crise da música eletrônica ou do mercado fonográfico tradicional?

Upload: claudio-manoel-duarte-de-souza

Post on 10-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/8/2019 Crise da msica eletrnica ou do mercado fonogrfico tradicional?

    1/2

    Crise da eletrnica ou do mercadofonogrfico?*

    Nadja Vladi - 1 - Aps um perodo de boas vendagens de discos, raves e clubeslotados, a msica eletrnica parece no empolgar tanto os jovens consumidores doestilo. H uma saturao da cena mundialmente?

    Cludio Manoel A tal saturao defendida pelas gravadoras - na verdade umrefluxo da cena. Cenas no so estticas, tm altos e baixos, uma realimentaopermanente no s cultura do dj, mas na cena das bandas de rock, jazz, samba, mpb.O que saturou foi a explorao miditica da cena, mas o underground continuaexistindo como fonte de experimentao esttica.

    2 - Por que artistas como Chemical Brothers ou Daft Punk no provocam mais tantoentusiasmo com o lanamento de seus novos CDs. Falta novidade?

    Cludio Manoel Pelo contrrio, esses cones, que continuam tendo seu papel de darum carter mais pop cena, nunca foram o centro da produo da eletrnica.Aparecem mais por sua popularizao - tambm desgastada pela mdia, que outroraexplorou ao mximo o pop do pop da eletrnica, o Prodigy. As novidades estosempre fora desse circuito, desse mercado. Vai demorar um pouco para a mdiaperceber que a eletrnica faz parcerias com jazz, atravs da cena Nu jazz, baseadaprincipalmente no Broken beat. Tambm vai levar algum tempo para a mdia popdescobrir por onde o rock est se conectando com a house. So segredos dounderground que o mainstream no sabe como cavar ainda e transform-lo em lucro.Lembre-se que essa mesma mdia celebrou vrias vezes a morte do rock (e at dopunk rock), porque a referncia dela era a venda de cd, um suporte em agonia que

    no serve mais como referncia de consumo das subculturas e at mesmo da msicavendida no mercado. A circulao de bens simblicos mais experimentais encontraveias mais livres, como a net (mp3, Ogg) e at as lojas de vinis que continuam a mil,como mdia alternativa.

    3 - A msica eletrnica estaria perdendo espao para um retorno do rock na cena popmundial?

    Cludio Manoel O rock volta a ter um fluxo mais alto e isso tambm muito bom,inclusive se conectando com as experincias da eletrnica, como na electrohouse.So fluxos das subculturas. Quem diria que o rap (msica eletrnica!) e a cultura hiphop ocupassem pela primeira vez na histria da Billboard (principal revista americanasobre musica pop) todos os itens do Top 10? Discos vendidos e grana para aindstria e mdias que sempre malharam contra essa cultura sada dos subrbios

  • 8/8/2019 Crise da msica eletrnica ou do mercado fonogrfico tradicional?

    2/2

    negros americanos. No creio que o refluxo de uma cena seja um alto fluxo de outra.O que causa o refluxo de uma cena seu processo de redescoberta esttica, derealimentao. Duas cenas podem estar em alta, num mesmo perodo. Elas apontampara pblicos, produtores e consumidores diferentes. No o bom cinema que detonao teatro.

    4 - Clubes de cidades da Europa e dos Estados Unidos no vivem mais to cheio, asraves so raras. A cena precisa se reinventar?

    Cludio Manoel Acontece que as ambincias vo se alternado e mudando seusentido. Creio que o formato rave (festas grandes fora da cidade), e que aindaexistem, cedem espao para manifestaes mais urbanas e pontuais, rotineiras, emespaos menores, frente segmentao de estilos e compartilhamento de pblicos. Acena amadureceu e tem pblicos e clubes que optam pela Microhouse, por exemplo. preciso entender que uma cena tem bases internas, tem seu capital cultural,independente de sua expanso. Pode at aparecer maior como um bloco inicialmente,porm o amadurecimento a segmenta. O rock um bom exemplo. Hoje no podemos

    falar da cena rock, mas das cenas punk, deafmetal, guitar bands, gtica...5 - E no Brasil. Essa onda do funk carioca invadido e divertido cluber de lugares comoLove. Qual o significado disso? Ser que agora mais divertido curtir Marllboro do queMarky?

    Cludio Manoel No sei se mais divertido, isso fica a gosto. Mas o funk carioca,baseado na cultura tambm do dj e ignorado e rechaado durante anos pela mdia,virou prato cheio para gerar lucro para ela atualmente, que jogou o funk para omainstream e foi hypada para a classe media alta que sempre meteu o pau nessesom. A mdia, em breve, depois de explorar ao mximo essa msica, anunciar umacrise do funk, quando ele no estiver mais lhe dando tanto lucro via venda de cds. E o

    funk que uma cena fantstica pela sua autonomia e grande pblico - continuarfirme e forte, l mesmo nos morros, no seu espao underground, porque sempreindependeu do mercado para existir. Bote na cabea: o mercado inventa crisequando ele no lucra. Crise para mim esttica. E crise necessria para quefrmulas caducas sejam repensadas e possam surgir novidades.

    6 - A Bahia sempre teve uma cena muito pequena. Essas mudanas no consumomundial da msica eletrnica e na falta de novidades musicais interfere na cena local?

    Cludio Manoel Esse discurso da falta de novidade da grande mdia. A pequenacena da Bahia se deve falta ainda de espaos empresariais dedicados cultura dodj. Falo de clubes para esse som. Mas mesmo assim uma cena de qualidade,

    persistente, com timos djs em tcnica e pesquisa sonora, capaz de concorrernacionalmente sem nenhum vexame. Disso a gente tem que ser orgulhar. Vamosmedir a cena pela sua produo, pela sua qualidade, e no pelo lucro que ela gera viaindstria fonogrfica, pois ai seria a morte da experincia esttica. Aprendemos issocom os punks nos anos 70/80 quando detonaram a espetacularizao do rockprogressivo e do metal que a indstria fonogrfica inventava para ter mais lucro. Aindabem. A cena eletrnica baiana convive com a diversidade cultural no estado e isso positivo. H espao para todos: rock, reggae, eletrnica, mpb, arrocha, pagode, hiphop... quando uma s cultura comea a dominar, tem algo errado. Vide a poca ureado Ax Music que sufocava as outras manifestaes. O bom mesmo que todas acenas cresam e com qualidade esttica. Afinal estamos falando de Arte.

    * Entrevista de Cludio Manoel, mestre em Comunicao e Cultura Contempornea e coordenador doPragatecno, jornalista Nadja Vladi, para o jornal A Tarde (Salvador/BA)