crônicas de raul pompéia: um olhar sobre o jornalismo ... · leitor, sua produção e...

Download Crônicas de Raul Pompéia: um olhar sobre o jornalismo ... · leitor, sua produção e atualização, revelando o universo de Pompéia - sua vida, suas ... parnasianismo, simbolismo,

If you can't read please download the document

Upload: phamquynh

Post on 10-Nov-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS

    HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E

    VERNCULAS PROGRAMA DE LITERATURA BRASILEIRA

    CRNICAS DE RAUL POMPIA: UM OLHAR SOBRE O JORNALISMO

    LITERRIO DO SCULO XIX Mrcia Aparecida Barbosa Vianna

    So Paulo

    2008

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LITERATURA BRASILEIRA

    CRNICAS DE RAUL POMPIA: UM OLHAR SOBRE O JORNALISMO LITERRIO DO

    SCULO XIX Mrcia Aparecida Barbosa Vianna

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Literatura Brasileira, do Departamento de Letras Clssicas e Vernculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutor em Letras .

    Orientador: Prof. Dr. Flvio Wolf Aguiar

    So Paulo

    2008

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho aos meus pais, Suzano e Zizi, que

    em um ato de amor e coragem, me deram oportunidade

    de chegar at aqui.

    (Saudades)

  • AGRADECIMENTOS

    professora Nelyse, por sua dedicao incondicional.

    Ao professor Flvio, por seu profissionalismo e

    providencial orientao.

    queles que iniciaram comigo esta caminhada, mas hoje

    dormem, profundamente: Jos Luiz, Meire, Me e

    Paulo.

    queles a quem amo, por todos os momentos de

    tristezas e alegrias, lutas e glrias: Val, Suzano,

    Guilherme e Juliana.

    E quele que me fortaleceu em todos os momentos, me

    guiando e conduzindo cada passo dessa conquista:

    Deus.

  • SUMRIO

    ndice ndice de Figuras

    Resumo / Abstract Introduo ....................................................................01

    Captulo I .......................................................................13 Captulo II ......................................................................46

    Captulo III .....................................................................93 Consideraes Finais ................................................141 Referncias Bibliogrficas ........................................145 Anexos.........................................................................152

  • NDICE

    INTRODUO .................. ................. ........................... ........01

    CAPTULO I.......... .................. .......... ........................... ........13

    1 TECENDO UM OLHAR SOBRE O SCULO XIX. .................. .13

    1.1 Um perodo marcante na histria brasileira: o contexto

    de Raul Pompia ..................... ......... ..........................15

    1.2 A imprensa efervescente de seu tempo ......................16

    1.2.1 O despertar do leitor pompeiano ...... ..................25

    1.2.2 Um novo tempero jornalstico: a crnica ............30

    1.2.2.1 Tipologia: Histrica? Literria?

    Jornalstica? ................. .................. . ......... 37

    CAPTULO II......... .................. .......... ........................... ........46

    2 O ENCONTRO COM O TEXTO: O CORPUS................ ........46

    2.1 As crnicas de Pompia apresentadas por Afrnio

    Coutinho ............... .................. ......... ........................48

    2.1.1 Apresentao da obra: as particularidades do

    texto verificadas atravs da catalogao das

    crnicas ......... .................. ................ ................59

    2.1.2 ndice Onomstico ............... ........................... .71

    2.1.3 Aspectos visuais e grficos caractersticos das

    publicaes contemporneas a Raul

    Pompia ................. .................. ........ ................81

  • CAPTULO III........ .................. .......... ........................... ........92

    3 UM OLHAR SOBRE RAUL POMPIA ........................... .......92

    3.1 Uma personalidade mpar...... .... ........................... ....100

    3.1.1 As particularidades de um estilo inovador....115

    A) A Potica: Glria Latente ................. .....................117

    B) A Crtica: Imprensa e Suicdios..... ....................125

    C) O Impressionismo: O Carnaval do Recife...........130

    D) A Poltica: Cu e Inferno............... .....................134

    CONSIDERAES FINAIS.......................................................................141

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...... ........................... ......145

    ANEXOS.............................................................................................................152

    Crnica 01 ... .................. .................. . ........................... ......152

    Crnica 02 ... .................. .................. . ........................... ......153

    Crnica 03 ... .................. .................. . ........................... ......154

    Crnica 04 ... .................. .................. . ........................... ......155

    Crnica 06 ... .................. .................. . ........................... ......155

    Crnica 07 ... .................. .................. . ........................... ......156

    Crnica 08 ... .................. .................. . ........................... ......157

    Crnica 09 (a) ......... .................. ....... ........................... .....158

    Crnica 09 (b) .............. .................. .. ........................... ......159

    Crnica 09 (c) .......... .................. ....... ........................... .....162

    Crnica 10 (a) .......... .................. ....... ........................... .....165

    Crnica 10 (b) .............. .................. .. ........................... ......166

    Crnica 10 (c) .......... .................. ....... ........................... .....168

  • Crnica 10 (d) .............. .................. .. ........................... ......170

    Crnica 11 ... .................. .................. . ........................... ......171

    CRNICA 12 (a) ......................... ....... ........................... ......175

    CRNICA 13 (b) .............................. .. ........................... ......178

    CRNICA 14 ................... .................. ........................... ......180

    CRONICA 15 ................... .................. ........................... ......181

    CRNICA 16 ................... .................. ........................... ......182

    CRNICA 17 ................... .................. ........................... ......184

    CRNICA 18 ................... .................. ........................... ......186

    CRNICA 19 ................... .................. ........................... ......186

    CRNICA 20 ................... .................. ........................... ......187

    CRNICA 22 Glria Latente ........... ........................... ......190

    CRNICA 23 - Imprensa e Suicdios ............................. .....194

    CRNICA 24 .- O Carnaval no Recife . ........................... ......198

    CRNICA 25 - Cu e Inferno ............ ........................... ......200

    TEXTOS DE OLAVO BILAC....... ......... ........................... ......204

    TEXTOS DE MACHADO DE ASSIS...... ........................... .....208

    TEXTO DE MRIO DE ANDRADE....... ........................... ......211

  • NDICE DE FIGURAS

    Ilustrao 1 - Jornal O Estado de So Paulo, 18 de outubro de

    1890, ano XVI, n. 4.696................ ..... ........................... .......88

    Ilustrao 2 Jornal O Estado de So Paulo, 25 de maro de

    1891, ano XVII, n. 4.822............... ..... ........................... .......89

    Ilustrao 3 - Jornal O Estado de So Paulo, 30 de agosto de

    1892, ano XVIII, n. i legvel ........................................... ........90

    Ilustrao 4 - Jornal O Estado de So Paulo, 31 de janeiro de

    1893, ano XIX, n. 6.841................ ..... ........................... .......91

  • RESUMO

    Este trabalho acadmico prope um olhar sobre as

    crnicas do autor Raul Pompia, jornalista pol t ico, conhecido

    por seu romance O Ateneu, clssico da Li teratura Brasi leira,

    entretanto pouco reconhecido por suas publicaes na imprensa

    peridica nacional do sculo XIX, principalmente nos folhetins,

    durante os anos de 1880-1894, poca em que contribuiu

    intensamente com a publ icao de seus escri tos, como

    observador dos fatos e dos acontecimentos do cotidiano do povo

    brasileiro. Faremos uma anl ise da potica vigente em suas

    crnicas, cuja r iqueza da linguagem reflete o autor l i terrio,

    jornal ista e consequentemente historiador, uma vez que o ato da

    escri ta fez parte da vida do cronista, e tornou-se um espelho da

    sociedade brasileira do final do sculo XIX, nas pginas da

    Revista I lustrada, do Dir io de Minas, do jornal O Farol, do

    O Estado de So Paulo, do Jornal do Comrcio, da Gazeta

    de Notc ias e da Gazeta da Tarde.

    ABSTRACT

    This paper proposes an academic look at the chronicles of

    Raul Pompia , a poli t ical journalist, famous for his novel O

    Ateneu, classic of Brazil ian li terature, but l i t tle known by i ts

    national periodical publications in the press of the 19 th century,

    especially in serials, during the years of 1880-1894, when he

    contributed constantly to the pol i tical though of his t ime with the

    publication of his wri t ings, as an observer of facts and events of

    everyday l i fe of the Brazi l ian people. We wil l perform an analysis

    of the poetic force in his i ts chronicles, which reflect the richness

  • of the li terary language of this author. He was a journal ist but

    became also a historian consequently, since his wri t ings became

    a mirror of Brazil ian society at the end of the 19 th century, in the

    pages of Revista Fluminense, O Estado de So Paulo, Jornal

    do Comrcio, A Provncia do Esprito Santo, Gazeta de

    Notc ias and Gazeta da Tarde.

    PALAVRAS-CHAVE

    Crnicas - imprensa brasi leira do sculo XIX cotidiano -

    potica - discursos jornal sticos / l i terrios

    KEY WORDS

    Chronicles; the Brazi l ian press of 19 t h century; dai ly l i fe; poetic;

    journal istic and l i terary discourses

  • [...] assim como venho, eu me apresento melhor.

    Se viesse significar-vos alguma cousa mais do que

    meus prprios sentimentos, tenho para mim que traduziria

    alguma cousa menos do que a minha sinceridade. Aprecio

    mais o voluntrio que o soldado, prefiro o francs ao suo.

    Respeito a quem marcha por obedincia; a quem marcha por

    entusiasmo eu admiro. A obedincia produz os bravos, mas

    o entusiasmo faz os heris.[...]

    Raul dvila Pompia

    (1863-1895)

  • 1

    INTRODUO

    . . . ele, que em matria de armas s manejava

    bem a pena.. 1

    (Bri to Broca)

    Nossa inteno, neste trabalho acadmico, efetuarmos

    um olhar sobre o domnio l i terrio surgido com o consumismo

    burgus do sculo XIX, via folhetins, caracterizado por suas

    publicaes, entre elas a crnica, incorporada aos hbitos da

    imprensa brasi leira, atravs de Raul Pompia.

    Esse olhar se ater a pontos especficos: prestaremos

    ateno na retrica, na erudio, na linguagem, no subjetivismo

    e nas particularidades do texto pompeiano, conjugados com o

    contexto geral em que as crnicas se inseriram.

    Tal anl ise impl ica nas relaes assimtricas entre texto /

    lei tor, sua produo e atualizao, revelando o universo de

    Pompia - sua vida, suas particularidades, seus ideais, suas

    inovaes, suas lutas e os reflexos em seus lei tores.

    Esta hiptese de pesquisa basear-se- na exposio de

    uma problemtica especial o confl i to da criao e da inovao

    potica de do autor, cujos aspectos adquiri ram uma

    particularidade dentro do estilo da poca real ismo,

    parnasianismo, simbol ismo, impressionismo - resul tando em

    produes nicas, eclticas, de valor mpar diante do contexto

    do sculo estudado, tempo em que os grupos sociais

    desenvolveram di ferentes l inguagens, mas criaram um senso

    comum, uma referncia coletiva. Esse modelo textual instaurou o

    movimento da comunicao, mas dependeu do repertrio do

    lei tor e das estratgias de lei tura propostas para que houvesse

    1 Brito Broca, Raul Pompia, So Paulo, Ed. Melhoramentos, s/d, pg. 61.

  • 2

    uma atual izao dos sentidos e tornasse os textos correlatos

    conscincia de seu intrprete.

    Esperamos contribuir assim para o estudo dos cnones da

    Li teratura Brasileira, que ainda precisam ser lapidados, como

    veremos ao longo desta pesquisa, que visa apresentar, no a

    total idade da produo do autor, por ser ampla, mas uma

    amostragem da originalidade da escri ta e da potica dele,

    expressas e publ icadas por um perodo de quinze anos nas

    pginas dos mais variados meios de comunicao; e que hoje,

    mais de um sculo da data de produo, so o nosso foco de

    estudos, por sua plural idade temtica, abrangendo vrios

    gneros: o histrico, o l i terrio e o jornal stico.

    Observaremos o discurso das crnicas de Pompia, a f im

    de v-lo como reflexo do meio social em que esteve inserido,

    consti tuindo a realidade de seu tempo, mostrando sua opinio

    sobre os acontecimentos pessoais e contemporneos. Ele

    apresentou toda uma ideologia das classes sociais de ento,

    presente no contexto da produo, que i lustrou os fatos e as

    notcias do cotidiano, alm de focar os principais

    acontecimentos do Brasi l .

    O conhecimento e a interpretao das crnicas

    jornal sticas de Raul Pompia traaram um plano coincidente,

    portanto, tentaram, anal isar simultaneamente o ponto de

    aplicao li terria, em que importou mais como o escritor d isse

    (a particularidade da escri ta) a um ponto de apl icao

    jornal stica, onde o fator principal foi o que o jornal ista d isse (a

    notcia, a sua funo referencial na clssica definio de Roman

    Jakobson).

    O autor representou os ideais de sua poca, um retrato

    histrico do estilo de vida e da l i teratura do pas, cujos autores

    lutaram com palavras, sentimentos e posicionamentos i rnicos

    para combater as desigualdades em um momento de

  • 3

    transformao pol t ica, religiosa e econmica que configuraria

    em um Brasi l menos aptico, mais at ivo nas revolues scio-

    cul turais internas.

    Ele contraps alguns requisi tos convencionais do formato

    da crnica, j que esta geralmente possua uma l inguagem mais

    leve, clara e de fcil entendimento ao lei tor. Os textos do autor

    eram mais densos e em algumas ocasies, extensos, com um

    vocabulrio r ico, uma crt ica velada ao academicismo, como

    checaremos em Glr ia Latente. Nela ele revelou uma

    maturidade esttica como autor.

    Anotem-se, ainda, a presena da base da potica da

    cul tura clssica, muita lei tura e experincias pessoais adquir idas

    nos mais variados acontecimentos que particularizaram o final

    do sculo, principalmente na crnica Cu e Inferno,

    focal izando os aspectos pol t icos e os jogos de interesse de um

    perodo de transio e construo de uma nova real idade para o

    crescimento e desenvolvimento intelectual do Brasil , a

    conturbada passagem do Imprio para a Repbl ica.

    A crt ica desmedida, faci lmente poderia lhe dar o apelido

    de boca do inferno do sculo XIX. Esta esteve sempre presente

    em suas l inhas. Um exemplo disso pode ser visto na crnica

    Imprensa e Suicd io, onde apresentou sua opinio sobre o

    jornal ismo sensacional ista em vigor na poca, com ci taes em

    latim, um amplo domnio do pensamento medieval ,

    demonstrando uma plural idade cul tural e sua posio pessoal

    sobre o tema desenvolvido.

    Outro aspecto, talvez a caracterstica mais evidente do

    autor, se apresentou no relacionamento e na plasticidade de sua

    produo li terria. O cromatismo e o impressionismo

    configuraram as l inhas de O Carnaval no Recife, um misto de

    recursos lingsticos aplicados com perfeio, e a sensibil idade

  • 4

    exposta em um jogo de smbolos, imagens e cores, revelando a

    sua apreciao da cul tura popular do povo brasi leiro.

    Nos textos de Raul Pompia os lei tores encontraram

    relaes confl i tuosas relacionadas subjetividade e i ronia. A

    subjetividade deveria ser interpretada de acordo com o contexto

    cul tural do receptor; j a i ronia formou a configurao,

    permitindo ao lei tor identi ficar a relao entre os signos que

    surgiram no decorrer da lei tura. Essa configurao fragmentou-

    se numa multiplicidade de associaes imaginrias, nem sempre

    esgotveis, servindo de pano de fundo da i ronia

    problematizada, agindo sobre o jogo individual criado pela

    imaginao, visando identi ficar as correlaes entre os signos e

    fazendo aparecer o ato de compreenso como um encadeamento

    de reaes indispensveis ao entendimento.

    Conseqentemente, compreenderemos a escri ta do autor,

    num paralelo de antecipao estil stica, como muito simi lar aos

    ideais modernos de transgresso l i terria e formal, de inegvel

    autenticidade, na busca de uma nova criao esttica, ao inserir

    di ferentes tendncias que configuraram um processo de

    crescimento profissional inigualvel ao longo de seus quinze

    anos de atividade na imprensa.

    A crnica do sculo XIX, os romances, os contos, os

    poemas em prosa, apresentados por ele, se encontram em uma

    coletnea de 10 exemplares das obras completas, organizada

    por Afrnio Coutinho2, antologia de sua produo l i terria,

    localizada nos volumes VI,VII,VIII e IX, bem como os cotidianos

    folhetinescos produzidos ao longo de sua carreira.

    Por ser extenso o nmero de crnicas apesar do curto

    perodo de produo do autor, para esta anl ise, faremos um

    recorte e selecionaremos o volume VII (Crnicas 02), como

    2 Afrnio Coutinho, Obras / Raul Pompia: organizao e notas de Afrnio Coutinho e assistncia tcnica de Eduardo de faria Coutinho, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, Oficina Literria Afrnio Coutinho, FENAME, 1981-1983.

  • 5

    nosso corpus, por ter sido o primeiro exemplar da coleo a que

    tivemos acesso e dele ter surgido esta proposta de pesquisa.

    Nessa produo encontram-se 300 textos publ icados nos

    seguintes meios de comunicao: Revista I lustrada, Dir io de

    Minas, O Farol, O Estado de So Paulo, Jornal do

    Comrcio, Gazeta de Notc ias e Gazeta da Tarde, durante o

    perodo de 24 de abril de 1880 at 03 de outubro de 1894, cujos

    originais podem ser encontrados no acervo da Bibl ioteca

    Nacional, no CEDAP3 e no CEAC4. Deste modo enxugaremos e

    delimitaremos o corpus em um perodo de grande signi ficao

    para a histria pol tica, social , jornalstica, artstica e l i terria

    brasileira.

    Atravs de um perfi l de modernizao, a crnica

    enriqueceu as pginas dos noticirios com o espri to da

    inteligncia e da expresso dos escri tores. No Brasil , nesta

    modal idade textual nomes da nossa li teratura revelaram-se,

    como Machado de Assis em A Semana publ icada na Gazeta

    Mercanti l , Jos de Alencar, na seco Ao correr da pena, do

    Correio Mercanti l , Olavo Bilac, na seo Vida Fluminense, no

    Combate e vrios outros autores do sculo XIX.

    Para alguns estudiosos, como S (1999)5, MEYER (1996)6

    CNDIDO (1992)7 e MELO (1987)8, esse formato, com todas as

    suas particularidades, despertou interesse. Porm, por muito

    tempo foi classi ficado como um gnero de carter menor,

    pejorativamente recebendo a denominao de - ao rsdo-cho .

    O foco de discusso desta pesquisa acadmica nos levar

    aos seguintes questionamentos: Quando um texto deixa de ser

    3 CEDAP Centro de Documentao e Apoio Pesquisa, UNESP Assis/SP. 4 CEAC Centro de Estudos Afrnio Coutinho, localizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que mantm um espao reservado para os documentos coletados pelo pesquisador. 5 Jorge de S, A Crnica, So Paulo, Editora tica, 1999. 6 Marlyse Meyer, Folhetim: uma histria, So Paulo, Companhia das Letras, 1996. 7 Antnio Cndido et al, A vida ao rs-do-cho, in A Crnica: o gnero, sua fixao e suas transformaes no Brasil, Rio de Janeiro, Fundao Casa de Rui Barbosa, 1992, pp.13-22. 8 Jos Marques de Melo, A crnica, in Jornalismo e Literatura, Actas do II Encontro Luso-Afro-Brasileiro, Lisboa, Ed. Vega, 1987.

  • 6

    objeto da imprensa, sintonizado no real imediato, e passa

    condio de arte atemporal? O que di fere uma atividade da

    outra? Como eram tratadas as notcias veiculadas nos folhetins?

    Por qu? O que di fere Raul Pompia dos outros autores da

    poca, como Olavo Bi lac e Machado de Assis? O que h em

    seus escri tos que apontam uma nova esttica denunciadora da

    si tuao pol tica, do cotidiano? A crt ica? A i ronia? A linguagem?

    O formato? Qual a sua contribuio para a crnica histrica /

    jornal stica / l i terria da poca?

    Estudaremos na crnica, fazendo a relao entre os textos

    histricos, jornal sticos e l i terrios, propondo um entrelaamento

    entre eles, em um processo transdisciplinar, apresentando uma

    tr ipla face bastante suscetvel de aperfeioar a concepo de

    gnero em uma estrutura pr-determinada por cada modal idade.

    Veremos que as di ferentes possibi l idades de lei tura da

    representao do passado confundiram-se, pois reconsti turam

    os acontecimentos histricos no contexto da imprensa do sculo

    XIX. Essas crnicas apresentaram impl icaes mais amplas do

    que apenas a evocao da realidade ou mesmo do que a sua

    esttica, mas tambm envolveram questes ticas, ideolgicas,

    valorativas ou mesmo as l imitaes impostas ao cronista, por

    questes pessoais ou tcnicas.

    Os tericos facil i taro o entendimento do contedo

    jornal stico, histrico e l i terrio do autor, formador de um jogo de

    palavras e idias, possibi l i tando visualizar a fora i rnica

    contida em sua retrica, alm de podermos observar a

    legibil idade e a visibi l idade nas crnicas caricaturais criadas

    para ci tar pessoas e si tuaes, muitas vezes formando um vis

    de conceitos e crt icas sociais coerentes com o perodo

    abordado, mas sempre com parmetros de construo bem mais

    avanados do que os da esttica que era sua contempornea.

  • 7

    Citamos ISER (1979)9 ao apresentar seus conceitos sobre

    o efei to do texto no lei tor, trazendo um exemplo da mobi lidade

    do ponto de vista da lei tura, fator de suma importncia anlise

    do texto jornal stico, pois este di feriu do ficcional ,

    principalmente na abordagem dada pelo autor:

    [ . . . ] o prprio do texto l i terrio concentrar-se nos vazios comuns a todas as relaes humanas, explor-los, torn-los sistemticos. Diante do texto f iccional, o leitor forosamente convidado a se comportar como um estrangeiro, que a todo instante se pergunta se a formao de sentido que est fazendo adequada leitura que est cumprindo. Pois s mediante esta condio, a assimetria entre o texto e leitor poder dar lugar ao campo comum de uma situao comunicacional.

    A teoria iseriana mostra ser na memria que o lei tor

    encontrou liberdade suficiente para harmonizar a multiplicidade

    desordenada da vida cotidiana, dando-lhe uma coerncia formal

    do fato, possibil i tando, talvez, a nica maneira de reter os

    sentimentos das experincias vividas.

    Nesse fundamento terico veri ficaremos a crnica como

    gnero histrico, vista pela crt ica em geral , assim como pela

    crt ica l i terria em particular, baseada na questo da recepo,

    da esttica, do ponto de vista do lei tor - diacrnico e sincrnico

    propostos pelo terico dentro dos horizontes de expectativas

    de cada momento mencionado.

    Na concepo iseriana, senti r o texto um acontecimento

    correlacionado ao conhecimento e sensibil idade de quem l. A

    forma de expresso articulou no lei tor pompeiano um processo

    de realizao que se desenvolveu em sua mente, surgindo a

    certas ambigidades, estimulando a formao de obras opostas,

    9 Wolfgang Iser, O ato da leitura: uma teoria do efeito esttico, Trad. Johanes Kretcmer, So Paulo, Editora 34, 1996, pg. 24.

  • 8

    construindo uma configurao compensatria e desfazendo as

    di f iculdades encontradas no decorrer da lei tura.

    Por isso, para o estudioso, essas relaes estabeleceram

    um processo de desenvolvimento da compreenso que no pde

    ser desfei to, pois signi ficou o envolvimento do lei tor com a obra.

    Esse fez o texto estar presente no ser e colocou o ser presente

    no texto. Consti tuiu um momento decisivo da lei tura, onde

    numerosos fenmenos ocorreram simultaneamente,

    desempenhando importantes funes no ato de compreenso da

    crnica e de seu signi f icado.

    Ento, segundo a teoria iseriana, medida que leu as

    crnicas de Raul Pompia, surgiu uma interao entre o

    pensamento do lei tor e suas experincias passadas, medida

    que essa interao colocou em jogo dois processos sol idrios: a

    desordem do status da experincia antiga e a formao de uma

    nova experincia, se observou a compreenso do texto, vista

    no como um processo pacfico de acei tao, mas sim como a

    resposta produtiva a uma si tuao vivida. Era a soma das

    experincias e idias diretivas do lei tor.

    Com a teoria de JAUSS10, nos inteiraremos da funo de

    lei tores, ou seja, pessoas preparadas para a lei tura e a anlise

    crt ica da produo li terria, dialogando com o efei to da

    recepo encontrada na mesma. Procuraremos saber o que os

    textos de Pompia provocaram, e ainda provocam (por sua

    atual izao), de acordo com a capacidade de cada um em ler,

    interpretar e compreender a mensagem, resul tando em mltiplas

    vises sobre o mesmo texto, bem como entender as motivaes

    que levaram uma determinada obra a ser produzida sob certo

    enfoque, a f im de encontrar coerncia com o acontecido, para

    perceber os sentidos dos mecanismos al i presentes.

    10 Hans Robert Jauss, Pour Une Esthtique de la rception, Traduit de lAllemand par Claude Mailiard, Paris, Gallimard, 1994.

  • 9

    Assim sendo, visaremos no apenas a representao das

    crnicas em si e seu signi ficado histrico, mas sim o contexto

    em que elas foram produzidas. O nosso interesse encontra-se na

    grandiosidade da obra em seus diversos momentos. No entanto,

    seria pretensioso imaginarmos a possibil idade de se fazer uma

    anlise total (mesmo que isso fosse possvel) na abrangncia

    que se prope esta tese.

    Portanto faremos anl ise de algumas crnicas, atravs de

    amostragem, pr-selecionadas, focal izando as idias e

    posicionamentos do autor a respeito de seu mundo, como um

    objeto de denncia de problemas da vida contempornea.

    Levantando os dados jornal sticos contextuais da produo

    de Raul Pompia atravs de pesquisa na imprensa peridica da

    poca, teceremos o texto com uma anl ise descri t iva /

    argumentativa, aps termos em mos uma parte do acervo das

    publicaes em peridicos, e meios onde foram publ icados;

    aval iaremos a comunicao dos textos, atravs do

    posicionamento terico sugerido por GENETTE11, da concepo

    de peri textos, observando aspectos do projeto grfico da

    publicao e da tecnologia oi tocentista, in loco , do texto

    pompeiano no jornal O Estado de So Paulo12, com o auxl io

    terico de COLLARO13 (1996); conjuntamente s crnicas -

    co.textos (a produo histrica, jornal stica e l i terria),

    conhecendo o universo do veculo de comunicao - contexto (o

    momento pol t ico, social e econmico).

    Em face disso, o primeiro captulo visar compreenso

    do olhar do lei tor sobre o momento vivido pelo escri tor Raul

    Pompia, a imprensa vigente e a arte da escri ta desenvolvida

    nos folhetins, caracterizados como veculos informativos e

    11 Gerard Gennette, Palimpsestes, Paris, Editions du Seuil, 1982. 12 Estas edies so uma excees, pois no se encontram no volume citado, mas em posse do material to rico e concreto, e devido raridade de encontrarmos as publicaes originais, as utilizamos na pesquisa. 13 Antonio Celso Collaro, Projeto grfico: teoria e prtica da diagramao, So Paulo, Summus, 1996.

  • 10

    cul turais de uma poca muito importante para a formao e

    consol idao da Li teratura Brasileira, o sculo XIX.

    Tal anlise impl icar nas relaes autor / obra / lei tor,

    revelando o universo de Pompia. Procederemos pesquisa do

    meio contextual , observando as ideologias e as caractersticas

    brasileiras vigentes, onde se esboam as relaes intelectuais

    entre o escri tor e a sociedade.

    Por ser a anlise inicial , o enfoque scio-histrico

    observar as formas simbl icas transmitidas e recebidas em

    momentos e condies especficas, dentro do processo de

    produo, circulao e recepo das crnicas.

    Dando seqncia, veri ficaremos a recepo do lei tor ante

    esses textos e sua pluralidade de gneros - o sentido do

    histrico, do li terrio e do jornal stico, e a conjuno entre eles

    (ato transdisciplinar), atravs do aparato terico apoiado na

    esttica da recepo, segundo ISER14 e JAUSS15 .

    Discuti remos ainda, a problemtica da esttica e da crt ica

    artstica dentro de um determinado perodo, observando e

    expondo o contexto como uma relao em comum, de onde

    surgiram as produes l i terrias, suas estruturas, seus

    signi ficados e o seu papel social .

    No segundo captulo, relataremos o minucioso trabalho de

    pesquisa e a dedicao, ao longo de 20 anos, do mestre Afrnio

    Coutinho na coleta de documentos, publ icaes e materiais,

    resul tando na coleo Obras Raul Pompia , por ser nico e

    raro levantamento de toda a produo do autor.

    Para exempl i f icar a temtica ecltica, as personal idades

    ci tadas, perodos histricos e particularidades da escri ta,

    catalogaremos uma seo do autor, publ icada na Revista

    I lustrada, no ano de 1880, que consta no volume anal isado, com

    14 Wolfgang Iser,ob. citada, 1996. 15 Hans Robert Jauss, ob. citada, 1994.

  • 11

    enfoque especfico para este trabalho acadmico, de suma

    importncia em todos os mbitos analt icos.

    Apresentaremos recortes da produo original para

    analisarmos os veculos de comunicao onde foram publ icados

    os textos, como fontes de pesquisas documentais. Efetuaremos

    tambm o ndice onomstico de todas as crnicas nele

    publicadas16, para determinarmos as personalidades presentes

    na obra, alm de possibi l i tarmos eventuais estudos e pesquisas.

    No captulo posterior, o terceiro, conheceremos Raul

    Pompia, mostraremos o elo entre o autor e sua escri ta,

    resul tando em sua personal idade mpar, revelada em sua

    extensa produo cul tural e nas particularidades de seu estilo

    inovador. Desse modo, vol taremos ao nosso objetivo nesta

    pesquisa, s anl ises da potica expressa nas narrativas

    cotidianas do autor.

    A inteno si tu-los como informativos / f iccionais

    caractersticos do sculo XIX, tendo como foco o modelo l i terrio

    da poca, configurado em folhetins, com o auxl io de LIMA 17

    (2003), MELO18 (1987) e VIVALDI19 (1979) teremos a

    possibil idade de veri ficar a t ipologia dos escri tos, para

    classi fic-los como histricos / noticiosos ou histricos /

    l i terrios, os relacionando com os de outros escri tores

    contemporneos.

    Mas afinal , por que i r s crnicas de Raul Pompia? Por

    que l-las? O que buscar no trabalho de Afrnio Coutinho? Ser

    que essas indagaes, se resolvidas mostraro a importncia de

    Raul Pompia cronista?

    16 Esta pesquisa encontra-se na tese, sendo organizada pela prpria doutoranda durante o perodo de estudos. 17 Alceu Amoroso Lima, O jornalismo como gnero literrio, So Paulo, Editora da Universidade de So Paulo, 2003. 18 Jos Marques de Melo, ob. citada, 1987. 19 Gonzalo Martin Vivaldi, Gneros periodsticos, 2 ed., Madrid, Paraninfo, 1979.

  • 12

    Esperamos no desenvolvimento desta pesquisa chegar a

    essas respostas, alm de criarmos um vnculo entre

    pesquisador, lei tor e autor, para que todos entrem em sintonia

    com to interessante trabalho.

  • 13

    CAPTULO I

    Vais encontrar o mundo.. .

    20

    (Raul Pompia)

    1 TECENDO UM OLHAR SOBRE O SCULO XIX

    Este captulo da pesquisa tem como objetivo consti tuir a

    contextual izao temporal , de outro a sua presena na obra,

    observando os fatores que influenciaram o ento ainda novo

    gnero a crnica jornal stica. Esses pontos de referncia

    trazem ngulos sociolgicos, psicolgicos, ideolgicos,

    religiosos, l ingsticos e outros que agiram como um espelho e

    influram na viso de Raul Pompia e nas l inhas das

    publicaes, traando uma funo paralel stica entre a estrutura

    l i terria e a histria oi tocentista, conforme expe

    CNDIDO21(2006):

    [ . . . ] a primeira tarefa investigar as inf luncias concretas exercidas pelos fatores socioculturais. dif ci l d iscrimin-los, na sua quantidade e variedade, mas pode-se dizer que os mais decisivos se l igam estrutura social, aos valores e ideologias, s tcnicas de comunicao. O grau e a maneira por que inf luem estes trs grupos de fatores variam conforme o aspecto considerado no processo artst ico. Assim, os primeiros se manifestam mais visivelmente na definio da posio social do art ista, ou na configurao de grupos receptores; os segundos, na forma e contedo da obra; os terceiros, na sua fatura e transmisso. Eles marcam, em todo caso, os quatro momentos de produo, pois, a) o art ista, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-o segundo os padres da sua poca, b) escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a sntese resultante age sobre o meio.

    20 Raul Pompia, O Ateneu, Gazeta de Notcias, Rio de Janeiro, 1880. 21Antonio Cndido, Literatura e Sociedade, Rio de Janeiro, Ouro sobre azul, 2006, pg. 31.

  • 14

    Ao longo da carreira jornal stica / l i terria do autor

    percebemos o carter de denncia, de meditao e comentrios

    dos acontecimentos pol t icos. Sua produo resgatou episdios

    e automaticamente expressou os fei tos, os cenrios e

    personagens observados pelo prprio cronista como testemunha

    ocular, numa perspectiva pessoal de expor o seu tempo, para

    ser l ido e anal isado pelos contemporneos e pela posteridade

    como um produto social .

    Independente do momento de vida do autor, convm

    analisarmos o conjunto de informaes disponveis, das fontes

    para atualizao do fazer histrico, como especi fica

    HOBSBAWM22(1998):

    [ . . . ] O passado uma dimenso da conscincia humana, um componente inevitvel das inst ituies, valores e outros padres da sociedade humana. O importante analisar a natureza desse sentido do passado na sociedade e localizar suas mudanas e transformaes.

    Assim sendo as duas l timas dcadas do sculo XIX

    consti turam um marco na histria brasileira, por encerrar um

    perodo de intensas contradies e mudanas, revelando um

    momento conturbado, principalmente na Corte, com a

    urbanizao, a escravido, a abolio, a crise do sistema

    imperial , a formao de novos partidos pol ticos, o movimento

    republicano e o princpio do novo regime, dividindo as opinies

    da populao entre poder estar nas mos de um presidente civi l

    ou mi l i tar. Todos estes pontos fazem parte do processo de

    modernizao pelo qual o pas passou em meio s redes de

    poder e configuraes partidrias.

    Os reflexos dos acontecimentos acima ci tados atr iburam

    aspectos importantes para a compreenso dos textos publ icados

    22 Eric Hobsbawm, Sobre a Histria, So Paulo, Companhia das Letras, 1998, pg. 22.

  • 15

    na imprensa desse perodo, pois esta pode ser considerada um

    cone da modernidade, vista como ferramenta decisiva para

    romper o provincianismo, instalar o debate pbl ico, o desejo de

    mudanas, de progresso e as rupturas l igadas a horizontes

    tericos e ideolgicos consti tudos no Brasi l .

    A imprensa e seus profissionais estavam evoluindo, em

    termos de participao e influncia. Cada vez mais forte e

    ousada, ela comeava a ganhar um novo formato e a ser porta-

    voz da sociedade, refletindo as contradies sociais e pol ticas.

    O enfoque e o tratamento dado s produes textuais

    correspondiam ao entendimento e s concepes que a

    sociedade configurava do presente imediato ou mesmo dos

    indivduos, sobre quem a histria era escri ta, do meio cul tural

    em que fruam as idias e pensamentos contemporneos, como

    veremos nos contextos apresentados.

    1.1 Um perodo marcante na histria brasileira: o contexto de Raul Pompia

    Nos tempos de Raul Pompia o Brasi l passou por um

    verdadeiro momento de turbulncia social . Em seu curto perodo

    de vida, desde o nascimento em 1863, at a morte em 1895, o

    pas foi marcado pelas importantes transformaes econmicas

    e sociais do apogeu e fim do Segundo Reinado. Sua gerao

    viveu uma revoluo do mundo material , repercutindo em

    transformaes no mundo das idias.

    Na dcada de 60, as fazendas de cana-de-acar davam

    sinais de decadncia; o fim do trfico negreiro e a campanha

    abolicionista criaram di f iculdades de mo de obra. Os cafezais

    do Rio de Janeiro alongaram-se em direo ao planalto; e se

    expandiram s terras paul istas e mineiras. Nesse perodo a

  • 16

    cul tura cafeeira passou a monopolizar as exportaes

    brasileiras.

    Confl i tos entre a Igreja Catl ica e a maonaria geraram a

    chamada questo rel igiosa, em 1872, fazendo com que o

    Imperador D. Pedro II perdesse um de seus pontos de

    sustentao. Em meados de 1880, o s istema imperial entrou em

    decl nio, minado por si tuaes que agi tavam os mais diversos

    seguimentos da sociedade brasileira.

    Outro aspecto agravante consti tuiu-se em problemas

    mi l i tares, com o fim da Guerra do Paraguai, quando os

    combatentes reivindicaram uma maior participao na vida

    pol t ica brasileira e o regime republ icano descortinava-se como

    cenrio ideal para essa participao.

    Havia tambm a amargura dos infindveis trs sculos sob

    os grilhes do regime escravista, consol idado no perodo

    colonial e mantido depois da independncia. Possuir escravos

    no signi f icava apenas ter braos para trabalhar na lavoura

    cafeeira, mas sim um investimento financeiro al tamente lucrativo

    para muitos fazendeiros. Este modelo de explorao da mo-de-

    obra comeou a se consti tuir como um obstculo s idias de

    progresso e civil izao que circulavam pelo pas na dcada de

    1880.

    Sob a orientao de Lus Gama e Antnio Bento, muitos

    abolicionistas, entre eles Raul Pompia23, atuaram febri lmente

    no incentivo fuga e contra o aoi tamento de escravos fugidos

    das fazendas.

    A abol io da escravatura no Brasi l , alm de ser produto

    de um movimento social , se mostrou resul tado da ao de

    homens de imprensa, que se engajaram na campanha,

    23 Geralmente, quando o tema do abolicionismo vem tona, muitos nomes so citados, Raul Pompia, embora desconhecido atualmente pela histria escravocrata, participou ativamente ao lado de Lus Gama e seus seguidores, tanto na defesa intelectual, como na ajuda para a concretizao de fugas de escravos que sofriam abusos excessivos de seus donos, os encaminhando para o norte, onde primeiro a abolio foi declarada, no Cear e no Par.

  • 17

    contribuindo para acelerar o processo de mudanas, rompendo

    os paradigmas do conservadorismo, articulando o movimento

    abolicionista, resul tando em uma vasta mobi l izao popular com

    os intelectuais, as entidades antiescravistas, parlamentares e

    grupos sociais que no dependiam diretamente do servio

    escravo.

    A administrao governamental era composta pelos

    empregados pbl icos e a eli te pol t ica e intelectual . Os

    sucessivos ministrios refletiam a si tuao de um pas onde, o

    governo e a consti tuio eram compatveis com os parmetros

    da ol igarquia rural e do trabalho escravo. Em virtude dos

    desmandos e abusos de poder, as pautas extrapolavam os

    espaos dos jornais e ganhavam discusso do Parlamento.

    Contra esse pbl ico e o sistema de idias direcionadas aos

    objetivos pol t icos deles, Pompia protestou, voci ferou, como na

    seguinte crnica, o que documenta o seu envolvimento

    contextual :

    O projeto Pinhal, para honra da provncia de So Paulo, cair na Assemblia Provincial. o que consta imprensa.

    Cair de ventas, arrastando consigo as pretenses dos dous nicos l iberais que, dizem, tero a audcia de votar por ele, o autor e um clebre Joo Silveira, Deputado do Parlamento pela bossorocas de Casa Branca..

    Para que no adiantemos com muito entusiasmo os nossos aplausos oferecidos Provncia de So Paulo, chega-nos de Limeira, pelo Dirio Popular, a notcia de uma grande feira de carne humana naquela cidade. A examinar a mercadoria, havia at republicanos!

    Desejaramos estar presentes tal feira, para ver que cara tem esta espcie de gente que embrulha na mesma confuso de idias a opinio republicana e o faro de mercador de escravos.

    Enquanto na provncia das estradas de ferro e da iniciat iva part icular, no se houver acabado com esta vergonha dos mercados de carne humana, freqentados, para cmulo de ironia, por indivduos que se anunciam republicanos, enquanto o l iberalismo do Senhor de Pinhal t iver a coragem de fazer escndalos como o da lt ima

  • 18

    tentat iva, no h subveno provincial a companhias lr icas que consigam demosntrar em contrrio da m recomendao que valem tais misrias grande provncia.24

    Em 13 de maio de 1888, o Imprio cedeu s manifestaes

    l ibertrias e eliminou o escravismo. Comeava a a preocupao

    com a construo de uma nova nao, com a reforma agrria e a

    reintegrao dos ex-cativos sociedade.

    Na dcada de 90, o pas vol tou-se para outro momento, os

    confl i tos contra o trono e a luta pela Repbl ica. Ganho a causa,

    republicanos dividiam-se entre a sucesso mi l i tar do Marechal

    Floriano Peixoto, optando por um posicionamento mais rgido

    devido fragil idade e insegurana do momento, e uma possvel

    candidatura da autoridade civil . A sociedade viu-se em meio a

    discusses e intrigas, que s se findaram aps o luto dos

    florianistas, e a possibil idade de posse do primeiro presidente

    civil brasi leiro, Prudente de Morais.

    1.2 A imprensa efervescente de seu tempo

    A imprensa escri ta contempornea a Raul Pompia,

    associada desde o sculo XVIII na Europa com o surgimento da

    opinio pblica, teve seu prestgio social afi rmado, ao

    universalizar um novo modo de pensamento, valorizando a

    presena da razo, da cincia e da tecnologia.

    Aps a expanso do capital ismo, a unio entre as

    di ferentes possibi l idades de ao e os meios de divulgao

    permitiu o desenvolvimento da cul tura, apresentando outras

    formas de relacionamento social com a sociedade, trazendo

    cena pol tica a divulgao e o crescimento dos meios de

    comunicao, agindo na di fuso de cultura e pol tica.

    24 Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, 2 abr. 1886, in Afrnio Coutinho, ob.citada, vol. VII, pg. 81.

  • 19

    Desde o incio a imprensa desempenhou papel fundamental

    em todos os pases do ocidente ao longo dos sculos XVIII, XIX

    e XX. Sem ela, nenhum desses seria o que de fato . Cada povo,

    assim como cada pas, se tornou tambm o fruto de um longo

    processo de sucessivas acul turaes de mudanas dramticas

    no campo das comunicaes.

    As pessoas passaram a ter a necessidade de se informar

    ou de se inserirem no contexto social , consol idando uma forma

    inovadora de di fundir a realidade, fazendo do lei tor, no o

    sujei to dessa verdadeira nova indstria, mas sim seu objeto de

    ao, com o aumento da informao e a divulgao de fatos do

    cotidiano, paradoxalmente imortal izados pela efemeridade do

    jornal impresso.

    Foram assimi lando idias, princpios, sentimentos, criando

    uma cul tura de transmisso e aperfeioamento dos

    conhecimentos, alm da capacidade de intervir no destino

    coletivo, fortalecendo uma relao entre obra, autor e lei tor,

    como expl ica CNDIDO25 (2006):

    [ . . . ] uma trade indissolvel. O pblico d sentido e a realidade obra e sem ele o autor no se realiza, pois ele de certo modo o espelho que ref lete a sua imagem enquanto criador [ . . . ].

    A imagem social da imprensa, sempre esteve associada ao

    seu poder de influenciar a sociedade, possibil i tando a parti lha

    dos valores mais comuns, e tambm as di ferenas no papel

    social da sua capacidade de moldar mentes, criar relaes e s

    vezes gerar polmicas.

    A Histria da Imprensa Brasi leira, retratada por SODR26

    (1999) e MELO27 (2003), relata o incio tardio dessa em nossas

    25 Antonio Cndido, ob. citada, 2006, pg. 48. 26 Nelson W. Sodr, Histria da imprensa no Brasil, So Paulo, Martins Fontes, 1999. 27 Jos Marques de Melo, Histria Social da Imprensa: fatores socioculturais que retardaram a implantao da imprensa no Brasil, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2003.

  • 20

    terras, como conseqncia da condio colonial , o desinteresse

    de Portugal em trazer o desenvolvimento cul tural para o futuro

    pas, alm do controle das idias dos lei tores.

    Com um pbl ico lei tor restri to, mesmo depois da vinda da

    faml ia real e da independncia boa parte da populao vivia em

    reas rurais e t inha pouco acesso aos jornais. As matrias

    chegavam atravs de uma lei tura oral e coletiva nas praas ou

    em outros locais de social izao, caracterizando a real idade de

    um pas em que boa parte da populao era formada por

    escravos. Como o analfabetismo chegava a extremos, por isso a

    oralidade exercia a importante funo de comunicao, seno a

    principal .

    Como conseqncia, apesar das tentativas de implantao,

    os jornais surgiam e desapareciam com faci l idade. A estrutura

    deles muitas vezes resumia-se a um tablide de folha nica, com

    impresso na frente e no verso. Alguns circularam poucas vezes

    e tiveram fama temporria.

    Os primeiros passos da imprensa em terri trio brasileiro

    foram concomitantes com a instalao do Liceu de Artes, da

    Academia da Marinha e a Biblioteca Real, quando ento Dom

    Joo VI fez circular o primeiro jornal na Corte, produzido pela

    Tipografia Real, A Gazeta do Rio de Janeiro. Em 1808 ele saa

    duas vezes por semana. Em julho de 1821, passou a sair trs

    vezes; teve seu nome al terado, para Gazeta do Rio, tornando-

    se, j em 1824, Dir io do Governo e, posteriormente, Dir io

    Fluminense. Sete anos depois, tornou-se Correio Of ic ia l e,

    mais tarde Gazeta Of ic ial do Imprio do Brasil e Dir io

    Ofic ial, aps a proclamao da Repbl ica do Brasi l .

    Com a evoluo tecnolgica dos meios de transporte, de

    comunicao e dos avanos industriais; em especial , dos

    processos de impresso, a parti r de meados do sculo XIX,

  • 21

    houve o crescimento do volume e consequentemente da

    importncia da imprensa nacional.

    Nos primeiros jornais, que circularam no pas, havia total

    predominncia de noticirios, conduzindo a pol t ica no Imprio

    destacando a vida na Corte, as celebraes palacianas, a

    l i teratura, as artes e amenidades, j que a censura oficial era

    notria.

    Pouco a pouco, a imprensa ampl iou a abrangncia das

    notcias. Ela representava tambm o nico meio para as notas

    oficiais chegarem ao conhecimento de todos. Das pginas dos

    jornais surgiu um prisma que ref letia mais e melhor a

    complexidade do universo social : informaes mart imas, sadas

    dos correios, vendas de l ivros e peridicos, mapas, vendas de

    escravos e leiles etc.

    Com a proclamao da maioridade de D. Pedro II, em

    1840, se iniciou o Segundo Reinado. Neste momento o Rio de

    Janeiro contava com 226 mi l habi tantes.

    Os jornais acompanhavam o desenvolvimento, a expresso

    dos lei tores ganhou as pginas do impresso, os peridicos e

    revistas incluam artigos li terrios e acadmicos devido

    influncia de escri tores como Machado de Assis, Quintino

    Bocaiva, Joaquim Nabuco, Joaquim Manuel de Macedo e

    Bernardo Guimares.

    Surgiu pela primeira vez a gravura, quase toda base de

    desenhos e traos satr icos, como a caricatura, dando impulso

    crt ica pol tica e social . Nasceram, logo aps, os artigos de

    fundo, onde se misturavam comentrios, edi toriais, com

    l i teratura e notas variadas. O maior exemplo dessa nova fase, A

    Provncia, edi tado em So Paulo (1875), se transformou, mais

    tarde, no jornal O Estado de So Paulo.

    As tcnicas de impresso modernizaram-se, favorecendo a

    produo em maior escala. A di fuso cada vez maior do jornal

  • 22

    como meio de comunicao social , o aumento do nmero de

    pessoas al fabetizadas e a consolidao da classe burguesa

    propiciaram a formao de um grande e novo pblico, que

    passou a buscar na imprensa a representao de si tuaes com

    as quais pudesse identi ficar-se ou lhe fossem famil iares. A

    Gazeta de Notc ias tornou-se um dos grandes jornais da Corte,

    seu contedo vol tava-se para a el ite intelectual do pas (a

    advocacia, a medicina, o sacerdcio).

    Aos poucos a imprensa se modernizou ainda mais, isso

    veio acabar com os pequenos pasquins edi tados com apenas

    quatro pginas. Os pequenos jornais foram desaparecendo,

    cedendo lugar a outros rgos, que util izavam tcnicas que

    vinham de fora: O Dir io de Notc ias, Gazeta da Tarde, O

    Paiz, A Repbl ica, Jornal do Brasil, Tribuna Liberal, A

    Revista, O Malho, Fon-Fon, Careta, Correio da Manh, O

    Correio do Povo e A Gazeta. Isto consti tua uma real idade

    contradi tria, nem sempre vista com bons olhos, para o

    desenvolvimento cul tural do pas, como relata Raul Pompia em

    uma de suas crnicas:

    Dos quatro jornais que prenunciei sbado

    passado, j dois saram e um a Notcia morreu. E Notcia, ela viveu. O que vivem as notcias! o espao de um dia, coitada! Ficou porm ao

    Combate que promete viver a vida feliz dos combatentes afeitos luta.

    No Combate escreve, alm de muitos outros, Artur de Oliveira, uma verdadeira organizao l i terria.. . ou uma desorganizao se querem; mas veemente, sincera, robusta e fortalecida por longa camaradagem com a boa l i teratura. Natureza ardente, imaginao rdega, uma onomatopia ascendendo as espirais do entusiasmo para ir viver dans ces mondes de l ideial e ages heroiques ou saimaint dieux et deesses, desirant ou premier regard, jouissant au premier desir28, mas entusiasma-se pelo que bom e j nos deu um bom folhetim

    Felizmente! os bons folhetins vo sendo raros.. .29 28 Grifo nosso. 29 Afrnio Coutinho, ob.citada, vol. VII, pg. 16.

  • 23

    Outras modal idades de comunicao surgiram com o

    passar dos tempos; na fase logo anterior proclamao da

    Repbl ica marcou o nascimento das sentinelas, apareceram

    vrios jornais com o mesmo t tulo, todos originrios de

    Sent inela da Liberdade na Guar ita de Pernambuco, fundado

    por Cipriano Barata.

    O jornal passou a ser um meio de debate mais do que de

    notcia, parti lhando com o lei tor alm da cobertura do dia-a-dia,

    trazendo os acontecimentos de acordo com os pontos de vista

    dos autores, que ao escreverem suas crnicas pressupunham

    um lei tor informado, conhecedor das notcias da semana nos

    informativos e apreciador dos comentaristas.

    Com a modernizao, o Brasi l tambm recebeu influncias

    e alguns atrativos de sucesso na Frana, como o feui l leton,

    que chegou at aqui e foi moldado para a nossa real idade.

    Chamado de folhetim, suas pginas continham novelas,

    conversas e amenidades divulgadas nos rodaps das pginas

    dos jornais, como expl ica MEYER30 (1992):

    De incio comeos do sculo XIX le feuil leton designa um lugar preciso do jornal: o rez-de chausse r-do-cho, rodap, geralmente da primeira pgina. Tem uma f inalidade precisa: o espao vazio destinado ao entreteniment. E j se pode dizer que tudo o que haver de constituir a matria e o modo da crnica brasileira j , desde a origem, a vocao primeira desse espao geogrf ico do jornal, deliberadamente frvolo, que oferecido como chamariz aos leitores afugentados pela modorra cinza que obrigada a forte censura napolenica.31

    O processo de acul turao e recebimento de influncia

    estrangeira mexeu consideravelmente com os escri tores, pois

    viram a imprensa como espao de manifestao e abertura

    30 Marlyse Meyer, ob.citada, pg. 96. 31 Grifo nosso.

  • 24

    l i terria. Muitos autores comearam a escrever regularmente em

    revistas e peridicos, profissional izando-se posteriormente.

    Sobre esse aspecto SODR32 (1999) completa: os homens

    buscavam encontrar no jornal o que no encontravam no l ivro:

    notoriedade, em pr imeiro lugar, um pouco de dinheiro, se

    possvel.

    A l i teratura, enfim, comeava a ser consumida tambm fora

    dos crculos aristocratas, popularizando-se. Essa di fuso macia

    e a tentativa de profissionalizao dos escri tores foram dois dos

    principais aspectos que marcaram a cul tura brasi leira durante a

    implantao do jornal ismo em nossa terra no sculo XIX.

    A mercanti l izao da imprensa passou a ser inevi tvel , ao

    mesmo tempo desenvolveu-se a publ icidade, primeiramente de

    remdios e bebidas. Surgiram os jornaleiros, as bancas e os

    pontos de vendas.

    Os jornais e os intelectuais ganharam nova temtica,

    passaram a discuti r a Repblica, alguns ocupavam posies

    dspares, os grupos parti ram-se, digladiavam-se, agrediam-se e

    at duelavam. Enfrentou-se uma verdadeira doena pol tica

    desunindo os jovens ideal istas. Com a proclamao, e a

    formao dos dois grupos adversrios - f lorianistas e

    anti f lorianistas, Raul Pompia posicionou-se e apoiou Floriano

    Peixoto como Presidente da Repblica, por ver nele segurana

    que o novo sistema pol t ico precisava, dada sua condio de

    mi l i tar.

    Os meios de comunicao tornaram-se armas: artigos

    ofensivos, manifestos, panfletos, notcias injuriosas abundavam

    as pginas da imprensa nacional, um verdadeiro campo de

    guerra frua atravs das publ icaes, efetivando assim, o poder

    e a importncia do jornal ismo para a sociedade brasileira.

    32 Nelson Werneck Sodr, ob. citada, pg.292.

  • 25

    Fortaleceu-se um lei tor nos moldes de uma sociedade com sede

    de conhecimento, como veremos a seguir.

    1.2.1 O despertar do leitor pompeiano

    Sob o ponto de vista atual , a recepo textual anal isa a

    val idade dos paradigmas em outras correntes l i terrias, levando

    em conta o corpus esttico dentro do seu limite de produo, de

    acordo com a experincia de criao contempornea poca da

    produo textual , e cria uma nova teoria para conferi r as

    inferncias estabelecidas nesses textos (temporal / esti l stica /

    esttica).

    Percebemos, nas teorias das l i teraturas contemporneas,

    indicaes de que a fico e a esttica jornal stica encontram-se

    igualmente dentro dos feixes das estruturas e das tipologias que

    envolvem a recepo textual. Esta l t ima reside dentro da

    tomada de conscincia dos conhecimentos do homem sobre o

    texto, em um puro misticismo compreensivo das intenes do

    mesmo, ou a um s objetivo dependente do seu ponto de vista

    como lei tor.

    O processo de recepo textual do sculo XIX tem, para

    ns, grande valia no desenvolvimento desta pesquisa, definindo

    e mostrando caminhos para a descoberta do pensamento do

    lei tor, sempre atrelado criao verbal , agindo com sua

    interpretao pessoal e global, de acordo com o seu horizonte

    de expectativas.

    Sobre o verbal , sabemos que as frases eram l igadas umas

    s outras com vistas a formar unidades semnticas de um nvel

    superior e que apresentavam estruturas muito di ferentes, pois

    engendraram conjuntos tais como: narrativa, romance, esti lo,

    conversao, drama, teoria cientfica, confl i tos, expectativas etc.

  • 26

    Tudo isso fez parte da percepo crtica e criativa do autor, Raul

    Pompia, que seguiu normas estruturais, porm acrescentou a

    elas particularidades, criando assim um jei to pompeiano de

    escrever.

    Ele participou do texto, se envolvendo em uma narrao.

    Isso provocou uma interao fazendo-o senti r-se parte

    integrante do momento, de modo que o ponto de vista mvel

    desdobrou-se sobre o texto e, conseqentemente, cria uma rede

    de operaes na conscincia do lei tor.

    A lei tura dos folhetins provocou sensaes confl i tantes;

    primeira vista houve um encontro do fato com o prazer, resul tado

    das surpresas causadas pelas expectativas das crnicas. Este

    paradoxo fundiu-se entre a surpresa e frustrao; efei tos que se

    exerceram algo sobre o lei tor, uma vez que a frustrao podia

    reter ou bloquear o desenvolvimento da compreenso, causando

    um impasse.

    Dessa forma, a necessidade da configurao apresentou-

    se como condio prvia compreenso do texto. Ou seja, o

    lei tor interessou-se em receber toda a informao necessria

    sobre o que leu e suas tendncias, mas para isso muitas vezes

    teve a inteno de despender o mnimo esforo intelectual para

    realizar esse fei to.

    Quando o autor aumentou o nmero de sistemas

    codificados (devemos lembrar ser esta uma forma constante do

    subjetivismo de Pompia), tornando a estrutura do texto mais

    complexa e deixou o lei tor inclinado a reduzir-lhes, ao reunir o

    mnimo de informaes que podia decodificar, tudo isso

    envolveu o seu entendimento pleno, tornando o trabalho de

    decodificao mais interessante e amplo.

    A necessidade de selecionar certas relaes na rede

    daquelas j estabelecidas provinha do fato de que, no decorrer

    da lei tura, o ato de escrever desenvolvia os pensamentos de

  • 27

    uma pessoa, no caso o cronista. Quaisquer que forem esses

    pensamentos, no caso da crnica eles no deixaram de

    representar o cotidiano. Por definio, este mundo foi alm das

    prprias experincias pessoais apresentando,

    conseqentemente, certos elementos que no eram diretamente

    acessveis.

    A essncia textual no residia nas expectativas, nas

    surpresas ou decepes, menos ainda nas frustraes

    encontradas no decorrer do processo de lei tura. Ela incorporou

    as reaes do sentido, formadas no ato de ler, e provocadas

    pelo movimento (ao), perturbao (confl i tos) ou interferncia

    (momentos ou si tuaes antagnicas). Isto quer dizer que ao ler,

    houve uma reao qui lo que est sendo produzido no prprio

    lei tor, formando, assim, um mundo de reaes e fazendo com

    que se pudesse viver a crnica e os acontecimentos reais que

    ela forneceu.

    Definimos aqui lei tura como uma integrao dinmica

    entre o texto e o le itor, j que os signos l ingsticos do texto e

    suas combinaes puseram em movimento a transposio do

    texto para a conscincia do lei tor. Os atos provocados pelo

    processo de ler escaparam a um controle externo do mesmo,

    instaurando a criatividade da recepo, e resul tando em algo

    novo e criativo, dependente da ao efetuada.

    Os conhecimentos anteriores que o lei tor trouxe consigo,

    eram sempre revestidos de valores, e toda experincia esttica

    tendia a mostrar uma interao continuada entre operao

    dedutiva e indutiva.

    Conseqentemente, encontramos o lei tor pretendido ou o

    lei tor visado, isto , aquele que o Raul Pompia teve em

    mente, ao escrever um texto ou um fragmento deste. Porm o

    pblico a quem o autor endereou sua escri ta, com o qual

    dialogou implci ta ou expl ici tamente, nunca fora, nem poderia

  • 28

    ser um auditrio intemporal e universal , pois toda estratgia

    textual do escri tor encontrou-se estabelecida e executada em

    considerao, de modo idealizado, a um pecul iar t ipo de

    receptor caracterizado por algumas marcas cul turais, psquicas,

    morais, ideolgicas, etrias etc.

    O sculo em que viveu o autor trouxe um momento

    histrico Li teratura Brasi leira, pois a nossa imprensa

    apresentou aos lei tores uma smi le da produo li terria,

    efetivamente destinada aos amantes das letras e das notcias,

    viabil izando, ento, a arte da escri ta atravs da lei tura dos

    textos l i terrios e informativos direcionados a um pbl ico

    pequeno e de nvel scio-cul tural cul to.

    O imprio do texto l i terrio condicionou o lei tor s obras

    ficcionais, valorizando seu status social , em relao dimenso

    da sua recepo e aos efei tos provocados por ela. Essa esttica,

    de certa forma tradicional, se tornou produto de uma poca,

    por isso seguiu um arsenal de regras e tcnicas prprias do

    texto ficcional .

    Se levarmos em considerao que a li teratura do sculo

    estudado teve como efetivo o embate da realidade (o texto

    jornal stico) contra a f ico, pois esta teve seu valor

    reconhecido e a outra era considerada uma l i teratura menor,

    veremos que o texto jornal stico desse momento a crnica,

    com seus relatos dirios, retratou a pura funo de uma rea

    desprezada, porm conseguiu quebrar muitos paradigmas das

    disposies recepcionais do lei tor diante das condies

    histricas at ento conhecidas.

    Por ser trabalhada de forma ficcional , a l i teratura perdeu a

    referncia do mundo real , o que no ocorreu com a crnica, pois

    o seu carter de comunicao, cujos conceitos foram al terados e

    se contrapuseram fico, no tiveram tendncias previsveis e

    sua organizao dependeu mais do autor do que das normas.

  • 29

    Houve neste caso, uma autonomia e esti lo na criao, e esse

    poder se encontrou na criatividade de quem redigiu o texto, para

    quem o texto foi redigido (lei tor implci to), sendo este um fator

    importante.

    Sabemos que as crnicas no se reduziram s estruturas

    psicolgicas de seu autor, aos dados sociais e histricos, ou a

    um sistema mecnico de formas, deveria ele na poca estar

    al iado adaptao ao gosto do consumo da burguesia, fato de

    profundo conhecimento dos autores e conseqentemente,

    refletidos nas palavras, na forma, no fino trato, no tema proposto

    e no vocabulrio r iqussimo.

    A qual idade de um texto no teve sua medida no prazer

    por ele provocado, e nem perdeu a sua qualidade a cada nova

    criao; ao contrrio, a osci lao, ou seja, o estranhamento de

    uma nova lei tura que rompeu com os objetos de sua

    cotidianidade criou um novo conjunto de expectativas, rompendo

    com o universo preestabelecido, trazendo uma l i teratura

    inovadora, em um processo de comunicao onde o prprio texto

    condisse o lei tor mudana de suas representaes

    projetivas33 habi tuais, resul tando possibil idades diversas

    inseridas no prprio texto, o levando a se fami l iarizar com outras

    projees.

    Entendemos que a estrutura textual apresentou um papel

    de regulamentao dos cri trios da recepo, ou seja, daqui lo

    que se esperou do texto, as constantes do texto e o texto em si ,

    uma vez que toda obra l i terria teve seu destinatrio concreto,

    historicamente determinado.

    Desse modo compreendemos que o esti lo da escri ta

    sempre se encontrou entrelaado s normas, s presses e s

    instncias sociais, tornando o horizonte de expectativas dos

    lei tores ajustados ao horizonte possibi l i tado pelo texto, em uma

    33 Luiz Costa Lima, ob. citada, pg. 23.

  • 30

    espcie de contrato natural , vivenciando uma nova experincia

    esttica, com outros conceitos motores, conseqentes da

    histria social e das relaes com as instncias que presidiam a

    sua configurao: no caso de Pompia, o conhecimento do

    Real ismo brasi leiro, a denncia social , a luta contra a

    escravido, o contexto intelectual dominado pela ascenso do

    posi t ivismo, o momento pol t ico de embate entre a Repbl ica e a

    Monarquia, a revol ta frente ao poder da sociedade vigente, a

    insatisfao com os padres estticos dominantes.

    1.2.2 Um novo tempero jornalstico: a crnica

    Como resul tado da comunicao entre autor e lei tor, se

    pode dizer que a crnica marcou presena em nosso pas desde

    o descobrimento, mas primeiramente no eram as notcias os

    principais focos delas, mas sim os fei tos histricos, quer em

    forma epistolar, quer nas narrativas de viagens dos muitos

    visi tantes que aqui estiveram.

    No sculo XIX surgiu a crnica jornal stica propriamente

    di ta, passando a espelhar e comentar acontecimentos sociais do

    dia-a-dia, permeando a real idade de uma sociedade

    contradi tria, diversi ficada e di ferenciada, em que as classes

    sociais se distinguiram cada vez mais e a nova onda l i terria,

    vinda com o jornal ismo impresso, ganhou fora.

    O verbete teve sua origem na l ngua grega kronos

    (tempo), posteriormente derivado do latim chronica , e

    atualmente nas l nguas modernas: chronique (francs), cronica

    (espanhol), chronica ( i taliano, chronic le ( ingls), chronik

    (alemo) e crnica (portugus). Etimologicamente, veio do mito

  • 31

    de Cronus34, oportunamente se atr ibuiu a ela a temporal idade, a

    rapidez das idias e a traduo do cotidiano.

    Sua forma foi uti l izada na Idade Mdia e permaneceu de

    acordo com cada poca de produo, se apresentando primeiro

    em latim e depois nas l nguas vulgares, envolvendo em suas

    l inhas desde os escribas at nossos atuais cronistas. O

    Dicionr io de la l iteratura35, os descreve como:

    Se llama tambin cronista al escritor que en diarios y revistas comenta o interpreta sucesos o cosas, ut i l izando unicamente su cultura y sus proprias fuentes de conocimiento por la redaccin de sus art iculos, en los que, generalmente, se delatam la agudeza, la experiencia, el est i lo del cronista.

    Apesar de no ser f ruto especf ico dos jornais, entretanto f ixou-

    se, no Brasil, nas pginas dos folhetins e revistas h

    aproximadamente 150 anos . O surgimento da crnica,

    efetivamente, como um processo de escri ta jornal stica /

    l i terria, coincidiu com a ascenso burguesa e as idias da

    revoluo da imprensa, ponto principal para o fortalecimento de

    um novo cenrio de comunicao.

    A funo da crnica si tuou-se entre o entretenimento e a

    informao, com o objetivo de apresentar comentrios,

    divagaes e reflexes sobre fatores histricos, econmicos,

    pol t icos, artsticos ou amenidades com caractersticas prprias

    ao expor fatos importantes sob a tica da subjetividade.

    Formava ela assim um espao de compreenso da real idade

    para os lei tores, tendo como meio de comunicao o jornal

    impresso e a l inguagem caracterstica desse veculo: simples,

    abrangente, comunicativa, transparente.

    34 Cronus a personificao do tempo, sua lenda pode ser lida como uma alegoria a de que o tempo, em sua passagem fatal, engole tudo que criado ..., in Flora Bender & Ilka Laurito, Crnica: histria, teoria e prtica, So Paulo, Scipione, 1993, pg. 10. 35 Dicionrio de la literatura, In Afrnio Coutinho, ob. citada, 1982, vol. VI, pg. 14.

  • 32

    Inicialmente abrangeu temas como pol tica, sociedade,

    artes, l i teratura entre outros, sempre com a inteno de informar

    e comentar as questes do dia-a-dia. Os espaos ao rs-do-cho

    parti lharam amenidades, se destinaram ao entretenimento para a

    maioria dos lei tores brasileiros.

    Al i , as donas de casa encontraram as novelas e os homens

    buscaram uma outra viso sobre os fatos do cotidiano, revelados

    nas escri tas de autores como Raul Pompia, Olavo Bilac,

    Machado de Assis e Jos de Alencar, entre outros.

    A lei tura desse gnero jornal stico propagou-se, e se

    tornou hbito fami l iar, nos seres, com lei tura em voz al ta,

    criando um incentivo ao hbito de ler jornais. Criou tambm, um

    elo fami l iar e cordial entre autor e lei tor, sobre os

    acontecimentos sociais e pessoais do momento vivido, sempre

    coerente com a formao intelectual do escri tor, que util izou

    suas reas de conhecimento e interagiu com outros discursos

    presentes em sua formao cul tural .

    O Grand Larousse Il lustr36, a definiu assim:

    Les chroniques sont des rcits historiques dont l auteur est au moins pour part ie contemporain. Histoire das laquelle ls faits sont simplesment enregistrs dans l ordre de leur sucession.

    Esse texto encontrou-se l ivre das amarras do discurso da

    imprensa contempornea, assumindo um papel di ferenciado,

    ntimo, proporcionando um dilogo coloquial entre o lei tor e o

    autor. Seu contedo tendeu a ser cur to e efmero, com carter

    opinativo, da qual muitas vezes chegou a influenciar o receptor,

    de maneira rpida e invasiva. Para SEVCENKO37(1999),

    36 Grand Larousse Illustr, In Afrnio Coutinho, ob. citada, 1982, vol. VI, pg. 14. 37 Nicolau Sevcenko, Literatura como misso: tenses sociais e criao cultural na primeira Repblica, So Paulo, Brasiliense, 1999, pg. 20.

  • 33

    . . . todo escritor possui uma espcie de l iberdade condicional de criao, uma vez que os seus temas, motivos, valores, normas ou revoltas so fornecidos ou sugeridos pela sua sociedade e seu tempo e destes que eles falam.

    O curto tempo atribudo ao consumo da crnica fez com

    que se produzissem textos para serem l idos informalmente,

    apesar de trazerem em si os anseios, amarguras e alegrias do

    momento. Para isso apresentaram um leque muito amplo de

    recursos l ingsticos, transpondo o referencial quase

    inteiramente para o plano da subjetividade, expresso pelo tom

    de conversa adquirido, conduzindo afinidade, uma marca da

    relao entre temporal idade e periodicidade do texto, presentes

    no momento e na histria, sob a viso do cronista-narrador,

    traando um relato pelo olhar do escri tor que testemunhou os

    fatos de seu tempo, de sua real idade e passou ao texto uma

    recriao com a sua prpria argumentao. Como argumentou

    COUTINHO38 (1982):

    Crnica e cronista passaram a ser usados com o sentido atualmente generalizado em l iteratura, um gnero especf ico, estritamente l igado ao jornalismo. Ao que parece, a transformao operou-se no sculo XIX, no havendo certeza se em Portugal ou no Brasil. [ . . . ] O uso da palavra para indicar relato e comentrio dos fatos em pequena seo de jornais acabou por estender-se definio da prpria seo e do t ipo de l i teratura que nela se produzia. Assim, crnica passou a signif icar outra coisa: um gnero l i terrio de prosa, ao qual menos importa o assunto, em geral efmero, do que as qualidades de est i lo, a variedade, a f inura e argcia na apreciao, a graa na anlise de fatos midos e sem importncia, ou na crt ica de pessoas. Crnicas so pequenas produes em prosa, com essas caracterst icas aparecidas em jornais ou revistas. A princpio no sculo XIX, chamavam-se as crnicas folhetins, estampados nos rodaps dos jornais.

    38 Afrnio Coutinho, ob. citada, 1982, vol. VI, pg. 21.

  • 34

    A crnica empregou a l inguagem da atualidade, para

    refleti r o espri to da poca, uma vez que a l ngua corrente

    consti tuiu a mais viva expresso da sociedade humana, no

    tempo. A l inguagem coloquial assumiu um carter

    importantssimo na confeco dos textos, pois, l igada vida

    cotidiana, ela teve nfase no coloquial , no contato imediato com

    o lei tor e sua realidade da vida diria.

    Por isso, no sculo XIX, o peridico exerceu, no apenas a

    funo de levar a um pbl ico lei tor informado, algo interessante,

    sugestivo, mas sim a audcia de afetar a sensibil idade deste

    pblico lei tor; ento a misso intelectual tornou-se mais ampla

    que a palavra, se exigiu da sua palavra uma elegncia carregada

    de sentido, em que no sobrasse nem fal tasse nada, sob o ar de

    aparente descontrao.

    O pbl ico lei tor pediu algo mais que a notcia, um texto

    que valorizasse a lei tura (retrica) e fosse orientador de

    opinies Houve ento a necessidade de no apenas ser

    noticioso, mas de abranger tambm comentrios informativos,

    cul turais e sociais no mbito analt ico e di ferencial . E a

    encontramos o fazer l i terrio de Raul Pompia a inovao

    esttica e estil stica presentes no jogo de palavras, di ferindo da

    objetividade e concretizando o maior alcance do texto.

    Esse tipo textual trouxe o relato na ordem em que

    ocorreram os fatos, cronologicamente, escri tos de acordo com a

    estrutura textual em vigncia, narrou episdios, contou os

    principais acontecimentos sob a tica do da subjetividade

    pompeiana.

    Consideremos o exemplo a seguir, de uma crnica onde

    existia a publ icao tpica de fatos cotidianos, com um suti l tom

    de humor, mas de carter verbal expl icavelmente superior, no

    apenas devido ao teor l i terrio, retrico ou produo do texto,

    mas considerando sobre quem a pauta se referia. Era nada mais,

  • 35

    nada menos que o escri tor Machado de Assis, ento recm

    nomeado para um importante cargo pbl ico:

    O governo vai absorvendo os poetas. O Sr. Pedro Luiz est Ministro, o Sr. Machado de

    Assis Oficial de Gabinete.. . justamente quando encetou na Revista Brasileira a publicao do seu romance Memrias Pstumas de Brs Cubas, muito interessante para que todos desejem a sua continuao.

    l igeiro, alegre, espirituoso, mesmo mais alguma cousa: leiam com ateno, com clama; h muita cr t ica f ina e frases to bem subscritas que mesmo pelo nosso correio, ho de chegar ao seu destinatrio.

    portanto um romance mais nosso, uma resposta talvez, e de mestre uma e outra cousa; e ser um desastre se o Oficial de Gabinete absorver o l i terato.

    Esperemos que no.

    (Revista I lustrada. Rio de Janeiro, 1880, n.. 202)39

    Temos ento neste exemplo de crnica, a estrutura, a

    forma curta, o relato do cotidiano, um esti lo que flutuou entre o

    srio e o cmico, provocando descontrao no lei tor, mas ao

    mesmo tempo perpetuando a notcia, interpretada pessoalmente

    sob a viso de seu autor, configurando a conotao de certo

    sarcasmo quando evidenciou que os escri tores brasileiros no

    puderam viver simplesmente de seus fei tos l i terrios, por isso

    uti l izaram sua retrica, organizao de palavras e cul tura para

    auxi l iar nos gabinetes governamentais, em troca de dinheiro.

    ( idia implci ta)

    Sabemos, entretanto, que tais fatos eram comuns na poca

    ci tada, porque a profisso de escri tor no proporcionava as

    devidas condies de sobrevivncia, uma vez que muitos dos

    nossos autores tornaram-se vt imas do capitalismo e passaram

    por si tuaes de penria.

    Percebemos claramente no fragmento apresentado a

    expresso de uma personal idade li terria na uti l izao sensata

    39 Afrnio Coutinho, ob. citada, 1983, vol. VII, pp. 21-22.

  • 36

    da estil stica, colocando em um tom coloquial e discreto a ocul ta

    queixa dos usurios da poca sobre o servio pblico - h muita

    crt ica fina e frases to bem subscritas que mesmo pelo nosso

    correio, ho de chegar ao seu destinatr io. Ou ento no

    trocadilho final - e ser um desastre se o Of ic ial de Gabinete

    absorver o l iterato.

    O propsi to do cronista, evidentemente, se deu na

    informao, principalmente neste enfoque sobre pessoas e

    pol t ica (temas preferidos, na poca, pelo autor). Por isso

    interagiu com a opinio pblica quando esboou conhecer as

    expectativas do lei tor no s da sua crnica, mas tambm o

    lei tor machadiano, indicando da seguinte forma na concluso:

    Esperemos que no.

    Estas e outras palavras marcantes sintetizam a viso do

    contedo dos textos que aqui encontraremos. Mostram um

    panorama indi to da Li teratura Brasi leira. Trilham um caminho

    histrico de palavras, confli tos e expressividade, nas entrelinhas

    das muitas pginas produzidas por Raul Pompia nos meios de

    comunicao de seu tempo.

    Historicamente, por chegar ao lei tor atravs dos folhetins,

    com artigos de rodap relatando as questes do dia-a-dia, com

    uma l inguagem lgica argumentativa ou crt ica pol tica, houve,

    preconceito dos cri trios, que a consideraram de menor valor

    cul tural , portanto no li terrio. Talvez por isto, somente

    recentemente, os cronistas tenham conquistado espao dentro

    da anlise li terria, com estudos profundos sobre: gnero,

    t ipologia e retrica. Essas consideraes sero vistas no

    prximo i tem.

  • 37

    1.2.2.1 Tipologia: Histrica? Literria? Jornalstica?

    Trabalhar com a crnica do sculo XIX impl ica em estar na

    fronteira entre os gneros jornal stico / l i terrio e histrico.

    Ento indagamos: Como classi f icaramos essas produes de

    Raul Pompia? Jornal ismo e l i teratura foram expresses

    antagnicas ou somaram-se? Quando um texto deixou de ser

    objeto de imprensa, sintonizado no real imediato, e passou

    condio de obra de arte atemporal , histrica?

    Com relao s crnicas, os estudiosos uti l izaram vrias

    nomenclaturas para definir as modal idades destes aspectos

    dentro da concepo delas: ambgua, mista, hbrida etc.

    Entretanto para respondermos temos que ajustar, alargar, al terar

    as formas clssicas e nossa concepo de gnero, como denota

    o posicionamento de BOSI40 (1997):

    [ . . . ] teria chegado o momento de acabar com esta pesada e cannica tradio segundo a qual a l i teratura l i teratura, l inguagem de comunicao l inguagem de comunicao, e realizar, performaticamente, a identidade profunda de ambas as at ividades .. .

    . . . ao fazer discurso histrico ou memoralista,a conscincia testemunhal f ica desperta o tempo todo...

    . . . o memoralista e o historiador tm o pudor de inventar, pois espera-se que ele conte fatos como acontecera, pode interpret-los [ . . . ]

    Numa viso estrutural ista, podemos igual-las dentro de

    uma vertente expressiva, formal, mas elas foram di ferentes na

    estrutura profunda, que foi a narratividade.

    Esta discusso sobre gneros requer uma pesquisa sobre

    o posicionamento diacrnico de fi lsofos e tericos, como os

    clssicos Aristteles, Quintil iano, Horcio, cuja defesa consistiu

    na construo de um modelo esttico a ser seguido em carter

    40 Alfredo Bosi, in Gneros de Fronteira: cruzamentos entre o histrico e o literrio, So Paulo, Xam, 1997, pg. 14.

  • 38

    imperativo, anlogo, obedecendo s normas impostas por um

    cdigo de construo esttica, onde imperou a trade: l r ico,

    dramtico e pico.

    Na l ngua portuguesa, o gnero histrico, iniciou-se por

    meio de Ferno Lopes e teceu a histria de um povo, de uma

    l ngua, apresentando a transio de idias e ideais presentes na

    funo por ela exercida na sociedade, descrevendo fatos e

    narrando os fei tos cronologicamente, como disse SOARES41:

    No incio da era crist, chamava-se crnica a relao de acontecimentos organizados cronologicamente, sem nenhuma part icipao interpretat iva do cronista. Nessa forma, ela at inge o seu ponto alto na Idade Mdia, aps o sculo XII, quando j aparentava uma perspectiva individual da histria, como fez Ferno Lopez, no sculo XIV. As simples relaes dos fatos passam, ento, a chamar-se cronices. E no sculo XVI, o termo crnica comea a ser substitudo por histria.

    No sculo XIX, Ferdinand Brunetire seguiu pensamentos

    marxistas e darwinistas, e props a concepo dos gneros em

    um processo de luta e sobrevivncia dos mais fortes, como

    afi rmou LIMA42(2003):

    O gnero passava assim a constituir uma entidade parte, qual se subordinavam tanto os autores como as obras, simples elementos secundrios de uma realidade substancial mais ampla, simples rgos efmeros de um organismo constante. Os autores e as obras se movem, mas os gneros que os conduzem.

    Ao trabalharmos com o gnero histrico, relatamos os

    acontecimentos dentro de uma seqncia temporal , observando

    a produo pompeiana na imprensa brasileira, com sees

    contando os fatos, as notcias da semana ou do dia, os rumores,

    boatos e maledicncias, ou seja, um retrato do perodo de

    41 Anglica Soares, Gneros literrios., So Paulo, tica, 1989, pg. 64. 42 Alceu Amoroso Lima, ob. citada, pg. 27.

  • 39

    escri tura do autor, tendo como foco as l timas dcadas do

    sculo XIX.

    Poderamos dizer ento que a crnica no pertenceu

    l i teratura e sim ao jornal ismo? No seria este um gnero capaz

    de sobressair-se to bem tanto nas pginas de um l ivro, como

    nas folhas dos noticirios?

    No, o jornal ismo e a l i teratura aproximaram-se mais,

    sobretudo por via da crnica, principalmente nesse perodo,

    quando essa fronteira no era to ntida, j que praticamente

    todos os nossos escri tores oi tocentistas estiveram l igados ao

    jornal ismo.

    Realmente existiu um relacionamento problemtico, desde

    velhos tempos, entre as reas, pois o processo li terrio no

    abandonou o ldico e a fruio, e conseqentemente,

    encaminhou-se para os fatores essenciais do ser humano, dentro

    de um espao e de um tempo definido o histrico.

    Observando o perodo estudado, grande foco do jornal ismo

    escri to, com o passar dos tempos, toda essa produo

    transformou-se em histria. Compreendemos que a distino de

    fronteiras no apareceu to ntida, porque, o jornal ismo, no

    incio, recebeu exemplos e amparo da l i teratura, nesta l tima

    descobriram-se sinais de espri to jornal stico, pelo menos em

    gneros hbridos no caso as crnicas publ icadas nos folhetins.

    A parti r do romantismo essa modal idade textual recebeu

    um novo perfi l , assumiu a personalidade de gnero li terrio, com

    caractersticas prprias da escri ta nacional. Houve

    abrasileiramento no esti lo, na l ngua, nos assuntos, na tcnica, e

    assim ganhou propores indi tas na l i teratura brasileira, pelo

    seu desenvolvimento como categoria artstica, o valor esttico,

    tornou-se um gnero autnomo e especfico.

    A relao entre a l i teratura e o jornal ismo conheceu nesse

    perodo um momento de esplendor, de muitas mudanas

  • 40

    cul turais, poca em que grandes escri tores foram grandes

    jornal istas, as figuras do escri tor e do jornal ista s vezes

    coincidiam com a mesma pessoa.

    exatamente a que se di ferenciaram as crnicas de

    Alencar, Machado, Bi lac e Raul Pompia, ao criarem novas

    tendncias quando possvel . Com eles surgiu uma nova

    organizao ou estrutura que caracterizou o texto e outros

    vindouros. Isso provocou uma mobi l idade dos gneros, um

    deslocamento. Conseqentemente inovou e a crt ica adequou-

    se a esse esquema.

    Como sabemos o esse momento trouxe uma inovao ao

    termo crnica. Esta modal idade textual , aos poucos, veio

    sendo tecida, l inhas e linhas a fio, no decorrer dos sculos, e

    conseqentemente adquirindo formas e estruturas di ferenciadas,

    inclusive a jornal stica, di ferenciada atravs das mos de quem

    a conduziu imprensa.

    O esti lo do cronista que publicava seus textos em folhetins,

    tendia para as formas simples, para o tom comunicativo, de

    conversa, de bate-papo com o lei tor. Houve sempre a

    possibil idade de um dilogo previsvel entre ele e o lei tor, sem

    riscos de que seus comentrios e reflexes pudessem perder-se,

    no encontrar um destinatrio apropriado. Isso refletia a

    personalidade do autor, o seu estilo e suas idias.

    Esse gnero cresceu e ganhou caractersticas l i terrias,

    justamente pela evoluo da imprensa diria, ocorrendo

    necessidade dos jornais terem sees de relatos e comentrios

    dos acontecimentos, em um perodo de publ icao mais

    contnuo, embora escri tos pelos autores, surgindo uma

    l inguagem com esti lo e graa redacional. Sobre este aspecto

    COUTINHO43 (1983) opinou:

    43 Afrnio Coutinho, ob. citada, 1983, vol. VI, pg. 15.

  • 41

    [ . . . ] Crnica e cronista44 passaram a ser usados com o sentido atualmente generalizado em literatura: um gnero especf ico, estreitamente l igado ao jornalismo.

    [ . . . ] Assim, crnica passou a signif icar outra coisa:

    um gnero l i terrio de prosa, ao qual men