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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CRIMES CONTRA OS DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES: SEGURIDADE SOCIAL E FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO SIRLENE MORAIS DE ALMEIDA Itajaí, junho de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CRIMES CONTRA OS DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES: SEGURIDADE SOCIAL E FUNDO DE

GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO

SIRLENE MORAIS DE ALMEIDA

Itajaí, junho de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CRIMES CONTRA OS DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES: SEGURIDADE SOCIAL E FUNDO DE

GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO

SIRLENE MORAIS DE ALMEIDA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar

Itajaí, junho de 2009

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AGRADECIMENTO

À Deus, pela vida, pela oportunidade de crescer espiritualmente, de realizar este sonho.

Aos meus pais, Weliton e Inalda, por terem permitido que eu viesse ao mundo, por terem guiado meus

passos, e que, embora distantes, sempre confiaram na minha capacidade de ir além daquele que parecia ser o

limite.

À Maria Noivir Silveira, que me tornou possível atingir o final desta etapa de vida.

Às minhas filhas, Simone, Syndel e Chelsea, pelo amor, pelo carinho, pela paciência nos momentos mais difíceis.

Ao meu esposo e companheiro, Carlos, por todo seu incentivo, apoio, compreensão e, acima de tudo, pela

paciência frente às dificuldades impostas pela luta em busca deste sonho.

Ao meu orientador, Doutor Zenildo Bodnar, pela dedicação, pelo estímulo, pela tolerância e

persistência, que tornaram possível a materialização deste trabalho.

A todos aqueles que acreditaram em mim, que me incentivaram a seguir adiante quando as forças me

faltaram. Muito obrigada.

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DEDICATÓRIA

Ao meu esposo, Carlos, às minhas filhas, Simone, Syndel e Chelsea, pelo apoio incondicional, pelo

carinho, pela compreensão, pelo estímulo que tornou possível a conquista desta etapa da vida. À

Maria Noivir Silveira, que fez renascer a esperança quando tudo parecia ter perdido o

sentido.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2009

Sirlene Morais de Almeida Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Sirlene Morais de Almeida, sob o

título Crimes contra os Direitos Sociais dos Trabalhadores, foi submetida em 18

de junho de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Doutor Zenildo Bodnar (Orientador e Presidente da Banca) e Profª. MSc. Roseana

Maria Alencar de Araújo, e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, junho de 2009

Professor Doutor Zenildo Bodnar Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

§ Parágrafo

amp. Ampliada

art. Artigo

atual. Atualizada

aum. Aumentada

CFRB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CTN Código Tributário Brasileiro

EC Emenda Constitucional

ed. Edição

n°. Número

p. Página

rev. Revisada

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

RE Recurso Extraordinário

CF Constituição Federal

BNH Banco Nacional da Habitação

SESI Serviço Social da Indústria

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

INSS Instituto Nacional da Seguridade Social

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias1 consideradas estratégicas à

compreensão do trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2.

Bem jurídico

[...] é o bem humano ou da vida social que se procura preservar, cuja natureza e

qualidade dependem, sem dúvida, do sentido que a norma tem ou que a ela é

atribuído, constituindo, em qualquer caso, uma realidade contemplada pelo

direito.3

Contribuição ao Fundo de Garantia do Tempo de Servi ço

[...] a contribuição ao FGTS é uma espécie do gênero tributo, contribuição (social),

pois não pode ser enquadrada na definição de imposto, taxa e contribuição de

melhoria.4

Contribuinte

Contribuinte é a pessoa que tem relação direta e pessoal com o fato gerador da

obrigação.5

Crime

[...] um ato que ofende ou ameaça um bem jurídico ou interesse jurídico julgado

fundamental para a coexistência social e por isso protegido pelo Estado sob

ameaça de uma pena”.6 1 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia.” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. p. 229) 2 “[...] definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas.” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. p. 229) 3 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Apud Luiz Régis Prado. Bem Jurídico-penal e constituição . 3. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003, p. 48 4 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.58 5 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . p. 57

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Dignidade da pessoa humana

O valor da dignidade da pessoa humana deve ser entendido como o absoluto

respeito aos seus direitos fundamentais, assegurando-se condições dignas de

existência para todos.7

Direito do Trabalho

Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à

relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar

melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as

medidas de proteção que lhe são destinadas.8

Direito Penal Tributário

Por Direito Penal Tributário (objetivamente considerado), entende-se o conjunto

de disposições criminais que têm por objeto a regulamentação, via tipificação

criminal, de determinadas condutas que acarretem (ou visem acarretar) evasão

fiscal, ou representem óbice à arrecadação (ou fiscalização) tributária, pelo

embaraço ou desvio da atuação dos agentes do Fisco.9

Direitos fundamentais

Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana,

necessário para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta

ao Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los

no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes.10

6 BRUNO, Aníbal. Direito penal , parte geral, tomo I: introdução, norma penal, fato punível. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 175 7 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentai s, volume 17. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 57 8 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . 20. ed. São Paulo, Atlas, 2004, p. 50 9 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 29 10 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentai s, volume 17. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 60

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Direitos sociais

[...] são diretos de conteúdo econômico-social que visam melhorar as condições

de vida e de trabalho para todos. São prestações positivas do Estado em prol dos

menos favorecidos e dos setores economicamente mais fracos da sociedade.11

Empregador

Tanto é empregador a sociedade de fato, a sociedade irregular que ainda não tem

seus atos constitutivos registrados na repartição competente, como a sociedade

regularmente inscrita na Junta Comercial ou no Cartório de Registro de Títulos e

Documentos. Será, também, considerado como empregador o condomínio de

apartamentos, que não tem personalidade jurídica, mas emprega trabalhadores

sob o regime da CLT (Lei nº 2.757/56).12 Acrescente-se ao conceito apresentado

pelo autor que o empregador pode ser, ainda, pessoa física, como profissionais

liberais.

Empregado

Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de

natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante

salário.13

Evasão fiscal

A evasão fiscal, por sua sorte, consiste em toda modalidade ilícita de economia

tributária, razão pela qual, genericamente, é difundida como sonegação fiscal,

tendo como bases de atuação a simulação, a dissimulação, a fraude e o dolo.14

11 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentai s, volume 17. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 152 12 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . p. 212 13 Decreto-Lei nº. 5.452 , de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. 14 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . p. 113

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Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

Fundo de garantia do Tempo de Serviço é uma conta bancária que o trabalhador

pode utilizar nas ocasiões previstas em lei, formada por depósitos efetuados pelo

empregador.15

Ilícito penal tributário

O ilícito penal é o crime ou contravenção penal, consistente na prática de uma

conduta penalmente tipificada pelo Direito Penal Tributário, que resultará, em

tese, na aplicação de uma sanção com finalidade retributiva/preventiva, de caráter

pessoal.16

Princípio da proteção do trabalhador

[...] no direito do trabalho há um princípio maior, o protetor, diante da sua

finalidade de origem, que é a proteção jurídica do trabalhador, compensadora da

inferioridade em que se encontra no contrato de trabalho, pela sua posição

econômica de dependência ao empregador e de subordinação às suas ordens de

serviço”.17

Princípios fundamentais

Princípios fundamentais são as regras informadoras de todo um sistema de

normas, as diretrizes básicas do ordenamento constitucional brasileiro.18

15 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 22. Ed. São Paulo: Editora LTr. 1996, p. 349 16 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 21 17 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 348 18 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentai s, volume 17. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53

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Proibição da proteção deficiente

De todo modo, é possível afirmar que a proibição da proteção deficiente tem uma

relação direta com a teoria do bem jurídico: ambas são conceitos que restringem

a atuação do legislador, requerendo-lhe uma ação positiva e protetora...19

Segurados

São as pessoas físicas vinculadas ao sistema de previdência social por direito

próprio, em oposição aos dependentes, que se vinculam ao sistema em virtude da

existência da relação de terceiro com a previdência.20

Tributo

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor

nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e

cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.21

Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

O trabalho e a livre iniciativa foram identificados como fundamentos da ordem

econômica estabelecida no Brasil, ambos considerados indispensáveis para o

adequado desenvolvimento do Estado brasileiro.22

19 STRECK, Maria Luiza Schafer. O direito penal e o princípio da proibição de prote ção deficiente: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Disponível em http://bdtd.unisinos.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=721. Acesso em 15 mai. 2009. 20 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. O crime de omissão nos recolhimentos de contribuições sociais arrecadadas: Lei nº 8.212/91, art. 95, d. p. 33 21 Lei nº. 5.172 , de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e Institui Normas Gerais de Direito Tributário Aplicáveis à União, Estados e Municípios. 22 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentai s, volume 17. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53

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SUMÁRIO

RESUMO.........................................................................................XIV

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................. 5

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR NA CRFB/88............................................................................................. 5

1.1 DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS...................................................................5 1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88............... .......................................7 1.3 CONSTITUIÇÃO E DIREITOS SOCIAIS ................ ..........................................9 1.4 DIREITO DO TRABALHO ............................ ..................................................17 1.4.1 CONCEITOS DE EMPREGADO E EMPREGADOR ....................................................19 1.4.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO .............................................................21 1.5 TUTELA PENAL DOS BENS JURÍDICOS SOCIAIS ........ .............................24 1.5.1 CONCEITO DE BEM JURÍDICO ............................................................................25 1.5.2 OBJETO DA TUTELA PENAL DOS BENS JURÍDICOS SOCIAIS ..................................28 1.6 TUTELA PENAL DOS BENS JURÍDICOS SOCIAIS TRABALH ISTAS ........30

CAPÍTULO 2 ......................................... ........................................... 37

FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO.............. ........... 37

2.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ....................... ..........................................37 2.2 O SISTEMA DE ESTABILIDADE ...................... .............................................38 2.3 REGULAMENTAÇÃO DO FGTS ......................... ..........................................43 2.3.1 CONCEITO DE FGTS – FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO.................47 2.3.2 NATUREZA JURÍDICA DO FGTS........................................................................49 2.3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O FGTS..........................................................61

CAPÍTULO 3 ......................................... ........................................... 63

CRIMES CONTRA OS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR.. 6 3

3 .1 CONCEITO DE CRIME..................................................................................63 3.2 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E DIREITO PENAL TRIBUT ÁRIO ..............65 3.2.1 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E ILÍCITO TRIBUTÁRIO ............................................67 3.2.2 DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO E ILÍCITO PENAL ....................................................68 3.2.3 DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ....................................70 3.3 DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL.................... ...........................................74 3.3.1 CRIMES CONTRA A SEGURIDADE SOCIAL ............................................. 80

3.3.1.1 Apropriação Indébita Previdenciária...............................................82 3.3.1.2 Falsificação de Documento Público................................................86 3.3.1.3 Sonegação de Contribuição Previdenciária....................................91

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3.4 TUTELA PENAL DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE S ERVIÇO....93 3.4.1 FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL .............95 3.4.2 FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO – ILÍCITO PENAL TRIBUTÁRIO .......98 3.4.3 ESPECIFICIDADE DA TUTELA PENAL DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO...............................................................................................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................. 105

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS..................... ................. 110

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RESUMO

Relativamente aos direitos sociais assegurados aos trabalhadores no

ordenamento jurídico Pátrio, não obstante o disposto na Constituição da

República Federativa do Brasil, de 1988, que, de maneira enfática, elencou tais

direitos no rol dos Direitos Fundamentais, denota-se que ainda há muito a ser

feito para que sejam alcançados os objetivos do legislador, ao dispor acerca da

proteção a ser dispensada aos institutos vinculados às relações de trabalho. A

presente monografia de conclusão de curso tem como principal objeto a análise

dos aspectos criminais pertinentes aos institutos da Seguridade Social e do Fundo

de Garantia do Tempo de Serviço, bem como a possibilidade de aplicação de

sanção frente ao descumprimento das obrigações correspondentes aos mesmos,

no âmbito das relações laborais. Partindo da identificação de como se encontram

dispostos os direitos sociais dos trabalhadores na legislação vigente, enfatizando

os direitos pertinentes à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço, será analisada a tutela penal de referidos institutos, bem como a vedação

da proteção deficiente, por parte do Estado, haja vista que referidos bens jurídicos

encontram-se tutelados pela Constituição da República Federativa do Brasil, de

1988, conquanto direitos fundamentais, invioláveis. Serão abordados os aspectos

da ilicitude decorrente da supressão ou omissão dos direitos oriundos dos

institutos, bem como a possibilidade de sua tipificação como crime, ou ilícito penal

tributário. Considerando que os institutos analisados ensejam a tutela do Direito

Penal, utilizando o método indutivo, irá demonstrar que as infrações que resultam

em danos para o trabalhador, e para o Estado, quando praticadas em detrimento

da Seguridade Social e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, implicam em

crime, a ser repudiado pela sociedade e pelo Estado, resultando em uma fonte de

pesquisa para os operadores do Direito.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a análise dos

“Crimes contra os Direitos Sociais dos Trabalhadores: Seguridade Social e Fundo

de Garantia do Tempo de Serviço”, os aspectos criminais pertinentes aos

institutos da Seguridade Social e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,

bem como a possibilidade de aplicação de sanção frente ao descumprimento das

obrigações correspondentes aos mesmos, no âmbito das relações laborais, frente

à danosidade imputada à sociedade e ao Estado, considerando que é vedada ao

Estado a prestação de proteção deficiente, posto estarem os institutos inseridos

dentre os direitos fundamentais, assim dispostos na CRFB/88.

O seu objetivo institucional, produzir uma monografia para

obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI; geral, estudar os aspectos da tutela penal dos direitos sociais dos

trabalhadores, referentes à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço; específico, estudar os tipos penais identificados quando do

descumprimento, pelos empregadores, das obrigações decorrentes da

Seguridade Social e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Partindo-se do contexto da inserção, no texto da CRFB/88,

da inserção dos direitos sociais dos trabalhadores, dentre os Direitos

Fundamentais, irá averiguar a tutela penal destes direitos, enfatizando os direitos

decorrentes da Seguridade Social e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

para, ao final, investigar a possível tipificação criminal das condutas praticadas

pelo empregador que, subtraindo-se de suas obrigações, impõe danos aos

trabalhadores e à sociedade, adentrando na seara do Estado.

Dada a relevância dos institutos citados, decorrentes das

relações de trabalho, torna-se o presente estudo de suma importância, posto que

a danosidade que se alastra no seio da sociedade, nos tempos atuais, em

decorrência da supressão ou redução dos direitos dos trabalhadores, ensejam

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2

maior atenção do legislador, bem como do Poder Judiciário, frente ao princípio da

vedação da proteção deficiente.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da tutela

dos direitos sociais do trabalhador na CRFB/88, com ênfase na Seguridade Social

e no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, a proteção de referidos direitos no

âmbito do Direito do Trabalho e, principalmente, a tutela penal dos mesmos, o

alcance jurídico da proteção que lhes é dispensada no ordenamento jurídico

Pátrio, delimitando os bens passíveis de serem penalmente tutelados, conceitos e

aplicabilidade da proteção penal.

No Capítulo 2, analisa-se o instituto do Fundo de Garantia

do Tempo de Serviço, desde a sua instituição, posto ser o mesmo objeto de

controvérsias doutrinárias, que são refletidas nos tribunais, quando da análise de

casos concretos, frente às dificuldades apresentadas relativamente à sua

natureza jurídica, e ausência de dispositivo legal específico, que tipifique a

conduta dos empregadores que se subtraem de suas obrigações, infringindo

referido direito dos trabalhadores.

No Capítulo 3, analisa-se a possibilidade real de tutela penal

dos institutos pesquisados, ou seja, da Seguridade Social e do Fundo de Garantia

do Tempo de Serviço, promovendo-se a distinção das condutas que ensejam

meras sanções administrativas, daquelas que exigem a aplicação de uma sanção

penal, diante da prática reiterada do empregador que viola direitos assegurados

aos trabalhadores pela CRFB/88, demonstrando que as condutas lesivas a

referidos direitos dos trabalhadores implicam em ilícitos, que ensejam a aplicação

de sanção penal correspondente.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

acerca da possibilidade de se aplicar sanções penais aos empregadores que

infringem as normas de proteção aos direitos dos trabalhadores, causando danos

individuais e metaindividuais, afrontando o trabalhador e a sociedade, tripudiando

sobre as normas e o Estado Democrático de Direito.

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3

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

a) Os direitos dos trabalhadores relativos à Seguridade

Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço integram os Direitos Sociais

dos Trabalhadores, dispostos na CRFB/88 como Direitos Fundamentais e, como

bens jurídicos por ela tutelados, devem ser, também, penalmente tutelados,

coibindo-se a lesão de direitos decorrente das infrações praticadas pelos

empregadores, exigindo-se a intervenção do Direito Penal.

b) O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço possui

natureza jurídica tributária, definida como contribuição social pelo Código

Tributário Nacional.

c) Não recolher, ou recolher de forma fraudulenta as

contribuições para a Seguridade Social, assim como as contribuições para o

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é crime, cuja conduta encontra-se

devidamente expressa no ordenamento jurídico Pátrio.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação23 foi utilizado o Método Indutivo24, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano25, e, o Relatório dos Resultados expresso na

presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

23 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101. 24 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 104. 25 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

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4

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente26, da Categoria27, do Conceito Operacional28 e da

Pesquisa Bibliográfica29.

26 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 62. 27 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 31. 28 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 45. 29 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 239.

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CAPÍTULO 1

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR NA CRFB/88

1.1 DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS

No processo evolutivo das sociedades, o trabalho

desenvolvido pelo ser humano foi alvo das mais diversas formas de interpretação.

De castigo a virtuosidade, de meio disponível para propiciar

ao indivíduo o autoconhecimento a direito/dever, as relações de trabalho foram se

modificando, estruturando-se paralelamente à evolução dos Estados.

Na atualidade, para que se possa analisar exatamente como

se encontram inseridos no ordenamento jurídico Pátrio os direitos oriundos das

relações entre empregado, empregador e Estado torna-se imprescindível que se

proceda, inicialmente, a uma breve análise da tutela dos direitos do trabalhador

na CRFB/88 para que se possa, na seqüência, investigar como referidos direitos

encontram-se protegidos nas relações existentes entre o Direito Constitucional e

demais ramos do Direito.

Frente ao exposto, passa-se à coletânea das informações

pertinentes ao entendimento do tema proposto.

Enquanto no preâmbulo a CRFB/88 destaca os ideais de

exercício de direitos sociais e individuais, dentre outros, seu texto inicia-se com o

Título I, tratando dos princípios fundamentais do Estado.

Para Rodrigo César Rebello Pinho30:

30 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentai s, volume 17. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53

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Princípios fundamentais são as regras informadoras de todo um sistema de normas, as diretrizes básicas do ordenamento constitucional brasileiro. Sobre estas proposições foi elaborada a Constituição brasileira. São regras que contêm os mais importantes valores que informam a elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil. Os princípios são dotados de normatividade, ou seja, possuem efeito vinculante e constituem regras jurídicas efetivas.

Dada a relevância dos princípios constitucionais dispostos

na CRFB/88, dispõe Celso Antônio Bandeira de Mello31 relativamente à violação

de tais princípios que:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Diferentemente dos princípios, as normas possuem como

características a coercibilidade e exigibilidade, dispondo Eros Roberto Grau32 que

“norma jurídica é gênero que alberga, como espécies, regras e princípios”.

Acerca da diferenciação entre princípios e regras, dispõe

Walter Claudius Rothenburg que:

Os princípios são dotados de um elevado grau de abstração, o que não significa impossibilidade de determinação – e, conseqüentemente, de baixa densidade semântico-normativa [...] ao passo que as demais normas (regras) possuem um menor grau de abstração e mais alta densidade normativa.33

31 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo . 12ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2000, p. 747/748. 32 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação-aplicação d o direito . 2 ed. Editora Malheiros: São Paulo, 2003. p. 42.

33 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais . Porto Alegre:

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Destaca-se que, dentre os fundamentos do Estado brasileiro

encontram-se o da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho

e da livre iniciativa, cujos conceitos são explicitados por Rodrigo César Rebello

Pinho34:

Dignidade da pessoa humana. O valor da dignidade da pessoa humana deve ser entendido como o absoluto respeito aos seus direitos fundamentais, assegurando-se condições dignas de existência para todos.

Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O trabalho e a livre iniciativa foram identificados como fundamentos da ordem econômica estabelecida no Brasil, ambos considerados indispensáveis para o adequado desenvolvimento do Estado brasileiro. Esses dois fatores revelam o modo de produção capitalista vigente. A Constituição pretende estabelecer um regime de harmonia entre capital e trabalho.

Para atingir os fundamentos dispostos em seu texto, a

CRFB/88 tem como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a

marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a

promoção do bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza.

Desta forma, há a vinculação direta dos objetivos do Estado

brasileiro com seus fundamentos.

1.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88

A CRFB/88, no Título II, dispõe acerca dos direitos e

garantias fundamentais, entendidos como gênero, que se encontram divididos em

cinco capítulos, entendidos como espécies, quais sejam: dos direitos e deveres

individuais e coletivos; dos direitos sociais; da nacionalidade; dos direitos políticos

e dos partidos políticos. Safe, 1999, p. 17-18.

34 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais, volume 17. p. 57

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José Afonso da Silva35 dispõe que “a classificação que

decorre do nosso Direito Constitucional é aquela que os agrupa com base no

critério de seu conteúdo, que, ao mesmo tempo, se refere à natureza do bem

protegido e do objeto de tutela”.

Desta forma, embora muitos dos direitos fundamentais

encontrem-se definidos no Título I, da CRFB/88, outros estão dispostos de forma

apartada, como no art. 193, ao dispor que “a ordem social tem como base o

primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”, bem como

no art. 225, que dispõe acerca do direito ao meio ambiente, ambos inseridos no

Título VIII, Da Ordem Social.

Afirma Rodrigo César Rebello Pinho36 que:

Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, necessário para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes.

Os direitos fundamentais, para a maioria dos doutrinadores,

dividem-se em três dimensões, tutelados em momentos históricos distintos.

Na primeira geração encontram-se os direitos individuais, os

quais limitam a atuação do próprio Estado em relação à pessoa humana,

implicando numa obrigação de não fazer do Estado, resguardando o cidadão. Os

direitos fundamentais individuais têm como marco histórico as revoluções do final

do século XVIII: Industrial, Americana e Francesa.

Na segunda geração encontram-se os direitos sociais, de

conteúdo econômico e social, e que implicam numa obrigação de fazer por parte

35 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo . 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda. 2007, p. 182

36 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais, volume 17. p. 60

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do Estado, objetivando promover a melhoria de condições de vida e de trabalho

do indivíduo.

A terceira geração engloba os direitos de fraternidade,

simbolizados pelos direitos decorrentes da evolução industrial e urbana, cujos

conflitos exigiram tutela específica não abrangida dentre os direitos individuais,

como exemplo as relações de consumo, o direito ao meio ambiente, dentre

outros.

1.3 CONSTITUIÇÃO E DIREITOS SOCIAIS

Os direitos fundamentais sociais são entendidos como

aqueles que asseguram ao homem a prestação de atividade do Estado, com

vistas a proporcionar-lhe condições de desenvolvimento, o bem-estar nas suas

relações com a sociedade.

Direitos sociais, segundo Rodrigo César Rebello Pinho37:

[...] são direitos de conteúdo econômico-social que visam melhorar as condições de vida e de trabalho para todos. São prestações positivas do Estado em prol dos menos favorecidos e dos setores economicamente mais fracos da sociedade.

Numa conceituação mais ampla, José Afonso da Silva38

entende que:

[...] os direitos sociais, como dimensão mais ampla dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade

37 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais, volume 17. p. 152 38 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 286

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real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo de liberdade.

Enquanto os direitos fundamentais entendidos como direitos

de primeira geração ou dimensão, que se referem às liberdades, implicam numa

atuação negativa do Estado, os direitos sociais impõem a este uma prestação

positiva, ou seja, exigem que o Estado intervenha na ordem econômica, com

vistas a proteger os economicamente mais fracos, nas relações decorrentes do

capitalismo, com freqüentes conflitos entre o capital e o trabalho.

Historicamente, os direitos sociais destacaram-se no Brasil

com a Constituição de 1934, editada após a Constituição do México, de 191739, e

da Constituição da Alemanha, de Weimar40, desenvolvendo-se e estruturando-se

continuamente até a promulgação da CRFB/88, que ampliou audaciosamente o

rol de tais direitos constitucionais até então existentes, fato que foi entendido por

alguns como comprometedor do exercício das atividades produtivas empresariais,

tendo em vista que se acreditava que as garantias protecionistas destinadas aos

trabalhadores tornariam os contratos de trabalho demasiadamente onerosos aos

empregadores.

Do impacto inicial da promulgação da CRFB/88, neste

aspecto, a prática observada é que, de fato, não assistia razão para o alarde, pois

os direitos dos trabalhadores previstos constitucionalmente não importaram em

óbice para a efetivação dos contratos laborais, haja vista que a exploração das

atividades econômicas exige a permanente adaptação e interação entre

empregadores e trabalhadores, no intuito de atingir seus objetivos particulares em

sintonia com as regras impostas pelo Estado.

39 A Constituição do México de 1917 representou um marco decisivo na história do Direito do Trabalho, pois foi a primeira a destinar um mínimo de garantias aos economicamente mais fracos, inserindo em seu texto o artigo 123, contando com trinta e um incisos, os quais asseguram diversos direitos aos trabalhadores. 40 A Constituição alemã de Weimar, considerada de excelente literatura, serviu de modelo para as demais constituições da Europa, relativamente aos direitos sociais. Submeteu o trabalho à proteção do Estado, fixando princípios que passaram a ser reproduzidos nos textos nas demais constituições democráticas.

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A Constituição Brasileira de 1934 dispunha sobre a matéria

nos artigos 115 e 143, no Título da Ordem Econômica e Social.

A Constituição de 1937 regulava a ordem econômica nos

artigos 135 a 155, sendo que, no artigo 136, ditava ser o trabalho um dever social

a ser garantido a todos, de forma honesta, visando promover a subsistência do

cidadão, constituindo um bem cuja proteção era dever do Estado, que deveria

assegurar as condições e os meios favoráveis para a sua defesa. No parágrafo

único de seu artigo 145 enfatizava ser o trabalho uma obrigação social. Todavia,

alguns dos referidos ditames ficavam suspensos em razão da disposição do art.

186, que declarava em todo o país estado de emergência, que somente veio a ser

revogado em 1945.

A declaração de tais direitos foi prevista na Constituição de

1946 no Título IV.

A Constituição Federal de 1967, através da Emenda

Constitucional 1, de 1969, estabeleceu nos artigos 160 a 174, acerca da ordem

econômica e social, dispondo no artigo 160, no inciso VI, a expansão das

oportunidades de emprego produtivo.

A CRFB/88, em relação ao tema inovou, dispondo sobre os

direitos fundamentais antes mesmo de abordar sobre a organização do Estado.

José Afonso da Silva41 assim classifica os direitos sociais:

(a) direitos sociais relativos ao trabalhador (arts. 7º ao 11); (b) direitos sociais relativos à seguridade social, abrangendo os direitos à saúde, à previdência social e à assistência social (arts. 193 a 204); (c) direitos sociais relativos à educação, à cultura e ao esporte (arts. 205 a 217); (d) direitos sociais relativos à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e às pessoas portadoras de deficiência (arts. 226 a 230); (e) direitos sociais relativos ao meio ambiente (art. 225).

41 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 287

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Os direitos sociais, intimamente vinculados aos direitos

fundamentais do homem, implicam numa atuação direta ou indireta do Estado,

por meio de normas previstas no texto constitucional, na busca permanente da

consecução de seus objetivos precípuos, quais sejam propiciar aos indivíduos

condições de vida digna, fundada na igualdade e na justiça enquanto meios

ensejadores de validar o direito à liberdade.

Todavia, a fruição dos direitos constitucionalmente

garantidos depende, irrefutavelmente, da eficaz atuação estatal, garantindo ao

cidadão não somente a letra da lei, mas acima de tudo, os mecanismos

potencialmente capazes de materializar as disposições contidas na norma.

O Estado Democrático de Direito tem como embasamento

de garantia jurídica sua vinculação a uma Constituição, da qual decorrem os

demais princípios que norteiam as relações sociais, assegurando os direitos

fundamentais, individuais e coletivos.

Leciona Arno Arnoldo Keller42 que:

O Estado Democrático de Direito ultrapassa esse aspecto individualista de não interferência na atividade e desenvolvimento individual e o seu forte é a vinculação do Estado a uma Constituição, que organiza a sociedade, sistematiza os direitos fundamentais, individuais e coletivos, implanta a justiça social, entre outras coisas.

Neste sentido, importante ressaltar-se o objetivo primordial,

bem como o compromisso avocado pelos constituintes, conforme se depreende

do preâmbulo da CRFB/88:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos

42 KELLER, Arno Arnoldo. O descumprimento dos direitos sociais : razões políticas, econômicas e jurídicas. São Paulo: LTr, 2001, p. 32

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de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Neste diapasão segue o texto constitucional, declarando no

Título I – Dos Direitos Fundamentais:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (...)

No Título II, da CRFB/88, ao abordar os Direitos e Garantias

Fundamentais, no Capítulo I, reportando-se aos Direitos e Deveres Individuais e

Coletivos declara:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (...)

Salienta-se que, ainda que o texto constitucional disponha

que as normas definidoras dos direitos sociais e coletivos, enquanto unificadoras

dos direitos fundamentais sejam de aplicação imediata e não excluam “outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, conforme

explicitado no § 2º, do artigo 5º, da CRFB/88, algumas são de eficácia limitada e

aplicação indireta, posto que, por disposição expressa da CRFB/88 necessitam de

regulamentação ulterior.

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Neste sentido, entende-se que o Estado, ao dispor as

normas para regular os direitos sociais, bem como fundamentais, dividindo esta

responsabilidade com o segmento privado da sociedade, ou seja, com o

empresariado, promoverá a aplicação das referidas normas no limite das

condições oferecidas pelas instituições e que, na ocorrência de caso concreto

relacionado à garantia prevista na CRFB/88, não pode o judiciário abster-se de

julgar, devendo propor solução que corresponda ao interesse dos litigantes,

utilizando-se das instituições regulamentadas.

Na continuidade do texto, o legislador, no Capítulo II, do

Título II, que trata dos Direitos Sociais Fundamentais, dispõe que:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Citado dispositivo complementa-se pela disposição contida

no Capítulo I, do Título VIII que, ao abordar a Ordem Social, determina no artigo

193 que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o

bem-estar e a justiça sociais.”

Ressalta-se que, naquilo que é inerente ao direito ao

trabalho, enquanto direito social e objeto da presente pesquisa, cuja previsão

encontra-se explicitada no artigo 6º, III e XXIV, da CRFB/88, referido Diploma

Legal disciplinou a forma de efetivação do mesmo, enquanto direito social dos

trabalhadores nas suas efetivas relações individuais laborais, dentre outros:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de

outros que visem à melhoria de sua condição social:

III - fundo de garantia do tempo de serviço;

XXIV - aposentadoria;

Desta forma, resta clara a intenção do legislador de propiciar

substancial valorização ao trabalho, entendido como meio passível de promover

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de forma sustentável a consecução dos objetivos propostos, não obstante a

preocupação atinente a garantir ao trabalhador meio de subsistência digna na

eventualidade de desemprego ou na ocorrência de fato impeditivo da

continuidade do labor, seja por meio da avançada idade, seja por enfermidade.

Correlacionando-se o texto constitucional encontra-se a

disposição que se segue:

Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VIII - busca do pleno emprego

Depreende-se do dispositivo supra citado, consubstanciado

em seu caput que a norma não é taxativa, mas apenas exemplifica direitos

mínimos a serem assegurados aos trabalhadores, de forma a assegurar a

dignidade da pessoa humana, a ser conquistada através das relações laborais.

Ainda que doutrinariamente existam discussões acerca de

serem, ou não, os direitos sociais entendidos como direitos dos trabalhadores, há

que se destacar que tais direitos fundamentam os direitos trabalhistas, haja vista

que estes viabilizam aqueles, enquanto asseguram as condições mínimas

necessárias à obtenção do almejado princípio de proteção do indivíduo na sua

interação efetiva com os processos produtivos.

Muito embora a CRFB/88 não traga a correlata definição da

expressão “trabalho”, denota-se a preocupação dada pelo legislador ao relacioná-

lo como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ou como

fundamento da ordem econômica ou, ainda, como base da ordem social.

Desta forma, observa-se que, independentemente da

denominação dada pela CRFB/88 a tais direitos, resta claro que, dos direitos

trabalhistas decorre a concretização dos direitos sociais nela previstos,

considerando que, os princípios e valores por ela consagrados de dignidade,

igualdade, justiça social, dentre outros, direta ou indiretamente dependem da

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consistente regulação das relações laborais, não obstante a notória necessidade

de intensa intervenção do Estado para a legítima proteção do obreiro enquanto

agente capaz de promover o auto-sustento e elemento fundamental para viabilizar

o desenvolvimento do País.

Neste contexto, urge enfatizar a disposição da CRFB/88 ao

declarar no artigo 22, I, que “compete privativamente à União legislar sobre direito

do trabalho”.

Na contrapartida, encontra-se expresso no artigo 60, § 4º,

IV, que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir

os direitos e garantias individuais”.

Considerando-se que os direitos sociais estão inclusos nos

direitos e garantias fundamentais, tem-se que são os mesmos insuscetíveis de

redução por emenda constitucional, posto que contidos dentre as cláusulas

pétreas, ou intocáveis, irreformáveis da CRFB/88, e que referidos direitos sociais

implicam diretamente em controle permanente do Estado Social de Direito que

visa à proteção aos hipossuficientes, com a conseqüente melhoria das condições

de vida, na erradicação da pobreza e na busca pela redução das desigualdades

sociais.

Há que se ressaltar que, doutrinariamente, é crescente o

entendimento de que os direitos sociais não estão protegidos pelo artigo 60, § 4º,

da CRFB/88, que teria com destinação específica os direitos individuais e

coletivos, dispostos no seu Capítulo I, do Título II.

Diante de toda a significação dispensada ao trabalho, assim

como ao trabalhador enquanto indivíduo pela CRFB/88, deve-se considerar que

absolutamente nenhum fator contemporâneo, seja crise econômico-financeira,

sejam transformações decorrentes de movimentos sociais em função do

aprimoramento das tecnologias empregadas, da alteração nos costumes vigentes,

dentre outros meios capazes de intervir nos processos produtivos, devem fazer

retroceder as conquistas fulcradas na lei vigente, sob pena de inviabilizar os

demais princípios e objetivos nela dispostos.

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1.4 DIREITO DO TRABALHO

Considerando que os direitos sociais, que são objeto da

presente pesquisa, são aqueles que encontram sua materialização nas relações

decorrentes dos contratos de trabalho, torna-se imprescindível que se saliente

aspectos de relevância para a conexão das matérias abordadas, adentrando na

seara do Direito do Trabalho, conquanto disciplina autônoma que visa regular as

relações laborais, extraindo-lhe a essência pertinente.

No período compreendido entre 1930 e 1942, existia um

conjunto de normas legais, sancionadas ou decretadas no decorrer do processo

evolutivo nacional, que ensejavam sua unificação.

Neste contexto foi formada uma comissão, autorizada pelo

então Presidente Getúlio Vargas, para elaborar o anteprojeto que visava a

Consolidação das Leis do Trabalho e da Previdência Social.

Em 31 de março de 1943 foi aprovada a CLT através do

Decreto-lei nº 5.452, publicado no Diário Oficial de 09 de agosto daquele ano,

entrando em vigor a partir de 10 de novembro de 1943.

Amauri Mascaro Nascimento43 expõe que:

O direito do trabalho surgiu como conseqüência da questão social que foi precedida a Revolução Industrial do século XVIII e da reação humanista que se propôs a garantir ou preservar a dignidade do ser humano ocupado no trabalho das indústrias, que, com o desenvolvimento da ciência, deram nova fisionomia ao processo de produção de bens na Europa e em outros continentes. A necessidade de dotar a ordem jurídica de uma disciplina para reger as relações individuais e coletivas de trabalho cresceu no envolvimento das “coisas novas” e das “idéias novas”...

43 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 4

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Ainda, segundo Amauri Mascaro Nascimento44, “o direito do

trabalho tem sido mais vivido do que conceituado, o que não impede que se faça

a tentativa da sua compreensão conceptual.”

Doutrinariamente, os conceitos de direito do trabalho

envolvem seus aspectos subjetivos, relacionados aos tipos de trabalhadores;

objetivos, vinculados à matéria de direito do trabalho, e, mistos, que envolvem

tanto as pessoas envolvidas como o objeto.

Entende Sérgio Pinto Martins45 que:

Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas.

Para Amauri Mascaro Nascimento46, é possível formular a

definição de direito do trabalho como:

[...] o ramo da ciência do direito que tem por objeto as normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho, em sua estrutura e atividade.

Conclui-se que o direito do trabalho é o conjunto de normas,

princípios e instituições que visam tutelar a relação jurídica existente entre

empregados e empregadores, e entre estes e o Estado, de modo a promover os

meios propícios para assegurar o desenvolvimento social, cujos objetivos são

direcionados a uma finalidade político-social que é a manutenção da paz e da

harmonia.

44 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. p. 4 45 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . 20. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 50 46 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. p. 176

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Nas suas relações com os demais ramos do direito, expõe

Sérgio Pinto Martins47 que:

A relação do Direito do Trabalho com o Direito Constitucional é muito estreita, pois a Constituição estabelece uma série de Direitos aos trabalhadores de modo geral, principalmente nos arts. 7º a 11. Mais especificamente no art. 7º, a Lei Maior garante direitos mínimos aos trabalhadores urbanos e rurais, especificando-os em 34 incisos.

Ressalta-se que, embora o Direito do Trabalho goze de

autonomia em relação à elaboração de suas normas, esta autonomia deve,

impreterivelmente, estar atrelada às disposições constitucionais vigentes,

considerando-se que qualquer preceito que viole seus princípios deve ser tido

como inconstitucional.

1.4.1 Conceitos de empregado e empregador

Não obstante os conceitos desenvolvidos doutrinariamente,

a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT expressamente dispõe sobre o tema:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou

coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

47 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . p. 61

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Tendo como pressuposto o conceito legal vigente, bem

como as discussões existentes acerca da distinção de empregador e empresa,

Sérgio Pinto Martins48 entende que:

Numa concepção mais objetiva, empregador é o ente destituído de personalidade jurídica. Não é requisito para ser empregador ter personalidade jurídica. Tanto é empregador a sociedade de fato, a sociedade irregular que ainda não tem seus atos constitutivos registrados na repartição competente, como a sociedade regularmente inscrita na Junta Comercial ou no Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Será, também, considerado como empregador o condomínio de apartamentos, que não tem personalidade jurídica, mas emprega trabalhadores sob o regime da CLT (Lei nº 2.757/56).

Prossegue Sérgio Pinto Martins49 afirmando que “outras

pessoas também serão empregadores, como União, Estados-membros,

municípios, autarquias, fundações, massa falida, espólio, microempresa.”

Desta forma, entende-se como empregador aquele que tem,

sob o seu comando, empregados, independentemente de pertencer ao setor

comercial, industrial, urbano, rural, ou apenas doméstico. Assim, pode ser,

também, pessoa física, como no caso dos profissionais liberais, pessoa jurídica,

ou entes de direito público que firmam contratos pelo regime previsto na CLT,

além daquelas que desenvolvam atividade com o objetivo de obtenção de lucro.

Relativamente a empregado a CLT também traz expresso

seu conceito no artigo 3º, dispondo que “considera-se empregado toda pessoa

física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a

dependência deste e mediante salário”.

48 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . p. 212 49 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . p. 212

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Do conceito legal pode-se concluir que, considerando que o

objeto a ser tutelado pela legislação trabalhista é a pessoa do empregado, este

deve ser pessoa física.

Para que o empregado seja reconhecido como tal deve

prestar serviços de caráter não eventual, ou seja, o vínculo entre este e o

empregador deve ser contínuo.

A dependência prevista na norma é interpretada como a

subordinação do empregado ao empregador, decorrente do contrato de trabalho,

que lhe impõe cumprir as ordens impostas em prol da consecução das tarefas

pertinentes ao ofício, e que representam o objeto da atividade da empresa.

O contrato de trabalho tem como característica a

onerosidade, inexistindo previsão de contrato de trabalho gratuito, razão pela qual

resta inequívoco que, para ser identificado como empregado, o prestador de

serviços deve perceber salário do empregador.

Ressalte-se ainda que, da parte final do artigo 2º, da CLT,

exige-se do empregado pessoalidade, ou seja, o contrato de trabalho é intuito

personae, o que implica em dizer que somente a pessoa contratada tem o dever

de prestar os serviços.

1.4.2 Princípios do direito do trabalho

Não obstante os princípios gerais do direito inseridos no

artigo 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que tratam de aplicação geral ao

informar que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a

analogia, os costumes, e os princípios gerais do direito”, bem como às

disposições constitucionais gerais anteriormente explicitadas, como a dignidade

da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, dentre outros que os

complementam, o Direito de Trabalho rege-se, também, fundamentado em

determinados princípios que lhe são inerentes.

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Celso Antônio Bandeira de Mello50, dada a relevância no

âmbito do Direito, esclarece que princípio é:

[...] por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

[...]

O princípio alberga uma diretriz ou norte magnético, muito mais abrangente que uma simples regra; além de estabelecer certas limitações, fornece diretrizes que embasam uma ciência e visam à sua correta compreensão e interpretação...

Amauri Mascaro Nascimento51 discorrendo acerca de

princípios fundamentais e direitos fundamentais leciona que:

Princípios e direitos fundamentais são conceitos que se relacionam com características diferentes, mas que acabam por cumprir o mesmo fim, mais amplo nos princípios, uma vez que se destinam a presidir o ordenamento jurídico como um todo, estabelecendo as principais diretrizes que o devem regular, enquanto direitos fundamentais são direcionados para a pessoa e sua esfera subjetiva de proteção da qual a ordem jurídica não pode se afastar.

Dentre os princípios específicos do Direito do Trabalho

merece destaque neste trabalho o princípio da proteção do trabalhador, sobre o

qual Arnaldo Süssekind52 discorre:

O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas, e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a

50 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo . p. 747/748. 51 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. p. 342 52 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho , volume I. 22. ed. atual. por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 2005, p. 144

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opor obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho – uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal.

Referido princípio caracterizador do Direito do Trabalho não

visa exclusivamente à pessoa do trabalhador, a sua individualidade frente ao

contrato laboral, ainda que busque promover a compensação de sua inferioridade

frente ao contrato de trabalho, mas acima de tudo, referida proteção jurídica tem

como destinação a sociedade, a coletividade, visto que, refletidamente, os

benefícios obtidos através desta regulação e da sua efetiva aplicação viabilizam a

concretização do bem comum objetivado por todos.

Leciona Sérgio Pinto Martins53 que o princípio da proteção

“deve proporcionar uma forma de compensar a superioridade econômica do

empregador em relação ao empregado, dando a este último uma superioridade

jurídica”.

Observa-se, ainda, que o conjunto dos princípios que

norteiam o Direito do Trabalho, de forma explícita ou implícita, converge aos

princípios apregoados na CRFB/88 de dignidade, igualdade, liberdade, de justiça

social.

Considerando-se que os direitos oriundos do trabalho

encontram-se inseridos no contexto dos direitos sociais, conquanto tendentes a

propiciar a redução das desigualdades sociais, de forma justa e igualitária,

assegurando reais condições de liberdade, dentro da efetivação do estado social

de direito, seus princípios devem, por conseguinte, ser interpretados não de

conformidade com a letra fria da lei, mas de forma sistemática, teleológica.

Os interesses individuais devem sucumbir aos interesses

coletivos. Diante da realidade constatada no País, as necessidades que se

impõem na busca de solução para os conflitos econômico-sociais devem romper

53 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . p. 97

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a barreira dos formalismos legais vigentes, de modo a se sobrepor à subjetividade

existente na norma, adentrando no campo de sua objetiva aplicação.

Destaca-se que, para que se possa buscar o entendimento

das implicações do descumprimento dos direitos sociais do trabalhador no âmbito

cível, administrativo e criminal, é indispensável sintetizar o Direito do Trabalho,

acima de tudo pelos conceitos que lhe são inerentes, cujas peculiaridades devem

restar delineadas para a justa correlação com as demais disciplinas de Direito e,

acima de tudo, para que se possa discorrer sobre a tutela penal da matéria.

1.5 TUTELA PENAL DOS BENS JURÍDICOS SOCIAIS

Para se possa discorrer acerca da tutela penal de bens

jurídicos é imprescindível que, a princípio, se proceda a alguns conceitos

elementares.

Bem, num contexto amplo, implica em algo a ser relacionado

com sua utilidade, enquanto capaz de satisfazer as necessidades de determinado

sujeito.

Partindo-se desta premissa, destaca-se a relevância do

instituto bem jurídico para o Direito Penal, cujo propósito é delimitar a matéria a

ser tutelada, em consonância com sua relevância no seio da sociedade.

Referidos bens, ficam, então, a encargo do legislador

delimitar, levando-se em consideração, dentro da realidade social apresentada,

quais aqueles que são por ela mensurados, tornando-se carecedores de efetiva

proteção penal, visando atuação preventiva do Estado voltada para a manutenção

da convivência pacífica e justa.

O bem jurídico e a pena correspondente à sua infração

estão intimamente relacionados, posto que, a justificação de um faz remeter ao

outro. Não é a norma responsável pela criação do bem jurídico, que existe

independentemente de regulamentação – a norma apenas vai de encontro às

necessidades preexistentes de tutela do bem correspondente.

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Destaca-se que somente os bens jurídicos fundamentais

devem ser objeto da tutela penal.

1.5.1 Conceito de bem jurídico

Tem-se, de forma singela, que bem jurídico vem a ser

aquele cujo valor apresenta-se de forma mais significativa no âmbito das relações

humanas, na incansável busca por condições de vida potencialmente capazes de

assegurar seu desenvolvimento com correspondente manutenção de dignidade e

justiça social.

A conceituação de bem jurídico, doutrinariamente, é cercada

de controvérsias. Entende Claus Roxin54 que bens jurídicos são:

[...] pressupostos imprescindíveis para a existência em comum, que caracterizam numa série de situações valiosas, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de atuação, ou a propriedade, que toda a gente conhece, e, na sua opinião, o Estado social deve também proteger penalmente...

Na doutrina pátria Francisco de Assis Toledo55 afirma que

bens jurídicos “são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de

assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a

perigo de ataques ou a lesões efetivas.”

Para Heleno Cláudio Fragoso56:

[...] o bem jurídico não é apenas um esquema conceitual visando proporcionar uma solução técnica de nossa questão; é o bem humano ou da vida social que se procura preservar, cuja natureza e qualidade dependem, sem dúvida, do sentido que a norma tem ou que a ela é atribuído, constituindo, em qualquer caso, uma realidade contemplada pelo direito. Bem jurídico é um bem

54 ROXIN, Claus. Apud Luiz Régis Prado. Bem jurídico-penal e constituição . 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003, p. 47 55 TOLEDO, Francisco de Assis. Apud Luiz Régis Prado. Bem jurídico-penal e constituição . p. 48 56 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Apud Luiz Régis Prado. Bem jurídico-penal e constituição . p. 48

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protegido pelo direito: é, portanto, um valor da vida humana que o direito reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma.

Extrai-se que a idéia de bem jurídico vincula-se às

necessidades do indivíduo frente ao convívio social, capazes de suscitar a

intervenção do Estado para resguardar os direitos oriundos de tal bem.

Gianpaolo Poggio Smanio57 propõe uma tríplice classificação

para os bens jurídicos penais:

a) os bens jurídicos penais de natureza individual, referentes aos indivíduos, dos quais estes têm disponibilidade, sem afetar os demais indivíduos. São, portanto, bens jurídicos divisíveis em relação ao titular. Citamos, como exemplo, a vida, a integridade física, a propriedade, a honra etc.;

b) os bens jurídicos penais de natureza coletiva, que se referem à coletividade, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais titulares do bem jurídico. São, dessa forma, indivisíveis em relação aos titulares. No Direito Penal, os bens de natureza coletiva estão compreendidos dentro do interesse público. Podemos exemplificar com a tutela da incolumidade pública, da paz pública etc.;

c) os bens jurídicos penais de natureza difusa, que também se referem à sociedade como um todo, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar a coletividade. São, igualmente, indivisíveis em relação aos titulares. Os bens de natureza difusa trazem uma conflituosidade social que contrapõe diversos grupos dentro da sociedade, como na proteção ao meio ambiente, em que os interesses econômico industriais e o interesse na preservação ambiental se contrapõem, ou na proteção das relações de consumo, contrapostos os fornecedores e os consumidores, na proteção da saúde pública, no que se refere à produção alimentícia e de remédios, na proteção da economia popular, da infância e juventude, dos idosos etc.

57 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O conceito de bem jurídico penal difuso . Disponível em http://www.damasio.com.br. Acesso em 21 abr. 2009.

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Destaca, ainda, Gianpaolo Poggio Smanio58 que, somente

da análise do caso concreto é que se pode definir sobre qual dos bens jurídicos

houve lesão ou ameaça de lesão, sendo que, em casos determinados, pode

haver a ocorrência sobre mais de um bem jurídico.

Para Luiz Régis Prado59:

O conceito de bem jurídico deve ser inferido na Constituição, operando-se uma espécie de normativização de diretivas político-criminais. Podem ser agrupadas em teorias de caráter geral e de fundamento constitucional estrito. A divergência entre elas é tão-somente quanto à maneira de vinculação à norma constitucional.

Prossegue Luiz Régis Prado60 esclarecendo que:

Nas primeiras, costuma-se fazer referência ao texto maior de modo genérico, amplo, com remissão à forma de Estado constitucionalmente estabelecida, aos princípios que inspiraram a norma fundamental e com base nos quais se constrói o sistema punitivo.

[...]

De outro passo, as teorias constitucionais estritas (...) orientam-se firmemente e em primeiro lugar pelo texto constitucional, em nível de prescrições específicas (explícitas ou não), a partir das quais se encontram os objetos de tutela e a forma pela qual deve se revestir, circunscrevendo dentro de margens mais precisas as atividades do legislador infraconstitucional.

Destaca-se, pois, que a tutela penal de bens jurídicos parte

do pressuposto da essencialidade de tais bens, tanto para o indivíduo particular,

quanto para a coletividade, e devem ser embasados nos princípios fundamentais

inseridos no texto constitucional. 58 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O conceito de bem jurídico penal difuso . Disponível em http://www.damasio.com.br. Acesso em 21 abr. 2009. 59 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 62 60 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 62

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Desta forma, o bem jurídico a merecer a tutela penal deve,

necessariamente, passar pelo crivo do legislador, que se fundamentará nos

princípios penais vigentes, de forma explícita ou implícita no texto constitucional,

como o princípio da culpabilidade, da reserva legal, dentre outros.

Não obstante, dentre as garantias previstas na CRFB/88,

encontra-se o princípio da inafastabilidade ou do controle do poder judiciário,

previsto no artigo 5º, que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

1.5.2 Objeto da tutela penal dos bens jurídicos soc iais

No Estado Democrático e Social de Direito a tutela penal

vincula-se diretamente à estrita necessidade de intervenção estatal para garantir

os princípios fundamentais postulados, garantindo-se condições de vida digna,

com igualdade e liberdade, enquanto promove-se o desenvolvimento num

contexto social de paz e equilíbrio.

Neste sentido leciona Luiz Régis Prado61 que:

[...] são bens suscetíveis de proteção penal, por exemplo, os direitos constitucionais do cidadão, os valores objetivamente tutelados e outros que se inserem no contexto de garantia do Estado Democrático e Social de Direito ou lhe são conexos. O critério básico a partir do qual se pode deduzir um quadro valorativo deve ser fornecido pelos princípios constitucionais (v.g., arts. 1º, 2º, 3º e 5º da CF), reconhecidos como fundamentos da ordem política e social.

Prossegue Luiz Régis Prado62 afirmando que, da natureza

constitucional do bem jurídico será definida a possibilidade de sua tutela.

A CRFB/88 exemplifica condutas cuja prática enseja a

aplicação de punição criminal, dentre elas destaca-se a previsão do artigo 5º, XLI,

61 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 94 62 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 94

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que dispõe que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e

liberdades fundamentais”.

Ressalta-se que o objeto do Direito Penal a ser tutelado não

adstringe-se aos bens jurídicos materiais, abrangendo, também, os bens jurídicos

imateriais, aqueles de caráter moral, ligados às questões e valores inerentes ao

entendimento espiritual do indivíduo.

O entendimento do injusto penal nos estados democráticos

de direito devem embasar-se, indubitavelmente, no seu texto constitucional, de

forma a vincular sua exigência diante da carência de tutela do bem jurídico

considerado.

Fica então o legislador limitado, quando da identificação do

bem jurídico passível de tutela específica, posto que este deve, como regra,

manter-se atrelado ao texto constitucional, de forma que a tutela de um bem não

implique em lesão a outro, também tutelado pela lei maior.

Para Luiz Regis Prado63 a função político-criminal do bem

jurídico deve ser explicada sob três aspectos: exigência e eficiência do sistema

penal; adequação à Constituição da parte especial e seriedade do sistema, além

do critério complementar da danosidade social como requisito para assegurar a

adequada relevância e dimensão social do interesse protegido e da ofensa.

Com relação à danosidade social Luiz Regis Prado64 explica

que esta condição, ou seja, a existência do dano social revestido de conteúdo

negativo e indesejável a ensejar tutela vincula-se à probabilidade de repetição e

difusão do comportamento desviante.

Assim, o interesse social referente a determinado bem, bem

como sua relevância no contexto social aliada à sua previsão e tutela no texto

constitucional, são elementos que o tornam suscetíveis da efetiva tutela penal.

Todavia, destaca-se que, muito embora referidos bens sejam considerados de 63 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 102 64 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 102

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importância fundamental para o indivíduo e a coletividade, sua inserção no

contexto criminal lhe impõe conseqüências inerentes ao próprio Direito Penal.

Os bens jurídicos podem ser individuais ou metaindividuais,

de acordo com sua abrangência no contexto de determinada sociedade.

Visto sob o prisma da abrangência, pode-se afirmar que os

bens jurídicos metaindividuais, direta ou indiretamente, complementam os direitos

e interesses individuais.

Como conseqüência, não pode o Estado abster-se de

intervir minimamente na esfera da tutela jurídica criminal, dada a relevância dos

interesses relativos aos bens jurídicos violados.

1.6 TUTELA PENAL DOS BENS JURÍDICOS SOCIAIS TRABALH ISTAS

As relações de trabalho, lato sensu, encontram-se

constitucionalmente protegidas não apenas na sua especificidade, posto que a

CRFB/88, no artigo 1º, IV, prima pelo seu valor social, não obstante o fato de que

a valoração social do trabalho está intrinsecamente vinculada à valoração do

indivíduo no exercício do seu direito-dever ao trabalho, compreendido como

atividade lícita, amparada pela legislação vigente, como subsídio a proporcionar-

lhe condições de adquirir os bens indispensáveis à sua sobrevivência, bem como

daqueles que se encontram sob sua dependência econômico-financeira.

Dos princípios que fundamentam a CRFB/88, sejam

referentes à dignidade da pessoa humana, sejam pertinentes à valoração do

trabalho como bem social, implicam em observar-se que, garantidas as condições

ao indivíduo de dignidade no desempenho do seu labor, e respeitados os direitos

oriundos da relação existente entre empregado e empregador, e entre estes e o

Estado, previstos na lei, tais premissas ensejam o trilhar da sociedade rumo à paz

social, à harmonia, à justiça, ao Estado Democrático de Direito que o legislador

almejou, não apenas no preâmbulo da CRFB/88, mas nas disposições contidas

em muitos de seus dispositivos.

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Desta forma, inexiste argumentação plausível que justifique

ausência de fundamentação constitucional que reclame tutelar-se penalmente as

relações trabalhistas.

Não obstante a previsão constitucional pelo primado do valor

social do trabalho, a CRFB/88 dispõe que:

Art. 6 o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A República Federativa do Brasil, constituída em Estado

Democrático de Direito fundamenta-se, dentre outros princípios, na “dignidade da

pessoa” e nos “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. São direitos

sociais também o trabalho e a previdência social.

Extrai-se, ainda, das disposições da CRFB/88 que:

Art. 170 . A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios...

Destaca-se, também, do disposto na CRFB/88, no artigo 193

que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o

bem-estar e a justiça sociais”.

Considerando-se que o artigo 7º, que trata dos direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua

condição social, encontra-se disposto no Capítulo II, Dos Direitos Sociais, do

Título I, Dos Direitos Fundamentais, conclui-se, indubitavelmente que o trabalho,

assim como os institutos que lhe são inerentes, como a Previdência Social e o

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, são bens jurídicos fundamentais,

tutelados pela CRFB/88, sendo, portanto, bens que ensejam a tutela penal.

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A tutela penal do direito do trabalho é via não defesa pela

CRFB/88, ao contrário, é via essencial, posto que o desenvolvimento sócio-

econômico, a ordem econômica fundamentada na valoração do trabalho com

vistas a promover a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento, a justiça como

valores supremos de uma sociedade fundada na harmonia social são

fundamentos e princípios que, embora tutelados pelo texto constitucional,

necessitam de todas as formas existentes de tutela disponíveis, carecendo do

amparo do Direito Penal, com vistas a assegurar seu cumprimento.

A tutela penal dos referidos bens jurídicos justifica-se, não

obstante pela afronta ao texto constitucional, quando da prática de condutas

lesivas ao justo e regular desenvolvimento das relações laborais, mas também

pelo impacto e danosidade que a lesão incidente sobre tais bens dissemina no

contexto social, posto que o descumprimento das obrigações inerentes às

relações de trabalho agride, num plano imediato, a pessoa humana diretamente

vinculada e, em segundo plano, a sociedade, que fica à mercê da reiteração do

fato danoso frente à política de não-criminalização que vigora no Estado.

A tutela constitucional dos bens jurídicos fundamentais

impõe ao legislador, em muitos casos, a intervenção positiva, instituindo sua

tutela penal, de modo a assegurar sua observância, punindo os infratores ao

tempo que estabelece regras preventivas, posto que, ao estabelecer uma conduta

como crime contra direito do trabalhador, não apenas como infração meramente

administrativa, tal postura tem o condão de refrear as práticas lesivas, frente à

cultura que prolifera a nível nacional de que tudo aquilo que não é proibido é

permitido.

É princípio do Direito do Trabalho a proteção do trabalhador,

assim como é princípio constitucional a proteção ao trabalho tanto no seu valor

humano como no valor social.

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São bens jurídicos fundamentais os direitos sociais, o direito

ao trabalho, bem como o direito à Previdência Social e o direito ao Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço.

Neste contexto, destaca-se que a eficácia da proteção dos

direitos fundamentais encontra-se atrelada à efetiva aplicação das normas, bem

como à observância do princípio constitucional da proporcionalidade, que veda a

proteção deficiente, ou insuficiente, sob pena de que referidos bens jurídicos

fundamentais, de interesse tanto de indivíduos particulares, quanto da

coletividade, venham a ficar sem devida proteção ou desamparados pela tutela

penal.

Pelo princípio da proporcionalidade, tem-se que ao Estado

são atribuídos os princípios da proibição do excesso, bem como da proibição de

proteção deficiente.

Relativamente ao princípio da proteção deficiente, ou

insuficiente, afirma Maria Luiza Schafer Streck65 que:

A criminalização de uma conduta sempre será necessária quando a conduta a ser omitida põe em perigo um bem jurídico digno de proteção penal. Para a proteção de bens jurídicos, devemos levar em conta, principalmente, os constitucionalmente assegurados, sobretudo os direitos fundamentais.

Assim, o espaço de atuação do legislador estaria entre dois limites: a proibição de proteção sobre os excessos praticados contra o indivíduo (nesse caso, a proteção é em favor do indivíduo) e a proibição de proteção deficiente em prol do indivíduo a ser tutelado (nesse caso, a proteção é do restante da sociedade ou do indivíduo isoladamente).

Um dado fundamentalmente importante é que não é apenas o legislador que incorre em inconstitucionalidade quando protege insuficientemente bens jurídicos (por exemplo, descriminalizando

65 STRECK, Maria Luiza Schafer. O direito penal e o princípio da proibição de prote ção deficiente: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Disponível em http://bdtd.unisinos.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=721. Acesso em 15 mai. 2009.

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condutas), mas, também, o Poder Judiciário, ao interpretar equivocadamente a lei e a Constituição, incorrerá em proteção deficiente.

De todo modo, é possível afirmar que a proibição da proteção deficiente tem uma relação direta com a teoria do bem jurídico: ambas são conceitos que restringem a atuação do legislador, requerendo-lhe uma ação positiva e protetora...

Sobre o tema manifestou-se o Ministro Gilmar Mendes,

quando do debate no Plenário do Supremo Tribunal Federal do Recurso

Extraordinário nº 418.376-5, em 09 de fevereiro de 2006, do qual foi relator o

Ministro Marco Aurélio, conforme se transcreve:

Quanto à proibição de proteção insuficiente, a doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garantismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de proteção deficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental. Nesse sentido, ensina o professor Lênio Streck:

“Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem como conseqüência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador.” (Streck, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermarssverbot) à proibição de proteção deficiente

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(Untermarssverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris , Ano XXXII, nº 97, março/2005, p. 180).

Na seqüência, ao aplicar referido princípio àquele caso

concreto afirma o Ministro que “[...] não seria consentâneo com o princípio da

proporcionalidade no que toca à proibição de proteção insuficiente. Isso porque

todos os Poderes do Estado, dentre os quais evidentemente está o Poder

Judiciário, estão vinculados e obrigados a proteger a dignidade das pessoas..."

Frente aos princípios apresentados, cabe ao Estado a tutela

penal dos direitos sociais trabalhistas, haja vista tratar-se de bens

constitucionalmente tutelados, de meios que visam à concretização do Estado

Democrático de Direito.

Da observância de referidos princípios, da materialização de

tutela específica, depende a confirmação dos objetivos dispostos na CRFB/88,

sob pena de ficarem os direitos fundamentais inerentes às relações do trabalho,

em toda a sua abrangência na coletividade, entendidos apenas como letra de lei,

de mera utopia frente ao descaso do legislador.

Assim, em face da relevância e alcance dos bens jurídicos

denominados de Contribuição Previdenciária e de Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço, vinculados ao bem jurídico trabalho, este como elemento de valor da

dignidade do ser humano e de bem social, enquanto considerados de importância

fundamental para o indivíduo e a coletividade, ensejam sua inserção no contexto

criminal, frente às constantes afrontas que lhes são impostas.

Dado o princípio de proibição de tutela deficiente, que veda

ao Estado manter-se impassível diante de lesões de direitos correlacionados a

bens jurídicos fundamentais, comprometendo a eficácia das disposições da

CRFB/88, como conseqüência, não pode o Estado abster-se de intervir na esfera

da tutela jurídica criminal, mesmo na seara das relações privadas, ainda que

minimamente, dado o efeito danoso que tais práticas lesivas, em regra omissivas

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por parte do empregador, impõem tanto ao empregado, em particular, quanto à

sociedade.

Desta forma, procedeu-se a uma breve análise dos direitos

sociais dos trabalhadores, bem como da necessidade da sua efetiva tutela

jurídica, incluindo-se neste contexto a tutela penal, passa-se, então, à análise do

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, por representar este instituto o tema

central da presente pesquisa.

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CAPÍTULO 2

FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO

2.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

O sistema da estabilidade decenal, incorporado na

Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, era benefício dispensado ao

empregado após dez anos de serviços prestados a determinado empregador.

O sistema de estabilidade celetista sofria severas críticas

dos empregadores, que entendiam que o mesmo se impunha negativamente

sobre a existência das empresas.

A despeito das críticas voltadas ao sistema até então

vigente, Maurício Godinho Delgado66 afirma que:

Tais críticas encontraram cenário político ideal para vicejarem no regime autoritário instaurado no país em 1964. Exponenciadas pelo discurso oficial do novo regime, harmônico a uma política econômica de franco cunho neoliberal, e pelo silêncio cirurgicamente imposto às vozes e forças adversas, essas críticas encontraram a fórmula jurídica alternativa ao sistema celetista combatido – o mecanismo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Assim, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, criado de

forma optativa pela Lei nº 5.107/66, passou a regular, no ordenamento jurídico

vigente, a garantia trabalhista atribuída ao empregado quando da sua dispensa

pelo empregador.

O então benefício da estabilidade decenal veio a ser

revogado, de forma definitiva, ainda que gradual, com a CRFB/88, sendo que o

66 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho . 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 1238

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instituto do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço passou a ser regulado,

posteriormente, pela Lei nº 8.036/90, reafirmando os princípios protetores que

visavam assegurar a permanência do empregado no emprego.

Considerando ser o Direito uma realidade histórico-cultural,

para que se possa analisar o instituto do FGTS, no estágio como ele se apresenta

nos dias atuais, se faz mister retroagir ao tempo de sua instituição, fazendo uma

breve análise do sistema de estabilidade anterior à CRFB/88, para que se possa

compreender sua evolução.

2.2 O SISTEMA DE ESTABILIDADE

O sistema da estabilidade celetista implicava na garantia de

emprego ao trabalhador após dez anos de prestação de serviços ao empregador,

sendo que a dispensa do mesmo só poderia ocorrer em função de justa causa,

sob pena de ficar o empregador obrigado ao pagamento de indenização

correspondente ao descumprimento na norma que imperava.

Relativamente ao sistema de estabilidade, Sérgio Pinto

Martins67 informa que:

Na evolução da legislação sobre a dispensa do empregado, verifico a existência de dois sistemas: o impeditivo da dispensa e o de reparação econômica, que prevê o pagamento de um valor pecuniário ao obreiro despedido.

O sistema impeditivo da dispensa diz respeito à estabilidade, que nasceu da Lei Eloy Chaves, em 1.923.

Já o sistema de reparação econômica tem por base a indenização, visando dificultar a dispensa, impondo o pagamento de uma importância ao empregador, com o objetivo de evitar a rotação de mão-de-obra, ou seja, um óbice econômico para sua concretização.

67 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 6

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A Lei Eloy Chaves68, ou Decreto Legislativo nº 4.682, de 24

de janeiro de 1.923, é considerada como marco da Previdência Social Brasileira,

criando as caixas de aposentadorias e pensões por ferrovia, para os seus

respectivos empregados, que lhes proporcionava benefícios da aposentadoria por

invalidez ou tempo de contribuição, pensão por morte e assistência médica.

Posteriormente, seus benefícios foram estendidos a outras

categorias profissionais, culminando com sua unificação na Caixa de

Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos.

Referido Decreto, naquilo que é pertinente ao tema ora

estudado, trazia ipsis verbis em seu contexto:

Art. 42. Depois de 10 annos de serviços effectivos, o empregado das empresas a que se refere a presente lei só poderá ser demitido no caso de falta grave constatada em inquerito administrativo, presidido por um engenheiro da Inspectoria e Fiscalização das Estradas de Ferro.

Surgia, neste momento, a primeira norma que passou a

tratar de forma efetiva do instituto da estabilidade no setor privado, haja vista que,

aos servidores públicos já existia a garantia, prevista na Lei nº 2.924/15.

Ressalte-se que a Lei, embora tratando de questões de

abrangência fundamentalmente previdenciária, concedia a estabilidade apenas

aos ferroviários com dez anos de prestação de serviços ao mesmo empregador.

Posteriormente, o Projeto de Constituição de 1934 enviado à

Assembléia Nacional Constituinte previa a adoção de um fundo de reserva a ser

constituído pelas empresas atuantes no comércio e na indústria, que fosse capaz

de garantir, quando da destituição da empresa, a remuneração de seus

empregados pelo período de um ano. Todavia, o projeto não foi inserido no texto

constitucional.

68 Eloy de Miranda Chaves, operador jurídico, político, grande empreendedor, atuou decisivamente para o progresso de São Paulo, principalmente no interior do estado. Beneficiou amplamente o interior de São Paulo e Mato Grosso, com intensa atividade no ramo eletricitário. Não obstante sua marcante atuação neste setor,foi também agricultor e pecuarista, grande incentivador da indústria cerâmica de São Paulo.

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A partir de 1935, sob a presidência de Artur Bernardes, com

o advento da Lei nº 62, denominada como “Lei da Despedida Injusta”, o instituto

da estabilidade foi generalizado, estendendo-se aos empregados do comércio e

da indústria não abrangidos pela normatização da Previdência Social garantindo-

lhes, na hipótese de não atingir a permanência de dez anos na empresa, uma

indenização adicional por despedida injusta.

A Constituição de 1937 foi a primeira a fazer referência ao

instituto, dispondo no artigo 137 que “nas empresas de trabalho contínuo, a

cessação das relações de trabalho, a que o trabalhador não haja dado motivo, e

quando a lei não lhe garanta a estabilidade no emprego, cria-lhe o direito a uma

indenização proporcional aos anos de serviço.”

A estabilidade garantida após dez anos de serviço,

conhecida como estabilidade decenal, prevista na Lei nº 62/35 foi posteriormente

reproduzida nos artigos 462 a 500 da Consolidação das Leis do Trabalho,

dispondo que após o cumprimento do prazo previsto para aquisição da garantia, o

empregado só poderia ser dispensado mediante falta grave, que deveria ser

devidamente apurada através de inquérito judicial, ou por força maior a ser

indubitavelmente comprovada.

Através da Lei nº 3.470/58, facultou-se às pessoas jurídicas

contribuintes do Imposto de Renda promover a dedução do lucro real dos valores

destinados à composição dos fundos de reserva destinados às indenizações

trabalhistas que fossem aplicadas em títulos da dívida pública, sendo garantido o

resgate na ocorrência da obrigatoriedade de indenizar.

Referida disposição passou de facultativa para obrigatória

posteriormente, devendo o fundo de reserva ser aplicado em títulos da dívida

pública federal, em Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, cujo resgate

só poderia ocorrer após o prazo de cinco anos.

Em 1964, através da Lei nº 5.406, as indenizações do fundo

passaram ao campo da obrigatoriedade também para os empregados que

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gozavam da estabilidade decenal que, segundo Sérgio Pinto Martins69 “na

verdade, um dos objetivos do Governo, na época, era cobrir seu déficit de caixa,

mas também assegurar o pagamento das indenizações dos empregados

dispensados.”

Diante do desgaste do instituto da estabilidade, tendo em

vista que a maioria esmagadora dos empregadores era radicalmente contrária à

sua imposição e, utilizando-se da força que lhe é inerente em relação aos

trabalhadores, sempre burlava a norma, ou forçando a relação contratual perante

o empregado de forma a promover a sua dispensa, muitas vezes por justa causa,

ou coagindo-o a demitir-se antes que o mesmo adquirisse a garantia, em 1966 foi

enviado ao Congresso Nacional o projeto de lei que viria a instituir o FGTS.

Embora a princípio muito se tenha discutido sobre a

constitucionalidade do instituto, tendo em vista que a Carta Magna vigente

continha a previsão da estabilidade decenal, restou concluso que os dois

benefícios poderiam coexistir, pois seria facultado ao trabalhador renunciar à

estabilidade adquirida, ou apenas à expectativa de vir a adquiri-la, optando pelo

novo regime a ser regulamentado.

Primariamente, era previsto que os empregadores

efetuariam depósitos mensais em conta vinculada do trabalhador, na importância

de oito por cento sobre sua remuneração e, em sendo despedido imotivadamente,

caberia à empresa o depósito de dez por cento sobre o montante anteriormente

depositado, a título de indenização compensatória.

O projeto inicial do FGTS passou por várias emendas e,

finalmente, em 1º de janeiro de 1967 entrou em vigor a Lei nº 5.107, que instituiu

a garantia do tempo de serviço aos trabalhadores que fizessem a opção pelo

regime.

Na realidade, a estabilidade decenal era tida como garantia

meramente ilusória, pois, enquanto a classe patronal utilizava-se de artifícios

69 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS. p. 8

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fraudulentos para burlar a legislação pertinente, muitas vezes o próprio

trabalhador que adquiria o direito fazia uso do benefício de forma imprópria,

abusiva, fato que culminou na equiparação do instituto a escudo para os maus

trabalhadores. Por esta razão o instituto da estabilidade decenal mostrou-se

absolutamente ineficaz enquanto mecanismo que visava propiciar uma proteção

social ao trabalhador.

A questão da opção foi amplamente contestada, pois o que

se observava, na prática, era que os empregadores, que eram radicalmente

contra a estabilidade sob as mais diversas justificativas, deixavam de contratar os

trabalhadores que não confirmassem sua opção pelo FGTS, renunciando, desta

forma, à estabilidade decenal.

Tal afirmativa pode ser constatada através do seguinte

trecho do discurso pronunciado em fevereiro de 1.966, pelo então Presidente da

República, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco70:

Burlado pelos patrões e deformado pela escassa minoria dos trabalhadores que o alcançam, o instituto da estabilidade tornou-se um autêntico instituto de inquietação. A situação atual estimula o empregador a usar artifícios e a buscar de qualquer modo a dispensa por justa causa, a fim de se livrar do ônus latente, ou então, a evitar que o empregado atinja 10 anos, indenizando-o antes de completar esse tempo, pelo receio da indisciplina, e descaso pela produtividade do trabalhador que atinge a estabilidade.

Diante da forte pressão exercida pelos empregadores, o

instituto da estabilidade, que já apresentava baixos índices de trabalhadores

gozando do benefício, gradativamente foi-se extinguindo, na medida em que o

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço crescia em número de optantes,

voluntariamente ou compulsoriamente, até que, com a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, através do artigo 7º, I71, e através dos Atos de

70 Apud Amauri Mascaro Nascimento. Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. p. 842 71 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

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Disposições Constitucionais Transitórias, artigo 10, I72, revogou a disposição de

opção, passando o respectivo instituto a representar a única garantia de emprego

disponível aos trabalhadores.

Ressalte-se que, de acordo com Délio Maranhão73:

Ao empregado estável na data da entrada em vigor da Lei n. 5.107 (13.9.66) permitiu-se renunciar à estabilidade, sendo empregado optante ou não, com a assistência prevista no art. 500 da Consolidação, mediante acordo pelo qual lhe fosse paga indenização nunca inferior a 60% da prevista na lei (em dobro), com cessação do contrato e levantamento do depósito. Tratando-se de empregado estável optante, a renúncia por acordo, na mesma base (60% da indenização), podia verificar-se, sem levantamento do depósito, prosseguindo o contrato, não mais se computando o tempo anterior à opção.

Muito embora a instituição do FGTS fosse, à época,

justificada como um meio de proporcionar ao empregado uma garantia de

manutenção financeira por determinado período de tempo após sua dispensa da

empresa, em substituição à estabilidade decenal, visava também promover o

financiamento de imóveis através do Sistema Financeiro da Habitação.

2.3 REGULAMENTAÇÃO DO FGTS

O regime fundiário do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço foi instituído pela Lei nº 5.107, de 13 de junho de 1966, regulamentado

pelo Decreto nº 59.820/66, atualmente disciplinado pela Lei nº 8.036, de 11 de

maio de 1990, regulamentada pelo Decreto nº 99.684/90.

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; 72 Art. 10 - Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o Art. 7º, I, da Constituição:

I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no Art. 6º, caput e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966; 73 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho , volume I. p. 661

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A Lei nº 8.844, de 20 de janeiro de 1994, posteriormente

alterada pela Lei nº 9.467, de 10 de julho de 1997, dispõe sobre a fiscalização,

apuração e cobrança judicial, as contribuições e multas devidas ao Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.

Depreende-se dos ensinamentos de Sérgio Pinto Martins74

que sua instituição teve como objetivos promover a compensação financeira ao

trabalhador afastado do emprego através da dispensa imotivada, preservando o

seu patrimônio, diante do fim da estabilidade que prevalecia à época, e,

paralelamente, arrecadar recursos para programas de habitação popular, através

do Sistema Financeiro da Habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana.

Demasiadamente insatisfeitos com a determinação vigente,

ou seja, a estabilidade decenal, os empregadores se insurgiram contra a

prevalência de referida estabilidade, sob a alegação de que era a mesma

demasiada onerosa, transformando-se numa medida que obstruía a

produtividade.

Neste Sentido leciona Maurício Godinho Delgado75 que:

Tais críticas encontraram cenário político ideal para vicejarem no regime autoritário instaurado no país em 1964. Exponenciadas pelo discurso oficial do novo regime, harmônico a uma política econômica de franco cunho neoliberal, e pelo silêncio cirurgicamente imposto às vozes e forças adversas, essas críticas encontraram fórmula jurídica alternativa ao sistema celetista combatido – o mecanismo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Frente aos impasses e à pressão política e econômica que

se apresentava, em 1966 foi criado o FGTS, através da Lei nº 5.107.

74 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . 20. ed. São Paulo: Atlas, 2004, 452 75 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho . 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 1238

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Destaca-se da lição de Maurício Godinho Delgado76 que,

quando de sua criação, o FGTS facultava ao trabalhador celetista urbano fazer

sua opção expressamente, de forma escrita, quando de sua contratação por

determinado empregador, que assumia, através do contrato de trabalho, a

incumbência de depositar, mensalmente, na conta vinculada do trabalhador,

importância correspondente a 8% (oito por cento) sobre a remuneração do

mesmo, percebida dentro da respectiva competência.

O trabalhador passou, então, a ter o direito de optar pelo

regime do FGTS e seus benefícios, podendo promover, quando de sua dispensa,

o levante dos valores depositados acrescidos de 10% (dez por cento) a título de

multa rescisória, percentual este previsto quando da criação do Fundo,

ressalvando que a opção poderia dar-se de forma retroativa77, assegurando-se às

partes contratantes a liberdade de negociar o período anterior à opção, desde que

a indenização paga pelo empregador ao empregado não fosse inferior a 60%

(sessenta por cento) da verba prevista78; poderia, ainda, optar pela estabilidade

decenal, sendo que o primeiro extinguia terminantemente a segunda, adquirida

aos dez anos de trabalho. Ressalta-se que a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 alterou o percentual da multa rescisória para 40%

(quarenta por cento), com incidência sobre o montante dos valores depositados.

Todavia, o que se observa é que referido direito de opção

tornou-se apenas um símbolo, uma “máscara” destinada a extinguir a estabilidade

decenal, tão veementemente criticada pelos empresários, pois, na prática, após a

instituição do FGTS, os trabalhadores eram compelidos a firmar sua opção, sob

pena de não serem admitidos pelas empresas. Havia, ainda, o fator agravante de

que a retroatividade da opção poderia alcançar até a data de 1º de janeiro de

1967, que corresponde ao início de vigência da Lei que instituiu o Fundo. Desta

76 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho . p. 1238 77 Lei nº 8.036 , de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Art. 14, § 4º 78 Lei nº 8.036 , de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Art. 14, § 2º

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forma, o instituto foi amplamente difundido, transformando-se numa regra nos

contratos laborais, culminando com a inaplicabilidade da estabilidade decenal.

Com a Constituição da República Federativa de 1988, o

FGTS foi inserido no Capítulo II, dos Direitos Sociais, assegurando o direito aos

trabalhadores urbanos e rurais, independentemente de opção (art. 7º, III),

restando as garantias por tempo de serviço dispensadas aos trabalhadores

unificadas, extinguindo-se a opção. Assim, a exigência expressa de opção pelo

regime do FGTS foi transformada pelo sistema único que passou a vigorar

compulsoriamente, restando obrigatório para todos os trabalhadores, à exceção

dos domésticos, não amparados ainda pela prerrogativa.

Há que se destacar que, ainda que a CRFB/88 tenha

unificado o sistema de garantias indenizatórias dispensadas ao trabalhador

quando da rescisão sem justa causa, os trabalhadores que já haviam adquirido o

direito à estabilidade decenal e, conseqüentemente, à indenização compensatória

dela decorrente, tiveram assegurada sua situação jurídica, desde que

estabelecida até o dia 04 de outubro de 1988, data imediatamente anterior à da

promulgação da CRFB/8879.

Atualmente, o empregador, em decorrência da dispensa sem

justa causa, deve pagar 50% (cinqüenta por cento) sobre o montante dos

depósitos recolhidos ao FGTS durante a vigência do contrato de trabalho com o

empregado, a título de multa rescisória, ou GRRF – Guia de Recolhimento

Rescisório do FGTS. Deste valor, 40% (quarenta por cento) são depositados,

efetivamente, na conta vinculada do trabalhador, e, 10% (dez por cento)80 são

destinados, a título de contribuição social, como espécie tributária de competência

da União.

79 O artigo 14, caput, da Lei nº 8.036/90 assim dispõe: “Fica ressalvado o direito adquirido dos trabalhadores que, à data da promulgação da Constituição Federal de 1988, já tinham o direito à estabilidade no emprego nos termos do Capítulo V do Título IV da CLT.” 80 Referido percentual, correspondente à contribuição social devida pelos empregadores quando da dispensa dos empregados sem justa, foi instituído pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001.

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2.3.1 Conceito de FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é constituído

pelos saldos das contas vinculadas, atualmente centralizadas pela Caixa

Econômica Federal, nas quais são efetuados depósitos pelo empregador em prol

de seus empregados.

Entende-se como um fundo social, uma poupança que o

trabalhador pode vir a utilizar nas situações previstas em lei. Resulta num fundo

de reserva em favor do empregado, permitindo-lhe que promova o saque quando

da dispensa imotivada, na aposentadoria, ou pelos dependentes do trabalhador

falecido, ou, ainda, em circunstâncias excepcionais previstas na norma que o

regulamenta, a Lei nº 8.036/90.

A Lei nº 5.107/66 assim definia o Instituto:

Art. 11. Criado o "Fundo de Garantia do Tempo de Serviço" (FGTS), constituído pelo conjunto das contas vinculadas a que se refere esta Lei, ou cujos recursos serão aplicados com correção monetária e juros, de modo a assegurar cobertura de suas obrigações, cabendo sua gestão ao Banco Nacional da Habilitação.

Já na Lei nº 8.036/90 ele está assim definido:

Art. 2º O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.

Amauri Mascaro Nascimento81 dispõe que:

Fundo de garantia do Tempo de Serviço é uma conta bancária que o trabalhador pode utilizar nas ocasiões previstas em lei, formada por depósitos efetuados pelo empregador. Foi instituído no Brasil em 1966 como alternativa para o direito de indenização e

81 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 22. Ed. São Paulo: Editora LTr. 1996, p. 349

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de estabilidade para o empregado e como uma poupança compulsória a ser formada pelo trabalhador da qual pode valer-se nos casos previstos. Funciona também como meio de captação de recursos para aplicação no Sistema Financeiro de Habitação do país.

Para Sérgio Pinto Martins82:

O FGTS é um depósito bancário vinculado, pecuniário, compulsório, realizado pelo empregador em favor do trabalhador, visando formar uma espécie de poupança para este, que poderá ser sacada nas hipóteses previstas em lei.

Dada a relevância do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço, num primeiro plano beneficiando o trabalhador diretamente, posto ser

este o titular da conta vinculada e, em segundo plano, estendido a toda a

sociedade, haja vista que os recursos dele provenientes são investidos em planos

habitacionais, de saneamento e infra-estrutura, João de Lima Teixeira Filho83

expõe que:

Individualmente, o FGTS é um crédito trabalhista, resultante de poupança forçada do trabalhador, concebido para socorrê-lo em situações excepcionais durante a vigência do vínculo de emprego ou na cessação deste, de forma instântanea ou em circunstância futura, conforme a causa determinante da cessação contratual.

Coletivamente, a aplicação dos recursos do FGTS para financiar a construção de habitações populares, obras de saneamento básico e de infra-estrutura urbana, imprime significação a esses fundos privados, dos trabalhadores – os economistas governamentais renitem no erro crasso de tratá-los como recursos do Estado.

Do conceito legal e doutrinário do FGTS extrai-se que, muito

embora existam divergências pertinentes à sua natureza jurídica, é o Fundo

representado por depósitos efetuados pelo empregador em conta vinculada,

atualmente junto à Caixa Econômica Federal, da qual é titular o empregado,

82 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . p. 45 83 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho , volume I. p. 664

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formando uma espécie de fundo de reserva a ser utilizado por este quando da

dispensa imotivada, servindo os referidos depósitos como subsídio para fomentar

os investimentos do Estado nas áreas de infra-estrutura, além de possibilitar o

financiamento para aquisição de moradias através do Sistema Financeiro da

Habitação.

2.3.2 Natureza jurídica do FGTS

Há muitos anos muito se discute acerca da natureza jurídica

do FGTS e, diante da gama de posicionamentos controvertidos, formaram-se

diferenciadas correntes envolvendo o tema, defendendo suas teorias e

fundamentações jurídicas. Neste sentido afirma Amauri Mascaro Nascimento84

que:

Há mais de uma teoria sobre a natureza do Fundo de Garantia. Para alguns, é um tributo, uma contribuição parafiscal arrecadada pelo Estado. Para outros, tem a natureza jurídica previdenciária. Outros, ainda sustentam que se trata de uma indenização ao trabalhador despedido.

Dentre as diversas correntes que se formaram acerca da

natureza jurídica do FGTS, destacam-se:

a) teoria do salário diferido: o FGTS seria um salário

adquirido no presente para que pudesse ser utilizado no futuro;

b) teoria do salário socializado: o FGTS seria um salário

devido pela sociedade ao trabalhador;

c) teoria do salário atual: a remuneração paga ao

empregado seria dividida em duas parcelas distintas - uma a ser paga

diretamente a ele pelo empregador, e outra a ser depositada em uma conta

vinculada, da qual ele seria titular;

84 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. p. 350

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d) teoria do prêmio: o FGTS seria um prêmio atribuído ao

trabalhador em função do período que o mesmo ficaria à disposição do

empregador;

e) teoria da natureza jurídica fiscal: o FGTS seria uma

obrigação tributária paga diretamente a ente público pelo empregador;

f) teoria parafiscal: o FGTS seria uma imposição feita ao

empregador pelo próprio Estado.

Das variadas correntes formadas em torno do impasse da

natureza jurídica do FGTS, pode-se destacar alguns entendimentos, quais sejam:

a) natureza tributária; b) natureza salarial, salário diferido; c) natureza

previdenciária; d) natureza de contribuição social de índole trabalhista; e)

natureza indenizatória; f) natureza contratual.

Todavia, para que se possa discorrer acerca de tão

controvertido instituto, necessário se faz que, a priori, sejam determinados alguns

conceitos pertinentes, para sua melhor compreensão.

O tributo representa, enquanto prestação pecuniária, o meio

através do qual o Estado arrecada recursos para tornar possível a consecução de

seus objetivos. Seu conceito legal está determinado no Código Tributário

Nacional, conforme segue:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em

moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Deste conceito legal, algumas especificações são

imprescindíveis:

a) prestação pecuniária: o tributo é pago em unidades de

moeda de curso forçado, não existindo na legislação vigente a aceitação de

tributos in natura (em bens diversos do dinheiro) ou tributos in labore (em

serviços);

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b) compulsória: ou seja, a obrigação decorrente do tributo é

coercitiva, independe da vontade do contribuinte;

c) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir: o tributo

pode ser expresso em moeda, atualmente no Brasil em Reais, ou através de

índices de indexação como, por exemplo, a UFIR;

d) que não constitua sanção de ato ilícito: isto significa

afirmar que não se incluem no conceito legal de tributo, que não decorre da

prática de ato infracional, a aplicação de penas pecuniárias ou de multas, Desta

forma, pode-se concluir que, por exemplo, a aplicação de multa por

descumprimento do Código Nacional de Trânsito não se enquadra no conceito de

tributo.

Há que se ressaltar que, muito embora o tributo não seja

decorrente de ato ilícito, o fato de auferir renda através da ilicitude, citando como

exemplo os jogos de azar, ou a exploração da prostituição, esta renda é tributável,

haja vista que, para o Fisco, a disponibilidade econômica do contribuinte é o fato

que tem relevância, inexistindo fiscalização específica para determinar os meios

utilizados para a obtenção da renda.

e) instituída em lei: o contribuinte só fica obrigado a pagar

determinado tributo quando sua instituição for decorrente de lei, que pode ser Lei

Complementar, Lei Ordinária ou Medida Provisória. Decretos ou Portarias não

podem criar ou instituir tributos.

A imposição de que haja lei que institua o tributo justifica-se

pela garantia constitucional do Princípio da Legalidade, expresso no art. 5º, II, que

determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei” e, ainda, em decorrência da estrita legalidade em matéria

tributária, prevista no artigo 150, I, que dispõe que “sem prejuízo de outras

garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”,

ambos os dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil de

1.988.

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A Lei nº 4.320/6485, em seu artigo 9º, apresenta outra

conceituação legal de tributo, na qual acrescenta nova característica, a de ser

receita pública, às previstas no Código Tributário Nacional, dispondo que:

Tributo é a receita derivada, instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições, nos termos da Constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades.

Relativamente ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,

esta característica foi de extrema relevância, tendo em vista que, em sua

decorrência, o Supremo Tribunal Federal, considerando não compreender o

instituto receita pública, excluiu-o da abrangência de tributo, conforme decisão

proferida no RE nº 100.249, de 01 de dezembro de 1987, que teve como Relator o

Ministro Oscar Corrêa, a seguir transcrita:

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Sua natureza jurídica. Constituição, art. 165, XIII. Lei nº 5.107, de 13.9.1966. As contribuições para o FGTS não se caracterizam como crédito tributário ou contribuições a tributo equiparáveis. Sua sede está no art. 165, XIII, da Constituição. Assegura-se ao trabalhador estabilidade, ou Fundo de Garantia equivalente. Dessa garantia, de índole social, promana, assim, a exigibilidade pelo trabalhador do pagamento do FGTS, quando despedido, na forma prevista em lei. Cuida-se de um direito do trabalhador. Dá-lhe o Estado garantia desse pagamento. A contribuição pelo empregador, no caso, deflui do fato de ser ele o sujeito passivo da obrigação, de natureza trabalhista e social, que encontra, na regra constitucional aludida, sua fonte. A atuação do Estado, ou de órgão da administração pública, em prol do recolhimento da contribuição do FGTS, não implica torná-lo titular do direito a contribuição, mas, apenas, decorre do cumprimento, pelo poder público, de obrigação de fiscalizar e tutelar a garantia assegurada ao empregado optante pelo FGTS. Não exige o Estado, quando aciona o empregador, valores a serem recolhidos ao erário, como receita pública. Não há, daí, contribuição de natureza fiscal ou

85 Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

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parafiscal. Os depósitos do FGTS pressupõem vínculo jurídico, com disciplina no direito do trabalho. Não se aplica às contribuições do FGTS o disposto nos arts. 173 e 174, do CTN. Recurso Extraordinário conhecido, por ofensa ao art. 165, XIII, da Constituição, e provido, para afastar a prescrição quinqüenal da ação.

Há que se frisar que a decisão apresentada ocorreu na

vigência da anterior Constituição da República Federativa do Brasil.

As espécies de tributos existentes no ordenamento jurídico

Pátrio encontram-se definidas no artigo 5º, do Código Tributário Nacional,

dispondo que “os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”, e na

CRFB/88 nos artigos 148 e 149, que dispõem, respectivamente que “a União,

mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios” e que

“compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais...”

Dos referidos dispositivos legais se extrai, indubitavelmente,

que os tributos hoje existentes na legislação nacional são os impostos, taxas,

contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições

sociais.

Na modalidade denominada de outras contribuições,

previstas no artigo 195, § 4o, da CRFB/8886, que trata das formas de

financiamento da Seguridade Social, e que autoriza a criação de "outras

contribuições de Seguridade Social", encontram-se os tributos cuja hipótese de

incidência pode ou não ser vinculada a uma atividade estatal, muito embora sua

receita tenha que ser obrigatoriamente afetada. Referidas contribuições são

definidas como social, de interesse de determinada categoria econômica ou

profissional, e de intervenção do domínio econômico.

86 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

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O cerne da dificuldade de definição da natureza jurídica do

FGTS encontra-se na sua multiplicidade de características, posto que foi instituído

em substituição à estabilidade decenal, enquanto formaliza um fundo de reserva

para o trabalhador, sendo o seu recolhimento compulsório, efetuado por ato

impositivo do Estado.

O FGTS, ao tempo que vincula juridicamente o empregado

ao empregador através do contrato de trabalho, também vincula o empregador,

com o dever de efetuar os depósitos correspondentes, ao Estado, com a

faculdade de efetuar sua cobrança compulsoriamente quando não devidamente

adimplidas, e, ainda, existe a vinculação entre o Estado, enquanto gestor

responsável pela aplicação dos recursos advindos do fundo, à sociedade,

beneficiária final do resultado das aplicações propiciadas pelos recursos

arrecadados.

O caráter tributário do FGTS estaria implícito na Lei nº

5.107/6687, ao dispor que:

Art. 2º - Para os fins previstos nesta lei, todas as empresas

sujeitas à CLT ficam obrigadas a depositar, até o dia 30 de cada mês, em conta bancária vinculada, importância correspondente a 8% da remuneração paga no mês anterior a cada empregado, optante ou não, excluídas as parcelas não mencionadas nos arts. 457 e 458 da CLT.

Com o advento da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990,

referido dispositivo passou a ter a seguinte redação:

Art. 15 - Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965.

87 Cria o fundo de garantia do tempo de serviço, e dá outras providências.

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Através da análise dos artigos supra citados observa-se que

o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço possui caráter terminantemente

compulsório, pecuniário, revestido da natureza de tributo, como expresso no

artigo 3º, do Código Tributário Nacional pois, ao tempo que o Estado atraiu para si

a obrigação que outrora cabia ao particular, não obstante o fato de que tal

obrigação desvincula-se da esfera da contratualidade advinda da vontade das

partes, sendo imposta por lei.

Com amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, proferida no julgamento do RE nº 100.249-2/SP, em período anterior à

promulgação da CRFB/88, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que as

contribuições para o FGTS não se caracterizam como crédito tributário ou

contribuições a tributo equiparáveis.

Todavia, atualmente tem-se adotado posicionamento

contrário, com o entendimento de que o FGTS é instituto de natureza tributária,

como ocorreu na decisão proferida pelo STF, quando do julgamento do Recurso

Extraordinário RE 138.284/CE, em 23 de junho de 1993, do qual foi relator o

Ministro Carlos Velloso.

No âmbito dos tributos da espécie contribuições, tem-se a

seguinte disposição do Código Tributário Nacional:

Art. 217. As disposições desta Lei, notadamente as dos arts 17, 74, § 2º e 77, parágrafo único, bem como a do art. 54 da Lei 5.025, de 10 de junho de 1966, não excluem a incidência e a exigibilidade:

IV - da contribuição destinada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, criada pelo art. 2º da Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966;

Destaca-se, pois, a natureza jurídica do FGTS

compreendida como contribuição, sendo tributo vinculado, cuja destinação

específica, dentre as demais especificadas em lei, é promover o financiamento do

Sistema Financeiro de Habitação.

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Sérgio Pinto Martins88 expõe que “a contribuição ao FGTS é

uma espécie do gênero tributo, contribuição (social), pois não pode ser

enquadrada na definição de imposto, taxa e contribuição de melhoria.”

Reportando-se ao artigo 4º, do Código Tributário Nacional, afirma que:

Pouco importam, portanto, a denominação e demais características formais adotadas pela lei que criou o FGTS, inclusive a destinação legal do produto de sua arrecadação, pois o elemento determinante é o seu fato gerador, que é o de uma contribuição social. O Fato de o FGTS ser destinado à formação de um Fundo para ser utilizado principalmente quando o empregado é dispensado ou para o financiamento do Sistema Financeiro da Habitação não desnatura o instituto, que tem natureza tributária. A natureza jurídica do tributo não se estabelece pelos fins a que se destina, mas pelo fato gerador da obrigação. De outro lado. O dinheiro depositado no Fundo é uma espécie de receita pública, que é empregada e aplicada pelo governo no Sistema Financeiro da Habitação e somente é utilizado pelo empregado nas hipóteses de saque contidas na lei.

Destaca-se que Sérgio Pinto Martins entende ser a natureza

jurídica do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço híbrida, posto que sob o

ângulo do empregado e empregador, sua natureza seria trabalhista, constituindo

o Fundo uma poupança forçada em prol do empregado, enquanto que sob o

ângulo do empregador e do Estado, sendo este credor do tributo denominado

contribuição social, a natureza seria juridicamente tributária.

O entendimento de que o FGTS tem natureza de tributo vem

respaldado em decisão proferida pelo STF, quando do julgamento do Recurso

Extraordinário RE 138.284/CE, em 23 de junho de 1993, do qual foi relator o

Ministro Carlos Velloso, que classificou o FGTS contribuição social geral, do

gênero contribuições parafiscais, com fundamento no artigo 149 da CRFB/88,

abaixo transcrita:

88 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . p.58

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CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. Lei n. 7.689, de 15.12.88.

I. - Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais.

II. - A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, e uma contribuição social instituida com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parag. 4. do mesmo art. 195 e que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição devera observar a tecnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de calculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, "a").

III. - Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada.

IV. - Irrelevância do fato de a receita integrar o orcamento fiscal da União. O que importa e que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1.).

V. - Inconstitucionalidade do art. 8., da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (C.F., art, 150, III, "a") qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro no prazo de noventa dias da publicação da lei (C.F., art. 195, parag. 6). Vigencia e eficacia da lei: distinção.

VI. - Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do artigo 8. da Lei 7.689, de 1988.

No julgamento supra citado, o Ministro expôs que, dentre as

diversas espécies tributárias estão as contribuições, classificadas como:

a) de melhoria, artigo 145, III, CRFB/88;

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b) parafiscais, artigo 149, CRFB/88, sendo estas

subdivididas em sociais, que por sua vez se subdividem em de seguridade social,

artigo 195, I, II, III, CRFB/88, outras de seguridade social, artigo 195, § 4º,

CRFB/88, sociais gerais – o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o salário-

educação, artigo 212, § 5º, CRFB/88, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC,

artigo 240, CRFB/88;

c) especiais: as de intervenção no domínio econômico e as

corporativas, artigo 149, CRFB/88;

A classificação adotada pelo Ministro para as diversas

espécies tributárias utilizou como critério válido a sua hipótese de incidência ou

fato gerador da obrigação tributária.

Desta forma, considerando que na relação jurídica existente

entre o empregador e o Estado, após a promulgação da CRFB/88, que revestiu o

FGTS do caráter da obrigatoriedade, restaram configurados os requisitos

determinados pelo artigo 3º, do Código Tributário Nacional, quais sejam:

prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa

exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada

mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Não obstante o caráter de temporariedade do Fundo, posto

que o montante dos depósitos pode ser sacado pelo empregado quando da

dispensa sem justa causa, ou nas demais hipóteses previstas na legislação,

considerando que o produto arrecado é aplicado em atividades tipicamente

públicas, resta configurada sua natureza jurídica tributária.

Há entendimento de que o FGTS é uma contribuição social,

com características previdenciárias, sendo afastada, desta forma, sua natureza de

crédito trabalhista, não incidindo, assim, o disposto no artigo 7º, XXIX, da

CRFB/88, que assim dispõe:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de

outros que visem à melhoria de sua condição social:

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XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

Enquanto alguns doutrinadores o vêem como salário social,

outros o tratam como salário diferido, ou seja, um salário ao qual o trabalhador faz

jus no presente, porém, sua utilização tem previsão futura. Existem, ainda,

entendimentos de que a natureza jurídica do FGTS é de tributo, outros o definem

como contribuição parafiscal arrecadada pelo Estado para custeio do Sistema de

Habitação, e há os que o consideram como indenização ao trabalhador

despedido.

O entendimento de que sua natureza jurídica é salarial se

contrapõe à definição de salário, posto que não é pago pelo empregador

diretamente ao empregado, conforme disposto no artigo 457, da CLT:

“Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais,

além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como

contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”

Ademais, para Sérgio Pinto Martins89, não pode ser

considerado como salário partindo-se do pressuposto de que “o FGTS não integra

o salário para o cálculo de outras verbas, como o 13º salário, férias, repouso

semanal remunerado” e, ainda, que “não é admissível que um serviço seja pago

somente no futuro, que pode ser um período de tempo longo.”

O caráter indenizatório, na realidade, é atribuído somente à

importância equivalente à multa de 40% (quarenta por cento) incidente sobre a

totalidade dos depósitos efetuados, quando da dispensa do empregado.

Considerando o caráter social atribuído ao FGTS, posto que

denota uma preocupação com o futuro do empregado diante da dispensa

imotivada, enquanto a arrecadação do fundo é utilizada na construção de

89 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . p. 31

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moradia, projetos de saneamento ou de infra-estrutura, também é atribuído ao

instituto a natureza jurídica de tributo social.

Para os doutrinadores que se opõem à confirmação de ser o

FGTS um tributo, alguns aspectos são relevantes para apontar para a inexistência

de sua natureza jurídica tributária:

a) os cadastros de Dívida Ativa da União e do FGTS são

cadastros distintos, sendo também distinta a regularidade fiscal do Fundo e da

Fazenda Nacional;

b) a fiscalização do adimplemento da obrigação perante o

FGTS é efetuada pelo Ministério do Trabalho, conforme determinação da Lei nº

8.036/90, inexistindo atuação do Ministério da Fazenda;

c) a Lei nº 8.036/90 prevê a atuação da Procuradoria-Geral

da Fazenda Nacional para a cobrança dos valores não recolhidos ao Fundo pelo

contribuinte, previsão esta que é dispensada quando se trata de tributo da

Fazenda Nacional;

d) os tribunais afastam terminantemente a aplicação dos

artigos 17390 e 17491 do Código Tributário Nacional, que tratam da prescrição,

aplicando-se somente os prazos previstos no artigo 23, §5o da Lei no 8.036/90,

que dispõe que “o processo de fiscalização, de autuação e de imposição de

multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do

FGTS à prescrição trintenária.”

90 Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. 91 Art. 174 . A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

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Frente à análise apresentada relativamente às

contraposições concernentes à natureza jurídica do FGTS, deduz-se que a

obrigação decorrente é tributária, aspecto este de extrema relevância para o

presente trabalho, posto que, tratando-se de bem jurídico que enseja a tutela

penal, e sendo tributo, as condutas que visam à subtração da obrigação, pelos

empregadores, constitui-se em crime, sendo este o objeto da presente pesquisa.

2.3.3 Considerações finais sobre o FGTS

Considerando-se tratar-se o Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço de tributo, destaca-se, pois, o conceito de contribuinte, tendo em vista

que nas relações tributárias sua identificação é de suma importância. Para Sérgio

Pinto Martins92:

Contribuinte é a pessoa que tem relação direta e pessoal com o fato gerador da obrigação. È contribuinte a pessoa que está ligada direta e pessoalmente à causa da obrigação. Os contribuintes do FGTS são as pessoas que terão de pagar a referida contribuição.

Para Hugo de Brito Machado93 “o sujeito passivo da

obrigação tributária é a pessoa, natural ou jurídica, obrigada a seu cumprimento.”

No parágrafo único do art. 15, da Lei nº 8036/90 o conceito

de contribuinte foi ampliado, conforme se extrai:

Entende-se por empregador a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito privado ou de direito público, da administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem assim aquele que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição ou figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra, independente da responsabilidade solidária e/ou subsidiária a que eventualmente venha obrigar-se.

92 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . p. 79 93 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . 29. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: 2008, p. 141

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Para as obrigações decorrentes da relação jurídica

estabelecida por meio do contrato de trabalho firmado entre empregador e

empregado, na qual é o empregador o sujeito passivo, ou contribuinte, expõe

Sérgio Pinto Martins94 que “o sujeito ativo da exação em comentário é a União,

por intermédio do agente operador que é a Caixa Econômica Federal, com a

fiscalização do Ministério do Trabalho, por meio das Delegacias Regionais do

Trabalho.”

Assim, mediante o conteúdo abordado buscou-se extrair da

legislação vigente e dos posicionamentos doutrinários prevalentes, as relações

históricas, os conceitos e as carências existentes sobre os direitos sociais dos

trabalhadores, a necessidade de efetiva tutela, não apenas no contexto da

CRFB/88, mas, também, a tutela específica do Direito Penal.

As definições apresentadas compõem um conjunto de

informações indispensáveis para que se possa, extraindo-lhes a essência,

promover à análise das razões que conduzem ao entendimento de que as

condutas do empregador lesivas aos direitos do trabalhador, tanto aquelas que se

revelem danosas ao direito relativo à Previdência Social, ou aquelas que

representem lesão ao direito relativo ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,

devem ser tipificadas como crime, merecendo especial atenção do legislador,

assim como do Poder Judiciário Brasileiro.

Frente ao exposto, procede-se, no Capítulo que se segue, à

interpretação dos dados coletados, no intuito de investigar a possibilidade de

confirmação da hipótese que sintetiza o principal objetivo do presente trabalho:

não recolher o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é crime, assim como é

crime não promover o recolhimento devido ao Instituto Nacional da Seguridade

Social.

94 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS . p. 84

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CAPÍTULO 3

CRIMES CONTRA OS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR

3 .1 CONCEITO DE CRIME

No âmbito de Direito Penal, a doutrina adota como definição

material de crime a conseqüente lesão ou dano ao correspondente bem jurídico

tutelado.

Leciona Andréas Eisele95 que:

[...] por Direito Penal entende-se o conjunto de dispositivos legais que tipificam, na forma de crimes ou contravenções as condutas humanas que lesam os bens jurídicos de maior valor em uma sociedade, cominando penas aplicáveis aos infratores de suas normas, e estabelecem, ainda, suas regras de interpretação e incidência (aplicação), assim como os casos de exclusão de sua incidência.

A proteção que se garante a referido bem decorre da

interpretação do legislador que, considerando o valor do mesmo no contexto

social, lhe atribui o status de bens penalmente tutelados, cujo objetivo é o de,

coercitivamente, impedir que tal bem venha a ser lesado.

Referida proteção penal reveste-se, primeiramente, de

caráter preventivo, visa que o bem não seja violado e, em segundo momento, tem

caráter punitivo, aplicando-se ao infrator a pena prevista na legislação

correspondente.

É, portanto, característica do Direito Penal, como

fundamentação para a tipificação da conduta punível, a observância dos bens

95 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . São Paulo: Dialética, 2001, p. 19

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jurídicos fundamentais, aqueles que possuem relevância no seio da sociedade,

cuja violação implica em danos suficientemente potenciais para se contrapor aos

preceitos constitucionais de paz, de harmonia, de justiça social.

Neste sentido, expõe Damásio E. de Jesus96 que:

Cabe ao legislador, tendo em vista a valoração jurídica dos interesses da comunidade, estabelecer se a sanção civil se apresenta eficaz para a proteção da ordem legal, aparecendo a necessidade de determinação da penal. A adoção de tal critério não significa que a distinção depende exclusivamente do alvedrio do legislador. A sanção penal não pode ser criada por mero capricho. O legislador, considerando as circunstâncias do momento, analisando o dano objetivo, o alarma social, a forma de lesão, a reiteração, a reparabilidade ou irreparabilidade da lesão, a sanção civil, deve estabelecer se um fato determinado precisa ou não ser erigido à categoria de crime (Nelson Hungria).

Ainda que determinados bens jurídicos sejam valorizados

pela sociedade, o Direito Penal atua apenas em relação àqueles considerados de

maior relevância, sendo, portanto, o último ramo do Direito a interferir na tutela

dos mesmos.

Afirma Damásio E. de Jesus97 que: “Materialmente, tem-se o

crime sob o ângulo ontológico, visando a razão que levou o legislador a

determinar como criminosa uma conduta humana, a sua natureza danosa e

conseqüências.”

Formalmente, afirma Damásio E. de Jesus que “crime é um

fato típico e antijurídico”.

O fato típico vincula-se ao fato de que a conduta praticada

pelo sujeito ativo contém os requisitos descritos na norma que identifica o delito,

enquanto que a antijuridicidade vincula-se à contraposição da conduta praticada

frente à ordem jurídica prevista na norma, violando bem jurídico protegido.

96 JESUS, Damásio E. de. Direito penal . V. 1. Parte Geral. 21. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 158 97 JESUS, Damásio E. de. Direito penal . V. 1. Parte Geral. p. 148

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O crime, ou delito, tem como objeto jurídico o bem ou

interesse penalmente tutelado pela norma, e como objeto material, o indivíduo ou

a coisa que sofre a lesão em decorrência da ação do sujeito ativo.

Um dos princípios que identificam o bem jurídico que enseja

a tutela penal é o princípio da lesividade, que indica a sua efetiva lesão,

possibilitando a correspondente aplicação de sanção pelo Estado ao infrator.

3.2 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E DIREITO PENAL TRIBUT ÁRIO

Primeiramente, necessário se faz, para a compreensão do

tema, que se proceda à conceituação de Direito Tributário. Hugo de Brito

Machado98, reportando-se à finalidade do Direito Tributário, afirma que:

O Direito, de modo geral, tem por finalidade promover o equilíbrio nas relações entre os que têm e os que não têm poder. Ou entre os que têm mais e os que têm menos. Sabido que o Estado é a maior expressão de poder que se conhece, fácil é concluir-se que o Direito Tributário tem por finalidade limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os abusos desse poder.

Dito isto, é possível conceituar o Direito Tributário como o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder.

Dentre as fontes do Direito Tributário, hierarquicamente, é a

CRFB/88 a fonte primeira. Expõe Alexandre Macedo Tavares99 que:

É o Código Tributário Nacional, à luz do art. 146, III, da CRFB/88, a lei de normas gerais de Direito Tributário, ou melhor, a lei sobre leis de tributação, isto é, seus preceitos apresentam-se no cenário jurídico nacional na qualidade de normas gerais de sobredireito tributário, sobrepondo-se, por conseguinte, às ordens jurídicas

98 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . p. 49 99 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . 3. ed. ver. e atual. Florianópolis: Momento Atual, 2006, p. 90

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parciais da própria União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios.

O estudo da norma jurídica, no âmbito do Direito Tributário,

conforme Feijó Coimbra100 “desdobra-se em dois setores: os ilícitos

administrativos e civis são examinados sob o aspecto do Direito Tributário Penal;

e os que são qualificados como crimes se estudam como integrantes de Direito

Tributário Penal”.

Neste raciocínio prevalece uma ordem de preponderância

das ciências, sendo a segunda entendida como adjetivo da primeira, ou seja, ao

afirmar-se que determinada regra é de Direito Tributário Penal, seu objeto será de

Direito Tributário, enquanto que as normas de Direito Penal Tributário têm como

objeto o Direito Penal, ou os crimes praticados contra o sistema tributário

nacional.

Andreas Eisele101 dispõe que:

Direito Tributário é o sistema legal que regulamenta a instituição e a cobrança dos tributos (que são o conteúdo da fonte de renda derivada do Estado, obtida diretamente das pessoas sujeitas a seu regime jurídico), assim como as relações jurídicas decorrentes dessas atividades.

Leciona Alexandre Macedo Tavares102 que:

O comportamento que implica inobservância do dever jurídico, insculpido em uma lei fiscal, pode revestir o caráter de mera infração tributária, também denominado de ilícito administrativo tributário, bem como tipificar um ilícito penal tributário (crimes fiscais).

Pelo exposto, subtrai-se que, nem todo ato, comissivo ou

omissivo, que viole norma jurídica tributária, caracteriza-se por ilícito penal. Da 100 COIMBRA, J.R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro . 9. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas Ltda, 1998, p. 277 101 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. p. 20 102 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . p. 151

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delimitação do objeto do Direito Tributário e do Direito Penal depende a correta

aplicação dos princípios que lhes são inerentes e, como conseqüência, a sanção

cabível.

3.2.1 Direito Tributário Penal e ilícito tributário

Desenvolvendo análise pertinente à diferenciação entre

Direito Tributário Penal e Direito Penal Tributário, Andreas Eisele103 informa que:

[...] quando se alude ao Direito Tributário Penal, o objeto pertence ao Direito Tributário, e está delimitado dentro desse como a parcela dos atos ilícitos de natureza tributária que ensejam a aplicação de uma sanção administrativa, verificados pela inobservância de normas do Direito Tributário.

Desta forma, o resultado da infração à norma de Direito

Tributário Penal implica em ilícito tributário, cuja sanção a ser aplicada ao agente

infrator é por via administrativa.

Neste sentido informa Alexandre Macedo Tavares104 que:

Considerando-se a distinção terminológica existente entre Direito Tributário Penal e Direito Penal Tributário , claro está que o Código Tributário Nacional somente disciplina os ilícitos administrativos tributários, cuja aplicabilidade de seus preceitos enseja uma sanção civil de natureza e finalidade reparatória/compensatória, de índole essencialmente patrimonial.

Hugo de Brito Machado105 entende que “ilícito administrativo

tributário é o comportamento que implica inobservância de norma tributária.

Implica inadimplemento de obrigação tributária, seja principal ou acessória”.

Acerca do tema, Andreas Eisele106 entende que:

103 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. p. 20 104 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . p. 165 105 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . p. 481 106 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 21

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Ilícito tributário é a infração de uma norma de Direito Tributário Penal, que enseja a aplicação de uma sanção civil de natureza administrativa e finalidade reparatória/compensatória, com caráter patrimonial, sem prejuízo de eventual execução forçada por meios coativos.

Expõe, ainda, Andreas Eisele107, que as espécies de

infrações tributárias podem ser formais ou materiais e que, independentemente de

sua natureza, “ensejam a aplicação de sanções administrativas de caráter

objetivo”. Se a infração tributária for tipificada como crime ou contravenção, além

de infração administrativa, as sanções poderão ser aplicadas ao agente

cumulativamente.

Pelo exposto, tem-se que o Direito Tributário Penal é o ramo

do Direito que, tendo como objeto o Direito Tributário, impõe ao infrator as

sanções administrativas frente ao descumprimento dos preceitos legais vigentes,

de caráter patrimonial, que visam reparar ou compensar a lesão decorrente de ato

comissivo ou omissivo, voluntário ou involuntário.

3.2.2 Direito Penal Tributário e ilícito penal

O estudo do Direito Penal Tributário tem como objeto as

condutas lesivas que, ainda que oriundas do Direito Tributário, quando praticadas,

implicam na aplicação de uma sanção penal. Reportando-se ao tema, leciona

Andreas Eisele108 que:

A estrutura da designação “Direito Penal Tributário” é formada pela indicação da ciência em um primeiro plano, seu ramo em segundo lugar, e o complemento predicante a especificar qual a matéria tratada dentro do ramo identificado.

Desta forma, segundo Andreas Eisele, “o Direito Penal

Tributário é uma das matérias do Direito Penal, qual seja, a que trata dos crimes

que tenham o tributo como objeto jurídico, direta ou indiretamente considerado”.

107 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 21 108 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 20

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Alexandre Macedo Tavares109, reportando-se aos

ensinamentos de Aliomar Baleeiro, expõe que:

[...] somente haverá delito se, com a intenção dolosa de reduzir tributo devido, ou de anulá-lo, o contribuinte ou responsável praticar ato ou omissão fraudulentas, falseando a verdade para ludibriar ou enganar a Fazenda Pública. O que se pune, no Direito Penal, são antes ações ou omissões desonestas.

Relativamente ao resultado da ação do agente que comete

ato atentatório à legislação tributária vigente, que define os crimes contra a ordem

tributária, afirma Andreas Eisele110 que:

O ilícito penal é o crime ou contravenção penal, consistente na prática de uma conduta penalmente tipificada pelo Direito Penal Tributário, que resultará, em tese, na aplicação de uma sanção com finalidade retributiva/preventiva, de caráter pessoal.

Desta forma, tem-se que, as infrações cometidas no âmbito

do Direito Penal Tributário denominam-se de ilícitos penais tributários.

Todavia, destaca Andreas Eisele111:

[...] se a infração tributária for igualmente tipificada como crime ou contravenção, além da sanção administrativa, ao agente poderá ser aplicada uma sanção penal de natureza subjetiva, cumulada e independente da administrativa.

Neste aspecto, e considerando a legislação vigente, afirma

Andreas Eisele112 que “o ilícito penal tributário é também um ilícito tributário,

embora a recíproca não seja necessariamente verdadeira”.

Tal afirmativa decorre do fato de ser o objeto do Direito

Penal Tributário os crimes ou contravenções fiscais, atuando a ciência

109 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . p. 166 110 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 21 111 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 22 112 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 28

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paralelamente ao Direito Tributário, o que implica em dizer que, o

descumprimento de obrigação tributária, cuja conduta não se encontre tipificada

no âmbito do Direito Penal Tributário, tem caráter de ilícito administrativo, de

infração de Direito Tributário Penal.

Porém, uma conduta pode estar prevista na legislação

tributária e, de forma correspondente, na legislação penal, de modo que sua

prática implica em ilícito penal cominado com ilícito administrativo. Na

contrapartida, se a conduta não encontrar previsão no direito penal, a mesma não

ensejará aplicação de sanção criminal, frente ao princípio da legalidade, previsto

no artigo 150, I, da CRFB/88, que dispõe que “é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o

estabeleça”.

3.2.3 Direito Penal Tributário e legislação brasile ira

Considerando que o bem jurídico tutelado pelas normas de

Direito Penal Tributário reporta-se à receita tributária, ensina Andreas Eisele113

que:

Por Direito Penal Tributário (objetivamente considerado), entende-se o conjunto de disposições criminais que têm por objeto a regulamentação, via tipificação criminal, de determinadas condutas que acarretem (ou visem acarretar) evasão fiscal, ou representem óbice à arrecadação (ou fiscalização) tributária, pelo embaraço ou desvio da atuação dos agentes do Fisco.

A evasão fiscal, conforme o ensinamento de Alexandre

Macedo Tavares114 pode ser assim entendida:

A evasão fiscal, por sua sorte, consiste em toda modalidade ilícita de economia tributária, razão pela qual, genericamente, é difundida como sonegação fiscal, tendo como bases de atuação a simulação, a dissimulação, a fraude e o dolo.

113 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 29 114 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . p. 113

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Andreas Eisele115 entende que “conforme a tradição jurídica

nacional, o fato típico verificado em sede de crimes contra a ordem tributária em

que a fraude é o meio utilizado para a evasão fiscal é denominado sonegação

fiscal”.

Desta forma, entende-se por evasão fiscal as condutas que

são praticadas pelo agente, mediante fraude, compreendidas dentre aquelas

previstas na legislação, com vistas a eximir-se, total ou parcialmente, do

pagamento do tributo devido.

A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990 definiu os crimes

contra a ordem tributária. Naquilo que tange aos particulares, as condutas

encontram-se previstas nos artigos 1º e 2º da Lei. O primeiro dispositivo assim

dispõe:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

115 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 33

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Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Ressalta-se que o núcleo do tipo penal é suprimir ou reduzir

tributo, mediante a prática das condutas dispostas nos correspondentes incisos

do caput do artigo.

Hugo de Brito Machado116 expõe que:

O crime de supressão ou redução de tributo distingue-se do antigo crime de sonegação fiscal, essencialmente, por ser um crime material, ou de resultado. Só estará consumado se houver a supressão ou a redução do tributo.

Assim, pela previsão do dispositivo mencionado, não basta

que o agente, por ato comissivo ou omissivo, mediante fraude, pratique ato com o

intuito de suprimir ou reduzir tributo, pois o mesmo, necessariamente, precisa

alcançar o resultado almejado para que o crime reste consumado.

Diferentemente das condutas assim previstas na Lei nº

8.137/90:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

116 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . p. 484

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III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Neste caso, conforme Hugo de Brito Machado117:

Os crimes definidos nesse art. 2º são formais, ou de mera conduta, vale dizer, restam consumados independentemente do resultado. Isto, porém, não quer dizer que o elemento subjetivo seja irrelevante. Os crimes de que se cuida somente se configuram com a presença do dolo específico. Em outras palavras, o dolo específico é elementar do tipo.

Desta forma, se o agente, mediante as condutas tipificadas

neste artigo, ainda que com o intuito de reduzir ou suprimir tributo, não alcançar o

objetivo, restará consumado o crime descrito. No dispositivo há a caracterização

correspondente à tentativa, prevista no Código Penal brasileiro.

A fraude, em sede de Direito Tributário, tem sua

conceituação legal definida na Lei nº 4.502/64118, que assim dispõe:

Art . 72 . Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a

impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.

117 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . p. 484 118 Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas.

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Observa Andreas Eisele119 que “quando a fraude é praticada

com o fito de evasão, tais atos são genericamente designados de sonegação

fiscal, embora, em sentido estrito, esse termo possua conceito legal...”

Neste sentido, a Lei nº 4.502/64 dispõe que:

Art . 71 . Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Em síntese, no âmbito de Direito Penal Tributário, objetiva a

legislação vigente coibir as condutas do particular, cujo intuito é o de sonegar

tributos, mediante fraude, em detrimento do Fisco. Desta forma, restando

constatada a prática do ilícito, a lei determina a sanção correspondente a ser

aplicada.

3.3 DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL

A CRFB/88, no Título VIII trata Da Ordem Social. Enquanto o

Capítulo II, Seção I, dispõe sobre as questões pertinentes à Seguridade Social, a

Seção II dispõe acerca da Previdência Social.

Afirma Sérgio Pinto Martins120 que:

O Direito da Seguridade Social é o conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de

119 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 32 120 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social . 25. ed. São Paulo: Atlas. 2008, p. 19

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suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Referido conceito encontra-se disposto no artigo 1º, da Lei

nº 8.212/91.

A CRFB/88, no arigo 194, caput, assim define a seguridade

social: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Conforme posicionamento de José Paulo Baltazar Junior121:

O sistema de seguridade social, em seu conjunto, visa a garantir que o cidadão se sinta seguro, tranqüilo e protegido ao longo de toda sua existência, tendo por fundamento a solidariedade humana. A seguridade social é, em última análise, um dos instrumentos através dos quais se pretendem alcançar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, arrolados no art. 3º da Constituição, quais sejam: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos”.

As regras que norteiam o Direito à Previdência Social, não

obstante a previsão da CRFB/88, estão definidas, na sua maioria, na Lei nº

8.212/91, pertinente ao custeio da Seguridade Social, e na Lei nº 8.213/91, e suas

alterações, pertinente aos benefícios da Seguridade Social.

Ainda, conforme Sérgio Pinto Martins122:

Distingue-se o Direito da Seguridade Social do Direito do Trabalho. As duas matérias têm por fundamento proteger o trabalhador ou o empregado. A Seguridade Social tem objetivo

121 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. O crime de omissão nos recolhimentos de contribuiçõ es sociais arrecadadas : Lei nº 8.212/91, art. 95, d. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2000, p. 30 122 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social . p. 21

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mais amplo: proteger o homem como indivíduo, mais precisamente como segurado, independentemente do tipo de trabalhador que seja.

Conforme o autor, embora muitos doutrinadores entendam

que o Direito da Seguridade Social integre o Direito do Trabalho, referidos ramos

do Direito são distintos. A afirmativa confirma-se pelo disposto no artigo 22, I, da

CRFB/88, que dispõe que “compete privativamente à União legislar sobre direito

civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,

espacial e do trabalho”, enquanto que a competência da União para legislar sobre

a seguridade social está prevista no inciso XXIII do referido artigo.

Desta forma, o legislador constituinte deixou claro que as

duas matérias não se confundem, sua área de abrangência é distinta.

Todavia, ainda que a CRFB/88 apresente capítulo específico

tratando da ordem social, o artigo 7º, do Capítulo II, do Título II, Dos Direitos

Sociais, contém dispositivos acerca da seguridade social.

São fontes de custeio da Seguridade Social, conforme

Sérgio Pinto Martins123, as contribuições:

a. dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Sobre o faturamento incide a Cofins (Lei Complementar nº 70/91) e o PIS (Lei Complementar nº 7/70). Sobre o lucro incide a contribuição social criada pela Lei nº 7.689/88;

b. dos trabalhadores;

c. sobre a receita de concursos de prognósticos;

d. do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (Lei nº 10.865/04).

123 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social . p. 63

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Além das fontes anteriormente referidas, a Constituição prevê outras fontes de custeio no § 4º do art. 195, que se reporta ao inciso I do art. 154 (exigência de que a nova fonte de custeio seja instituída por lei complementar, não podendo ter fato gerador ou base de cálculo de outro imposto já existente e que não seja cumulativa).

A natureza jurídica da contribuição previdenciária é assim

entendida por Feijó Coimbra124:

[...] cremos indubitável que a contribuição previdenciária tem indisfarçável caráter de tributo, até pela sua inteira acomodação ao conceito fornecido pelo art. 3º da Lei nº 5.172, de 25/10/66 (Código Tributário Nacional). É uma prestação pecuniária compulsória, que só a lei pode instituir, não constituindo pena por ilícito, e exigível por ação administrativa estritamente vinculada.

Sérgio Pinto Martins125, que entende que a contribuição à

seguridade social é tributo dispõe que:

A relação obrigacional da contribuição previdenciária é uma relação tributária. O sujeito ativo é a União, embora esta delegue a arrecadação e a fiscalização `a Secretaria da Receita Federal do Brasil, que tem amparo legal no art. 7º di CTN. Os sujeitos passivos são o empregador e o trabalhador. O fato gerador é o pagamento de remuneração ao trabalhador. A base de cálculo é a remuneração. A atividade administrativa plenamente vinculada é feita por meio de lançamento, por homologação ou autolançamento.

O artigo 30, da Lei nº 8.212/91, dispõe que a empresa é

obrigada a arrecadar as contribuições dos segurados empregados e

trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração.

Para os efeitos da Lei, o artigo 15 dispõe que considera-se

empresa “a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade

124 COIMBRA, J.R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. p. 239 125 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social . p. 76

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econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos ou

entidades da administração pública direta, indireta e fundacional”.

Não obstante a disposição do artigo 30, da Lei 8.212/91, a

mesma também atribui à empresa, como obrigações acessórias:

Art. 32. A empresa é também obrigada a:

I - preparar folhas-de-pagamento das remunerações pagas ou creditadas a todos os segurados a seu serviço, de acordo com os padrões e normas estabelecidos pelo órgão competente da Seguridade Social;

II - lançar mensalmente em títulos próprios de sua contabilidade, de forma discriminada, os fatos geradores de todas as contribuições, o montante das quantias descontadas, as contribuições da empresa e os totais recolhidos;

III - prestar à Secretaria da Receita Federal do Brasil todas as informações cadastrais, financeiras e contábeis de seu interesse, na forma por ela estabelecida, bem como os esclarecimentos necessários à fiscalização;

IV - declarar à Secretaria da Receita Federal do Brasil e ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, na forma, prazo e condições estabelecidos por esses órgãos, dados relacionados a fatos geradores, base de cálculo e valores devidos da contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS ou do Conselho Curador do FGTS;

José Paulo Baltazar Junior126 afirma que os segurados:

São as pessoas físicas vinculadas ao sistema de previdência social por direito próprio, em oposição aos dependentes, que se vinculam ao sistema em virtude da existência da relação de terceiro com a previdência. Os segurados mantêm dúplice relação

126 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. O crime de omissão nos recolhimentos de contribuições sociais arrecadadas: Lei nº 8.212/91, art. 95, d. p. 33

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jurídica com a previdência. Do ponto de vista de custeio, são vistos como contribuintes, sujeitos passivos de uma relação jurídica de ordem tributária. A par disso, são sujeitos ativos da relação jurídica de benefício, na qual é obrigada a previdência social, informada por princípios próprios.

O artigo 12 da Lei referida define quais são os segurados

obrigatórios da Previdência Social, definindo como empregado:

a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;

b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, definida em legislação específica, presta serviço para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços de outras empresas;

c) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional no exterior;

d) aquele que presta serviço no Brasil a missão diplomática ou a repartição consular de carreira estrangeira e a órgãos a ela subordinados, ou a membros dessas missões e repartições, excluídos o não-brasileiro sem residência permanente no Brasil e o brasileiro amparado pela legislação previdenciária do país da respectiva missão diplomática ou repartição consular;

e) o brasileiro civil que trabalha para a União, no exterior, em organismos oficiais brasileiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da legislação vigente do país do domicílio;

f) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em empresa domiciliada no exterior, cuja maioria do capital votante pertença a empresa brasileira de capital nacional;

g) o servidor público ocupante de cargo em comissão, sem vínculo efetivo com a União, Autarquias, inclusive em regime especial, e

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Fundações Públicas Federais; h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;

i) o empregado de organismo oficial internacional ou estrangeiro em funcionamento no Brasil, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social;

j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social.

Assim, de maneira objetiva, procurou-se destacar os

aspectos mais relevantes acerca da Seguridade Social, pertinentes ao tema a ser

abordado no presente trabalho, que visa analisar a questão dos crimes cometidos

contra o sistema previdenciário e os direitos sociais do trabalhador.

3.3.1 CRIMES CONTRA A SEGURIDADE SOCIAL

A obrigatoriedade de contribuir com o custeio da Seguridade

Social encontra-se legalmente prevista na Lei nº 8.212/91, como visto

anteriormente.

Em decorrência da obrigação de contribuir com a

Seguridade Social, expõe Feijó Coimbra127 que:

Ocorridos os fatos a que a lei atribui força geradora da obrigação de contribuir, surge, para a entidade previdenciária, o direito de exigir o cumprimento dessa obrigação, pelo recolhimento integral e oportuno das contribuições devidas. A atividade administrativa conducente a esse resultado denomina-se “lançamento”. Pelo lançamento, a autoridade administrativa encarregada da cobrança de tributos apura a existência, a razão e o valor de um crédito, denunciando o devedor e aplicando-lhe, se cabível, a penalidade, por infração cometida.

A Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, inseriu no Código

Penal brasileiro, dentre outros, os artigos 168-A, definindo o crime de Apropriação

127 COIMBRA, J.R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. p. 264

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Indébita Previdenciária, o artigo 297, § 3º e § 4º, Falsificação de Documento

Público, e o artigo 337-A, Sonegação de Contribuição Previdenciária.

O bem jurídico tutelado pela legislação é, indubitavelmente,

a Seguridade Social, definida no artigo 194, da CRFB/88.

Leciona José Paulo Baltazar Junior128 que:

“secundariamente, tutela-se, também, a ordem tributária, pois às contribuições

sociais – que têm sua natureza tributária discutida – aplicam-se as normas gerais

da legislação tributária (CF, arts. 149 e 146, III)”.

Prossegue José Paulo Baltazar Junior129 afirmando que:

[...] a seguridade social carece de recursos para a efetivação de suas políticas, os quais são arrecadados através de tributos com finalidade específica – as contribuições sociais – e dos canais gerais de arrecadação – os impostos. Assim, protege-se tanto o aspecto patrimonial quanto aquele ligado aos fins com que o Estado arrecada.

Assim, a licitude da punição dos infratores das normas

impostas encontra-se no fato do contribuinte impor obstáculos ao Estado na

consecução dos seus objetivos, qual seja, de assegurar a dignidade da existência

do cidadão.

Dada a relação do Direito da Seguridade Social com o

Direito Penal, Sérgio Pinto Martins130 afirma que “se poderia chamar de Direito

Penal Securitário, Direito Penal de Seguridade Social ou Direito Penal

Previdenciário, em que há penalidades para a inobservância das regras atinentes

à Seguridade Social”.

128 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. O crime de omissão nos recolhimentos de contribuições sociais arrecadadas: Lei nº 8.212/91, art. 95, d. p. 77 129 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. O crime de omissão nos recolhimentos de contribuições sociais arrecadadas: Lei nº 8.212/91, art. 95, d. p. 78 130 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social . p. 266

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A legislação previdenciária vigente atribui ao contribuinte o

ônus de calcular, e de informar corretamente, o valor da contribuição devida à

Seguridade Social, bem como o seu efetivo recolhimento.

Considerando as obrigações acessórias impostas à empresa

pelo artigo 32, da Lei nº 8.212/91, Feijó Coimbra131 leciona que:

Do contribuinte exige-se (da empresa, do segurado autônomo, do empregador doméstico, do segurado especial) essa atividade, no prazo pela lei previsto. É evidente que, não praticado o ato, ou não efetuado com a imperativa exatidão, caberá à repartição arrecadadora apurar a omissão ou a inexatidão, operando o lançamento de ofício para corrigir a omissão ou a imprecisão. Como a empresa é o contribuinte, em relação às contribuições incidentes nos salários que paga, a lei (Lei nº 8.212, art. 32, § 5º) presume feito o desconto das contribuições devidas pelos segurados, nos salários que lhes são devidos, ficando a empresa responsável pelas quantias correspondentes, obrigada, portanto, ao seu recolhimento, tenha ou não operado o desconto.

Frente ao exposto, tem-se que, ao contribuinte compete

calcular e informar à Seguridade Social o valor da contribuição devida e, na

seqüência, efetuar o pagamento do respectivo tributo.

Da não observância do contribuinte da referida obrigação,

prevista nas normas de pertinentes à Seguridade Social, surge a conduta

tipificada criminalmente, independentemente da infração administrativa vinculada

ao ato praticado.

Desta forma, passa-se, então, a uma breve análise dos tipos

penais inseridos no Código Penal Brasileiro pela Lei nº 9.983/00.

3.3.1.1 Apropriação Indébita Previdenciária

O crime de apropriação indébita previdenciária, que revogou

o artigo 95, da Lei nº 8.212/91, foi inserido no Código Penal Brasileiro com a

seguinte redação:

131 COIMBRA, J.R. Feijó. Direito previdenciário brasileiro. p. 265

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Art. 168-A . Deixar de repassar à previdência social as

contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

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Do dispositivo destaca-se que a contribuição arrecada do

público refere-se ao percentual incidente sobre partidas desportivas, e que, por

valores já reembolsados à empresa pelo INSS devem ser entendidos os valores

relativos ao salário-família.

Conforme Sérgio Pinto Martins132:

O crime é omissivo próprio, pois a lei tipifica como crime o ato de não fazer do contribuinte, que se omite em não pagar a contribuição ao INSS. Trata-se de dolo genérico. No desconto e no repasse do valor ao INSS, tem-se que tanto faz se o agente tem ou não intenção de obter proveito econômico com seu ato.

Entende-se como dolo genérico a vontade do agente de

praticar ato descrito na norma penal incriminadora, independentemente de

produzir um resultado específico.

Destaca-se que, para que ocorra o fato típico, as

contribuições devidas pelo responsável tributário devem ter sido previamente

descontadas das folhas de pagamento efetuado a empregados, a terceiros, ou

arrecadadas do público.

Discorrendo acerca do caput do artigo 168-A, do Código

Penal, Andreas Eisele133 leciona que:

A conduta consiste na atuação do responsável tributário que, possuindo o dever instrumental de arrecadar do contribuinte (formalmente, pois a arrecadação configura-se pelo desconto de parcela da remuneração paga ao beneficiário) os valores que serão devidos à seguridade social a título de contribuição, não salda a prestação da obrigação tributária correspondente ao valor descontado, ou seja, não recolhe ao INSS o valor arrecadado formalmente do contribuinte, referente à contribuição social.

132 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social . p. 267 133 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 18

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O agente se omite, deixando de recolher aos cofres públicos o valor devido, que foi objeto de anterior desconto efetuado em face da remuneração a ser paga ao contribuinte.

Neste contexto, dois são os sujeitos passivos das referidas

contribuições. Primeiramente, o Instituto Nacional da Seguridade Social e, como

conseqüência, a sociedade, posto que é esta a beneficiária potencial das ações a

serem desenvolvidas pelo instituto, como disposto na CRFB/88.

Objetiva o artigo 168-A, do Código Penal Brasileiro, coibir o

enriquecimento ilícito do responsável tributário, quando este se apresente como

devedor fraudulento, contumaz ou relapso nas suas obrigações, em detrimento

das ações do Estado, relativas à Seguridade Social, que tem como destinatária

final a coletividade, não obstante o fato de que a correspondente omissão põe em

risco a segurança social do empregado.

Ainda, a norma prevê as condutas lesivas praticadas pelo

empregador, em oposição aos interesses do trabalhador, garantidos na CRFB/88,

nos princípios fundamentais, qual seja, o direito à Previdência Social, quando

este, descontando da folha de pagamento do empregado a parcela

correspondente à Contribuição Previdenciária, não a repassa ao Instituto Nacional

da Seguridade Social, comprometendo, desta forma, a paz social.

Diferentemente não poderia ser, posto que as contribuições

mensais do empregado, no decurso de sua atividade laboral, formam o

correspondente pecúlio que lhe servirá de esteio quando este venha a encontrar-

se impossibilitado de exercer atividade que lhe promova o sustento, próprio e de

seus dependentes.

Desta forma, a disposição legal, primeiramente tutela a

atividade estatal, que depende da arrecadação da contribuição social, da

participação da sociedade, para a correspondente consecução dos objetivos

propostos através do artigo 195, da CRFB/88.

Segundo, para a efetivação dos objetivos dispostos acerca

dos Direitos Sociais, quando a CRFB/88 dispõe com clareza os princípios que

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visam a proteção do trabalhador, considerado como hipossuficiente frente às

relações inerentes ao capitalismo, ao desenvolvimento das atividades que

vinculam o capital ao trabalho, e que, em muitas das vezes, originam

controvérsias, embates, frente ao descumprimento da legislação.

Busca-se assegurar, desta forma, os meios indispensáveis à

consecução, pelo Estado Democrático de Direito, dos princípios amplos de

garantir a dignidade da pessoa humana, assegurar o exercício dos direitos sociais

e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça, com vistas a resguardar a harmonia, a paz social.

3.3.1.2 Falsificação de Documento Público

Dentre as inovações inseridas no Código Penal Brasileiro

pela Lei nº 9.983/00 encontram-se os §§ 3º e 4º, do artigo 297, que prevê a

falsificação de documento público, cujo dispositivo ficou com a redação a seguir

disposta:

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:

I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;

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II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.

§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

Acerca da inserção dos parágrafos citados no artigo 297, do

Código Penal, Andreas Eisele134 informa que:

Paralelamente, assim como dispôs o art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, o art. 297, §§ 3º e 4º, do Código Penal tipificou de forma subsidiária a prática de condutas fraudulentas que tenham por escopo a evasão de contribuição social.

Tipificando a implementação dos meios tendentes à evasão, os §§ 3º e 4º do art. 297 do Código Penal estabelecem figuras específicas dos crimes formais tradicionalmente denominados de “sonegação fiscal” (expressão consagrada pela Lei nº 4.729/65).

É pacífico na doutrina pátria o entendimento de que a CTPS

– Carteira de Trabalho e Previdência Social é, dentre as provas que comprovam a

existência da relação de trabalho entre empregado e empregador, a mais

importante.

Neste sentido a Consolidação das Leis do Trabalho assim

dispõe:

Art. 456 - A prova do contrato individual do trabalho será feita

pelas anotações constantes da Carteira de Trabalho e Previdência Social, ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito.

134 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 36

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Parágrafo único - À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

Relativamente à emissão da CTPS dispõe a Consolidação

das Leis do Trabalho:

Art. 14 . A Carteira de Trabalho e Previdência Social será emitida

pelas Delegacias Regionais do Trabalho ou, mediante convênio, pelos órgãos federais, estaduais e municipais da Administração Direta ou Indireta. (Redação dada pelo Decreto nº 926, de 10.10.69).

Parágrafo único - Inexistindo convênio com os órgãos indicados ou na inexistência destes, poderá ser admitido convênio com sindicatos para o mesmo fim. (Redação dada pela Lei nº 5.686, de 03.08.71).

Ao tratar das penalidades decorrentes das relações

existentes entre empregador e empregador, em relação à obrigatoriedade da

anotação da CTPS, a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que:

Art. 49 - Para os efeitos da emissão, substituição ou anotação de

Carteiras de Trabalho e Previdência Social , considerar-se-á crime de falsidade, com as penalidades previstas no art. 299 do Código Penal:

I - fazer, no todo ou em parte, qualquer documento falso ou alterar o verdadeiro;

II - afirmar falsamente a sua própria identidade, filiação, lugar de nascimento, residência, profissão ou estado civil e beneficiários, ou atestar os de outra pessoa;

III - servir-se de documentos, por qualquer forma falsificados;

IV - falsificar, fabricando ou alterando, ou vender, usar ou possuir Carteiras de Trabalho e Previdência Social assim alteradas;

V - anotar dolosamente em Carteira de Trabalho e Previdência Social ou registro de empregado, ou confessar ou declarar em

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juízo ou fora dele, data de admissão em emprego diversa da verdadeira.

Frente ao exposto, pode-se concluir que a Carteira de

Trabalho e Previdência Social é documento público, devendo o empregador

promover o seu registro quando da contratação do empregado, lançando as

anotações que fielmente traduzam o pacto laboral firmado entre as partes, sob

pena de submeter-se às sanções previstas na legislação vigente.

Assim, não obstante a previsão legal, na CLT, acerca da

criminalização da conduta de falsificação de dados da Carteira de Trabalho, as

alterações do artigo 297, do Código Penal Brasileiro, confirmam a disposição

preexistente.

Todavia, o dispositivo legal prevê a conduta do agente que,

visando fraudar direitos inerentes ao empregado, correspondentes ao Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço, bem como à Seguridade Social, dentre os demais

que decorrem da contratualidade, além de objetivar reduzir a contribuição

previdenciária devida pela empresa ao INSS, insere dados falsos no documento

dotado de fé pública.

A omissão do efetivo registro do contrato de trabalho na

Carteira de Trabalho e Previdência Social não foi contemplada pelo artigo supra

citado, razão pela qual doutrinariamente tem-se que referida omissão não é crime,

posto que não prevista nas elementares objetivas do tipo penal.

Neste sentido, entende Damásio E. de Jesus135:

Deixar o empregador de proceder à anotação do registro de empregado na Carteira Profissional de Trabalho, nos termos dos arts. 41 e segs. da Consolidação das Leis do Trabalho e da Portaria n. 3.626, de 13.11.1991, não constitui o crime do art. 297, § 4.º, do Código Penal, com redação da Lei n. 9.983, de 14.7.2000.

135 JESUS, Damásio E. de. Deixar de registrar empregado não é crime. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2972. Acesso em 25 mai. 2009.

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[...]

A alteração sofrida com a inclusão dada pela Lei n. 9.983/00 não tem o condão de inserir no rol de comportamentos típicos a omissão de anotação de novo contrato de trabalho. Pune a conduta do empregador que, mantendo contrato de trabalho e o registro na CTPS, altera-o falsamente (§ 3.º e incisos), ou que, no ato do registro, modifica dados com o intuito de burlar a Previdência Social (§ 4.º). A incriminação, porém, não passa disso, não prevendo como fato típico a simples omissão de registro.

Assim, as condutas do empregador a serem abrangidas pelo

dispositivo estariam restritas às omissões quando da elaboração da folha de

pagamento do empregado, deixando de informar, por exemplo, horas extras

efetivamente laboradas, salário real (nestes casos, efetuando o chamado

pagamento “por fora” das diferenças). Não inserindo a verdade na folha de

pagamento, o empregador fornece, então, informação falsa, fraudulenta à

Seguridade Social, submetendo-se à sanção legal contida na norma. Prossegue

Damásio E. de Jesus136 afirmando que:

O intento do legislador, ao definir a nova figura típica, foi claramente o de proteger dois sujeitos passivos: a Previdência Social (4) e o segurado. Por segurado entende-se o contratado cujo registro já tenha sido informado, achando-se inscrito na Previdência Social. A Seguridade é tutelada pela norma penal, que claramente quer exigir lisura na relação estabelecida pelo empregador com o órgão de previdência, constituindo os assentamentos da CTPS os parâmetros legítimos para os cálculos contributivos. O segurado, por sua vez, é protegido porque somente a partir de informações válidas alcançar-se-ão benefícios igualmente válidos.

Desta forma, frente à impossibilidade de imputação objetiva

do crime tipificado no artigo 297, do Código Penal, ao empregador que deixa de

registrar o contrato pactuado com o empregado na sua Carteira de Trabalho,

136 JESUS, Damásio E. de. Deixar de registrar empregado não é crime. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2972. Acesso em 25 mai. 2009.

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lesando o Estado, a sociedade, bem como o empregador diretamente interessado

no efetivo registro, resta a este buscar a tutela estatal com vistas a compelir o

empregador, de conformidade com as regras previstas no âmbito da CLT, a suprir

sua omissão, assegurando, desta forma, os correspondentes direitos que

decorrem desta efetivação aos seus destinatários.

3.3.1.3 Sonegação de Contribuição Previdenciária

Relativamente às condutas atribuídas ao responsável

tributário, que, de alguma forma, visam reduzir ou suprimir tributos devidos, a Lei

nº 9.983/00 inseriu, também, o seguinte dispositivo no Código Penal Brasileiro:

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e

qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;

II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;

III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Andreas Eisele137 afirma que:

Sob a denominação “sonegação de contribuição previdenciária”, o art. 337-A do Código Penal tipificou conduta similar à descrita no art. 1º, caput, da Lei nº 8.137/90, especificando o objeto material sobre o qual recai a conduta, qual seja, a contribuição social.

137 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário . p. 36

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Trata-se de crime material, que somente resta consumado

mediante a obtenção do resultado pretendido pelo agente, de suprimir ou reduzir

tributo devido, mediante ato omissivo, lesando, desta forma, o Fisco, assim como

a coletividade.

Salienta Sérgio Pinto Martins138 que:

Se a lei fosse cumprida à risca, iríamos ver muitas pessoas atrás das grades, inexistindo prisões suficientes para tanta gente, pois o não recolhimento das contribuições previdenciárias, na prática, é comum. De outro lado, a Previdência não tem fiscais suficientes para fiscalizar o enorme número de empresas existentes no Brasil, o que dá margem a que os sonegadores não recolham a contribuição social, pois a possibilidade de serem fiscalizados é pequena.

Da mesma forma, se a interdição para o comércio fosse observada, teríamos muitas pessoas que já não teriam condições de exercer o comércio, em razão da contumaz falta de recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.

O posicionamento de renomado autor torna evidente o grau

de descumprimento dos direitos sociais fundamentais que impera na sociedade

brasileira.

Ficam os princípios contidos na CRFB/88 à mercê das

justificativas vazias, à espera da utópica confirmação do conteúdo disposto nos

seus dispositivos.

Enquanto o Estado, primeiro interessado no efetivo

recolhimento das contribuições previdenciárias retrata-se impotente para

promover efetiva fiscalização do cumprimento das obrigações dos contribuintes, o

contribuinte utiliza-se de meios vis, imorais, totalmente contrários à ética e à lei,

para subtrair-se de tal obrigação.

138 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social . p. 272

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Desta forma, numa escala hierárquica, lesa-se o Estado que,

não dispondo dos recursos necessários para garantir a saúde, a previdência e a

assistência social, conforme preceituado pelo artigo 195, da CRFB/88, acaba, por

assim dizer, distribuindo a lesão no contexto social, atingindo tanto a figura do

particular, do indivíduo tido isoladamente, bem como a toda a coletividade que, de

alguma maneira, finda por arcar com o ônus do desequilíbrio, da desigualdade, da

injustiça.

3.4 TUTELA PENAL DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE S ERVIÇO

A CRFB/88, no artigo 1º, dispõe que a República Federativa

do Brasil tem como fundamentos supremos a cidadania, a dignidade da pessoa

humana, bem como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Também dispõe no artigo 3º que são seus objetivos construir

uma sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento nacional,

erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e

regionais e promover o bem de todos.

Todavia, os direitos sociais carecem, ainda, de especial

observância do Estado, através de seus órgãos auxiliares, bem como da

sensibilidade do legislador, que deve estar sempre atento às modificações

ocorridas no seio da sociedade, às alterações e/ou inversões de valores, às

transformações que implicam, diretamente, em alterar a relevância dispensada no

presente a determinado bem jurídico.

Neste contexto, Luiz Regis Prado139 observa que “o Poder

Legiferante, com a criação dos tipos penais, faz uma opção que reflete o espírito

de sua época. A noção de injusto depende de uma visão valorativa e normativa

do órgão próprio.”

139 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 96

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Denota-se que o entendimento do legislador acerca do bem

jurídico a ser objeto de tutela específica deve estar contextualizado à época, aos

movimentos sociais, aos valores que são determinados a referidos bens.

A noção do justo ou do injusto não está na letra da lei

simplesmente, mas no conjunto que se forma da letra da lei frente ao contexto da

época de sua vigência, das alterações sociais ocorridas.

A sociedade vive em constante metamorfose, o que implica

em dizer que o direito não pode manter-se estático, devendo acompanhar as

necessidades que surgem das novas relações sociais, razão pela qual os

ordenamentos jurídicos são modificados, alterados, ou revogados, com vistas a

garantir o equilíbrio das atividades que envolvem o Estado e os cidadãos.

Luiz Regis Prado140 expõe que:

O conceito material de bem jurídico reside, então, na realidade ou experiência social, sobre a qual incidem juízos de valor, primeiro do constituinte, depois do legislador ordinário. Trata-se de um conceito necessariamente valorado e relativo, isto é, válido para um determinado sistema social em dado momento histórico-cultural. Isso porque seus elementos formadores se encontram condicionados por uma gama de circunstâncias variáveis imanentes à própria existência humana.

Tendo em vista a complexidade que envolve o instituto do

FGTS, frente às controvérsias doutrinárias que o cercam, principalmente naquilo

que tange à sua natureza jurídica e, considerando que estes fatores são de

extrema relevância para a conclusão do presente trabalho, que busca o

entendimento de que, estando o instituto compreendido entre os direitos

fundamentais do cidadão, e inseridos entre os direitos sociais, é bem jurídico que

enseja a tutela penal tributária, passar-se-á a uma análise dos fatores mais

relevantes à sua efetiva definição.

140 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 98

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3.4.1 Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – Contr ibuição Social

Como se afirmou anteriormente, o Fundo de Garantia do

Tempo de Serviço encontra-se disciplinado pela Lei nº 8.036, de 11 de maio de

1990, regulamentada pelo Decreto nº 99.684/90.

Sua natureza jurídica, embora represente tema que enseja

embates doutrinários, conforme entendimento de Sérgio Pinto Martins141:

[...] deve ser diferenciada sob dois aspectos: sob o ângulo do empregado e sob a ótica do empregador, daí por que se poderia dizer que sua natureza jurídica é híbrida.

a) Quanto ao empregado: no que diz respeito ao empregado, várias teorias poderiam ser lembradas para justificar a natureza jurídica do FGTS, como do salário diferido, do salário socializado, do salário atual, do prênio etc.

[...]

b) Quanto ao empregador: no tocante ao empregador, três teorias poderiam ser analisadas: teoria fiscal, parafiscal e da contribuição previdenciária.

Embora o tema pertinente à natureza jurídica do FGTS

tenha sido abordado no Capítulo II, cumpre destacar alguns de seus aspectos

mais relevantes.

Tributo, conforme disposição do artigo 3º, do Código

Tributário Nacional “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo

valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em

lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

As espécies de tributos existentes no ordenamento jurídico

Pátrio encontram-se definidas no artigo 5º, do Código Tributário Nacional,

dispondo que “os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”, e na

141 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . 20. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 455

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CRFB/88 nos arts. 148 e 149, que dispõem, respectivamente que “a União,

mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios” e que

“compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais de intervenção no

domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas,

como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas...”

Sérgio Pinto Martins142, ao discorrer sobre a natureza

jurídica do FGTS frente ao disposto no artigo 3º, do CTN afirma que “a

contribuição do FGTS é uma espécie do gênero tributo, contribuição (social), pois

não pode ser enquadrada na definição de imposto, taxa ou contribuição de

melhoria”.

Destaca, ainda, que o artigo 217, IV, do CTN143, ao referir-se

ao FGTS utiliza a denominação contribuição, e não depósito, como era sua

referência quando da sua instituição.

Hugo de Brito Machado144 entende que as contribuições

sociais previstas no artigo 149, da CRFB/88, podem ser divididas em espécies:

“(a) contribuições de intervenção no domínio econômico, (b) contribuições de

interesse de categorias profissionais e econômicas e (c) contribuições de

seguridade social”.

Alexandre Macedo Tavares145 entende que:

[...] é possível identificar quantas e quais são as subespécies de contribuições sociais abrigadas pela vigente Carta Magna, a saber: (a) contribuições sociais gerais; (b) contribuições de intervenção no domínio econômico; (c) contribuições de interesse

142 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . p. 458 143 Art. 217. As disposições desta Lei, notadamente as dos arts 17, 74, § 2º e 77, parágrafo único, bem como a do art. 54 da Lei 5.025, de 10 de junho de 1966, não excluem a incidência e a exigibilidade:

IV - da contribuição destinada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, criada pelo art. 2º da Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966; 144 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário . p. 411 145 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . p. 83

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de categorias profissionais ou econômicas e (d) contribuições à seguridade social.

Afirma que “as contribuições sociais gerais são aquelas

voltadas ao custeio dos direitos sociais e/ou das metas fixadas na Ordem Social,

Título VIII, da Lei Suprema [...] Como exemplares dessa modalidade temos o

FGTS...”

Dada a definição legal de tributo, frente a uma interpretação

do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço tem-se que: (a) a contribuição ao

FGTS é compulsória, instituída pela Lei nº 8.036/90; (b) deve ser paga em moeda

ou cujo valor nela se possa exprimir; (c) não constitui sanção de ato ilícito, posto

que tem como fato gerador a remuneração paga pelo empregador ao empregado;

(d) sua cobrança decorre de atividade administrativa plenamente vinculada.

O artigo 4º, do CTN, dispõe que “a natureza jurídica

específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação,

sendo irrelevantes para qualificá-la a denominação e demais características

formais adotadas pela lei ou a destinação legal do produto da sua arrecadação”.

O Capítulo I, do Título II, do CTN, que trata das disposições

gerais da competência tributária dispõe que:

Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das

funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

Referido dispositivo reveste de legalidade a delegação do

Estado à Caixa Econômica Federal para fiscalizar e arrecadar o tributo por ele

instituído, ainda que seja o Conselho Curador o órgão responsável pela

centralização do mesmo.

Conclui-se, portanto, que o Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço é tributo, posto que revestido dos elementos contidos na norma tributária,

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restando compreendido dentre as espécies legalmente previstas de contribuição

social.

Dado o foco desta pesquisa, torna-se irrelevante a

identificação da espécie, ou subespécie, como entendem alguns doutrinadores,

de contribuição social – cabe apenas enfatizar que o Fundo de Garantia do

Tempo de Serviço é contribuição social, portanto, tributo.

Logo, sendo tributo, do ponto de vista do empregador, sua

supressão ou redução é crime, compreendido como ilícito penal tributário, cuja

previsão legal encontra-se fundamentada na Lei nº 8.137/90146.

3.4.2 Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – Ilíci to Penal Tributário

A arrecadação tributária tem como objetivo essencial prover

o Estado dos recursos necessários para o desenvolvimento de suas atividades,

com vistas a concretizar os objetivos propostos no texto constitucional.

Todavia, é o próprio texto constitucional, complementado

pela legislação infraconstitucional que define a forma da arrecadação tributária.

Os tributos, sejam ou não vinculados a uma atividade estatal

específica, além de cumprir sua função pré-definida na norma, desempenham

importante papel no contexto social, pois promovem significativas mudanças no

comportamento do indivíduo.

Na abordagem realizada acerca do Direito Penal Tributário

restou concluso que, se o responsável tributário praticar as condutas tipificadas

nos artigos 1º e 2º, da Lei nº 8.137/90, no intuito de reduzir ou suprimir tributo,

ainda que o mesmo não alcance o objetivo almejado, restará consumado o crime

descrito no dispositivo correspondente.

146 Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.

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Praticando a conduta tipificada penalmente, denominada de

evasão fiscal ou de sonegação fiscal, submete-se o agente às penas cominadas

pelo dispositivo legal, ou seja, sucumbe à sanção prevista.

Alexandre Macedo Tavares147 assim dispõe:

Sanção é o meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito, ou seja, é aplicada com o escopo de desestimular (caráter repressivo-intimidativo) e de dificultar a não-sujeição (desrespeitabilidade) à eficácia da norma jurídica. Dito de outro modo, por intermédio de sanção, aplicada coercitivamente, o Direito instrumentaliza a garantia de que os preceitos contidos em suas regras serão observados por seus destinatários.

Assim, conclui-se que a conduta do empregador que,

mediante fraude, visando suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social, ou

qualquer acessório, aqui compreendida a contribuição social devida ao Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço, pratica ilícito penalmente punível pela legislação

vigente.

O registro de empregado com valor inferior ao efetivamente

pago, com o pagamento de remuneração extra-folha, supressão de horas extras e

demais adicionais pertinentes, dentre outras práticas fraudulentas, é prática

comum na sociedade atual.

O correspondente repasse da informação falsa às

autoridades interessadas, como no caso em análise, à Caixa Econômica Federal,

conquanto administradora do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,

caracteriza ilícito penal tributário a ser repudiado pelo Estado, posto que, não

obstante a lesão que dissemina na sociedade, afronta a CRFB/88 e os princípios

do Estado Democrático de Direito.

147 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário . p. 177

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3.4.3 Especificidade da Tutela Penal do Fundo de Ga rantia do Tempo de

Serviço

Considerando que o objetivo principal da presente pesquisa

reporta-se à urgência da tutela penal especificamente sobre o Fundo de Garantia

do Tempo de Serviço, alguns pontos merecem destaque. Como bem observa Luiz

Regis Prado148:

A partir da noção de Estado Democrático de Direito [...] é imperiosa a distinção entre valores jurídicos e metajurídicos e a localização dos bens dignos de tutela penal no terreno social, mas com vista ao indivíduo. Tudo isso serve para determinar a matéria do juridicamente tutelável, e o Direito Penal deve oferecer a substância básica do que for por ele protegível. Explicando: o interesse social relevante para o indivíduo deve ser elevado à categoria de bem digno de tutela jurídico-penal.

Por meio da política criminal desenvolvida pelo Estado, em

sua estreita correlação com os bens jurídicos tutelados pela CRFB/88, cuja

valoração não pode passar despercebida ao legislador, é que viabiliza-se a tutela

penal dos bens que ensejam guarida no âmbito do Direito Penal.

Estando os bens jurídicos de maior relevância protegidos

pela norma penal, assim considerados aqueles que encontram-se dispostos

dentre os direitos fundamentais elencados na CRFB/88, pode o Estado trilhar os

caminhos vislumbrados pelo legislador constituinte, em busca da plena realização

dos objetivos ali descritos, com o devido fundamento nos princípios que a

embasam.

Como salientado não é a norma responsável pela criação do

bem jurídico, visto que existe independentemente de sua regulamentação – a

norma apenas vai de encontro às necessidades preexistentes de tutela do bem

correspondente.

148 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. p. 104

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O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é bem jurídico

tutelado pela CRFB/88, representa interesse do empregado, protegido pelo texto

constitucional, enquanto representa interesse da coletividade, bem como do

Estado que, através do produto de sua arrecadação promove os investimentos

destinados à coletividade, financiando o Sistema Habitacional e obras de infra-

estrutura.

Desta forma, repete-se a classificação de Gianpaolo Poggio

Smanio149 para os bens jurídicos penais, que entende estarem os mesmo

divididos, conforme sua natureza em: (a) individuais; (b) coletivos, aqueles que os

indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais titulares do bem jurídico;

(c) difusos, aqueles que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar a

coletividade.

Destaca-se que a verificação da abrangência do bem

jurídico, muitas vezes, ocorre apenas quando da análise do caso concreto.

Relativamente ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,

não obstante possuir natureza de bem jurídico individual, quando analisado do

ponto de vista do empregado, reveste-se, também, de natureza metaindividual, do

ponto de vista da relação do Estado com o empregador-contribuinte, pois não é

dado a estas pessoas dispor sobre referido bem sem afetar a toda a coletividade

que depende do produto da arrecadação e do seu efetivo emprego em obras de

competência do Estado, ainda que delegada outrem.

Por todo o exposto, frisa-se que, frente à danosidade que

prolifera em decorrência do descumprimento, por parte do empregador, da

correspondente obrigação de efetuar o recolhimento das parcelas

correspondentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, não pode o Estado

abster-se de intervir minimamente na esfera da tutela jurídica criminal, fazendo

149 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O conceito de bem jurídico penal difuso . Disponível em http://www.damasio.com.br. Acesso em 21 abr. 2009.

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cumprir a legislação vigente e aplicando a sanção aos infratores, dada a

relevância dos interesses que envolvem o bem jurídico violado.

Outrossim, pelo princípio da não-criminalização, fertiliza-se a

prática reiterada das condutas lesivas ao Estado, ao particular, à coletividade,

frente à certeza da não responsabilização pelo dano causado.

Relativamente ao princípio da não-criminalização, ou

intervenção penal mínima, tem-se que, diante da lesão de determinado bem

jurídico, há que se buscar o restabelecimento da ordem jurídica violada através de

medidas civis ou administrativas, devendo aplicar-se o direito penal somente

quando a reparação tornar-se impossível através dos meios extra-penais.

Neste sentido Gianpaolo Poggio Smanio150 expõe que:

A conduta praticada pela pessoa para acarretar a sanção penal deve lesionar ou ameaçar bens jurídicos penais, aqueles dotados de dignidade penal ou, melhor dizendo, de relevância penal. Essa relevância dá-se por meio da carência da tutela, ou seja, da necessidade da proteção penal do bem jurídico. Caso a proteção possa ser efetuada adequadamente por intermédio dos outros ramos do Direito, como o Direito Civil ou o Direito Administrativo, não deverá haver a intervenção do Direito Penal.

É notória a relevância do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço para o Estado, haja vista os investimentos realizados em campanhas

lançadas na mídia, o que denota o interesse do mesmo em reavivar, no âmago do

empregado, a idéia de que este deve agir como fiscal da lei, fiscalizando e

denunciando os infratores.

Todavia, a prática trabalhista demonstra que a bilateralidade

dos contratos laborais é fictícia. Na realidade, trata-se de contratos de adesão,

150 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a constituição federal . Disponível em http://www.amprs.org.br/arquivos/comunicao_noticia/gianpaolo2.pdf. Acesso em 07 jun. 2009.

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nos quais as condições são impostas pelo empregador, restando ao empregado

aderir ou bater em outra porta.

E è, na maioria das vezes, a obrigação relativa ao FGTS o

fator que estimula o empregador às práticas fraudulentas e lesivas ao empregado.

Há que se destacar que, as determinações legais impostas

aos empregadores não são afrontadas generalizadamente. Ainda que subsista

certa contrariedade, justificada frente à excessiva tributação que prevalece no

País, são muitos os empregadores que cumprem fielmente suas obrigações.

Estes, certamente, não dispensam maiores preocupações com a iminência de

alteração no ordenamento jurídico, tampouco com prováveis sanções a serem

aplicadas aos infratores das normas.

O que resta notório é que a legislação Pátria exige

alterações urgentes, com vistas a assegurar a efetiva tutela de direitos do

trabalhador, encerrando-se um capítulo da história no qual, sob a égide da tutela

deficiente, o Estado torna possível a disseminação de condutas cuja danosidade

afeta e compromete o bem mais valioso para a sociedade – os direitos

assegurados na CRFB/88.

Por fim, a magnitude do texto da CRFB/88, que abriga um

“Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,

pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na

ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” e que

tem como objetivos “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a

garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a

marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a

promoção do bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza” não

comporta a manutenção das práticas ilícitas que estão a corromper a sociedade,

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em oposição ao que há de mais sublime, consubstanciando no texto

constitucional.

Conclui-se enfatizando que a conduta do empregador que

obsta o direito do trabalhador ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,

afrontando toda a coletividade, comprometendo a supremacia da CRFB/88 e

colocando em “xeque” o próprio Estado, por meio dos seus poderes constituídos,

tem previsão legal no ordenamento jurídico Pátrio, como se depreende do teor da

presente pesquisa.

Talvez, em decorrência da cultura nacional, sempre atrelada

às razões políticas, às pressões das classes economicamente dominantes, ou

seja, do setor patronal, os homens de boa vontade ainda estejam sucumbindo a

determinados vazios que existem no sentido de afirmar, categoricamente, que

referida conduta amolda-se à tipificação dos artigos 1º ou 2º, da Lei nº 8.137/90.

Cabe, então, ao legislador, revestido do poder que “emana

do povo” dirimir a controvérsia que afronta o Estado Brasileiro e, fazendo jus ao

poder que lhe foi conferido, atentar para o fato danoso, promovendo, tal como fez

em relação à Contribuição Previdenciária, a inserção de dispositivo próprio no

Código Penal Brasileiro, especificando a conduta de, quiçá, 168-B, “Apropriação

Indébita de Contribuição para o FGTS”!.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa apresentou os aspectos da proteção

jurídica aos direitos sociais dos trabalhadores, no contexto da CRFB/88, que os

definiu como Direitos Fundamentais, bem como sua tutela pelo Direito do

Trabalho e, principalmente, a urgência da tutela do Direito Penal. Enfatizou o

direito à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, bens

jurídicos inerentes aos trabalhadores, constantemente violados na sociedade

capitalista atual, sob o manto da prestação jurídica de tutela deficiente, com

agravante do protecionismo de não criminalização, ou seja, não intervenção do

Direito Penal, senão quando da prática de condutas lesivas a bens jurídicos de

extrema relevância para a sociedade.

Considerando-se a hipossuficiência do trabalhador nas

relações laborais, buscou-se interpretar a tutela dos direitos oriundos das relações

laborais, garantidos nas disposições dos Direitos Fundamentais da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988.

O primeiro capítulo tratou da proteção dos direitos sociais

dos trabalhadores, analisando sua tutela na Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, assim como sua correspondente proteção na Consolidação das

Leis do Trabalho. Definiu bens jurídicos e bens jurídicos passíveis de tutela penal.

Buscou interpretar a tutela penal dos bens jurídicos sociais, analisando quais os

fatores que implicam no entendimento de elevar-se determinado bem jurídico à

categoria de bem penalmente tutelado. Discorreu acerca da vedação ao Estado

de prestação de proteção deficiente relativa aos bens jurídicos classificados como

Direitos Fundamentais pela CRFB/88. Constatou que os Direitos Sociais dos

trabalhadores, dado o fato de estarem contemplados como Direitos Fundamentais

pela CRFB/88, constituem-se em bens jurídicos cuja valoração, pelo legislador,

implicam em bens que ensejam a tutela do Direito Penal, posto que tratam-se de

bens cuja violação se traduz em afronta aos princípios do Estado Democrático de

Direito, à paz e à justiça social, à sociedade e ao Estado.

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O segundo capítulo abordou especificamente o Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço, promovendo uma avaliação histórica da

estabilidade decenal à sua instituição. Avaliou suas diretrizes e regulamentação e,

principalmente, sua natureza jurídica, tema amplamente explanado dentre os

doutrinadores. Destacou a urgência de maior amparo da legislação vigente, frente

às reiteradas condutas dos empregadores lesivas aos trabalhadores e à

sociedade, beneficiária da aplicação dos recursos oriundos do montante dos

valores depositados em contas vinculadas na Caixa Econômica Federal.

Constatou, diante das fontes pesquisadas, que a natureza jurídica do instituto é,

de fato, de tributo, posto que preenchidos todos os requisitos da norma definidora

do referido conceito. Desta forma, resta caracterizada a relevância do mesmo

enquanto bem jurídico de interesse individual e metaindividual, como produto de

arrecadação estatal a ser aplicado não apenas para prover o cidadão quando em

situação de desemprego, mas também para possibilitar a consecução, pelo

Estado, de promover existência digna ao trabalhador, investindo na

disponibilização de financiamentos para aquisição da casa própria, assim como

em obras de infra-estrutura urbana.

O terceiro capítulo reuniu as informações obtidas e, partindo

da classificação existente de Direito Tributário Penal e Direito Penal Tributário,

analisou os crimes praticados contra os direitos sociais dos trabalhadores, no

âmbito da Seguridade Social e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Destacou as condutas tipificadas como crimes relativos à Seguridade Social no

ordenamento jurídico Pátrio, que lesam o trabalhador, individualmente, e, como

conseqüência, a sociedade e o Estado. Demonstrou as razões do entendimento

de ser crime a conduta do empregador que deixa de recolher as parcelas devidas

às contas vinculadas dos trabalhadores na Caixa Econômica Federal.

Demonstrou que, ainda que inexistente no ordenamento jurídico Pátrio tipo penal

específico para referida conduta, denominado, por exemplo, “não recolhimento do

FGTS”, o não cumprimento da obrigação de recolhê-lo encontra, sim, previsão na

Lei nº 8.137/90, tendo em vista tratar-se o FGTS de contribuição social, prevista

no artigo 149, da CRFB/88. Desta forma, concluiu que a infração praticada no

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intuito de lesar o bem jurídico FGTS, por ação ou omissão, dolo ou culpa, é crime

e deve ser penalmente punida.

Assim, o instituto do Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço, conquanto direito individual e metaindividual, tutelado como Direito

Fundamental pela CRFB/88, enseja a aplicabilidade de sanção penal frente às

reiteradas práticas danosas dos empregadores.

Frente às hipóteses apresentadas na pesquisa conclui-se:

Em consonância com as disposições constitucionais de

liberdade, de igualdade, muito embora todos os bens jurídicos elencados pela

CRFB/88 ensejem sua correspondente tutela no ordenamento jurídico Pátrio, nem

todos os bens por ela tutelados devem ser objeto de intervenção penal, frente aos

princípios de intervenção mínima do Estado. Desta forma, somente os bens

jurídicos de maior relevância no contexto social passam a ser tutelados pelo

Direito Penal, priorizando-se o restabelecimento da ordem jurídica através de

outros ramos do Direito. Todavia, restou comprovado que os bens jurídicos

Previdência Social e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço são de máxima

importância para a sociedade, são direitos fundamentais, razão pela qual sua

violação deve ser tutelada penalmente, pela afronta que traduz aos objetivos da

CRFB/88.

Relativamente à hipótese de tratar-se a natureza jurídica do

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço entendida como tributo, embora existam

discussões doutrinárias acerca do tema, prevaleceu o entendimento da maioria

dos doutrinadores, restando compreendido que, de fato, o mesmo classifica-se

como tributo, assim entendido com amparo na definição legal de tributo contida no

Código Tributário Nacional. Trata-se de tributo classificado como contribuição

social, posto que consonante com os requisitos da lei, ainda que de caráter

temporário, haja vista que o trabalhador pode sacar a importância depositada pelo

empregador na Caixa Econômica Federal, nas hipóteses previstas na legislação

vigente.

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Por fim, acerca dos crimes praticados contra os direitos

sociais dos trabalhadores, restou concluso que as infrações atentatórias aos

direitos relativos à Seguridade Social constituem-se em crimes, devidamente

tipificados no Código Penal Brasileiro. Quanto ao Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço, os danos causados pelo empregador, quando da análise de sua relação

com o Estado, da mesma forma, constitui-se em crime previsto na Lei nº 8.137/90,

que dispõe sobre os crimes praticados contra o sistema tributário nacional. É

crime praticado contra bem jurídico tutelado pelo Estado, é direito fundamental

que exige o amparo do Direito Penal, e proteção do Estado eficiente o quanto

baste para assegurar a consecução dos princípios e objetivos da CRFB/88.

A não aplicação da sanção disposta na Lei em comento

deve-se, sem dúvida, às divergências existentes acerca da natureza jurídica do

instituto, aliadas às políticas de intervenção mínima do Direito Penal, culminando

numa tutela deficiente do Estado a referido bem jurídico tutelado dentre os

Direitos Fundamentais, cuja relevância social implica em danos coletivos, afronta

a sociedade, no compasso que estimula a disseminação reiterada de lesões

imputadas aos trabalhadores.

É pacífico que o texto da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 representa o que pode haver de mais sublime

relativamente à proteção de direitos, acima de tudo pelas disposições acerca dos

Direitos Sociais, enfatizando a proteção a ser dispensada ao trabalho como meio

garantir a sobrevivência em igualdade dos cidadãos, respeitadas as

desigualdades existentes.

O legislador, sem dúvida, almejou um Estado modelo, uma

nação convivendo pacificamente, respeitados os direitos e princípios inerentes à

pessoa humana, resguardando sua dignidade, liberdade.

Ainda que a Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988 represente um modelo a ser seguido, primeiramente deve ser seguido

pela Nação Brasileira. Para tanto, urge que o Estado dispense eficiente proteção

ao bem jurídico trabalho, no que tange ao Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço, com vistas a resguardar direitos que interessam a toda a sociedade,

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freqüentemente violados, sob infundadas justificativas, que se contrapõem ao

ordenamento jurídico vigente.

Finalmente, para que a sociedade brasileira possa, de fato,

conviver num Estado Democrático, restando garantidos os direitos sociais e

individuais, a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça, torna-se urgente a

adoção de mecanismos que objetivem coibir criminalmente condutas que visam

obstruir os objetivos delineados na Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988.

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