croniquetas
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O Rio de Janeiro é tema central das crônicas e poesias de Belinha Elkind. Ela nos narra lembranças de sua infância e juventude, em passeios que nos levam ao Colégio Andrews, ao prédio Caparaó e à praia de Ipanema, que amava frequentar, quando o mar era azul e o choque de ordem ainda não era necessário. Belinha também fala sobre os personagens anônimos que todos os dias cruzam sua vida pelas calçadas cariocas, ou que observa com seu olhar crítico e suave, pela janela de seu charmoso apartamento. Uma bela homenagem à cidade onde nasceu e escolheu viver.TRANSCRIPT
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Andarilhos na madrugada
O contraste da aurora com as pessoas ainda
sombreadas por um céu azul escuro é absolu-
tamente estonteante... Do alto da janela, vis-
lumbro pequenas figuras que se locomovem
rapidamente para não perder, suponho, nem
um minuto do panorama que premia os não
sedentários: as primeiras horas do novo dia.
“Deus ajuda a quem cedo madruga” é uma
verdade comprovada; cabelos ao vento, bri-
lho no olhar, sangue circulando, por que não?
Vale tudo em qualquer idade...
Parece mentira, mas, esfregando suave-
mente meus pés no cobertor (ar-refrigerado
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muito frio no quarto), experimento uma tran-
quilidade momentânea da qual não quero me
separar tão cedo... Muito boa a sensação do
lençol gelado, dos travesseiros fofos, tal cum-
plicidade física não é pra qualquer um... Pre-
ciso ser muito cara-de-pau depois de todos os
alertas veiculados pela imprensa em relação
à saúde x sedentarismo, para ficar neste bem-
-bom sereno, quase paradisíaco...
Da janela para minha cama é um pulo
“muito grande”!
Cooper inventou, João Ubaldo escreveu,
Fernando Sabino reiterou: CAMINHEM!
Mas palavras como serotonina, adrenalina,
até mesmo penicilina, não fazem parte de
meus primeiros momentos de lucidez.
Bocejar, espreguiçar; com o nariz enfiado
nas almofadas, a maravilha da penumbra pre-
guiçosa… Dá até raiva ter de cumprir algum
compromisso previamente marcado, mesmo
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que seja na manicure! Reluto em colocar o
biquíni… Fui, durante muito tempo, “rata de
praia”: um raiozinho de sol e, “pimba”... Lá
estava eu bronzeando até os dentes!!!
Aos quase setenta, penso duas vezes antes
de ir ao terraço mergulhar na minha piscina
azul, morna e clorada... Só de vez em quando
me animo, ao reparar nas figuras bronzeadas
da moçada que passa em direção à água deto-
nada e areias nunca limpas de nossa outrora
maravilhosa orla do Leblon.
Mas o sol, agora inteirinho refletido como
Narciso em um mar que beira o verde-azula-
do, de longe, ah… Este é um espetáculo que
não podemos perder — mesmo porque ca-
rioca que se preza mora em balneário e joga
vôlei antes do trabalho, não tem opção: ou é
sol, ou NADA!!
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Mãos
Mãos que se entrelaçam ternas
ou que oram preces de louvor.
Ou que imploram milagres de vida e amor.
Mãos rudes de calos, árduos trabalhos,
cicatrizes tristes de grandes labutas.
Valerão a pena, tantas lutas?
Mas claro, vida é vida, sopro individual!
Cada mão que agita uma bandeira
torce por seu time e afinal
viver é lutar!
Mãos são instrumentos vivos de sobrevivência
para quem a dura experiência ensina que viver
é também e sobretudo amar!
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Intenso
A intensidade do olhar é capaz de nos fazer
virar a cabeça na direção de quem o lança...
Quanta adrenalina poderá uma pessoa gerar
quando consegue perceber uma energia real
vibrando por perto?
Acredito que o magnetismo pessoal, seja
do homem ou da mulher, é uma força deveras
poderosa, tanto quanto o disparo hormonal no
tão decantado “amor à primeira vista...”. Im-
pressiona-me o fato de um simples olhar —
talvez apenas supostamente simples — atingir
níveis tão poderosos de intensidade, sem levar
em conta idade, intimidade ou proximidade.
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Atento para um importantíssimo detalhe:
o romantismo! Seres humanos percebem, as-
sim como outros animais, uma química inex-
plicável, uma conexão particular que aguça
os sentidos, concentrando-os no seu eleito, se
subjetivamente correspondido, criando uma
situação ideal e específica de atração.
Não importa se, em paralelo, há um com-
promisso feliz, casamento, filhos ou situação
social integrada com amigos: nada parece im-
pedir este súbito e inesperado acontecimen-
to no advento deste contexto emocional. Por
vezes, se uma das partes for comprometida,
nem mesmo a percepção do cônjuge, que
sabe o que está ocorrendo e observa, sem to-
mar atitude alguma, literalmente “pagando
pra ver”, impede esta atração.
Porém, mais inquietante ainda, é o abso-
luto mutismo dos envolvidos, que não che-
gam a trocar uma palavra, comunicando-se