crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

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Nabil Bonduki çÃO " Poucos momentos da nossa história conheceram tão sig nlficativo grau de mobilização das massas populares urbanas cornoo per! odo do segundo pós-guerra. O fim do Estado Novo (1937-45) e a ditadura Varguista, o processo de redemocratização, a vitória internacional ·so- bre o fascimsmo e a legalização do partido Comunista do Brasil (PCB) criaram um clima de euforia onde as massas populares eram chamadas a participar - embora de forma restrita e subordinada - do processo pol! tico. ~ ..... "' - Coincidentemente com este processo de ascensao da mobilização popular, vive-se um período 4e excepcional crescimento e de desenvolvimento econômico - em grande parte proporcionado pela conjunt~ ra da guerra - que, embora tenha garantido altas taxas de lucro aos in dustriais, comerciantes e especuladores de toda a espécie, provocou uma grave crise de abastecimento, uma carestia sem precedentes na história do país e consequentemente um agravamento nas condições de vida de to- dos os assalariados. Impedidas as importações face as restrições impostas pela guerra, incentivadas as exportações pelos excelentes preços exter- nos e pela escassez generalizada de produtos de toda a espécie, o cons~ midor urbano brasileiro conheceu um período de falta de quase tudo: lo~ gas filas nos armazéns e lojas, racionamento dos produtos de primeira necessidade, câmbio negro e especulação generalizada. Racionamento do açúcar, do pão, da banha, do óleo. Carne escondida debaixo do balcão p~ ra ser vendida só no câmbio negro. Especulação com farinha e com rayon. o quadro era de carência ger.eralizada nas cidades que, paralela~e~te ao

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Trabalho apresentado no IX Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), em 1985.

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Page 1: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

Nabil Bonduki

çÃO"

Poucos momentos da nossa história conheceram tão sig

nlficativo grau de mobilização das massas populares urbanas corno o per!

odo do segundo pós-guerra. O fim do Estado Novo (1937-45) e a ditadura

Varguista, o processo de redemocratização, a vitória internacional ·so-

bre o fascimsmo e a legalização do partido Comunista do Brasil (PCB)

criaram um clima de euforia onde as massas populares eram chamadas a

participar - embora de forma restrita e subordinada - do processo pol!

tico.~....."'

-Coincidentemente com este processo de ascensao da

mobilização popular, vive-se um período 4e excepcional crescimento e de

desenvolvimento econômico - em grande parte proporcionado pela conjunt~

ra da guerra - que, embora tenha garantido altas taxas de lucro aos in

dustriais, comerciantes e especuladores de toda a espécie, provocou uma

grave crise de abastecimento, uma carestia sem precedentes na história

do país e consequentemente um agravamento nas condições de vida de to-

dos os assalariados.

Impedidas as importações face as restrições impostas

pela guerra, incentivadas as exportações pelos excelentes preços exter-

nos e pela escassez generalizada de produtos de toda a espécie, o cons~

midor urbano brasileiro conheceu um período de falta de quase tudo: lo~

gas filas nos armazéns e lojas, racionamento dos produtos de primeira

necessidade, câmbio negro e especulação generalizada. Racionamento do

açúcar, do pão, da banha, do óleo. Carne escondida debaixo do balcão p~

ra ser vendida só no câmbio negro. Especulação com farinha e com rayon.o quadro era de carência ger.eralizada nas cidades que, paralela~e~te ao

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=~esc'=ento econômico, recebiam um intenso fluxo populacional provocado

pelas ~igrações internas.

A coincidência destes dois processos - mobilização,

e foria e participação popular, de um lado e crise de abastecimento e

carestia de outro - gerou urna significativa sequência de protestos pop~

lares que, embora tenham ocorrido de forma espontânea, apontam e mostram

o anseio de participação política das massas. Assiste-se assim, sobretu-

do entre 1945 e 1947, a um sem número de ações de protesto contra as

condições de vida urbana que, corno fica claro ao se rever os jornais diª

rios da época/marcam o cenário das cidades brasileiras: " numa des-

sas dolorosas filas de pão da nossa capital (São Paulo) os consumidores

enraivecidos invadiram o estabelecimento para conseguirem o alimento,

que faltava a muitos ... Na pacata cidade de Ribeirão Preto urna grande

multidão atacou e invadiu diversos armazéns a fim de retirarem deles g~-neros de primeira necessidade que o povo nao conseguia adquirir sa '0 ~o

mercado negro .•• Agora o povo revoltado quis arrombar armazéns e na s~-

prefeitura de são Bernardo ... alguns populares revoltados com a abSO '~a

falta de farinha, de açGcar, de óleo, de banha etc., tentaram arro ~ar

alguns armazéns onde sabiam estar guardados os artigos de que tanto ne-

cessitavam. (1) Revoltado o povo de Taubaté invade armazéns e lojas. (2)

Depredados vários estabelecimentos comerciais no Rio. (3) Revoltas em Ja

careí e Petrópolis. (4) De novo, ônibus e cinema depredados em Niterói.

(1) (Correio paulis tano , 07/08/19461.

(2) (Correio Paulistano, 11/08/1946) .

(3) (Correio Paulistanol 31/08/1946) •

(4) (Correio Paulistano, 13/08/1946) •

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predado o café Paraventi porque aumentou o preço do ca fe zí.nhoIê )

circ laram insistentes rumores de que populares iriam em marcha pa-

za _~ercado Municipal (de são Paulo) I tomando vulto em pouco tempo a

c_a __ante notícia. Negociantes do Mercado em face disso e tendo mesmo

recebido ameaças pelo telefone pediram garantias à Polícia ao mesmo tem

po em que fecharam as portas daquele pr5prio municipal". (7)

Num quadro de liberalização política onde o recem le

galizado PCB pregava o compromisso de manter "a ordem e a tranquilida-

de" e a "colaboração de classes" e no qual os sindicatos são mantidos -

da onda grevista de 1946, organizadas por fora dos sindicatos, mostram

como durante o Estado Novo - atrelados ao Estado -) estas manifestações

espontâneas das massas populares, nas quais se insere também boa parte

um significativo impulso de participação política dos trabalhadores ur-

banos que, impossibilitados de atuarem consequentemente via partido ou·

sindicato, lançam-se a ações autônomas, organizadas ou não.

Dentro deste quadro, assume para nos particular im-

portância um aspecto da crise de abastecimento que se vivia e dos movi

mentos populares que surgiam: aquele vinculado a aguda carência de habi

tação popular e de classe média com que se defrontou a população urbana

(5) (Correio Paulistano,24/09/l946).(6) (Correio Paulistano, 06/02/1947).(7) (Diário popular J 02/09/l946) .(8) "A crise de habitações é o maior problema do povo atualmente", (Ho-

je 08/11/1945). "Em todas as cidades de maior importância, no Bra-sil, está se processando UIT. fer.ôrr.enode escassez de residências" (Q

de todas as cidades brasileiras no período do pós-guerra. (8) Esta cri-

se específ~ca ganha grande interesse pois ultrapassa os limites da con-

Page 4: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

a e que se deu. Embora os efeitos da guerra tenham aprofundado

e ace ..t.uado a escassez de habitações - sobretudo devido à falta de ma-

~eriais - esta crise é clara evidência de uma modificação mais estrutu-

ra~ .0 processo de produção e de comercialização de moradias no Brasil

e, e especial/na cidade de são Paulo. Foram estas transformações que

geraram e impuseram as soluções habitacionais mais comuns nas décadas

posteriores e até hoje - a autoconstrução de casas próprias em loteame~

tos periféricos e as favelas - e que criaram as condições materiais p~

ra o surgimento de um forte e vigoroso movimento popular vinculado as

questões habitacionais e urbanas.

A conjuntura específica do pós-guerra nos revela as-

pectos bastante significativos deste processo, pois foi o momento em que

as mobilizações populares em torno da habitação ganham grande importân-

cia, pondo a nu 'os novos parâmetros segundo os quais passava a se reger

o processo de produção de moradias popu~s Neste sentido, a luta contra

os despejos e o surgimento dos movimentos urbanos nos bairros periféri-

cos são claros indícios das novas condições de habitação em são Paulo.

Nosso objetivo aqui é destrinchar os fenômenos mais

importantes deste processo de transformação ao mesmo tempo em que proc~

raremos apontar as principais características dos movimentos populares

surgidos no pós-guerra, detectando a tática usada pelo PCB e sua influ-

Continuação da nota (8).•.Observador Econômico e Financeiro N9 128, Set/1946), "Moradias e trans-portes os dois grandes problemas de Sorocaba" (Hoje,17/03/1947). "Habi-tação e transportes os maiores problemas de Santos" conforme (Hoje, 19/04/1947). liA crise da casa em Campinas ..• Não se encontra nem nos bair-ros distantes" (Hoje, 21/11/1945) .

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5

ê~=~a ~as formas de organização que posteriormente passaram a ser pra-

tica corrente na atuàção política das massas populares.

Para tanto, parece-nos importante apontar inicialme~

te as condições habitacionais no período anterior a 30 e as profundas

modificações que a nova forma de atuação do Estado após a Revolução de

30, e mais especificamente após a implantação do Estado Novo em 1937,

trouxe para o processo da produção e comercialização de moradias em são

Paulo.

2 - HABITAÇÃO POPULAR ANTES DE 30: AS LUTAS PELA REDUÇÃO DO ALUGUEL PAS-

SAM POR FORA DO ESTADO

O problema da habitação popular no período anterior a

1930 não conheceu a intervenção estatal direta} que se restringiu a

fixação de legislação normativa e ao controle sanitário. A produção da

moradia era urna atividade exercida pela iniciativa privada, objetivando

basicamente a obtenção de rendimentos pelo investimento na construção ou

aquisição de casas de aluguel. A estrutura de nossa economia estava cen-

trada nas atividades agrário-exportadolàs, havendo forte predomínio do

comércio sobre a produção e ocupando a indústria um papel subordinado e

secundário. Dada a reduzida capacidade da indústria absorver novos e cres

centes investimentos, o "negócio" de possuir casas de aluguel se tornava

uma segura e excelente forma de se rentabilizar poupanças e recursos di~

poníveis na economia urbana. Desta forma, a iniciativa privada produziu

urna ampla gama de soluções habitacionais de aluguel - do cortiço, se-

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& 6

de pequenas moradias ao longo de um corredor, à miniatura de pa-

_ace e padronizado e produzido em série - que servia' de habitação a to-

e s s estratos sociais não proprietários de são Paulo - do lumpen à

c_asse édia, passando pelo operário fabril e pelos assalariados de di

=erentes faixas de renda. (9)

Até meados da década de 30,' a produção de moradias

de aluguel garantiu o atendimento das necessidades quantitativas de ha-

bitação popular, embora em perIodos específicos, como ao fim da l~ guer-

ra e apos a revolução de 29, ocorreram crises de falta de moradia. Es-

te relativo equilíbrio entre a oferta eA procura de habitação, que em g~

ral se localizava próxima ao local de trabalho, no entanto, era propor-

cionada pela produção de pequenas moradias de locação, precárias nas suas

condições habitacionais e de área reduzida - genericamente denominadas

cortiços.

A questão dos valores dos aluguéis esteve quase sem-,

pre entregue a livre negociação entre o locador e o inquilino, não inter

vindo o Estado na sua regulamentação, como era a regra da ação estatal

no que se referia aos diversos aspectos da reprodução da força de traba-

lho. O código civil, que regulava a questão, estabelecia o "império abs~

luto da propriedade'~ nao prevendo qualquer regra na fixação dos aluguéis.

(9) Em 1920 somente 19% dos prédios de são Paulo eram habitados pelosseus proprietários.

(10) Somente por seis anos (entre 1921 e 1927) esteve em vigor a l~ Leide inquilinato que, erobora procurasse defender em alguns aspectoso inquilino, foi totalmente inócua na medida pm nue garantia aosproprietários_o direito a~soluto do despejol que ocorriam sempreque as condiçoes de locaçao se tornavam desfavoráveis aos interes-ses do locador.

{10}

Page 7: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

7

Desta forma, constituia-se o valor do aluguel o prin

cipa_ ponto de conflito entre os proprietários e locatários e a questão

ce~tral que movia os inquilinos a se organizarem em torno do problema

da habitação. Se, por ~ lado, o Estado não intervém na produção da ha-

bitação e no controle dos aluguéis, as organizações populares não pare-

cem reconhecer no Estado o interlocutor capaz de dar andamento a suas

reivindicações em torno da questão. Embora a forte influência do anar-

quismo no movimento operário explique esta postura de não reconhecime~

to da responsabilidade estatal na questão habitacional, a própria cara~

terização do Estado no período liberal/sem interferir no âmbito da reprg

dução da força de trabalho I contribui a no sentido de levar os movimen-

tos populares a negarem o poder público corno urna instância 'a qual deve-

riam ser dirigidas reivindicações. O Estado era visto corno um mero re-

presentante dos interesses dos poderosos - fazendeiros, industriais,.

proprietários - e, portanto, sem legitimidade para arbitrar as relações

entre locadores e inquilinos.

,Assim, o Estado foi mantido a margem dos movimentos

de inquilinos que surgiram neste período. Estes, que por vezes procura-

ram se manifestar sob a forma de greves de inquilinos - não pagamento

de aluguel - visavam atingir diretamente os proprietários com o objeti-

vo de reduzir os aluguéis ou mesmo negar na prática o direito de pro-

priedade. (11) Era utilizada, portanto, a tática anarquista da ação di-

reta. Mesmo ~m'relação a funções urbanas reconhecidas corno de responsa-

(11) Sobre as greves de inquilinos, Rolnik, 1981 e o Capítulo 11.

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'~'~ace estatal, corno a implantaçao dos serviços de agua, e esgoto ou

ca_ç~~entof não parecem ter surgido organizações de base local que co-

~e~ a reivindicação destes serviços ao Estado corno a prioridade de

s 'a atuação. Embora a imprensa sempre tenha registrado reclamações de

..oradores dos bairros populares quanto ã precariedade ou ausência de

equipamentos urbanos, as Ligas Operárias de bairros, surgidas no perío-

do, não parecem centrar na reivindicação ao Estado sua atividade prior!

tária, mas sim na organização autônoma dos trabalhadores para, através

da ação direta, modificar a estrutura social. Estas Ligas, que tiveram

um papel da maior importância na organização da greve de 1917, express~

varo uma forma de incorporar ao movimento operário outros setores sociais

populares, levantando questões ligadas ao consumo-valor do aluguel, pr~

ço e qualidade dos produtos de primeira necessidade etc. Assim, por exem

plo, vemos entre as reivindicações dos grevistas de 17, além daquelas

referentes ao mundo do trabalho, a redução em 30% dos aluguéis. As Li~

gas, entretanto, jamais tiveram corno características - pelo menos que

até agora tenha sido detectada - dirigir sua ação ao Estado, pedindo m~

lhorias para os bairros populares)pois tal atitude significaria legit~

mar o Estado, quando o objetivo primordial dos anarquistas é destruí-

10. Esta característica das Ligas Operárias de inspiração anarquista

torna-as totalmente distintas das posteriores Sociedades de Amigos de

Bairros que, como veremos, centram sua ação política nos pedidos, rei-

vindicações, abaixo-assinados etc. dirigidos ao Estado, sem quase nun-

ca expressarem objetivos políticos mais abrangentes.

Ainda que breves, estas observações sobre a prática e a

organização anarquista a nível de local de moradia em boa parte ainda

não estudadas - contribuem pela contraposição, para a compreensao mais

Page 9: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

a~~=aca das características dos movimentos populares em torno da habi-

~aça s rgidos posteriormente, que serão estudados adiante.

3 - O ESTADO ENTRA EM CENA EM 1930

A revolução de 30 marca um ponto de ruptura na forma de

intervenção do Estado na economia e em diversos aspectos da reprodução

da força de trabalho. A partir da destruição das regras do jogo que fa-

ziam do poder pUblico um mero representante dos interesses da economia

agro-exportadora, vai-se desenvolver, depois de 1930, um longo processo

de criação das novas condições que passam a fazer das atividades urbano-

industriais as centrais na nossa economia. (12) A base de sustentação P2lítica do novo regime teve necessariamente que ser modificada através da

A compreensao deste novo relacionamento - organizações

incorporação de novos setores sociais emergentes - entre os quais se des

taca as massas populares urbanas. Assim como, frente a nova configuração

do poder, o Estado teve de desenvolver uma política específica para este

setor social, surgiram também entre as massas populares urbanas novas

formas de organização e de manifestação que passam a reconhecer no Esta-

do o responsável pelo atendimento dos mais diversos aspectos das suas

condições de vida, entre eles a questão da habitação.

populares de base territoriaJ/ poder pUblico - requer a explicitação de

como passa a se dar a intervenção do Estado no âmbito da reprodução da" -força de trabalho r . particularmente no que toca a habi taçao.

(12 ) (O 1i ve i ra, 1972) .

Page 10: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

10

Premido pela necessidade de legitimar o poder político

g~e assOU a deter a partir da Revolução de 30, Vargas teve qUe estabe

_ecer a solução de compromisso de novo tipo,já que nenhum dos novos

gr~pos participantes do poder - classes médias, tenentes, oligarquias

periféricas etc. - podia oferecer as bases de legitimidade do Estado.

Surge assim na história brasileira um novo personagem: as massas popu-

lares urbanas que passam a garantir a legitimidade ao novo estado brasi

leiro. (13) Assim legitimado e de certa forma pairando sobre todas as

classes, o que significava abrir-se a todos os tipos de pressoes sem se

subordinar exclusivamente aos objetivos imediatos de qualquer uma delas,

o Estado brasileiro pós-30 pode formular uma política econômica e so-

cial que, apesar de as vezes ser contraditória e descontínua, apresenta

certas características bem definidas. Entre estas, a necessidade de im-

pulsionar uma política dirigida aos trabalhadores passa a ser uma exi-

gência, tanto para firmar a solução de compromisso coro as massas como

para montar uma estratégia de desenvolvimento econômico baseado na indús

tria e que requeria a definição de um horizonte de cálculo com os encar-

gos trabalhistas para as empr~sas capitalistas, até então deixados ao li

vre jogo do mercado.

(13) (Wef f ort , 198O) •

~ sob estas circunstâncias que deve ser vista a longa se

rie de intervenções do Estado Varguista no campo trabalhista: criação

dos sindicatos oficiais, implantação dos Institutos de Aposentadoria e

Previdência, legislação trabalhista, fixação do salário mínimo etc. A

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11. \

~estão habitacional também nao ficou livre desta crescente intervenção-Estado, que se deu em três níveis distintos: 1) a criação das Car-

te~ras prediais dos Institutos de Previdência em 1938~~~~----------------~~~~~~~~~------------)- represe!!

ta do o inicio da produção direta ou financiamento de unidades habitacio

nais por órgãos estatais, tendência reforçada em 1946 pela criação da

Fundação da Casa Popular (FCP) i 2) o decreto da Lei do Inquilinato ) em

1942 - congelando e controlando os aluguéis e dando início ~ regulament~

çao das condições de locação, até então deixadas ~ livre negociação en-

tre proprietários e inquilinos. 3) O Decreto-lei 58 de 1938,que regu-

lamentou os loteamentos populares, garantindo a aquisição de terrenos à

prestação.

Estas três medidas de intervenção se situam exata ,ente

numa política mais geral que procura oferecer ao Estado seus suportes

de legi timação. Corno afirma Weffort, "necessi·tados do apoio das raas sas

urbanas, os detentores do poder se veem obrigados a decidir, o jogo ~cs

interesses, pelas alternativas que se enquadram nas linhas de ne"-or re-

sistência ou de maior apoio popular!' (14) A habitação sempre represe"--

tou um grande ônus e um problema dos mais graves a ser resolvido pela

classe trabalhadora urbana. Visto consumir o aluguel da moradia uma pa~

cela considerável do salário (15) e assumir as características da habita

ção um alto significado simbólico (16).a formulação pelo Estado de um

(14) (Weffort, 1980).(15) Por volta de 1940, diversas pesquisas apontam corno sendo de aproxi-

madamente 20% do orçamento familiar o gasto mensal médio com alu-guel.

(16) Na época desenvolvia-se uma campanha de cunho ideológico que busca-va estigmatizar certas soluções habitacionais utilizadas em largaescala pelas classes populares urbanas como o cortiço e as casas c~letivas.

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~~==ã ce habitação - vinculado a casa uni-familiar - e sobretudo, o la~

~-- ~~ de projetos estatais de produção de moradias subsidiadas)tinham

~?:a aceitação pelas massas populares urbanas e procuravam mostrar um

Estado preocupado e atuante em relação 'às condições de vida da "popula-

çao enos favorecidall. Certamente o número de unidades produzidas pelos

guel uma parcela fixa de grande peso a ser dispendida mensalmente, -nao

IAPs e FCP foi irrisório frente às necessidades h ab ít.ac í.one.í.s , mas o im-

portante era mostrar que se fazia algo neste setor, que o Estado assumia

seu compromisso de "propiciar melhor alojamento às forças vivás do tra-

balholl. Além disto, a prática de distribuição das casas assim p~oduzidas,

baseada num novo tipo de clientelismo, mostrava-se de grande utilidade à

criação do suporte político ao regime.

Já o decreto da Lei do Inquilinato em 1942, instituindo

o controle estatal dos aluguéis constituiu medida de maior alcance e

que provocou maiores consequências na produção, distribuição e consumo

de moradias populares. O congela~ento dos aluguéis inclui-se entre aqu~

Ias medidas aplicadas pelo Estado populista nas quais fica difícil saber

se correspondem a uma política deliberada ou se é meramente uma decisão

útil para ampliar as bases do poder.

No início da década de 40 a grande maioria dos trabalha

dores e da classe média ainda ocupava casas de aluguel &(17) Sendo o alu

nos parece necessário mostrar o forte impacto que o congelamento dos alu.

guéis provocou entre as massas urbanas, sobretudo se levarmos em conta

(17) Segundo o censo de 1940 apenas 25% dos domicílios de são Paulo eramocupados por proprietários. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1940).

Page 13: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

13

~e os índices do custo de vida e da inflação vinham subindo de forma

i~~sitada desde 1938. A lei teve portanto ampla aceitação, servindo

Fle~a;..ente como forma de ampliar as bases de sustentação do regime. No

entanto, é preciso ter certo cuidado ao abordar esta questão pois o go-

verno sempre procurou supervalorizar o aspecto de "defesa da economia

popular" da lei, quando, parece-nos, ele tinha em mente um objetivo

mais estrutural. Assim, um mês e meio antes do decreto da dita lei "pr~

cessou-se nesta capital (Rio de Janeiro), pela primeira vez, um protes-

to organizado contra o aumento abusivo e injustificado dos aluguéis dos

cômodos; a reunião despertou enorme interesse e curiosidade e mimeo-.

grafou-se um boletim distribuído de porta em portal! o (18) Embora sejam

escassas as informações de que dispomos sobre este movimento, dadas as

características do período ditatorial, que atingia em 1942 o apogeu do

seu aparato repressivo e da censura prévia à imprensa, não nos parece

crível que tal manifestação pudesse se dar sem contar com o apoio tác!

to do governo ou mesmo sem ter sido impulsionada e promovida por gente

vinculada ao regime, visando criar um clima político propício da Lei do

Inquilinato. Esta, aparecia assim como uma resposta a um anseio popular

expresso e generalizado, reforçando, como desejava o governo, o caráter

de "defesa da economia popular" da lei.

Estas considerações se fazem necessárias visto conside-

rarmos que, embora o congelamento dos aluguéis fosse uma medida simpát~

ca às classes populares urbanas~ o governo usou-o como um instrumento

de política econômica.

(18) (Folha de são Paulo, 03/07/1942).

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, . 14

A análise do aumento do custo de vida entre 1937 e 1942,

se~a~ado para os diversos itens da cesta de consumo. mostra que o custo

êe ~abitação foi o que menos encareceu no período, se situando abaixo

co a-mento médio do custo de vida e muito abaixo do aumento do custo da

alimentação. (19) Assim, parece exagerado se falar em "abusivos aurnen-

tos de aluguéisll, sem se referir ao aumento de todos os produtos de con

sumo popular, de resto muito mais acentuado. Parece que se buscava atri

buir à habitação um peso muito maior do que realmente ela tinha no enca

recimento geral do custo de vida, para justificar uma medida drástica de

controle dos aluguéis.

A análise mais geral do processo de desenvolvimento eco-

nômico no Brasil neste período nos revela outros aspectos significativos

para a explicação da política oficial de locação que praticamente mante-

Como se sabe, busca-se neste período impulsionar um pro-

ve o congelamento dos valores nominais dos aluguéis entre 1942 e 1964.

cesso de industrialização que não conta com uma base de acumulação pré-

via nem com disponibilidade de capitais externos. Seria portanto necessa

rio mobilizar capitais internos, canalizando para a empresa industrial

recursos que normalmente se inclinariam para outros setores da economia.

(19) Segundo a Subdivisão de Documenta2ão Social e Estatísticas Hunici-pais da Prefeitura Municipal de Sao Paulo, o aumento dos gastos fa-miliares por itens da cesta de consumo foi~seguinte para o períodode 1939 a 1943: alimentação 46,4%; habitacão 3,6%; total dos itens45,6%. Para a Associação Corr.ercialde são'paulo, os mesmos índicespara os anos de 1935 e 1943 foram alimentação 89,4%; habitação 26,6%;geral 58,4%. Em toàas as fontes pesquisadas, apesar de haver algumadiscrepância entre os nú~eros, sempre o aumento do custo da habitação foi menor que os àe~ais. -

Page 15: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

15

este objetivo o governo tomou uma série de medidas de controle admi

~is_rativo que substituem os mecanismosde mercado, visando fazer a eco-

..~ía =uncionar de forma não automática. A Lei do Inquilinato foi fixa-/ca, pelo menos complementarmente, com este carater. O congelamento dos

aluguéis em 1942 e suas sucessivas renovações, que faziam cair as novas

construções nas mesmas condições das demais, criaram uma situação abs~

1utamente desfavorável ao investimento em moradias de aluguel, forçan-

do, ao contrário, a venda das casas então a1ugadas, como forma de reaver

o capital investido e desvalorizado por aluguéis desatua1izados. Como vi

mos, a construção de casas de aluguel tinha sido até então um setor bas-

tante importante de investimento, que atraia poupanças de diferentes di

mensoes. Com o congelamento dos aluguéis, o investimento neste setor

deixa de ser interessante, liberando recursos para a aplicação na indús-

tria, inclusive através da subcriação de ações.

O congelamento dos aluguéis também se situa entre as me-

didas que visam reduzir o custo de reprodução da força de trabalho para

elevar o patamar de acumulação da empresa capitalista ,uma dcts estraté-

gias utilizadas para intensificar o processo de crescimento industrial.

A Lei do Inquilinato servia portanto excepcionalmente ao modelo de de-

senvo1vimento econômico que se procurava impulsionar, tanto por canali-

zar recursos ao setor industrial corno por contribuir para a redução do

valor da força de trabalho e dos salários.

ções nas grandes cidades brasileiras que ademais recebiam um intensoJ }

Consequentemente, o abandonQ da iniciativa privada da

construção de casas de aluguel para a população de baixos rendimentos

não podia deixar de aumentar de forma dramática a carência de habita-

fluxo migratório provocado pelas novas condições econômicas que passa-

Page 16: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

• >

16

-:- a reger nossa sociedade. (20)

Certamente, a estabilização dos valores locativos pode

te= eneficiado o setor da população que já se encontrava alojada. Es-

te benefício, entretanto, é relativo: de um lado, os incrementos sala-

riais, quando ocorrem, baseiam seus cálculos, no que se refere ao custo

da habitação, nos valores dos aluguéis congelados, o que significa que

os já alojados somente não foram tão prejudicados como os demais; por

outro, os proprietários vão utilizar todos os expedientes possíveis pa-

ra elevar os rendimentos de suas casas de aluguel - desde a cobrança

"por fora" de taxas adicionais até a venda da casa.

A efetivação da maior parte destes expedientes passara

pelo despejo ou pela ameaça de despejo dos inquilinos, que se consti-

tuiu no grande problema que afligiu- e mobilizou - uma boa parte da po-

pulação dos grandes centros urbanos já alojada em moradias de aluguel.

Este problema se acentua nos anos do pós-guerra, quando se tornou qua-

se imposslvel encontrar uma moradia por aluguel compatível com o salá-

rio percebido pela população de baixos rendimentos, gerando movimentos

esparsos e localizados contra os despejos, além de tentativas de organ!

zar um movimento mais geral pela suspensão por prazo determinado de to

dos os despejos no país - questões que detalharemos mais adiante.

(20) A população paulistana passou de 1.300.000 habitantes em 1940 para2.200.000 em 1950. O fluxo migratório se acentua admiravelmente nosanos críticos da crise de habitação, 1945 e 1946. Seglli!dodados fornecidos pelo Serviço de Raci~n~~ento do Açúcar, durante estes doisanos entraram na cidade de Sao Paulo exatamente 197.678 pessoas.(Correio Paulistano, 05/11/1947).

Page 17: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

17

Se para a população que já ocupava uma moradia o despe-

significava a ameaça de ficar sem ter para onde ir, aos novos contin

ge~tes de trabalhadores que ~hegavam em grande número a são Paulo, a

q estão já se colocava de pronto: onde morar? A quase paralização ou a

dininuição da construção de moradias de baixo aluguel pela iniciativa

privada - provocada tanto pela insegurança causada pela Lei do Inquil~

nato, como pela dificuldade de obtenção de alguns materiais de constru-

çao durante a guerra e pelo surgimento de novos negócios imobiliários

que apresentavam maiores atrativos para os empreendendores privados, c~

mo por exemplo) a incorporação de edifícios para escritórios e habitação

das classes média e alta--deixava aqueles que chegavam à metrópole e

os que eram despejados sem alternativa de moradia.

Consequentemente iremos assistir,a partir da década de

40lao surgimento ou aodesenvolvimento em larga escala de novas soluções

habitacionais que até então ou eram inexistentes ou ainda não eram muito

difundidas em são Paulo: a favela e a casa própria autoconstruída em

loteamentos periféricos desprovidos de qualquer melhoria urbana. Ambas

as soluções se caracterizavam pela inexistência de investimento privado

ou público na construção da moradia, ou seja, pela transferência dos en

cargos da confecção das casas de empreendedores especializados para o

próprio morador. ~ este o momernto, portanto, em que a iniciativa priva-

da deixa de ter uma presença significativa na produção de habitação po-

pular, se configurando o quadro habitacional que se manterá por quase

quatro décadas.

As primeiras favelas de são Paulo aparecem, somente no

início da década de 40. Se for~an em terrenos pÚblicos localizados em

áreas bastante próximas ao centro, onde famílias recém-chegadas a são

Page 18: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

18,,

Pa 10 ou que tivessem sido despejadas constroem casas precárias. Algumas

vezes, durante o período mais agudo da crise de habitação, no pós-guer-

ra, a própria prefeitura construiu barracões edificados em série para

sere ocupados pelos "sem teto", numa política de angariar prestígio p~

pular - e evitar explosões sociais - às vésperas das eleições. De qual-

quer forma, o fenômeno do enfavelarnento não logrou se desenvolver em

larga escala em são Paulo antes da década de 70, ficando até então res-

trito a algumas pequenas áreas da cidade e agregando urna população nao

muito numerosa.

A solução habitacional que veio atender a grande dema~

da existente foi, indubitavelmente, a construção da casa pelo próprio

morador em lotes periféricos comprados a prestações e carentes de todo

e qualquer serviço. Esta solução, embora sempre tenha existido em são

Paulo, nunca atingiu maiores proporções até meados da década de 30. A

partir da Primeira Guerra urna parcela considerável da área externa da ci

dade foi arruada e colocada à venda em prestações. Apesar disto, a maior

parte destes loteamentos ficaram durante muitos anos quase desocupados,

corno se houvesse urna resistência da população em se submeter às condições

de moradia existentes naqueles rincões da cidade. Estes se caracteriza-

vam por urna enorme carência de transportes posto que o bonde, único

meio de transporte coletivo existente até meados da década de 20 e mes

teamentos; pela inexistência de qualquer equipamento urbano, não haven-

mo o ônibus a partir de então, não atingiam a maior parte destes 10-

do a menor possibilidade de, a curto prazo, esses equipamentos serem ins

talados dada a sua desocupação e o grande crescimento da área arruada

de são Paulo e, finalmente, por urna grande dificuldade de construir.

nas, efetivamente, o motivo mais forte que desestimulava o morador de

Page 19: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

19

sã _aulo a ingressar no longo e penoso processo de construção de suas

~oradias nestes loteamentos periféricos é que,' até fins da década de 30,

podia-se ainda alugar uma moradia situada em zonas não muito afastadas

e servidas por algum equipamento urbano por um preço passível de ser p~

go pela população de baixa renda.

A crise de habitação que atingiu são Paulo durante a

década de 40, provocada tanto pela diminuição da oferta como pelo gran-

A precariedade urbana e a falta de equipamentos ce i~-

de crescimento da demanda consequente do intenso processo migratório)s~

ra a grande mola propulsora do crescimento acelerado destes loteamentos.

Enfim, foi a falta de qualquer outra solução habitacional que levou boa

parte da população paulistana a "optar" por esta forma de morar baseada

no trinômio loteamento periférico - casa própria - autoconstr ção, ~ue

redundava numa série de sacriflcios e carências a seus habitantes.

fra-estrutura e transporte foram os principais móveis que levaram os ~~

radores destes loteamentos a se mobilizar e desenvolver uma série de

ações reivíndicatórias que visaram forçar o Estado a suprir as carências

urbanas existentes. Os primeiros sinais destas lutas aparecem em são Pa~

10 no pós-guerra tanto por ter sido este um período de mobilização popu-

lar onde o PCB) na legalidade cumpriu um papel importante, como porI

ser exatamente neste momento que estes loteamentos passaram a receber

uma ocupação substancial, agravando os problemas existentes e criando

condições mais adequadas para o surgimento de organizações e movimentos

de base territorial.

Page 20: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

20

SE1·~-TETONA LUTA CONTRA OS DESPEJOS

-"Os despejos unem os paulistanos. As açoes de despejo

~e= a população da Paulicéia. Diariamente sobe e desce as escadarias

porque as favelas não existem só na v~rzea do Penteado, até o prédi

do _alácio da Justiça uma multidão de velhos, moços, homens e mulhe-

res que ali vao com as notificações em punho; nos lábios a pergunta

inquieta: 'onde morar?'; na frente dos olhos um futuro sombrio. ~ que

diariamente, são requeri das ações de despejo pelas mais diferentes

alegações desmoralizadas: 'Quero o prédio para meu uso'; 'Para uso da

minha família'; 'Para construir uma obra de vulto'. -Desta maneira sao

postos abaixo (quando o são) desde a 'favelinha' da rua da Assembléia,

de apartamentos da Praça da República. A população está es o CO~~2~a-

da a morar na rua". (21)

O problema dos de$pejos se constituiu/no pos-g·e~~a/~G

mais importante e angustiante problema habi tacional surgido nos b aí.z r. s

tradicionais e consolidados de são Paulo. O significado real desta q es

tão é mais amplo do que à primeira vista poderia parecer: representa o

processo concreto de expulsão da população de baixa renda das mora-

dias de aluguel produzidas comercialmente por empreendedores privados

em áreas urbanas relativamente bem equipadas e situadas próximas aos 10

cais de emprego. Se tivermos em conta que a grande transformação que

ocorreu na produção e distribuição de moradias populares em são Paulo

no momento de formação da me t.r ópo Le industrial foi o gradati vo abandono

(21) (Correio Paulistano, 28/07/1946).

Page 21: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

21

?=:a ~ _~ciativa privada do mercado habitacional de baixa renda e a conso

:~~aça do padrão periférico de crescimento urbano, onde o próprio mora-

- ~ =oàuz sua casa, o processo dos despejos foi um dos móveis concretos

a~ra·és dos quais esta transformaçao se deu.

~ bastante difícil estimar o total de famílias despej~

das durante o período mais aguda de crise de habitação, ou seja entre

1945 e 1948. Em 1945 foram assinadas pelos juízes 2.614 ações de despe-

jo, número que subiu a 5.121 em 1946 (22) e que atingiu somente em ja-

neiro de 1947, 491 casos.(23) Estas são, no entanto, somente as ações

de despejo que chegaram a julgamento pois um número incalculável de ou-

tros despejos se efetivaram sem necessidade de passar por tribunal. Ade

mais, uma única ação significava muitas vezes o despejo de dezenas de fa

mílias como acontecia no caso, aliás bastante frequente, de ações de

despejo· contra cortiços e casas coletivas. Assim, tomando somente os da

dos oficiais relativos aos anos de 1945 e 1946 e considerando, num cál

culo otimista, que cada açao de despejo atingia urna média de duas famí-

lias, teríamos para estes dois anos mais de 15.000 famílias despejadas,

ou seja, aproximadamente 75.000 pessoas. Este total corresponderia a

mais de 4% da população de são Paulo destes anos. Tendo em vista que a

crise de habitação se estendeu pelo menos até 1948 € que o número real

de despejos ultrapassa a estatística jurídica, pode-se afirmar que os

despejos atingiram na epoca entre 10 e 15% dos paulistanos, o que nos dá

uma idéia da extensão do fenômeno.

(22) (Correio Paulistano, 28/07/l946).(23) (Correio Paulistano, 02/02/1947).

Page 22: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

22.,,

Para compreender porque os despejos atingiram tamanha

~-~e~sã e preciso rever os mecanismos que regiam o mercado de casas de

a_~~~e_ no período em estudo, destacando o papel desempenhado pela Lei

d =~_ctlinato.

Como vimos, o decreto-lei de 1942, sobre o inquilinato,

congelou por dois anos todos os valores locativos, fazendo ainda retroce

dera~ preços de 31/12/41 todos os aluguéis que tivessem sido elevados a

partir daquela data. Assim, os proprietários de moradias de aluguel pass~

ram a ter rendimentos declinantes, visto a inflação e o custo de vida

crescerem acentuadamente no período. Frente 'a impossiblidade de aumenta~

rem legalmente os aluguéis, os proprietários começaram a montar diversas

estratégias para fazer seus rendimentos de alguma forma crescerem. Es-

tas passavam quase sempre pela expulsão dos antigos moradores. Inicial-

mente os expedientes utilizados são ainda grosseiros e à medida que os

anos passam-o congelamento foi renovado por decreto em 1944, 1945 e

1946 - foram se aprimorando e se refinando. Assi~ logo no início de

1943 lia SuperintendênCia de Segurança Pública e Social tem tido notícia

de numerosos casos de arbitrariedades praticadqs por senhorios, com

o propósito de compelir inquilinos a mudar-se 'espontaneamente' sempre

que não encontram amparo na lei para proceder ao d~spejo legal. O des-

telhamento das casas, a danificação dos fogões e dos canos das instala-

ções de água e esgotos constituem as principais violências que vêm sen-

do postas em práticas por proprietáriosll& (241 O objetivo dos senhorios

é claro: visto não poderem elevar os aluguéis,o jeito é impingir os in-

(24) (Correio Paulistano, 29/01/1943).

Page 23: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

23

,,.'

quili~os a se retirar para, numa nova locação, elevar os valores loca-

t~··s. Estando os aluguéis antigos congelados e tendo as novas constru-

ç es se reduzido substancialmente enquanto a demanda cresceu, o proprie-

tário q e tivesse sua casa desocupada poderia alugá-Ia a um preço bas-\.

tante superior ao valor congelado. Além disto, frente a falta de moradia

q~e gradativamente vai se agravando, os locatários passam a só alugar

suas moradias mediante o pagamento antecipado de urna quantia fixa, a t!

tulo de luvas. Assim, despejar o inquilino antigo passa a ser um exce-

lente negócio. Os casos de despejos legalmente permitidos, no entanto,

são bastante restritos, limitando-se aos proprietários que provassem t~

rem necessidade da casa para moradia própria ou de ascendente e de des-

cendentei aos inquilinos que deixassem de pagar os aluguéis e aos pro-

prietários que fossem demolir a edificação para construir outra de

maior dimensão. ~ porísso que nos primeiros tempos de vigência da lei os

proprietários passaram a agir de forma a compelir os inquilinos a "vo-

luntariamente" deixarem suas casas. O governo, frente a estas arbitrarie

dades, age dentro de sua postura de se equilibrar entre interesses opo§

tos. Assim, segundo determinações do Superintendente da Segurança Públi-

ca e Social "os senhorios que destelharem ou depredarem os seus prédios

para forçarem a mudança dos inquilinos serão detidos e obrigados à res-

tauração" se reafirmando que "não assiste ao locador ou sub-Iocador o

direito de interromper o fornecimento da luz, gás ou água aos prédios ou

cômodos .•. ; em tais casos a Secção de Ordem Econômica compelirá os se-

nhorios a restabelecer aqueles fornecí.rnon+o s ", (25) O governo procuravaI

{25} "Penso que somente em 30% das ações de despejo haverá sinceridade.O restante não passa de ardil para elevação do aluguel" - segundoparecer do advogado Nelson Pannoin. (Correio Paulistano, 02/02/1947) •

Page 24: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

24

desta forma1se mostrar simpático aos problemas populares, dentro de uma

política mais geral de se legitimar mediante o apoio das massas popula-

res urbanas. Por outro lado, deixava bem delimitado qual era o campo

possível de ação para os proprietários r ou seja, o despejo legal.

o car~ter mais importante de atitudes governamentais-como estas, que sao abundantemente divulgadas pela imprensa, é o de ir

.l€ocriando uma consciência nos inquilinosYque havia amparo legal para rea-

girem frente às arbitrariedades dos proprietários. Esta consciência é da

maior importância posto que interpõe o Estado e seu aparelho legal e re-

pressivo como intermediário entre os proprietários e inquilinos, refor-

çando a idéia que o regime procurava incutir de que o Estado e o gover-

no era o "que rda-rch uv a " protetor dos trabalhadores. Assim, por exemplo,

quando os proprietários tentavam elevar os aluguéis ou impingir a deso

cupação do imóvel por qualquer meio ilegal bastava o inquilino denunciar

o proprietário na Delegacia de Ordem Econômica para que a polícia obri-

gasse o locador a restituir as condições anteriores de locação, enqua-

drando ainda o proprietário em crime contra a economia popular.

Longe estava, porem, o Estado de garantir uma situa-

ção tranquila aos inquilinos. Muito pelo contrário, o que este fazia

era delimitar claramente o terreno dentro do qual o conflito entre in-

quilinos e proprietários se daria: o campo das artimanhas e brechas j~

diciais. Frente a uma resistência "legal" da população contra as burlas

da Lei do Inquilinato, vai se desenvolvendo gradativamente uma série de

expedientes jurídicos para possibilitar o despejo legal. Embora os ca-

sos de despejo previstos na lei fossem limitados/foi possível encon-

trar inúmeras "brechas" na legislação que permitiu aos juízes mais fa-

voráveis aos proprietários despacharem ordem de despejo. Aliás, as diver

Page 25: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

, , 25

~as leis do inquilinato sempre deixaram abertas as portas que acabam

possibilitando o despejo. Os proprietários que contassem com recursos

para levar adiante um processo judicial podiam, caso não encontrassem urna

forte resistência dos inquilinos, conseguir o despejo legal, utilizan

do-se de advogados especializados neste tipo de açao e que usavam, via

de regra, argumentos falsos.(26) Foi, então, sobretudo pela via legal

que a maior parte dosdespejosse deu.

Estes passam a crescer a medida que os anos passam e~o congelamento dos aluguéis permanece, tornando a situação mais incomoda

para os proprietários. Um fator importante a ser considerado para a com-

preensão da situação e que durante o período da guerra o preço dos imó-

veis se valorizavam significativamente, sobretudo na área central da

cidade. Esta valorização se explica por motivos de ordem geral, posto

que os elevados índices de inflação provocam urna corrida aos imóveis

e por razões locais, visto são Paulo passar na época por urna radical ci-

rurgia urbana. Durante o Estado Novo (1937/45) o prefeito Prestes Maia

implanta na zona central e adjacências o chamado Plano de Avenidas,

abrindo ou alargando dezenas de novas vias que visavam ampliar o centro

de negócios e revitalizar zonas que, embora fossem centrais, eram con-

sideradas deterioradas (leia-se habitadas pela população d~ baixa ren

da). As transformações viárias, as demolições e consequentemente as mo-

dificações imobiliárias provocam urna acentuada elevação nos preços dos

terrenos nas áreas da cidade atingidas pela "cirurgia urbana" e

acompanhada por um intenso processo de verticalização.

(26) A cobrança de luvas era ilegal e podia levar o senhorio à prisão.No entanto, esta prática foi utilizada com grande frequência nas n~vas locações, muitas vezes disfarçadas corno "venda de móveis queguarnecem a moradia". A impunidade desta prática ilegal era tananhaque os proprietários chegavam a incluir essa exigência nos anúnciosde jornal.

Page 26: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

26•

Percebe-se que dois fenômenos estavam ocorrendo si-

, ltaneamente: de um lado o valor real dos terrenos ou imóveis se ele-

vava ; de outro o valor locativo (real) dos prédios alugados se redu-

ziam. Esta disparidade imensa entre o valor real do imóvel e seu alu-

guel foi a causa principal que levou os proprietários a procurar se des

vencilhar dos antigos inquilinos através do despejo e muitas vezes da

própria demolição da construção antiga.

Assim; a questão do despejo se colocou no centro dos

conflitos entre os proprietários e os inquilinos. Para os proprietários

despejar significava trazer o rendimento do imóvel ao nível do seu va-'

lor real, seja vendendo-o para moradia de um terceiro ou para a renov~

ção do prédio, seja realugando-o por um preço várias vezes superior ao

valor antigo, se beneficiando ainda do recebimento das "luvas", disfar-

çada sob diferentes formas.

Para os inquilinos o despejo era o martírio: "nada

mais de 86 pessoas foram postas na rua, sem mais aquela, não tendo pos-

"Me diga para onde a gente vai? •. Se o Sr. me arranjar um lugar para

sibilidade de màneira alguma de arranj ar um teto para se abrigar" ..(27)

morar eu mudo". (28) Pois se eles não tem para onde ir como poderão

desocupar o prédio em que moram? (29) O despejo equivale a ~ma sentença

(27) Notícia referente ao despejo de um cortiço na rua Barão de Piraci-caba. (Correio Paulistano) 14/07/1946) .

(28) Resposta do Sr. Francisco sá - um dos inúmeros inquilinos de um imóvel na Praça da RepÚblica que sofria ação de despejo - ao propriet~rio, como sua argumentação para resistir ao despejo. (Correio Pau-listano) 28/07/1946).

(29) (Correio Paulistano, 31/07/1946).

Page 27: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

27. ,

-e - ~e contra dezenas de inocentes. (30) A quem deve recorrer o infe-z que fica sem teto? •. Não há casas. Não há quartos (31) .•. algu-

as dezenas de inquilinos do prédio da Rua Fortaleza 160 veem-se na

contingência de serem postos hoje ou amanhã na rua sem ter para onde

ir (32) ... o procurador Sr. Mesquita enviou uma circular aos seus 100

locatários, avisando-os de que, como o prédio vai ser vendido,digam um

verso bem bonito, façam adeus e vao se embora. Todas as famílias estão

aterrorizadas. Para onde ir numa hora como esta"? (33)

o quadro configurado era de um conflito latente: pro-

prietários querendo despejar de qualquer maneira os inquilinos e estes

se vendo na contingênciade, se despejados, não conseguirem encontrar

qualquer moradia do mesmo padrão por um aluguel compatível com seus sa-

lários. Será em função desta circunstância que a luta contra os despejos

passa a desempenhar um papel da maior importância: será o movimento con-

ereto que a população empreenderá pelo direito à habitação, entendida

esta como uma moradia pronta e ligada aos equipamentos urbanos básicos,

como eram boa parte das habitações populares até este período. Frente à

falta de habitações de aluguel adequadas, as alternativas que restavam

aos inquilinos despejados eram encontrar uma moradia de aluguel em con-

dições habitacionais bem mais precárias que a casa anterior a um preço

mais elevado, se instalar numa das favelas nascentes ou comprar um lote

de periferia sem qualquer infra-estrutura urbana e carente de transpor-

te e ingressar no longo processo de construção da casa. Resistir ao des

pejo era portanto resistir a estas soluções habitacionais que a partir

(30) petição de um advogado que clama pela permanência dos inquilinosde um cortiço situado à rua Fortaleza ameaçados de despejo. (Co~reio Paulistano, 20/08/1946).

(31) (Correio Paulistano, 23/08/1946).(32) (Correio Paulistano, 27/08/1946).(33) (Correio Paulistano, 20/12/1946).

Page 28: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

"28

~e e~~a - e até hoje - passaram a se constituir nas soluções mais uti-

~~=a~as pela população de baixa renda para se abrigar. Esta é a dimensão

CD -~.~~ento contra os despejos, visto que quando se argumentava que

"::ão ha ia casas" "não se tinha para onde ir" "vamos ficar na rua" etc,

o padrão de moradia que está presente é o da casa pronta; na verdade, -existia uma enorme quantidade de lotes a venda na periferia de Sao

Paulo e-a prestações compatíveis com os salários da grande maioria da

população de baixa renda.

Mas vejamos como este movimento se expressa. A resis-

tência contra os despejos tomou basicamente duas formas: uma mais ge- -

ral, que reivindicava a mudança da Lei do Inquilinato de forma a suspe~

der toda e qualquer ação de despejo por um prazo determinado e outra

particularizada em centenas de resistências isoladas, onde inquilinos ou

grupos de inquilinos procuravam se organizar para fugir ao seu próprio

despejo. Apesar das características dos movimentos que estas duas formas

de resistências geraram serem basioamente diferentes, elas aparecem mu!

tas vezes juntas, visto a segunda se constituir no argumento concreto

.que justifica a necessidade de efetivação da primeira.

Desde que os despejos passaram a se intensificar, °que coincide com ° momento mais agudo de falta de moradia (aliás,os

dois fenômenos são manifestações de um mesmo problema) vão crescendo as

resistências individuais de inquilinos ou de grupos de inquilinos con-

tra seu despejo. Esta resistência se dá principalmente sob a via jurí-

dica, pois este era o campo delimitado onde a disputa ocorria. No en-

tanto, o apelo dos inquilinos contra o despejo, procurando mobilizar

a opinião pÚblica através da imprensa e de manifestações de rualvisa-

ram criar um clima emocional capaz de pressionar o juíz a não assinar a

Page 29: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

29

~~~e= ce despejo ou então a adiá-Ia por um prazo maior de tempo. Ten--Q e- dsta que a grande maioria dos argumentos utilizados nas açoes

=~Ciciais de despejo são falsasloS juízes podiam ou não ser mais ri-

g ~ sos na exigência de comprovaçao das alegações expressas pelos pro-

p~ietários. Através de denúncias da situação real do imóvel, do pro-

prietário ou mesmo da mera alegação do grave problema social que o des-

legalmente a ordem de despejo ou que este se constituiria num ataque ao

pejo causaria, os inquilinos procuravam mostrar que não se justificava

(cortiços ou prédios de apartamentos) constituiam comissões de morado

direito social de habitação. Grupos de inquilinos de um mesmo imóvel

res que procurava a imprensa, deputados ou os Comitês Democráticos e

Populares pedindo apoio e divulgação para seu problema específico. Por

vezes os inquilinos chegavam a promover movimentos mais ruidosos, como

por exemplo, o grande movimento contra o despejo de 110 famílias do

Edifício Carmine Sérgio quando os moradores realizaram passeatas e

concentrações em gabinetes governamentais.

Em geral, o movimento que os inquilinos moveram tem

como alvo o Estado, refletindo a nova posição assumida por este no que~se refere a questão da habitação. Ora, se o governo está legislando e

regulando as regras que regem a locação, fica claro aos moradores que

é a ele que os problemas habitacionais devem ser dirigidos, isto e, se

tro, proteger os mais fracos e garantir uma solução adequada ao pro-

configura uma situação política onde cabe ao Estado, agindo como árbi-

blema. "O caso é que existe na Paulicéia do Largo da Pólvora um edifí-

cio denominado Jaú, habitado por 75 famílias cujos representantes for

maram urna comissão e formularam uma queixa ... (os proprietários) re-

solveram abandonar o negócio ... vão vender o prédio pelo sistema de

condomínio ... Um balanço cuidadoso dos queixosos levou-os a verificar

Page 30: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

30

enor:nes I adquirir os apartamentos em que residem ... As demais que se

q"e talvez umas dez famílias no máximo possam, mediante sacrifícios

. iuder e venham engrossar a legião dos sem-abrigo paulistana Os

oradores alegam que os poderes pUblicos bem poderiam intervir neste,

como em tantos outros casos idênticos de tubaronismo legítimo e que

concorrem predominantemente, para aumentar as aflições do nosso po-

a

Esta posição de apontarVobrigação estatal de suprir

vo , (34)

as necessidades habitacionais é reforçada pela postura assumida pelo

Partido Comunista do Brasil, que dirigia boa parte dos movimentos po~

pulares na epoca e pelos Comitês Democráticos e Populares (CDPs)

seus organismos de massas.

Os comunistas procuravam canalizar a organização e

mobilização da população para os canais institucionais que eles passa-

ram a priorizar, ou seja, o legislativo e o executivo. Assim, a práti

ca levada adiante pelo PC de dirigir os problemas ao Estado conseguiu

deixar marcas bastante profundas nas organizações de base local. Se du

rante o perIodo populista é lançada a tese de que o Estado é o respon-

sável pela resolução do problema da habitação e das condições urbanas

de existência, o papel desempenhado pelos CDPs e pelo PC é bastante i~

portante para isto. O PC, até mesmo porque tem como objetivo tomar nas

mãos o aparelho de Estado e fortalecê-Io, ao contrário dos anarquistas,

procurara fazer,do Estado o interlocutor válido ao qual a população

deve se dirigir para melhorar as condições de habitação. Assim agin-

do o PC, ao mesmo tempo que joga a responsabilidade da crise sobre o go-

verno, legitima e fortalece o Estado. "Proporcionar meios para que o po-

vo habite de forma decente e agradável - afirma o diário comunista, HO-(34) (Correio P;:l.Uljst.ano ,14/12/1946).(35) (Hoje l8/10/l945).

Page 31: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

31...

~ - é ~~ dos grandes problemas do governo. Se é fora de dúvida que

a ~=~~cipal obrigação de um governo é zelar pelo bem-estar pÚbico, -nao

~ã ~ =0 negar sua responsabilidade pelas condições verdadeiramente ca-

:~itosas em que habita a imensa maioria da população do Brasil •.. ~

c aro que dentro do regime do liberalismo econômico em que vivemos até

dos problemas. Dentro do laissez- passer et laissez-faire cada um que

há alguns anos atrás o Estado não devia nem podia intervir na solução

se arrumasse como pudesse. Isto, porem, e coisa que passou, absolutamen

te nao se compreende1nesta epoca em que o socialismo ganha terreno dia,

a dia, que se abandone a sua própria sorte quase a população inteira

de um país como se faz no Brasil".(35)

Assim situando a questão e tendo uma grande penetraçãe

nos bairros populares, os comunistas e os CDPs não puderam ficar

alheios ao problema do despejo - tamanha a gravidade que este assumia.

Sua atuação nestes casos se dá inicialmente muito mais porque a popul~

ção busca os Comitês, levando o problema e procurando se organizar p~

ra enfrentar a questão específica, do que pelo estabelecimento de uma

política destas entidades no sentido de criar uma forte mobilização

popular para resistir aos despejos. Um caso concreto de atuação de um

CDP numa ação de despejo se deu na Lapa, em outubro de 1945. Morado-

res de uma vila que vinham sofrendo uma série de arbi trariedades por pa~

te do senhorio, que finalmente queria despejá-los, procuraram o Comitê

Democrático e Popular da Lapa para organizar a resistência ao despejo.

Este colocou a disposição dos inquilinos seu departamentp jurídico e

encaminhou a questão do ponto de vista legal, mostrando que o proprie-

tário estava burlando a lei do inquilinato, além de dar ampla publicid~

(5) (Hoje 1 21/10/1945).

Page 32: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

.,. 32

ce ao caso através do HOJE, destacando a sua atuação. (36) Assim foipossí el sustar a ação, embora o risco de despejo continuasse) visto

o senhorio desejar de qualquer forma aumentar seus rendimentos com o

a_ guel. Este caso exemplifica bem a ação do comitê: ficou restrita ao

caso localizado e às questões legais, situando o problema como a açao

de um "senhorio -inescrupuloso que burlava a lei do inquilinato" e nao

se preocupando com a possibilidade de mobilizar amplas parcelas da po-

dimensão política ultrapassaya, em muito, os aspectos jurídicos. Naqu~

le momento, os CDPs estavam envolvidos na campanha pela convocação da

pulação em torno de uma questão que atingia todos os inquilinos e cuja

Assembléia Nacional Constituinte, prioritária para o PCB, e não po-

diam se desviar para empreender uma campanha ampla pela suspensão do

despejo. O caso dos despejos, assim como de qualquer questão urbana

trazida pela população era usada pelos Comitês para levar adiante a pr9

o secretário do Comitê entregou-lhes um boletim que o organismo está

paganda pela Constituinte: "depois de ouvir os interessados queixosos,

distribuindo fartamente no bairro em defesa da Assembléia Nacional Cons

tituinte". (37) Assim, como em muitos outros exemplos a perspectiva

dos comunistas fica clara: remeter as questões concretas específicas as

suas palavras de ordem gerais.

~ bem verdade que,um dia depois do ocorrido na

Lapa,o HOJE dá um recado aos CDPs publicando um comentário "A Luta con

tra os despejos", onde mostra que o exemplo do CDP da Lapa deveria

ser seguido pelos demais "para "defender os interesses do povo". "O Co-

mitê Democrático Progressista da Lapa lavrou um tento neste assunto,

(36) (Hoje,21/10j1945).(37) (Hoje)21/l0j1945).

Page 33: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

33.,

.' .

c ~seg~: do sustar a ordem de despejo requerida por um senhorio gan~

cioso contra dez famílias residentes em uma vila daquele bairro. Seu

advogado conseguiu não só fazer sustar a ordem de despejo, mas deixou

claro que o senhorio estava incorrendo em penalidades legais, aumenta~

do,como havia feito,os aluguéis daquelas casas. Agindo desta forma o

CDP da Lapa deu exemplo concreto de como se deve defender os interes-

ses do povo, ao mesmo tempo em que forneceu uma experiência viva e

tarão contribuindo eficazmente senão para solucionar em definitivo es

instrutiva a todos os outros Comitês sobre como agir nestes casos.

Agindo e dando publicidade ao que fizerem neste terreno, os Comitês es

mais desprotegidos de cada bairro". (38) Fica claro que o PCB não se

te problema, ao menos para minorar seus efeitos sobre os moradores

dispõe a organizar neste momento um amplo movimento popular contra os

despejos, o que seria perfeitamente possível naquela conjuntura pois .a

disposição popular para se organizar e se manifestar era enorme, fato

que os inúmeros protestos urbanos "sem direção" contra as condições

de vida urbana atestam amplamente. (39) o exemplo que os comunistas

devem seguir é o de lutar em cada caso com os instrumentos legais exis

(38) Hoje, 22/10/1945.

(39) A imprensa burguesa se cansou de apontar a questão habitacional eparticularmente o problema dos despejos como altamente explosivos."O momento não é de se despejar ninguém. Se, porém, a lei for de-cretada dando este direito aos proprietários, mesmo com os pagamen

.tos em dia)podemos estar certos de que estão aí o dilúvio, a noitede são Bartolomeu ou os cavaleiros do Apocalipse. Sim, isto é cla-ro como água: desde que o inquilino não tenha plrá onde se mudar,sob a pressão desumana do despejo vem o desespero, a aflição, aloucura e aí ninguém sabe o que possa acarretar", (Correio paulistano, 04/08/1946).

Page 34: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

34..

~e~~es e nao dar a dimensão política da questão, pois a suspensao dos

es?ejos - única forma de atacar em cheio a questão - significava pr~

t~c~~ente a suspensão parcial do direito de propriedade para os imó-

"eis já locados. O problema que se levou era o de existir em "senhorio-ganancioso" como se tratasse de casos específicos. Faltou ao PCB ou

a compreensão do significado que os despejos como um todo expressavam,

ou seja, o processo de expulsão dos moradores de baixos rendimentos

das moradias bem localizadas que ocupavam 1 ou a disposição política p~

tratégia, as palavras de ordem e com os candidatos de a -~ica ccr-

ra compreendê-Ia frente a sua postura mais geral de "manter a ordem e

a tranquilidade". Faltou também aos CDPs a percepção de que levando

adiante questões que mobilizassem as massas populares urbanas poderia~,

se tornar representativos frente a população, criando uma base autô ..o

ma de organização a nível local nao identificada totalmente co;. a es-

rente de pensamento. (40)

A renovaçao da Lei do Inquilinato e~ as s~ ~e

1946 foi um dos momentos em que poderia ter sido garantida a s -s e~sã

dos despejos, caso fossem criadas as condições políticas para ta.to.

A maré dos despejos estava no auge: durante os primeiros seis meses e

meio de 1946 tinham sido assinados mais de 4.000 despejos em são Pau-

10,,(41) Depois de publicar o anteprojeto da nova lei, o Governo Du-

tra em 1946 "abriu-se para receber sugestões da população" ,oojeti~ (42)

(40) Os CDPs acabaram ficando tão atrelados ao PCB - quase se transfor-mando em simples comitês eleitorais dos seus candidatos - Que nRopuderam resistir quando o partido foi declarado ilegal, te~do sidodesbaratados pela repressao em 1947.

(41) (Correio Paulistano, 29/07/1946). Como pode-se notar, mais de 80%dos despejos de 1946 ocorreram nos primeiros sete meses do ano, oque s~ justifica pelo fato de que os proprietários temiam que a r~nova~ao da Lei do Inquilinato em agosto de 1946 decretasse a sus-pensao dos despejos.

(42) Diário Popular, 04/07/1946).

Page 35: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

35.\

~~a satisfação aos diversos setores sociais envolvidos na que~

~a . Consta que foram enviados quase mil sugestões de entidades de pr~

?=:etários ou de inquilinos, de associações profissionais, de sindica-

~os etc. Entre estas havia as mais variadas tendências - desde a re-

'ogação de qualquer controle dos aluguéis até a suspensão dos despejos.

O governo agia neste caso se abrindo a todo tipo de pressão para post~

riormente decidir autonomamente, em nome dos interesses de todos. As

sim, por um lado, canalizava e abarcava as diversas manifestações so-

bre a questão e, por outro, legislava de acordo com uma política mais

ou menos coerente. A iniciativa do jogo estava com o Estado e as massas

populares, embora tivessem peso na decisão -.elas tinham que ser leva-

das em conta pelas próprias características do regime - não se organi-

zaram de forma autônoma para influir na decisão que mais lhe interes

sassem. O resultado é que a lei 6.996 decretada a 30/08/46 aprofundou

as características dos decretos anteriores, assim como seus resulta-

dos. Foi concedido um insignificante aumento aos aluguéis que estives-

sem vigorando desde 1942, mas se congelou e mesmo se abriu condições

para a redução dos aluguéis livremente fixados a partir de então. Qua~

to aos despejos, estes foram facilitados. Embora estivéssemos no auge

do período de mobilizações populares, com a emergência de inúmeros pr~

testos contra as condições de vida nos centros urbanos, como já vimos,

não existe registro de nenhuma manifestação ou movimento popular amplo

que procurasse organizadamente pressionar o governo para, na renovaçao

da lei, proibir os despejos .. Significativamente o governo procurou le

gislar como se fazia durante o Estado Novo, isto e, através de decre-

to-lei, pois se a questão fosse levada ao Congresso (Assembléia Consti

tuinte) esta teria menor possibilidade de resistir a pressoes. No en-

tanto, também em relação a este aspecto, parece que se deu pouca iffipo~

Page 36: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

.~ 36

t~~cia: a única manifestação de estranheza pelo fato veio de um setor

~~ eral - a Sociedade Amigos da Cidade - que pediu que o projeto fosse

Gisc~tido e votado pelo legislativo (43). Esta ausência de manifesta-

çoes populares na renovação da legislação sobre o inquilinato mostra

q e as direções políticas que tinham alguma influência sobre as massas

urbanas não priorizaram a luta contra aspectos específicos das condj-

ções de. vida da população, não organizando movimentos autônomos amplos.-com este carater, embora não pudesse deixar de expressar, a nível 10-

cal, as reivindicações mais permanentes. Os CDPs sempre tiveram que

assumir as reivindicações loca~s mas jamais caminharam no sentido de

gerar movimentos de massa amplos que reunissem moradores de diversos

bairros para pressionar o governo a adotar uma medida que concretamen-

te pudesse melhorar suas condições de vida urbana. Neste sentido, é i~

portante ressaltar que os comitês tinham uma estrutura centralizada

- eram coordenados a nível municipal - e sempre que encaminharam uma

campanha prioritária para o PCB, por exemplo a convocação da Assembléia

Constituinte, agiram articuladamente, gerando movimentos amplos.

Sintomaticamente foram um deputado paulista do

Partido Social Progressista, PSP - Campos Vergal, o verdadeiro pal~

dino na luta contra os despejos - e a bancada trabalhista do Distrito

Federal, e nao a bancada comunista, que enCillillmharam,ainda em fins de

1946, um projeto de lei suspendendo os despejos e as demolições de pr~

dios residenciais por dois anos. Este projeto, que respondia aos an-

seios gerais dos inquilinos - recebeu apoio unânime de diversas Asso-

ciações de Inquilinos -)era medida complementar ao controle dos alu-

(43) (Anais da Câmara de Deputados, 1947, V.l e V.3).

Page 37: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

37••

~~é~s ca ~aior importância, pois fechava a válvula de escape dos pro-

~ e~ários. A iniciativa de impulsionar a medida acaba, assim, partin-

co legis1ativo, que tende a centralizar a discussão alimentado por

deze.as de memoriais, abaixo-assinados, pedidos etc. enviados aos de-

p tados por inquilinos ou por suas associações, marcando o surgimento

de um movimento mais geral pela suspensão dos despejos. Este foi a1ime~

tado por dois tipos de manifestações: uma que se utilizava da tática

que começava a se difundir amplamente de se organizar abaixo -assina-

dos e enviá-1os aos deputados favoráveis a medida para mostrar o qua~

to ela "beneficiaria o povo". Com a palavra o Sr. deputado Campos Ver-

gal: "Sr. presidente, não poderia eu trazer a quantidade enorme de ca~

tas, telegramas, abaixo-assinaqos e memoriais, muitos deles subscritos

por milhares de pessoas. Um deles, porém, com nome e endereços de qua-

se quatro mil pessoas já foi por mim encaminhado às mãos de V.Exa.

Sabendo perfeitamente que é uma angústia, uma dor ilimitada observar

famílias inteiras na iminência de serem despej adas, sem tererrlabso1utame~

te lugar onde possam abrigar-se, nestes dias em que o problema da hab~

tação se tornou insuperável ... o que viso cuidando inúmeras vezes deste

assunto, é alertar toda a casa da necessidade premente de se realizar

esta iniciativa (aprovar o projeto de lei suspendendo as ações de des-

pejo) porque sem dúvida a hora que atravessamos é bastante difícil e

precisamos acudir - repito: precisamos acudir - a centenas de milhares

de pessoas que não saem dessas casas e desses apartamentos,não porque

não desejam \ mas porque não tem para onde ir 1 absolutamente não tem pa-

ra onde ir" (44).

(44) (Hoje/ 08/04/1947).

Page 38: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

38•

o segundo tipo de manifestação buscou criar um

a=?_ "iDento de massa para sustar os despejos. Os comunistas, frente

ao g~a~ e crescimento da polêmica em torno da questão, finalmente em

abri~ de 1947 resolvem iniciar uma ampla mobi1ização popular em torno

do ~espejo. Com a palavra o HOJE: "Com o objetivo de defender os mora-

dores ameaçados de despejo, a célula Erasco Da11a Déa, pertencente ao

Co itê Distrita1 do Cambuci do PCB, decidiu em última reunião iniciar

um amplo movimento no sentido de que sejam evitados futuros despejos.

Como ponto de partida desse movimento efetuará dentro em breve ... um

grande comício popular. A célula E.D. Déa consta para que colaborem

para o êxito do comIcio contra os despejos todos os organismos popula-

res, comunistas ou não (45). No mesmo dia, o deputado comunista na As-

sembléia Legis1ativa Sanchez Segura pronuncia vigoroso discurso pedin-

do a suspensão dos despejos e a .construção pelo Estado de habitações

populares, mostrando que os comunistas resolveram finalmente assumir a

questão com a prioridade que ela merecia. Infelizmente já era tarde pois

pouco tempo depois o PC é colocado na ilegalidade e,na repressao aos

CDPs e outros organismos de massas que se seguiu, esta perspectiva

de mobi1ização popular se inviabi1izou.

No entanto, a campanha contra os despejos con-

tinuou ainda com fÔlego. Cada resistência de um conjunto de inquilinos

a uma ação de despejo, resistência que podia gerar um prazo maior de

permanência no prédio, publicidade na imprensa e outros tipos de mani-

festações loca1izadas,tendia a reforçar a posição contrária aos desp~

jos na opinião pública e consequentemente no Congresso. Estas resistê~

(45) (Hoje. 01/~1/1945).

Page 39: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

• •.. ; 39

cias atomizadas constituiam-se assim um fator fortalecedor da posição

co~trária aos despejos e acabavam fazendo parte, mesmo sem querer, de

~-:::-:. -Lrnerrt.o mais geral.

o projeto lei suspendendo os despejos, entre-

tanto, rolou por muito tempo no Congresso, perdido entre as comissões,

apesar dos constantes e aflitos discursos do Sr. Campos Vergal. Ao que

parece nao havia grande disposição de se colocar este projeto em vota

çao o que se explica, por um lado, pela grande repercussão negativa que

teria na opinião pÚblica a sua nao aprovação e, por outro, pelo fato

de que a suspensão dos despejos fecharia o canal de salvação para os

interesses econômicos dos senhorios, além de limitar a oferta de ter-

reno via demolição de casas antigas, prejudicando assim o rendoso neg~

cio das incorporações em grande desenvolvimento na época. Revela-se

mais uma vez na questão do inq~ilinato as características da democra-

cia que se estabelece no Brasil no pós-guerra, onde a estrutura de

poder alicerçada sobre um pacto de classes acaba tendo que satisfazer

diferentes interesses sem se posicionar totalmente por um deles. Assim

como o controle dos aluguéis foi mantido durante todo o período popu-

lista, não se podia restringir mais ainda o direito de propriedade -

como a suspensão dos mandatos de despejo e das demolições restringia

- sob riscos de se abalar uma das bases de sustentação do regime.

A permanente mobilizaç~o dos inquilinos e de

suas associações foi um importa nte fator de manutenção do controle dos

aluguéis durante o populismo. Esta mobilização, no entanto, se fará

basicamente tendo como referência o Congresso, procurando demonstrar

que qualquer modificação desfavorável aos locatários significaria um

grande desprestígio eleitoral. A suspensão dos mandatos de despejo,

Page 40: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

·..40

e~~~e~a~to, jamais foi decretada, permanecendo os despejos como a por-

e~ a ã expulsão dos inquilinos mais fracos economicamente e com rne-

- s acessO aos meandros da Justiça e aos seus advogados especializa-

coso

Na perda desta batalha as classes popularesperderam a possibilidade de continuarem habitando em casas alugadas a

baixffipreços em locais servidos de infra-estrutura e próximos aos 10-

cais de emprego. Se a luta contra os despejos representou concretamen-

te a luta pelo teto - pelo direito de habitar - perdê-Ia significou

para a população de baixos rendimentos já instalada em são Paulo o ine

vitável rebaixamento da sua condição de moradia. Agora, expulsos das

posições que ocupavam na cidade, lhes restam, assim como aos migrantes

recém-chegados, procurar um lote barato na área periférica para produ-

zir com as próprias mãos sua moradia. E lotes periféricos havia~ mui-

tos - todos desprovidos de serviços urbanos.

~ nesta nova condição de habitação que se ge-

rou um novo movimento em torno da moradia, os movimentos dos bairros

distantes. Estes criaram - num patamar mais baixo de reivindicações -

um novo conjunto de lutas envolvendo a questão de habitação, ou seja,\aluta pelo direito a cidade - pelos seus equipamentos urbanos.

"Andres Bentes e antigo morador em V. Monunen-

5 - Gt:NESE DOS MOVIMENTOS POPULARES NA PERIFERIA: A LUTA PELO DIREITO

à CIDADE

Page 41: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

41•

•...

~ • =-~esto e trabalhador ..• vivia há vários anos na mesma casa. Nun-ca pagou o aluguel com atraso, foi sempre muito pontual. Entretanto, o

proprietário do prédio pediu-lhe há vários meses que desocupasse a

casa, sob alegação de que ia residir na mesma.

Bentes nao perdeu tempo, procurou casa em todo

o bairro' e adjacências, porém em pura perda.

Entretanto, em face da insistência do proprie-

tário, o velho operário procurou outra solução para o seu problema.

Em terreno de propriedade de um parente resolveu construir com latas

e pranchas velhas uma residência provisória para si e sua família.

Bentes reuniu alguns amigos e, domingo de ma-

nhã,puseram mãos a obra, iniciando a construção do barracão, que vai

servir de abrigo, sabe Deus até quando.

Vai-se tornando muito comum, aliás, em nossa

capital, essa maneira de resolver o angustioso problema de residência

para o povo, vendo-se em numerosos bairros casas toscas e primitivas

e naturalmente insalubres". (46)

(46) (Hoje,08/05/1947).

"Como todos os bairros da periferia de são Pau-

lo, Vila Celeste está completamente abandonada e esquecida dos Poderes

Públicos. são as seguintes as vilas das redondezas: Celeste, Inverna

da .Paulina, Diva, Santa Clara, Leme, Ema e Parque Sevilha. Os bair-

ros, habitados quase que exclusivamente por operários e camponeses re-

cém-chegados do interior, não gozam do menor conforto moderno ou anti

Page 42: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

42.'

ge ... Para se chegar a uma dessas vilas, por exemplo, a Vila Celes-

te não há meio de locomoção. ~ préciso chegar até Água Rasa (de ôni-

bus) e daí conseguir uma autolotação; alguns trabalhadores vão a pé,

demorando no percurso cerca de 40 minutos". (47)

>"Não há água, nem luz, nem transporte, ruas i~

transitáveis .•• Vila Santa Maria é um bairro completamente abandonado.

Nem talvez na mais remota das zonas do interior poder-se-ia imaginar

uma localidade tão assoberbada de dificuldades. O bairro possui cerca

de 1.000 casas". (48)

"Um operário adquire um terrenoi ele mesmo abre

um poço depois do serviço. Compra os tijolos. E aos domingos convida a

turma para lhe dar uma mão. Em poucos domingos as casas se levantam

pelos barrancos da Vila Matilde, Vila Esperança, Vila Guilhermina. são

as "casas domingueiras", as mesmas que tremem com a ventania". (49)

Os comunistas assim descrevem os "bairros dis-

tantes". Atentos às novas condições de vida e de habitação que surgem

na periferia de são paulo/são os primeiros a perceber que tal situação

é favorável ao surgimento de uma base de apoio sólida ao seu partido,

assim como a requisição de quadros. E as "vilas esquecidas" passam a

(47)(48)(49)

(Hoje,22/02/1947) .Correio Paulistano,11/08/1946)tor chefe do HOJE) .(Hoje)06/03/1947) .

(Artigo de Ibiapava Martins, reda-

ser lembradas e valorizadas como locais privilegiados ao surgimento de

Comitês Democráticos e populares. são dezenas de Comitês que se formam

rapidamente em boa parte destes bairros distantes, quando somente em

muito poucos existia anteriormente qualquer organização da população

Page 43: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

.. '. 43

_, e= ~enos ainda, a formação de Sociedades Amigos do Bairro. Os corni-

tês re~nem a população, levantam os problemas das vilas'- o que nao e

difícil visto a sua quantidade - realizam homenagens cívicas, dão

cursos de alfabetização ou de corte e costura e, sobretudo, trazem a

palavra da ordem do dia dos comunistas. E, o mais importante, formulam,

a partir da sua organização, urna série de reivindicações que tendem a

O HOJE passa a dar destaque à situação nestes

responsabilizar o governo pelas condições urbanas existentes e a pedir

sua satisfação.

bairros. Todo dia ele "recebe a visita" de um Comitê de "bairro distan

te" para ouvi-Io, anotar suas reivindicações, dar ampla publicidac.e

às condições de vida ali existentes, mostrar a importância do traba-

lho do CDP e, acima de tudo, tentar mostrar corno o programa do PCB res

ponde às questões levantadas.

-O conjunto de açoes desenvolvidas pelos co~~-

nistas é fundamental para detectar e priorizar os problemas da peri=~

ria, para criar urna tradição de reivindicações nestes bairros e sobre

tudo para desenvolver formas de luta e de organização que passa a ter

no Estado o marco referencial de qualquer movimento. O abaixo-assinado

ou o memorial a ser encaminhado às autoridades será urna das práticas

que mais irá se desenvolver mediante essa política do PCB de levar adi

ante as reivindicações urbanas. Ela irá se firmar e se implantar so-

lidamente durante o período populista, se constituindo numa forma bem

característica de corno passa a se dar as relações entre Estado e mas-

sas urbanas a partir de então. Anteriormente, durante a RepÚblica Ve-

lha, em função da forte influência dos anarquistas nos movimentos pop~

lares, tal prática não era sequer cogitada, visto que significaria o

Page 44: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

44••.'

rec ~_~ecimento e a legitimação do Estado. Durante o período ditatorial

( 937-1945), o governo forte se fechará a qualquer reivindicação popu-

lar surgida independentemente do aparato oficial por ele criado para

representar os trabalhadores (sindicatos oficiais e demais órgãos do

Ministério do Trabalho). Enquanto a questão trabalhista é reconhecida

e oficializada pelo Estado getulista, a problemática urbana da perif~

ria emergente é ignorada e mantida fora do corpo de preocupaçoes esta-

tal, inclusive porque os esforços do poder pUblico, sobretudo em são

Paulo, estão naquele momento concentrados nas transformações viárias

da área central, para onde todos os recursos disponíveis foram cana-

lizados. Assim, a redemocratização do pós-guerra e a necessidade de

incorporar as massas urbanas ao processo político criam um momento pr~

pício ao surgimento de movimentos populares na periferia que passam a

ter no Estado sua referência mais importante. Os comunistas e os CDPs,

com o prestígio que gozavam na época, reforçam esta tendência e, gra-

ças ao grande aparato organizatório que dispunham, a difundem enor-

memente. Formas de luta como o abaixo-assinado se generalizam e bem

simbolizam a forma como os comunistas (que neste aspecto, pouco se d!

ferenciam dos políticos populistas) entendiam a participação popular.

Esta devia se limitar a um compromisso passivo - assinar o memorial -

a ser encaminhado pelas lideranças aos poderes competentes que deviam

resolver o problema. A tônica destes movimentos centralizados em torno

do abaixo-assinado passou a ser aquela do "eles devem fazer" contrap0!2

to das promessas dos políticos, do "eu prometo fazer", que tende a

manter imóvel o setor popular que reivindica. Também neste aspecto a

atuação dos comunistas éprecursora da maneira como os populistas agem

no seu contato com os bairros periféricos Sobretudo a partir de 1946,

com a consolidação do regime democrático e a marcaçao das eleições, os

Page 45: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

·'45

ca~Gidatos do povo", transformando-se em verdadeiros comitês eleito-

=~s cada vez mais situam suas atividades em torno das eleições e dos

rais. A tentativa de iludir as massas com a supervalorização dos po-

deres instituídos, sem tentar mostrar a limitação da atuação do legis-

lativo, o demagógico "prometer fazer" quando sabiam que pouco poderiam

realizar, a transferência da mobilização popular para a expectativa

ganhar posições privilegiadas -no aparelho de Estado -e nao corno

eleitoral e a utilização das eleições simplesmente corno um fim para

um

meio de organização popular - são partes integrantes da estratégia de

institucionàlização do PC, que inevitavelmente e difundida com frequê~

cia nos bairros periféricos. O HOJE mais urna vez é o veículo que esp~

lha esta visão: "os moradores ôo bairro de Vila Prudente ... estão orga-

nizando um Comitê Democrático que muito auxiliará os trabalhos dos

vereadores, quando são Paulo já tiver urna Câmara Municipal ... Vila Pr~

dente concorreu poderosamente em favor do glorioso Partido Comunista

do Brasil nas últimas eleições ... Agora trata-se de esperar as futuras

eleições, isto é, as eleições municipais" .(50)

Enquanto os comunistas apoiaram o Sr. Ademar de Bar-

ros, eleito graças ao PCB, desenvolveram urna política semelhante a de

qualquer outro partido no governo, procurando frear a mobilização pop~

lar e canalizá-Ia para o legislativo ou para acreditar nas prone5sas

do governo. Fazem dos CDPs verdadeiros núcleos de apoio ao governo

que "cooperam com as autoridades" fazendo-Ihes "chegar os problemas

dos bairros". "Agora com o Sr. Ademar de Barros no governo, sao gran-

des as esperanças do povo daqui, que nele votou e dele espera este pre-

(50) (Hoje,08/04/1947).

Page 46: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

46,'

se~te, que sera um grupo escolar para as oito vilas. Temos esperança

r.o go ernador, acreditando que ele nos atenda, muito em breve"4(5l)

-Os comunistas, por outro lado, assim como nao soube-ram (ou nao qu ís eram) manter os CDPs como organismos populares in-

dependentes do partido, quando julgam estar no poder junto com Ade-

mar, passam a apoiar formas de ~incular as organizaç6es de bairro ao

tatal um espaço para enquadrar as quest6es e reivindicaç6es urbanas -

Estado, retirando ainda mais a sua autonomia e criando no aparelho es-

a semelhança dos sindicatos oficiais. Z neste sentido que o HOJE dá

destaque e apoio a proposta do prefeito biônico Cristiano das Neves~

nomeado por Ademar e rotulado de "progressita" pelos comunistas - de

criar "uma nova fórmula de auscultar mais profundamente a opinião pu-

blica e suas necessidades". (52) Tratava-~e de uma proposta de cria--çao de "centros em todos os bairros, mais ou menos como aqueles dos Ami

gos da Cidade sem cor partidária ou religiosa e com a Gnica e exclusi-

va finalidade de apresentar ao governador da cidade as necessidades

mais vigentes de cada zona". (53) Tais centros teriam sua direção

eleita e se encarregariam de receber as diversas reclamaç6es dos mora-

dores, agindo como entidades locais de uma "Organização Municipal Ori-

"OMO". O HOJE - expressando a posição dos comunistas - revela que esta

entadora" - órgão central em constante contacto com o prefeito e que

deverá estudar as reivindicaç6es encaminhadas pelos centros locais da

proposta "deverá ser bem acolhida por todos, pois favorece a apresenta-

(51) (Hoje I 06/05/1947).(52) (Hoje I 06/05/1947).(53) (Hoje I 06/05/l947).

ção dos problemas cotidianos, com menos dispêndio de tempo e trabalho

Page 47: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

47

Nesta questão fica clara a intenção da prefeitura e

para arrbas as partes~ (54)

dos comunistas de enquadrar num órgão do aparelho de Estado,ou a ele

vinculado, as mais variadas formas de organizações populares que vi-

nham pipocando nos bairros periféricos. Atrelando os núcleos de orga-

nização já existentes e impondo de cima para baixo um modelo pronto

de organização local, tal iniciativa tem algo de semelhante com a =or

ma como o governo federal, através do Ministério do Trabalho, acabou

com a autonomia sindical na década de 30. O apoio dos comunistas expl!

ca-se em parte pela sua predileção por esquemas verticais de org2niz~-çao e de resto por acreditar que pudessem, graças ao prestígio que

gozavam nos bairros populares e por já contar com os CDPs, dominar o

OMO e assim dispor de uma parcela maior de poder. Assim, o HOJE fina-

liza seu comentário afirmando que "não resta dúvida que os homens do

nosso governo começam a compreender melhor o sentido da palavra e,

mais se empenham por bem cumprir a missão que lhes foi confiada. A

iniciativa do Sr. Cristiano Neves bem evidencia a predestinação demo-

crãtica da nova situação do Brasil, e particularmente de são Paulo.

Não deixará por certo de gozar do apoio de toda a população da cidade" .•(55)

colocado na ilegalidade. Seu aliado Ademar de Barros - o "governador

Infelizmente, os comunistas estavam enganados sobre

a "predestinação democrática da nova situação do Brasil e de são Pau-

10" pois poucos dias depois tiveram o registro cassado e o partido

(54) (Hoje, 06/05/1947).(55) (Hoje, 06/05/1947).

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48

~- p voU - manda bater e prender os "vermelhos". Os CDPs são imedia-

~a-ente empastelados, visto serem considerados organismos comunistas.

O So'erno estadual assume uma posição claramente repressiva e, assim,

a proposta de criação da OMO se inviabiliza.

Apesar desta nova conjuntura, os movimentos de bair-

ro não refluem. Embora os CDPs tivessem tido grande importância na

formação dos movimentos populares nos bairros periféricos e na criação

de uma tradição reivindicatória, seu desaparecimento não signtticou

o fim da mobilização dos moradores. Muito pelo contrário, tais movi-

mentos - criando outras formas organizativas e muitas vezes assimilan

do as próprias lideranças formadas pelos Comitês - tendem a crescer na

mesma proporção em que cresce aceleradamente a abertura de loteamen-

tos desprovidos de qualquer melhoramento urbano. E ambos os crescimen

tos são inevitáveis pois o novo padrão de desenvolvimento urbano e do

assentamento habitacional que se vai formando - o padrão periférico

de crescimento urbano - só pode se viabilizar mediante a produção de

lotes desequipados, criando uma contradição na sua própria estrutura,

qual seja a de comercializar lotes tipicamente rurais para desempenh~

rem urna função estritamente urbana. E é esta contradição - que e pro-

pria da maneira como se estrutura a metrópole industrial de são Paulo-

combinada com o caráter do Estado populista, que não pode dar as cos-

tas aos reclamos populares, que cria as condições necessárias ao surg~

mento e fortalecimento dos movimentos de periferia.

Os comunistas e a imprensa em geral gostavam muito de

chamar os loteamentos periféricos de "bairros esquecidos". No entanto,

muito mais do que bairros esquecidos pelo poder público estes loteamen

tos constituiam para a prefeitura a forma mais cômoda de "ir se resol

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• I.~ 49

vendo" a crise habitacional que se vivia e pela qual o Estado estava

sendo responsabilizado. Num momento em que a iniciativa privada dei-

xar de investir em escala significativa na construção de moradias po-

pulares, o poder pUblico pode também não intervir como era necessário. ,

graças ao surgimento de uma grande número de lotes a venda em presta-

ções acessíveis a população de baixos rendimentos, onde - mediante a

difusão da ideologia da casa própria e a inviabilidade de encontrar

outra moradia - os trabalhadores se dispõem a edificar precariamente

e com grandes sacrifícios~sua casa. A garantia de viabilidade econômi

lização e na precariedade urbana, isto é no fato de ser na realidade

ca do empreendimento capitalista de lotear estava justamente na loca-

verdadeira área rural subdividida em lotes sem nenhum investimento de

capital significativo. A manutenção de extensas glebas vazias no in-

terior da malha urbana também é subproduto desta mesma dinâmica.

A prefeitura tinha total conhecimento do que signifi-

cava a abertura desses loteamentos. Sabia que não tinha condições nem

recursos para urbanizá-Ios, tal a extensão da mancha urbana que provo-

cavam. Longe d~ nao prever o que estava acontecendo, eram frequentes

os alertas que, na epoca, os próprios técnicos da prefeitura faziam

sobre os prejuízos que tal crescimento da área ocupada traria para a

cidade. Não se pode, portanto, falar em "bairros esquecidos" como se

dizia na época, ou em "ausªncia de planejamento", como se fala hoje em

referência ao período em estudo. Na realidade, fechar os olhos ao sur-

fazia parte de uma política implícita dos órgãos públicos para deter

gimento destes loteamentos e depois esquecer sua existência - com ex-

ceçao óbvia dos períodos pré-eleitorais quando a memória se aviva -

a crise habitacional que assumia no período do pós-guerra aspectos ex-

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·.~ 50

sLv s. ão e por outra razao que Ademar - o já ex-governador do\. -

·.•·0 - ainda em 194.7, manda um recado a populaçao dizendo que "poddarn

co..struir suas casas sem planta que a prefeiturafechariaos olhos". (56)

o "esquecimento" ou a "falta de fiscalização e de

planejamentotl eram portanto, um dado estrutural. Infelizmente to-

das as tendências políticas que atuaram nos movimentos de bairros pe-

riféricos-inclusive os comunistas durante a fase legal do partido -

nao se deram conta (ou não quiseram dar conta) deste fato e sempre

agiram como se fosse ne cess'â.rLo simplesmente "lembrar" as autoridades

dos problemas ou "cooperar" com o poder público para mostrar a exis-

tência de graves problemas urbanos, como se simplesmente uma boa admi

nistração - e esta era também a visão de Janio Quadros - pudesse re-

solver as graves questões da periferia. Não soUberam, em suma, elabo-

rar uma visão de conjunto sobre os problemas urbanos emergentes para

definir uma linha de ação que situasse as questões locais num quadro

referencial mais amplo. Evidentemente não podemos ser excessivarr.ente

críticos neste ponto, visto que a compreensão dos problemas urbanos

era, no perlodo em estudo, bastante limitada não passando das consta-

tações óbvias sem atingir articulações mais elaboradas entre a dinâmi

ca de expansão urbana e de reprodução do capital e da força de tra-

tipo na periferia. Senão recentemente foi posslvel dar a dimensão

balho.

A ausência de politização dos movimentos de perife-

ria é .resultante desta dificuldade em situar a origem e a causa dos

problemas emergentes e imediatos, tendo sido uma das condições neces-

sárias ao atrelamento destes movimentos a políticos demagogos e opo~

tunistas que possibilitou a formação de currais eleitorais de novo

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51

0_: ·ca das questões urbanas e refletir criticamente sobre a vin~ula-

çã -as entidades de caráter local com o aparelho de Estado, procuran-

do ç~ebrar, ainda que com dificuldades, a tradição herdada do populismo.

o janismo, se apropriando das organizações e da tra

dição de lutas da periferia, irá legitimá-las, ao mesmo tempo que

asce como uma resposta ou expressão polItica dos bairros carentes a

situação de precariedade na qual eles se encontravam. Ele,mais do que

qualquer outro grupo político I sera o responsável pelo enquadramento

definitivo das SABs-Sociedades Amigos de Bairro, forma organizativa

que finalmente é consagrada nos bairros periféricos - como uma peça de

grande importância na política municipal. A partir de então, isto é,

de meados da década de 50, as SABs vão perdendo o que restava do seu

caráter autônomo e da sua representatividade para se tornar uma estru

tura que, mesmo sem ter cor partidária, passa a combinar frequentemen-

te pedidos, reivindicações, abaixo-assinados etc. com apoio eleito-

ral. Mas isto é outra história ..•

o surgimento dos movimentos de bairros periféricos,

no qual os comunistas tiveram um papel importante sobretudo nos anos

do pós-guerra, marca um novo período na história das lutas sociais p~

la habitação. Nestes movimentos a reivindicação básica é o direito'a

cidade, isto é a exigência de transportes coletivos, melhoramentos

e equipamentos urbanos. Pela proporção e dimensão que assumiu marca

até hoje talvez a face mais importante da luta pela habitação em são

Paulo.

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~CLUSÃO: DA LUTA DOS SEM-TETO AO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA -

ROTEIRO DE UM REBAIXAMENTO DAS CONDIÇ~ES HABITACIONAIS

Quem acompanhou detidamente os movimentos urbanos

em são Paulo no início da década de 80 não tem dúvida de que a luta

pela terra se tornou a ~eivindicação mais premente dos trabalhadores

urbanos de baixos rendimentos. As recentes ocupações de grandes áreas

urbanas ilustra de forma incontestável o intenso processo de enfavel~

mento que a cidade tem vivido cotidianamente, fenômeno que começa a se

agravar a partir dos anos 70, em pleno clima de "milagre brasileiro".

A reivindicação de posse da terra centra todos os mo-

vimentos de invasão ou de favelados. Conforme alegam seus represen-

tantes "nós so queremos um terreninho para nos mesmos construirmos nos-

sas casas, que isto sabemos fazer". Nem mesmo equipamentos urbanos ou

infra-estrutura eles colocam, ao menos inicialmente, na sua pauta de

reivindicações. Deixam para mais tarde, como quem já sabe como conse-

guir depois. Surgem assim os movimentos sem-terra. Seu pedido é essen-

cialmente uma terra para morar.

,A situação atual do movimento pelo direito a habita-

ção, que nao cabe aqui detalhar nem procurar mais causas, leva-nos a

refletir sobre o rebaixamento histórico das condições de habitação

da classe trabalhadora em são Paulo. Inicialmente habitava esta em p~

quenas casas ou cômodos alugados, produzidos comercialmente e que, em-

bora pudessem ter área reduzida ou instalações sanitárias coletivas,

ficavam próximas aos locais de emprego e serviços urbanos e, em geral,

estavam ligados às redes de infraestrutura urbana. A luta que esta po-

pulação inquilina travou foi pela redução dos aluguéis de suas casas.

Page 53: Crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra

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