cuidado, atenção e escuta em psicoterapia- boechat

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 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL ISSN 1413-7909 Série Estudos em Saúde Coletiva 218 INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL ABRIL 2002 CUIDADO, ATENÇÃO E ESCUTA EM PSICOTERAPIA. NOVAS ABORDAGENS POSSÍVEIS E A TOTALIDADE CORPO-MENTE WALTER BOECHAT ENVIO DE ARTIGOS, VENDAS E PERMUTAS SÉRIE: ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL - UERJ RUA SÃO FRANCISCO XAVIER, 524 - 7º ANDAR - BL. D MARACANÃ - RIO DE JANEIRO - RJ - CEP 20.559-900 TEL.: (0XX21) 587-7303 FAX.: (0XX21) 264-11 42 E-MAIL: [email protected] IMPRESSÃO E ACABAMENTO GRÁFICA DA UERJ

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL

    ISSN 1413-7909

    Srie Estudos em Sade Coletiva

    N 218

    INSTITUTODE MEDICINASOCIAL

    ABRIL 2002

    CUIDADO, ATENO EESCUTA EM PSICOTERAPIA.NOVAS ABORDAGENSPOSSVEIS E A TOTALIDADECORPO-MENTE

    WALTER BOECHAT

    ENVIO DE ARTIGOS, VENDAS E PERMUTASSRIE: ESTUDOS EM SADE COLETIVAINSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL - UERJRUA SO FRANCISCO XAVIER, 524 - 7 ANDAR - BL. DMARACAN - RIO DE JANEIRO - RJ - CEP 20.559-900TEL.: (0XX21) 587-7303FAX.: (0XX21) 264-1142

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    IMPRESSO E ACABAMENTOGRFICA DA UERJ

  • CUIDADO, ATENO E ESCUTA EM PSICOTERAPIA.NOVAS ABORDAGENS POSSVEIS E A TOTALIDADE CORPO-MENTE

    Resumo/Abstract 03Introduo 04

    Bibl iograf ia 26

  • 3CUIDADO, ATENO E ESCUTA EM PSICOTERAPIA.NOVAS ABORDAGENS POSSVEIS E A TOTALIDADECORPO-MENTE

    WALTER BOECHAT*

    ResumoO trabalho aborda a questo da totalidade corpo-mente na relao teraputica.

    Prope reflexes sobre um construto terico-operacional, visando a contemplar aunidade da pessoa, visto que a sociedade complexa atual sofre de profunda

    dissociao. As razes dessa dissociao so abordadas tanto do ponto de vista histri-co quanto cultural. Reflexes tericas so feitas a partir de Jung, autores ps-

    junguianos, Cristoph Dejours e autores da chamada Escola de Paris depsicossomtica.

    AbstractThis paper discusses body-mind totality in therapeutic relationship. It proposes

    reflexions about an operational theory that contemplates the body-mind totality ofthe personality as a whole, considering that the modern complex society suffers from

    profound dissociation. The reasons for this dissociation are approached both from ahistorical and a cultural point of view. Theoretical considerations are made from the

    ideas of Jung, post-jungian authors, Cristhoph Dejours and authors from the so-called Paris School of psychosomatics.

    * WALTER BOECHAT MDICO, ANALISTA JUNGUIANO. DIPLOMADO PELO INSTITUTO C. G. JUNG, DE ZRICH, SUA.MEMBRO FUNDADOR DA ASSOCIAO JUNGUIANA DO BRASIL (AJB). ESPECIALISTA EM MEDICINA PSICOSSOMTICA PELOINSTITUTO DE MEDICINA PSICOSSOMTICA DO RJ (IMPSIS). DOUTORANDO DO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SA-DE COLETIVA DO IMS/UERJ.

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  • 4INTRODUO

    Nossa pesquisa est centrada no trabalho psicoteraputico em consultrio com osassim chamados pacientes somatizantes. Percebemos que no existe um referencialterico-operacional confivel para a abordagem desses casos, e procuramos formularalgumas reflexes que sejam frutferas na busca de novos caminhos e compreensoabrangente da pessoa e do seu adoecer.

    por demais repetida a questo da dissociao homem/natureza e alma/corpo naqual nos encontramos mergulhados na cultura ocidental. Para abordarmos a questomente-corpo deveramos fazer um corte vertical no tempo e um corte sagital no espao.Falamos do corte vertical referindo-nos questo histrica, e de como a dissociaoalma-corpo se fez progressivamente no tempo; por corte sagital referimo-nos a umaabordagem espacial Oriente-Ocidente, lembrando que no Oriente a dissociao alma-corpo existe de outra forma, ou mais sutil.

    Quanto questo espacial, faremos referncia breve importao ou tentativas deassimilao, em nosso meio, das racionalidades mdicas orientais, onde a tradio preservao importante conceito de corpo sutil. Na filosofia indiana, por milhares de anos preservada a idia do corpo sutil, o linga sharila, com seus nadis, ou canais de comunicaode energia sutil, e seus chakras; no taosmo chins, a acupuntura fala de meridianos queguardam relao com rgos do corpo biolgico de uma forma bastante inesperada. NoOcidente Freud procurou construir uma metapsicologia para formar seu aparato psquico,afastando-se cada vez mais do corpo fisiolgico, e Jung seguiu-lhe os ps, detendo-seem um construto mental constitudo de um inconsciente pessoal e o inconscientecoletivo. Uma articulao clnica entre a metapsicologia freudiana e o construto junguianocom o corpo fisiolgico tem sido tentada recentemente. essa nossa preocupao nestetrabalho.

    Na abordagem histrica, podemos dizer que o homem arcaico, em sociedadestribais, concebia o ser humano como uma totalidade. Essa totalidade se faz presente narelao xamanstica, onde o xam concebe seu paciente como um todo. Lvi- Strauss foibastante explcito neste ponto, em seu clssico trabalho de antropologia estrutural,onde estuda a estratgia teraputica de um xam entre os ndios Cuna, do Panam(LVI-STRAUSS, 1963).

    Lvi-Strauss relata a abordagem de uma paciente em dificuldade de parto, quandoo xam entoa um cntico que fala de um mito da tribo. O canto narra locais, espritos eaes que so um paralelo da prpria estrutura anatmica da parturiente em partodistxico: seu tero, o beb ali retido, o canal vaginal por onde o beb dever passar.Todos esses caminhos e vivncias so mitologizados pelo canto mtico do xam. Apaciente, ouvindo esse canto, entrando em contato com estas imagens, abre-se de formairracional, para ns incompreensvel, para a totalidade misteriosa corpo-mente. E oparto possvel, o feto passa pelo canal do parto.

    Esse um exemplo da integrao total mente-corpo, na qual imagem anmica efisiologia se integram num todo. H inmeros exemplos entre nossos xams, os pajs,da inseparabilidade corpo-alma nos tratamentos, muitos deles bem-sucedidos.

    Naturalmente, o exemplo de xamanismo como incio do cuidado mdico em

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    autonomia; paralelamente a eles, haveria um programa psquico relativamenteindependente. Dejours cita o exemplo de indivduos muito produtivos intelectualmente,que tm um funcionamento psquico rudimentar; isto , a maturidade psquica independede aquisies intelectuais. Dejours lembra os normopatas definidos por Joyce McDougall.

    Fica claro, portanto, que a psicossomtica postula uma primazia da funo sobre orgo. Coloca-se a questo da integrao funcional dos rgos, no apenas o crtex,mas tambm o crebro, sistema nervoso em seu conjunto e mesmo os demais rgos.

    Freud, ao contrrio de Dejours, no acreditava em uma ao do psiquismo sobre osistema nervoso ou sobre o corpo; no chegou a formular nenhuma teoria psicossomticae se deteve na questo da converso. Freud permaneceu fundamentalmente ligado aodualismo psiqu-soma. J Dejours props a interveno do psquico no somtico pelomecanismo da subverso.

    A transposio do corpo fisiolgico para o corpo ertico representa, como foivisto, a libertao da pulso em relao ao instinto. O sujeito s sujeito quando conseguelivrar-se, em certa medida, de sua fisiologia, segundo nos prope Dejours. Podemosentender essa colocao como a volta antiga metfora arquetpica da expulso doparaso ? no caso o ganho de individualidade pela perda da harmonia natural originria.

  • 5sociedades tribais, onde se encontra uma maior integrao corpo-mente, talvez maisantropolgico do que histrico propriamente dito, pois as sociedades tribais existemno mundo atual, em territrio brasileiro e em outros locais do planeta. Em nossa culturacomplexa, mesmo fora das grandes cidades, nas zonas rurais, a prtica de curas comabordagem xamnica relativamente freqente. Apenas mencionamos a totalidade corpo-mente presente no xamanismo, sua eficcia teraputica em grande nmero de casos enos propomos a refletir sobre caminhos possveis para o resgate dessa totalidade empsicoterapia moderna. A ateno totalidade da pessoa faz parte importante, em nossaopinio, de novas formas de cuidado e ateno nas prticas de sade em geral e, emespecial, nas psicoterapias.

    A chamada medicina psicossomtica tenta buscar essa totalidade perdida do sujeito.PERESTELO (1984) chega mesmo a propor o nome medicina da pessoa para o estudodo ser humano como um todo. Historicamente, entretanto, mantm-se o termo criadopelo alemo Heinroth, em 1918, embora imprprio, pois quando o pronunciamosestamos afirmando uma separao que desejamos superar. Trata-se portanto do clssicofenmeno de denegao, mecanismo de defesa to denunciado.

    Abordaremos em nosso trabalho a questo da totalidade corpo-mente, em buscade uma viso unvoca do ser humano, na qual o fenmeno psquico e a manifestaobiolgica possam ser integrados em uma viso de totalidade.

    essa abordagem integrada que permite a BIRMAN ( ), em A Epistemologia dasCincias da Sade, defender uma abordagem unvoca das doenas, quer sejammanifestaes somticas ou psquicas, como sendo manifestaes do ser. Alis, em nossaopinio, essa viso bastante semelhante de Groddeck, que defende a idia da doenacomo expresso de um estilo de vida, da prpria individuao de algum, poderamosdizer, j que a totalidade corpo-mente expressa doenas como alteraes unvocas doIsso.

    A questo das relaes entre mente e corpo problema fundamental na histriada filosofia, psicanlise e tambm da psicologia analtica de Jung. O prprio Freud, comsua formao mdica em neurologia, buscava o elemento crucial da cura das neurosesna soluo final orgnica ? o neurnio; para ele, no substrato biolgico residiam asesperanas finais de sua metapsicologia.

    A obra completa de Jung no contm referncias especficas e sistematizadas sobrea relao corpo-mente, a no ser menes esparsas em suas conferncias de Tavistock(JUNG, 1994) e em seus seminrios denominados Zaratustra, nos quais Jung introduzo conceito de inconsciente somtico (JUNG, 1988). Entretanto, como procuraremosdemonstrar, a abordagem simblica da alquimia, pedra fundamental da psicologiaanaltica, bem como o conceito de sincronicidade, so conceituaes tericas bsicas einovadoras para uma sistematizao terica com rigor necessrio para um construtoterico das relaes mente-corpo.

    O termo psicossomtica surgiu a partir do sculo passado, at que Heinroth criouas expresses psicossomtica (1918) e somatopsquica (1928), tentando distinguir, deforma apenas rudimentar, as duas origens bsicas de transtornos, do corpo para a psique o inverso, da mente para o corpo. Os misteriosos fenmenos que ocorrem na unidadefundamental corpo-mente no podem, entretanto, ser abarcados por essas denominaes,

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    bifurcaes, o sistema nervoso central; a corrente fluvial e a energia da gua, a excitaotransmitida pelo SNC que chega at os rgos.

    Dejours lembra que no apenas parte da energia subvertida para fabricareletricidade, como tambm, rio abaixo, dados ecolgicos se transformam, a economiarural e at a geografia fsica. Isto quer dizer que um processo de incio puramentefuncional, o apoio subversivo, tem conseqncias que se materializam a subversolibidinal produz tambm modificaes anatmicas. Nesta perspectiva, as doenassomticas no seriam decifradas unicamente como resultado exclusivo de anomaliasfisiopatolgicas, mas como resultado eventual de processos psicopatolgicos, fruto dadesorganizao da economia ertica.

    A imagem do moinho nos remete a uma questo fundamental defendida pela Escolade Psicossomtica de Paris: os fenmenos de somatizao ocorrem por processos deamputao simblica; so considerados mecanismos de de-simbolizao. A defesa histricarepresenta o inverso da somatizao, pois no primeiro caso opera o smbolo, enquantona somatizao o smbolo no ocorre na instncia psquica mas antes literalizado emnvel biolgico.

    Para Jung a questo do smbolo central na economia psquica. O smbolo omecanismo psicolgico que transforma energia (JUNG, Tipos psicolgicos, 1921). Noestamos percebendo aqui algo bastante prximo do moinho de Dejours, com suas psque transformam a energia fisiolgica em vida ertica ou vida de relao? Quando Dejoursfala que o inconsciente filogentico, no sendo mediado por representaes do pr-consciente, produz somatizaes, relacionamos imediatamente com Jung, que refereque os arqutipos (inconsciente primrio ou filogentico) necessitam das imagensarquetpicas simblicas (moinho, representaes do inconsciente) para se atualizaremdentro do que chama processo de individuao ou maturao da personalidade.

    Em seu livro Represso e subverso em psicossomtica, Dejours levanta ainda aquesto de um problema discutido h muito, das relaes entre rgo e funo. Dejoursparte da questo que a psicanlise prope uma topologia do aparelho psquico, umaeconomia das foras que se enfrentam entre os sistemas e instncias, a regulao dessasforas pelos mecanismos de defesa e uma gentica da construo do aparelho psquico.A metapsicologia, que rene esses dados, dotada de certa regularidade, o que, segundoDejours, o autoriza a considerar o que chamado de funcionamento psquico comouma funo.

    Na biologia atual e desde Darwin, predomina a idia de que o rgo que faz afuno. Para Dejours, que parte de suas observaes em psicossomtica, um programa, antes de mais nada, um programa funcional. Por exemplo, quando um rgo lesionado, o organismo lana mo do que chamado de princpio da vicarincia, umasrie de fenmenos de substituio funcional. A vicarincia mais conhecida no sistemanervoso, por exemplo, quando um hemisfrio cerebral substitui o outro lesionado paradeterminada funo, mas a vicarincia tambm ocorre em outros campos da fisiologia.Por exemplo, lembra Dejours, a correo do Ph com substituio do rim pelo pulmo.Em outras palavras, a funo pode desviar o rgo de seu funcionamento principal.

    Dejours defende a idia de que no h uma hierarquia rgida de programas ou defunes no organismo. Os programas sensrio-motor, cognitivo e lingstico guardam sua

  • 6e as prprias incertezas que dominam a medicina e a psicologia quanto aos fenmenosliminares da interao do corpo e da mente levam ainda alguns estudiosos e mdicos emgeral a usar o termo psicossomtico (MELLO FILHO, 1992).

    H uma tendncia geral, entretanto, a considerar os termos psicossomtico ousomatopsquico inteiramente inadequados para designar doenas fsicas de possvelorigem psicolgica ou transtorno psquico com fundamento em distrbios biolgicos.O termo medicina psicossomtica usado ainda em sentido histrico, pelo grupo demdicos, psicanalistas e, agora, por um grupo crescente de analistas junguianos,preocupados com a interao corpo-mente, um referencial terico consistente queexplique essa interao e seja utilizvel em clnica.

    A dissociao mente-corpo em nossa cultura fruto de sculos de transformaessociais. A abordagem transcultural do problema das doenas pode nos trazer um pontode vista mais amplo sobre essa dissociao e nos vislumbrar possveis solues; entretantoessa abordagem deve ser feita com o mximo de cuidado, pois qualquer modelo deassistncia mdica em qualquer sociedade produto do contexto ambiental e culturaldessa sociedade, bem como de sua histria, incluindo a medicina ocidental moderna.Por isso limitado o uso de um sistema mdico de uma determinada sociedade comomodelo para qualquer outra (CAPRA, 1987). Alm disso, devemos levar em conta queo contexto ambiental tambm muda com o tempo, e os sistemas teraputicos tambmmudam, sendo influenciados pelos chamados sistemas de crena que governam qualquercultura, ou representaes coletivas, como as denominava Lvy-Bruhl.

    Entretanto, a abordagem dos mtodos de cura nas sociedades tradicionais podeampliar nossa perspectiva quanto ao entendimento do problema do adoecer do corpo eda mente em nossa prpria cultura. De uma maneira geral, pode-se constatar que aabordagem teraputica entre as culturas pr-letradas se d dentro de um paradigmaholstico, o ser humano sendo visto como uma totalidade corpo-mente, e ao terapeuta-sacerdote xam conferido um poder extraordinrio de curador e lder espiritual.

    Lembrando a importncia de se levar sempre em conta os sistemas de crenas deuma cultura, bem como a influncia do contexto ambiental, as observaes sobre asprticas teraputicas xamansticas podem nos levar a importantes reflexes. Comoobserva CAPRA (1987), h interessante oscilao entre prticas teraputicas sistmicase reducionistas nas culturas. O moderno sistema cartesiano que domina a medicinaocidental contempornea leva a um reducionismo extremo, com uma viso fragmentadado ser humano, e conseqentemente, das prticas de cura.

    Na instituio do xamanismo, a totalidade bio-psquico-social preservada deforma admirvel. Em nossa tese de graduao no Instituto C. G. Jung, de Zurique(BOECHAT, 1979), nos detivemos sobre as correlaes simblicas entre as prticasxamnicas e a psicoterapia moderna.

    Vrios aspectos da teraputica xamanstica demonstram o entendimento datotalidade corpo-mente de forma global. As patologias mentais e as orgnicas no sovistas de forma dicotomizada. Em nosso trabalho procuramos correlaes simblicasentre o xamanismo e a psicoterapia moderna. sempre necessrio repetir que essascorrelaes so simblicas, isto , os mtodos teraputicos em nossa sociedade complexano podem pretender ser xamanismo literalmente, pois como j referimos

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    levado a importantes estudos sobre o psiquismo fetal, que seria inoportuno tratar aquiem seus mltiplos aspectos. Queremos apenas lembrar que a ultra-sonografia mostraque o feto faz uso constante, j nos primeiros meses de gestao, do processo de sugaro dedo polegar. Essa suco no parece estar associada a qualquer processo ergeno oude alvio de ansiedade, mas parece ser um treino para a musculatura bucinadora para oposterior processo de suco ao seio materno.

    Mas a questo ainda permanece: ser a funo gnosegena da boca j um resultadoda subverso da funo instintual primitiva pelo apoio? Parece que podemos defendertal posio baseando-nos no conceito do corpo ertico de Dejours, j que a bocagnosegena do beb pertence nitidamente ao corpo ertico e no ao corpo fisiolgico.

    A edificao do corpo ertico , provavelmente, segundo Dejours, umapotencialidade inscrita no patrimnio gentico humano. Como potencialidade,entretanto, ela tem sempre um carter do inacabado; o corpo ertico est sempreameaado de se desapoiar, usando o termo de Dejours, e processos contra-evolutivospodem instalar-se.

    Dejours considera que as relaes primitivas da criana com os pais tm carterfundamental na construo do corpo ertico. Essas relaes primitivas se do nosprimeiros anos de vida, isto , de trs a cinco anos. A influncia do dilogo fantasmticopostulado por Dejours, que, segundo entendemos, de natureza das relaes objetais,implica, como ele mesmo chama a ateno, o fato de que a economia ertica no podeser analisada de forma puramente subjetiva.

    Uma questo importante levantada: os movimentos de apoio e desapoio noprocesso de colonizao subversiva do corpo fisiolgico para a formao do corpo ertico,ou corpo de relao, tm influncia tanto para os processos psicopatolgicos quanto naalterao de processos fisiolgicos, isto , a somatizao. Os achados clnicos parecemdemonstrar que se o mecanismo de subverso libidinal no confere, propriamentefalando, um suplemento de solidez ao corpo fisiolgico, o desapoio parece associado aofenmeno da somatizao.

    Dejours explica o fenmeno da formao do corpo ertico em termos energticos.A subverso libidinal age desviando a energia filogeneticamente usada para finscomportamentais da economia fisiolgica para fins erticos. Para clarificar esse processoenergtico, o autor emprega a metfora do moinho. Parte da energia mecnica da guaque escoa num rio desviada pelas ps do moinho para a produo de farinha a partir dotrigo e para outros diversos fins. O rio pode ser visto como representando o fluxoinstintivo, o moinho representa o aparelho psquico e o resultado de seu trabalho, a vidaertica, ou vida de relao. O apoio representado, na metfora, pela roda do moinhoque, girando, desvia a energia e a subverte. A metfora do moinho procura demonstrarque o sucesso da subverso libidinal capaz de transformar a economia do corpofisiolgico, oferecendo-lhe um escoadouro psquico.

    Isto demonstra, segundo Dejours, que nas relaes entre o funcionamento mentale o funcionamento biolgico, o corpo inteiro est envolvido, e no apenas o crebro,como quer a psiquiatria biolgica. Ainda para sermos mais precisos nos detalhes dametfora oferecida por Dejours, podemos dizer: o moinho representa o aparelhopsquico; a paisagem rural e os arredores do rio, o corpo; o leito do rio, seus canais e sua

  • 7anteriormente, lembrando Capra, cada sociedade est inserida em certo tempo histriconum conjunto de sistemas de crena.

    LVI-STRAUSS (1963) demonstrou claramente a correlao ntima entrexamanismo e psicanlise, estudando outros povos como os ndios Cuna, do Panam,entre os quais o xam entoaria uma cano mitolgica para facilitar o parto junto a suapaciente. Lvi-Strauss demonstrou de forma admirvel que o mito entoado pelo xamretratava o habitat do esprito fetal, ou o tero, e o caminho que o esprito fetal deveriapercorrer, o canal vaginal, para o parto bem-sucedido.

    Dessa forma um mito pertencente ao acervo cultural da tribo era usado numprocesso teraputico onde no so claros os limites entre o contexto social, a psiqu daparturiente que faz um rapport de total confiana e idealizao com seu terapeuta-parteiro, e os processos biolgicos envolvidos no mecanismo do parto. Lvi-Straussconclui que o xamanismo um equivalente da psicanlise moderna, com a inverso detodos os seus elementos.

    Comentamos em nossa dissertao o que chamamos de modelo especular deLvi-Strauss. O xam, vivenciando seu xtase xamanstico no processo de cura, faz umprocesso semelhante ao da ab-reao. Em psicanlise, o paciente ab-reage, na integraode complexos inconscientes. O xam ativo, expressa um mito, realiza o chamado vomgico de cura, o paciente passivo. Em psicanlise, o paciente fala, deposita palavras eintenes no analista atravs da transferncia. O xam readapta o grupo a problemaspr-definidos atravs de transformaes de seu paciente. A psicanlise visa a readaptar opaciente ao grupo. O xam procura fornecer um mito da tradio cultural ao paciente.Ao inverso, a psicanlise leva o paciente a descobrir seu mito pessoal em seu prpriopassado.

    Pensamos que o modelo especular de Lvi-Strauss contm quatro eixos:

    1. o xam ativo e o paciente passivo;

    2. a ab-reao do xam;

    3. a readaptao do grupo aos problemas do paciente;

    4. o uso do mito da tradio cultural pelo xam.

    A psicanlise tradicional contm realmente esses fatores invertidos ao xamanismo,entretanto pensamos que a psicologia analtica guarda caractersticas mais prximas eno opostas s tcnicas de cura das sociedades tradicionais.

    1. Analista mais ativo, sua equao pessoal (Jung) ou estilo (Fordham)tm papel importante, alm do processo transferencial.

    2. reconhecido no referencial terico-operacional da psicologia analticao fato de que o analista tambm sofre transformaes, sendo estas necessriasno processo teraputico. No so tanto um produto da contratransferncia,mas da transferncia mesmo do analista ? como Jung, Lacan tambm serefere transferncia do analista, e Frenczi tambm elaborou formas detrabalhar ativamente com a transferncia em anlise.

    3. O processo de individuao inclui uma adaptao do ego ao Self, quemuitas vezes no coincide com a adaptao ao coletivo social. Quando o

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    tempo, tanto mental quanto somtica. Dessa perspectiva, as doenas psicossomticasno existem. No a doena que psicossomtica, mas sim a abordagem clnica e terica.Ou, sustenta Dejours, podemos raciocinar de modo inverso; isto , todas as doenasso psicossomticas, assim como todos os pacientes so psicossomticos. O entendimentodessa unidade corpo-mente a nica forma de superarmos o que Samuel Faro chamade denegao: quando afirmamos a existncia de uma medicina psicossomtica,estamos reforando uma dicotomia (pelo prprio termo psicossomtico) que tentamosa todo instante superar.

    Dentro desta unidade, a noo de corpo ertico como um diferencial do corpofisiolgico, postulada por Dejours, fundamental. A organizao do corpo ertico passapor uma operao descrita por Freud com a denominao de apoio da pulso na vidafisiolgica (Trs ensaios sobre a teoria da sexualidade).

    Dejours recorda algumas noes fundamentais de Freud, para definir a questo doapoio da pulso. Cita como exemplo a criana que descobre e demonstra que sua boca por exemplo, no serve unicamente para os fins de nutrio. As funes de sugar emorder vo sendo descobertas e, mais tarde, sua funo nos jogos sexuais. A crianadescobre-se, assim, no apenas como escrava de seus instintos, no s um organismoanimal, mas tambm se torna sujeito de seu desejo. Citando esse exemplo, Dejourslembra que o indivduo pode ir longe demais nessa direo e afirmar que a boca s lheserve para seu prazer e se torna anorxico. Desprezando in extremis o peso biolgico,corre o risco de morrer.

    O apoio, para Dejours, funciona como uma subverso. A boca, servindo de basepara a subverso, reconhecida como zona ergena. Para se libertar da ditadura de umafuno fisiolgica, o rgo um intermedirio necessrio: a subverso da funo pelapulso passa pelo rgo.

    As conhecidas fases do desenvolvimento psicossexual da criana postuladas porFreud servem de ponto de partida para Dejours elaborar a passagem do instinto para odesejo, a subverso da funo para a pulso.

    Sabemos que diferentes partes do corpo constituem as zonas ergenas, as partesque delimitam o interior do exterior: os esfncteres, a boca, os rgos dos sentidos, apele. Segundo Dejours, essas zonas vo sendo progressivamente arrancadas de seussenhores originais, os instintos puramente biolgicos, para serem gradativamentesubvertidos na edificao daquilo que chamado por Dejours de corpo ertico. Graasa esse processo, o sujeito consegue se liberar de suas funes fisiolgicas, de seus instintos,de comportamentos automticos e de seus reflexos.

    A questo das zonas ergenas e sua importncia no desenvolvimento psicossexualda criana nos reportam a algumas reflexes do junguiano Erich Neumann. Esse autorconsidera exagerada a nfase dada por Freud sexualidade e s zonas ergenas. Considera,por exemplo, o importante papel que a boca desempenha no beb, quando ele levatudo boca. O rgo, aqui muito mais do que representando uma zona ergena, estdesempenhando uma funo gnosegena (Neumann) ou produtora de conhecimento,ou de desenvolvimento psquico.

    Lembramos tambm os importantes achados da ultra-sonografia fetal moderna,muito depois das teorias de Freud, Jung e mesmo Neumann. A ultra-sonografia tem

  • 8eixo ego-Self est operativo, muitas vezes encontramos visveis efeitostransformativos no grupo social pelo indivduo.4. O emprego do mtodo de amplificao (o emprego de mitos e imagensculturais visando a retirar o paciente do isolamento de sua neurose)redescoberto por Jung para a psicoterapia moderna j era usado nassociedades pr-letradas pelo xamanismo. Descobrindo os arqutipos quedirigem sua vida, o paciente entra em contato com seu mito pessoal. Masesse mito tambm coletivo, porque arquetpico.

    O xamanismo lato sensu continua representando papel importante em estratgiasde cura mesmo na sociedade dita moderna, principalmente nas parcelas de populaonas quais h predomnio de grupos rurais que vivem em contato com a natureza, distantesda manipulao tecnolgica, ou at em populaes das grandes cidades constitudas porgrande nmero de migrantes.

    Dentro de uma viso sistmica do ser humano, o xamanismo elaborou de formasistemtica, nos mais diversos povos do mundo, uma teoria sobre as diversas etiologiasdas doenas. CLEMENTS (1932), estudando o xamanismo de forma global, percebeucinco etiologias para as doenas: a perda de uma alma, a quebra de um tabu, doenapor feitiaria, por intruso de objeto e possesso por esprito.

    Em cada uma dessas situaes, o xam disporia de meios para afastar a doena.

    1. A perda de uma alma. crena universal entre os povos pr-letrados queo homem possui vrias almas. crena comum que a doena causada porperda de alma; o xam aquele hbil em realizar o vo mgico e resgatar aalma perdida. Em psicoterapia moderna, a alma perdida pode ser comparadaao complexo inconsciente a ser integrado, a valores novos que,transformados, podem ser reintegrados conscincia. O analista modernodever ter a ateno flutuante, ou a ateno uniformemente suspensa,desfocada, para ser sintnico com os complexos inconscientes do pacientee favorecer sua integrao.

    2. Possesso pelo esprito. Os espritos so equivalentes s imagensarquetpicas do inconsciente coletivo, ao contrrio da alma parcial perdida,a ser integrada, que pode ser comparada aos complexos do inconscientepessoal. Jung procurou demonstrar essa postulao transcultural em Ofundamento psicolgico da crena nos espritos (JUNG, 1988).3. Quebra de tabu. A violao de qualquer cdigo moral do grupo tidacomo produtora de doenas. A confisso auricular o remdio propiciadopelo xamanismo, no sendo uma descoberta da Igreja catlica. A confissoesteve sempre presente desde a Antigidade e reapareceu no mtodocatrtico da psicanlise. Jung definiu a confisso como primeiro estgioem qualquer processo analtico.

    4. Doena por feitiaria ou magia negra. Sua cura seriam rituais de magiabranca, protetoras contra a influncia de outras pessoas. Inmerosprocedimentos rituais esto presentes na psicoterapia moderna, comohorrio das sees e a disposio do setting teraputico.

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    pessoas desconhecidas. Todos cortam ces aos pedaos, e engolem as pores,alimentando-se deles, o paciente inclusive. A srie dos sonhos mostra uma gradualelaborao do arqutipo da agressividade, terminando no banquete totmico, quesimboliza a assimilao do mana do totem.

    Ao mesmo tempo, o paciente traz, para nossa surpresa, uma queixa somtica:manchas vermelhas aparecem periodicamente nos membros e trax, desde aadolescncia, e depois desaparecem. As manchas vermelhas trazem a cor da agressividadee expressam um fenmeno sincronstico. As manchas no foram interpretadas; o pacienteprocurou um dermatologista recentemente. Aguardamos um timing adequado para queo smbolo arquetpico que abarca a totalidade pudesse ser integrado, como antecipara oinconsciente com o promissor sonho do banquete totmico.

    Dejours parte da idia de Freud de que o inconsciente constitudo por materialrecalcado e por traos filogenticos. O autor identifica a chamada autoconservao pulso de morte, e esta, por sua vez, ao inconsciente filogentico. As manifestaesdeste inconsciente primrio, quando no mediadas pelas representaes pr-conscientes, constelam-se em somatizaes.

    Encontramos nessa formulao de Dejours uma notvel aproximao com a tpicajunguiana do inconsciente, pois na psicologia analtica de Jung o inconsciente se apresentabasicamente sob duas formas: o chamado inconsciente pessoal, repositrio dasexperincias de vida do sujeito em sua biografia individual, e o inconsciente coletivo,comum a toda a espcie humana, de natureza filogentica, pois contm os arqutipos ?contedos estruturais vazios, equivalentes psicolgicos dos instintos. Os arqutipos,embora imperceptveis em si, so ativados pelas experincias bsicas de todo serhumano.

    Jung procurou, para sua teoria dos arqutipos, uma referncia ainda na idias daetologia de Lorenz, pois definiu uma correspondncia psicolgica entre os arqutipos eos padres de comportamento animal. Freud j apresentara pontos de vista semelhantesaos de Jung, com sua noo de protofantasia, contedos inconscientes de naturezafilogentica. As protofantasias de Freud so, dentro do seu vis psicanaltico prprio, amesma noo de arqutipo do inconsciente coletivo desenvolvida por Jung.

    Quando Dejours associa com brilhantismo a questo do inconsciente filogenticoao problema central da somatizao, um importante caminho de reflexo se nos abre,do qual trataremos posteriormente. O autor lembra ainda que o estudo das relaesentre a vida mental e a vida biolgica leva a duas discusses: a) a das relaes entre apsiqu e o soma, e preocupa-se com efeitos patognicos da alma sobre o corpo,constituindo o campo da psicossomtica; b) a das relaes entre crebro e pensamento,que constitui o campo das neurocincias e da neuropsicologia.

    Dejours procura deixar claro que sua abordagem no concorda nem com aabordagem clssica da psicossomtica nem com os postulados da neuropsicologia, poisdefende que a atividade do pensar no se situa unicamente no crebro, mas passa pelocorpo inteiro.

    Disto decorre o fato importante de que no existem doenas mentais em oposios doenas somticas; as doenas mentais sero sempre, e ao mesmo tempo, doenas docorpo e as doenas do corpo, doenas mentais. Toda doena seria sempre, ao mesmo

  • 95. Intruso de objeto estranho. A cura da doena obtida quando o xamsuga, lambe e mesmo escova os locais do corpo supostamente atingidos.Um pedao de osso, um tufo de penas ou outro objeto qualquer mostradoao paciente e ao grupo que assiste ao procedimento de cura. As tcnicas desugar so muito comuns entre aborgenes da Amrica do Sul, os ndiosbrasileiros por exemplo, entre eles os Tapirap (WAGLEY, 1943).

    O conceito subjacente a essas tcnicas que a doena tem uma realidade objetiva,com uma causa, um comeo e um desenvolvimento mais ou menos previsvel. A doena uma entidade definida que no pode estar em dois lugares ao mesmo tempo ? ou estno corpo do paciente ou no est.

    A tradio xamanstica no diz que o objeto estranho produz a doena, mas queele a doena. Esse fato nos leva questo da objetivao em psicologia analtica. Aestratgia teraputica incluir o desenho, a caixa de areia e outras tcnicas expressivas,que visam, em ltima anlise objetivao dos contedos psquicos que podem ser maisbem analisados a objetivao facilita a desidentificao.

    Jane MURPHY (1964) denominou a teraputica xamanstica de a terapia dohomem integral, com que concordamos inteiramente. A dicotomia corpo-mente superada em funo de uma totalidade inseparvel.

    Sempre levando em conta o que j foi dito ? extremamente difcil compararsociedades diferentes, em contextos diferentes ? o xamanismo compatvel com amoderna viso sistmica da natureza na qual as causas das doenas no so explicadassomente a partir da medicina biolgica, mas a partir dos fenmenos sociolgicos,ambientais e psicolgicos.

    A medicina hipocrtica grega tambm trabalhou com a compreenso sistmica dasade e da doena. Na tradio curativa do templo de Epidauro, no qual se cultuou odeus-mdico Asclpio, filho de Apolo, o poder curativo das plantas, a interpretao dossonhos, chamados de incubao (do latim cubare - deitar), o teatro (o maior teatropreservado do mundo antigo), a msica da flauta e lira, e a dana, eram todos valorizadoscomo meios curativos. Um dos mais significativos livros do Corpus hippocraticus, Ares,guas e Lugares, o que hoje poderia ser chamado de tratado sobre ecologia humana(CAPRA, 1987). Mostra em detalhes como o bem-estar das pessoas influenciado pelomeio ambiente, o topografia da terra, a qualidade do ar, da terra e dos alimentos queconsomem.

    A medicina hipocrtica considerou a totalidade do homem e do sistema ecolgico.No tocante totalidade biopsquica, a teoria dos humores trabalhou com a noo deque os quatro humores estariam presentes em quatro tipos de personalidade, e estariamainda associados a quatro rgos: o sangue correspondendo ao corao; a linfa ou fleugma,ao crebro; a bile negra ou melancolia, ao fgado; a bile amarela ou clera, ao bao. Apreponderncia de cada um dos quatro humores resultaria em tipos diferentes depersonalidade, temperamento ou compleio.

    Do ponto de vista da histria do pensamento no Ocidente, a ciso corpo-mente seinstaura com a origem mesma da filosofia, do pensamento racional de Scrates, Platoe Aristteles.

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    psquico, requerem nossa opinio. Outro referencial, alm dos usados pelos tericos daEscola de Paris, o conceito acausal de sincronicidade desenvolvido por Jung.

    O conceito de sincronicidade um dos de mais difcil compreenso, pois noprocura explicar o que so certos fenmenos, mas se preocupa antes com a questo dosentido. A sincronicidade se refere a eventos acausais significativos que ocorremsimultaneamente na psiqu e no mundo externo.

    A questo do sentido fundamental nos pacientes somticos, principalmente empacientes terminais. Nestes a busca de um sentido bsica para um prognstico maispositivo; foi o sentido de existncia que deu a Herbert de Sousa onze anos de sobrevidacom o vrus da AIDS.

    Percebemos tambm que na predominncia da pulso de morte em pacientesterminais no to importante a agressividade, mas um desistir, uma perda de sentido.(FIOROTTI, 1998).

    Eventos simultneos podem aparecer ligando o mundo psquico ao mundo material,sem que uma explicao causal possa ser oferecida. Jung observou que muitas vezesocorria um estado de abaixamento de nvel mental, no qual o controle consciente cessavae o ego ficava mais sujeito influncia de um campo arquetpico do inconsciente. Oarqutipo tem a caracterstica de transgressividade ? isto , aparece simultaneamentedentro e fora, e a sincronicidade ocorria. comum que eventos arquetpicos marcantessejam os que mais freqentemente apaream em eventos sincronsticos: por exemplo, aquesto da morte. So comuns os relatos de sonhos nos quais as pessoas sonham querecebem uma carta ou telegrama dizendo que um parente faleceu; naquela mesma noite, hora aproximada do pesadelo que desperta o sonhador, realmente a pessoa em questofalecera. O evento externo no explica o sonho, e vice-versa, a questo no umaexplicao lgica do fenmeno sincronstico, mas o sentido que sua apario traz para apessoa em questo.

    Os eventos sincronsticos podem ter valor em anlise, forando a ateno parareas do inconsciente muito defendidas, que permaneceram intocadas, obrigando opaciente a se abrir emocionalmente. A noo de sincronicidade est relacionada noode inconsciente psicide, isto , uma camada do inconsciente muito profunda,totalmente inacessvel conscincia, que tem propriedades em comum com o mundoorgnico; assim o mundo psicolgico e o fisiolgico podem ser julgados como duasfaces de uma mesma moeda. O arqutipo psicide tem a caracterstica de um espectro,o nvel infravermelho o plo fisiolgico e instintivo, o nvel ultravioleta correspondeao plo imagtico. Fenmenos psquicos e fsicos ocorrem simultaneamente porsincronicidade, nas duas extremidades do espectro.

    Certo paciente trazia como queixa uma m adaptao ao trabalho, onde se irritavafreqentemente com superiores e colegas de trabalho. Apresentava um grau deagressividade bastante grande e uma srie de sonhos seus apontavam para esse problemaem sua sombra. Os sonhos tinham o tema de ces como repetitivos. No sonho inicial,um co ameaador ataca o paciente, que obrigado a fugir aterrorizado para uma casa.De dentro da casa, observa o animal. No segundo sonho, o paciente se v na praia deCopacabana, anda da areia para a calada, alguns ces passam ao lado dele sem amea-lo, e se dirigem para a gua. No terceiro sonho, o paciente se v numa floresta, com

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    Antes do pensamento socrtico, temos o pensamento dos chamados filsofos pr-socrticos, ou pensadores originrios, como prope Carneiro Leo. importanteressaltar a observao de Scrates, de que esses no foram filsofos estritamente falando,mas, na verdade, estudiosos da physis, physiologi, como os chamou Aristteles(CARNEIRO LEO, 1989).

    Os pr-socrticos preocuparam-se no com a questo fundamental da origem dohomem, mas com a natureza e a razo do universo. Pensaram na origem de todas ascoisas, baseada no arch, substncia primordial original do cosmos e essncia atual detoda a criatura. Os quatro archai seriam os quatro elementos: terra, ar, gua e fogo.

    Mas a questo fundamental que nos interessa nos pr-socrticos que a physis poreles estudada no corresponde fsica estudada pela cincia moderna. Para Heiddeger, aphysis de Parmnides o Ser, o dasein (BRUN, 1982). O filosofia dos pr-socrticos seinsere na tradio filosfica do hilososmo, isto , no princpio de que o esprito estpresente em toda forma material. A especulao dos pr-socrticos faz parte da teoriada alquimia, a busca de um esprito na matria. Dentro da abordagem psicossomtica,esse princpio fundamental se apresenta como a presena da psiqu no corpo. Istoexplica, dentro de uma fundamentao da histria da filosofia, a importncia da alquimiapara um resgate do corpo simblico, por Jung chamado de inconsciente somtico(JUNG, 1988).

    A filosofia pr-socrtica e a alquimia antecedem, portanto, a viso dicotomizadado mundo da filosofia ocidental. Desde o Iluminismo, entretanto, a dicotomia do homeme natureza se acentuou. A noo cartesiana do res cogita e res extensa tornou-sedominante no paradigma vigente; o corpo foi cada vez mais compreendido como umamquina a ser analisada em suas partes, mente e corpo separados.

    Sendo proibida a disseco em humanos, impressionante o trabalho de anatomiaalcanado por Galeno, que viveu no sculo II, sob o imperador Marco Aurlio. Galenochegou a descobrir muitas das propriedades do sistema nervoso autnomo, trabalhandosomente em animais, por anatomia comparada. Vrios de seus erros, entretanto,persistiram por sculos, devido proibio de disseco em humanos.

    Na Idade Mdia, a postura dicotomizada homem / natureza, mente / corpo maisse acentuou. Dentro da viso monotesta crist, aos sacerdotes foi outorgada a cura dasalmas; aos mdicos, os cuidados do corpo. O humanismo que emergiu na Renascenano elaborou, entretanto, a ciso fundamental mente-corpo, e no o poderia, pois aviso de mundo se moldou dentro de um modelo matemtico, um modelo explicativo-causal, dentro da teoria do conhecimento advinda desde Aristteles.

    Com o conceito de inconsciente, Freud inaugurou uma nova etapa da relao dohomem com si prprio e com a sociedade. conhecida a enorme importncia que apsicanlise adquiriu na cultura, tendo-se tornado instrumento de anlise dos mais variadosfenmenos culturais ? as artes, a antropologia, a sociologia e muitos outros.

    nossa opinio, entretanto, que Freud ainda se moveu dentro de um modeloreducionista-causal-aristotlico. Isto compreensvel, na medida em que a teoria doconhecimento de Aristteles de ordem metafsica, parte de conceitos gerais para estudarum caso em particular. Tal modelo aristotlico moldou toda a cincia do Ocidente, eFreud quis fazer da psicanlise uma cincia, no sentido tradicional do empirismo clssico.

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    da psicoterapia ocidental moderna, atravs das tcnicas de imaginao ativa de Jung.Consideramos que isto seja uma importante contribuio para uma mudana radicalnos moldes do cuidado e da ateno em medicina, e principalmente em psicoterapia.

    Para Renata Gadini, discpula de Winnicott, os fenmenos transicionais sofundamentais na organizao do ego, e distrbios de perda do objeto transicional levariam formao de uma estrutura somatizante de personalidade.

    A questo da estrutura somatizante um dos pontos fundamentais do referencialterico da Escola de Paris, mas ainda polmico. Haver uma estrutura somatizante,como existem a estrutura neurtica, a psictica e a perversa? Parece-nos que a defesa desomatizao a mais arcaica da totalidade corpo-mente, ocorrendo nos primrdios davida psquica, quando est em construo o corpo simblico, a partir das relaes.

    A relao entre a vida simblica rica de psicticos e raridade de somatizaes ecncer entre esses pacientes uma dado bastante importante. Certa paciente nossadesenvolveu um quadro de esclerodermia e no trabalho de reconstruo foi percebidoo importante papel que uma parente psictica tinha desempenhado durante toda suainfncia. Essa parente tinha acesso vida ntima dos pais da paciente e invadia muito seuespao, e a paciente recordou o medo que sempre teve de enlouquecer tambm.Elaborando esses fatos em anlise, a paciente exclamou certa vez: penso que meu corpoadoeceu para que eu no enlouquecesse como a sra X. H uma relao ntima entre adefesa psictica e a defesa de somatizao, e em muitas patologias orgnicas de etiologiadesconhecida temos a ntida impresso de estar o corpo enlouquecendo.

    Joyce McDougall desenvolveu tambm o conceito de normopatia, isto , acaracterstica tpica de pacientes somticos de estarem muito adaptados, patologicamenteadaptados. A normopatia vem acompanhada de uma grande dificuldade de exprimirafetos ou perceb-los, o que se denomina alexitimia. A normopatia, a alexitimia e ochamado pensamento operatrio do paciente somtico advm de sua vida psquica pobreem smbolos, ancorada apenas em literalizaes. Essas caractersticas no tm relaocom a inteligncia do paciente; falta ao normopata uma vida interior simblica, da ainvaso de contedos inconscientes na literalidade do corpo real.

    A questo da normopatia diz respeito ao arqutipo da persona, definido porJung como um recorte da psiqu coletiva, ou por WHITMONT (1988), o arqutipo daadaptao. A persona um complicado sistema de relao do indivduo com a sociedade,construda a partir do que ele quer aparecer para ela e, por outro, das demandas daprpria sociedade. A persona polar com o arqutipo da anima, a alma que contm ossmbolos e imagens psicolgicas, presidindo, portanto, o processo de individuao. Jungchama a ateno para o perigo de uma identificao com a persona ? com ela o indivduochega a perder contato com a anima e seus smbolos. comum uma pessoa procuraranlise quando deixou de saber ao certo quem , tendo-se tornado apenas um cargo,um presidente de empresa, um chefe de firma. Estes so pacientes literais e tendemmuito a somatizar ? parece-nos que a identificao com a persona caracteriza o queJoyce McDougall chama de normopatia.

    Consideramos bastante sofisticada e com rigor terico admirvel a abordagem daEscola de Paris, entretanto o mistrio da totalidade mente-corpo e da interconexo dosfenmenos normais e patolgicos que ocorrem em ambos os sistemas, o fsico e o

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    Mas o referencial do inconsciente j no pertence mais ordem do conhecimentoemprico experimental, mas ao empirismo fenomenolgico, de Husserl, baseado emKant, segundo o qual a experincia o fundante do real. O empirismo que tem origema partir de Kant da ordem do transcendental (no sendo transcendente); o empirismoclssico-aristotlico da ordem do metafsico.

    O conceito de arqutipo, em Jung, pertence nitidamente ordem do empirismotranscendental. Conceito-limite, elemento fundamental do inconsciente coletivo, oarqutipo nunca pode ser percebido diretamente; ele percebido apenas por suasmanifestaes ? as imagens arquetpicas. O arqutipo, a coisa-em-si, nunca percebida,pertencendo ordem do transcendental; a imagem arquetpica, elemento da experinciapessoal de cada um, fenomenolgica e se insere no novo paradigma acausal e sistmico.

    A emergncia do novo paradigma sistmico elabora a viso do universo como umtodo integrado por sistemas interdependentes; o prprio universo no uma mquina,mas um sistema vivo; a natureza no constituda apenas em termos de estruturasfundamentais, mas em funo de processos dinmicos subjacentes.

    A sade vista, ento, como fenmeno multidimensional; seus aspectos fsicos,psicolgicos e sociais so interdependentes. Segundo CAPRA (1987), uma importantecaracterstica da abordagem sistmica a noo de ordem estratificada, envolvendonveis de diferentes complexidades, tanto na ordem do ser biolgico, do psicolgico,do social como na esfera da ecologia.

    Para se tentar entender as complexas interaes corpo-mente, julgamos necessrio,de incio, entender a teoria das pulses de Freud e o mecanismo metapsicolgico dapsicopatologia psicanaltica. A partir desses parmetros, tentaremos elaborar algunsconceitos relativos ao processo ainda mal conhecido das somatizaes, lanando mo dateoria junguiana e de suas estreitas correlaes com a escola francesa de psicossomtica.

    As pulses apresentam-se com um representante ideativo de imagens e palavras, eum contedo de afeto de intensidades paralelas aos primeiros. A pulso pode-seapresentar de forma conjuntiva, integradora, sendo ento chamada pulso de vida; oude forma disjuntiva, desagregadora, a pulso de morte.

    Segundo bem defende Garcia-Roza, as pulses de vida e de morte esto sempreimbricadas e no so diferentes em sua natureza, mas em sua forma. A agressividade tambmpode ser considerada como presente na pulso de vida, e a morte pode ser erotizada, comotentativa de permanecer na memria de outrem (citado por FIOROTTI, 1998).

    A questo das pulses est intimamente associada ao problema central da existnciahumana, que o desejo, fluxo da energia libidinal para o outro, relao energtica dohomem com o mundo e que move a questo da vida normal e patolgica.

    O desejo est no ncleo de vrias reflexes de inmeros tericos. Andr Greenfala de uma libido narcsica que se contrape libido de objeto, neutralizando-o. Nasrelaes, o desejo pelo outro descentra-se, e o centro a prpria relao com o outro,com a promessa de objeto de satisfao.

    O desejo a fora traumtica para o narcsico. O sujeito desinveste do mundo ereinveste em si. a situao psquica que A. Green chama de silncio de Nirvana, comneutralizao da libido de objeto e do prprio objeto.

    Mas Green ainda define outro tipo de narcisismo, no qual, alm da funo

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    Consideramos a questo da amputao psquica pela de-simbolizao no pacientesomtico de central importncia para a estratgia teraputica, porque envolve a questodo smbolo. Entre os ps-junguianos preocupados com a totalidade mente-corpo, ArnoldMindell situa-se entre aqueles que procuraram sistematizar estratgias teraputicas, nosentido do resgate simblico do que chamou o corpo onrico (MINDELL, 1992). Otrabalho de Mindell baseia-se na tcnica de Jung da imaginao ativa.

    Dentro da tcnica de imaginao ativa, o paciente de ego bem estruturado e comprocesso teraputico adiantado pode ser levado a entrar em contato com smbolos doinconsciente, no pela interpretao, mas por um relacionamento com a imagemsimblica como um objeto real da psiqu objetiva. Isto , o objeto interno no explicado como um epifenmeno do sujeito, um contedo da psiqu subjetiva, mascomo tendo uma existncia real, to real como o paciente. Procura-se produzir umadialtica do consciente com o contedo inconsciente, atravs de um dilogo imaginado,do desenho, de escritos, ou mesmo de gestos corporais e movimentos. H certasemelhana entre a imaginao ativa de Jung e o Rve eveill dirig, de Dsoile, e osexerccios espirituais de Incio de Loyola.

    Mindell aplica a imaginao ativa em busca do smbolo perdido pelo pacientesomtico, desorientado nas literalidades do corpo fisiolgico. A regio do corpo ou orgo que manifesta o sintoma dever ser observado pelo paciente atentamente, at quehaja uma mudana de canal de percepo ? por exemplo, uma dor abdominal se manifestaem alguma imagem. Essa imagem poder ser trabalhada por desenhos, associaes esentimentos que desperte no paciente. Parece-nos que Mindell faz uma tentativa demover o paciente do corpo real para o corpo que chama de onrico ? que Dejours chamade corpo ertico, que o corpo da relao ? em oposio ao corpo fisiolgico.

    Deparamo-nos aqui com a questo central de como a ordem biolgica passa at aordem psquica. Trata-se, talvez, de uma questo de subverso libidinal (DEJOURS,1997) na qual, por um determinismo biolgico, o corpo fisiolgico evolui para corpoertico, ou corpo de relao. O fluxo pulsional subvertido pela funo simblica.

    O smbolo nos parece fundamental aqui, na organizao do corpo onrico, poisfunciona, como nos diz Dejours, como um moinho, que no permite que o rio seja apenasselvagem, transformando sua energia em trabalho. Lembramos novamente a colocaosinttica de Jung de que o smbolo o mecanismo psicolgico que transforma energia ?no caso, que transforma o corpo fisiolgico em corpo onrico ou corpo de relao.

    A passagem do corpo fisiolgico para o corpo onrico abordada por Jung emseus seminrios Zaratustra, de 1934 a 1939 (JUNG, 1988, v. 1, p. 441). Jung retoma aantiga questo do corpo sutil, que aparece nas religies de povos antigos, e a redefineem termos da psicologia atual, como o inconsciente somtico, uma regio limtrofeentre a psiqu e a matria, locus fundamental para Jung, pois nele se entrelaam oconsciente e o inconsciente, ambos mergulhados no corpo fsico.

    Na verdade, o antigo conceito de corpo sutil anlogo ao que se conhecia nostempos de Newton como ter; esse conceito no foi deixado de lado at o advento dafsica einsteiniana, sendo o precursor arquetpico do conceito de campo em fsica, e doconceito de campo interativo em psicoterapia.

    Estamos aqui retomando a antiga questo do corpo sutil, adaptando-a aos moldes

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    desobjetivante da introverso da libido, o prprio eu deixa de ser investido. H, no caso,uma neutralizao de desejo, aphanasis, desejo de no-desejo. Green a chama denarcisismo de morte ou negativo, o silncio de Hiroshima. (Sobre narcisismo negativo,ver GREEN, 1990).

    O narcisismo de morte de Green nos remete a algumas idias de Pierre Marty,quanto aos mecanismos envolvidos em processos de somatizao. Segundo esse autorda Escola Francesa de Psicossomtica, as somatizaes ocorrem obedecendo a doisprocessos principais.

    O primeiro grupo compreende aqueles processos que ocorrem em crises, como aasma, enxaqueca e a lcera, por exemplo. Nestes, parece haver uma regresso funcional,com ponto de ancoragem em ponto qualquer anterior no processo evolutivo. Essaregresso pode levar a uma psicose ou a um processo somtico; trata-se de um movimentocontra- evolutivo, que busca posterior adaptao em outro nvel. Mesmos em certasneuroses podemos observar um movimento da libido semelhante, que Jung caracterizoucomo reculer pour mieux sauter (recuar para saltar melhor).

    O outro tipo de somatizaes apresenta uma desorganizao progressiva, segundoMarty. No h qualquer ponto de ancoragem atuante, o prprio eu deixa de ser o pontode convergncia libidinal, como no autismo. O desejo de no-desejo ir aparecer comfreqncia em pacientes terminais, ou em pacientes idosos, e nessas desorganizaesprogressivas chega-se com freqncia morte. I. L. Luchina desenvolve o conceito deautismo corporal para descrever situaes semelhantes.

    Freud, em sua obra Os instintos e suas vicissitudes, desenvolveu os elementospara uma teoria das pulses. As pulses tm origem corporal, em processos somticos,sofrem a presso de uma exigncia de trabalho. Buscam seu alvo procurando umasatisfao, e tm uma errncia com relao ao objeto, ao contrrio dos instintos.

    Com sua origem somtica, as pulses no so psquicas em sua origem, masimpulsionam o aparelho psquico e se fazem reconhecer por seus representantespsquicos, que se apresentam sob duas formas bsicas: os representantes ideativos e oafeto.

    importante compreender a psicodinmica dos dois constituintes bsicos daspulses, pois o conceito de defesa psquica repousa sobre este conceito. A defesa psquicadesconecta o representante ideativo do afeto.

    As defesas, como sabido, podem ser consideradas de natureza neurtica oupsictica. Tem-se empregado o termo defesa psictica para recursos ltimos de que oego lana mo para fugir ao aniquilamento. Pode-se observar a presena da defesa psicticaem forma evidente nas psicoses funcionais, onde o delrio protege o ego com a chamadadupla orientao com relao realidade, pois h uma incapacidade fundamental deconfronto que pode levar extino do ser. A fase crtica de muitas psicoses ocorre coma cessao do delrio: quando desprovido da defesa psictica, da proteo do delrio, oindivduo pode chegar ao suicdio.

    Ao mesmo tempo, observamos um prognstico relativamente mais positivo paraas psicoses funcionais produtivas, devido s defesas desempenhadas pela produodelirante. A esquizofrenia paranide tem, em geral, prognstico mais benigno do que achamada esquizofrenia simples. No estamos aqui afirmando que somente nos casos

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    da anorexia nervosa a partir de uma perturbao da relao do ego com o arqutipo daGrande Me, assim como das chamadas psicopatias a partir do arqutipo do pai.

    A psicodinmica do arqutipo da Grande Me como princpio nutridor, gratificadordos instintos bsicos de fome, calor e frio, segundo as sensaes corporais mais primitivasdo ego em formao, fundamental para se entender os processos de transferncia econtratransferncia, ou melhor dizendo, do campo transferencial do paciente somtico.A dominncia da Grande Me se associa s abordagens associadas ao paciente somticoj citadas, como uma experincia emocional corretiva de Alexander, as tcnicas do jogode Winnicott, bem como suas importantes observaes do analista como observadorparticipante (e tambm pouco verbalizante), mas como continente e holding de umdelicado processo de transformao. As tcnicas no-verbais junguianas obedecemtambm a uma sintonia com o arqutipo da Grande Me ativado no campo transferencial.

    Os desdobramentos tericos da chamada Escola de Paris de psicossomtica, iniciadosna dcada de 60, at hoje nos parecem as abordagens mais interessantes para umentendimento da contribuio da psicologia analtica, na compreenso do fenmenopsicossomtico. Um ncleo terico consistente se formou a partir da fundao do Institutode Psicossomtica de Paris, em 1972, por Pierre Marty e Claude David, tendo continuaocom aportes tericos da maior importncia de Andr Green, Dejours e Joyce McDougall.Com essas elaboraes tericas procurou-se dar uma ancoragem psicanaltica psicossomtica, uma ancoragem sem dvida muito mais rica que a da Escola de Chicago.

    Em primeiro lugar, fica claro pela constante observao clnica, tanto em hospitaispsiquitricos quanto na clnica particular, uma relao intrigante entre o fenmenopsicossomtico e um padro de vida psquica empobrecido. Fica constatado que o pacientesomtico tem uma vida de relao com grande pobreza afetiva, alm de uma vidasimblica pobre. Novamente constatamos a presena do smbolo como fator de sadepsicofsica.

    No contexto das reflexes da Escola de Paris, o fenmeno psicossomtico ooposto do fenmeno histrico. Isso porque no fenmeno histrico h, como se sabe,uma vida de fantasia muito rica. No s o paciente histrico, mas a estrutura depersonalidade histrica tem vida mental muito rica. A anatomia imaginria do histricose forma pela dada desejo/recalque, dando origem ao corpo simblico. J no caso dopaciente somtico, os sintomas alcanam o corpo fisiolgico.

    Por isso, como j nos referimos, por estar o paciente somtico mergulhado nocorpo fisiolgico, esfera especfica do arqutipo da Grande Me, mater-ia, a estratgiateraputica no se faz pela reconstruo, como no neurtico, ou na recuperao docontedo forcludo como no psictico, pois no h representao mental para o sintoma.O terapeuta dever levar o paciente a fazer uma representao mental, ou seja, umaimagem simblica que possa lev-lo a uma transformao do todo.

    Podemos mesmo dizer que no paciente somtico h uma amputao psquica, umade-simbolizao de contedos psquicos no nvel corporal. As somatizaes iro ocorrerobedecendo a dois padres bsicos: ou como regresses funcionais, em crises, como ocorrena asma brnquica, ou por desorganizaes progressivas com cronificaes que levammesmo morte, como a doena de Chron. Nas desorganizaes progressivas no h pontode ancoragem, h antes uma gradual destruio das representaes (Pierre Marty).

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    de produo delirante est em operao a defesa psictica; apenas queremos enfatizarque nessas situaes as foras autocurativas do arqutipo do Self ou da totalidade psquica(Jung) se fazem sentir de forma mais evidente.

    As defesas neurticas se referem a mecanismos diversos de que o ego maisdiferenciado lana mo em sua interao com as foras pulsionais do inconsciente que oameaam. O recalcamento, entre as defesas, a mais importante na psicodinmica nasneuroses. Aqui no dito no ao ato, como no juzo de condenao, mas idia(incompatvel com a atitude consciente), que lanada ao inconsciente, onde preservada.

    importante ter em conta, para bem compreendermos o fenmenopsicossomtico, que o afeto em si no pode ser recalcado, somente a representao o .Veremos adiante o papel central desempenhado pelo afeto nos fenmenos de somatizao.

    Pelo processo de recalcamento, as representaes originais so lanadas aoinconsciente. Por isso, o processo analtico essencialmente o re-investimento nasrepresentaes originais.

    importante diferenciar o recalcamento secundrio do recalcamento original ouprimrio. Este remonta s origens da conscincia, aos fenmenos de separao doconsciente-pr-consciente do grande oceano primordial do inconsciente, ou doinconsciente coletivo. O recalcamento original processo natural de desdobramentoda conscincia, necessrio para a formao dos sistemas complementares consciente einconsciente. parte dos passos iniciais daquilo que Jung denominou processo deindividuao. Os chamados mitos de criao falam desses primrdios, j que todaproduo mitolgica deriva, pelo menos em parte, de projees do inconsciente coletivo.

    J o recalque secundrio se origina da dialtica de um ego mais organizado com asforas pulsonais do inconsciente. Podemos procurar fazer uma leitura arquetpica dosprocessos defensivos lanando mo de imagens mitolgicas. O mitologema do heri,que fala sempre de um processo de organizao cultural a partir de superao de monstrose foras da natureza indiferenciadas, refere-se ao recalque necessrio para a construoda conscincia, embora envolva sempre certa unilateralidade. Os monstros superadospertencem ao reino do arqutipo da Grande Me natureza ou matria, ao qual tambmpertence a esfera corporal. Teremos que discriminar adiante quando tais representaesprimordiais dizem respeito ao inconsciente indiferenciado (neuroses e psicoses) ou aocorpo (somatizaes).

    As faanhas do heri implicam sempre certa unilateralidade, que aparece nofenmeno conhecido como retorno do recalcado. Os gregos sabiam disso, por isso osheris (leia-se o ego e suas defesas), aps suas aes mgicas, eram vtimas de Hybris,ou pecado de orgulho, e punidos pela Nemesis, ou justia divina.

    Mas a defesa psictica ainda mais primitiva, e para ela reservado o nome deforcluso, repdio ou rejeio. Nessa defesa, as representaes no so compreendidasno espao intrapsquico, mas sim forcludas e compreendidas como realidade deliranteno mundo externo.

    Estamos agora em outro nvel de realidade, diferente em natureza do nvel neurticoe mesmo do perverso. Naturalmente h pontos de contato entre essas estruturas, poisna natureza nada rigidamente separado, mas por definio tais estruturas defensivastm caractersticas distintas.

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    de observador-participante, sua valorizao do jogo em anlise e sua noo clnica doholding, pode ser considerado um importante precursor da psicossomtica.

    As tcnicas junguianas que valorizam bastante os processos no-verbais e as artesexpressivas em anlise se aplicam bastante ao paciente somtico, j que este, como jenfatizamos, no tem acesso ao smbolo, pelo menos em boa parte do processo analtico.So pacientes extremamente presos s literalizaes; uma dor de coluna que afaste opaciente do trabalho desafiador ser s uma dor de coluna, uma cefalia ao ser abandonadapelo namorado numa festa ser s uma cefalia, sem maiores significantes simblicos, eimpenetrvel a qualquer interpretao do analista.

    No construto junguiano do topografia mental, o arqutipo do Self representa atotalidade da psiqu, incluindo o consciente e o inconsciente. O arqutipo do Self contmem si todos os demais arqutipos, e a criana, ao nascer, trar em si a totalidade chamadaSelf original, antes que processos chamados deintegrativos seguidos de progressivasintegraes (FORDHAM, 1981) faam com que partes desse Self se expressem comooutros arqutipos, como Grande Me, Pai, Sombra, Anima e Animus, Persona, e aestrutura que no considerada arqutipo, mas um complexo, o complexo ego alm doSelf corporal, um importante deintegrado do Self original. Essas variadas estruturas seformam gradualmente por sucessivos processos deintegrativos e integrativos em todavida, no que Jung chamou de processo de individuao.

    Foge ao escopo do presente trabalho entrar em mais detalhes sobre os arqutiposjunguianos, mas importante enfatizar que processos patolgicos graves, inclusivepsicoses, tm sua psicodinmica explicada pelo ps-junguiano FORDHAM (1981), comoperturbaes precoces do processo deintegrativo, pelas quais no se organizamdeintegrados do Self, mas elementos des-integrados do Self. Isto porque os Self-objetos,tanto internos quanto externos (corpo e arqutipos parentais) guardam as caractersticasdo Self original; na valorao dos processos mentais inconscientes predomina a noodo pars pro toto, a parte tem as caractersticas do todo, isto , do Self original.

    Na estruturao do ego, o arqutipo da maior importncia o da Grande Me, umdos primeiros deintegrados do Self. A Grande Me se manifesta em um universo no-verbal, no qual os sentimentos e o conforto fsico so fundamentais na organizao dapersonalidade. A nfase do arqutipo do pai, verbal, como princpio do logos e da lei,ocorre pelo primeiro ano de vida, pela bbide-estao, fala, controle dos esfncteres. Htodo um complicado esquema corporal associado com a constelao desses arqutipos,complementares entre si, sobre os quais no nos estenderemos (NEUMANN, 1992). Aescola psicanaltica se deteve em detalhe sobre a estruturao do ego infantil. Entretantoo que nos importa aqui, dentro da psicodinmica arquetpica, que o arqutipo daGrande Me predomina no universo da criana em seu primeiro ano de vida.

    importante lembrarmos sempre que o termo arqutipo da Grande Me noenvolve necessariamente o que os junguianos chamam de me pessoal, mas qualquerpessoa, analista, estrutura ou grupo que desempenhe as caractersticas do arqutipo que como contedo do inconsciente coletivo comum a todas as pessoas e est presentedurante toda a vida e no apenas na primeira infncia, quando predomina. Um adultoque se dissocie desse arqutipo apresentar distrbios tpicos, e dissociao dos instintosbsicos, como sexualidade, fome, ritmo de viglia e sono. interessante uma abordagem

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    Dentro da perspectiva psicossomtica, cumpre definir uma defesa psicossomtica,embora esta conceituao ainda no tenha encontrado aceitao geral. A defesapsicossomtica, para alguns ainda mais primitiva que a defesa psictica, tambmchamada de represso. As diversas tradues do original alemo das obras de Freud seprestam a confuses quanto ao termo represso, pois ele freqentemente confundidocom recalque, mas so coisas inteiramente diferentes.

    A caracterstica bsica da represso que ela, ao contrrio das outras defesas, no eficaz em relao representao. Num segundo momento, buscando eficcia contracontedo incompatvel, a supresso ir incidir sobre o contedo afetivo da representao.Por isso se diz que a defesa psicossomtica incide sobre o afeto, e isto uma particularidadesua, entre todas as defesas.

    A supresso se faz com grande custo, pois o afeto, ao contrrio da representao,est muito prximo da descarga pulsional, que tem origem somtica. O sintoma somtico bsico, arcaico e primitivo, no sendo interpretvel. As conseqncias terico-operacionais da represso como mecanismo de defesa da somatizao so enormes, poisnos ajudam a tentar situar as patologias do corpo-mente dentro de uma psicodinmicageral.

    CORREIA FILHO (1992) sustenta com propriedade que, alm da represso, operano fenmeno psicossomtico a clivagem do ego. A clivagem explica por que tambmpacientes com estruturas histricas ou psicticas podem apresentar ao mesmo tempo ofenmeno de somatizao com seu necessrio mecanismo de represso.

    importante lembrar que Freud iniciou seus trabalhos a partir das observaesde Charcot em pacientes histricos. A observao sobre a histeria constitui a pedrafundamental do edifcio da psicanlise, e nessas observaes a relao dos contedosrecalcados e as manifestaes somticas no fenmeno conversivo so bem conhecidas.O corpo simblico na histeria fica assim bem elucidado e explicado, a partir de umapsicodinmica elaborada. A psicanlise serve aos histricos, favorecendo a integraodos contedos reprimidos, e ao mesmo tempo a histeria serve psicanlise, fornecendoas bases para um construto mental. significativo assinalar que na histria da psicanlisea histeria a patologia que melhor responde abordagem da cura pela fala, enquantoque resultados menos significativos so obtidos em outras neuroses, principalmentenos chamados transtornos obsessivos compulsivos.

    Mas gradualmente a psicanlise comeou a procurar de forma mais sistematizadaas relaes entre a psiqu e o corpo, nas patologias ou sintomas corporais de provvelorigem psicognica, mesmo em situaes que no a histeria.

    Franz Alexander, o organizador da chamada Escola de Chicago, na dcada de 50,deu os primeiros passos em direo a essa sistematizao, desenvolvendo o que chamoude especificidade de fatores emocionais nos distrbios somticos, isto , cada tipo depersonalidade tenderia a ter determinado tipo de patologia orgnica.

    A abordagem de Alexander acabou por no ter sustentao terica ou clnica, etem validade apenas genrica, sem o necessrio rigor para um refencial terico-operacional confivel. A busca desse referencial fundamental em medicinapsicossomtica, pois se a psicanlise instituiu uma metapsicologia para a abordagem doinconsciente e a psicologia analtica trabalha com o referencial do arqutipo, a interligao

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    do corpo-mente no foi ainda claramente explorada, ou pelo menos sedimentada nateoria e na clnica.

    No estamos aqui, quando trabalhamos com a questo do diagnstico, apenasnomeando sintomas, rotulando, como se costuma dizer, nem obedecendo apenas aoautomatismo mgico inconsciente de que nomina est numen, o nome poder. Adiferenciao diagnstica traz consigo uma sistematizao dos sintomas, e uma tentativade compreenso da psicodinmica corpo-mente.

    Podemos de incio fazer a importante afirmao terico-clnica de que nasconverses o corpo simblico, enquanto que nas somatizaes o corpo no simblico. Da a eficcia da abordagem analtica com os chamados pacientes histricos.

    Trabalhando com a conceituao dos sistemas de defesa do ego, podemos entenderque no fenmeno conversivo ocorre o rrrrrecalqueecalqueecalqueecalqueecalque, enquanto que na somatizao omecanismo defensivo a rrrrrepreprepreprepressoessoessoessoesso, da o corpo no ser simblico.

    Na hipocondria, o corpo tambm permanece em sua concretude literal; a eficciado smbolo no acessvel conscincia ou a qualquer interpretao do analista, o qual freqentemente induzido por mecanismos contratransferenciais a interpretar o no-interpretvel, j que o smbolo no atua. A violncia da interpretao, nesses casos, sleva a uma maior resistncia por parte do paciente. Os sintomas corporais, na hipocondria,so mutveis, havendo uma vivncia de delrio corporal. como se o corpo perseguisseo paciente, sendo vivenciado, porm como no sendo simblico (CORREIA FILHO,1992).

    A nfase dada pelas conceituaes modernas da psicossomtica ao smbolo semelhante abordagem da psicologia analtica. No entanto, h uma diferena essencial,que no nosso entender abre caminho para a originalidade das contribuies da psicologiaanaltica: a Escola de Paris valoriza o smbolo como linguagem, enquanto que apsicologia analtica v o smbolo no s como linguagem, mas essencialmente comoimagem.

    Essa diferena de conceituao fundamenta inclusive as importantes abordagens no-verbais junguianas, usadas em pacientes somticos, que poderiam fundamentar umconstruto terico-operacional para as terapias do corpo/mente, que resumiremos adiante.

    Para Jung, o smbolo o mecanismo psicolgico que transforma energia. Empsicologia analtica h um constante cuidado em no se transformar o smbolo em sinal,j que o smbolo sempre polissmico, portador de sentido e transformador da psiqu,enquanto que o sinal se reduz a uma explicao redutiva e nica, sendo resultado deuma viso empobrecida do smbolo.

    Em trabalho clnico, Jung recomenda o constante circumambulatio, o andar emtorno do smbolo, sem reduzi-lo por interpretaes apressadas a um sinal. Diversastcnicas expressivas no-verbais, como desenho, modelagem, a caixa de areia com figurasdesenvolvida por Dora Kalff (WEINRIBB, 1992), so maneiras de circunscrever osmbolo sem interpret-lo. A psicanalista Katarina Kemper usou algumas vezes aexpresso interpretao aludida num sentido algo semelhante ao de Jung, que d abordagem cuidadosa da imagem simblica.

    Franz Alexander usou a expresso experincia emocional corretiva comofundamental para a abordagem clnica do paciente somtico. Winnicott, com seu conceito