).

Ele assume que vivemos na era das redes e chamou a atenção para a importância de ”criar espaços” (pensando o espaço como spatium, sig-nificando algo aberto). Pensa o espaço do mARTadero como local de interação de várias esferas: bairro, arte, vidas. O espaço, para ele, é um detonador de processos.

Utilizando metáforas que passam pela biologia e pela neurociência e apostando em conceitos de efeito como sinergia, inovação e inte-ligência coletiva, ele contou que agora eles estão se pensando jus-tamente como espaço de formação. Isso pressupõe algumas ações específicas, dentre as quais um programa de formação continuada,

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organizado a partir da faixa etária do participante, que se inicia com oficinas para crianças e jovens e chega, posteriormente, a uma etapa denominada Programa Agentes de Câmbio (para jovens entre 19 e 24 anos, que, além da formação em linguagens, participam de formação mais política) e a um último estágio denominado Programa Formar-te (para participantes com mais de 24 anos, que além da formação nas linguagens, são capacitados para pensar e propor ações práticas). Além disso, o mARTadero oferece cursos e palestras específicos so-bre políticas culturais.

Fernando defende que a arte não tem valor só por criar formas e sensa-ções, mas também porque possibilita criar relações. Dando ênfase nessa última missão, eles se definem menos como produtores de objetos e mais como detonadores de processos.

Ivana Bentes (Pontão de Cultura Digital da ECO, UFRJ - RJ)

Ivana Bentes trouxe algumas justificativas mais teóricas para embasar programas de formação livres e em fluxo.

Ela iniciou sua argumentação reconstruindo o modelo fordista como uma referência que ainda está presente em nossas ideias de formação. Esse modelo, a seu ver, pressupõe confinamento e fragmentação do conhecimento (podemos pensar na metáfora da linha de montagem). São modelos organizacionais do tipo fábricas, escolas e prisões, que ela define como “campus de concentração” de poder e valores. Para ela, esse modelo entrou em crise no momento da passagem da sociedade de controle para a sociedade em rede (que também tem suas formas de prisão, não se pode negar). Na prática, ela notou que essas duas etapas do capitalismo se sobrepõem.

Ivana argumentou que a formação do tipo fordista está relacionada ao modelo de comunicação em massa: a comunicação flui de um para mui-tos (por exemplo, do professor ou outro tipo de gatekeeper, para um público). Esse modelo também é associado por ela a uma “apresentação linear dos conteúdos e produtos”, num contexto em que as fontes de informação são escassas e quem as detém é privilegiado. Esses gatekee-pers da informação (professores, jornalistas) são, vias de regra, profissio-nais especializados dentro de uma linha de montagem.

Num modelo alternativo, que ela define como sendo o da formação colaborativa, a informação flui de muitos para muitos; a transmissão não é linear (há processos como linkagem e descentralização), as fontes de informação são diversas e mais acessíveis e os que as detém não são necessariamente especialistas, mas pessoas que podem interpretar e dar sentido. Nesse modelo, a produção de conteúdo tem mais mobili-dade, já que a difusão de informações é mais fácil e rápida (e isso está relacionado às possibilidades trazidas pelos progressos na tecnologia de comunicação).

Esse modelo alternativo é enfatizado num contexto em que se busca dar outras vozes ao conhecimento. Para Ivana, todos somos produtores

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e todos somos potenciais formadores. Sob esse ponto de vista, diminui--se a distância entre quem forma e quem é formado – e, para ela, esses pressupostos são radicalizados em experiências da cultura digital.

Ideias como autoformação e midialivrismo (busca por universalização dos meios) ganham cada vez mais força, num contexto em que o que se busca é a apropriação da tecnologia e do conhecimento por parte dos grupos mais variados.

Ela destacou, desse processo, uma passagem da ênfase no especialis-ta para a inteligência em rede, em que o que se valoriza mais não é o especialista e sim o profissional multimídia, a transdisciplinaridade e a mobilidade e o não-confinamento dos processos educativos no âmbito formal. O que está em jogo já é menos “formar para o mercado”, e mais apontar/inventar novos mercados e funções.

Ivana Bentes colocou a questão: “mas onde eu aprendo a ser blogueiro, ativista, grafiteiro, produtor cultural?”. Essa nova etapa (que ela também chama de “pós-mídia massiva”) requer novas formas de pensar a forma-ção. Como pensar novas escolas e novos âmbitos de formação? Como pensar os novos formadores?

O primeiro ponto que ela enfatizou é o de que “não há mais deman-da por especialista, mas por uma educação genérica”. A seu ver, tudo agora é “por projeto”, tudo é “lab” (mais experimental), tudo é nuvem. Além disso, ela destacou que as informações estão cada vez menos institucionalizadas: “hoje eu não me informo lendo um jornal, uma ins-tituição, eu sigo pessoas e são elas que pautam a minha informação”. Na perspectiva de uma formação livre e em rede, vários espaços po-dem passar a ser pensados como espaços de formação. Ela exemplifi-cou com os campi propostos pela Universidade Fora do Eixo, que não são somente os polos de conhecimento formalizados pelas universida-des tradicionais.

Outro aspecto para o qual ela chamou a atenção relaciona-se às condi-ções de trabalho nesse capitalismo cognitivo. Segundo Bentes, a preca-riedade é a condição de trabalho mais geral nesse modelo (ela relembra o termo “precariado cognitivo” empregado por Antonio Negri). Mas ela destacou que esse tipo de precariedade, que agora é regra e não exce-ção, pode ter aspectos positivos: um dos pontos de fuga está relaciona-do à autonomia, por exemplo. No entanto, essas novas configurações do trabalho também geram novas demandas em relação à política pública, o que torna necessário discutir quais são elas. Ivana também apontou para essa nova classe de “trabalhadores” que transita entre a criação e o ativismo, tendo menos claros os limites entre o que é produção e o que é forma (ou estilo) de vida.

Por fim, ela trouxe algumas experiências disso que chama de formação em fluxo, para ilustrar a discussão, citando algumas iniciativas como o remake global do filme Um homem com uma câmera, em que várias pes-soas refilmaram e remontaram a obra de Vertov de infinitas formas; ou um site que agrupa uma série de fotos de Nova Iorque num banco de

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dados. Além deisso citou brevemente algumas experiências dentro da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO), pontão de cultura que articu-la diversos outros pontos relacionados ao audiovisual e à multimídia, atu-ando como uma “rede de redes”. Ivana ainda mencionou, por exemplo, a elaboração de editais que premiam outros pontos de cultura com kits que possibilitam edição e montagem de filmes, a promoção de oficinas teóricas e práticas, a abertura de editais de ocupação de alguns coletivos que se instalam no Pontão da ECO para trabalhar (ela ressaltou que, mais do que “criar” projetos, a prerrogativa do Pontão é a de abrir espaço para projetos que já existem).

Ivana também citou o projeto Lab Ação Griô, que visa estabelecer um diálogo entre a cultura griô e cultura letrada. Destacou que os participan-tes desse projeto não estão indo para a universidade só para aprender a ler, mas também para ensinar a sua pedagogia de medicina tradicional, tradições orais. Também aludiu o Laboratório Cultura Viva (projeto em cogestão com o MinC), uma proposta de formação Audiovisual para pontos de Cultura.

Ivana Bentes finalizou sua apresentação ponderando que “a gente está aqui disputando narrativas; esse novo modelo não superpõe em absolu-to as instituições antigas (universidade etc): há camadas de convivência. Mas há disputas por esses discursos”.

Painel 30 de novembro

Mônica Hoff (Bienal do Mercosul - RS)

Mônica Hoff trabalha na área pedagógica da Bienal desde 2006 e é curadora de base da IX Bienal do Mercosul.

Ela começou sua exposição colocando que a Bienal do Mercosul não é só um evento de arte, mas também uma instituição de formação: “ela é feita para a comunidade, o público maior da Bienal é composto por pessoas que vivem em Porto Alegre e nos arredores”. A Bienal é uma fundação mantida por leis de incentivo estadual e nacional. Se-gundo Mônica, ela não forma somente em termos educacionais como também em termos profissionais, já que cada edição envolve cerca de mil trabalhadores.

Em relação ao projeto pedagógico, Mônica contou que ele se tornou parte fundamental da Bienal a partir da quinta edição. Foi naquele mo-mento que a instituição passou por uma crise: como poderiam falar em “educação” com um projeto que se monta e desmonta em três meses? Para ela, isso não poderia ser um processo educativo, que demanda um tempo mais longo para acontecer. Após algumas discussões, foi decidi-do que a partir da edição seguinte, curador pedagógico e projeto peda-gógico seriam permanentes, deixando de ser mobilizados somente no período em que ocorre a Bienal. Em anos de exposição, a equipe do projeto pedagógico chega a envolver 300 pessoas, sendo que uma parte pequena tem caráter permanente.

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Mônica fez um “desabafo” interessante: “durante o Seminário, ouvi-mos bastante sobre o quanto é difícil trabalhar com poucos recursos. Vou dizer que trabalhar com muito recurso também é difícil, porque envolve diversas negociações, e envolve muitas vezes fazer conces-sões”. Segundo ela, as exigências de contrapartida são muitas e cada vez mais diversas, e a própria mediação entre a “grande instituição” e a equipe de formadores que trabalha com ela no dia a dia não é tarefa simples. Esse depoimento ilustrou bem a dificuldade de se conduzir ações que envolvem o público em instituições maiores e com maior especialização organizacional.

Mônica começou a sua exposição com uma provocação interessante para as próprias instituições artísitcas: para ela, “falar de mediação é falar de geração de emprego, de transporte público, de saneamento básico, de merenda escolar, de sistema prisional, de distribuição de renda, de autoestima.. e depois de tudo isso é que vem o maravilhoso mundo da arte contemporânea”. Ela contou que essas são questões com que os mediadores (e os que trabalham projetos de mediação) precisam lidar sempre, porque são eles que estão “na ponta” com a comunidade – e porque essas questões interferem, ainda que indiretamente, nos proces-sos educativos de forma geral.

No mesmo sentido que Janaína Melo, na exposição anterior, Mônica Hoff colocou que a vinculação da curadoria pedagógica com a curadoria estética é absolutamente necessária: “ou tem diálogo, ou não existe pro-jeto”. A partir daí, ela fez um breve recorrido de como as bienais, a partir da sexta edição, passaram a abordar o projeto pedagógico. Contou que desde a VI Bienal (2008), o projeto passou a incluir relação com comuni-dade, incluindo as cidades vizinhas; e que na edição VII eles passaram a pensar metodologias propriamente artísticas para trabalhar a formação, a partir de ateliês e residências.

Um dado interessante dessa edição foi o início da descentralização das ações: usaram ateliês, parques e outros centros da própria cidade, arti-culando-os numa rede. Nas edições anteriores, quase tudo era feito no espaço da bienal, “mas depois que o evento acabava, as pessoas acha-vam que tudo tinha acabado; mas não, há vários espaços na cidade!”. Na VII edição também foi implementada uma ação que previa o públi-co como mediador: qualquer pessoa se inscrevia para fazer mediação sobre algum conteúdo (por exemplo, um professor de biologia falou sobre o trabalho de um artista que abordava uma questão que podia ser relacionada à biologia). Mônica também trouxe alguns exemplos de residência (voltada para mediação) nessa edição: um artista passava nas casas e pedia para que as pessoas “emprestassem uma obra de arte” (de acordo com o seu entendimento sobre o significado disso). Outro artista fez um projeto de troca de desejos entre duas comunidades; e um terceiro criou uma metodologia de ensinar diferentes conteúdos só a partir do desenho.

Na VIII Bienal, o projeto pedagógico ganhou ainda mais importância e intensificou-se a conexão entre a curadoria estética e a educacio-nal. Mais uma vez no Seminário, apareceu como referência a propos-ta de educação como práxis, de Paulo Freire. Nessa edição, a Bienal

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manteve uma casa aberta no centro histórico de Porto Alegre como espaço das mais variadas programações (de churrasco e concurso de beleza a oficinas artísticas e cursos, de acordo com as demandas da população frequentadora). A Casa M, mais do que sediar uma parte da programação da Bienal, tinha um objetivo mais amplo: ser um espaço de convivência e de encontro, e lá tinham algumas ações como oficinas, reuniões, cursos. A Casa abriu antes da Bienal e fe-chou depois do seu término. Segundo Mônica, o mais interessante, paradoxalmente, foi que a instituição Bienal deu pouca importância para a Casa M, então a comunidade pode ocupá-la de acordo com suas ideias e desejos.

Mônica explicou que as pessoas propunham oficinas, que não precisa-vam ser necessariamente relacionadas a arte contemporânea (por exem-plo: oficina de pães, de encadernação, de horta entre outras). E a partir do momento que essas pessoas ocupavam o espaço, eram propostas atividades pela Bienal também: “venha dar sua oficina sim e a gente vê se pode ensinar alguma coisa para você também”.

Mônica chamou a atenção para a diferença entre essa abordagem e a abordagem que quer “propor” uma série de atividades, de baixo para cima, antes de estabelecer qualquer relação. Aqui, a educação de fato é vista como um projeto de mão dupla. Esse tipo de abordagem cria comunicação, e sem comunicação e empatia não existe “formação”.

Gustavo Wanderley (Casa da Ribeira - RN)

Gustavo Wanderley apresentou o projeto Casa da Ribeira, que tem 12 anos de existência (e quatro de construção do projeto) no bairro da Ri-beira, em Natal.

A Casa surgiu por iniciativa do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare. Ao decidirem criar seu próprio espaço cultural, conseguiram aprovar o projeto na Lei Rouanet, mas não conseguiram patrocínio. Então, toma-ram a iniciativa de convocar a cidade para participar de um processo de decisão sobre o que poderia ser esse espaço (antes mesmo de ele existir). Ao final do processo, conseguiram captar R$1,2 milhão para construção do espaço.

A Casa tem uma sala de espetáculo (teatro), uma sala de exposições e um café-acervo de livros. Além da programação de eventos, eles propõem editais e residências de artistas. Gustavo contou que, no iní-cio do projeto, eles sempre se perguntaram por que a comunidade não frequentava. Num certo momento, em 2004, passaram por uma crise e decidiram fechar a casa. A partir de então, a comunidade se manifestou: “vocês não podem fechar!”. Segundo Gustavo, nessa ocasião eles perce-beram que a comunidade de fato tinha se apropriado do espaço, o que gerou uma mudança de pensamento.

Perceberam que a Casa da Ribeira não era um centro cultural, mas um lugar de possibilidade. E começaram a desenvolver projetos de “capacitação” (apesar de ele declarar “odiar esse nome”) a partir do

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que podiam oferecer: promoveram cursos para formar cenógrafos, iluminadores, atores, entre outros. Conseguiram, assim, um apoio do Instituto Ayrton Senna e adotaram uma palavra que fez toda diferen-ça: intencionalidade.

A estratégia passou a ser não só focar o artista, mas também a outra ponta, os públicos. A Casa passou a incluir um projeto de “democratiza-ção” e de fomento às artes. Com um projeto denominado ArteAção, de-senvolveram uma “tecnologia de educação através da arte”, que trabalha diferentes eixos: formação de público, capacitação técnica e educação informal mais geral.

Mas Gustavo ponderou que o objetivo é menos a “formação de públi-co” propriamente dita e mais o esforço para “contextualizar apreciações”. Para ele, o que está em jogo é mais “oportunizar processos criativos” do que estimular que as pessoas consumam certos produtos culturais, num sentido estrito. Trata-se, portanto, de uma dimensão mais ampla de formação.

O ponto de partida, aqui (como em outras iniciativas discutidas no Se-minário), é começar a partir da potência e não da carência: do que as pessoas têm, e não do que lhes falta. A Casa da Ribeira propõe uma metodologia que consiste em transportar valores artísticos para oportu-nidades educativas. Gustavo explicou: “o artista tem algumas caracterís-ticas de trabalho que são fortes, por exemplo, a necessidade de pesquisa, o domínio de técnica”. O esforço é pensar como esses componentes impulsionam os processos educativos.

Outro ponto de partida é a ideia de democracia cultural: “você pode gostar do que vc quiser, mas precisa conhecer”. E eles trabalham muito também o que chamam de presença afetiva do educador. Apesar de a casa sediar espetáculos e eventos, o que eles mais objetivam é fomentar o convívio, mais do que os produtos artísticos em si.

À época do Seminário, eles estavam trabalhando para implementar uma Casa da Ribeira na cidade de São Paulo.

Carol Tokuyo (UniCult, Fora do Eixo)

Carol Tokuyo começou sua apresentação explicando a lógica geral do Fora do Eixo, já que a UniCult é um projeto que replica essa lógica. O Fora do Eixo é uma rede de cerca de 200 coletivos que trabalha com cultura em todo o país (no sentido antropológico, incluindo tanto com-portamento quanto manifestações artísticas).

Segundo ela, o Fora do Eixo consolidou-se a partir da reunião de alguns músicos em Goiânia, em 2005. Havia muitos produtores sur-gindo na época, especialmente por conta da internet, e os grandes meios eram totalmente alheios a isso. Um dos coletivos, espaço Cubo de Cuiabá, desenvolveu uma metodologia que foi considerada estra-tégica. Eram estudantes da universidade e tinham bandas amadoras,

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queriam tocar e não tinham espaço. Então fizeram um festival, o Festi-val Calango, e chamaram jornalistas, buscando “estourar” no mercado. A crítica, no entanto, disse que as bandas eram “ruins” e então eles resolveram criar um estúdio colaborativo para as bandas ensaiarem e melhorarem. Com dinheiro próprio, criaram o estúdio Cubo Mágico. Diante da necessidade de ter outros festivais para as apresentações, decidiram criar também a Cubo eventos. Depois, precisavam de site, cartão, identidade visual e então criaram a Cubo Comunicação. Cria-ram também a Cubo Discos, porque também precisavam fazer CD e distribuir. E, segundo Carol Tokuyo, tudo isso era baseado num modo de produção colaborativo.

A estrutura e as bandas começaram a crescer e “a galera começou a querer dinheiro”. A solução, segundo ela, foi criar o Cubo Card, uma moeda de troca. Com essa moeda poderiam pagar o aluguel de mais tempo o espaço de ensaio, usar a estrutura de comunicação, entre outras atividades internas. Além disso, desenvolveram também parcerias com restaurantes, hotéis, dentistas e outros serviços externos que passaram a aceitar o Cubo Card.

A partir de então, segundo Carol Tokuyo, surgiram vários outros coletivos e desenvolveu-se uma cena. Foi criada uma Associação de Festivais Independentes (ABRAFIN) e o circuito Fora do Eixo, que se propunha a ser não somente fora do eixo comercial, mas também territorial, reunindo pessoas de cidades como Cuiabá e Rio Branco, até então fora da cena.

Carol contou que a rede Fora do Eixo saltou de quatro coletivos em 2006 para 200 coletivos atualmente. Antes contavam apenas com grupos de música, depois entraram coletivos de cinema, literatura, artes visuais, meio ambiente, questão de gênero e etc. Desde a fun-dação, fizeram vários “cards” além do Cubo, fizeram um “banco”, um “partido”, e agora também estão criando uma universidade, que, na opinião de Carol Tokuyo, “como todas as coisas do Fora do Eixo, ela surge de baixo para cima”.

Ela explicou a necessidade de criação da proposta da Universidade Fora do Eixo: a maior parte dos coletivos era de universitários que es-tavam desestimulados, preferiam a atuação no Fora do Eixo do que a formação convencional. Carol afirmou que, de fato, essas duas esferas começaram a competir, muito, porque as faculdades não estavam atin-gindo as expectativas. É universidade como “campo de concentração” (no mesmo sentido colocado por Ivana Bentes) versus tudo o que pode acontecer na rede.

Eles já conseguiram sistematizar alguns pontos do projeto de uni-versidade (UniFdE). O primeiro deles é que cada coletivo é um campus permanente. Mas para isso precisam é necessário pensar os “eventos” deles como potencializadores de processos cognitivos. O segundo ponto é que todas as ações são baseadas em processos de sistematização em rede, como já acontece no Fora do Eixo. Cada processo deles vira um tec, uma espécie de tutorial, que pode assu-

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mir a forma de vídeo, por exemplo (Carol informou que eles têm tec para tudo, desde “como montar uma casa Fora do Eixo”, “como criar um card ou uma banca de distribuição de disco”, até “como buscar em aeroporto minimizando os custos”). Cada uma dessas tecs surge de um ponto fora do eixo (um coletivo) e viram tutorial para os de-mais. Essa sistematização garantiria certa coerência numa rede que é bastante descentralizada.

Outro ponto central é o compartilhamento. Carol Tokuyo apontou que o direcionamento geral é compartilhar tudo em tempo real: “não existe isso de ‘ainda não está pronto’; se não está, a inteligência coletiva vai terminar”. Um exemplo desse compartilhamento total também pode ser visto na lógica das Casas Fora do Eixo, onde alguns dos membros moram. Eles compartilham todo o dinheiro, todo valor que entra para cada um vai para o mesmo caixa e todo o dinheiro gasto também sai do mesmo caixa (desde os objetos de uso pessoal até gastos relacionados a projetos coletivos).

Carol Tokuyo também citou brevemente algumas metodologias de trabalho que estarão associadas à universidade, como o desenvolvi-mento de Cartilhas, processos de estágio e vivência em coletivos, re-sidências em Casas Fora do Eixo, colunas (mapeamento de campo de novos coletivos).

À época do Seminário, eles estavam mapeando experiências novas de formação que poderiam compor o currículo da UniFdE e elencando possíveis docentes. A proposta era de que cada aluno montasse sua “grade” (escolhendo quais atividades participaria) e, ao final, recebesse um certificado de horas-aula realizadas.

Sally Mizrachi (Lugar a Dudas - Colômbia)

O Lugar a Dudas está em Cali, uma cidade com mais de 2,5 mil habitan-tes na Colômbia, que presenciou recentemente diversos momentos de crise e vulnerabilidade social. Como resposta a essa crise, segundo Sally, começam a aparecer uma série de coletivos.

O Lugar a dudas surge em 2003, como associação sem fins lucrativos, como resposta à carência de políticas culturais da cidade, mas tam-bém como ideia de se pensar um laboratório de cultura, sem a preten-são de “substituir” as instituições culturais mais tradicionais. Inicia suas atividades com uma casa, comprada em 2003. A primeira medida, segundo Sally, foi quebrar os muros, paredes, colunas e as “barreiras que existiam em relação à rua” (afinal, as pessoas não entram em uma casa fechada).

O Lugar a Dudas tem uma série de ações destinadas a fomentar a arte contemporânea e do desenvolvimento de processos criativos a ela re-lacionados (como exposições e residências artísticas). E tem ainda um eixo importante de formação e relação com os públicos. Sally destacou algumas dessas iniciativas.

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Primeiramente, o Centro de Documentação que, segundo ela, é o prin-cipal programa do Lugar a Dudas. Trata-se um acervo de livros, catálo-gos, revistas e publicações digitais, no qual as pessoas podem ler, pesqui-sar e navegar. Sally afirmou que esse centro funciona como um ponto de encontro (ou de desencontro) entre artistas e frequentadores. Ela também citou as oficinas como ações importantes do Lugar a Dudas. Nelas, reconhecer os saberes do outro é ponto de partida, uma vez que o que se busca são processos de aprendizado mais horizontais. O dire-cionamento é para que o professor dessas oficinas tenha uma relação horizontal e próxima aos participantes.

Outro projeto interessante é o La vitrina, que faz parte do eixo de exibi-ção. Trata-se de uma programação que ocorre numa verdadeira vitrine de exibição que dá para a rua, onde são apresentadas performances e exposições, que ficam em contato mais direto com os transeuntes.

O Lugar a Dudas também faz parte da rede de residências latino ame-ricanas do Centro Cultural da Espanha. Uma das atribuições dos resi-dentes é dar oficinas, além de terminar seu processo com uma mostra aberta – ou seja, as residências também estão relacionadas à formação. Sally ainda mencionou outra iniciativa relacionada à formação, um pro-jeto de reprodução/releitura de algumas obras de arte importantes que “nunca chegarão a Cali”. Essas obras formam uma espécie de “museu imaginário” e estudantes de artes são encarregados de pesquisar os ar-tistas e reproduzir as obras escolhidas, que depois são disponibilizadas para a apreciação da população do entorno.

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Conheça as últimas publicações do Observatório Itaú Cultural, disponíveisem pdf para download no site do Observatório:http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2798.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 14 – A Festa em Múltiplas DimensõesOs muitos carnavais, aspectos socioeconômicos das festas, políticas públicas e patrimônio cultural. Estas e outras questões a cerca das festividades brasileiras são discutidas tendo as políticas culturais como ponto de partida.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 13 – A Arte como Objeto de Políticas PúblicasNesta edição a Revista Observatório apresenta reflexões sobre alguns setores artísticos no Brasil a partir de pesquisas, informações e percepções de pesquisadores e instituições, vislumbrando contribuir para que a arte seja pensada como objeto de políticas públicas.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 12 – Os Públicos da Cultura: Desafios ContemporâneosA Revista Observatório número 12 se debruça sobre as discussões da relação entre as práticas, a produção e as políticas culturais. Refletindo sobre o consumo cultural e o público da cultura com base na experiência francesa, esta edição põe o leitor em contato com a produção atual de pesquisadores que têm como preocupação central as escolhas, os motivos, os gostos e as recusas dos “públicos da cultura”.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 11 – Direitos Culturais: um Novo PapelEste número é dedicado aos direitos culturais em diversos âmbitos: relata o desenvolvimento do campo, sua relação com os direitos humanos, a questão dos indicadores sociais e culturais e o tratamento jurídico dado ao assunto.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 10 – Cinema e Audiovisual em Perspectiva: Pensando Políticas Públicas e MercadoEsta edição trata das políticas para o audiovisual no Brasil e passa por temas como distribuição, mercado, políticas públicas, direitos autorais e gestão cultural, novas tecnologias, além de trazer texto de Silvio Da-Rin, ex-secretário do Audiovisual. Parte dos artigos de ganhadores do Prê-mio SAV e do Programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural 2007-2008.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 9 – Novos Desafios da Cultura DigitalAs novas tecnologias transformaram a indústria cultural em todas as suas fases, da produção à distribuição, assim como o acesso aos produtos culturais. Em 12 artigos, esta edição discute as questões que a era digital impõe à indústria cultural, os desafios que permeiam políticas públicas de inclusão digital, a necessidade de pensar os direitos autorais e como trabalhar a cultura na era digital. E traz também entrevista com Rosalía Lloret, da Rádio e TV Espanhola, e Valério Cruz Brittos, professor e pesquisador da Unisinos, sobre convergência das mídias e televisão digital, respectivamente.

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Revista Observatório Itaú Cultural Nº 8 – Diversidade Cultural: Contextos e SentidosEsta edição é dedicada à diversidade. Na primeira parte, são explorados vários aspectos cultu-rais do país – aspectos que estão à margem da vivência e do consumo usual do brasileiro – e como as políticas de gestão cultural trabalham para a assimilação e preservação deles, de modo que não causem fortes impactos na dinâmica social. A segunda parte da revista é composta de artigos escritos por especialistas em cultura e tem como fio condutor a discussão sobre a sobrevivência da diversidade cultural em um mundo globalizado.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 7 – Lei Rouanet. Contribuições para um Debate sobre o Incentivo Fiscal para a Cultura A Lei Rouanet é o tema do sétimo número da Revista Observatório Itaú Cultural. Aqui os auto-res discutem diversos aspectos e consequências dessa lei: a concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, o papel das empresas estatais e privadas e o incentivo fiscal. O ministro da Cul-tura, Juca Ferreira, comenta em entrevista a lei e as falhas do atual modelo. O propósito desta edição é apresentar ao leitor as diversas opiniões sobre o assunto para que, ao final, a conclusão não seja categórica; o setor cultural é tecido por nuances; há portanto que pensá-lo como tal.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 6 – Os Profissionais da Cultura: Formação para o Setor CulturalO gestor cultural é um profissional que, no Brasil, ainda não atingiu seu pleno reconhecimento. A sexta Revista Observatório Itaú Cultural é dedicada a expor e a debater esse tema. Neste nú-mero, há uma extensa indicação bibliográfica em português, além de artigos e entrevistas com professores especializados no assunto. A carência profissional nesse meio é fruto da deficiência das políticas culturais brasileiras, quadro que começa a se transformar com a maior incidência de pesquisas e cursos voltados à formação do gestor.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 5 – Como a Cultura Pode Mudar a CidadeA quinta Revista Observatório é resultado do seminário internacional A Cultura pela Cidade – uma Nova Gestão Cultural da Cidade, organizado pelo Observatório Itaú Cultural. A proposta do se-minário foi promover a troca de experiências entre pesquisadores e gestores do Brasil, da Espanha, do México, do Canadá, da Alemanha e da Escócia que utilizaram a cultura como principal elemento revitalizador de suas cidades. Nesta edição, além dos textos especialmente escritos para o seminário, estão duas entrevistas para a reflexão sobre o uso da cultura para o desenvolvimento social: uma com Alfons Martinell Sempere, professor da Universidade de Girona, e outra com a professora Maria Christina Barbosa de Almeida, então diretora da biblioteca da ECA/USP e atual diretora da Biblio-teca Mário de Andrade. A revista número 5 inaugura a seção de crítica literária, com um artigo sobre Henri Lefebvre e algumas indicações bibliográficas. Encerrando a edição, um texto sobre a implanta-ção da Agenda 21 da Cultura.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 4 – Reflexões sobre Indicadores CulturaisO que é um indicador, como definir os parâmetros de uma pesquisa, como usar o indicador em pesquisas sobre cultura? A quarta Revista Observatório Itaú Cultural trata desses assuntos por meio da exposição de vários pesquisadores e do resumo dos seminários internacionais realiza-dos pelo Observatório no fim de 2007. No final da edição, um texto da ONU sobre patrimônio cultural imaterial.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 3 – Valores para uma Política CulturalA terceira Revista Observatório Itaú Cultural discute políticas para a cultura e relata a experiên-cia do Programa Rumos Itaú Cultural Pesquisa: Gestão Cultural e os seminários realizados nas regiões Norte e Nordeste do país para a divulgação do edital do programa. A segunda parte desta edição traz artigos que comentam casos específicos de cidades onde a política cultural transformou a realidade da população, a experiência do Observatório de Indústrias Culturais de Buenos Aires e uma breve discussão sobre economia da cultura.

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Revista Observatório Itaú Cultural Nº 2 – Mapeamento de Pesquisas sobre o Setor CulturalO segundo número da revista é dividido em duas partes: a primeira trata das atividades de-senvolvidas pelo Observatório, como as pesquisas no campo cultural e o Programa Rumos, e traz resenha do livro Cultura e Economia – Problemas, Hipóteses, Pistas, de Paul Tolila. A segunda é composta de diversos artigos sobre a área da cultura escritos por especialistas brasileiros e estrangeiros.

Revista Observatório Itaú Cultural Nº 1 – Indicadores e Políticas Públicas para a CulturaEsta revista inaugura as publicações do Observatório Itaú Cultural. Criado em 2006 para pen-sar e promover a cultura no Brasil, o Observatório realizou diversos seminários com esse intuito. O primeiro número é resultado desses encontros. Os artigos discutem o que é um observatório cultural, qual sua função e como formular e usar dados para a cultura, as indústrias culturais. A edição também comenta experiências de outros observatórios.

Políticas Culturais Pesquisa e FormaçãoPublicado em  parceria com a Fundação Casa de Rui Barbosa a partir da realização do II Seminário Internacional de Políticas Culturais, o livro traz artigos dedicados a analisar a aplicação de políticas para a cultura, a formação de profissionais responsáveis pela gestão e o fluxo econômico das áreas culturais.

Políticas Culturais – Informações, Territórios e Economia CriativaResultante do III Seminário Internacional de Políticas Culturais realizado em parceria com a Casa de Rui Barbosa o livro Políticas Culturais – Informações, Territórios e Economia Criativa discute as práticas culturais e sua territorialização, os megaeventos e o impacto sobre o patrimônio material, a quantificação do consumo cultural e a elaboração de políticas culturais, dentre outros temas e considerações indispensáveis para o campo da gestão pública contemporânea.

Mario de Andrade e os Parques InfantisEntre junho e julho de 2013, o Itaú Cultural abrigou a Ocupação Mário de Andrade, revelando a pouco conhecida atividade de gestor cultural do escritor modernista. Tão prudente, cuidadosa e surpreendente como sua literatura, a atuação de Mário à frente do Departamento de Cultura do município de São Paulo, dos anos 1935 a 1938, foi um marco para a cultura nacional que deixou uma rica história e diversas proposições para repensar a atuação pública no âmbito cultural. A publicação amplia o objetivo da exposição. Os desenhos produzidos pelas crianças nos parques infantis, os elegantes registros fotográficos desse cotidiano feitos por Benedito Junqueira “B.J.” Duarte (1910-1995) e a narrativa das pesquisadoras convidam o leitor a conhecer mais de Mário de Andrade e a pensar a infância e suas delicadezas.

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Coleção Rumos Pesquisa

A Proteção Jurídica de Expressões Culturais de Povos Indígenas na Indústria CulturalVictor Lúcio Pimenta de FariaA proteção jurídica das expressões culturais indígenas, de suas formas de expressão e de seus modos de criar, fazer e viver é analisada sob as perspectivas do direito autoral e da diversidade das expressões culturais, a partir do conceito adotado pela Unesco.

Os Cardeais da Cultura NacionalO Conselho Federal de Cultura na Ditadura Civil-Militar − 1967-1975Tatyana de Amaral MaiaTatyana de Amaral discorre, neste livro, sobre a criação e a atuação do Conselho Federal de Cultura, órgão vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, no campo das políticas culturais. E analisa a relação entre seus principais atores, relevantes intelectuais brasileiros, e as questões políticas e sociais do período da ditadura, bem como os conceitos relativos à cultura brasileira, tais como patrimônio e identidade nacional.

Por uma Cultura Pública: Organizações Sociais, Oscips e a Gestão Pública Não Estatal na Área da CulturaElizabeth PonteA autora traz um panorama do modelo de gestão pública compartilhada com o terceiro setor, por meio de organizações sociais (OSs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), procurando analisar seu impacto em programas, corpos estáveis e equipamentos públicos na área cultural. O estudo é baseado nas experiências de São Paulo, que emprega a gestão por meio de OSs, e de Minas Gerais, que possui parcerias com Oscips.

Discursos, Políticas e Ações: Processos de Industrialização do Campo Cinematográfico BrasileiroLia BahiaO tema deste livro é a inter-relação entre a cultura e a indústria no Brasil, por meio da análise das dinâmicas do campo cinematográfico brasileiro. A obra enfoca a ligação do Estado com a industrialização do cinema brasileiro nos anos 2000, discutindo as conexões e as desconexões entre os discursos, as práticas e as políticas regulatórias para o audiovisual nacional.

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A Cultura pela CidadeOrg. Teixeira CoelhoQual a relação entre a cultura e a cidade? Nesta publicação 12 autores, nacionais e estrangeiros, são convidados a refletir sobre o tema. Os artigos abordam questões como: Agenda 21 da cultura, espaço público e cultura, política cultural urbana, imaginários culturais, entre outros.

Arte e MercadoXavir GreffeEste título discute as relações da arte com a economia de mercado e a atual tendência de levar a arte a ocupar-se mais de efeitos sociais e econômicos – inclusão social, o atendimento das exigências do turismo e as necessidades do desenvolvimento econômico em geral – do que as questões intrínsecas. Conhecer o sistema econômico é o primeiro passo para colocar a arte em condições de atender realmente aos direitos culturais, que hoje se reconhecem, como seus.

Cultura e EducaçãoOrg. Teixeira CoelhoEsta publicação remete ao Seminário Internacional da Educação e Cultura realizada no Itaú Cultural, em setembro de 2009. Os participantes brasileiros, latino americanos e espanhóis comparam e refletem práticas capazes de culturalizar o ensino, por meio de iniciativas adminis-trativas e curriculares e mediante ações cotidianas em sala de aula.

Coleção Os livros do Observatório

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itaú cultural avenida paulista 149 [estação brigadeiro do metrô] fone 11 2168 1777 [email protected] www.itaucultural.org.br twitter.com/itaucultural youtube.com/itaucultural

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