cultura: a evolução de conceitos e o retrato atual

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UFRJ ESCOLA DE COMUNICAÇÃO Michel Mosso Schettert DRE: 108021394 Antropologia e Comunicação Cultura A evolução de conceitos e o retrato atual 1) A evolução 2) A discussão atual 1) Segundo Gladstone Chaves de Melo, autor do livro Gramática Fundamental da Língua Portuguesa, o fenômeno cultural é complexo e às vezes imponderável. É proveitoso partir do mais simples, como é a própria etimologia do termo. A indagação etimológica pode fornecer elementos conceituais básicos indispensáveis. Sabemos que a definição etimológica por sua natureza torna claro o termo. Mas também é um requisito para tornar claro os conceitos. Ver-se-á que os estudos posteriores feitos com rigor científico guardaram o significado originário de cultura tal qual o revela a derivação etimológica. O verbo “cólere”, de que deriva “cultura”, exprime a idéia de “amanhar, cuidar, revolver” a terra, fertilizando-a e semeando a boa semente para que produza mais e melhor. Portanto, diz respeito originariamente ao trabalho agrícola, compreendendo tanto o cultivo do solo, quanto o cultivo dos vegetais no solo. Vale recordar que os romanos, coerentes com sua origem de rudes agricultores e pastores, buscavam grande parte de seu vocabulário em sua vida campesina. Ao longo do tempo e à medida que a vida primitiva se foi organizando, o verbo “cólere” veio adquirindo outros sentidos. Às vezes, significa “habitar”, para dizer que aquele que trata a terra é quem nela habita. O agrícola, utilizando-se dos recursos das florestas, constrói sua moradia para nela habitar. Outras vezes, significa “venerar e honrar” os deuses e os amigos. Equivale dizer cultivar e dispensar especiais cuidados aos amigos e aos deuses, para que sejam propícios no cultivo da terra. Mais tarde, sobretudo em Cícero, recebeu o sentido figurado do “trato e aprimoramento do espírito”. Neste caso, o verbo “cólere” vinha sempre acompanhado do termo “animus”: cultura animi. O homem

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Este trabalho foi escrito para a disciplina de Antropologia e Comunicação da ECO/UFRJ. Aqui discorro sobre o termo "cultura" e seu atual estado. O que é, de onde surgiu e como evoluiu a ideia de cultura.

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Page 1: Cultura: A evolução de conceitos e o retrato atual

UFRJESCOLA DE COMUNICAÇÃOMichel Mosso SchettertDRE: 108021394Antropologia e Comunicação

CulturaA evolução de conceitos e o retrato atual

1) A evolução2) A discussão atual

1) Segundo Gladstone Chaves de Melo, autor do livro Gramática Fundamental da Língua Portuguesa, o fenômeno cultural é complexo e às vezes imponderável. É proveitoso partir do mais simples, como é a própria etimologia do termo. A indagação etimológica pode fornecer elementos conceituais básicos indispensáveis. Sabemos que a definição etimológica por sua natureza torna claro o termo. Mas também é um requisito para tornar claro os conceitos. Ver-se-á que os estudos posteriores feitos com rigor científico guardaram o significado originário de cultura tal qual o revela a derivação etimológica.

O verbo “cólere”, de que deriva “cultura”, exprime a idéia de “amanhar, cuidar, revolver” a terra, fertilizando-a e semeando a boa semente para que produza mais e melhor. Portanto, diz respeito originariamente ao trabalho agrícola, compreendendo tanto o cultivo do solo, quanto o cultivo dos vegetais no solo. Vale recordar que os romanos, coerentes com sua origem de rudes agricultores e pastores, buscavam grande parte de seu vocabulário em sua vida campesina.

Ao longo do tempo e à medida que a vida primitiva se foi organizando, o verbo “cólere” veio adquirindo outros sentidos. Às vezes, significa “habitar”, para dizer que aquele que trata a terra é quem nela habita. O agrícola, utilizando-se dos recursos das florestas, constrói sua moradia para nela habitar. Outras vezes, significa “venerar e honrar” os deuses e os amigos. Equivale dizer cultivar e dispensar especiais cuidados aos amigos e aos deuses, para que sejam propícios no cultivo da terra.

Mais tarde, sobretudo em Cícero, recebeu o sentido figurado do “trato e aprimoramento do espírito”. Neste caso, o verbo “cólere” vinha sempre acompanhado do termo “animus”: cultura animi. O homem que cultiva a natureza, cultiva também a sua própria natureza. Era, assim, sinônimo de educação, no sentido de aprimoramento do espírito. Os gregos, mais afeitos à vida social e política, em lugar do conceito de “cultura animi” possuíam o de “politéia”, adquirida através da “paidéia”, isto é, educação da polidez e da nobreza para a vida social da polis. A este conceito, os romanos denominaram, mais tarde, de “civilitas”, civilidade, donde se originou “civilização”, educação aprimorada para a vida da cidade. Com a renascença, a aspiração máxima dos governantes era a de atingir o progresso das “nações polidas”. No século XIX, os países mais atrasados esforçavam-se para alcançar o estágio das “nações civilizadas”.

Cultura, assim como polidez ou civilidade, aparece como a ação do homem, individual ou coletivo, sobre a natureza, terra, deuses, amigos ou o próprio homem, no sentido de dispensar-lhes especiais cuidados, a fim de que produzam mais e melhor, ou sejam propícios e colaboradores. Cultura significa ainda os próprios resultados da ação do homem sobre a natureza, Neste sentido, ela é “fruto da terra e do trabalho do homem”. Desde logo, distinguem-se os produtos naturais e os produtos culturais. Os produtos naturais são os que brotam livremente da terra ou da natureza. Os produtos culturais, ao contrário, resultam da ação da natureza, mais a ação do homem, isto é, os que o campo gera quando o homem o lavra e o semeia.

Cumpre salientar que foram os sofistas gregos que contrapuseram, pela primeira vez, a idéia

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de natureza e a de cultura. Desde então, essa antítese não mais foi esquecida, embora só tenha obtido uma formulação científica a partir de Hegel, Marx e Dilthey. A cultura resulta da relação do homem com a natureza. Os frutos de tal relação – relação de transformação - são os produtos culturais. Desta forma, o fenômeno cultural torna-se mais inteligível se for abordado a partir dos três pólos opostos: o homem, a natureza e a cultura, isto é, respectivamente:

a ) Do sujeito que “cultiva”b ) Do objeto que é “cultivado”c ) Da ação de “cultivar” e de seus produtos

2) Mais tarde, com a expansão territorial européia, quando se descobriram outros continentes e consequentemente outros povos, mais pensadores, como Rosseuau, Locke e Turgot, discorreram sobre o conceito de cultura. A noção então passa a ser inerente ao campo das Ciências Sociais, particularmente para a Antroppologia. Em 1871, Edward Tylor faz a primeira definição, do ponto de vista antropológico, em sua obra Primitive Culture, ainda com idéias biológicas.

A partir daí, a diversidade das formas de viver humanas e a condição essencial do homem como ser cultural, um ser de cultura, é a fonte do debate que através dos tempos, visa superar uma visão biologizante da vida em sociedade e dele fazem parte, as diversas noções elaboradas por diferentes teorias – das mais clássicas às mais recentes. No entanto, falar de culturas, hoje reconhecidamente plural, significa falar de identidades, relações entre grupos e supor que as mesmas encontram-se permeadas tanto por relações materiais de existência, nas quais os homens produzem suas vidas, como por relações imateriais, compreendendo aí o plano simbólico e suas múltiplas formas de expressão desde costumes, língua, religião, crenças, saberes e outros.

Um aspecto fundamental consiste na compreensão de que as culturas se fazem como realidades dinâmicas, sempre em processo e que no interior de cada uma, o homem se humaniza e se faz particular, como particular é o modo de vida que constrói como membro de um determinado grupo. Compreende-se que, por pressupor as relações entre homens, a cultura seja também comunicação e, neste sentido, envolva símbolos, códigos e significados que permitem a comunicação entre eles e com outros grupos, antes tudo, porque permitem interpretar a realidade atribuindo-lhe sentido. Portanto, a cultura não é somente traços, elementos culturais, mas um todo complexo que exige compreender como é construído, pensado e vivido por sujeitos particulares. Esse é o desafio daqueles que buscam compreender o que é e como opera uma determinada cultura, a cultura de um grupo social específico e, em particular, as culturas das chamadas sociedades complexas, sociedades como a nossa, organizada em torno de classes sociais e das relações entre elas.

BIBLIOGRAFIA:

GUSMÃO, Neusa Mendes de. A noção de cultura e seus desafios.

VELHO, Gilberto e CASTRO, E.B. Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo das sociedades complexas: uma perspectiva antropológica.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um Conceito Antropológico.

MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa.