cristinamarquesuflacker - cons. - 2011.1

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS

    CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEMREA DE CONCENTRAO EM AQUISIO DA LINGUAGEM

    CRISTINA MARQUES UFLACKER

    AS IDENTIDADES NEGOCIADAS NA AULA DE ALEMO EM AES QUE

    ENVOLVEM FALANTES DE DIALETOS

    Porto Alegre

    2006

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    CRISTINA MARQUES UFLACKER

    AS IDENTIDADES NEGOCIADAS NA AULA DE ALEMO EM AES QUE

    ENVOLVEM FALANTES DE DIALETOS

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Letras.

    Orientadora: Profa. Dra. Margarete Schlatter

    Porto Alegre

    2006

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todos aqueles que me ajudaram na realizao desta pesquisa. De modo

    especial, manifesto minha gratido:

    Aos meus pais, Dirceu e Marta, pelo apoio emocional e financeiro em todos os meus

    empreendimentos e realizaes;

    A minha irm pelas conversas e sugestes leigas para a elaborao deste trabalho;

    A minha orientadora, Profa. Dra. Margarete Schlatter, por sua orientao sempre

    segura, esclarecedora e amigvel;

    Ao DAAD ( Deutscher Akademischer Austauschdienst)pela prorrogao da bolsa de

    atualizao na Universidade de Freiburg, que viabilizou sob a orientao da Profa. Dra.

    Claudia Schmidt, docente do Setor DaF ( Deutsch als Fremdsprache), o incio da pesquisa

    bibliogrfica para este trabalho;

    A CAPES, pelo auxlio financeiro;

    Aos excelentes professores do Programa de Ps-Graduao em Estudos da Linguagem

    da UFRGS, de forma especial ao Professor Dr. Pedro Garcez por sua ateno e sugestes

    bibliogrficas e Professora Dra. Marlia Lima pela adoo em diversos congressos;

    Aos professores, alunos e coordenadores que permitiram a minha entrada em suas

    classes, contribuindo sobremaneira para a realizao desta pesquisa;

    Aos professores do Setor de Alemo da Faculdade de Letras da UFRGS,

    especialmente Elke, Michael e Clo pelo apoio nos diferentes momentos deste trabalho;

    A todos os meus alunos e ex-alunos de alemo que me levaram a refletir sobre o

    ensino de alemo, de forma especial, a Neiva Jung, ex-aluna, amiga, conselheira einterlocutora competente e presente em todas as etapas de realizao desta pesquisa;

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    Aos meus colegas da UFRGS, pelo apoio, conversas e e-mails trocados ao longo deste

    perodo;

    A Paola, pelas transcries e conversas sobre os dados desta pesquisa, a Letcia,constante tira-dvidas de nossas transcries e a Patrcia, pelas dicas de ingls;

    Aos funcionrios do PG-UFRGS, pela ateno e presteza;

    Aos amigos e familiares, pelo carinho e ateno.

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    RESUMO

    As identidades sociais no podem ser estabelecidas a priori, mas so negociadas pelosparticipantes a cada momento na interao. As pessoas trazem atributos potenciais para ainterao face a face que podem ser ressaltados em um encontro particular (ERICKSON,2001). Partindo dessa perspectiva, este estudo investiga a interao face a face nas aulas dealemo padro, verificando como as identidades so tornadas relevantes nesse contexto,observando especificamente as aes que envolvem os alunos falantes de dialetos do alemo.Para isso foi feito um trabalho de cunho etnogrfico com base na Anlise Microetnogrfica,(ERICKSON, 1992, 1996) em trs turmas de alemo, duas de um Centro de Lnguas e de umaturma de uma Universidade em Porto Alegre (RS). Alguns conceitos da Anlise da ConversaEtnometodolgica (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON, 1974; TEN HAVE, 1999;GARCEZ, 2002) e da Sociolingstica Interacional (GUMPERZ e COOK-GUMPERZ, 1982,GUMPERZ, 2001) contribuem para a anlise das identidades ressaltadas nesse contexto. Os

    resultados da pesquisa sugerem que o conhecimento prvio demonstrado pelos alunos consisteem um atributo de identidade relevante nesse contexto, o que no garante, no entanto, que, emalguns momentos, esses alunos no negociem atributos que demonstrem insegurana e baixaauto-estima em relao lngua que dominam. Apesar disso, parece que as construesidentitrias negativas no so reforadas pelos outros participantes da interao em sala deaula, visto que os alunos falantes de dialeto demonstram ampla participao nas aulas e soreconhecidos como bons alunos pelo professor e por seus colegas.

    Palavras-chave:Identidades sociais interao face a face (falante de) dialeto

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    ABSTRACT

    The social identities in talk can not be estabilischeda priori but are negociated by theparticipants during the course of interaction. People bring to interaction potencial attributesthat can become relevant in any particular encounter (Erickson, 2001). From this perspective,this research investigates the face-to-face interaction in German Language Classes, observinghow identities become relevant and analyzing the data from three German Language Classesbased on the principles of microethnographic research (ERICKSON, 1992, 1996). Twoclasses took place in a Language School and one at a University in Porto Alegre (RS). Someconcepts derived from Conversational Analysis (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON,1974; TEN HAVE, 1999; GARCEZ, 2002) and Interactional Sociolinguistics (GUMPERZ eCOOK-GUMPERZ, 1982, GUMPERZ, 2001) contribute to the analysis. The results of thisresearch suggest that the previous knowledge displayed by the students is a relevant identityattribute in this context; however, it does not garantee that those students would not negociate

    insecurity features in their own language. Even though, it seems that the negative identityattributes are not reinforced by the other participants of interaction in the classroom, once thedialect speakers display active participation in the classroom tasks and they are seen asdiligent students by teachers and classmates.

    Key-words:Social identities face-to-face interaction dialect speaker

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    SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................................8

    1 O ENSINO DE ALEMO PADRO PARA FALANTES DE DIALETOS .....................101.1 A Lngua Alem nas Comunidades Alems do Sul do Brasil ......................................111.2 O Ensino de Alemo Padro nas Escolas Alems ........................................................141.3 O Ensino de Alemo para Alunos das Comunidades Teuto-brasileiras .......................181.4 O Tratamento das Diferenas na Sala de Aula ..............................................................22

    2 IDENTIDADES SOCIAIS E INTERAO FACE A FACE .............................................322.1 Algumas Reflexes Iniciais sobre o Conceito de Identidade ........................................322.2 O Estudo das Identidades na Sala de Aula ....................................................................362.3 As Identidades Sociais e as Aes na Interao Face a Face ........................................46

    2.3.1 ACE: Algumas Questes de Identidade Social e Fala-em-interao ..................472.3.2 Sociolingstica Interacional (SI): Identidades Sociais e Interao ....................57

    3 METODOLOGIA ................................................................................................................683.1 Perguntas de Pesquisa ..................................................................................................683.2 Descrio dos Participantes .........................................................................................69

    3.3 Gerao de Dados ........................................................................................................833.3.1 Observao de Aulas e Anotaes em Dirio de Campo ..................................853.3.2 Filmagem das Aulas ..........................................................................................873.3.3 Entrevistas .........................................................................................................90

    3.4 Anlise dos dados .........................................................................................................92

    4 A NEGOCIAO DE IDENTIDADES DO FALANTE DE DIALETO NA SALA DEAULA DE ALEMO PADRO .............................................................................................96

    4.1 As aes observadas na interao ..................................................................................964.2 As identidades ressaltadas nas aulas de alemo ..........................................................136

    4.2.1 As identidades negociadas nas aulas de alemo padro: um retorno s perguntasde pesquisa .............................................................................................................................143

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    CONSIDERAES FINAIS .................................................................................................156

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................................163

    ANEXOS ...............................................................................................................................172

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    INTRODUO

    A minha experincia como professora e aluna de alemo, ao perceber as diferentes

    dificuldades de aprendizagem que h entre os alunos falantes e no falantes de dialetos, os

    estudos de Ammon e Lwer (1977) e Ammon, Knoop e Radtke (1978) na Alemanha, que

    discutem as dificuldades dos falantes de dialetos ao aprenderem o alemo padro, aliados a

    uma pesquisa anterior que discute como a atitude lingstica do professor pode reforar ou pr

    em risco a identidade lingstica e cultural dos alunos1, levaram-me a investigar o papel da

    identidade nas aulas de alemo padro, observando especificamente as aes dos alunosfalantes de dialeto.

    No intuito de pesquisar essa questo em um contexto de ensino de alemo como lngua

    estrangeira, este trabalho se prope a verificar como se orientam as aes dos participantes de

    uma dada interao que tornam relevantes determinadas identidades sociais, enfocando a co-

    sustentao ou no das identidades dos alunos falantes de dialetos por parte dos professores e

    demais alunos das turmas. Tendo como ponto de partida a pergunta Como aparecem e so ou

    no co-sustentadas as identidades negociadas pelos alunos falantes de dialetos na interao

    em sala de aula de alemo padro, este trabalho realiza uma anlise microentogrfica

    (ERICKSON, 1992; 1996) em trs turmas de alemo padro, que orientar o trabalho de

    campo e a anlise dos dados.

    1 Trabalho Dialetos do Alemo e Atitudes Lingsticas de Schneider e Uflacker apresentado no 14 InPLA.

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    No primeiro captulo, fao uma reviso bibliogrfica sobre o ensino de alemo padro

    para falantes de dialetos no Brasil e na Alemanha (AMMON e LOEWER, 1977; AMMON,

    KNOOP e RADTKE, 1978; GRTNER, 1999, 2003) e apresento algumas questes sobre otratamento das diferenas na sala de aula com base em alguns estudos realizados no Brasil

    (BORTONI, 1995; BORTONI-RICARDO e DETTONI, 2001; MOITA LOPES, 1996).

    No segundo captulo, trato de algumas reflexes sobre o conceito de identidade

    (WOODWARD, 2000; ANTAKI E WIDDICOMBE, 1998) e apresento algumas pesquisas

    que tratam de questes identitrias em sala de aula (MOITA LOPES, 1998; KLEIMAN, 1998;

    MCDERMOTT E GOSPODINOFF, 1981). Em um segundo momento, apresento alguns

    conceitos tericos que fundamentam as questes relacionadas negociao das identidades na

    interao e que norteiam a execuo e anlise deste trabalho (SACKS, SCHEGLOFF e

    JEFFERSON, 1974; GUMPERZ e COOK-GUMPERZ, 1982; GOFFMAN, 2004;

    SCHEGLOFF et al., 2002).

    No terceiro captulo, apresento os objetivos e perguntas de pesquisa e trato das

    orientaes metodolgicas deste trabalho com base em Erickson (1992, 1996).

    No quarto captulo, apresento e discuto os dados selecionados para esta pesquisa, apartir dos quais respondo a pergunta de pesquisa e as suas subdivises apresentadas no

    terceiro captulo.

    Encerro este trabalho, discutindo as anlises e apresentando algumas sugestes de

    pesquisas futuras que podero contribuir para a problemtica aqui discutida.

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    1 O ENSINO DE ALEMO PADRO PARA FALANTES DE DIALETOS

    O Brasil recebeu muitos imigrantes alemes no sculo XIX e, nos dias de hoje, ainda

    freqente o nmero de pessoas que falam o alemo dialetal2 em seu ambiente familiar e

    comunitrio. Com isso, os professores de alemo tambm tm com freqncia em suas turmas

    alunos que falam o dialeto de casa e tm interesses especficos em aprender o idioma padro.

    No entanto, nem sempre fcil para o professor lidar com alunos com conhecimentos prvios

    e dificuldades lingsticas diferentes como o caso de grupos que renem alunos falantes de

    dialetos e alunos que no tm nenhum conhecimento de qualquer variedade do alemo em

    uma mesma sala de aula.

    Neste captulo, apresento uma breve retrospectiva da imigrao alem e da forma

    como o idioma alemo foi visto e tratado nessas comunidades. A seguir, reconhecendo que as

    dificuldades dos alunos falantes de dialetos so diferentes das dos demais alunos, apresento

    como a problemtica dos alunos falantes de dialetos na escola foi tratada por pesquisadores na

    Alemanha, na dcada de 70, especialmente com base nos trabalhos coordenados por Ammon

    e outros pesquisadores (1978). Depois apresento alguns estudos feitos nas comunidades

    alems no sul do Brasil, cujo foco estava nas dificuldades lingsticas desses alunos(GRTNER, 1999, 2003). Ao final, encerro o captulo discutindo algumas questes sobre o

    tratamento das diferenas na sala de aula, especialmente com base em alguns estudos

    realizados no Brasil sobre as crianas que vo para a escola sem o conhecimento da variedade

    padro que l trabalhada (BORTONI, 1995; BORTONI-RICARDO e DETTONI, 2001 e

    outros).

    2 A definio de dialeto ser tratada na seo 1.4 deste trabalho.

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    1.1 A LNGUA ALEM NAS COMUNIDADES ALEMS DO SUL DO

    BRASIL

    Os movimentos migratrios do sculo XIX trouxeram os imigrantes alemes para o

    Brasil a partir de 1812 e estes se instalaram predominantemente nos estados do Rio Grande do

    Sul, Santa Catarina, Paran e Esprito Santo. De acordo com Born e Dickgieer (1989), a

    maior corrente migratria alem ocorreu no Rio Grande do Sul a partir de 1824 e esse grupo

    era formado principalmente por pequenos agricultores. Muitos autores que tratam da

    imigrao alem e a comunidade teuto-brasileira consideram a data da fundao de So

    Leopoldo (RS), 25/07/1824, como o marco inicial da colonizao alem no Brasil

    (SEYFERTH, 1994).

    Os primeiros imigrantes eram pessoas que, na sua maioria, falavam somente o seu

    dialeto natal3 (BORN e DICKGIEER, 1989). Com o passar do tempo, esse dialeto se

    desenvolveu com significativa influncia do portugus. Essa influncia pode ser constatada

    especialmente nos nomes para designar significados locais e avano tecnolgico do perodo

    ps-imigrao.

    Segundo Seyferth (1994), uma caracterstica peculiar dessa imigrao foi o fato de terse concentrado em poucos lugares, formando colnias etnicamente homogneas. Essa

    organizao das colnias ocorreu principalmente por causa da prpria poltica de imigrao

    que privilegiou determinadas etnias, colocando-as em um ambiente especfico, a zona rural, e

    deixando que se organizassem por conta prpria, sem o auxilio do poder pblico, o que gerou

    um isolamento social dessa populao.

    3 As principais variedades dialetais faladas pelos primeiros imigrantes eramPommeranisch(pomerano),Schsisch (saxo), Hunsrckisch-pflzisch(Hunsrck do palatinado),Schwbisch-alemannisch(subio-alemnico) e Bairisch-sterrreichische(bvaro-austraco) (BORN, DICKGIEER, 1989).

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    Ainda no perodo de colonizao, durante o sculo XIX, a populao da zona colonial

    pleiteou junto ao governo a abertura de escolas pblicas na regio para uma maior integrao

    cultural e poltica dos imigrantes (KREUTZ, 2003). Como o governo se omitiu nessa questo,as prprias comunidades organizaram as suas escolas. Kreutz (1994, 2003) divide a

    organizao escolar das colnias alems em quatro fases4, sendo que, ao final da quarta fase

    (1900-1938), as escolas alems estavam to estruturadas que havia uma intensa produo de

    materiais didticos e pedaggicos e treinamento de professores para o ensino nas escolas das

    comunidades alems catlicas e evanglicas. Dessa forma, a lngua alem teve um papel

    importante no dia-a-dia da comunidade como lngua da escola, da imprensa e das transaes

    comerciais.

    Apesar da introduo gradual da lngua portuguesa nas escolas alems, a partir de

    1898, o alemo continuou a ser a lngua base da escola at meados da dcada de 30 quando a

    ameaa nazista e as presses nacionalistas levaram proibio do ensino do alemo no Brasil

    (KREUTZ, 1994). De acordo com Born e Dickgieer (1989), as restries ao ensino do

    alemo e a conseqente exigncia do ensino de portugus nas escolas das comunidades

    alems tiveram incio no ano de 1938. Essa restrio foi intensificada a partir de 1939 com a

    proibio das publicaes em lngua alem, a represso ao uso cotidiano do idioma, o

    fechamento das instituies comunitrias e a invaso de unidades do exrcito nas cidadesmais importantes da imigrao alem, como Blumenau (SEYFERTH, 1994). A proibio total

    do idioma culminou com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial no ano de 1942

    (BORN e DICKGIEER, 1989), quando o uso do alemo ficou restrito comunicao no-

    oficial, ao mbito familiar e comunitrio. Na dcada de 80, o ensino de alemo como lngua

    estrangeira voltou a ser oferecido em muitas escolas do sul do Brasil.

    4 Para maiores informaes sobre essas quatro fases, consultar Kreutz (1994, p. 148-161; 2003, p. 133-157).

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    Altenhofen (2004) afirma que uma das conseqncias da nacionalizao, sobretudo na

    zona rural, foi ela ter impedido o acesso ao alemo padro e ao conseqente desenvolvimento

    de uma cultura letrada nessas comunidades, restando ao alemo ficar com o papel de lnguade comunicao dos membros do grupo. Segundo Mailer (2003), o fato de o idioma ter sido

    proibido confere a ele uma descaracterizao social, o que estigmatiza o seu falante. Alm

    disso, o deslocamento do seu uso da zona urbana para a rural resultou na sua associao

    lngua de colono (MAILER, 2003, p. 118).

    A principal variedade de alemo falada no Rio Grande do Sul o Hunsrckisch,

    provavelmente um koin que se desenvolveu e foi aceito por outras comunidades dialetais das

    colnias alems (AUER, 2001). Segundo Altenhofen (1997), o Hunsrckisch um termo

    genrico que se refere variedade supra-regional do alemo falada no Rio Grande do Sul, e

    que tem como base dialetal o Francnio Renano ( Rheinfrnkisch) e o Francnio do Mosela

    ( Moselfrnkisch), alm dos elementos provenientes de outras variedades dialetais e do

    portugus.

    Considerando a trajetria de estruturao das comunidades alems no Sul do Brasil e a

    manuteno do idioma alemo atravs do seu uso nas comunidades, apesar do silenciamento

    forado por ocasio da Segunda Guerra Mundial, at meados dos anos 80, ainda se encontravaum grande nmero de crianas nas comunidades alems que tinham o alemo dialetal como

    primeira lngua e s aprendiam o portugus com a entrada na escola, quando eram

    alfabetizadas. Atualmente parece haver uma maior orientao para a lngua oficial do pas e

    para alguns valores urbanos a ela agregados5. Em uma pesquisa em uma comunidade no oeste

    do Paran, Jung (2003) aponta uma orientao para a lngua oficial e para os valores urbanos

    5 No entanto, Breunig (2005) descreve uma outra comunidade escolar do interior do Rio Grande do Sul, na qualas crianas da primeira srie so praticamente monolnges em Hunsrckische essa realidade lingstica respeitada pela escola e valorizada nesta comunidade.

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    especialmente por parte das mulheres que preferem falar o portugus e ensin-lo como lngua

    materna aos seus filhos em detrimento do alemo.

    Como professora de alemo, em um estado com forte presena da imigrao alem,

    ainda tenho em sala de aula alunos que aprenderam o alemo dialetal como primeira lngua ou

    simultaneamente com o portugus e que procuram as aulas de alemo padro seja por

    interesse cultural ou por interesses acadmicos e profissionais em aprender a leitura e a escrita

    de uma lngua que j falam. No entanto, parece-me que eles tm dificuldades diferentes dos

    alunos no-falantes de dialetos, uma vez que tm de pensar a lngua que j conhecem em

    termos de estrutura e de gramtica. Alm disso, h a questo da estigmatizao da lngua e do

    falante em um passado recente de nossa histria. De acordo com Goffman (1988), os

    estigmatizados se afastam negativamente das expectativas sociais. Assim, se um indivduo

    apresenta um trao que chama ateno e se impe sobre as outras possibilidades de atributos

    que poderiam ser reveladas na interao, ele pode ser visto como diferente pelos outros. No

    caso dos falantes de dialetos, essa diferena pode ser vista pelo fato de as pessoas no falarem

    uma lngua culta ou boa. Se no senso comum h uma noo de que o dialeto lngua de

    colono ou alemo ruim, caberia ao professor procurar no reforar essa idia

    preconceituosa na sala de aula e valorizar as contribuies dos alunos.

    1.2 O ENSINO DE ALEMO PADRO NAS ESCOLAS ALEMS

    As dificuldades na aprendizagem do alemo padro na escola por alunos falantes de

    dialetos tambm j foram tema de discusso de pesquisadores na Alemanha. De acordo com

    Ammon e Loewer (1977), entre 1945 e o final da dcada de 60, o dialeto era visto como

    objeto literrio na educao escolar, mas na linguagem cotidiana dos alunos, como no-

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    gramatical segundo os autores, era combatido por essas mesmas instituies de ensino. No

    final deste perodo, com o debate entre a Sociolingstica6 e a reforma das aulas de alemo,

    verificou-se que o ensino da lngua padro no estava ocorrendo de forma satisfatria nasescolas alems (AMMON, KNOOP e RADTKE, 1978). Essa constatao levou a uma srie

    de estudos que enfocavam a aprendizagem do alemo padro por falantes de dialetos no

    ambiente escolar.

    Ammon e Loewer (1977) propem um estudo contrastivo entre a lngua falada pelos

    alunos e a lngua-alvo da escola, observando a situao do dialeto subio (Schwbisch) e

    fornecendo orientaes de como os professores devem trabalhar as dificuldades desses alunos

    na escola. Na primeira parte da obra de Ammon e Loewer, os autores procuram conscientizar

    os professores de que os alunos trazem para a escola uma lngua perfeitamente formada, que

    no se diferencia da lngua padro apenas pela fonologia, mas tambm pela sua morfologia e

    sintaxe. Alm disso, se o professor aceitar e comparar a linguagem do aluno com a da escola,

    o aluno poder ter mais sucesso ao aprender a lngua padro, sem violao da sua identidade.

    Portanto, se, ao invs de coibir, o professor fizer uma passagem gradual comparativa entre as

    duas lnguas, o aluno no se sentir pressionado e poder aprender a lngua padro, cujo

    conhecimento dever e direito do aluno para poder progredir social e profissionalmente em

    pases de lngua alem. Em um segundo momento, os autores realizam uma comparaolingstica em todos os nveis gramaticais, contrastando as principais diferenas entre a

    produo dialetal e o alemo padro e sugerem que o mesmo deve ser feito em sala de aula

    para que os alunos possam ter conscincia do seu aprendizado lingstico e tenham a

    capacidade de usar as diferentes variedades lingsticas nas diversas situaes cotidianas.

    6 No final da dcada de 60 e incio dos anos 80, os estudos sociolingsticos baseavam-se em relaes entre o usoda linguagem e a classe scio-econmica (Linke, 2001).

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    Em uma pesquisa realizada em 26 Escolas Integradas (Gesamtschule7) de Hessen, com

    alunos da classeFrderstufe8, Hasselberg (1978) examina a relao entre o (in) sucesso

    escolar do falante de dialeto e a sua classe social de origem. Atravs da anlise dos resultadosdos exames escolares oficiais de Hessen, Hasselberg confirmou suas hipteses de que os

    falantes de dialetos tm menos sucesso escolar do que os no falantes, independentemente da

    classe social a que pertencem. Alm disso, o desempenho inferior em relao ao dos alunos

    no falantes de dialetos se reflete no s nas notas escolares, como tambm nas futuras

    possibilidades e escolhas profissionais.

    Em um artigo posterior, Hasselberg (1983) revisa algumas idias e estudos de outros

    pesquisadores baseados na dependncia lingstica que pode haver entre os grupos de falantes

    e a classe social a que pertencem, especialmente no que se refere aos problemas de

    comunicao dos falantes de dialetos na escola. Alguns desses trabalhos enfocam as

    diferenas entre especificidades regionais, como comportamento urbano e no-urbano (rural)

    e outros, como a localizao geogrfica na Alemanha, se do norte ou do sul, por exemplo. H,

    ainda, estudos que relacionam a lngua do falante ao prestgio profissional e o seu reflexo na

    formao escolar, nos rendimentos financeiros e nas condies de moradia. Geralmente, as

    pesquisas no mbito escolar apontam um destino semelhante para aqueles que pertencem a

    um mesmo grupo lingstico e os pertencentes de uma mesma camada social, ou seja, nessecaso h uma forte correlao entre os falantes de dialetos e as camadas mais baixas da

    populao. Hasselberg destaca que a variedade lingstica no necessariamente determina a

    classe social, mas as pesquisas indicam que h uma forte relao entre os falantes da lngua

    7 Na Alemanha, todas as crianas devem freqentar a Escola Fundamental (Grundschule) que compreende osquatro primeiros anos escolares. A partir do quinto ano, os alunos devem ir para um dos trs diferentes tipos deescola de acordo com os objetivos profissionais futuros ( Haupt -, Realschulee Gymnasium). Em alguns estadosalemes h aGesamtschule,que integra esses trs tipos de escolas alems, Haupt -, Realschulee Gymnasium (Duden, 2003). Nessa quarta alternativa, aGesamtschule, todos os alunos freqentam a mesma escola, mas comalgumas matrias e nveis diferentes.8 A Gesamtschulepossui uma classe diferenciada,Frderstufe, que corresponde ao quinto e sexto ano do sistemaescolar alemo, ou seja, ao quinto e sexto ano doGymnasium.

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    no padro e as classes mais baixas. Ele conclui, ainda, que a simples comparao entre

    lngua e classe social no suficiente, outros fatores devem ser considerados nas pesquisas

    futuras.

    Wegera (1983) compara a produo lingstica dos alunos falantes de dialetos com as

    normas gramaticais da lngua alem, baseando-se na gramtica contrastiva de Besch et al.

    (1976, apud WEGERA, 1983), e aponta a divergncia entre a produo dos alunos e a norma

    gramatical alem. Por exemplo, nos casos em que a pronncia dialetal de algumas vogais e

    consoantes difere da norma padro, isso gera uma escrita tambm divergente. As diferenas

    morfolgicas encontradas so a no distino de alguns casos na declinao dos adjetivos,

    diferenas de gnero e flexo de nmero e o uso de conjugaes regulares para verbos

    irregulares no passado. O autor afirma, ainda, que as diferenas de vocabulrio so um dos

    maiores problemas para o falante de dialeto. Dessa forma, Wegera advoga a favor de um

    estudo contrastivo como um primeiro passo para a soluo dos problemas desses alunos.

    Nesse mesmo estudo, cuja nfase est na comparao de aspectos lingsticos, Wegera

    (1983) tambm reconhece que as condies sociais influenciam na aprendizagem da lngua

    padro por alunos falantes de dialetos. O autor menciona alguns estudos realizados por

    pesquisadores alemes9

    na dcada de 70, que se preocupavam em verificar a relao entrepertencimento social e uso da linguagem pelos alunos falantes de dialetos. Segundo o autor,

    esses estudos apontam, em termos gerais, que os falantes de dialetos fazem mais erros

    lingsticos e saem-se piores nas provas escolares do que os no falantes de dialetos. Como

    conseqncia, so tidos como menos inteligentes e recebem prognsticos piores de sucesso

    escolar e profissional. Alm disso, as pesquisas tambm apontam as dificuldades regionais

    9 Para maiores informaes, verificar Wegera (1983, p. 1476).

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    como causas do insucesso escolar, ou seja, como a maioria desses alunos vem do meio rural,

    eles possuem um acesso restrito a atividades culturais extra-escolares.

    Os estudos de Ammon e outros pesquisadores, especialmente na dcada de 70,

    examinaram as dificuldades dos alunos falantes de dialetos ao aprenderem o alemo padro e

    apontaram solues didtico-pedaggicas como um primeiro passo para a soluo desse

    problema, como a elaborao e aplicao de gramticas constrastivas. Alm de discutir a

    problemtica dos alunos que trazem de casa um conhecimento lingstico diferente do

    ensinado na escola, eles enfatizam a importncia de uma sensibilizao dos professores que

    lidam com esses alunos para que a escola no seja um agente de preconceito contra a lngua

    materna do aluno. Apesar da importncia desses estudos, eles se basearam nas pesquisas

    sociolgicas tradicionais, nas quais variveis como classe social, gnero e etnias, por

    exemplo, so usadas para explicar as diferenas entre as diferentes oportunidades de vida e o

    pertencimento a determinadas subculturas (WIDDICOMBE, 1998b). Dentro dessa

    perspectiva, poderamos supor que as pessoas agem somente de acordo com normas sociais e

    culturais ou so vtimas das mesmas, desconsiderando a forma como as pessoas interagem

    com os outros nas diversas situaes reais do seu cotidiano.

    1.3 O ENSINO DE ALEMO PARA ALUNOS DAS COMUNIDADES TEUTO-BRASILEIRAS

    Uma pesquisa bibliogrfica sobre os falantes de dialeto nas cidades de colonizao

    alem do sul do Brasil nos leva a um vasto material sobre a situao lingstica dessas

    comunidades. Pesquisas como as de Altenhofen (1996) e Damke (1997), por exemplo,

    descrevem aspectos lingsticos, como emprstimos, interferncias, alternncia de cdigo,

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    entre outros. Tambm encontramos trabalhos que abordam a aquisio do portugus por esses

    falantes de alemo, como a dissertao e a tese de Jung (1997; 2003). No entanto, os trabalhos

    que encontramos sobre o ensino do alemo padro para falantes de dialeto no Brasil sopoucos.

    Grtner (1999) examina as dificuldades lingsticas dos falantes bilnges de

    portugus e alemo dialetal que estudam alemo padro como lngua estrangeira na

    universidade. A pesquisa foi realizada com os alunos de um curso de formao de professores

    de alemo do IFPLA (Instituto de Formao de Professores de Lngua Alem), pertencente

    UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), que freqentaram o primeiro, segundo

    e terceiro semestres de 1998 a 1999. A anlise dos dados consistiu na verificao de

    divergncias lingsticas entre a produo dos alunos e as normas gramaticais de alemo

    padro nas produes nos trs nveis estudados. Essas divergncias foram constatadas atravs

    dos textos escritos e narrativas orais dos alunos, gravados e transcritos a partir de atividades

    propostas pela pesquisadora, segundo as quais os alunos deveriam contar as situaes de

    histrias em quadrinhos apresentados por Grtner.

    Os resultados revelam que as divergncias nos textos orais e escritos abrangiam, entre

    outras, diferenas lexicais, sintticas e morfolgicas, que foram diminuindo ao longo dossemestres. Grtner (1999) tambm verifica o desenvolvimento lingstico em relao

    organizao temtica da estrutura narrativa e destaca certos progressos ao longo dos

    semestres, especialmente com relao apresentao do ponto relevante para a histria e

    concluso ou no da narrativa. Ao concluir, ela afirma que os alunos com conhecimento

    prvio de alemo dialetal tm mais facilidade com relao compreenso auditiva,

    vocabulrio e estruturas sintticas enquanto apresentam dificuldades especficas no que se

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    refere lngua escrita, gramtica e ortografia. Ela sugere, ainda, que os professores que

    trabalham com esses alunos estejam informados sobre as pesquisas em Lingstica e

    Aquisio da Linguagem, para que possam lidar melhor com as dificuldades lingsticas dosalunos falantes de dialetos na aprendizagem do alemo padro. A autora tambm indica

    alguns aspectos lingsticos que podem ser observados e trabalhados pelos professores de

    alunos falantes de dialetos e sugere algumas mudanas no currculo do curso de formao de

    professores para que estes sejam capacitados para trabalhar com esses alunos.

    Em um estudo posterior, Grtner (2003) analisa as construes com infinitivo na

    produo lingstica de alunos universitrios da mesma instituio. Nesse estudo, tambm so

    analisadas as produes orais e escritas dos alunos, sendo as orais transcritas para a anlise.

    Os dados foram coletados a partir de 1998 atravs de uma tarefa que consistia em solicitar que

    os alunos narrassem histrias e filmes. Para a anlise dos dados, Grtner descreveu o uso do

    infinitivo em alemo e em portugus de acordo com as gramticas normativas das duas

    lnguas e examinou se as produes em alemo dos alunos apresentavam ou no divergncias

    com a norma padro. Com essa pesquisa, a autora pretendeu demonstrar a necessidade do

    estudo da influncia das duas lnguas maternas dos alunos, portugus e alemo dialetal, para a

    aprendizagem do alemo padro como lngua estrangeira, sugerindo um estudo contrastivo

    entre os dois idiomas. Segundo Grtner (2003), as estruturas mais simples de formao doinfinitivo recebem influncia positiva do alemo dialetal e so adquiridas com rapidez e

    acurcia, enquanto as estruturas mais complexas recebem influncia negativa do portugus,

    fazendo com que as inadequaes persistam ao longo do processo de aquisio. Ela enfatiza,

    ainda, as vantagens do conhecimento prvio de alemo dialetal, que deve ser utilizado para a

    aprendizagem do alemo padro.

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    Os trabalhos de Grtner (1999 e 2003) so importantes para este estudo por enfocarem

    a aprendizagem de alemo padro por falantes de dialetos. As anlises lingsticas so um

    bom subsdio para que os professores possam preparar materiais didticos e direcionar oscontedos de ensino de acordo com as necessidades do pblico-alvo, neste caso, os alunos

    falantes de dialetos. Alm disso, buscam a valorizao do conhecimento prvio do alemo,

    argumentando que os alunos devem reconhecer a importncia de sua lngua materna, muitas

    vezes caracterizada como inferior em relao lngua padro. No entanto, a apresentao de

    uma anlise lingstica detalhada parece que reduz a questes lingsticas a problemtica da

    aprendizagem da lngua padro por falantes de dialetos, sem considerar outros fatores que

    podem influenciar na aprendizagem de idiomas, especialmente quando a lngua dos alunos

    goza de um prestgio inferior lngua ensinada no ambiente escolar.

    Recentemente, pesquisadores como Mailer (2003) e Altenhofen (2004) trataram da

    trajetria de proibio do idioma alemo no perodo pr e ps Segunda Guerra Mundial e as

    conseqncias desse silenciamento na identidade e na cidadania desses grupos sociais. Eles

    advogam a favor de polticas lingsticas que favoream o bilingismo nas escolas das regies

    de colonizao alem como uma forma de resgatar a lngua, a identidade, a importncia social

    do descendente do imigrante e de compreender os preconceitos lingsticos, as ideologias, os

    valores que permeiam as variedades lingsticas e os seus falantes.

    Todos os trabalhos comentados nesta subseo so relevantes para os objetivos aos

    quais se propem, mas no descrevem o que realmente acontece na sala de aula, o que pode

    facilitar ou prejudicar o ensino daquilo que a escola se prope a ensinar. De acordo com

    Lantolf (2000), a aprendizagem na sala de aula ocorre de diversas maneiras, nas mais

    diferentes circunstncias e envolve indivduos reais que trazem consigo sua lngua, histria e

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    vivncias; nela, todos os participantes podem contribuir para a co-construo do

    conhecimento. Portanto, neste trabalho proponho examinar as interaes em sala de aula e as

    identidades ressaltadas em um contexto onde os alunos trazem para a sala de aula umconhecimento de alemo no-padro. Pretendo, desta forma, levantar a discusso sobre as

    identidades negociadas pelos alunos falantes de dialeto e contribuir com uma anlise que

    possa descrever como essas identidades so (ou no) ressaltadas na sala de aula. Entendo que

    uma discusso mais aprofundada do que ocorre na sala de aula possa auxiliar o professor a

    entender melhor o contexto onde atua e, dessa forma, proceder a um ensino mais sensvel a

    esse contexto.

    1.4 O TRATAMENTO DAS DIFERENAS NA SALA DE AULA

    Tanto o dialeto como a variedade padro so lnguas plenas, que servem ao que se

    propem, e so suficientes para o uso social a que se destinam. De acordo com Rajagopalan

    (2003), o que distingue as lnguas de menor prestgio, como os dialetos e as lnguas exticas,

    das de maior prestgio, como as lnguas oficiais, no so aspectos lingsticos, mas sim uma

    escala de valores com conotaes fortemente ideolgicas. Assim, determinadas lnguas gozam

    de mais prestgio por causa de interesses extralingsticos e ideolgicos, ou seja, determinadas

    variedades lingsticas, em algum momento histrico, foram escolhidas pelos membros dasclasses dominantes para serem a norma padro, relegando s demais variedades a situao de

    no-padro, no-oficial e, no senso comum, lngua de menor valor.

    As variedades lingsticas no-oficiais e sem prestgio podem levar a uma situao de

    discriminao social de seus falantes. Isso pode ser verificado especialmente na escola, cuja

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    responsabilidade institucional ensinar a lngua padro, quando a cultura da escola for

    diferente dos conhecimentos e das experincias dos alunos.

    Conforme j comentado neste trabalho, as pesquisas que encontramos no tratam do

    ensino de alemo para falantes de dialetos no Brasil a partir de acontecimentos reais da sala

    de aula. No entanto, a questo dos falantes de dialetos pode ser comparada situao das

    crianas brasileiras que vo para a escola sem conhecer o idioma padro e a cultura desta, e

    nesse aspecto, os trabalhos sobre a realidade brasileira podem ter pontos semelhantes a essa

    problemtica e apresentar subsdios que contribuam para a reflexo acerca das questes aqui

    examinadas.

    Bortoni (1995) investiga se a escola colabora para que os alunos adquiram a lngua

    padro, ao examinar a relao entre a variao lingstica da fala dos professores e as prticas

    de letramento em uma escola bidialetal. Segundo Bortoni, a escola caracterizada como

    bidialetal porque as crianas que a freqentam so, ao mesmo tempo, falantes da variedade

    rural do portugus e da variedade da escola, a lngua padro. Ela afirma que ambas as

    variedades tero espao na sala de aula: [...] a lngua padro e o dialeto so componentes

    funcionais no repertrio lingstico dos falantes. Ambos sero usados em sala de aula,

    cumprindo funes diferenciadas. (BORTONI, 1995, p. 121).

    Os dados utilizados na pesquisa foram levantados em uma pesquisa etnogrfica

    realizada em uma escola rural multisseriada de uma comunidade perto de Goinia e

    constavam da observao de diversas situaes escolares e comunitrias e 20 horas de

    gravao em vdeo. De acordo com Bortoni (1995), os professores das turmas estudadas no

    poderiam ser considerados falantes exemplares do portugus padro. Alm disso, um deles

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    apresentava traos rurais tpicos na sua linguagem e o outro, traos mais urbanos. Na escola

    no havia sinais de problemas resultantes do confronto entre a cultura da escola e a cultura

    dos alunos, mas sim um ambiente de respeito dos professores para com a cultura e alinguagem dos alunos.

    Para a anlise dos dados, Bortoni (1995) identificou os tipos de eventos recorrentes em

    sala de aula e segmentou todo ocorpus em unidades discursivas, separando as unidades do

    portugus padro coloquial e do portugus popular/rural. Os resultados apontaram uma

    alternncia de cdigo entre o portugus popular e a lngua padro na fala do professor que se

    relaciona s normas interacionais de cada evento de fala. Bortoni observa que a lngua padro

    usada preferencialmente nos eventos de letramento, quando h um texto escrito orientando o

    que ser dito, e quando o padro interacional o IRA10, um evento tpico da interao em sala

    de aula. No entanto, essa alternncia no ocorre de forma sistemtica, mas sim intuitivamente.

    Essa intuio, segundo Bortoni (1995), tem a vantagem de deslocar as dicotomias entre

    portugus bom e ruim para portugus usado para ler e escrever e usado para conversar.

    A pesquisadora tambm observou a reao dos professores com relao s produes

    no-padro dos alunos e constatou que essa reao tambm depende do tipo de evento em

    curso. Assim, raramente o professor intervm em atividades mais coloquiais comorepreenses, brincadeiras e explicaes curtas, o que no acontece nos eventos mais focados

    na lngua como os eventos de leitura.

    10 A troca de turnos entre professores e alunos ocorre tipicamente atravs da seqncia IRA (iniciao resposta avaliao), que controlada pelo professor (HALL, 1998). A seqncia IRA, segundo Mehan (1985), fundamental para a estrutura dos eventos em sala de aula, pois ela os distingue das demais situaes da vidacotidiana. A terceira parte da seqncia, a avaliao, dificilmente ocorre na conversa cotidiana, na qual a terceiraparte esperada seria mais um reconhecimento do que foi dito. Segundo o autor, o que diferencia uma resposta deavaliao de uma de reconhecimento o tipo de pergunta realizada. A avaliao seria a resposta a uma perguntade informao conhecida, enquanto o reconhecimento estaria ligado a uma pergunta de resposta desconhecida.Alm disso, essas perguntas de informao conhecida garantem a distribuio social do conhecimento esperadaentre professores e alunos, na qual os professores so aqueles que sabem e podem ou devem avaliar acontribuio dos alunos, os que no sabem.

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    Bortoni (1995), com base em Erickson, advoga a favor de uma pedagogia

    culturalmente sensvel, segundo a qual a escola deve ser sensvel s diferenas culturais queh entre a sua prpria cultura e a dos alunos, esforando-se para reduzir essas diferenas sem

    desrespeitar o aluno. Os alunos devem sentir-se livres para falar e cabe ao professor ratific-

    los atravs da expanso das suas contribuies, ao invs de simplesmente corrigi-los, o que

    poderia ser negativo.

    O professor deve aproveitar os momentos nos quais as variedades lingsticas se

    cruzam para realizar aes de andaimento11, ou seja, para momentos em que o professor,

    como falante mais proficiente, ir ajudar o seu aluno a construir conhecimentos (DONATO,

    1994); nesse caso, o professor ajudar o aluno a desenvolver a competncia comunicativa e a

    conscincia crtica sobre as diferenas lingsticas entre a sua variedade e a variedade

    ensinada na escola.

    O estudo de Bortoni (1995) relevante para esta pesquisa na medida em que se coloca

    a favor do uso efetivo em sala de aula das diferentes variedades lingsticas, padro e no-

    padro, e prega o desenvolvimento de uma pedagogia culturalmente sensvel para que as

    contribuies ou manifestaes dos alunos sejam respeitadas e as diferenas no sejamencaradas como aspectos negativos. No entanto, parece que a pesquisadora contradiz sua

    fundamentao terica, ao afirmar que os professores observados na pesquisa no so falantes

    paradigmticos do portugus padro e sua fala apresenta grande variao estilstica. Se

    Bortoni (1995) enfatiza a diferena entre lngua usada para conversar e lngua usada para

    escrever, parece que classificar a fala dos professores nas interaes como no-padro seria

    11 Andaimento (scaffolding): Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001) citam Cazden (1998) para definir andaimentocomo termo metafrico usado para denominar a ajuda que, numa dupla, o parceiro mais capaz pode dar ao outro.

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    um contra-senso, pois pressuporia que os professores deveriam falar corretamente de

    acordo com a norma padro da lngua portuguesa. Na interao entre pessoas reais a opo

    por determinadas variedades lingsticas e estilsticas depende da ao conjunta dosparticipantes, o que no significa que as pessoas envolvidas desconheam necessariamente

    uma determinada variedade.

    Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001) tratam do conflito que pode advir das diferenas

    culturais e lingsticas entre a cultura dos alunos e a da escola, examinando algumas pesquisas

    luz da pedagogia culturalmente sensvel de Erickson. Segundo as autoras, o uso do

    portugus popular pode ser bem administrado pelos professores se estes aceitarem as

    contribuies dos alunos e gradualmente as ajustarem cultura da escola. Por outro lado, se

    essas diferenas no forem bem trabalhadas pelos professores, pode ocorrer uma situao de

    conflito, o que levar a uma desvantagem da criana que no conhece a cultura da escola,

    prestigiada pela sociedade.

    As autoras abordam essa questo atravs da apresentao e discusso de alguns

    trabalhos seus e de outros pesquisadores. Aqui trataremos apenas do trabalho de Dettoni

    (1995), detalhadamente descrito no texto de Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001).

    Dettoni verificou os padres de ratificao em sala de aula, partindo do pressuposto de

    que a forma como os professores garantem a participao dos alunos em sala de aula depende

    de suas crenas em relao ao desempenho escolar do aluno, ou seja, se o professor tem uma

    baixa expectativa em relao a um aluno, isso tambm ser mostrado na interao com esse

    aluno em sala de aula e vice-versa. A pesquisa consistiu em um estudo etnogrfico realizado

    em duas escolas urbanas de Braslia localizadas no mesmo bairro, mas com clientelas

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    diferenciadas. Na primeira delas, havia o predomnio dos alunos de classe mdia do mesmo

    bairro; na outra, havia mais alunos de fora do bairro, de uma classe social mais baixa. A

    pesquisadora observou duas turmas de Ciclo Bsico de Alfabetizao, uma em cada escola, econstatou dois tipos diferentes de interao. Na primeira escola, a professora era mais

    flexvel, mantendo uma relao simtrica com os alunos. Na outra escola, a professora estava

    mais preocupada com as formas institucionais e mantinha uma relao mais assimtrica com

    seus alunos.

    Atravs da microanlise da interao de alguns eventos em sala de aula, Dettoni

    identificou trs formas de ratificao12 dos alunos. A primeira delas a ratificao plena

    atravs de reforo verbal, gestual ou de movimentos com a cabea, verificada quando a

    professora avalia oralmente a compreenso de um texto lido. Um segundo tipo consiste na

    ratificao parcial dos alunos, na qual o aluno tem acesso ao piso conversacional, mas sua

    fala no totalmente ratificada (BORTONI-RICARDO, DETTONI, 2001, p. 88), o que

    normalmente ocorre em eventos de correo de exerccios. Uma variao deste tipo de

    ratificao parcial ocorre quando a participao do aluno totalmente apropriada para o

    contexto, mas o professor possui uma expectativa maior para a contribuio do aluno. H

    tambm exemplos de no-ratificao, nos quais os alunos buscam ter acesso ao piso

    conversacional, mas so ignorados pela professora, embora forneam respostas adequadas.

    A anlise dos dados indica que o processo de ratificao consiste em um momento

    potencial de conflito, no qual atitudes negativas do professor, especialmente a crena em

    relao ao desempenho escolar de crianas mais pobres, podem levar a um baixo ndice de

    ratificao dos alunos por parte do professor.

    12 Questes de ratificao e outros aspectos interacionais sero tratados com mais detalhe no terceiro captulodeste trabalho.

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    Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001) procuraram demonstrar a importncia da adoo de

    uma pedagogia culturalmente sensvel para tratar as diferenas culturais e lingsticas noambiente escolar. O professor deve proporcionar ao aluno o acesso ao piso conversacional,

    ratificando-o como falante legtimo e isso ser demonstrado por suas aes em sala de aula.

    Cabe escola aceitar a diversidade e torn-la funcional (BORTONI-RICARDO e

    DETTONI, 2001, p.102), alm de se conscientizar do seu papel e de que a manuteno das

    diferenas sociolingsticas em sala de aula pode contribuir para o agravamento das

    desigualdades sociais.

    Como vimos, nas pesquisas de Bortoni (1995) e Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001), h

    uma preocupao em fazer com que a escola seja um lugar que aceite as diferenas

    sociolingsticas, sem preconceitos. A ela cabe aceitar e valorizar a cultura do aluno, fazendo

    com que o aluno tome conhecimento da cultura da escola de uma forma gradual e sensvel.

    Isso significa que, ao aprender a cultura da escola, o aluno no deve ignorar ou menosprezar

    seus conhecimentos anteriores, mas ele tem o direito de ter acesso a ambas e us-las

    funcionalmente nas diferentes situaes da vida cotidiana13.

    Em relao lngua estrangeira, Moita Lopes (1996) discute alguns mitos queenvolvem a aptido para a aprendizagem de lnguas estrangeiras no Brasil, que, segundo o

    autor, em grande parte resultam do mau trato dado ao assunto em muitos Cursos de Letras que

    se preocupam mais com fenmenos literrios do que com estudos lingsticos. Um desses

    mitos envolve a noo de que aquele que no sabe a sua prpria lngua no poder aprender

    uma outra. Essa afirmao se relaciona especialmente ao ensino para crianas de classes

    13 Ver tambm Soares (1986).

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    sociais subalternas que no esto familiarizadas com os valores culturais e lingsticos da

    escola.

    A noo de deficincia lingstica14 das classes subalternas deve-se a uma situao

    poltico-social, segundo a qual as classes no-privilegiadas so sempre vistas como

    deficitrias. Trata-se, portanto, de uma viso ideolgica que nada tem a ver com problemas de

    ordem lingsticos e culturais.

    Para Moita Lopes (1996), difcil isolar e definir aptido, mas parece que o conceito

    est mais relacionado a habilidades de aprendizagem e que podem ser ensinadas e

    desenvolvidas no processo de ensino/aprendizagem. Dessa forma, no h outra justificativa

    que apie os julgamentos negativos do professor em relao aos alunos das classes

    subalternas que no seja a de cunho ideolgico, e cabe aos professores demonstrar atitudes

    que no confirmem esses mitos preconceituosos de base ideolgica. Segundo o autor, a escola

    deve contribuir para que os alunos sejam agentes de sua prpria histria e no objeto dela. O

    trabalho de Moita Lopes (1996) contribui para que se ressalte a noo de que as diferenas

    lingsticas e culturais so apenas diferenas, que no devem ser avaliadas positiva ou

    negativamente. Ter conscincia dessas diversidades e saber us-las nas situaes do dia-a-dia

    contribui para o enriquecimento cultural e lingstico de quem as possui.

    Neste captulo, procurei apresentar e discutir alguns trabalhos que motivaram a

    proposta de realizao desta pesquisa e orientaram as opes terico-metodolgicas do

    trabalho. De modo geral, os estudos aqui apresentados colocam-se a favor do respeito s

    14 A noo de deficincia refere-se Teoria do Dficit Lingstico de Bernstein na dcada de 60 e relaciona asdificuldades escolares das crianas das classes desprivilegiadas ao cdigo lingstico restrito que trazem de casa,em contraposio s crianas de classe mdia que j trazem dois cdigos de casa, o restrito e um mais elaborado.Um dos maiores crticos a Bernstein foi Labov, ao afirmar que no h evidencia lingstica que aponte quediferena lingstica signifique deficincia (Moita Lopes, 1996).

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    diferenas em sala de aula e apiam a construo gradual de um conhecimento conjunto que

    reconhea a cultura e as contribuies dadas pelos alunos.

    Para verificar como essas diferenas so tratadas no ambiente escolar, este trabalho

    parte da posio de que preciso observar o que acontece em situaes reais de interao. A

    sala de aula um dos lugares potenciais onde o conhecimento construdo com a colaborao

    de todos os envolvidos e os sentidos so construdos localmente (MOITA LOPES, 1996).

    Assim, quando me proponho a investigar como as identidades sociais dos alunos falantes de

    dialetos so tornadas relevantes na sala de aula de alemo padro, tenho de considerar como

    as interaes reais so construdas pelos participantes.

    Coulon (1995) afirma que a viso tradicional da Sociologia est ligada ao nome de

    Parson e parte de um mundo exterior significante e independente das relaes sociais. A

    Etnometodologia de Garfinkel se ope viso social de Parson ao propor queo foco no

    domnio da interao, de forma oposta, permite que se percebam as realizaes das pessoas

    ao construrem e manterem seus mundos cotidianos e, assim, se perceba como a ordem social

    possvel15 (WIDDICOMBE, 1998b, p. 196). Dentro dessa viso, as pessoas no seguem as

    regras sociais pr-estabelecidas, mas as atualizam, ratificando-as ou no, na medida em que

    agem concretamente nas situaes da vida diria (COULON, 1995).

    De acordo com Erickson (2001), olhar para as aes dos participantes na interao

    implica em verificar como as categorias do universo macro so negociadas pelos interagentes

    no curso da ao, o que os interlocutores fazem localmente pode ser visto no apenas como

    15 A focus on the domain of interaction, by contrast, allows insight into the achievements of people inconstructing and maintaining their everyday world and thus how social order is possible (Widdicombe, 1998b,p. 196).Todas as tradues apresentadas neste texto so de minha inteira responsabilidade.

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    influenciado pela sociedade como um todo, mas tambm como a influenciando16

    (ERICKSON, 2001, p. 153).

    No prximo captulo, discuto algumas questes sobre identidade e os aspectos

    interacionais a ela relacionados, partindo do pressuposto de que as identidades so negociadas

    na interao (Erickson, 2001).

    16 what interlocutors do locally can be seen as not only influenced by the wider society but as also influencingit (Erickson, 2001, p. 153).

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    2 IDENTIDADES SOCIAIS E INTERAO FACE A FACE

    Nesta pesquisa, procuro verificar como as identidades aparecem e so co-sustentadas

    pelas pessoas envolvidas na interao face a face em sala de aula. Nela, parto do pressuposto

    de que as identidades dos participantes da interao no dependem somente da ordem social

    pr-estabelecida, mas so construdas ou tornadas relevantes na medida em que as pessoas

    interagem umas com as outras.

    Para a anlise e compreenso dos dados de sala de aula, neste captulo apresento

    algumas reflexes acerca do conceito de identidade (WOODWARD, 2000; ANTAKI E

    WIDDICOMBE, 1998) e comento algumas pesquisas sobre identidade realizadas em sala de

    aula (MOITA LOPES, 1998; KLEIMAN, 1998; ALMEIDA, 2004; MCDERMOTT E

    GOSPODINOFF, 1981). A seguir, apresento alguns conceitos tericos que subjazem noo

    de negociao identitria na interao (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON, 1974;

    GUMPERZ e COOK-GUMPERZ, 1982; GOFFMAN, 2004; SCHEGLOFF et al., 2002 e

    outros) e que norteiam os objetivos, a execuo e a anlise dos dados deste trabalho.

    2.1 ALGUMAS REFLEXES INICIAIS SOBRE O CONCEITO DEIDENTIDADE

    Conforme Woodward (2000), o mundo contemporneo passa por um momento no

    qual se reestruturam as identidades nacionais e tnicas, o que faz com que a identidade seja

    um tema central nas discusses contemporneas. Essa realidade tambm marcou os novos

    movimentos sociais surgidos a partir da dcada de 60, tais como o feminismo, o movimento

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    dos direitos civis dos negros e de poltica sexual, nos quais havia uma forte preocupao com

    as identidades pessoais e culturais.

    Woodward (2000) destaca que um ponto importante para a identidade est na questo

    da diferena, ou seja, a identidade se distingue por aquilo que ela no . Somos classificados

    diferentemente de acordo com os sistemas sociais e simblicos (WOODWARD, 2000).

    Portanto, ser brasileiro no ser argentino, no ser norte-americano e outros. Dessa forma,

    somos diferentes uns dos outros e essas diferenas so marcadas por sistemas simblicos e

    sociais que constituem em um ponto chave nos sistemas de classificao que dividem a

    populao em pelo menos dois grupos, ns e os outros:

    Os sistemas sociais e simblicos produzem as estruturas classificatrias quedo um certo sentido e uma certa ordem vida social e as distines fundamentais entre ns e eles, entre o fora e o dentro, entre o sagrado e o profano, entre omasculino e o feminino que esto no centro dos sistemas de classificao de

    cultura (WOODWARD, 2000, p. 67-68).

    As diferentes culturas e os membros da sociedade tm sua prpria forma de classificar

    as coisas no mundo como uma forma de manuteno da ordem social atravs de determinados

    padres normativos:

    Cada cultura tem suas prprias e distintivas formas de marcar o mundo. pela construo de sistemas classificatrios que a cultura nos propicia os meiospelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir significados. H, entreos membros de uma sociedade, um certo grau de consenso sobre como classificar ascoisas a fim de manter alguma ordem social (WOODWARD, 2000, p. 41).

    Essas afirmaes que evocam a manuteno da ordem social atravs dos sistemas

    classificatrios das diversas culturas podem levar inferncia de que a identidade possa ser

    vista como algo unitrio ou certo. De acordo com Woodward (2000), na base da discusso

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    acerca do conceito de identidade est a tenso entre o essencialismo e o no-essencialismo, ou

    seja, entre a noo de uma identidade fixa, motivada por razes histricas ou biolgicas, ou

    algo que dependa de um contexto mais local. Dentro dessa perspectiva, as caractersticascomuns partilhadas por membros dos mesmos grupos identitrios caracterizariam perspectivas

    essencialistas, enquanto as semelhanas ou diferenas compartilhadas por diferentes grupos

    ou as modificaes sofridas por essas caractersticas ao longo dos tempos estariam

    relacionadas a perspectivas no-essencialistas.

    No debate contemporneo de identidade, Woodward aponta uma crise em todos os

    nveis de identidade, sejam elas globais ou nacionais, pessoais ou locais. Em um mundo ao

    mesmo tempo globalizado e fragmentado, parece que todos agem da mesma forma e tm o

    mesmo estilo de vida. A homogeneizao cultural e identitria dos povos pode gerar o

    distanciamento da sua cultura local ou provocar a resistncia atravs da reafirmao das

    identidades locais, nacionais ou do surgimento de novas identidades. Esse novo

    posicionamento de identidades que fortalece as razes tnicas e nacionais relaciona-se, de

    certo modo, ao aspecto essencial da identidade que refora a distino entre os diferentes

    grupos.

    Por outro lado, se seguirmos o senso comum, podemos achar que somos a mesmapessoa nas diferentes situaes da vida cotidiana. Isso no o que ocorre, no entanto, quando

    nos encontramos em uma interao real. Nos colocamos diferentemente de acordo com os

    momentos de nossa vida e a situao social em que nos encontramos. Dessa forma, embora

    sejamos a mesma pessoa ao ministrarmos uma aula, ao participarmos de um churrasco com

    amigos ou ao irmos s compras em um Shopping Center, por exemplo, estamos

    diferentemente posicionados pelas diferentes expectativas e restries sociais envolvidas em

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    cada uma dessas diferentes situaes, representando-nos, diante dos outros de forma

    diferente em cada um desses contextos (WOODWARD, 2000, p.30). Portanto, de acordo

    com os Estudos Culturais, a situao social em que estamos pode nos posicionar ou levar aposicionar diferentemente.

    A noo que envolve a mudana de posicionamento nas diversas situaes sociais da

    vida cotidiana e que confere identidade um carter local relevante para a definio de

    identidade neste trabalho. Aqui verifico as identidades sociais (ERICKSON, 2001) ressaltadas

    no contexto de sala de aula, considerando que os participantes tm diversos atributos

    potenciais de identidade que podem ou no ser tornados relevantes na interao com os

    outros. Alm disso, de acordo com a perspectiva deste trabalho, os participantes de uma

    interao podem negociar mais de uma identidade social.

    As expectativas e restries sociais mais amplas tambm podem influenciar que

    aspectos de nossa identidade sero ressaltados; no entanto, o principal fator que faz com que

    alguns aspectos da identidade sejam tornados relevantes e no outros consiste nas aes dos

    participantes na interao. Neste trabalho, em um mbito maior, olho para a interao em sala

    de aula de alemo em turmas com alguns alunos que j conhecem e usam uma variedade no-

    padro do idioma no ambiente familiar e com outros alunos que esto aprendendo pelaprimeira vez o idioma. No entanto, para a verificao das identidades sociais ressaltadas na

    interao em sala de aula, partimos da perspectiva ontolgica da Sociolingstica Interacional,

    segundo a qual as identidades emergem, se constituem e se alteram em uma situao de

    interao face a face (GOFFMAN, 2002b). Alm disso, observamos as aes seqenciais da

    interao por meio do detalhamento das interaes dirias para verificarmos como as

    identidades so negociadas a todo momento na interao (ANTAKI, WIDDICOMBE, 1998).

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    2.2 O ESTUDO DAS IDENTIDADES NA SALA DE AULA

    A identidade vista como uma questo contempornea, conforme Woodward (2000),

    tem sido foco de muitos estudos. Para este trabalho, procurei selecionar algumas pesquisas

    que tratam a questo da identidade na sala de aula e que possam contribuir, seja por seu tema,

    suas orientaes tericas ou metodolgicas para a compreenso dos dados que sero

    analisados posteriormente neste trabalho17.

    Moita Lopes (1998) examina como desenvolvido o processo de construo da

    identidade social na sala de aula de leitura atravs da anlise dos discursos18 de identidades de

    professores e alunos, com especial ateno forma como a questo da diferena gerada na

    interao em sala de aula. Segundo o pesquisador, ao analisar o discurso, se investiga como os

    participantes envolvidos na construo de significados agem no mundo atravs da linguagem,

    construindo a si mesmos e a sua realidade social. Assim, as identidades sociais no so algo

    fixo que nasce com os indivduos, mas construes discursivas que emergem na interao

    entre os indivduos agindo em prticas discursivas particulares nas quais esto

    posicionados (DENORA E MEHAN, 1994: 160, apud MOITA LOPES, 1998, p.310).

    Torna-se, portanto, fundamental para o trabalho de Moita Lopes o fato de as identidadesestarem sujeitas a mudanas e a educao consistir em um processo no qual as transformaes

    sociais podem ser geradas. Alm disso, segundo o autor, a escola um lugar de construo de

    conhecimentos, no qual os conhecimentos gerados tm mais crdito do que em outros

    17 Ver tambm Longaray (2005), que investiga a construo de identidades em sala de aula de lngua inglesa combase em Suresh Canagarajah e Bonny Norton, enfocando os diferentes tipos de investimento (NORTONPIERCE, 1995 apud LONGARAY, 2005) em relao aprendizagem do ingls como lngua estrangeira e ascrenas e valores envolvidos na construo de identidades nesse ambiente. 18 Segundo Moita Lopes (1998), o discurso visto como uma forma de agir no mundo.

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    contextos, o que justifica o interesse do pesquisador pelos significados construdos na escola e

    a conscientizao dos indivduos envolvidos sobre a sua identidade e a dos outros.

    Os seus dados de pesquisa provm de um trabalho de cunho etnogrfico em uma

    quinta srie de uma escola da rede pblica da cidade do Rio de Janeiro. Com base na Anlise

    Microetnogrfica (ERICKSON, 1992), Moita Lopes analisa os 20 minutos iniciais de uma

    aula de leitura em lngua materna, cujo propsito pedaggico o de ativar o conhecimento

    prvio dos alunos para uma leitura posterior. A anlise dos dados est direcionada para os

    significados que a professora e os alunos constroem em relao identidade (MOITA

    LOPES, 1998, p.313). As cenas analisadas so consideradas pelo pesquisador como discurso

    de identidades porque nelas os participantes tratam de questes identitrias na medida em que

    discutem problemas de diferenas na sociedade. Aps a anlise de sete microcenas de

    interao em sala de aula, o pesquisador afirma que a viso de discurso percebida na sala de

    aula trata a questo da identidade como algo fixo e inerente s pessoas, ao invs de serem

    percebidas como sendo construdas nas prticas sociointeracionais.

    Apesar desse resultado, Moita Lopes (1998) reafirma a importncia da transformao

    social atravs da educao lingstica. Para que isso ocorra, segundo ele, o papel do professor

    em sala de aula e a sua concepo de linguagem e identidade social so fundamentais para aatuao pedaggica e a forma como sero conduzidas as crticas s identidades hegemnicas

    no discurso em sala de aula.

    Neste trabalho compartilho a noo trazida por Moita Lopes (1998) de que a escola

    um lugar onde as mudanas podem ocorrer e que o mundo atual exige que conceitos

    hegemnicos sejam discutidos criticamente por todos os envolvidos no processo de

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    aprendizagem para que os adultos do futuro sejam cidados crticos e atuantes na sociedade.

    No entanto, parece-me que esse procedimento didtico-pedaggico como forma de anlise de

    identidades no corresponde s concepes tericas apresentadas pelo autor que tratam asidentidades sociais como co-construdas na interao. O autor considera as cenas analisadas

    na pesquisa discursos de identidade porque os participantes esto, na verdade, tratando de

    questes referentes identidade ao discutirem problemas de diferenas na sociedade

    (MOITA LOPES, 1998, p. 313). Se Moita Lopes (1998) afirma que as identidades sociais no

    so estabelecidasa priori, mas co-construdas na interao, em prticas discursivas

    particulares, parece simplificador e limitado considerar que o contedo de uma discusso seja

    argumento para justificar uma pesquisa sobre identidades. As identidades sociais so tornadas

    relevantes na interao (ERICKSON, 2001) independentemente do foco do assunto tratado,

    ou seja, no precisamos discutir sobre racismo para notarmos aes racistas dos participantes

    de uma interao. Almeida (2004), ao analisar como os participantes da interao negociam as

    identidades masculinas na escola, tambm questiona o tratamento dado por Moita Lopes

    anlise de questes de identidade, pois, segundo Almeida, Moita Lopes parte de discusses

    acerca de atributos de identidades marginalizadas e desconsidera as aes e orientaes dos

    participantes de uma dada interao, independentemente do assunto discutido.

    Em um estudo em contexto de ensino urbano, com objetivos homogeneizadores emum programa de alfabetizao de adultos, Kleiman (1998) afirma que a questo da identidade

    no campo da educao deve ser tratada atravs da implementao da educao bilnge nas

    situaes em que os alunos pertenam a grupos minoritrios e marginalizados em relao

    cultura escolar. Se as identidades das minorias no forem valorizadas e respeitadas no

    ambiente escolar, elas podem ser colocadas em risco: aperda de identidade desses grupos

    est geralmente simbolizada pela perda da lngua materna, em conseqncia de um processo

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    de deslocamento lingstico (language shift) na direo da lngua dominante (KLEIMAN,

    1998, p. 268).

    De acordo com a Sociolingstica Interacional, a interao tem uma posio central

    para a explicao do conceito de identidade, embora as normas sociais pr-estabelecidas

    tambm tenham influncia nas identidades negociadas. Segundo Kleiman, quando ocorre a

    interao de grupos com valores e crenas muito divergentes e h uma relao assimtrica

    entre os participantes quanto ao poder e s normas institucionais, o conflito norma e no

    exceo. Essa a situao que acontece na sala de aula de alfabetizao de adultos, na qual h

    a interao entre alunos com pouca ou nenhuma escolaridade e professores alfabetizados.

    Kleiman (1998) examina questes de identidade na alfabetizao de adultos,

    observando a identificao de jovens e adultos analfabetos com crenas e valores de outros

    grupos que tm a escrita como instrumento de prtica cotidiana. Para isso ela realiza uma

    microanlise da interao, procedimento metodolgico fundamental para que se verifique o

    tratamento da identidade na interao no contexto de ensino e aprendizagem. Segundo a

    autora, os programas de alfabetizao podem seguir modelos de letramento com objetivos e

    conceitos de homogeneizao, que apaguem as diversidades e a diferena, ou podem estar

    orientados para prticas locais, valorizando usos cotidianos e prticos da escrita.

    A pesquisadora analisa a interao em sala de aula entre uma professora alfabetizadora

    e dois de seus alunos, irmos, uma mulher e um homem, enfocando as construes identitrias

    conjuntas produzidas nesse contexto e verificando a modalizao e o uso de expresses de

    polidez como recursos lingstico-discursivos para contextualizao das atitudes dos falantes.

    A anlise mostra que a maioria das interaes no segue o padro tpico das interaes de sala

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    de aula, iniciao-resposta-avaliao (IRA), e tambm h um controle interacional menor por

    parte da professora. Essa constatao sugere que a professora est orientada para o seu

    pblico e que no haveria maiores problemas para a auto-imagem do aluno. No entanto, essano a concluso da pesquisadora aps a anlise dos dados. De acordo com Kleiman (1998),

    h diferenas sexuais marcadas na interao entre a professora e os dois alunos, que recebem

    tratamento diferenciado. Apesar de rejeitar a contribuio de ambos, da aluna e de seu irmo,

    a professora o faz de forma muito diferente. Com o aluno ocorre uma construo conjunta, ela

    se aproxima fisicamente do aluno, o nomeia, contradiz, rejeita, comenta e responde suas

    perguntas. Alm disso, ela utiliza algumas formas para atenuar a rejeio s contribuies do

    aluno atravs do uso de modalizadores, por exemplo. Enquanto que com a aluna, ela apenas

    ignora as contribuies da mesma atravs do silncio. Portanto, a pesquisadora conclui que a

    participao de ambos rejeitada, afirmando que as significaes dos alunos no so

    legitimadas (KLEIMAN, 1998, p. 296) e essa no legitimao pode conduzir ao fracasso

    escolar e ao reforo de conceitos negativos que os indivduos sem escrita tm de si mesmos.

    O trabalho de Kleiman ressalta a importncia de uma anlise microetnogrfica da

    interao para que se possa verificar o que acontece nas diversas situaes de sala de aula.

    Alm disso, a anlise dos dados em interao permite que se examine a conduta do professor,

    j que esta pode ter um significado importante na forma como o mesmo acolhe ou no aparticipao de seus alunos, o que pode vir a influir nas significaes sociais dos alunos no

    s em sala de aula, mas tambm na sua vida social fora desta. Neste trabalho, tambm procuro

    observar as formas como os professores legitimam ou no as contribuies dos alunos falantes

    de dialetos nas aulas de alemo padro, procurando verificar as aes dos participantes e se h

    alguma diferena na forma como os professores legitimam a participao dos diferentes

    alunos.

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    Ainda sobre o trabalho de Kleiman, apesar de a pesquisadora ter concludo que a

    professora rejeita a participao de ambos os alunos, interessante ressaltar que parece haveruma tentativa de fazer com que a aula no tenha uma estrutura de participao to tradicional,

    o que se justifica pela no predominncia da estrutura IRA. Portanto, a forma da estrutura

    interacional da turma analisada tambm poderia fazer com que os alunos se sentissem

    convidados a dar suas contribuies. Essa apenas uma hiptese que, se no se confirma na

    anlise dos dados em interao, pelo menos aponta para uma conduta menos controladora da

    professora.

    Um outro trabalho que trata da questo do gnero, privilegiando a compreenso local

    da produo de sentidos em sala de aula, o de Almeida (2004), que investiga como os

    participantes de interaes em sala de aula negociam identidades masculinas neste contexto.

    Segundo o autor, os dados evidenciam que h uma identidade masculina hegemnica local

    que legitimada pela escola e outras identidades masculinas marginalizadas, no-legitimadas

    pela escola.

    McDermott e Gospodinoff (1981) analisam a interao face a face entre professores e

    alunos em atividades de leitura de uma primeira srie de uma escola de um subrbio de NovaIorque, verificando como as diferenas lingsticas, gestuais e interacionais podem gerar

    problemas de comunicao entre os membros de grupos majoritrios e minoritrios. De

    acordo com os pesquisadores, qualquer problema de comunicao no acidental, mas

    resultado da construo interacional conjunta de todos os participantes; alm disso, as

    diferenas lingsticas so secundrias em relao s polticas de relao entre os membros

    dos diferentes grupos.

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    Logo aps o incio do ano escolar, as crianas da primeira srie eram categorizadas em

    trs grupos de acordo com o julgamento da professora em relao as suas habilidades deleitura. O grupo mais avanado era formado predominantemente por crianas brancas e o

    grupo mais bsico era composto por crianas de origem menos letrada, porto-riquenhos,

    negros e duas crianas brancas, uma tida como deficiente mental (brain damaged ) e a outra

    como candidata a mudar de grupo. Os demais alunos pertenciam a um grupo intermedirio.

    Normalmente, as escolas so formadas por professores do grupo majoritrio, que no

    compreendem as crianas do grupo minoritrio, o que faz da opo por dificultar ou facilitar a

    comunicao uma escolha poltica. O fato de as pessoas serem diferentes no tem tanta

    importncia nesse contexto quanto importncia que as pessoas do s diferenas,

    enfatizando-as mais do que o necessrio, essas diferenas so politizadas em fronteiras que

    definem diferentes tipos de pessoas como antagonistas em vrias reas da vida cotidiana19

    (MCDERMOTT e GOSPODINOFF, 1981, p.216). Dessa forma, os participantes da interao

    podem querer ou no enfatizar essas diferenas, transformando-as em fronteiras tnicas.

    Barth (1969 apud ERICKSON, 1996) prope dois termos que lidam com as

    diferenas. Limite (boundary) refere-se a quando uma diferena cultural entre dois grupos reconhecida como tal, mas no politizada; ao passo que quando as diferenas sociais so

    politizadas e uma cultura tratada em posio de desvantagem, as diferenas so tratadas

    como fronteiras (borders). Segundo Erickson (1996), McDermott estendeu o contraste

    proposto por Barth ao afirmar que essas diferenas no necessariamente levam ao conflito ou

    as semelhanas levam harmonia, mas a forma como elas so tratadas nas interaes reais,

    19 the differences are politicized into borders that define different kinds of people as antagonists in variousrealms of everyday life

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    aqui, a sala de aula, faz com que sejam estabelecidas como limite (boundary) ou fronteiras

    (borders).

    O trabalho etnogrfico de Piestrup (1973 apud MCDERMOTT e GOSPODINOFF,

    1981) exemplifica como essas diferenas foram transformadas em fronteiras, ao analisar o

    efeito do uso do dialeto para a aptido da leitura em ingls por crianas da primeira srie. As

    anlises mostraram que as mudanas ou estabilizaes dos dialetos de crianas negras

    dependiam de como o dialeto era visto pelos professores. Dessa forma, quanto mais a fala das

    crianas era corrigida pelos professores, mais elas usavam o dialeto. Nas aulas em que as

    crianas podiam se expressar no seu dialeto, o uso dialetal no aumentava, elas obtinham

    notas mais altas e muitas delas se voltavam para a norma padro. Isso demonstra que o uso

    dialetal no prejudicial para o sucesso comunicativo na escola, a opo pelo dialeto

    representa uma atividade poltica, o estabelecimento da identidade de algum como

    membro de uma comunidade em particular 20 (MCDERMOTT e GOSPODINOFF, 1981, p.

    218).

    A pesquisa de McDermott e Gospodinoff com o grupo da primeira srie aponta que a

    escola no oferece possibilidades de sucesso para os alunos provenientes das classes menos

    favorecidas; eles geralmente no so representados na escola. Ao separar os alunos entre osque sabem e os que no sabem, de acordo com as noes de letramento trazidas de casa, os

    professores reforam esses conhecimentos e no contribuem para que essa situao seja

    modificada. Assim, se as crianas das classes minoritrias e pobres chegam escola com

    menos conhecimento em leitura e escrita do que as de classes mais privilegiadas, a ao dos

    professores tende a enfatizar a permanncia dessa situao. Com isso, as crianas das classes

    20 represents a political activity, a statement of ones identity as a member of a particular community

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    menos privilegiadas podem criar problemas organizacionais e pedaggicos para os

    professores, resultando em problemas de comunicao entre professores e alunos. Assim, na

    sala de aula analisada por McDermott e Gospodinoff, os problemas no eram simples questode etnicidade, mas sim resultado da forma como as diferenas eram tratadas na sala de aula e

    transformadas em fronteiras tnicas. Portanto, o papel do professor seria o de estar atento s

    diferenas entre a cultura da escola e a dos alunos e proporcionar um ambiente favorvel para

    que os alunos das classes desprivilegiadas tivessem acesso cultura da classe dominante e o

    conseqente sucesso escolar.

    O trabalho de McDermott e Gospodinoff se preocupa em olhar para as aes dos

    participantes na sala de aula e verificar que dificuldades podem ocorrer no contato entre

    alunos falantes de classes desprivilegiadas, cuja lngua e cultura no so valorizadas pela

    escola, e os professores, que institucionalmente so os encarregados de ensinar essa cultura

    letrada e valorizada. Nesse ponto, ele se aproxima desta pesquisa, na medida em que tambm

    me preocupo com o que ocorre na sala de aula, observando a interao entre os alunos que

    falam uma lngua no-padro e historicamente estigmatizada, e professores, cuja funo na

    sala de aula a de ensinar a lngua padro. Interessou-me, assim, refletir se poderia haver

    alguma relao entre as aes dos professores e dos alunos na interao que pudesse

    contribuir para a compreenso do (in)sucesso na aprendizagem do alemo padro.

    He (1995) verifica o significado do termo aconselhamento vocacional para estudantes

    e de que forma as categorias identitrias institucionais so construdas colaborativamente na

    interao em situaes de orientao vocacional, ou seja, como essas categorias so tornadas

    relevantes pelos participantes da interao. De acordo com He, as identidades no so algo

    estabelecidoa priori, independentemente das aes que decorrem do uso da linguagem, mas

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    podem ser vistas como um problema da interao, na qual aidentidade construda

    colaborativamente pelos participantes atravs de aes humanas concretas e de atividades

    em tempo real21

    (HE, 1995, p. 217). A autora examina trs fatores relacionados identidade,so eles: atividade, temporalidade e relevncia.

    Se as identidades potenciais podem ser tornadas relevantes em um encontro real,

    devem-se considerar as atividades feitas pelos participantes para que se possa desconstruir os

    apontamentos de identificao feitos antes do encontro. Quanto temporalidade, He afirma

    que se pensarmos a identidade como um processo de ser ou tornar-se22 (1995, p. 219),

    estamos considerando-a como algo dinmico e desenvolvido no passado, presente e futuro.

    Torna-se, ento, importante verificar no somente o histrico biogrfico de uma pessoa, mas

    tambm seus planos futuros. Ao falar em relevncia, He remete-se a Schegloff (1992) para

    afirmar que se uma determinada categoria for importante para a descrio de uma atividade,

    deve ser mostrado na interao como os participantes agem para sustentar e orientar-se para

    essa determinada categoria.

    A partir desses fatores, a pesquisadora examina as aes e as atividades verbais e no

    verbais que constituem as identidades na interao entre o orientador vocacional e os alunos

    nas sesses de aconselhamento. A anlise dos dados indica que as identidades dos alunosaconselhados so construdas colaborativamente na interao por ambos os participantes.

    Dessa forma, estes no carregam apenas atributos estabelecidos fora da interao, mas outros

    aspectos que podem ser observados na anlise dos segmentos interacionais, como, por

    exemplo, a dimenso temporal, que refora biografia acadmica e os futuros objetivos

    profissionais dos alunos.

    21 identity is collaboratively constructed by participants through concrete human actions and activities in realtime22 identity as a process of being or becoming

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    Para esta pesquisa, destaco os seguintes resultados das pesquisas resenhadas nesta

    seo: discusso sobre o conceito de identidade, segundo o qual as identidades soconstrudas colaborativamente pelos participantes da interao; os conflitos em determinadas

    situaes de aprendizagem; e a forma como os dados foram coletados por pesquisadores como

    Almeida e He, atravs da filmagem de interaes reais e naturais, sem a interveno do

    pesquisador nas situaes institucionais examinadas, procedimento metodolgico tambm

    adotado nesta pesquisa. A seguir, discuto alguns conceitos tericos que embasam a

    concepo, realizao e anlise dos dados desta pesquisa.

    2.3 AS IDENTIDADES SOCIAIS E AS AES NA INTERAO FACE A

    FACE

    As identidades no podem ser estabelecidasa priori ou vistas como categorias

    isoladas e fixas, mas so negociadas e ressaltadas a cada momento na interao em um

    trabalho conjunto de todos os participantes. Portanto, considerando as opes terico-

    metodolgicas deste trabalho, trato da questo da identidade luz da Etnometodologia de

    Garfinkel (ANTAKI E WIDDICOMBE, 1998), que se preocupa com a forma como os

    indivduos agem e do sentido s suas aes (COULON, 1995), e duas tradies de pesquisaque lidam com a organizao da interao social nos encontros face a face, a Anlise da

    Conversa Etnometodolgica, doravante ACE (SACKS, 1992a, SCHEGLOFF et al., 2002,

    entre outros), e a Sociolingstica Interacional, doravante SI (GUMPERZ e COOK-

    GUMPERZ, 1982, GUMPERZ, 2001).

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    Nesta subseo, aprofundo a discusso sobre identidade, apresentando como a ACE e

    a SI concebem o termo. Como ser mostrado nas prximas subsees, ACE e SI se cruzam

    em vrios aspectos, o que no permite uma distino rgida entre os conceitos das duasperspectivas. Neste trabalho, entretanto, procuro apresent-las separadamente por razes

    didticas, mesmo que muitos pontos aqui tratados sejam aceitos e trabalhados por ambas as

    reas de pesquisa. Portanto, a seguir, examino alguns pontos tericos que embasam a anlise

    das interaes face a face que ser realizada no captulo 4 deste trabalho.

    2.3.1 ACE: Algumas Questes de Identidade Social e Fala-em-interao

    As identidades dos falantes so construdas localmente na interao em curso

    (SCHEGLOFF et al., 2002). O conhecimento normativo de categorias estabelecidasa priori

    pode ser desafiado, segundo Widdicombe (1998b), ao considerar-se que as categorias

    identitrias so negociadas em uma interao particular e que o ato de tornar saliente

    determinados atributos de uma identidade pode ser demonstrvel na anlise de aspectos locais

    e ocasionais de acordo com os interesses dos falantes. Portanto, no se pode atribuir uma

    categoria de identidade sem que se considere a interao real dos participantes e as suas

    orientaes e aes a cada momento na interao. Para descrever as identidades tornadas

    relevantes na interao, de acordo com Wooffitt e Clark (1998), o