cristiane holzschuh gonçalves crianÇas indÍgenas: um
TRANSCRIPT
Cristiane Holzschuh Gonçalves
CRIANÇAS INDÍGENAS: UM ESTUDO SOBRE
FATORES DE PROTEÇÃO E RISCO PARA O
DESENVOLVIMENTO.
2
Santa Maria, RS
2008
3
CRIANÇAS INDÍGENAS: um estudo sobre os fatores de proteção e risco para o
desenvolvimento
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo, investigar os fatores de proteção e risco para o
desenvolvimento de crianças indígenas que transitam entre centros urbanos e
especificamente, conhecer o seu cotidiano, bem como seu processo de socialização e
vínculo. Para isso, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com três pais de
crianças indígenas da etnia Guarani que estão acampados na cidade de Santa Maria-RS.
Os resultados apontaram a existência de fatores de proteção para o desenvolvimento das
crianças como: fortes laços familiares; valorização pelos pais da importância do brincar;
transmissão e conservação dos aspectos culturais indígenas. Já os fatores de risco
encontrados foram: falta de espaço para plantar; renda econômica baixa e instável;
violência física como forma de educação; condições sanitárias precárias e falta de
acesso aos direitos da educação infantil indígena. Diante disso, faz-se necessário que as
políticas públicas existentes para essa população desenvolvam ações voltadas à
ampliação do espaço de terra das aldeias. A falta de espaço faz com que as famílias, ao
migrarem para áreas próximas aos centros urbanos, saiam da zona de proteção dos
órgãos públicos específicos para essa população, tornando-se, assim, mais vulneráveis.
PALAVRAS-CHAVE:crianças indígenas; fatores de proteção e risco; desenvolvimento.
4
CRIANÇAS INDÍGENAS: um estudo sobre os fatores de proteção e risco para o desenvolvimento AUTORA: Cristiane Holzschuh Gonçalves
PROFESSORA ORIENTADORA: Monise Gomes Serpa BANCA DE EXAMINADORES: Clóvis Schimitt Souza e Luciane Najar Smeha
5
1 INTRODUÇÃO
1.1. A situação indígena atual no Brasil
A situação da população indígena, no Brasil, mudou muito no decorrer da
história. Os índios passaram de donos da terra a seres sem-alma, que precisavam ser
doutrinados ou eliminados. Atualmente, a situação dos povos indígenas intercala-se
entre estas duas concepções sendo, muitas vezes, considerados como benefício
(turismo, preservadores da terra) e como problema (inimigos internos do Brasil na
luta da demarcação das áreas ou externos na disputa pela Amazônia) (COHN, 2001;
CUNHA, 1994 e PEREIRA, 2007).
Sendo assim, as políticas públicas direcionadas a esta população são confusas e
isso ocasiona carência de assistência à saúde, moradia, alimentação e educação.
Uma das questões que impede a construção de políticas públicas adequadas à
população indígena, é pela variedade da sua cultura e conseqüentemente das suas
necessidades (COHN, 2001).
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que é responsável pela produção e
execução de políticas voltadas à população indígena, afirma que existem no Brasil
460 mil índios, distribuídos em 225 sociedades indígenas que, em sua maioria,
falam a própria língua, totalizando aproximadamente 180 línguas diferentes
(FUNAI, 2008).
Outras estatísticas demonstram que vivem, hoje, no Brasil, 600 mil índios,
incluindo os que vivem em centros urbanos, que não são de responsabilidade da
FUNAI. Esses dados demonstram que há uma parcela grande da população indígena
vivendo nos centros urbanos brasileiros e que não são amparadas pelas políticas
públicas da FUNAI. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) do censo de 2000, 52% da população indígena do Brasil vive nas
metrópoles. Tal realidade gera questionamentos, pois não se sabe se ela está na rua
por desejo próprio, por questões de falta de terra ou por um processo de mudanças
culturais (COHN, 2001; CUNHA, 1994; IBGE, 2002; PEREIRA, 2007 e STOCK,
2006).
Discutindo sobre as transformações da cultura indígena Cohn (2001, p.1) fala:
“É claro que devemos muito aos nossos índios, precisamos deixá-los em paz. A
6
questão é como fazer isso.” Vargas (2002) apud Rabinovich (2005) afirma que para
encontrar soluções é preciso discutir a raiz da civilização e isso somente pode ser
feito com um diálogo intercultural, no qual se percebe a realidade dos outros grupos
humanos, transgredindo assim, a barreira do antropocentrismo.
1.2. Os índios no Rio Grande do Sul
De acordo com a Secretaria da Agricultura, o Estado do Rio Grande do Sul tem
uma população indígena de 23.924 pessoas (SEPLAG, 2008). As etnias mais
predominantes no Rio Grande do Sul são Kaingáng e Guarani (ISA, 2008).
O acesso dos índios à saúde teve uma melhora a partir de 1991 com a
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a municipalização. A partir de
1992, a Equipe de Saúde do Índio (ESAI) repassou as responsabilidades de saúde da
FUNAI à FUNASA (Fundação Nacional de Atenção à Saúde) com o objetivo de
promover um trabalho mais preventivo e de atenção primária, sendo que a ESAI
ainda ficou como a responsável do Rio Grande do Sul pelos serviços de atenção
terciária (HÖKERBERG, DUCHIADE e BARCELLOS, 2001).
De acordo com os mesmos autores, os índios que habitam as áreas indígenas do
Rio Grande do Sul têm a vantagem de se concentrarem em áreas próximas entre si e
aos centros urbanos, o que facilita as trocas culturais e seu acesso à saúde. No
entanto, há dificuldade de relacionamento dos indígenas com os profissionais deste
serviço, fazendo-se necessário um maior conhecimento da realidade desta
população. Esta pesquisa, ao cumprir seus objetivos estará auxiliando no
conhecimento da realidade das populações indígenas, com isso, espera-se que as
equipes de saúde entendam os modos de vida indígenas e sua compreensão de saúde
se aproxime do contexto deles.
1.3. Teoria ecológica do desenvolvimento humano
A teoria ecológica tem os processos e as interações como foco principal para
entender o desenvolvimento dos sujeitos. Brofenbrenner, que foi quem desenvolveu
esta teoria, entende que o desenvolvimento humano deve ser entendido,
considerando-se a dimensão temporal, pois este ocorre ao longo do tempo: “O
7
desenvolvimento consiste em um processo de interação recíproca entre a pessoa e o
seu contexto, através do tempo, sendo uma função das forças que emanam de
múltiplos contextos e de relações entre eles” (KOLLER, 2004, p.53).
De acordo com a autora supracitada, inicialmente, esta teoria foi criticada pela
demasiada ênfase dos aspectos contextuais sobre os aspectos pessoais do sujeito.
Brofenbrenner, percebendo que o desenvolvimento é um processo de interação
dinâmica de seus fatores, reformulou sua teoria, propondo que este deveria ser
analisado sobre quatro núcleos inter-relacionados: o Processo, a Pessoa, o Contexto
e o Tempo.
O Processo é o constructo fundamental desta teoria e tem como destaque os
processos proximais, os quais podem ser definidos como determinadas formas de
interação entre o organismo e o ambiente. Tal constructo é propulsor do
desenvolvimento, pois envolve, progressivamente, interações mais complexas ao
longo do tempo (KOLLER, 2004).
Segundo Alves et al (1999), o componente Pessoa envolve as características
determinadas biopsicologicamente e as que foram construídas a partir da interação
com o ambiente. Sendo assim, ela é produtora e produto do desenvolvimento.
Existem três grupos de características da Pessoa, que influenciam nos processos
proximais: a força, os recursos biopsicológicos e as demandas.
A força refere-se às disposições comportamentais ativas, geradoras ou
desorganizadas. As primeiras colocam os processos proximais em desenvolvimento
como a curiosidade, respostas à iniciativa de outros e senso de auto-eficácia; e as
disposições comportamentais desorganizadas servem como obstáculo ao
desenvolvimento dos processos proximais como a falta de atenção, apatia e
impulsividade, entre outros (ALVES et al, 1999).
Os autores ainda falam que os recursos biopsicológicos seriam outra
característica e envolvem as habilidades necessárias ao bom funcionamento dos
processos proximais. As competências servem como fator de proteção e propulsão
do desenvolvimento e as deficiências o limitam o que seria um fator de risco para o
desenvolvimento (KOLLER, 2004).
As demandas são aspectos que estimulam ou não a interação do organismo com
o ambiente. Elas podem favorecer ou desfavorecer o desenvolvimento dos processos
8
proximais, como a atratividade da aparência física, o temperamento, etc (KOLLER,
2004).
O terceiro núcleo do modelo bioecológico do desenvolvimento é o Contexto, ele
compreende quatro níveis de interação: o microssistema, o mesosistema, o
exosistema e o macrossistema. O microssistema engloba, principalmente, as
relações interpessoais experienciadas face a face, ou seja, no ambiente imediato. É
nesse contexto que operam os processos proximais. O mesosistema pode ser
caracterizado pelos vínculos entre os microssistemas que a pessoa em
desenvolvimento freqüenta. Ele é ampliado cada vez que esta pessoa passa a
freqüentar novos ambientes. Já, o exossistema pode ser um ambiente no qual a
criança nunca participou diretamente, mas tem influência indireta sobre seu
desenvolvimento como o trabalho dos pais ou a comunidade em que a família
pertence. O último nível de interação é o macrossistema e este abrange as crenças,
ideologias, religiões, formas governamentais e subculturas presentes no cotidiano
dessa pessoa (BROFENBRENNER, 1996).
Tempo é o quarto componente do modelo bioecológico e permite analisar o
desenvolvimento sobre uma perspectiva histórica. Este componente compreende as
mudanças e continuidades ao longo da vida deste ser em desenvolvimento (ALVES
et al, 2002).
De acordo com Koller (2004), ele é analisado sobre três níveis. O microtempo
têm relação com a continuidade e descontinuidade nos episódios dos processos
proximais. O nível mesotempo faz menção à periodicidade do processo proximal
através de intervalos de tempos, já que os efeitos cumulativos destes processos
produzirão resultados marcantes no desenvolvimento. O macrotempo refere-se às
mudanças dentro da sociedade, através das gerações e como estes eventos afetam e
são afetados pelos processos proximais da pessoa em desenvolvimento. Todos os
processos proximais, fenômeno essencial do desenvolvimento, adquirem aspectos
psicológicos através da interação entre aspectos geneticamente determinados de
comportamento e os ambientes em que ocorrem.
A partir disso, pode-se questionar como acontecem os processos proximais das
crianças indígenas que transitam em centros urbanos, já que para esta teoria é
preciso certa linearidade de contexto e pessoas para que estes processos possam ter
seguimento. É possível se perguntar, também, sobre o núcleo Pessoa, quanto às
9
características de personalidade destas crianças, já que são marginalizadas na maior
parte dos ambientes em que se encontram. Quanto à relação do núcleo Contexto e a
população da pesquisa, é possível questionar sobre a maneira como os sistemas
dessas crianças são compostos, já que seu ambiente de desenvolvimento muda
freqüentemente. Com isso, seus papéis como sujeitos, assim como o de sua família,
também mudam. Já que a teoria ecológica do desenvolvimento humano acredita que
“os processos proximais não podem funcionar efetivamente em ambientes instáveis
e imprevisíveis” (KOLLER, 2004, p.59), é interessante investigar como se
apresentam os aspectos do núcleo tempo, já que as crianças indígenas passam pelo
processo de transitar por vários ambientes urbanos.
1.4. Aspectos culturais indígenas e influência sobre o desenvolvimento humano
A maioria das pesquisas existentes sobre desenvolvimento humano, foi realizada
com a parcela urbana e de classe média da população. Essa parcela desenvolve-se
sobre influências culturais semelhantes. Sendo assim, não é difícil chegar a um
consenso teórico sobre o desenvolvimento desta população. Ao longo da história das
teorias do desenvolvimento humano, os pesquisadores perceberam que alguns
ambientes de desenvolvimento não eram semelhantes aos descritos nas pesquisas
iniciais e percebeu-se a importância da realização de pesquisas com seres humanos
de variadas culturas e ambientes de desenvolvimento (LORDELO, CARVALHO E
KOLLER, 2002; BROFENBRENNER, 1996; SILVA, MACEDO E NUNES, 2002).
A importância das pesquisas realizadas com a população indígena vem ao
encontro disto. Além de a população indígena ser uma minoria racial e cultural,
existem diferenças culturais entre cada etnia e tribo indígena, o que amplia ainda
mais as diferenças de aspectos que influenciam o desenvolvimento humano e que
ainda não são conhecidas (PEREIRA, 2007; BICHARA, 2002; GOSSO, 2005).
A maioria dos índios, que viviam em aldeias indígenas, costumavam andar nus
ou com poucas vestimentas feitas de palha, cordões ou pele de animais. Outras
características culturais apresentadas pelos índios são que eles utilizam-se de plantas
para realizar curas, produzem artesanatos e cultivam a terra da onde tiram seus
alimentos. Moram em ocas construídas com madeira, folhas de bananeira e palha.
Essa é a idéia originária que se tem dos índios do Brasil. Porém, algumas dessas
10
características têm sido modificadas ao longo da história, principalmente devido à
aproximação das aldeias dos centros urbanos (COHN, 2001; CUNHA, 1994;
PEREIRA, 2007).
Os índios brasileiros passaram e passam pelo fenômeno da aculturação. Segundo
Sarriera (2004), aculturação é um processo de mudança que acontece quando
pessoas de diferentes contextos culturais passam a conviver e, com isso, há uma
retroalimentação, onde uma cultura influencia a outra. No entanto, é comum que a
cultura minoritária (do índio) seja mais influenciada pela cultura majoritária (do
branco) do que o contrário. Isto é o que acontece quando a população indígena
(minoria) migra para os centros urbanos, ela é influenciada pela cultura capitalista
da maioria e perde muitas de suas características culturais.
Gosso (2005) realizou uma pesquisa com os índios !Kung e observou que estes
mantém os aspectos culturais arraigados. É interessante notar que os bebês !Kung
são carregados pelas mães em uma espécie de tipóia, junto ao corpo, enquanto estas
realizam seus trabalhos. Eles são amamentados conforme a demanda e são
acalentados não somente pelos pais, mas também pelos irmãos e por outros
membros da comunidade. Quando as crianças !Kung estão com aproximadamente
três anos de idade, há uma mudança no tratamento da criança; esta passa a ser
excluída e ignorada para que entenda que ninguém exerce domínio sobre os demais.
Este exemplo, chama a atenção ao ser comparado com a fase do egocentrismo.
De acordo com a teoria de Jean Piaget, é nessa fase que a criança começa a voltar
tudo para si. Poder-se-ia pensar na possibilidade que ao realizar a atitude de ignorar
a criança nesta idade, os !Kung tenham essa fase do desenvolvimento reduzida, o
que pode acarretar outras diferenciações ao longo do desenvolvimento (PIAGET,
1975).
Em pesquisa realizada com o povo Guarani/Kaiowá do Mato Grosso do Sul,
Pereira (2002) observou que as crianças indígenas dessas etnias recebem uma
educação que lhes permite descobrir e explorar o ambiente, podendo fazer isso no
seu ritmo agitado, que eles entendem ser natural das crianças, pois o mundo é cheio
de novidades e acreditam que “quando somos crianças, vivemos por toda parte”.
Esta concepção de infância parece diferente da concepção da civilização branca. O
grande aumento de encaminhamento das escolas para tratamento psicológico de
11
Transtorno de Déficit de Atenção e Hipertatividade pode mostrar a diferença dessa
concepção (PEREIRA, 2002, P.170; JERUSALINSKY, 2006).
Estas características são alguns exemplos dos modos de tratar as crianças, que
influenciam o seu desenvolvimento e não são percebidos na maioria das crianças
participantes de pesquisas nesta área. Isso, pelo fato de serem tratadas de outra
maneira e estarem inseridas em outra cultura. As crianças indígenas podem
apresentar comportamentos e características diferenciadas e, por isso, a relevância
de se conhecer seu modo de vida.
1.5. Características gerais dos índios Guarani
A tribo Guarani é uma tribo de índios com características pacíficas e muito
ligadas à religiosidade. É uma das tribos mais populosas do Rio Grande do Sul.
Também, encontram-se índios Guarani em Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do
Sul e na Argentina (SCHADEN, 1962; STOCK, 2006; GRUBITS e DARRAULT-
HARRIS, 2003).
A tribo Guarani é dividida em três subgrupos: os Ñandéva, os Mbü’á e os
Kayová. As diferenças dos três grupos se dão, principalmente, por características
lingüísticas e por peculiaridades na cultura material e concepções religiosas, como
por exemplo, o mito do paraíso (SCHADEN, 1962).
A população Guarani do Brasil conta com 34.000 indivíduos, sendo entre 18.000
e 20.000 da tribo Kaiová, entre 8.000 e 10.000 Ñandéva e entre 5.000 a 6.000
Mbü’á, (ISA, 2008; PEREIRA, 2007).
A atividade econômica natural dos Guarani é a caça, a agricultura e a pesca mas,
atualmente, sentem a necessidade de ampliar suas atividades com a agropecuária e a
venda de artesanatos (SCHADEN, 1962; BARÃO, 2006).
Os índios Guarani têm fé no Deus Criador, chamado por eles de Ñanderú, o qual
deve mandá-los uma terra onde eles possam viver a sua cultura, chamada Terra Sem
Mal. A característica nômade desta tribo está muito relacionada à religiosidade, pois
eles estão numa constante busca pela yvy marã ey, ou Terra sem Mal (BARÃO,
2006).
12
2 PROBLEMAS E OBJETIVOS
De acordo com Daronco (2008), desde o início do ano de 2008, 184 famílias
indígenas passaram pela cidade de Santa Maria com o objetivo de comercializar seus
artesanatos. Estas famílias se encontram em situações precárias de moradia, sem água
encanada, sem luz, morando em cabanas de lona e sem as mínimas condições sanitárias.
A maioria delas é composta por crianças que, na maior parte do dia, têm a rua
como lugar para brincar, aprender e relacionar-se. Estas famílias utilizam o centro da
cidade como espaço de convivência e sobrevivência, pedindo esmola ou tentando
vender produtos artesanais. Apesar desta população ser constante na cidade,
principalmente, nas épocas de Páscoa e Natal, não se sabe muito sobre ela. De onde
essas famílias vêm, para onde vão quando não estão aqui, onde moram, as crianças que
acompanham seus pais já estudaram ou estudam em alguma escola, como eles têm
acesso à assistência de saúde, eles mantém aspectos da cultura indígena?
Sendo uma minoria, a população indígena encontra-se marginalizada e está
sofrendo muitos processos de modificação de sua cultura. Será que estas modificações
afetam o desenvolvimento das crianças indígenas? Encontrando-se em um ambiente que
pode ser classificado como de risco, como as crianças indígenas se desenvolvem?
As pesquisas em Psicologia têm discutido as interfaces do desenvolvimento de
crianças que vivem em situações adversas. As famílias indígenas que foram estudadas,
nesta pesquisa, enfrentam muitas situações adversas, podendo, assim ser classificadas
como uma população vulnerável e que se encontram em situação de risco pessoal e
social (ALVES, et al., 1999; KOLLER, 2004).
A população indígena encontra dificuldades de inclusão nas políticas públicas e é
a partir do conhecimento desta realidade que se torna possível nortear o planejamento de
serviços adequados. Lordelo, Carvalho e Koller (2002) consideram que pesquisar a
diversidade de contextos é importante para a Psicologia do Desenvolvimento Humano,
ao mesmo tempo, pode contribuir para as políticas públicas, produzindo modelos de
intervenção adequados à população em questão.
Este trabalho utilizou-se da Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano para
analisar seus dados. Esta teoria se preocupa com as influências dos contextos nos quais
o sujeito está inserido, e dá ferramentas para a sua análise (BROFENBRENNER, 1996).
Partindo-se deste princípio, o foco desta pesquisa foi analisar a fala dos pais das
13
crianças indígenas, que vivem entre centros urbanos, bem como analisar os fatores de
proteção e risco para seu desenvolvimento. Pretendeu-se, também, investigar o
cotidiano dessas crianças indígenas que habitam o centro da cidade de Santa Maria-RS e
também perceber como se estabelece o processo de socialização e vínculo das crianças
indígenas.
14
3 MÉTODO
3.1. Delineamento
Este estudo é do tipo descritivo-exploratório de cunho qualitativo. Tem como
método o Estudo de Caso Múltiplo.
Uma pesquisa qualitativa, em Psicologia, se preocupa com os complexos
aspectos da subjetividade. Ela busca explicar processos que não são passíveis de serem
fragmentados em variáveis para a realização de uma experiência (REY, 2005). Flick
(2004) diz que a pesquisa qualitativa é muito importante para o estudo das relações
sociais, pois este tipo de pesquisa aprofunda o estudo e possibilita um conhecimento
maior sobre as novas formas de vida, o que é essencial para um mundo que cada vez
mais se pluraliza quanto aos padrões biográficos.
As pesquisas descritivas têm como finalidade a descrição de características de
uma determinada população e o estabelecimento de relações entre as variáveis
encontradas, sendo que, muitas vezes, vai além disso, determinando a natureza dessa
relação. Como afirma Gil (2002, p.42): “ As pesquisas descritivas são, juntamente com
as exploratórias, as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados
com a atuação prática.”
O tipo de pesquisa exploratório tem como principal objetivo proporcionar uma
visão geral de um objeto de estudo, que é pouco conhecido. A obtenção deste
conhecimento, normalmente, é realizada com entrevistas não padronizadas e estudos de
caso (GIL, 1995).
Esta pesquisa realizou três estudos de caso, sendo entrevistadas três famílias
indígenas. Yin (2005) diz que o estudo de caso tem como objetivo investigar um
fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto, sendo que os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão muito bem definidos. Esta estratégia também tem
como objetivo expandir teorias, “fazendo uma análise ‘generalizante’ e não
‘particularizante’” (YIN, 2005, p.30).
3.2. Participantes
15
Os participantes da pesquisa foram três pais de crianças indígenas, que transitam
em centros urbanos. Estas famílias foram indicadas pela ex-funcionária da Secretaria de
Município de Assistência Social, Cidadania e Direitos Humanos (SMASC) de Santa
Maria, que tem um bom vínculo com as famílias indígenas da tribo Guarani, que moram
na cidade. Os critérios para a seleção dos participantes foram falar e entender a Língua
Portuguesa, ter filhos e se disponibilizar a participar da pesquisa.
O participante A tem 62 anos e está morando na cidade há seis meses. Sempre
foi casado com a mesma esposa e tem oito filhos. Sua ocupação é vender artesanatos e
sua renda mensal é de 50 reais.
O participante B tem 67 anos de idade e mora em Santa Maria há três meses.
Tem três filhos. Ele é aposentado, assim como sua esposa, e sua renda financeira é a da
aposentadoria. No entanto tem uma ocupação que é a plantação de milho, melancia e
mandioca, mas não as vende, somente planta para a sua família se alimentar com esses
produtos.
O participante C é o mais novo dos três. Tem 33 anos de idade e é filho do
participante A. Mora na cidade há nove meses, mas diz que desde os 15 anos de idade
acampa na cidade, por algum tempo, para vender artesanato que é a sua ocupação. Ele
vende o produto no centro da cidade. Sua renda mensal gira em torno de 130,00.
Todos os participantes são do sexo masculino, casados e analfabetos. Eles estão
acampados no mesmo local e se definem como pertencentes à tribo Guarani e têm como
religião a crença em Ñanderú-Tupã.
3.3. Instrumentos
O instrumento para coleta de dados foi uma entrevista semi-estruturada com os
pais de crianças indígenas (Apêndice A). Esta entrevista foi composta de perguntas que
tiveram como objetivo a obtenção de dados biosociodemográficos, sobre moradia,
costumes, família, desenvolvimento dos filhos, lazer, educação, saúde, cidadania e
projeto de vida das famílias entrevistadas.
3.4. Procedimentos
16
Com o objetivo de investigar se alguma instituição de Santa Maria é responsável
pela população indígena que transita na cidade, foi feito um contato com a Secretária de
Município de Assistência Social, Cidadania e Direitos Humanos (SMASC) de Santa
Maria. Segundo um profissional desta instituição, as famílias indígenas vêm de outras
cidades para vender seus artesanatos aqui, a fim de aumentar sua renda financeira. De
acordo com o funcionário contatado, nenhum órgão público do município se
responsabiliza pelas famílias indígenas. Contudo, a Prefeitura da cidade e a Diocese
ajudam a população doando cestas básicas e agasalhos ou de alguma outra forma,
quando a população indígena solicita.
Diante disso, buscou-se estabelecer os primeiros contatos diretamente com os
participantes. O centro comercial da cidade foi selecionado como espaço de coleta, por
concentrar um número significativo de famílias indígenas vendendo produtos artesanais.
Em um primeiro contato no local, constatou-se a existência de cinco grupos de famílias
indígenas. Este contato teve como objetivo estabelecer um vínculo inicial e investigar
alguns dados biosociodemográficos. Além disso, investigou-se se as famílias
apresentavam os critérios para a pesquisa como: freqüentar espaços urbanos,
permanecer na cidade em um mínimo de 15 dias, falar fluentemente a Língua
Portuguesa e ter filhos.
Numa segunda ida ao local, percebeu-se que as primeiras famílias contatadas
não se encontravam mais no lugar. No entanto, foi feito o contato com outra família,
mas esta não se adequava aos critérios da pesquisa por morar na cidade há cerca de dois
anos.
Foram realizadas outras tentativas de contato com as primeiras famílias.
Entretanto, essas não foram mais vistas nos lugares da cidade onde a população
indígena costuma vender seus artesanatos.
Através de reportagens publicadas em jornais locais (DARONCO, 2008; SOFIA,
2008) e de informações dadas pela SMASC e pelas primeiras famílias indígenas
contatadas, há um terreno baldio, perto da rodoviária da cidade, onde algumas famílias
indígenas invadiram e estabeleceram este espaço como acampamento. A pesquisadora
observou que havia barracas de lona neste local, mas, ao tentar entrar em contato com as
famílias novamente, não havia mais essas barracas, indicando que essas famílias
retornaram para as suas aldeias.
17
Nos poucos contatos realizados com os índios no centro comercial da cidade,
percebeu-se que o local não era favorável para a realização das entrevistas, pela grande
quantidade de barulho e alto fluxo de pessoas. Frente a estas dificuldades, alguns órgãos
da Saúde e a FUNAI foram contatados a fim de buscar uma aproximação com os locais
de origem das famílias contatadas.
Assim, buscou-se a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), para verificar se
havia algum trabalho realizado por este órgão com a população indígena. De acordo
com um dos profissionais da 4ª CRS, esta instituição não realiza trabalhos direcionados
para este público. No entanto, a 15ª CRS possui, como área de abrangência, algumas
cidades, que contém aldeias indígenas.
A partir deste contato, confirmou-se que os profissionais de saúde da CRS
executam trabalhos em aldeias indígenas. A 15ª CRS proporcionou à pesquisadora o
contato com um dentista, que trabalha nas aldeias. Este, confirmou que trabalhava em
aldeias da tribo Guarani e Kaingáng e é contratado pela equipe de Estratégia de Saúde
da Família (ESF) desse local. O dentista ficou responsável de contatar com o secretário
de saúde da cidade para averiguar a possibilidade de realizar a pesquisa em uma dessas
aldeias. Em outro contato, o profissional informou que quem possibilitava isso eram as
lideranças indígenas, e ele se encontraria com o secretário para confirmar esta
informação.
O secretário da saúde da cidade confirmou que cabem as lideranças indígenas a
autorização para a realização da pesquisa e, por isso, entraria em contato com estas para
averiguar o interesse da comunidade em participar da pesquisa. Foram seguidas as
recomendações, e havia um empregado da FUNASA, assumindo a responsabilidade da
saúde da população indígena da cidade. Este, informou, que durante as campanhas
eleitorais, o contato com as comunidades indígenas estava inviabilizado por decisão dos
próprios índios. Foi respeitado esse prazo e a pesquisadora voltou a contatar com o
funcionário da FUNASA, após as eleições, a fim de averiguar se a liderança permitiria a
realização da pesquisa.
Neste retorno, o funcionário da FUNASA explicou que houve discussões e
brigas entre as aldeias indígenas e entre os índios e os “não-índios” (como nomeia
GRUBITS, DARRAULT-HARRIS e PEDROSO, 2005), e diz que o vínculo deles com
a população indígena, assim como das equipes de saúde que vão até as aldeias estava
18
debilitado. Assim, seria complicado eles chegarem às lideranças indígenas e
conseguirem o contato da pesquisadora com a população.
O funcionário da FUNASA passou à pesquisadora o contato da FUNASA de
outra cidade, que é a sede que coordena a maioria das aldeias indígenas do Rio Grande
do Sul, por ser um centro entre elas. Foi colocada a proposta da pesquisa e a funcionária
relatou que, para ter a autorização para a realização desta, teria que ser falado com o
administrador, que estava viajando e voltaria em alguns dias. Então foi passado o
telefone da FUNAI da região para tentar agilizar o processo.
Entrando em contato com a FUNAI, uma funcionária da instituição relatou que
outra aldeia em uma cidade próxima também estava em conflito, mas que poderia ser
passado para outras aldeias próximas. Esta cidade seria a segunda opção da
pesquisadora. Isso, por já ter encontrado famílias indígenas desta cidade no primeiro
contato que realizou com as famílias em Santa Maria. Entretanto, a funcionária da
FUNAI relatou à pesquisadora que, para entrar em aldeia indígena, ela precisaria de
uma autorização da FUNAI, o que demoraria cerca de 30 dias para ser processada. Pelo
pouco tempo que a pesquisadora teria para concluir a pesquisa, esta hipótese foi
descartada.
No entanto, por colegas do curso, ficou-se sabendo de uma pessoa que tinha um
bom trânsito entre os índios da cidade, por ter trabalhado na Secretaria de Município de
Assistência Social, Cidadania e Direitos Humanos (SMASC). Então, foi dado um
telefonema a esta pessoa. Essa, lhe relatou que havia cerca de 10 famílias indígenas da
tribo Guarani, acampadas perto da cidade e se disponibilizou intermediar com as
famílias para saber se elas aceitariam participar da pesquisa. Após, dá o retorno à
pesquisadora.
As famílias aceitaram participar da pesquisa e foi agendando um dia para ir até o
acampamento e realizar as entrevistas. Quando a pesquisadora se encontrou com a ex-
funcionária da SMASC para irem até o acampamento, esta a relatou que um dos índios
havia telefonado para ela avisando que eles não estariam no acampamento, porque
estavam vendendo artesanatos em uma feira da cidade. Então, a pesquisadora foi até a
feira. A família que lá estava é uma família com quem a pesquisadora já havia feito um
primeiro contato no centro da cidade, mas não se enquadrava nos critérios da pesquisa
por morar na cidade e não ter um contexto transicional. Mas frente a aceitação deles em
participar da pesquisa e pouco tempo para tentar contato com outros índios, foi marcado
19
uma nova oportunidade, ou seja, onde a pesquisadora iria acompanhada desta pessoa
que tem um bom vínculo com eles, até o acampamento para realizar as entrevistas lá.
A pesquisadora e a ex-funcionária da SMASC foram até o acampamento dos
índios Guarani. A ex-funcionária apresentou a pesquisadora ás famílias que estavam ali
presentes e foi explicada a proposta da pesquisa. Diante da aceitação dos índios nesta
participação, foi entregue, lido e explicado, pela pesquisadora e pelos filhos dos
participantes, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como os participantes
são analfabetos, o TCLE foi assinado com a impressão digital dos participantes.
Neste encontro, foram realizadas duas entrevistas com os participantes A e B.
Estas tiveram a duração de uma hora cada e foi agendado um novo dia para realizá-la
com outros participantes, e, ao mesmo tempo, já falavam com outras pessoas da família
dos entrevistados para ver se estas se disponibilizavam.
A idéia inicial era fazer a entrevista com três pais e três mães, abrangendo três
famílias diferentes. Apesar de um das mulheres ter se disponibilizado a participar da
pesquisa e as esposas de dois dos participantes terem falado algumas palavras em
Português com a pesquisadora, o participante C, que foi entrevistado no segundo dia de
contato no acampamento, relatou que nenhuma mulher falava Português, somente
Guarani. Essa divergência entre a observação de que as mulheres falam Português e a
afirmação do participante C, de que elas não falam, é permeada por questões culturais
da tribo Guarani, que será melhor explicada a seguir.
3.5 Procedimentos éticos
A pesquisa seguiu as determinações do Conselho Federal de Psicologia,
Resolução n.16/2000 (2000) e à Resolução n.196 (1996) do Conselho Nacional de
Saúde. A mesma foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário
Franciscano.
A pesquisadora apresentou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) (Apêndice B) e este foi lido e esclarecido para os participantes. As entrevistas
foram realizadas e gravadas após a concordância destes.
A identidade dos participantes foi mantida e, por isso, utilizou-se letras do
alfabeto para identificar os participantes. Para esse fim, também foram destruídas as
fitas onde foram gravadas as entrevistas após a transcrição destas.
20
Após a conclusão do trabalho, será realizada uma devolução dos resultados da
pesquisa para a Secretaria de Assistência Social, Cidadania e Direitos Humanos da
cidade de Santa Maria, a fim de subsidiar os projetos que estejam voltados à população
indígena, assim como para os participantes desta pesquisa.
3.6.Procedimentos para análise dos dados
As entrevistas foram transcritas e os dados separados em categorias, sendo
analisados conforme a técnica de análise de conteúdo de Bardin (BARDIN, 2004). A
análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que contribuem para a análise das
informações da comunicação humana, tem como objetivo apurar as descrições de
conteúdo subjetivas, colocando-as em evidência com objetividade. Esta técnica permite
que o conteúdo seja codificado em unidades, o que facilita e aprofunda a sua análise. De
acordo com Bardin (2004, p.36): “(...) o que se procura estabelecer quando se realiza
uma análise, conscientemente ou não, é uma correspondência entre as estruturas
semânticas ou lingüísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas.”
As categorias foram divididas conforme os núcleos da Teoria Ecológica do
Desenvolvimento Humano (TEDH): Pessoa, Processo, Contexto e Tempo. O roteiro da
entrevista foi estruturado de acordo com a divisão de assuntos que facilitariam no
enquadre dentro dos núcleos da teoria.
Conforme as respostas dos participantes foram-se dividindo subcategorias que
tivessem relação com a fala dos participantes e com os núcleos da TEDH. Sendo assim,
o núcleo Pessoa foi subdividido na categoria Saúde/ Integralidade física; Recursos
Biopsicológicos ainda subdividido em Competências e Deficiências; Demandas, sendo
os últimos, os subnúcleos do núcleo Pessoa, segundo a TEDH.
O núcleo Processo foi dividido na subcategoria Brincadeiras. Este núcleo é a
base da TEDH, incluindo os processos proximais que possibilitam o desenvolvimento
humano. Sendo a brincadeira um dos fatores propulsores dos processos proximais,
dividiu-se esta categoria descrevendo as brincadeiras realizadas pelas crianças
observadas.
O núcleo Contexto, sendo muito amplo, foi dividido em várias subcategorias de
acordo com os diversos sistemas incluídos neste núcleo. O Microssistema, sendo o
21
sistema menos abrangente deste núcleo, foi subdivido em três, pois pode-se observar e
entender pelas falas dos participantes que seus filhos fazem parte de três
microssistemas: moradia, família e educação.
Sendo, segundo a TEDH, o Mesossitema um sistema formado pela interação de
microssistemas, as subdivisões incluídas na subcategoria Mesossitema têm na sua
denominação dois tópicos. Cada tópico indica um microssitema do qual a criança
indígena faz parte. Assim, as subdivisões da subcategoria Mesossistema são: trabalho
dos pais e família; escolaridade e tradições culturais e fatores do ambiente e
desenvolvimento infantil.
Na subcategoria Exossitema são analisadas as instituições que influenciam, de
alguma forma, a vida das crianças indígenas, apesar destas não terem um contato direto
com essas instituições. Segundo a TEDH o Exossistema é um ambiente do qual a
criança nunca participou diretamente, mas têm influência indireta sobre seu
desenvolvimento.
A subcategoria Macrossistema inclui grande quantidade de dados por abranger
questões amplas como ideologias, crenças e subculturas na qual a criança está inserida.
Sendo assim, esta subcategoria foi dividida em: cultura; contexto transicional e
cidadania.
A última categoria, sendo também o quarto núcleo da TEDH, é o Tempo. Nesta
categoria foi discutido o fator tempo sobre os processos proximais das crianças
indígenas observadas e quais as influências sobre este.
22
4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
4.1. Pessoa
4.1.1.-Saúde/ Integralidade física
Os participantes alegam que as doenças que sua família costuma ter são gripes e
resfriados. Um dos aspectos observados no comportamento das crianças foi o uso de
roupas não apropriadas para o tamanho e para a temperatura do dia, como pés descalços,
chinelo de dedo, roupas curtas e finas durante um dia frio e chuvoso. Este pode ser um
dado que indique um fator de risco para a saúde das crianças, pois a não adequação da
vestimenta para a temperatura propicia doenças como gripes e resfriados.
Para lidar com as doenças, os participantes relataram que procuram ervas para
fazer chás nas redondezas de onde moram. Schaden (1962) relata que é comum entre os
Guarani a atividade de extração de plantas para uso terapêutico e estes conhecem uma
ampla variedade destas, bem como o seu uso adequado.
Um dos participantes relatou que tem problemas de hipertensão. Ele foi
diagnosticado na aldeia em que morava anteriormente, onde havia uma equipe de saúde.
Para lidar com esse problema ele passou a fazer uso de medicamento anti-hipertensivo e
possui a Carteira de Controle da Pressão Arterial que contém dados sobre o tratamento
feito na aldeia. Porém, ao mudar-se para a cidade não foi possível continuar o
tratamento, pois não sabe onde ou como retirar a receita ou o medicamento.
O participante B relata se sentir cansado e isto o impede de fazer atividades
descritas por ele como prazerosas como pescar e caçar. Esta questão se configura como
um fator de risco para a saúde e bem-estar de B, assim como para o desenvolvimento de
seus filhos que não têm mais a companhia do pai para a realização destas atividades.
Dois dos participantes relataram nunca ter freqüentado um hospital, assim como
seus filhos. Porém, um outro participante explicou que busca o hospital quando não
melhora com o uso dos chás. Tal hábito foi aprendido na aldeia onde morou
anteriormente que era atendida por uma equipe de saúde responsável pelos índios.
Este dado é preocupante, porque mesmo estando saudáveis, as famílias dos
participantes A e C não têm acesso a nenhuma atividade de prevenção à saúde, o que se
configura como um fator de risco para a saúde e, conseqüentemente, para o
23
desenvolvimento de seus filhos. Hökerberg, Duchiade e Barcellos (2001) relatam que as
más condições de vida dos índios refletem no quadro epidemiológico, onde aparecem
óbitos por desnutrição e outras causas que poderiam ser evitados pela atenção primária à
saúde.
4.1.2.1. Recursos Biopsicológicos > Competências
Dentre as competências observadas nas crianças indígenas alvo desta pesquisa,
estão as altas habilidades motoras. Isto pôde ser observado quando um menino estava
brincando com uma faca, fazendo uma estrada no barro para brincar com seus carros de
brinquedo. De acordo com autores, as crianças têm a autonomia para brincarem como
quiserem e com o que quiserem, inclusive, com utensílios domésticos (BICHARA,
2002; SILVA, MACEDO e NUNES, 2002; MOISES e NASCIMENTO,2008).
Outra informação que confirma essas habilidades é o relato de um participante
de que a sua filha de 11 anos já está fazendo artesanatos. O tramar da palha para formar
o balaio é uma atividade complexa, exige uma boa coordenação motora e atenção,
habilidades que esta menina já tem, segundo o relato de C.
4.1.2.2 Recursos Biopsicológicos > Deficiências
Pelo relato do participante C, pôde-se entender que suas filhas são
envergonhadas e tem habilidades sociais restritas, pois segundo o pai: “Elas brincam só entre elas, assim.. Não brincam com mais ninguém porque elas mesmo que não quer, não quer”. (Participante C).
Esta fala de C pode dar indícios de um fator de risco para o desenvolvimento de
suas filhas no que se refere à socialização, pois elas só brincam com as irmãs, mas têm
vergonha de brincar com os parentes e outras crianças que estão na aldeia ou
acampamento.
Uma socialização restrita se configura como um fator de risco, pois pesquisas
mostram que estas crianças tendem a ter pouco envolvimento com suas mães e podem
desenvolver problemas de comportamento (DEL PRETTE e DEL PRETTE, 2002;
CIA, PEREIRA, DEL PRETTE et al, 2007).
24
Nesta fala do participante C, também, se percebe que os pais não estimulam à
mudança de comportamento das filhas neste sentido. Isto pode ser justificado, pela
concepção Guarani de que se deve respeitar a personalidade das crianças, o que pode
ocasionar a falta de estímulo e repreensão (SCHADEN, 1962).
4.1.3. Demandas
Comparando com o desenvolvimento dos filhos dos três participantes, as filhas
do participante C foram as que tiveram um desenvolvimento mais semelhante aos
padrões das pesquisas (SHAFFER, 2005; PAPALIA e OLDS, 2000). Segundo C, suas
filhas foram amamentadas até a idade de um ano e oito meses e caminharam com a
idade de um ano e três meses.
Tanto os filhos do participante A, como os de C falaram com a idade de três
anos, o que se difere da idade tendencial para a aquisição de tal habilidade segundo
Shaffer (2005). Talvez a criação em um ambiente bilíngüe tenha dificultado a
aprendizagem da linguagem destas crianças, apesar de os pais falarem com elas
somente na língua Guarani, pois segundo Hakuta (1988) apud Shaffer (2005) as
crianças bilíngües obtêm pontuações menores em testes de conhecimentos lingüísticos
do que crianças monolingües. Pesquisas atuais demonstram que as pesquisas realizadas
com crianças bilíngües na qual mostravam que estas obtinham baixo nível de
conhecimento sobre a linguagem assim como na inteligência geral, eram
comprometidas. A maioria destas pesquisas abrangiam uma população de baixas
condições econômicas e os testes não eram adaptados a esta população, sendo que a
causa para as baixas pontuações nos testes de linguagem poderiam ser devido a outros
fatores do contexto destas crianças que não o bilingüismo, o que pode ser o caso das
filhas de A e C. Os filhos do participante B falaram com a idade de 2 anos, o que está
de acordo com a idade tendencial para a obtenção desta habilidade (SHAFFER, 2005).
Quanto ao caminhar, os filhos dos participantes A e C adquiriram essa
habilidade conforme a idade tendencial, ou seja, entre um ano e um mês a dois anos e
três meses. Já os filhos do participante B se diferiram, pois caminharam por volta dos
três anos de idade.
25
Os filhos dos participantes A e B tiveram um período de amamentação
prolongado, pois os filhos de A foram amamentados até os três anos de idade e os de B
até os quatro, sendo que o tempo recomendado é até os dois anos de idade (OMS,
2008). Algumas pesquisas com populações indígenas indicam que as crianças são
amamentadas conforme a demanda, não tendo um período indicado para a interrupção
da amamentação (GOSSO, 2005).
Entende-se, então, que o desenvolvimento das crianças indígenas quanto às
habilidades motoras, da linguagem e amamentação é diferenciado, comparado aos dados
das pesquisas descritas por Shaffer (2005). Esta distinção, pode se dar, pela diferença de
contextos das crianças indígenas e das crianças abrangidas nestas pesquisas, que em sua
maioria são realizadas com a parcela urbana e de classe média da população
(LORDELO, CARVALHO E KOLLER, 2002; SILVA, MACEDO E NUNES, 2002).
4.2. Processo
4.2.1. Brincadeira
Observou-se que algumas das brincadeiras das crianças envolvia o manuseio de
sementes para a elaboração de colares com os mais velhos. A função das crianças era
segurar as sementes, assoprá-las para tirar o farelo e as alcançar ao pai/ avô. Nesta
situação, as sementes se configuravam como um brinquedo, ao mesmo tempo em que
eram um treinamento e aprendizado de seu futuro trabalho.
Schaden (1962) fala que são raras as brincadeiras das crianças indígenas que
não reproduzem as atividades dos adultos. Sendo assim, é difícil distinguir a
brincadeira e o aprendizado. De acordo com Calderaro (2006, p. 2), a brincadeira
sempre tem o caráter de intencionalidade no cotidiano das sociedades indígenas, pois
esta se trata de um “rito de aprendizagem, útil e necessário para a convivência
harmônica com os demais membros da comunidade.” O ambiente familiar oferece a
autonomia necessária para a criança experimentar e aprimorar suas habilidades
(MOISES e NASCIMENTO, 2008). Cohn (2000, p.2) considera que a criança, ao
brincar por imitação dos adultos, aprende brincando as habilidades necessárias para
tornar-se um “ser social pleno”.
26
Outra observação feita das brincadeiras mostrou que uma das crianças, com
aproximadamente nove anos de idade brincava no barro com carrinhos e caminhões de
plástico e construiu uma rampa com o auxílio de uma faca grande. A riqueza da
ludicidade da brincadeira é notável, e isso se configura como um fator de proteção para
o desenvolvimento, assim como produto de um desenvolvimento saudável até então.
Como afirma Santos (2004, p.9), o fato de a criança usar “elementos variados para
montar uma brincadeira pode reafirmar uma alta capacidade adaptativa para a
manutenção de um desenvolvimento saudável”. É comum a criança Guarani ser
caracterizada por notável nível de independência, o que pode ser um fator de proteção
para o desenvolvimento (SHADEN, 1962; SILVA, MACEDO E NUNES, 2002;
BICHARA, 2002; MOISES E NASCIMENTO, 2008; GOSSO, MORAIS E OTTA,
2006; COHN, 2000) . Bichara (2002) observou em sua pesquisa com índios Xocó em
Sergipe que a maioria das crianças costuma usar utensílios domésticos em suas
brincadeiras sem que haja restrições dos pais, pois isso não é considerado um fator de
risco na visão dos adultos.
Já com outras crianças, observou-se a brincadeira com carrinhos de plástico e
bola. De acordo com os pais, a maioria destes brinquedos foram doados a eles e outros
foram comprados pelos pais. Somente o participante B relatou que os filhos nunca
tiveram brinquedos comprados, mas eles fabricavam seus brinquedos na aldeia. Este
fato exemplifica a aculturação de algumas crianças que cresceram próximos aos centros
urbanos, diferente de crianças que cresceram em aldeia indígena (SILVA, MACEDO e
NUNES, 2002).
Todos os participantes relataram que costumam brincar com os filhos, o que se
configura como um fator de proteção para o desenvolvimento deles ( SHAFFER, 2005;
BROFENBRENNER, 1996; BOWLBY, 1998-2001). Entre as brincadeiras que
costumam ou costumavam fazer com seus filhos estão: bola, carregar nos ombros, “dar
susto” e “pega-pega”. Essas brincadeiras servem para ampliar a relação afetiva entre
pais e filhos e também são resultados desta. Brofenbrenner (1996) relata que a relação
afetiva positiva entre duas pessoas aumenta a probabilidade de aceleração do ritmo dos
processos desenvolvimentais. Assim a situação acima relatada se configura como um
fator de proteção para desenvolvimento das crianças.
27
4.3. Contexto
4.3.1.1. Microssistema - Moradia
O espaço de moradia dos participantes é localizado na beira da estrada que
separa a cidade do município vizinho. É uma região industrial e possui um alto fluxo de
carros e caminhões. Há, aproximadamente, sete casas feitas com vários materiais, entre
eles, pedaços de madeira, taquara e lonas de plástico. As casas se situam próximas uma
da outra, separadas por cerca de cinco metros, sendo algumas maiores que as outras. A
maioria delas mede em torno de 3x4 metros e têm o teto baixo. De acordo com Schaden
(1962), a grande parte das casas dos índios Guarani têm poucos metros quadrados e é
reduzida na altura, sendo feita de pau a pique ou de estacas de bambu rachado.
O local é cercado por montanhas e vasto gramado verde. Nessa mata, os
participantes procuram material para fazerem os artesanatos, ervas medicinais quando
estão doentes e utilizam um pequeno espaço para plantar legumes como milho,
melancia e mandioca. No entanto, segundo um dos participante, eles não podem
explorar a área por não saberem a quem pertence todo o espaço. Porém, ele relatou que
uma parte do terreno, atrás do acampamento é de amigo seu, permitindo, assim, que ele
usufruísse do espaço na coleta de material para a construção da casa.
No acampamento não há energia elétrica, nem esgoto. Sobre o lixo, os
participantes relataram que não o colocam para a coleta do caminhão da prefeitura,
sendo que eles mesmos o queimam. O acesso à água é feito por um rio próximo ao
acampamento e por uma mangueira localizada na sua frente, disponibilizada pela
Diocese da cidade. É nesse local que eles fazem suas necessidades fisiológicas e higiene
pessoal. Em uma das visitas ao acampamento para a realização das entrevistas,
observou-se uma menina de aproximadamente sete anos de idade, atravessando a
estrada, segurando pela mão outras duas crianças menores. O fato de o “banheiro” se
localizar do outro lado da estrada se configura como um fator de risco, pois as crianças
precisam atravessar a estrada movimentada para chegar até lá, correndo o risco de sofrer
acidentes.
Nenhum dos participantes conhece o que há nas redondezas do acampamento.
Isto pode ser configurado como um fator de risco, pois eles não têm uma rede de apoio
28
próximo à moradia, e quando necessitam algo precisam se deslocar até o cento da
cidade.
De acordo com o participante C, eles escolheram aquele lugar para morar por ser
próximo ao centro da cidade e facilitar a venda dos artesanatos. Um outro motivo foi
por haver um rio por perto onde podem pescar, assim como uma ampla área verde para
retirar materiais para o artesanato e podem caçar. Entretanto, o acampamento não se
localiza próximo ao centro da cidade, sendo necessário o uso do ônibus.
A questão do espaço para plantar e explorar a terra é considerada a mais
preocupante e a de maior risco, pois os participantes consideram a plantação algo muito
importante para eles e para o desenvolvimento saudável de seus filhos. Barão (2006,
p.200) explica que quando os índios Guarani estão acampados na beira da estrada, o
espaço e a ocupação ficam mais restritos, sendo que este local não se configura como
um “lugar para criar a família”. No entanto, a beira da estrada está na lógica de
ocupação territorial Guarani, mas como um local transitório, apenas para facilitar a
venda dos artesanatos da qual o lucro é necessário para sua subsistência.
4.3.1.2. Microssistema- Família
Schaden (1962) fala que as habitações indígenas restringem-se à família nuclear.
Tal fato foi observado nas famílias estudadas. Nelas, pais e seus filhos casados moram
separados com a sua família nuclear.
A família nuclear é constituída a partir do casamento, no qual eles saem da
moradia dos pais e passam a morar junto. Apenas um dos participantes conheceu a sua
esposa fora da aldeia que morava. A sua esposa foi para outra cidade com ele, deixando
a família dela de origem, o que não é de costume dos Guarani, pois segundo Grubits,
Darrault-Harris e Pedroso (2005, p.368): “A filha casada, fica perto da mãe”. Vejamos: “É, quando eu tinha 16 anos. Eu foi na... Eu saí da minha mãe e foi em Argentina. É pra procurar né? (risos) Procurar casar né? E aí conheci ela. Eu casei com ela, até hoje. Daí ela veio embora pra cá e não voltou mais pra lá.”(Participante A).
Os três participantes casaram com mulheres da tribo Guarani. De acordo com
Schaden (1962), os índios Guarani são encontrados especialmente nos Estados de
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e na parte setentrional da Argentina.
O participante C relatou que eles não comemoram o casamento com festa,
somente passam a morar em outra casa com a esposa, após o pedido do noivo para o pai
29
da noiva e a permissão dele. O participante A sempre foi casado com a mesma esposa e
tem oito filhos, ou quatro casais, como ele relatou. Alguns de seus filhos que são
casados, ficaram no acampamento onde morava anteriormente e outros três, que são
casados vieram juntamente com ele, assim como seu filho pequeno de três anos de
idade.
O participante B tem três filhos, sendo que o mais novo tem 13 anos.
Atualmente, ele mora com a esposa, o filho mais velho e o filho mais novo. Porém, o do
meio ficou no acampamento onde morava anteriormente.
O participante C mora com a esposa e três filhas, uma de 11 anos, outra de sete e
outra de quatro anos. Ele tem um bom contato com a maioria dos irmãos, pois alguns
ficaram morando nas cidades onde já morou anteriormente. Convive com o pai e a mãe
e eles também auxiliam na educação de suas filhas.
Os pais dos participantes A e B já faleceram. No entanto, o participante B
relatou que sua mãe auxiliava na criação de seus filhos quando era viva. De acordo com
outros estudos, as crianças indígenas tendem a ter influência na sua educação de
qualquer membro da família (COHN, 2000- 2005; SCHADEN, 1962; SILVA,
MACEDO e NUNES, 2002; BRADT, 1995).
Durante a realização das entrevistas, foi possível observar a interação entre os
familiares. Uma menina observada segurava um bebê recém-nascido no colo, trazendo-
o para a avó. Logo em seguida, a avó o amamentou com mamadeira, pois segundo o
participante, ele não consegue mamar no seio de sua mãe. É comum entre os índios as
crianças tomarem conta umas das outras, não necessitando a presença de adultos. Mas,
quando o bebê é de colo, pela necessidade de amamentá-lo, a ausência dos adultos não
dura por muito tempo (BICHARA, 2002; NUNES, 2002).
Os participantes A e C, ao falarem sobre um momento feliz de suas vidas,
disseram recordar os momentos com a família. O participante A contou que ele e a sua
família ficaram muito felizes quando o seu primeiro filho nasceu. Tal fato pode indicar
um fator de proteção para o desenvolvimento das crianças, por estas terem sido bem
aceitas pela família, pois como afirma Bradt (1995) uma criança se desenvolve melhor
quando a família é mais receptiva a ela. Somente o participante B relatou ter se sentido
feliz e um pouco assustado. De acordo com autores, é comum que a transformação
repentina de papel social e de identidade, que a paternidade traz, seja um pouco
assustadora (MALDONADO, 1996; BRADT, 1995).
30
O parto das esposas dos três participantes foram todos normais, realizados
dentro da casa que habitavam e com o auxilio das irmãs, sogras ou mães dos
participantes. As mulheres mais velhas da tribo Guarani, muitas vezes, são as parteiras
da comunidade e praticam a “medicina natural”, servindo assim como “guardiã das
tradições”. Isto pode se configurar como um fator de proteção, pois esta é uma das
características da cultura Guarani e sendo assim eles mantém aspectos da sua cultura
(GRUBITS, DARRAUL-HARRIS e PEDROSO, 2005, p.368). Na cultura não-índia
isto pode ser considerado um fator preocupante, no sentido de aumentar os riscos de
saúde para a mãe e para o bebê caso aconteça alguma complicação e não haja a
assistência adequada.
4.3.1.3. Microssistema-Educação
Segundo os participantes, os pais e as mães têm o mesmo papel na educação dos
filhos. Os três participantes relataram que ensinam os filhos a trabalhar e fazer
artesanato para os ajudarem. Isto pode se configurar como um fator de proteção no
sentido que eles estimulam os filhos a seguirem seu exemplo e permitem que seus filhos
aprendam as tradições de sua cultura. Tal procedimento evita o processo aculturativo
que pode trazer conseqüências prejudiciais ao desenvolvimento das crianças pela
discrepância dos valores introjetados por elas (SARRIERA, 2004). Entretanto, alguns
autores não consideram a aculturação um fator de risco, justificando que este é um
processo inevitável e que não aumenta o risco da perda da cultura indígena, sendo que
esta não se perde, somente se re-constitue adquirindo uma identidade diferenciada
(COHN, 2001; CUNHA, 1994)
Os pais começam a ensinar os seus filhos quando eles estão entre as idades de 8
a 10 anos. Sendo também nesta idade o aprendizado da Língua Portuguesa. Na cultura
não-indígena, é nessa faixa-etária que as crianças passam a freqüentar a escola e ter
acesso a um aprendizado formal. Mesmo não relatando o porquê do início dos
ensinamentos se darem nesta fase, pode-se entender que os participantes têm uma noção
de que as capacidades e habilidades das crianças mudam a partir dessa idade. Segundo
Piaget (1975), nesta fase a criança é capaz de cooperar, adquire uma nova lógica de
pensamento que a permite refletir e passa a estruturar a realidade pela própria razão,
31
estando assim, aberta a novos ensinamentos e com grande habilidade para captá-los com
rapidez. Vejamos o que um dos participantes diz: “Quando são muito pequenos, muito pequenininho assim, só sabe brinca, né? Não sabe, não quer, fazer nada. Ensino. Assim, quando ta grande assim, né? Desde 8,9 anos O que eu mandava assim, fazer as coisas pra mim, ou vão lá... Só brinca até os 7, 8 anos, aí já sabe trabalhar já. . Nessa idade já sabe fazer, o que mandar tem que fazer. Sabe trabalhar, fazer alguma coisa, ajuda pai e mãe, né?”(Participante A)
Nesta fala, observa-se um fator de proteção, pois o participante demonstra ter a
noção de que criança deve brincar. A brincadeira ajuda a desenvolver o equilíbrio, o
controle, a coordenação dos olhos, o domínio do corpo, juntamente com a coordenação
motora, que levam a criança a ter sentimentos de confiança e valor pessoal
(BROFENBRENNER, 1996; MOYLES, 2002; PIAGET, 1975).
Outro fator de proteção seria a interação entre pais e filhos e os ensinamentos.
Ao realizar essa atividade, há o fortalecimento da relação pai-filho, assim como do
vínculo entre esses. A realização de uma atividade conjunta se configura como uma
aprendizagem, pois a criança tende a treinar a atividade quando não está na presença do
pai, o que a faz avançar nas suas habilidades e favorecer o desenvolvimento de seus
processos proximais (BROFENBRENNER, 1996).
Dentre as coisas que os participantes consideram erradas para uma criança fazer
estão: brincar de uma maneira que a outra criança não gosta; bater nos outros; roubar;
mentir e mexer em objetos como artesanatos para a venda que os pais não deixam
mexer. O participante A relatou que já viu seus filhos fazerem o que ele considera
errado, como bater nos irmãos ou amigos. Diante disso, ele alerta verbalmente os filhos
assim como C. E caso isso não funcione, A utiliza um galho de árvore para bater neles.
Esta maneira de educar se configura como um fator de risco, pois a violência física pode
causar danos psicológicos e físicos, que podem prejudicar o desenvolvimento infantil
(GUERRA, 2001; HUTZ, 2005). A atitude do participante ao repreender os filhos, vai
de encontro às tradições Guarani e pode-se pensar que este foi um aspecto introjetado
por ele no processo aculturativo, pois de acordo com Schaden (1962), os Guarani
respeitam a personalidade e a vontade individual das crianças, o que torna praticamente
impossível o processo repreensivo na educação destas.
Já, o participante C, relata que o modo de ensinar as filhas a não fazerem mais o
que considera errado, é falar para que não façam mais isso e diz que elas sempre
obedecem. Apesar desse participante ser filho da outra família estudada (família A), a
maneira de educar os filhos se difere. Entretanto, deve-se levar em consideração que C
32
só tem filhas mulheres. Nesse grupo observado, as mulheres tendem a ser submissas aos
homens, o que pode ter, como conseqüência, a maior obediência das filhas mulheres do
que dos filhos homens (GRUBITS, DARRAULT-HARRIS e PEDROSO, 2005).
Na fala do participante A, notou-se certa relação de poder entre ele e os filhos,
na qual ele manda os filhos fazerem algo para ele, como alcançar coisas e ajudar os pais
nas tarefas da casa. Brofenbrenner (1996) explica que é importante para uma criança
aprender a lidar com relações de poder, pois estas também se configuram como uma
aprendizagem, que contribui para seu desenvolvimento cognitivo e social.
O participante B relatou que os filhos nunca fizeram algo errado, pois sempre
estão perto de adultos. Isso, no entanto, pode se configurar como um fator de proteção,
pois mostra que as crianças estão sempre sobre um cuidado adulto, mas pode se
configurar como um fator de risco, pois pode desencadear um vínculo dependente, o
que prejudica a autonomia da criança e, conseqüentemente, seu pleno desenvolvimento
(BROFENBRENNER, 1996; BOWLBY, 2001).
4.3.2.1 Mesossistema > Trabalho dos pais e família.
Mesmo esta categoria tendo sido classificada como mesossistema, o que
subentende a interelação entre dois microssitemas, é importante ressaltar que esta
distinção não é muito nítida nas famílias observadas. Nelas, o trabalho dos pais e a
família, muitas vezes, ocupam o mesmo espaço e são facilmente confundidos, não
chegando a classificarem como microssitemas diferentes.
Com a exceção do participante B, que é aposentado, os demais têm a ocupação
com a produção de artesanato como: balaios de palha, bichos esculpidos em madeira e
colares de sementes. Eles expõem alguns artesanatos que produzem na entrada do
acampamento, mas o principal local de venda é no centro da cidade.
São as mulheres que costumam ir ao centro vender os artesanatos, algumas
vezes acompanhadas de um dos homens do acampamento e de seus filhos. Os homens,
principalmente, os mais velhos, costumam ficar em casa, produzindo os artesanatos ou
procurando material para fazê-los.
Todos os participantes disseram gostar de seu trabalho. O participante C disse
que o que mais gosta de fazer são as esculturas de bichos em madeira, por vendê-las
33
mais. Alguns animais esculpidos por eles são: tatu, cobra, capivara, onça e coruja. A
coruja foi, relatada como a preferida por ela trazer sorte.
O fato de todos os participantes gostarem do trabalho que fazem ou faziam,
pode ser considerado um fator de proteção para as crianças, pois estas também estão
presentes no ambiente de trabalho dos pais. A insatisfação no trabalho dos pais pode
levar a um ambiente estressor em casa, o que se configura como um fator de
vulnerabilidade. Já no contexto observado, a relação dos pais com o trabalho se
configurou como um fator de proteção para o desenvolvimento das crianças
(SELIGMANN-SILVA, 1994).
O participante B é aposentado, assim como sua mulher, então a renda dele é
estável, o que se configura como um fator de proteção para o desenvolvimento de seus
filhos. Já os outros participantes também têm como ocupação fazer artesanato, que
vendem no centro da cidade. O participante C disse que a renda mensal gira em torno de
130,00.
Pôde-se perceber tanto pela fala do participante C, quanto pela fala do
participante A, que a renda financeira é instável e insuficiente para sustentar a família,
configurando-se como um fator de risco para o desenvolvimento de seus filhos. A renda
precária tem efeito na qualidade de vida dos participantes, pois ambos falaram que
gostariam de comprar mais alimentos como frutas, legumes e carne, mas não o fazem
porque esses produtos são muito caros.
O participante C relatou que desde a adolescência trabalhava em fazendas
vizinhas ao acampamento ou aldeia onde morava. Dentre as atividades que fazia estava
carregar e cortar lenha, plantar e capinar. Ao falar sobre seu trabalho, C contou: “ Do meu trabalho eu gosto. Melhor é bichinho. Que tão levando mais
também.” Pela fala do participante C, percebe-se que o seu maior gosto é produzir o
artesanato que vende mais. Schaden (1962) diz que muitos Guarani encontram-se
aculturados economicamente, impulsionados pela necessidade de se obter dinheiro para
comprar coisas que a cultura Guarani não consegue fornecer. Pela falta de terra para
plantar e conseguir a sua alimentação, o Guarani precisa de dinheiro para comprá-la.
Sendo assim, aceita muitas ofertas de trabalho que, até então, eram desconhecidas para
ele, como: “trabalho remunerado em fazendas e propriedades próximas; exploração da
34
natureza ambiente com intuito comercial (...); vendas de produtos agrícolas e
expedições de mendicância aos centros urbanos” (SCHADEN, 1962 p.62).
4.3.2.2. Mesossistema > Escolaridade e Tradições culturais.
Todos os três participantes são analfabetos, não sabendo ler e escrever nem em
Português nem em Guarani ou Mbü’á. Os filhos do participante B estudaram em escolas
indígenas na aldeia que moravam anteriormente e sabem ler e escrever em Português e
em Mbü’á, que é o nome da língua que eles falam.
Somente um dos participantes relatou que deseja que seus filhos aprendam a ler
e a escrever, além de trabalhar fazendo artesanato. Também sempre desejou que os
filhos estudassem tanto Português como Mbü’á. Este desejo do participante B se
configura como um fator de proteção, tanto pelo desejo de manter a cultura, quanto por
considerar que a aprendizagem do Português é importante para a autonomia deles.
O aprendizado de outra língua, atualmente, se configura como fator de proteção
para o desenvolvimento das crianças, pois estão cada vez mais próximas dos centros
urbanos. Com isso, há a necessidade de que falem Português para serem mais
autônomos, e poder reivindicar seus direitos e, de acordo com um dos participantes,
para poderem comprar as coisas que precisam no cento da cidade.
Apesar de a Constituição Federal do Brasil, aprovada em 1988, propor a
educação intercultural e bilíngüe para as crianças indígenas do Brasil, somente os filhos
do participante B estudaram nessas escolas, sendo que os filhos dos participantes A e C
não usufruíram desse direito. De acordo com Campos : (...) o acesso à educação escolar do ‘branco’ é reconhecido como imprescindível para a formação da consciência a respeito de suas próprias culturas, de seus direitos, além de ser reconhecido como um instrumento de defesa frente ás ameaças encetadas por parte de grupos sociais integrantes da sociedade brasileira, (...) (CAMPOS, 2008, p.6).
As filhas do participante C estudaram em escola por pouco tempo, mas ele não
soube dizer qual tipo de escola. Além disso, em nenhum momento ele citou que achava
importante que elas estudassem. De acordo com C, na cultura Guarani as mulheres não
falam português. Porém, nos contatos realizados com as mulheres, foi possível perceber
que algumas mulheres falam fluentemente o Português.
35
Pelo projeto da pesquisa, objetivava-se ter como participantes três pais e três
mães de crianças indígenas, mas isso não foi possível por estas não falarem Português,
segundo o participante C. De acordo com a ex-funcionária da SMASC, mesmo ela
tendo vários anos de contato com os Guarani, consegue falar pouco com as mulheres,
pois estas são caladas e os homens tendem a responder por elas. Assim, o fato de as
filhas do participante C não estudarem pode ser configurado como um fator de proteção,
já que não rompe uma tradição da cultura Guarani.
Segundo alguns autores, as mulheres Guarani costumam ficar em casa, enquanto
o homem vai ao centro da cidade em busca de sustento. Com isso, o homem vai
formando uma identidade de homem da cidade e as mulheres têm o papel de guardiãs da
cultura, mantendo os costumes e tradições e passando-os aos filhos. Nas entrevistas, não
foi observada essa distinção de papéis, pois segundo os participantes, tanto homem
quanto mulher tem o mesmo papel na educação dos filhos. Como foi relatado pelos
participantes, quem mais costuma ir ao centro da cidade para vender artesanato são as
mulheres e não os homens, o que difere da observação dos autores (GRUBITS e
DARRAULT-HARRIS, 2003; GRUBITS, DARRAULT-HARRIS e PEDROSO, 2005).
Possivelmente, a forma que esses índios Guarani encontraram de manter sua
cultura e de colocar a mulher como guardiã desta, foi a impossibilidade de estas falarem
com não-índios, ou falarem o menos possível de Português, mantendo, assim, a língua e
as tradições Guarani. Entretanto isso é contraditório, pois são as mulheres que vão com
maior freqüência ao centro para vender artesanato, mas falam pouco Português, sabendo
somente o necessário para realizar a venda.
4.3.2.3. Mesossitema > Fatores do ambiente e desenvolvimento infantil
De acordo com os participantes A e C, o lugar onde estão acampados não é o
ideal para criarem seus filhos. Neste local, os participantes têm acesso á água; estão
cercados por grande quantidade de árvores, o que lhes permite tirar o material para seus
artesanatos e os remédios para passar suas dores. E ainda podem caçar e pescar.
Entretanto, não há espaço suficiente para plantar. Ao ser perguntado o que não gosta na
sua vida, atualmente, o participante A disse: “Assim de... Não tem pra criança, pra viver, assim. Pra viver criança tem que ter planta boa, melancia, batata, mandioca, milho, assim. A criança gosta também de milho verde, assim..”(Participante A)
36
A questão da terra configura-se como um fator de risco para o desenvolvimento
das crianças, pois de acordo com o participante A, nesse acampamento, as crianças não
estão nas condições ideais de vida como eles a consideram. Segundo Schaden (1962),
para o Guarani, a preocupação com o desenvolvimento da criança diz respeito ao seu
bem-estar físico e o seu crescimento, o que pode ser entendido pela fala de A.
Segundo o participante A, quando os seus filhos o acompanham no centro da
cidade pedem os brinquedos que vêem nas lojas e ele compra. Já, o participante C diz
que suas filhas não pedem para ter brinquedos, mas diz que elas brincam com os
brinquedos dos tios e primos e têm alguns brinquedos que foram doados como
carrinhos de plástico e bola. Essa situação é mais um sinal do processo aculturativo que
enfrentam estas crianças indígenas que passaram a brincar com os brinquedos comuns
entre as crianças urbanas.
4.3.3.1 Exossitema
Entendendo como exossistema um conjunto de fatores que influenciam o
ambiente do sujeito diretamente, mesmo este não fazendo parte dele, elegeu-se algumas
instituições que podem influenciar no ambiente dessas crianças indígenas
(BROFENBRENNER, 1996). A Fundação Nacional do Índio- FUNAI e a Fundação
Nacional de Atenção à Saúde- FUNASA, podem ser algumas dessas instituições.
Apesar de, atualmente, estas instituições não se responsabilizarem por índios que não
estão morando em reservas indígenas, alguns dos participantes já moraram nessas
reservas e foram atendidos por esses serviços. Segundo o participante C, eles esperam
que essas instituições venham a se responsabilizar por eles novamente e diz estar
esperando por uma demarcação de terra.
Pelo o que foi observado na fala do participante C, a Diocese da cidade tem
influência sobre o ambiente de seus filhos. De acordo com o participante, esta
instituição os ajuda, dando roupas, brinquedos e alimentos para eles. Além disso, a
igreja os auxilia a aumentar sua renda, pois os avisam sobre feiras que acontecem na
cidade para que possam obter mais lucro com a venda de seus artesanatos. A influência
da Diocese da cidade, também, foi observada a partir de uma reportagem, que afirma
que a Diocese, juntamente com a Secretaria de Município de Assistência Social,
Cidadania e Direitos Humanos (SMASC) da cidade, juntos têm um projeto de construir
37
uma casa do índio para abrigar os índios que transitam pela cidade (DARONCO,
2008). Sendo assim, a SMASC e a Prefeitura da cidade (da qual esta secretaria faz
parte) também tem influência sobre o ambiente das crianças indígenas pesquisadas,
assim como o Ministério Público Federal, que, segundo Daronco (2008), se
responsabiliza por estas famílias.
4.3.4.1 Macrossistema > Cultura
Durante a realização das entrevistas, observaram-se animais mortos dentro das
casas, nas árvores e no chão. O participante C relatou que foi ele quem caçou os animais
vistos ali, pois eles costumam comê-los. Os animais mortos perto das crianças podem
ser configurados como um fator de risco para a saúde, pois podem transmitir algumas
doenças. No entanto, a caça faz parte da cultura indígena e seria um fator positivo para o
desenvolvimento dessas crianças pelo fato de seus pais manterem a sua cultura
(SCHADEN, 1962).
Ao ser pedido que o participante B contasse algum momento feliz de sua vida,
este respondeu que ficava feliz quando pescava e caçava. Schaden (1962) ilustra a
resposta de B dizendo que o Guarani não é capaz de conceber sua vida sem a caça e a
pesca. Além da valorização da caça e da pesca, o plantio também foi muito valorizado
por todos os participantes, sendo a possibilidade de ter mais espaço para plantar o único
aspecto que mudariam em suas vidas.
Os três participantes relataram que os alimentos que suas famílias comem são
arroz, feijão e farinha de trigo, de milho e mandioca. Relataram que comem estes
alimentos por serem os mais baratos para comprar, sendo que frutas, legumes e carnes,
por serem considerados muito caros, comem raramente. Eles relataram que gostam
muito de milho, melancia e mandioca e que gostariam de plantar esses por serem
considerados mais saudáveis para as suas crianças. A fala dos participantes em relação
à alimentação demonstra que esses mantém a cultura Guarani, pois o tipo de alimento
que eles costumam comer estão de acordo com a sua cultura, conforme relata Schaden
(1962).
Em dias de festa como na comemoração do Dia do índio, aniversários ou Natal,
eles fazem algumas comidas especiais, que não costumam comer normalmente como
carne, galinha, milho, batata e comprar refrigerante. De acordo com Schaden (1962), os
38
alimentos mais consumidos pelos índios Guaranis são mandioca, milho, feijão, farinha
de milho e de mandioca. A necessidade e o desejo de se plantar esses alimentos está
ligada a uma questão cultural, pois segundo o autor supracitado, o milho está associado
ao mundo sobrenatural e a mandioca, batata e feijão estão relacionados às cerimônias
Guarani.
O participante B relatou que, em dias de festa, eles costumam beber “pinga e
cerveja”. Mesmo não tendo observado nenhuma situação envolvendo o uso de álcool
abusivo, tal fato deve ser analisado já que a questão do alcoolismo é muito freqüente
entre as populações indígenas. Se o uso de bebida alcoólica por esta comunidade for
abusivo, isto se configura como um fator de risco para o desenvolvimento das crianças,
pelas várias conseqüências que o alcoolismo pode trazer, como: violência entre os
familiares, acidentes, quedas, atropelamentos, diminuição de habilidade para o
trabalho, assim como as diversas co-morbidades decorrentes disso (cirrose, hipertensão
arterial, etc.) (GRUBITS e GUIMARÃES, 2007).
O nome dos participantes são nomes comuns entre a cultura não-índígena. E
seus sobrenomes também não continham elementos lingüísticos diferenciados. No
entanto, ao observar o participante C chamar uma das filhas por um nome que não
coincidia com o que havia falado, foi perguntado se eles costumavam se chamar por
outro nome quando estavam entre eles. Ele relatou que usam o nome na língua
Guarani, que é dado pelos pais, mas enviado por Ñanderú-Tupã. Porém, quando estão
com brancos por perto, se chamam pelo nome que está em sua carteira de identidade,
que é um nome em Português. Foi perguntado o nome do participante e seu significado
e este relatou que o significado de seu nome, assim como do nome de seus familiares,
tinham relação com Ñanderú.
Ao perguntar aos participantes se estes cantam ou ensinam músicas a seus
filhos, a maioria disse que já ensinou. O participante A relatou que ensinava música a
seus filhos mais velhos e esses, depois, ensinam aos mais novos. Disse que eles
ensinam somente música na Língua Guarani e que elas falam sobre Ñanderú. Vejamos: “Música? É Ñanderú. E Ñambotã Mbaraká: É tocar violão. E aí cantam né?”(Participante A)
O mbaraká é um chocalho de cuia com o qual os homens marcam o compasso
das danças religiosas, enquanto as mulheres usam o takuapú, ou seja, um bastão de
ritmo (SCHADEN, 1962). O participante B disse que ensinou músicas tanto em
39
Português quanto em Mbü’á para seus filhos. Estas músicas falam sobre natureza, sobre
a tradição Guarani e sobre a importância dos velhos.
Com esta pergunta, ficou mais evidente a aculturação que sofre a família do
participante C, pois este diz que para que suas filhas aprendessem mais as músicas da
cultura Guarani, comprou um cd de músicas Guarani que havia na aldeia onde morava
anteriormente em Porto Alegre. O participante C também falou que eles não costumam
dançar ou cantar, pois não têm violão e para dançar precisam ter violão para tocar as
músicas. Segundo Schaden (1962), o violão faz parte dos rituais Guarani, apesar de
índios tocarem o instrumento de forma primitiva e diferente da maneira tocada pelos
não-índios. A carência deste instrumento está afetando a prática de sua cultura, o que
pode aumentar seu nível de aculturação e isto pode se configurar como um fator de risco
para o desenvolvimento das crianças.
Quando foi perguntado sobre as características de sua tribo, os participantes
tiveram dificuldade em responder e fizeram isso comparando a índios de outras tribos
ou aos não-índios. O participante A foi o único que explicou o que é ser branco, fazendo
um paradoxo com o que é ser índio. Ele também relatou que o branco é a pessoa para
quem ele pede as coisas quando precisa, o que pode demonstrar que este tenha uma
visão de que o branco é assistencialista e que esta é a cultura dominante, o que pode ser
configurado como um fator de risco, pois sendo assim a sua cultura perde valor. Este
relatou que da cultura do branco ele gosta de algumas coisas, mas gosta mais da sua
cultura. Disse que o que não gosta em ser índio é a questão da diferença da língua, pois
fala que as pessoas não o entendem quando ele fala sua língua.Vejamos: “Dos Kaingáng. É diferente. A língua que é diferente. Os artesanatos dos Kaingáng e do Guarani é diferente. Tudo é diferente. Sim, os desenho é diferente. Tudo é diferente, né? Por causo... ah o branco é muito diferente. Os brancos nunca vai mora assim... embaixo da barraca assim. Não mora assim. Agora o Guarani e os Kaingáng sim. Os Kaingáng é parecido com os Guarani. Mas os Kaingáng querem andá como os branco, usa qualquer.. queria pagar casa. Agora, os Guarani não. Eu não, eu quero viver só assim mesmo. Quero morar sempre assim né?(Participante A)
Como foi relatado por todos os participantes, a tribo Guarani é muito diferente
da tribo Kaingáng e a comparação entre essas duas talvez seja feita por serem essas as
duas tribos mais comuns no Rio Grande do Sul. Stock (2006) ao comparar essas duas
etnias diz que o Guarani tem uma tradição pacífica e repleta de religiosidade, já os
Kaingáng são hostis, tanto entre si, quanto com outros grupos. Para Schaden (1962), a
atitude dos Guarani frente aos outros grupos, principalmente, os Kaingáng, é ou de
medo ou de ridicularizarão destes.
40
O participante B define que ser índio e ser Guarani é saber e gostar de pescar e
caçar e por poder fazer isso é que gosta de ser Guarani. O participante C relatou que
também gosta de ser Guarani, mas diz que seu cunhado saberia explicar melhor o que é
ser Guarani, o que mostra o seu pouco conhecimento sobre a própria cultura. Entretanto,
C atrela a sua indianidade à Deus ou Ñanderú.
Tanto o participante B quanto o participante C relataram não saber o que é ser
branco. No entanto o participante B relatou que o que gosta da cultura branca é o direito
à aposentadoria, que é algo que usufrui e lhe traz benefícios. Este participante ainda
relatou que o que não gosta da cultura branca é que o branco rouba e mata. Já o
participante C relatou não gostar de nada da cultura branca. Porém, relatou que compra
CDs para as filhas e usa celular que são aparelhos inventados pelos brancos.
Nos dados relatados, a definição sobre a cultura branca mostrou-se de forma
ambígua, ora entendida como ameaçadora, ora sendo protetiva. Os aspectos entendidos
como positivos da cultura estão relacionados à ideologia capitalista. A aproximação
com a cultura branca fez com que os índios se apropriassem da lógica de mercado,
fazendo uso dos aparelhos utilizados pelo cidadão urbano.
Para se divertir os participantes relataram que costumam conversar com os
familiares. O participante A diz:
“Fica só... contando causo, conversa assim com todo mundo aí” (Participante A).
A fala de A pode indicar que este tem uma boa socialização o que pode servir de
exemplo para que os filhos tenham uma boa socialização também (CIA, PEREIRA,
DEL PRETTE et al, 2007). O participante B diz que costuma contar piada e cantar para
se distrair e faz isso, normalmente, com a sua esposa e filhos. Já, o participante C diz
que o que mais o distrai é o convívio com as crianças, o que indica um fator de proteção
para o desenvolvimento dessas, pois essas têm um papel importante na vida dos pais.
4.3.4.2. Macrossistema > Contexto Transicional
Os três participantes disseram que têm fé em Deus, o qual chamam de Ñanderú,
e, segundo o participante C, Ñanderú-Tupã. Todos os participantes tiveram dificuldade
em responder e entender a pergunta sobre o que Ñanderú faz ou significa para ele. O
41
participante A não soube responder, já o B disse que canta para Nãnderú e o
participante C, disse: “È que é..., nós tamu vivendo assim, como se diz... não... Se eu não acredito assim, o Deus não...,eu não teria assim, achado um lugar, o meu lugar pra plantar as coisas e se eu não acredito não tem, é o Deus mesmo que manda”.(Participante C)
Esta fala do participante C é sobre o sentido da terra para os Guarani, dizendo
que o lugar onde eles moram é também escolhido por Ñanderú. Nenhum dos
participantes mora na cidade por mais de nove meses, ou seja, eles são nômades e as
crianças vivem em contextos transicionais. Ao ser perguntado sobre quanto tempo
estava na cidade, o participante B respondeu: “ Três meses. Vamos ficar aqui por mais um ano. (...) gostamos daqui, mas depois tem que mudar”.(Participante B)
Na fala de B, percebe-se a característica nômade desta população. Sua família é
a que apresenta um contexto transicional mais acentuado, comparado aos outros
participantes. Isso se explica pelo fato deste participante pertencer ao subgrupo Mbü’á,
da tribo Guarani, que conforme Schaden (1962) é o grupo mais nômade dos três grupos
de Guarani.
Todos os três participantes se caracterizaram como índios Guarani, no entanto
somente o participante B disse que o nome de sua língua não é simplesmente Guarani,
como afirmaram os outros participantes, mas Mbü’á, o que o caracteriza como
pertencente a essa subdivisão. Moises e Nascimento (2008) relatam que o grupo
Ñandeva é o grupo que se autodenomina de Guarani, podendo-se entender que os
participantes A e C, possivelmente fazem parte desse grupo.
O aspecto transicional do Guarani é uma questão cultural e espiritual, pois são
“errantes em busca sem fim da Terra Sem Mal” (BRANDÃO, 1990, p.1). Barão (2006)
relata que os Guarani buscam o Mbyárekómeme, que seria o lugar onde eles sentem que
vivem a sua cultura. Sonho de um líder da aldeia ou de alguém da família que seria
enviado por Ñanderú, tragédias ocorridas com alguém da família, morte, acidente ou
doença, seriam fatores que levam os Guarani, principalmente os Mby’á a abandonar a
casa e estar sempre em movimento.
Segundo Grubits e Darrault-Harris (2003) o lugar de moradia para os Guarani é
um ato criativo dos deuses. Sua terra serve como lugar estruturante da organização
social, onde o Guarani concretiza o seu modo de viver e dialoga com as divindades.
4.3.4.3. Macrossistema > Cidadania
42
O participante B foi o único que relatou ter votado nas últimas eleições, assim
como sua esposa. O participante A não votou nestas eleições por ter perdido sua
Carteira de Identidade, o que impossibilitaria a computação de seu voto. Já o
participante C, mesmo tendo 33 anos de idade, nunca votou, nem sua esposa. Este dado
indica que eles podem ser negligentes com a questão da cidadania por não se sentirem
incluídos nas políticas públicas, sendo este um dado real, já que esperam a demarcação
de área indígena para que possam morar legalmente.
Ao serem perguntados sobre o que pensam do centro da cidade, todos afirmaram
gostar de ir até lá e que nunca sentiram nenhum preconceito, assim como nenhuma
pessoa os tratou mal. C ainda diz que sente que as pessoas gostam muito do seu
trabalho. Esta percepção deles pode se configurar como um fator de proteção para o
desenvolvimento das crianças, pois ao sentirem-se bem-quistos pela população, sentem-
se valorizados e transmitem isso para os filhos, que, possivelmente, também percebem
esta valorização por freqüentarem o ambiente de trabalho dos pais.
4.4. Tempo
Mesmo as crianças observadas, atualmente, apresentarem um bom
desenvolvimento quanto à capacidade motora e de ludicidade, elas tiveram um
desenvolvimento diferenciado do tempo padrão, nos seus anos iniciais. De acordo com
o relato dos pais, a maioria das crianças caminhou com a idade de dois a três anos de
idade, sendo a idade tendencial para o surgimento do caminhar entre um ano e um mês a
dois anos e três meses. Na fala a maioria das crianças analisadas também não
coincidiram com a idade tendencial. Pois, segundo o relato dos pais, elas falaram com a
idade entre dois a três anos de idade, sendo a idade tendencial de obtenção desta
habilidade a idade entre um ano e meio a dois anos de idade (SHAFFER, 2005).
Há a probabilidade, de que, estas diferenças nas idades de obtenção de
habilidades no desenvolvimento das crianças, além de outros fatores, tenham como
causa a instabilidade do ambiente devido ao contexto transicional no qual estão
inseridas. A teoria ecológica do desenvolvimento acredita que um ambiente instável e
imprevisível pode causar a não efetividade completa dos processos proximais,
retardando alguns aspectos do desenvolvimento (KOLLER, 2004).
43
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na realização desta pesquisa, foram observados diversos fatores de proteção e
de risco para o desenvolvimento das crianças indígenas. O mais significativo deles é a
boa relação afetiva que as crianças têm com seus pais e familiares. Isto foi observado
nas trocas de carinho, nos ensinamentos da produção dos artesanatos, nas brincadeiras,
nos relatos de momentos de lazer compartilhados, na ênfase dada pelos pais às relações
familiares.
Mesmo as famílias entrevistadas encontrando-se, de certa forma, aculturadas,
elas mantém alguns aspectos da sua cultura. A língua é um deles, sendo que o
Português somente é ensinado quando as famílias consideram a criança apta para
aprender e já introjetou grande parte dos valores da cultura Guarani.
A produção dos artesanatos e o ensinamento do modo de fazê-lo, também, é
um fator presente. Este processo possibilita a aprendizagem de muitos outros valores,
assim como o aprimoramento da motricidade fina e criatividade das crianças que
também aproveitam este momento para brincar e se relacionar com a família.
Não é muito fácil distinguir os momentos de brincadeira das crianças, dos
momentos de aprendizagem da cultura e das habilidades que os pais consideram
importantes (SCHADEN, 1962; CALDERARO, 2006; MOISES e NASCIMENTO,
2008; COHN, 2000; BICHARA, 2002). Nos poucos momentos nos quais aparece esta
distinção, há grande influência da cultura não-indígena, pois foi observado o uso de
brinquedos de plástico industrializado.
Entre os fatores de risco para o desenvolvimento das crianças Guarani, pode-se
citar a renda econômica baixa e instável, os aspectos aculturativos, a violência física
como forma de educação, a falta de alimentos saudáveis, as condições higiênicas e
sanitárias precárias, a falta de acesso aos direitos da educação infantil. Quando as
famílias moravam em aldeias indígenas elas eram incluídas em políticas públicas, da
FUNAI e FUNASA. Entretanto, segundo os participantes essas políticas não eram
adequadas, pois não disponibilizavam o espaço necessário para todas as famílias
plantarem para a sua subsistência. A falta de espaço para estas famílias plantar e
praticar os seus costumes também impossibilita a auto-sustentabilidade delas no espaço
da aldeia. Tal fato faz com que as famílias busquem outras formas de sustento como a
44
venda de artesanato e o trabalho remunerado (SCHADEN, 1962; COIMBRA e
SANTOS, 2000;BARÃO, 2006).
Para que ocorram as vendas, é preciso que estas famílias se aproximem dos
centros urbanos. Ao deixarem a aldeia, as famílias saem da área protegida pela FUNAI
e FUNASA, ficando, assim, desassistidas pelas políticas públicas. Além desse aspecto,
ao se aproximarem dos centros urbanos, essas famílias passam a conviver com os
problemas inerentes a população socioeconomicamente vulnerabilizada. O somatório
destes fatores deixa as famílias mais vulneráveis e aumenta os fatores de risco para o
desenvolvimento das crianças indígenas.
Entre as limitações do estudo, considera-se que a não participação das mães nas
entrevistas mostrou uma visão parcial da família. Outra limitação foi o não
conhecimento da pesquisadora da Língua Guarani e a pouca fluência dos participantes
na Língua Portuguesa. Isso fez com que o conteúdo das respostas ficasse restrito as
palavras conhecidas em português pelos participantes, dificultando a análise do
conteúdo.
Espera-se que esse trabalho possa contribuir para a criação e reformulação de
políticas públicas voltadas a esta população a fim de potencializar os fatores de
proteção e minimizar os fatores de risco para o desenvolvimento das crianças
indígenas. Para isso, faz-se necessário conhecer os aspectos singulares da cultura e da
realidade de cada tribo indígena e, com isso, os índios possam ser ouvidos e tratados
como sujeitos de direitos.
45
REFERÊNCIAS
ALVES, Paola Biasoli; KOLLER, Sílvia Helena; SILVA, Aline S. et al. A construção de uma metodologia observacional para o estudo de crianças em situação de rua: criando um manual de codificação de atividades cotidianas. Estudos de Psicologia, Porto Alegre, v4, 2, p. 289-310, 1999. _____. Atividades cotidianas de crianças em situação de rua. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Porto Alegre, v 18, n.3, p.305-313. Set-Dez, 2002. BARÃO, Vanderlise Machado. “Mbyárekómeme é o lugar que a gente vive a nossa cultura”: o “lugar” como cultura material para os Guarani do Litoral Sul. Biblos, Rio Grande, nº20, p. 195-210, 2006. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004. BICHARA, Ilka Dias. Crescer como índio às margens do velho Chico: um desafio para crianças Xocó. In: LORDELO, Eulina Rocha; CARVALHO, Ana Maria Almeida; KOLLER, Sílvia Helena, (Orgs.). Infância brasileira e contextos de desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, Salvador, BA: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2002. BOWLBY, John. Apego e Perda. São Paulo : Martins Fontes , 1998. _____. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BRADT, Jack O. Tornando-se pais: famílias com filhos pequenos. In: CARTER, Betty; MCGOLDRICK, Monica (orgs.). As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os Guarani: índios do Sul – religião, resistência e adaptação. Estudos Avançados, São Paulo, v.4 n.10 set./dez, 1990. BROFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
46
CALDERARO, Kátia Cilene. O universo lúdico das crianças da Amazônia. Manaus- AM: CENTRO CULTURAL DOS POVOS DA AMAZÔNIA – CCPA, 2006. Disponível em: http://www.povosdamazonia.am.gov.br/htm/htm/pedagogia.htm. Acesso em 27 outubro 2008. CAMPOS, Rogério Cunha. Movimentos Indígenas por Educação: novos sujeitos socioculturais na história recento do Brasil. UFMG. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&lr=&q=Movimentos+Ind%C3%ADgenas+por+educa%C3%A7%C3%A3o%3A+novos+sujeitos+socioculturais+na+hist%C3%B3ria+recente+do+Brasil&btnG=Pesquisar&lr=. Acesso em 02 novembro 2008. CIA, Fabiana; PEREIRA, Camila de Sousa; DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira; et al. Habilidades sociais das mães e envolvimento com os filhos: um estudo correlacional. Estudos de Psicologia, v.24, n.1. Campinas, jan/mar.2007. COHN, Clarice. Crescendo como um Xikrin: uma análise da infância e do desenvolvimento infantil entre os Kayapó- Xikrin do Bacajá. Revista de Antropologia, vol.43, n.2. São Paulo, 2000. _____. Culturas em transformação: os índios e a civilização. São Paulo em perspectiva. São Paulo, v.15, n.2, abr./jun. 2001. _____. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. COIMBRA Jr., Carlos Everaldo Alvares; SANTOS, Ricardo Ventura. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, vol.5, n. 1, 2000. CUNHA, Manuela Carneiro. O futuro da questão indígena. Estudos Avançados. São Paulo, v.8, n.20, abr. 1994. DARONCO, Marilice. Projeto digno para os hóspedes. Diário de Santa Maria, Santa Maria, 06, maio, 2008. Geral, Cotidiano, p.9. DEL PRETTE, Alessandra Turini Bolsoni-Silva; DEL PRETTE, Almir. O que os pais falam sobre suas habilidades sociais e de seus filhos? Argumento, Ano IIII, n.7, abr. 2002.
47
FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004. FUNAI-FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Povos Indígenas. 2008. Disponível em: http://www.funai.gov.br. Acesso em: 07 junho 2008. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1995. _____. Como elaborar projetos de Pesquisa. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. GOSSO, Yumi. Pexe oxemoarai: brincadeiras infantis entre os índios Parakanã. São Paulo, 2005, 237 p. Tese de Doutorado. Unidade Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. _____; MORAIS, Maria de Lima Salum e; OTTA, Emma. Pivôs utilizados nas brincadeiras de faz-de-conta de crianças brasileiras de cinco grupos culturais. Estudos de Psicologia. Natal, v.11, n.1, jan/abr. 2006 . GRUBITS, Sonia; DARRAULT-HARRIS, Ivan. Ambiente, identidade e cultura: reflexões sobre comunidades Guarani/ Kaiowá e Kadiwéu de Mato Grosso do Sul. Psicologia e Sociedade. v.15, n.1, p.182-200, jan/jun. 2003. _____; PEDROSO, Maíra. Mulheres indígenas: poder e tradição. Psicologia em Estudo. Maringá, v.10, n.3, p.363-372, set/dez.2005. _____; GUIMARÃES, Liliana, A.M.. Alcoolismo e violência em etnias indígenas: uma visão crítica da situação brasileira. Psicologia e Sociedade. V.19, n.1, p.45-51, jan/abr. 2007. GUERRA, Viviane de Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2001. HÖKERBERG, Yara Hahr Marques; DUCHIADE, Milena Piraccini; BARCELLOS, Christovam. Organização e qualidade da assistência à saúde dos índios Kaingáng do Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.17, n.2, mar/abr. 2001.
48
HUTZ, Cláudio Simon (org.). Violência e risco na infância e adolescência: pesquisa e intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE. Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro, IBGE, 2002. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL - ISA. Povos indígenas no Brasil. 2008. Disponível em: http://www.socioambiental.org. Acesso em: 07 junho 2008. JERUSALINSKY, A lfredo. Diagnóstico de Déficit de Atenção, o que pode dizer a Psicanálise. Correio da Associação Psicanalítica de Porto Alegre- APPOA. Porto Alegre, n.144, mar 2006. KOLLER, Sílvia(org.). Ecologia do Desenvolvimento Humano: Pesquisa e intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. LORDELO, Eulina Rocha; CARVALHO, Ana Maria Almeida; KOLLER, Sílvia Helena, (Orgs.). Infância brasileira e contextos de desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, Salvador, BA: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2002. MALDONADO, Maria Thereza. Psicologia da gravidez.14 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1996. MOISES, Mozana Raquel José; NASCIMENTO, Adir Casaro. As primeiras impressões sobre um estudo com crianças indígenas Guarani/ Kaiowá. Disponível em: http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=As+primeiras+impress%C3%B5es+sobre+um+estudo+com+crian%C3%A7as+ind%C3%ADgenas+Guarani%2F+Kaiow%C3%A1&btnG=Pesquisar&meta=. Acesso em: 27 outubro 2008. MOYLES, Janet R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. NUNES, Angela. No tempo e no espaço: brincadeiras das crianças A’úwe- Xavante. In: SILVA, Aracy Lopes da; NUNES, Angela; MACEDO, Ana Vera Lopes da Silva (org.) Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE- OMS. Recomendações OMS. 2008. Disponível em: http://www.leitematerno.org/oms.htm. Acesso em: 03 novembro 2008.
49
PAPALIA, Diane E; OLDS, Sally W. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2000. PEREIRA, Levi Marques. No mundo dos parentes: a socialização das crianças adotadas entre os Kaiowá. In: SILVA, Aracy Lopes da; NUNES, Angela; MACEDO, Ana VeraLopes da Silva (org.) Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002. PEREIRA, Patrícia. Selva de Pedra. Sociologia: Ciência e Vida. São Paulo, n. 3, 2007. PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Brasília: MEC; Rio de Janeiro: Zahar, 1975. RABINOVICH, Elaine Pedreira. Por uma Psicologia Ambiental das diferenças. Psicologia USP. São Paulo, v.16, n.1-2, 2005. REY, Fernando Luis González. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira, 2005. SANTOS, Elder Cerqueira. Um estudo sobre a brincadeira entre crianças em situação de rua. Porto Alegre, 2004, 111p. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. SARRIERA, Jorge Castellá. Educação para a integração entre culturas e povos: da aculturação para o multiculturalismo. In: SARRIERA, Jorge Castellá (org). Psicologia Comunitária: estudos atuais. Porto Alegre: Sulina, 2004. SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo : Difusão Européia do Livro , 1962. SELIGMANN-SILVA, Edith. Desgaste mental no trabalho dominado. São Paulo: Cortez, 1994. SEPLAG- SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO DO RIO GRANDE DO SUL. A população indígena no Estado. Disponível em: http://www.scp.rs.gov.br/principal.asp?conteudo=texto&cod_texto=1482&cod_menu=422&cod_menu_esq=. Acesso em: 07 junho 2008.
50
SHAFFER, David R. Psicologia do Desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. SILVA, Aracy Lopes; MACEDO, Ana Vera Lopes da Silva; NUNES, Angela.(orgs.) Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002. SOFIA, Brigida. Vem a Páscoa e chegam os índios. Diário de Santa Maria, Santa Maria, 19, março, 2008. Geral, Cotidiano, p.12. STOCK, Bianca Sordi. Encontros na cidade: a Psicologia e os índios Kaingáng experimentando possibilidades de vida. São Leopoldo, 2006, 63p. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Psicologia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.
51
APÊNDICE A- Roteiro da entrevista
52
Entrevista semi-estruturada
1-Dados biosóciodemográficos:
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Ocupação:
Composição familiar:
Renda:
Religião:
2- Moradia:
-Onde você mora?
-Como é a sua casa?
-O que tem por perto?
- Você costuma freqüentar os lugares da redondeza?
-O que mais gosta?
-Tem luz, água, esgoto, coleta de lixo?
3-Família:
-Os seus pais são vivos? Tem contato com eles?
-Qual é a cidade de origem da sua família?
-Alguma vez sua família morou em aldeia indígena?
-Como é realizado o casamento e formada a família para vocês?
53
-Como é o nome dos seus filhos? Quem os escolhe? O que significam?
3-Educação:
-O que você espera que o seu filho seja quando ele crescer?
-Existe algo que você considera errado para uma criança fazer? O quê?
-Se o seu filho faz alguma coisa que considera errado, como ele é ensinado a não fazer mais isso?
-Há punição quando os filhos fazem algo que consideram errado? Como é essa punição?
-O que você considera importante para a educação do seu filho?
-Quando seus filhos os acompanham nos centros urbanos, eles pedem para ter algo que vêem nas lojas?
-Qual é o seu papel (pai/mãe) na vida de seu filho?
-Alguém da família lhe ajuda na educação dos seus filhos? Como?
4-Costumes:
-As roupas que vocês usam são compradas por vocês, doadas ou fabricada por vocês?
-O que sua família costuma comer?
-Canta cantigas para os filhos? Como são essas cantigas? Onde aprendeu? Quem ensinou?
-Você tem alguma religião? No que acredita?
-Que datas vocês costumam comemorar? Como é esta comemoração?
-Faz parte de alguma tribo/etnia? Qual?
-Quais as características dos índios dessa tribo/etnia?
-Qual a língua originária dessa tribo/ etnia? Sempre falou português? Se não, como aprendeu?
-Para você, o que é ser índio?
-O que você gosta da cultura indígena? E o que não gosta?
-O que é ser branco?
-O que gosta da cultura branca? E o que não gosta?
54
5-Desenvolvimento:
-Como você reagiu quando soube que seria pai/mãe? Como reagiram os demais familiares?
-Como foi o parto?
-Até que idade seus filhos foram amamentados?
-Com que idade os seus filhos falaram?
-Com que idade eles caminharam?
-Freqüentam ou freqüentaram a escola? Onde? Que tipo de escola?
6-Lazer:
-O que costumam fazer para se divertir?
-Os pais costumam brincar com os filhos? De quê?
-Quais as brincadeiras que seus filhos costumam fazer?
-Eles têm brinquedo? Como são esses brinquedos? São comprados ou produzidos por alguém da família?
-Com quem os seus filhos brincam?
7-Saúde e cidadania:
-Sua família costuma ficar doente? Que tipo de doença? O que fazem quando isso acontece?
-Você vota?
-O que vocês pensam do trabalho que fazem?
-O que vocês pensam sobre o centro da cidade?
-Onde seus filhos ficam enquanto trabalham? O que eles fazem?
-Você se considera índio (a)?
-Você considera que sofre algum tipo de preconceito?
9- Projeto de vida:
- O que você mais gosta na sua vida? O que menos gosta?
55
-O que mudaria?
-Conte-me um evento bom da sua vida.
56
APÊNDICE B- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
57
Termo de Consentimento livre e esclarecido
Pesquisa: Crianças indígenas: um estudo sobre fatores de proteção e risco para o
desenvolvimento.
Pesquisadora responsável: Cristiane Holzschuh Gonçalves
Orientadora: Monise Gomes Serpa
1- O que é esta pesquisa: Você está sendo convidada a participar desta pesquisa,
que tem como objetivo identificar os fatores de risco e proteção para o desenvolvimento
de crianças indígenas que transitam entre espaços urbanos a partir da fala de suas
famílias.
2- Quem participa da pesquisa: 3 pais e 3 mães de crianças indígenas que trabalhem
no centro da cidade de Santa Maria, que falem fluentemente Português e permaneçam na
cidade pelo mínimo de 15 dias.
3- Envolvimento na pesquisa: Depois que você entender a finalidade da pesquisa,
solicitamos a sua autorização para que a pesquisadora possa entrevistá-la. As entrevistas
acontecerão no local onde as famílias trabalham. Estão previstos mais de um contato com
cada participante, sendo, no mínimo, três entrevistas, de uma hora cada. Como se trata de
um tema que pode trazer lembranças e sentimentos desconfortáveis, durante a entrevista
você terá espaço para falar livremente sobre o que quiser. Você tem a liberdade para não
falar e de se recusar a participar em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para
você.
58
4- Sobre as entrevistas: A primeira entrevista será realizada no primeiro contato e
se sua família permanecer na cidade pelo mínimo de 15 dias, serão realizadas as outras
entrevistas, cujo dia e horário será marcado neste primeiro contato. Serão feitas
perguntas sobre a sua vida, moradia, família, educação, costumes, desenvolvimento dos
seus filhos, lazer, saúde e cidadania e projeto de vida.
5-Confidencialidade: Todas as informações coletadas nesse estudo são
estritamente confidenciais. A sua identificação será preservada em todas as etapas desse
estudo. As gravações e os relatos de pesquisa serão identificados por um código
numérico, escolhido de forma aleatória, para que as suas informações permaneçam em
sigilo. Os dados coletados serão arquivados no Centro Universitário Franciscano-
UNIFRA.
6-Benefícios: Ao participar desta pesquisa você estará contribuindo com
informações importantes sobre a realidade dos índios no Rio Grande do Sul. Espera-se
que essas informações sejam utilizadas em benefício das famílias indígenas que transitam
em centros urbanos.
7-Pagamento: Você não terá nenhum tipo de despesa por participar desta pesquisa,
bem como nada será pago por sua participação.
8-Contato com os pesquisadores: Caso queria entrar em contato conosco, o telefone
da pesquisadora é (55) 3217-1903 ou (55) 99137009 e da orientadora desta pesquisa é
(51)-84686419.
Após estes acontecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para
participar desta pesquisa. Portanto, preencha os itens que seguem:
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
59
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
Manifesto meu interesse em participar da pesquisa.
__________________________________________ Data: ___/___/____
Assinatura da participante da pesquisa
_____________________________ ______________________________
Cristiane Holzschuh Gonçalves Profª. Monise Gomes Serpa