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JOÃO BATISTA DOS SANTOS ALMEIDA SIMONTON COMO LEITOR DA BÍBLIA: UMA ANÁLISE DOS SEUS SERMÕES Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Letras. ORIENTADOR: Prof. Dr. João Cesário Leonel Ferreira São Paulo 2013

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JOÃO BATISTA DOS SANTOS ALMEIDA

SIMONTON COMO LEITOR DA BÍBLIA: UMA ANÁLISE DOS SEUS SERMÕES

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Letras.

ORIENTADOR: Prof. Dr. João Cesário Leonel Ferreira

São Paulo

2013

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A447s Almeida, João Batista dos Santos. Simonton como leitor da Bíblia: uma análise dos seus sermões /

João Batista dos Santos Almeida – 2013. 153 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana

Mackenzie, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 129-146. 1. Sermão. 2. Logos. 3. Ethos. 4. Pathos. 5. Metáfora. 6.

Materialidade da leitura. 7. Mimese. I. Título. CDD 220.66

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JOÃO BATISTA DOS SANTOS ALMEIDA

SIMONTON COMO LEITOR DA BÍBLIA:

UMA ANÁLISE DOS SEUS SERMÕES

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação Letras.

Aprovada em 20/08/2013

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. João Cesário Leonel Ferreira Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________

Profª. Dra. Ana Lúcia Trevisan Pelegrino Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________

Prof. Dr. Breno Martins Campos Pontifícia Universidade Católica de Campinas

São Paulo

2013

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Ao Conselho da I.P. Betel; ao PRCN. À minha amada Igreja Presbiteriana do Brasil. Ao meu primeiro pastor, Pb. José Carlos Alves da Silva. Aos irmãos das minhas duas igrejas do coração (Belmonte e Betel); à memória do irmão “Dom” Domingos Vieira dos Santos, mestre e amigo; à memória do meu irmão Nilton Guimarães e do Sr. Edivaldo Pereira da Silva, de quem também tenho saudades.

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AGRADECIMENTOS

-A Deus, criador e mantenedor de todas as condições de possibilidade.

- À minha amada cidade, Belmonte, tão importante no despertar da minha vocação; agradeço

especialmente às minhas professoras primárias: Maria do Carmo Santos Cerqueira, Georgina

Maria Pio Barros, Zélia Lúcia Pio Barros e Noeme de Sá Souza (in memorian).

-À minha amada família, primeiro ambiente de amor, comunicação e perdão: papai (mentor),

mamãe (pelo amor), titia (a que me iniciou no mundo narrativo) e irmãs; à minha esposa, Valéria

Maria, e meu filho, João Neto, pela paciência e estímulo constantes. Ao meu atual pastor e

referência ministerial, Rev. Luthero de Aguiar, pelo amor e paciência; ao Conselho da I. P. Betel,

homens que me deram bem mais do que permissão para estudar; aos meus outros incentivadores:

Reverendos Christian Medeiros e Filipe Fontes, Addy Jr., Laércio Rios, Marcone Carvalho e

Alberto Filho; ao Rev. Eliezer Bernardes da Silva (Arquivo Histórico Presbiteriano de São

Paulo); a todos os irmãos da Igreja Presbiteriana Betel em Vila Amália, São Paulo.

- Ao Mackenzie, pela bolsa integral; aos professores do Mestrado em Letras que durante os

últimos dois anos tanto me ensinaram.

-Ao meu orientador, Prof. Dr. João Leonel, pelas sugestões e correções decisivas, além da

constante prontidão; ao Prof. Dr. Alderi Matos, por ter cedido o texto eletrônico dos sermões de

Simonton para a minha pesquisa; aos coordenadores da Pós-Graduação em Letras e Ciências da

Religião, Dr. José Gaston Hilgert e Dr. Rodrigo Franklin de Sousa, pela bondade para comigo em

momentos de aperto; aos professores Dra. Ana Lúcia T. Pelegrino e Dr. Paulo Nogueira, pelas

importantes orientações na Qualificação; ao Dr. Breno Martins Campos, pelas perguntas

desafiadoras feitas na Defesa desta dissertação; às secretárias do Programa de Pós-Graduação em

Letras e Ciências da Religião, Caroline F. Queiroz e Dagmar Dollinger, pela bondade e

competência. Aos irmãos Hélvia Almeida e Isaías Souza, pela correção final deste trabalho. Ao

Luthero Filho, pela digitalização.

- Ao presbítero Antônio Cabrera, na esperança de que seja viabilizada a digitalização dos quatro

volumes dos sermões de Simonton, ainda não publicados.

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Todo vivente tem o seu próprio elemento, fora do qual morre. O peixe vive no mar e nos rios. As aves voam pelo ar e fazem seus ninhos nas árvores e nos penhascos dos montes. O homem pisa a terra e respira o ar. Assim a alma que emanou de Deus, vive em Deus, e, privada da presença de Deus, começa a agitar-se nas convulsões de uma morte espiritual. Para essa alma não há paz. (Simonton, sermão Os ímpios não têm paz)

Não idealizamos nossos pais nem os adoramos; não fazemos história hagiográfica. Apenas tentamos descrever de forma mais objetiva possível – intento sempre fugidio – os seus acertos e erros. Contudo, somos herdeiros desse trabalho e, de certa forma, a “capa” de Simonton caiu um pouco sobre cada um dos que constituem o povo evangélico nacional. A nossa responsabilidade é anunciar com amor, firmeza e abnegação o Evangelho do Reino até que o Senhor venha. (Hermisten M. P. Costa)

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é estudar os modos de leitura do missionário fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, Ashbel Green Simonton, tendo como corpus os seus sermões publicados. O trabalho analisa sua vida basicamente em dois períodos, o nos Estados Unidos da América e no Brasil, para onde veio como missionário. Propõe analisar seus sermões por meio de uma combinação de teorias de alguns autores, dentre eles Aristóteles, com sua Retórica, Roger Chartier e sua abordagem à materialidade da leitura e Paul Ricoeur, com sua teoria da metáfora e da tríplice mimese, junto com outros pensadores auxiliares. Apresenta breve relato sobre a dificuldade em se analisar o sermão como gênero literário-discursivo e conclui ser possível, ao menos para os propósitos deste trabalho, analisar o gênero sermônico por meio das ferramentas teóricas utilizadas. Palavras-Chave: Sermão, logos; ethos; pathos; metáfora; materialidade da leitura; mimese.

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ABSTRACT

The goal of this work is to study the modes of reading of the founder missionary of the Presbyterian Church of Brazil, Ashbel Green Simonton, taking his published sermons as the main object of study. This work analyzes his life in two basic periods, in the United States of America and in Brazil, whither he came as a missionary. It proposes to analyze his sermons, by using a combination of theories of some authors, among whom are Aristotle, with his Rhetoric, Roger Chartier and his approaching to the reading materiality, and Paul Ricoeur, with his theories of metaphor and of triple mímesis, together with others thinkers. It presents a brief account of the difficulty of analyzing a sermon as a literary-discursive genre, and it concludes to be possible, at least to the purpose of this work, to analyze sermonic genre through the theoretical tools used here.

Key-words: Sermon, logos; ethos; pathos; metaphor; reading materiality; mimesis.

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SUMÁRIO 1 Introdução ................................................................................................................................. 11 1.1 Delimitação do corpus ............................................................................................................ 12 1.2 Justificativa ............................................................................................................................. 13 1.3 Objetivos ................................................................................................................................. 13 1.4 Problematização, hipóteses e metodologia .......................................................................... 14 1.5 Revisão bibliográfica .............................................................................................................. 16 2 Reflexões teóricas: Conceituação dos termos. ........................................................................ 19

2.1 Aristóteles e a Retórica ...................................................................................................... 19 2.2 Paul Ricoeur e a Metáfora viva .......................................................................................... 23 2.3 Paul Ricoeur e a Tríplice mimese ..................................................................................... 26 2.4 Roger Chartier e a Materialidade da leitura ..................................................................... 30

3 Dos primeiros anos até sua missão no Brasil: o mundo de Simonton ................................. 32

3.1 Pietismo ............................................................................................................................... 33 3.1.2 Pietismo na Inglaterra ................................................................................................. 35 3.1.3 Metodismo na América ................................................................................................. 36 3.1.4 Simonton e o Metodismo .............................................................................................. 39

3.2 Puritanismo ........................................................................................................................ 42 3.2.1 Puritanismo na Inglaterra ............................................................................................ 42 3.2.2 Peregrinos na América ................................................................................................. 44 3.2.2 O Destino Manifesto ..................................................................................................... 48 3.2.3 Simonton e o Puritanismo ............................................................................................ 53 3.2.4 O Seminário de Princeton ............................................................................................ 57 3.2.5 Charles Hodge .............................................................................................................. 60

3.3 Os sermões Reformados e os sermões do tempo de Simonton ...................................... 66 3.4 A imprensa norte-americana no tempo de Simonton .................................................... 69 3.5 Simonton no Brasil ............................................................................................................ 72

3.5.1 As leis e o Catolicismo da época .................................................................................. 72 3.5.2 A imprensa brasileira no tempo de Simonton .............................................................. 74 3.5.3 A questão das Bíblias falsificadas ................................................................................ 76

4 Simonton como leitor da Bíblia ............................................................................................... 78

4.1 A importância da metáfora do peregrino para Simonton .............................................. 80 4.2 Inovação na metáfora do Peregrino ................................................................................ 85 4.3 A busca inicial por interação: o discurso oral de Simonton .......................................... 87 4.4 A opção pela lógica: A escrita e a difusão dos sermões .................................................. 91 4.5 A leitura bíblica de Simonton: fortemente doutrinária ................................................. 96

4.5.1 A estrutura homilética dos sermões .............................................................................. 98 4.5.2 O conteúdo doutrinário dos sermões .......................................................................... 102

4.6 A leitura bíblica de Simonton: moldada pela intenção de evangelizar. ..................... 104 4.6.1 A seleção dos textos bíblicos ..................................................................................... 104 4.6.2 Metáforas .................................................................................................................... 107

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10

4.6.3 Diatribe ....................................................................................................................... 113 4.6.7 Emoções estimuladas nos sermões escritos ................................................................ 116 4.6.8 Citações bíblicas durante os sermões (I): realce do caráter e estímulo à amizade ..... 117

4.7 A leitura bíblica de Simonton: marcada pela polêmica ............................................... 120 4.7.1 Citações bíblicas durante os sermões (II): Contra doutrinas Católicas ...................... 120

5 Considerações Finais .............................................................................................................. 127 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 129 ANEXO I: O Pacto de Mayflower ............................................................................................ 147 ANEXO II: Números percentuais dos Metodistas, Batistas e Presbiterianos nos Estados Unidos. ......................................................................................................................................... 148 ANEXO III: O VIVER É CRISTO: Amostra dos sermões de Simonton. ............................ 149

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1 Introdução

A religião cristã possui uma ligação íntima com o discurso falado, desde a sua fundação.

Esse discurso é conhecido pelo nome de prédica ou sermão.

Não é fácil definir o que é, exatamente, um sermão. “Considerando que os sermões existem

em muitos estilos e gêneros, não existe nenhuma resposta direta.” (MUESSIG, 2002, p.3,

tradução nossa). Há, igualmente, dificuldade para se responder a questões práticas: “Como se dá

um processo individual de pregar uma mensagem do púlpito? Como exatamente os sermões

escritos duplicam a Palavra pregada? Será que de fato, fazem isso?” (TAYLOR, 2001, p.x,

tradução nossa). Embora tenha aumentado a consciência de que os sermões constituem uma rica

fonte de informações sobre a cultura em que são pregados1, o fato de que tais perguntas estejam

ainda sendo levantadas indica que há muita pesquisa por ser feita nesta área2.

Embora os modos de pregar difiram de cultura para cultura, o comentário sobre o texto

sacro continua sendo o ponto comum de praticamente todas as igrejas cristãs. O presente trabalho

seguirá um conceito de sermão apresentado pelo filósofo Paul Ricoeur: “é a reinterpretação

permanente do texto considerado básico na comunidade” (RICOEUR, 1995, p. 70, tradução

nossa). No caso cristão, o texto básico é a Bíblia. Para Ricoeur, é natural a essa “reinterpretação”

fazer sempre um retorno do escrito para o oral; é função da prédica reverter a ordem original,

voltando-se à fala por meio do escrito. “Neste sentido, a pregação é mais fundamental para a

tradição Hebraica e Cristã por causa da natureza do texto que tem que ser reconvertido em

palavra, em contraste com a Escritura” (RICOEUR, 1995, p. 70, tradução nossa) 3.

Apesar da importância do sermão para a comunidade cristã, não existe ainda uma

ferramenta teórica desenvolvida especialmente para estudar esse gênero. Embora os sermões

tenham demonstrado ser uma fonte inestimável para nosso conhecimento de história religiosa e

sociologia, antropologia e prescrição social, “eles foram até recentemente ou ignorados

inteiramente ou estudados unicamente por seus méritos literários (ou pela falta deles)”.

(TAYLOR, 2001, p.ix, tradução nossa). 1 Para um estudo sobre esse assunto, ver Muessig (2002, p. 277-315). 2 Independente de que se diga que o sermão é uma paráfrase do discurso bíblico, “ele é um outro texto que merece ser tratado como totalidade” (NASCIMENTO, 1993, p.71). 3 Neste artigo, Ricoeur afirma não crer na Bíblia como um texto sacro (no sentido tradicional) e considera o sermão como uma atividade que naturalmente dessacraliza o texto bíblico escrito, “pelo retorno à palavra falada” (RICOEUR, 1995, p.71, tradução nossa).

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A presente pesquisa tem como título: Simonton como leitor da Bíblia: Uma análise dos

seus sermões. Estudará os sermões escritos pelo fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, o

missionário Ashbel Green Simonton. O corpus será composto por sermões pregados por ele no

Brasil, reunidos após sua morte por seu cunhado, o também missionário Rev. Blackford4.

A escolha do tema foi motivada por dois fatores básicos. O primeiro foi a inserção do

discurso religioso entre as linhas de pesquisa da pós-graduação em Letras a partir do ano de 2011.

O outro, o desejo pessoal de conhecer os padrões de leitura bíblica do pioneiro presbiteriano.

A pesquisa terá dois focos. O histórico tratará do contexto social e religioso de Simonton,

nos Estados Unidos da América do século 19, até sua vinda para o Brasil em 18595, levantando

informações biográficas, culturais e religiosas sobre aquele período. O estudo dos sermões, no

último capítulo, será a parte mais importante da pesquisa. Nesse tópico serão aplicados os

referenciais teóricos adotados inicialmente, buscando identificar de que modo Simonton lia a

Bíblia, por meio dos sermões que escreveu.

1.1 Delimitação do corpus

A presente pesquisa terá como corpus os Sermões Escolhidos6, um conjunto de sermões

selecionados e publicados pelo Rev. Blackford, seu cunhado, após a morte de Simonton.

A coletânea é composta por 227 sermões: Entrai pela porta estreita; O viver é Cristo; Deus é

caridade; Sem efusão de sangue não há redenção; Cristo, nosso substituto; Bartimeu, o cego; A

pessoa de Cristo; A fé e a visão; A caridade; O Consolador; Os filhos do pacto; O batismo de

Jesus; A Ceia do Senhor; Ação de graças a Deus; Os meios de graça; A morte e o futuro estado

dos justos; Tudo está cumprido; O tesouro escondido; Os ímpios não têm paz; A paz: o legado de

Cristo; Cristo crucificado; Somos filhos de Deus; A vida eterna: em que consiste.

Por questões de espaço, a presente pesquisa abordará, no último capítulo, os sermões de

modo geral, procurando entender os padrões de leitura do missionário. Também destacará cinco

4 O Rev. Alexander Latimer Blackford (1829-1890) era cunhado de Simonton, tendo se casado com a irmã deste, Elizabeth Wiggins Simonton. Foi o fundador da Igreja Presbiteriana de São Paulo e também trabalhou no Rio de Janeiro e na Bahia. 5 Simonton chegou ao Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859, tendo morrido na madrugada de 9 de dezembro de 1867, em São Paulo, capital. (MATOS, 2004, p.25, 29). 6 São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 7 O sermão 16 (A morte e o futuro estado dos justos) é, na verdade, um grande artigo, que faz parte de uma série publicada no 4º. volume do jornal Imprensa Evangélica, de 1868. (BLACKFORD, 2008, p.13).

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deles quando for estudado o uso de metáforas feito por Simonton: Entrai pela porta estreita; O

viver é Cristo; Bartimeu, o cego; O tesouro escondido e A paz: o legado de Cristo.

1.2 Justificativa

A escolha do tema da presente pesquisa Simonton como leitor da Bíblia: uma análise dos

seus sermões foi feita por quatro razões.

A primeira é que a Bíblia “continua sendo o livro mais lido pelos brasileiros - à frente dos

livros didáticos e dos romances.” 8. Assim, estudos que ajudem a entender livro tão interessante

devem ser considerados válidos. Em segundo lugar, o missionário Simonton, mesmo tendo

trabalhado pouco tempo no Brasil como missionário, produziu um volume considerável de textos,

entre eles, sermões escritos em língua portuguesa. Em terceiro lugar, a pesquisa terá como corpus

uma série de sermões do século 19, num Brasil em grande parte analfabeto, em que as

comunicações orais, dentre elas os sermões, eram fontes de formação e informação para a

população. Em quarto lugar, por haver, considerando o número crescente de protestantes no

Brasil, há ainda poucas pesquisas em áreas fora da teologia histórica ou filosófica, como a

história da leitura, uma abordagem que procura identificar as razões que levam alguém a ler (no

caso de Simonton, a Bíblia) e o modo como lê.9

1.3 Objetivos

A presente pesquisa tem como objetivo geral situar os estudos sobre o fundador da Igreja

Presbiteriana do Brasil, Ashbel Green Simonton, no âmbito da História da Leitura. Seus

objetivos específicos são o de levantar informações sobre Simonton até sua vinda para o Brasil e

estudar Simonton como leitor da Bíblia, por meio dos sermões publicados.

8 Conforme dados da última pesquisa da Agência Brasil em março de 2012, disponíveis em http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/04/02/biblia-e-o-livro-mais-lido-e-monteiro-lobato-e-o-escritor-mais-admirado-por-brasileiros. Acesso em 29 de maio de 2012. 9 Atualmente, já alguns trabalhos têm sido feitos com a abordagem da história da leitura aplicada à Bíblia, como, por exemplo, Ciências sociais, teoria literária e o Evangelho de Mateus – História da pesquisa brasileira, de João Leonel (Disponível em http://www.oracula.com.br/numeros/012009/ferreira.pdf. Acesso em 16 de outubro de 2012) e História da leitura e história da recepção da Bíblia, de Antonio Paulo Benatte (Disponível em http://www.oracula.com.br/numeros/012007/05-benatte.pdf. Acesso em 16 de outubro de 2012), além de livros como o de Júlio Paulo T. Zabatiero e João Leonel, Bíblia, literatura e linguagem (São Paulo: Paulus, 2011), entre outros.

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14

1.4 Problematização, hipóteses e metodologia

Este trabalho busca responder às seguintes questões gerais: A julgar pela análise dos seus

sermões, quais as influências religiosas, culturais, sociais e étnicas reveladas por Simonton na

leitura da Bíblia? Com que objetivo(s) ele a lia, considerando o seu uso no sermão, uma prática

que basicamente visa a confirmação da fé e o convencimento daqueles que não aderiram a ela?

Há outras questões subordinadas e igualmente desafiadoras. O volume de sermões a ser

analisado é somente vinte por cento de sua produção sermonística escrita, sendo que os outros

pertencem a um acervo particular, o que torna o acesso ao público limitado10. Além disso, os

sermões publicados foram selecionados e editados não por Simonton, mas por seu cunhado, o

Rev. Blackford, o que levanta a seguinte questão: Seria possível falar de Simonton como leitor da

Bíblia a partir de um livro de sermões cuja edição não foi feita por ele? Não seria mais seguro

estudar sobre “Blackford como leitor de Simonton”? Neste ponto, é importante levantar algumas questões sobre os critérios de edição, tanto da

seleção como da ordem das prédicas.

Dos sermões da coletânea, apenas um deles não possui algum tipo de apelo evangelístico

(enfatizando o tornar-se cristão, ou o novo nascimento) ou doutrinário. Blackford incluiu apenas

dois sermões sobre o Antigo Testamento. Um deles (“Ação de Graças a Deus”, baseado em 1

Reis 7:12) parece ter sido motivado por uma mudança de endereço do trabalho presbiteriano

incipiente para um lugar mais espaçoso, e expressões de gratidão por isso.11 O outro sermão

escolhido, em Isaías 57:21 (“Os ímpios não têm paz”), mesmo sendo baseado no Antigo

Testamento, incentiva a conversão dos ouvintes. O tom geral do sermão é contundente, com

declarações alarmantes sobre o inferno (“[É] difícil fazer-se uma ideia desses tormentos” 12; “A

alma condenada a penar por suas culpas facilmente se lembrará delas todas.” 13) e, como sempre,

aponta para a graça de Cristo como livramento da condenação e fonte de paz. Os outros 21

10 Há cinco volumes de sermões. Um está no Arquivo Presbiteriano de São Paulo, capital, e quatro estão numa coleção particular, de obras raras, do Dr. Antonio Cabrera, em São José do Rio Preto (SP). 11 “Esse sermão deve ter sido pregado em abril de 1867, logo depois que a Igreja do Rio de Janeiro se mudou para um espaçoso imóvel no Campo de Santana. Simonton faz um retrospecto dos diversos endereços nos quais o incipiente trabalho presbiteriano esteve sediado entre 1861 e 1867 (ruas Nova do Ouvidor, Sete de Setembro e do Regente).” (MATOS, 2008, p. 131). 12 SIMONTON, 2008, p.190. 13 SIMONTON, 2008, p.191.

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15

sermões partem de textos do Novo Testamento14 e, de modo geral, destacam temas ligados à

necessidade dos leitores de se converterem ao protestantismo ou de manterem-se nele.

A hipótese básica assumida por esta pesquisa é a de considerar legítimo que a coletânea

de Blackford é uma amostra legítima da obra de Simonton, um segmento que representa bem os

sermões escritos pelo missionário. Tendo Blackford a mesma formação discursiva e cultural de

Simonton, além de ser seu cunhado e companheiro de trabalho, a seleção que fez dos sermões

“indica que, com certeza, conhecendo ele muito bem o modo de pensar ‘simontoniano’, é o que

melhor representa esse mesmo modo de pensar.” (MENDONÇA, 2008, p.271). Assim, a presente

pesquisa não vê o estudo de uma coletânea como impeditivo para a pesquisa que pretende

desenvolver. Antes, isso contribuirá para se entender Simonton por um dos seus “leitores” mais

próximos.

A segunda hipótese é a de que o impulso evangelístico de Simonton moldou sua leitura

bíblica e, conseqüentemente, a configuração de suas prédicas. Os sermões, de modo geral, foram

pregados levando em conta o contexto brasileiro. “Como Simonton pregou para uma audiência

majoritariamente católica, que ele procurava atrair para a fé protestante, seus sermões são

fortemente evangelísticos.” (MATOS, 2008, p.9).

Tradicionalmente, os sermões fazem parte de um gênero marcado pela oralidade15,

podendo inclusive ser pregados apenas com o uso de esboços. No entanto, Simonton fazia

questão de escrevê-los completamente, provavelmente com a intenção de alcançar, além de

ouvintes, leitores (embora não só os de fora da igreja protestante16), por meio da publicação dos

seus sermões.

A terceira hipótese é que, em seus sermões, Simonton revela uma leitura bíblica

fortemente doutrinária, orientada pela teologia do seminário de Princeton, onde se formou. Em

alguns dos seus sermões, o missionário trata de temas importantes para aquele seminário (como

14 Mateus: 05; Marcos: 1; Lucas: 2; João 5; Atos: 1; I Coríntios: 3; II Coríntios: 1; Filipenses: 1; Hebreus: 1; Apocalipse: 1. Cumpre observar que o sermão “Tudo está cumprido” parte de três textos dos evangelhos: (Mt 27.50–51; Mc 15.37,38; Lc 23.45; Jo 19.30). Por se tratar apenas de um sermão, computei apenas o primeiro texto, Mt 27. 15 Independentemente do número de abordagens diferentes, inclusive na América do tempo de Simonton (ELLISON, 2010, p. 341-554), o gênero sermão permanece sendo, desde a antiguidade cristã, uma atividade eminentemente oral. 16 Segundo Matos, a intenção de todos os pioneiros presbiterianos no Brasil ao escreverem seus sermões era publicá-los, sobretudo, visando suprir a carência das congregações distantes do interior (MATOS, 2004, p.69). Matos observa também que, embora tivesse um excelente domínio da língua portuguesa para um estrangeiro, a linguagem de Simonton “apresentava eventuais falhas de gramática e estilo. Ao preparar os sermões para publicação, o próprio Blackford ou alguém encarregado por ele fez diversas correções e adaptações do texto, tendo em vista sua melhor fluência.” (MATOS, 2008, p. 8).

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sua ênfase na pessoa de Cristo17 e na importância de uma idéia clara sobre Deus como base para

um pensamento teológico correto18) embora, como será visto, revele às vezes certas variações

doutrinárias, provavelmente devido ao contexto em que seus sermões foram pregados.

A harmonização entre o aspecto evangelístico (segunda hipótese) e o doutrinário (terceira)

na pregação do missionário deve-se, sobretudo, à sua formação geral, que inclui sua experiência

pedagógica anterior aos seus estudos teológicos e seus estudos num seminário que associava

(especialmente por meio de Charles Hodge, seu influente professor) evangelização com ensino.

Essa associação será revelada pelos textos que foram escolhidos como base para os sermões (em

sua maioria, passagens dos evangelhos e das epístolas do Novo Testamento) bem como o modo

de expô-los, sempre em busca de conseguir novos membros para a sua igreja.

A quarta hipótese é que, em seus sermões, Simonton revela uma leitura bíblica

impulsionada pela polêmica com a Igreja Católica no Brasil, tanto em suas doutrinas oficiais,

como também na prática de vida do catolicismo popular.

A quinta hipótese é que houve uma influência mista de pietismo wesleyano19 e

puritanismo20 sobre Simonton, observada não apenas em seu próprio modelo de conversão e

santificação, mas também no modelo de conversão que propôs aos seus ouvintes e leitores, nos

sermões que serão estudados. Isso também terá influencia natural sobre o seu tipo de leitura do

texto bíblico.

A metodologia utilizada neste trabalho será a pesquisa bibliográfica, com o uso de análise

documental, tanto nos conteúdos biográficos como nos referenciais teóricos.

1.5 Revisão bibliográfica

Já faz alguns anos que é possível ao público em geral se familiarizar com a vida e a obra

de Simonton. Muitos foram os trabalhos que divulgaram a sua obra, especialmente a que

17 Conforme os sermões O viver é Cristo, Cristo, nosso substituto e A pessoa de Cristo (SIMONTON, 2008, p. 26-33, 55-63 e 74-80). 18 Conforme introdução do sermão Deus é caridade (SIMONTON, 2008, p. 34-42). 19 Pietismo Wesleyano: trata-se, na vida de Simonton, de mais do que um movimento localizado, fruto da influência do Pietismo moraviano sobre John Wesley (1703-1791). Era parte da atmosfera de avivamentos religiosos em que o missionário vivia e participava. Esse movimento será tratado com mais detalhes no capítulo 3 (Dos primeiros anos até sua missão no Brasil: O mundo de Simonton). 20 Puritanismo: Trata-se da herança protestante inglesa tal como entendida pelos teólogos de Princeton no tempo de Simonton, especialmente seu professor Charles Hodge, considerado como o mais representativo teólogo da instituição. Esse movimento (incluindo Hodge) será estudado no capítulo 3.

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17

desenvolveu no Brasil. Seu cunhado, o Rev. Blackford, foi o primeiro a selecionar e a publicar

alguns dos seus sermões. Mais tarde, um diário pessoal que cobre desde sua vida nos Estados

Unidos até o ano de sua morte no Brasil, também foi publicado, sendo prefaciado por

personagens importantes da Igreja Presbiteriana, como um dos seus presidentes, Boanerges

Ribeiro ou seu atual historiador, Alderi Matos, que assina as atuais apresentações dos sermões

escolhidos e do diário, ambos publicados pela Editora Cultura Cristã, da igreja Presbiteriana21.

Em meados do século passado, livros como o de Philip Landes (Ashbel Green Simonton:

Model pioneer missionary of the Presbyterian Church of Brazil) 22 e o de Júlio A. Ferreira

(Inspirações de uma existência) 23 foram divulgados. Na década de 1960, o seminário de

Princeton, onde Simonton formou-se teólogo, divulgou uma obra tratando dos pastores oriundos

daquele seminário que trouxeram frutos à obra missionária. Dentre os artigos, há um de Richard

Shaull, intitulado Ashbel Green Simonton (1833-1867): A Calvinist in Brazil24, fazendo uma

avaliação do trabalho do missionário em terras brasileiras. A editora Mackenzie recentemente

lançou dois livros: Simonton, 140 anos de Brasil, da série Colóquios25, e Ashbel Green Simonton:

o missionário dos tristes trópicos, de Wilton O. Assis, da Série Cadernos de Pós-Graduação26. A

editora Cultura Cristã lançou, em comemoração aos 150 anos da Igreja Presbiteriana, um livro

didático infantil para colorir, sobre a história de Simonton. A editora Ultimato publicou, em

2009, o livro Mochila nas Costas e Diário na Mão – a fascinante história de Ashbel Green

Simonton, de Elben L. César27.

Entre os estudiosos atuais de maior destaque sobre Simonton no campo histórico e

biográfico está Alderi Souza de Matos, historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Embora não se dedique apenas ao estudo do pioneiro presbiteriano, alguns dos seus livros e

artigos trazem cada vez mais informações sobre a vida do missionário, sendo imprescindíveis

para qualquer pesquisa aprofundada sobre o assunto28.

21 A extinta editora Rizzo lançou o diário com o título Simonton: inspirações de uma existência. (São Paulo, 1962). 22 Fort Worth: Don Cowan, 1956. 23 São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1952, p. 41-66. 24 In: KERR, Hugh T. (Org.). Sons of the Prophets: Leaders in Protestantism from Princeton Seminary. New Jersey: Princeton University Press, 1963, p. 100-122. 25 São Paulo: Editora Mackenzie, 2000. 26 São Paulo: Editora Mackenzie, 2001. 27 Viçosa: Editora Ultimato, 2009. 28 Ver, como exemplo, os livros: Os pioneiros presbiterianos do Brasil: 1859-1900. (São Paulo: Cultura Cristã, 2004); Uma Igreja peregrina: História da Igreja Presbiteriana do Brasil, de 1959-2009. (São Paulo: Cultura Cristã, 2009). Além dos livros, uma importante contribuição de Matos para este trabalho virá de um importante artigo escrito para a revista Fides Reformata, em que ele estuda o modelo de pregação dos pioneiros Presbiterianos: A

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Assim, esta pesquisa terá a seguinte divisão, além da presente introdução:

Capítulo 2: Reflexões teóricas: Conceituação dos termos. Inicialmente, apontará as

dificuldades de análise do gênero sermônico, que conjuga literalidade e oralidade, não havendo

hoje ferramentas apropriadas para esse fim. Por isso, a pesquisa propõe a combinação do

pensamento de três teóricos, abordando aspectos como a fala, o caráter e a solidariedade do

orador (Aristóteles), um estudo sobre o mundo do leitor e o próprio leitor como fonte de sentido

(Paul Ricoeur) e, junto com isso, inquire de que modo a materialidade da leitura influencia a

abordagem ao texto escrito (Roger Chartier).

Capítulo 3: Dos primeiros anos até sua missão no Brasil: o mundo de Simonton. Este

capítulo estudará as dimensões estruturais e simbólicas da vida de Simonton. Tratará dos

movimentos religiosos que fizeram parte de sua vida, a imprensa do seu tempo e o Seminário de

Princeton, onde se formou, dando destaque ao seu professor, Charles Hodge e sua influência no

seminário e na vida do seu aluno. Também discorrerá sobre a atuação do missionário no Brasil no

final do século 19, buscando informações que ajudem a entender seus modos de ler a Bíblia.

Capítulo 4: Simonton como leitor da Bíblia. Este é o capítulo principal da pesquisa. Nele,

serão aplicadas, de modo mais concentrado, as ferramentas teóricas apresentadas no capítulo 2 e

3, na busca por entender, com a análise dos sermões publicados, os padrões de leitura bíblica do

missionário norte-americano.

Ao final da pesquisa, serão apresentadas as considerações finais, referências bibliográficas e

anexos.

Pregação dos pioneiros presbiterianos no Brasil: uma análise preliminar (Fides Reformata, v. 9, n. 2, 2004). Foi de lá que extraí os três modos de leitura de Simonton, abordados no capítulo 4. Outra importante contribuição virá dos seus artigos sobre a vida pessoal e acadêmica de Simonton, disponíveis no site da Universidade Mackenzie em http://www.mackenzie.br/15530.html. Acesso em 16 de outubro de 2012.

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2 Reflexões teóricas: Conceituação dos termos.

Este capítulo tem como objetivo apresentar a fundamentação teórica que será usada na

presente pesquisa. Inicialmente, será introduzida a obra Retórica, de Aristóteles, que será usada

para tratar sobre as provas do discurso oral. A seguir, será a vez do pensador francês Paul Ricoeur

com suas duas contribuições: sua teoria da metáfora e a sua teoria da tríplice mimese. Por fim, o

capítulo abordará o pensamento do também estudioso francês Roger Chartier, com sua teoria

sobre a materialidade da leitura.

A combinação de pensadores que viveram em lugares e épocas tão diferentes (refiro-me a

Aristóteles [século 4º. a.C.], em relação a Ricoeur e Chartier [século 20]), tornar-se-á possível

pela mediação de autores contemporâneos que, nesta pesquisa, atualizam a discussão de tópicos

aristotélicos e os situam nos estudos atuais de análise do discurso.

2.1 Aristóteles e a Retórica

Para que a presente pesquisa estude a Simonton como leitor da Bíblia por meio de sermões,

é preciso levar em conta a influência do papel social representado por ele como orador – o de um

agente de influência, proclamando uma mensagem persuasiva. Assim, é certo afirmar que seus

objetivos missionários moldaram, em boa medida, seus modos de ler e selecionar os textos

bíblicos sobre os quais pregou. Daí a importância de se estudar o aspecto retórico dos seus

sermões como algo útil para o entendimento dos seus padrões de leitura da Bíblia.

Desde as primeiras exposições patrísticas, pode-se dizer que o sermão tem sido fruto de

uma confluência fundamental: aquela entre o Novo Testamento e a retórica grega, basicamente a

de Aristóteles. Os Padres da igreja dos primeiros séculos depois de Cristo, por exemplo, “eram

todos treinados em retórica; dominavam os clássicos e usavam seu conhecimento literário para

persuadir, convencer e converter a serviço da Igreja." (FISCHER, 2006, p.80). Até o tempo de

Simonton, ainda era forte a influência da retórica clássica sobre a arte de pregar (homilética) 29.

Em seu livro sobre a arte do discurso (Retórica, 2005), um ponto importante para

Aristóteles “é o reconhecimento de três modos técnicos ou artísticos de persuasão (enteknói

písteis): a saber, o argumento retórico, a apresentação do caráter do orador e o despertamento da

29 Esse assunto será tratado com mais detalhes no tópico 3.3 (Os sermões Reformados e os sermões do tempo de Simonton).

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emoção na audiência.” (FORTENBAUGH, 2006, p. 389, tradução nossa). Nas palavras do

próprio filósofo, algumas dessas provas “residem no caráter moral do orador; outras, no modo

como se dispõe o ouvinte; e outras, no próprio discurso, pelo que este demonstra ou parece

demonstrar.” (ARISTÓTELES, 2005, p. 96). Esses três modos ou provas, apresentados em várias

ordens no livro I e II da Retórica, são conhecidos como ethos, pathos e logos30.

Aristóteles define logos como prova lógica do discurso, derivada “de argumentos

verdadeiros ou prováveis.” (ARISTÓTELES, 2005, p. 37). O segundo meio de persuasão no

discurso retórico-aristotélico é o caráter (ethos) que, segundo o filósofo, é persuasivo [...] [...] quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas sobretudo nas de que não há conhecimento exato e que deixam margem para dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado do discurso e não de uma opinião prévia sobre o caráter do orador; pois não se deve considerar sem importância para a persuasão a probidade do que fala, como aliás alguns autores desta arte propõem, mas quase se poderia dizer que o caráter é o principal meio de persuasão. (ARISTÓTELES, 2005, p. 96) 31.

O terceiro meio é a conexão emocional entre orador e a audiência (pathos). Para o filósofo

[...] [...] persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são levados a sentir emoção por meio do discurso, pois os juízos que emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou ódio. (ARISTÓTELES, 2005, p.97) 32.

Segundo Aristóteles, os pathe são qualquer uma das 14 paixões33 que o orador tenta suscitar

em seu auditório, visando incitar “um estado emocional” (DASCAL, 2008, p. 57) 34. O pathos,

30 No livro I da Retórica, ele lista os três na seguinte ordem: ethos, pathos e logos (ARISTÓTELES, 2005, p. 96). “No livro II, Aristóteles apresenta uma ordem diferente: logos, ethos, pathos; e pouco mais tarde a ordem é mudada novamente para ainda outra seqüência: pathos, ethos, logos, que então é também seguida pelas explicações dos três, que formam a parte principal do livro II.” (PELIKAN, 2001, p.98, tradução nossa). 31 Para Reboul, esse caráter é indispensável para inspirar confiança no auditório, “pois, sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança.” (REBOUL, 2004, p. 48). 32 “O que Aristóteles se dispõe explicitamente a mostrar em sua Retórica é que as paixões constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencer. Um crime horrível deverá suscitar indignação, ao passo que um delito menor, absolutamente perdoável, deverá ser julgado com compaixão.” (MEYER, 2000, xii). 33 As 14 paixões elencadas na Retórica são: ira e calma, amizade e inimizade, temor e confiança, vergonha e desvergonha, amabilidade e indelicadeza, piedade e indignação, inveja e emulação. (ARISTÓTELES, 2005, p.159-193). O segundo par, muito utilizado por Simonton em seus sermões, será estudado na última parte desta pesquisa. 34 “A phrónesis [razão] (que faz parte do logos) e a arete (que é ‘a virtude’ do ethos) exprimem as disposições ou habitus positivos, a eúnoia [benevolência] pertence ao pathos, pois se trata de um afeto que mostra ao ouvinte que o orador é bem-intencionado para com ele. Certamente é impossível encontrar um equivalente para eúnoia em outras línguas. Todavia, se considerarmos todas as passagens da Retórica e da Ética a Nicômaco em que Aristóteles trata desse afeto, uma ideia bastante clara se esboça: a eúnoia constitui, na verdade, com cháris e philia, isto é, com a obsequiosidade e a amabilidade, um campo semântico – sendo sua base comum não só a expressão de uma simpatia para com o outro, mas também de uma disposição ativa para prestar serviços ao outro, caso ele necessite. Em

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porém, não existe sozinho. Ele é tridimensional, “uma vez que deve ser a expressão adequada do

tema tratado, do ethos do orador e do ethos do auditório.” (EGGS, 2008, p. 42). Manifesta-se na

medida em que o orador consegue exprimir um sentimento apropriado em três dimensões: na

sintonia com o assunto (logos), numa postura coerente com seu discurso (ethos) e ao levar em

conta a constituição ética/emocional do seu auditório.

No entanto, as provas aristotélicas parecem tratar, especialmente, sobre o discurso falado e

não o escrito. Isso complicaria a aplicação dessa teoria a um estudo de sermões escritos, como é o

caso do corpus da presente pesquisa.

A distinção entre fala e escrita tem estimulado muitos estudos recentes. Porém, neles, “a

análise dos estilos escrito e performativo [oral] em Aristóteles em geral aparece apenas

marginalmente.” (INNES, 2007, p. 152, tradução nossa). No entanto, é certo que o filósofo tinha

consciência dessa distinção e chegou a afirmar a existência de estilos mais apropriados aos

gêneros da oratória, sendo um deles o lexis graphikê (estilo escrito), de maior precisão formal. É preciso, porém, não esquecer que cada gênero é ajustado a um tipo de expressão diferente. Na verdade, não são a mesma a expressão de um texto escrito e a de um debate, nem neste caso, oratória deliberativa é a mesma que a judiciária. Efetivamente, é necessário conhecer ambas: uma para sabermos expressar-nos correctamente, a outra para não sermos forçados a permanecer em silêncio se quisermos dizer algo aos outros, que é o que sucede aos que não sabem escrever. (ARISTÓTELES, 2005, p. 275).

Apesar da distinção acima, o que Aristóteles estabeleceu nesse caso foi apenas “o ponto de

partida inicial para ambos os estilos.” (INNES, 2007, p. 164, tradução nossa). Contudo, até hoje

não existe nenhuma escola específica (algo equivalente ao Formalismo ou ao Estruturalismo, por

exemplo) que se ocupe da interpretação conjunta dos dois fenômenos, embora a consciência da

relação entre oralidade e escrita “possa afetar o que é realizado tanto nessas como em muitas

outras ‘escolas’ ou ‘movimentos’, por todas as ciências humanas e sociais.” (ONG, 2002, p. 1,

tradução nossa).

A falta de aprofundamento do filósofo na abordagem das semelhanças e diferenças entre

linguagem oral e escrita talvez se deva ao fato de que, em sua época (e por muito tempo depois),

os textos, especialmente os literários, [...] eram normalmente lidos em voz alta, e Aristóteles assume isto em 1707b11-12: “o que é escrito deveria em geral ser fácil de ler e fácil de falar [...], o que é a mesma

português, o termo solidário parece explicar melhor esses dois aspectos de uma simpatia ativa para com o outro.” (EGGS, 2008, p. 33).

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coisa.” O que importa é uma fácil compreensão, e um bom estilo escrito facilita a boa performance oral do texto. (INNES, 2007, p. 152, tradução nossa) 35.

Uma distinção aguda entre oralidade e escrita, no tempo de Aristóteles, seria, portanto, uma

impossibilidade, embora o filósofo tenha dado a entender que havia certa relação entre as duas

modalidades de linguagem, especialmente no ato de ler36. Contudo, nos dias atuais é possível

fazer uma considerável distinção (embora não uma separação) entre as duas dimensões. Para

Ong, [n]osso   entendimento   sobre   as   diferenças   entre   oralidade   e   cultura   escrita  desenvolveram-­‐se   somente   na   era   eletrônica,   e   não   antes.   Os   contrastes   entre   as  mídias   eletrônica   e   impressa   nos   tornaram   sensíveis   ao   contraste   anterior   entre  escrita  e  oralidade.  A  era  eletrônica  é  também  uma  era  de  “oralidade  secundária”,  a  oralidade  dos  telefones,  do  rádio  e  televisão,  que  depende  da  escrita  e  da  impressão  para  sua  existência.  (ONG,  2002,  p.  2,  tradução  nossa)  37.  

 Por causa de tudo isso, as provas aristotélicas (logos, pathos e ethos) e suas modificações

no discurso escrito de Simonton, serão estudadas nos tópicos 4.3. (A busca inicial por interação:

o discurso oral de Simonton) e 4.4 desta pesquisa (A opção pela lógica: A escrita e a difusão dos

sermões), mediadas por autores contemporâneos que exploram detidamente não só as diferenças

entre oralidade e escrita, como também suas similaridades, e consideram que ambas surgem e se

nutrem de uma mesma fonte, a linguagem. Como será visto, mesmo quando ocorre o registro

escrito de um discurso oral (reforçando o logos, ou a lógica desse discurso), nem ethos, nem

pathos são necessariamente excluídos no processo (INNES, 2007, p. 162). 35 “A distinção de Aristóteles entre os estilos escrito e performativo está preocupada essencialmente com diferentes formas de arranjo, e os diferentes níveis de dicção, caso existam, irão se relacionar primariamente com as consequentes demandas do gênero.” (INNES, 2007, p. 152, 153, tradução nossa). Para ler sobre a relação entre escrita e performance em Aristóteles, ver Innes, Dorren C. Aristotle: the written and the performative styles. In: MIRHADY, David D. (Ed). Influences on peripatetic rhetoric. Leiden/Boston: Brill, 2007, p. 152ss. 36 Sobre a natureza híbrida (escrita e oral) do verbo “ler” na Grécia antiga, ver SVENBRO (1998, p. 48-50). No século XX, os estudos sobre a relação oralidade-escrita tiveram uma origem literária, através da influente obra de Milman Parry (1902-1935), professor assistente de Grego em Harvard. Seu trabalho sobre a Ilíada e a Odisséia de Homero, interrompido com sua morte prematura (aos 33 anos), foi concluído por seu aluno Albert B. Lord e suplementado por Eric A. Havelock e outros. Publicações posteriores em lingüística aplicada e sociolingüística, tratando das relações entre oralidade e escrita, citam regularmente esses autores e outros relacionados (ONG, 2002, p. 6). A tese de doutorado de Perry (The Traditional Epithet in Homer), que deu início à moderna teoria oralista da composição homérica, foi publicada por seu filho, Adam Parry, no livro The making of homeric verse – The collected papers of Milman Parry (Oxford: Clarendon Press, 1971, p. 1-190). 37 Segundo Havelock, a equação oralidade-cultura escrita é uma formulação recente, surgida entre os anos de 1962 e 1963, através de autores influentes e independentes uns dos outros, sobretudo antropólogos e linguistas (como McLuhan, Lévi-Strauss, Jack Goody e Ian Watt) que, além de publicarem livros, desenvolveram outras atividades intelectuais devotadas a enfatizar a dinâmica da oralidade primária e a da verbalização escrita. A pergunta de Havelock sobre a origem relativamente espontânea desse movimento possui contornos retóricos: “Da forma em que se deu, a ocorrência simultânea dessas obras teria sido um mero acidente ou refletiria uma resposta comum e generalizada, ainda que inconsciente, na França, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, a uma experiência comum com relação a uma revolução tecnológica nos meios de comunicação?” (HAVELOCK, 1995, p. 18).

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2.2 Paul Ricoeur e a Metáfora viva

Para Paul Ricoeur, o ser humano é marcado por uma paixão pelo possível, buscando sempre

projetar-se, de algum modo, para além da sua existência imediata. O homem “figura” de modo

tão peculiar o seu mundo, que esse aspecto define parte da sua natureza. Por isso, o pensador

francês propõe começar sua antropologia filosófica “com um estudo da criatividade humana. E a

evidência mais impressionante da criatividade humana para Ricoeur é o nosso uso da

linguagem.” (VANHOOZER, 1990, p. 56, tradução nossa).

Ao indicar de que modo a linguagem projeta o seu “mundo”, Ricoeur se refere à dimensão

poética e imaginativa do ser humano. Para ele, a imaginação não simplesmente esquematiza a

assimilação de predicados entre termos, por meio de sínteses a respeito de similaridades, nem

meramente retrata o sentido por meio de exibição de imagens despertadas e controladas pelo

processo cognitivo. “Antes, ela contribui concretamente para a suspensão [epoché] da referência

ordinária e para a projeção de novas possibilidades de redescrever o mundo.” (RICOEUR, 1978,

p.154, tradução nossa).

No coração da poética de Ricoeur reside a metáfora que, para ele, não é um mero poder

adicional da linguagem, mas sua “forma constitutiva”, que diz respeito “às próprias

profundidades da interação verbal.” (RICOEUR, 2000, p. 128).

Em A metáfora viva38 (2000, p.9), sua teoria sobre o assunto possui três níveis: Semiótico,

semântico e hermenêutico (RICOEUR, 2000, p.9). Partindo de Aristóteles – que para ele, definiu

a história posterior do assunto - Ricoeur estuda o nível semiótico. No segundo estudo do livro,

critica a tradição retórica posterior a Aristóteles, que não levou avante as implicações semânticas

desse filósofo, implícitas na abordagem semiótica das metáforas. Ao segundo nível (semântico)

são dedicados três estudos, sendo que o primeiro (que é o terceiro do livro, intitulado, “A

metáfora e a semântica do discurso”) “contém o passo decisivo da análise.” (RICOEUR, 2000,

p.10).

38 Para Snaevarr, não foi por acaso que Ricoeur deu esse título (La métaphore vive) ao seu livro, “pois ele considera as metáforas como o momento vivo e criativo do mundo do significado, algo que também é costurado no tecido da alma. Nós precisamos de metáforas vivas para entender a vida da mente, simplesmente porque a vida é constituída por tais metáforas.” (SNAEVARR, 2010, p.68, tradução nossa). A principal contribuição desse livro “está na proposição de uma teoria holística da metáfora que reúne perspectivas retóricas, semânticas e pragmáticas.” (RITIVOI, 2006, p. 43-44, tradução nossa). A obra funciona, em parte, como precursora da trilogia que o consagrou em meados da década de 1980, Tempo e narrativa. “Se em A metáfora viva o interesse de Ricoeur no discurso poético é designado para estruturar sua teoria da referência metafórica, a poética como atividade produtiva torna-se a preocupação maior de sua obra Tempo e narrativa.” (RITIVOI, 2006, p.44, tradução nossa).

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Pode-se, por conseqüência, considerá-lo o estudo-chave. Ele situa provisoriamente, em uma relação de oposição irredutível, a teoria da metáfora-enunciado e a metáfora-palavra. A alternativa é preparada pela distinção, emprestada de Émile Benveniste, entre uma semântica, na qual a frase é a portadora da significação completa mínima, e uma semiótica, para a qual a palavra é um signo no código lexical. A essa distinção entre semântica e semiótica faz-se corresponder a oposição entre uma teoria da tensão e uma teoria da substituição, a primeira aplicando-se à produção de metáfora no seio da frase tomada como um todo, a segunda referindo-se ao efeito de sentido no nível da palavra isolada. (RICOEUR, 2000, p. 10-11).

Ricoeur propõe uma hipótese que estude o caráter dialético que constitui a natureza dessas

figuras de linguagem. Para ele, uma teoria da metáfora não deve levar em conta apenas a palavra

ou o nome isoladamente, mas o par de termos ou de relações, entre os quais a transposição

metafórica opera. (RICOEUR, 2000, p.39) 39.

O pensador francês define assim uma metáfora: “É o processo retórico pelo qual o discurso

libera o poder que algumas ficções têm de redescrever a realidade.” (RICOEUR, 2000, p.14) 40.

Em outra obra, ele divide o conceito, afirmando “(a) que a metáfora é mais do que uma figura de

estilo, mas contém uma inovação semântica; (b) que a metáfora inclui uma dimensão denotativa

ou referencial, a saber, o poder de redefinir a realidade.” (RICOEUR, 2006, p. 168) 41.

No capítulo central da obra, “A metáfora e a semântica do discurso”, ele se move

decisivamente de uma teoria da metáfora orientada pela palavra como nomeação desviante “para

uma teoria da metáfora orientada pela sentença como predicação desviante. Desse ponto em

diante, Ricoeur falará de enunciados metafóricos.” (VANHOOZER, 1990, p. 63, tradução nossa)

42. Para isso, fará distinção entre duas ciências, uma autorreferente e outra que aponta para uma

realidade extralingüística: “A semiótica conhece apenas relações infralingüísticas; a semântica só

se ocupa da relação do signo com as coisas denotadas, isto é, finalmente da relação entre a língua

e o mundo.” (RICOEUR, 2000, p. 120). Se uma metáfora aponta uma realidade exterior à

39 As metáforas, tais como definidas por Ricoeur, “são predicadas sobre a abolição súbita da distância lógica entre campos semânticos frequentemente incompatíveis.” (RITIVOI, 2006, p.62, tradução nossa). Sua localização não está exatamente na palavra, nem na sentença ou mesmo no discurso, “mas no que é suprimido – a cópula do verbo ser. O ‘é’ metafórico a um só tempo significa ‘não é’ e ‘é como’.” (AVIS, 1999, p.86, tradução nossa). 40 Em outro ponto da mesma obra, ele afirma que a metáfora “é um acontecimento semântico que se produz no ponto de intersecção entre vários campos semânticos.” (RICOEUR, 2000, p.155). 41 Paul Avis usa os termos Ornamental e Incremental “para designar as duas principais tradições rivais na avaliação da metáfora. A primeira a considera como um floreado retórico para acrescentar efeito, a segunda como uma fonte de insight; a primeira naturalmente tende a considerá-la dispensável, a última, como insubstituível.” (AVIS, 1999, p.86, tradução nossa). Ricoeur, embora não negue o aspecto ornamental das metáforas, faz parte da tradição incremental. 42 Mais precisamente, ele afirma isso no final deste capítulo central: “não falaremos mais da metáfora como palavra, mas da metáfora como frase.” (RICOEUR, 2000, p. 155).

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palavra, ela não deve ser vista apenas pelo ponto de vista semiótico, mas também semântico. Daí

ele falar de enunciados metafóricos. (RICOEUR, 2000, p.107).

Segundo uma formulação elementar, a metáfora mantém dois pensamentos de coisas diferentes simultaneamente ativas no seio de uma palavra ou de uma expressão simples, cuja significação é resultante de sua interação. Não se trata de um simples deslocamento de palavras, mas de um comércio entre pensamentos, isto é, de uma transação entre contextos. (RICOEUR, 2000, p.129).

Em A hermenêutica bíblica (2006), ele divide os tipos de metáforas, basicamente, entre (a)

de tensão ou verdadeiras, sendo essas “intraduzíveis” 43 e (b) de substituição, que “podem

receber uma tradução que restaure sua significação própria.” (RICOEUR, 2006, p.172).

Para Ricoeur, a interpretação metafórica verdadeira... [...] consiste na transformação de uma contradição inesperada que se autodestrói em uma contradição significante. É essa transformação que impõe à palavra uma espécie de “torção”. Somos obrigados a dar uma nova significação à palavra, uma extensão da significação que lhe permite fazer sentido onde uma interpretação literal não faz sentido. Assim, a metáfora aparece como uma resposta a certa inconsistência do enunciado interpretado literalmente. (RICOEUR, 2006, p. 170) 44.

A tensão entre duas interpretações, uma literal e outra figurada, no conjunto de uma frase,

“dá lugar a uma verdadeira criação de significação de que a retórica só percebia o resultado final.

Em uma teoria da tensão – que oponho aqui a uma teoria da substituição – uma nova significação

emerge, que tem a ver com o conjunto do enunciado.” (RICOEUR, 2006, p. 172).45 Para Ricoeur,

não é possível reconhecer a especificidade desse fenômeno considerando apenas metáforas

mortas (p. ex., o pé da cadeira, o pé da mesa). Para ele, “verdadeiras metáforas são metáforas de

43 “As metáforas de tensão são intraduzíveis porque criam significação. Dizer que são intraduzíveis não significa que não podem ser parafraseadas, mas a paráfrase é infinita e não esgota a inovação da significação.” (RICOEUR, 2006, p. 172). 44 Para Ricoeur, ao trazer juntas duas ideias anteriormente "distantes", a metáfora cria uma semelhança entre elas. Assim, as metáforas são erros intencionais de categorias: coisas que normalmente não têm relação entre si são unidas, “e da tensão resultante uma nova conexão é descoberta, algo que nossos modos anteriores de classificar o mundo escondiam de nós.” (VANHOOZER, 1990, p. 64, tradução nossa). 45“Em outras palavras, o significado metafórico não consiste meramente numa colisão semântica, mas no novo significado predicativo que emerge do colapso do significado literal, isto é, do colapso do significado obtido, se contarmos apenas com os valores léxicos usuais das nossas palavras. A metáfora não é o enigma, mas a solução do enigma.” (RICOEUR, 1978, p.146, tradução nossa). “De modo sucinto, Ricoeur considera essas oposições como sendo de natureza dialética e, assim, tendo igualmente uma solução dialética, uma síntese. A solução é a criação tanto de um novo significado metafórico como de uma nova referência metafórica” (SNAEVARR, 2010, p.58-59, tradução nossa), uma fusão de conceitos aparentemente incompatíveis, “situados entre o verbal (o domínio dos sentidos) e o não-verbal (o domínio da representação).” (SNAEVARR, 2010, p.62, tradução nossa).

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invenção em que uma nova extensão da significação das palavras corresponde a uma

discordância inédita da frase.” (RICOEUR, 2006, p. 172) 46.

Com essa abordagem, que considera metáforas como enunciados, como processos retóricos

capazes de redescrever e apontar novas possibilidades, é que serão estudadas, nos sermões de

Simonton, cinco dessas figuras (O peregrino, o alvo, cegueira e vista, o tesouro e a herança) e de

que modo elas contribuem para o entendimento do missionário como leitor da Bíblia.

2.3 Paul Ricoeur e a Tríplice mimese

Além das metáforas, será utilizada, para abordagem de Simonton como leitor, outra

ferramenta teórica de Paul Ricoeur, o conceito de tríplice mimese, encontrado em sua obra

Tempo e narrativa, v.I e III (1994) 47. Nela, o autor propõe uma síntese temporal por meio da

narrativa. Partindo de duas obras importantes da cultura ocidental, as Confissões de Agostinho

(tratando da questão do tempo, no cap. 1) e a Poética de Aristóteles (tratando da teoria da

narrativa, no cap. 2), ele desenvolve, numa combinação dos dois pensadores, a sua teoria48.

Ricoeur parte do dilema de Agostinho sobre o tempo, no livro XI das Confissões: Por conseguinte, o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei. No entanto, posso dizer com segurança que não existiria um tempo passado, se nada passasse; e não existiria um tempo futuro, se nada devesse vir; e não haveria o tempo presente se nada existisse. De que modo existem esses dois tempos – passado e futuro, - uma vez que o passado não mais existe e

46 “É verdade que a metáfora de invenção tende a tornar-se, pela repetição, uma metáfora morta. A extensão da significação é então inscrita no léxico e se torna uma parte da polissemia da palavra que, desse modo, simplesmente aumenta. Mas não há metáforas vivas no dicionário.” (RICOEUR, 2006, p. 172). A colisão semântica promovida pela metáfora “confere à atribuição metafórica não somente um caráter singular, mas um caráter construído; não há metáfora no dicionário, ela não existe senão no discurso; neste sentido, a atribuição metafórica revela melhor que qualquer outro emprego da linguagem o que é uma palavra viva, que constitui por excelência uma ‘instância de discurso’.” (RICOEUR, 2000, p. 152). 47 O livro faz parte de uma trilogia que consagrou Ricoeur como um dos mais importantes pensadores do século XX, primeiro nos Estados Unidos e depois na França. “O volume I trata largamente sobre a experiência do tempo como problematizado por Aristóteles e Santo Agostinho... (...) O volume II é uma homenagem algo inesperada feita ao estruturalismo à medida que ele explora teorias semióticas da narrativa... (...) Finalmente, o volume III discute as conexões entre linguagem e experiência, propondo uma teoria da mimese que enfatiza o poder transformador da linguagem.” (RITIVOI, 2006, p. 44, tradução nossa). 48 Ricoeur justifica assim a escolha dos dois autores: “Primeiro, eles nos propõem duas entradas independentes no círculo de nosso problema: um pelo lado dos paradoxos do tempo, o outro pelo lado da organização inteligível da narrativa [...] De modo mais importante para nosso propósito, um inquire sobre a natureza do tempo, sem aparentemente se preocupar em basear nesta investigação a estrutura narrativa da autobiografia espiritual desenvolvida nos nove primeiros livros das Confissões. O outro constrói sua teoria da intriga dramática sem consideração das implicações temporais de sua análise, deixando à Física o cuidado de encarregar-se da análise do tempo.” (RICOEUR, 1994 [I], p. 16). A essa comparação, ele chamou “relação inversa entre concordância e discordância.” (RICOEUR, 1994 [I], p. 16).

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o futuro ainda não existe? E quanto ao presente, se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, mas eternidade. Portanto se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como poderemos dizer que existe, uma vez que a sua razão de ser é a mesma pela qual deixará de existir? Daí não podermos falar verdadeiramente da existência do tempo, senão enquanto tende a não existir. (AGOSTINHO, 1984, p. 317-318).

Diante desse enigma, Ricoeur oferece uma solução, não epistemológica, mas “poética”.

Inspirado em Aristóteles, ele parte do ponto de que “existe entre a atividade de narrar uma

história e o caráter temporal da experiência humana uma correlação que não é puramente

acidental, mas apresenta uma forma de necessidade transcultural.” (RICOEUR, 1994 [I], p. 85).

Com outras palavras, ele afirma que o tempo “torna-se tempo humano na medida em que é

articulado de um modo narrativo, e que a narrativa atinge seu pleno significado quando se torna

uma condição da existência temporal.” (RICOEUR, 1994 [I], p. 85) 49. Assim, ele vê a narrativa

como uma força estruturante, que organiza os eventos caóticos da vida, como uma espécie de

“síntese do heterogêneo.” (RICOEUR, 1991, p.22, tradução nossa) 50.

Embora reconheça uma diferença insuperável entre vida e ficção, para Ricoeur esta

diferença é abolida parcialmente pelo nosso poder de aplicar a nós mesmos as intrigas51 que

temos recebido de nossa cultura “e de tentar os mais diversos papéis assumidos pelos tipos

favoritos das histórias mais queridas por nós.” (RICOEUR, 1991, p.32,33, tradução nossa).

Assim, por considerar que história e ficção tratam de duas dimensões humanas igualmente

importantes, o real e o possível, ele passa a considerar todos os tipos de história, de contos de

fadas a crônicas, de ficção científica a história, como relatos que tratam ‘sobre’ o caráter temporal

do ser humano, e que o orientam no tempo. Assim, o estudo feito por Ricoeur sobre narrativa faz uma alegação dupla e surpreendente: primeiro, que no nível do sentido existe uma similaridade estrutural entre

49 Desse modo, ele argumenta em favor de uma “relação de circularidade dinâmica entre vida e narrativa” (WOOD, 1991, p.1, tradução nossa), sugerindo que a atividade narrativa - história falada e história escrita – “responde à nossa experiência confusa do tempo ao organizar o tempo em totalidades significativas.” (VANHOOZER, 1990, p. 90, tradução nossa). 50 “Por exemplo, do tumulto de ideias, emoções, eventos, lutas, etc. que se desenrolaram na França do final do século dezoito, os historiadores criaram a ‘ação completa e única’, agora conhecida como a ‘Revolução francesa’. Assim, a intriga é um tipo especial de pensamento, que podemos chamar de ‘razão poética.’ Por ‘razão poética’ eu me refiro ao tipo de juízo imaginativo que cria todos das partes, que Kant chama de juízo ‘reflexivo’ e que Ricoeur chama ‘configuração’. As narrativas têm duas dimensões de acordo com Ricoeur: a dimensão episódica (‘e então, e então...’) e a dimensão configurativa (o tema).” (VANHOOZER, 1990, p. 93, tradução nossa). 51 “A intriga, o componente central da narrativa, é nada menos que uma síntese criativa do tempo, que faz o todo temporal de um desdobramento da experiência que, de outro modo, seria caótico” (VANHOOZER, 1991, p. 41, tradução nossa). Ricoeur acredita que as narrativas “são únicas no sentido de mostrarem possibilidades existenciais, possibilidades para a ação humana e formas de alguém estar ou orientar-se no tempo.” (VANHOOZER, 1991, p. 48, tradução nossa).

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todas as formas de narrativa. Todas as narrativas, quer históricas, quer ficcionais, “fazem sentido” num modo similar. Segundo, que no nível da referência, todas as narrativas apontam para o mesmo caráter fundamental da experiência corporativa e individual: “O mundo descoberto por cada obra narrativa é sempre um mundo temporal.” (VANHOOZER, 1990, p. 90, tradução nossa).

Embora advirta que não há unidade teórica entre Aristóteles e Agostinho, Ricoeur propõe

uma síntese entre os dois, afirmando que são precisamente o tempo e a tessitura da intriga os

elementos centrais em toda narrativa. Partindo desse ponto, ele usa como fio condutor da sua

investigação uma interpretação da Poética de Aristóteles entre os três momentos da mimese52,

chamados por ele de mimese I, mimese II e mimese III.

1) Mimese I: Refere-se ao mundo anterior à narração, o ponto de partida do leitor. Está

enraizada “numa pré-compreensão do mundo e da ação: de suas estruturas inteligíveis, de

suas fontes simbólicas e de seu caráter temporal.” (RICOEUR, 1994 [I], p. 88). Inclui não

só o mundo material e concreto ainda não explorado pela narratividade, “mas existe e se

projeta também por meio de elementos culturais e simbólicos.” (LEONEL, 2010, p.25). É

essa pré-narratividade (pré-figuração) que será explorada pelo ato de construção narrativa

(configuração), isto é, a mímesis II ou a função do leitor. Aplicado ao presente estudo, esse

momento estudará as formas narrativas, as regras sociais, as crenças e os valores que

forneceram a Simonton em sua leitura bíblica os recursos que usou para imitar ou

representar o agir humano, com todo o seu dinamismo semântico, simbólico e temporal, por

meio dos sermões que escreveu. Essa mimese justificará o estudo do mundo de Simonton,

não só nos Estados Unidos, onde passou a maioria da sua vida, mas também no Brasil, nos

seus pouco mais de seis anos como missionário. “É sobre essa pré-compreensão, comum ao

poeta e a seu leitor, que se ergue a tessitura da intriga e, com ela, a mimética textual e

literária.” (RICOEUR, 1994 [I], p. 101). Para esse momento de Simonton como leitor, será

também importante o estudo do seu diário, que contém informações pessoais sobre sua

vida, antes e depois do seu trabalho no Brasil.

2) Mimese II: constitui o pivô da análise, o ponto de passagem entre as duas outras mímesis, e

indica a presença de um narrador e sua função como leitor, ao configurar a linguagem em 52 Ricoeur deixa claro que seu uso do termo mimese (tomado por empréstimo de Aristóteles) indica um processo de produção, nunca algo estático ou fixo: “quer se diga imitação, quer representação [...] o que é preciso entender é a atividade mimética, o processo ativo de imitar ou de representar. É preciso, pois, entender a imitação ou representação no seu sentido dinâmico de produzir a representação, transposição em obras representativas” (RICOEUR, 1994 [1], p.58). “[S]e continuarmos a traduzir mimese por imitação, deve-se entender totalmente o contrário do decalque de um real preexistente e falar de imitação criadora” (RICOEUR, 1994 [1], p.76). Esse novo conceito tem, naturalmente, ligação íntima com o conceito ricoeuriano de metáfora, estudado no tópico anterior.

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sua relação com o tempo e a narrativa. Assim, “o leitor é o operador por excelência que

assume, por seu fazer – a ação de ler – a unidade do percurso de mimese I a mimese III

através de mimese II.” (RICOEUR, 1994 [I], p. 87). Aplicado ao presente estudo, esse

momento pressupõe o domínio dos mecanismos de criação (no caso de Simonton, toda a

sua formação discursiva, não só a teológica), e refere-se à mediação feita por Simonton

entre a Bíblia e seus ouvintes/leitores, o que resultou numa narrativa (intriga), devolvida ao

mundo “em forma de obra literária.” (LEONEL, 2010, p.25) 53. Esse momento também

capacita o leitor, especialmente no processo de releitura, “a alcançar uma nova avaliação de

tempo e realidade que irá se abrir até o mundo da ação.” (VANHOOZER, 1991, p. 86,

tradução nossa). E como, para Ricoeur, “[c]om mimese II abre-se o reino do como-se”

(RICOEUR 1994 [I], p. 101), esse momento será importante para o entendimento do papel

dado por Simonton aos enunciados metafóricos bíblicos (selecionados por ele em seus

sermões) que, assim como as narrativas, possuem capacidade de inovação semântica,

mantendo com o leitor uma relação configurativa54.

3) Mimese III: Trata-se da “aplicação” ou da “refiguração”, na qual o percurso da mimese se

perfaz, marcando a interseção entre mundo do texto e mundo do auditor ou do leitor, a

interseção, portanto, “entre o mundo configurado pelo poema e o mundo no interior do qual

a ação efetiva se desenrola e desdobra a sua temporalidade específica.” (RICOEUR, 1997

[III], p. 276). Situa-se, assim, “no campo da recepção da obra literária, de sua apropriação

pelo ato de leitura.” (LEONEL, 2010, p.26). Aplicado ao presente estudo, essa mimese

estudará o momento final de Simonton como leitor, bem como o caráter tensional daquilo

que ele produziu, por sua leitura bíblica: sermões, pregados num país Católico, fazendo uso

de uma tradução bíblica da própria Igreja Católica, para contrariar doutrinas Católicas.

Porém, seu objetivo final ia além da polêmica. Ele pretendia levar seus ouvintes brasileiros

ao protestantismo. Neste ponto, vê-se a conseqüência prática do ato de ler: o texto enviou

Simonton para o mundo prático, para uma realidade transformada e não meramente

repetida. “Em suma, o texto deve poder, tanto do ponto de vista sociológico quanto do

53 “Neste sentido, compor uma história é, do ponto de vista temporal, traçar uma configuração de uma sucessão.” (RICOEUR, 1991, p.22, tradução nossa). 54 É por isso que, para Ricoeur, “A Metáfora Viva e Tempo e Narrativa são duas obras gêmeas: editadas uma depois da outra, foram concebidas juntas. Embora a metáfora refira-se tradicionalmente à teoria dos ‘tropos’ (ou figuras do discurso) e a narrativa, à teoria dos ‘gêneros’ literários, os efeitos de sentido produzidos por ambas referem-se ao mesmo fenômeno central de inovação semântica.” (RICOEUR, 1994 [1], p.9).

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psicológico, descontextualizar-se de maneira a deixar-se recontextualizar numa nova

situação: é o que justamente faz o ato de ler.” (RICOEUR, 1990, p. 53). Levando em conta

as dificuldades envolvidas no emprego do termo refiguração por Ricoeur55, a aplicação

deste tópico considerará de que modo Simonton pretendeu, com o uso das metáforas, não só

mudar a mentalidade dos seus ouvintes/leitores, mas também descrever o que acreditava

ser, em linguagem poética, uma realidade extralingüística.

2.4 Roger Chartier e a Materialidade da leitura

A abordagem do pensador francês Roger Chartier dirige-se mais aos aspectos concretos e

sociais do ato de ler. Ele próprio apresenta um axioma que poderia definir toda a sua abordagem:

“Ler é sempre ler alguma coisa.” (CHARTIER, 1994, p. 14). Sem discordar de Ricoeur sobre o

encontro que sempre ocorre entre o “mundo do texto” e o “mundo do leitor”, ele afirma que a

reconstrução histórica desse processo exige, inicialmente, [...] considerar que as suas significações são dependentes das formas pelas quais eles são recebidos e apropriados por seus leitores (e editores). Estes últimos, de fato, não se defrontam jamais com textos abstratos, ideais e desprendidos de toda a materialidade: manejam ou percebem objetos e formas cujas estruturas e modalidades governam a leitura (ou a escuta) procedendo à possível compreensão do texto lido (ou ouvido). (CHARTIER, 1994, p. 12-13).

Para Chartier, é preciso considerar a questão da materialidade da leitura, por ser ela uma

prática “encarnada em gestos, em espaços, em hábitos.” (CHARTIER, 1994, p. 13). Longe de

postular efeitos universais para o ato de ler, uma história da leitura “deve identificar as

disposições específicas que distinguem as comunidades de leitores e as tradições de leitura.”

(CHARTIER, 1994, p.13). Inclui-se aqui a questão das competências (a gradação entre

alfabetizados e analfabetos), as convenções de leitura que definem os usos legítimos do livro, as

maneiras de ler e a interpretação para cada comunidade de leitores (CHARTIER, 1994, p.13).

55 Em A metáfora viva, “Ricoeur fala da referência metafórica em termos de redescrição. Na época de Tempo e Narrativa, no entanto, ele abandonou todo o discurso sobre referência e, em vez disso, prefere a terminologia de ‘refiguração.’ A mudança de termos indica mais do que uma diferença semântica. ‘Redescrição’ tende a focalizar nossa atenção sobre a coisa sendo redescrita, e está assim mais em linha com o que poderíamos chamar de um ‘realismo da metáfora’ que busca trazer novos aspectos do mundo real à luz. ‘Refiguração,’ por outro lado, tende a focalizar sobre o esquema interpretativo e a nova forma pela qual uma pessoa vê o mundo. A ênfase não está sobre a coisa, mas antes sobre o modo como olhamos para ela. A metáfora, aqui, aparece como uma estratégia para mudar mentes, em vez de descrever o mundo. Ao preferir refiguração em vez de referência, Ricoeur parece estar inclinado a um idealismo, em vez de a um realismo, na metáfora.” (VANHOOZER, 1990, p. 82, tradução nossa).

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A aplicação desses princípios ao presente estudo, diz respeito ao fato de que Simonton

escreveu com o fim de ser lido por certo tipo de leitor56. Isso deve ser entendido também à luz da

publicação de alguns dos seus sermões no jornal fundado por ele, o Imprensa Evangélica57. Seu

público-alvo (além de, naturalmente, os católicos) incluía os protestantes em suas leituras

pessoais (mais reflexivas) e familiares (mais intercomunicacional). Um dos principais objetivos

da publicação de prédicas naquele tempo era “suprir as necessidades das congregações distantes

do interior que não dispunham de pregadores treinados – e nesse sentido [as prédicas] foram

instrumento muito eficaz.” (MATOS, 2004a, p. 69).

Ainda sobre a materialidade da leitura, Chartier também destaca, em sua abordagem, o

poderoso papel da imprensa e do editor como co-autor no processo composicional (CHARTIER,

1994, p. 18-23). Para ele, [o]s textos não existem fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) de que são os veículos. Contra a abstração dos textos, é preciso lembrar que as formas que permitem sua leitura, sua audição ou sua visão participam profundamente da construção de seus significados. O “mesmo” texto, fixado em letras, não é o “mesmo” caso mudem os dispositivos de sua escrita e de sua comunicação. (CHARTIER, 2002, p. 61-62).

O papel da obra de Chartier nesta pesquisa é discreto, mas não sem importância. A

discussão inicial, por exemplo, sobre a possibilidade de se estudar sermões de Simonton a partir

de uma coletânea editada por seu cunhado, foi levantada e resolvida valendo-se de sua teoria.

Essa mesma idéia (do editor como coautor) será aplicada segunda vez quando for estudada a

Bíblia enquanto suporte material para a leitura e produção de sermões por Simonton58. Isso

incluirá não só seu uso da versão Vulgata (Católica) da Bíblia, como também a abordagem que o

missionário fez, valendo-se de versos bíblicos, para compor suas prédicas. Isso envolverá

também o levantamento de questões em torno da estrutura material mais básica do texto escrito,

como o volume de versos bíblicos citados, termos e expressões recorrentes, etc.

Essa abordagem, voltada para a sua produção mais concreta de Simonton, complementará a

proposta de Ricoeur, que focaliza mais a dinâmica interior do missionário enquanto leitor. 56 Os conceitos de leitor implicado e audiência autoral (“a audiência hipotética, ideal, para quem o autor constrói o texto e que o entende mundo bem.” [PHELAN, 1996, p.215, tradução nossa]) serão discutidos no tópico 4.4., A opção pela lógica: a escrita e a difusão dos sermões. 57 A terceira parte deste trabalho, dedicado ao trabalho missionário de Simonton no Brasil, tratará sobre esse jornal e sua importância para a jovem comunidade de leitores protestantes, um dos alvos do missionário durante seu trabalho no Brasil. 58 Capítulo 4: tópico 4.6.1. A seleção dos textos bíblicos; tópico 4.6.8. Citações bíblicas durante os sermões (I): realce do caráter e estímulo à amizade; até certo ponto, também o tópico 4.7.1. Citações bíblicas durante os sermões (II): Contra doutrinas Católicas.

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3 Dos primeiros anos até sua missão no Brasil: o mundo de Simonton Ashbel Green Simonton nasceu em West Hanover, Pensilvânia, Estados Unidos, em 20 de

janeiro de 1833, numa família de origem escocesa-irlandesa. Foi criado como presbiteriano desde

a infância. Seu nome é uma homenagem a um dos professores de Princeton, Ashbel Green.59

Com a morte do pai e do avô materno em 1846, sua família mudou-se para Harrisburg, capital do

estado, onde Ashbel concluiu os estudos secundários. Aos 19 anos, viajou por vários estados em

busca de experiência na área de ensino, dirigindo por um ano e meio uma academia para meninos

(MATOS, 2004, p.23). Escreveu um diário, com detalhes da viagem e seus dilemas interiores.

Nele, também aborda assuntos políticos, como as tensões entre o norte e o sul do seu país60.

A Pensilvânia da época de Simonton não era formada apenas por presbiterianos, mas por

outras denominações, graças à liberdade de culto, famosa nesse estado americano61.

Entre os 1 milhão e 300 mil habitantes na década de 1830 [...] , além dos quacres, havia luteranos, moravianos, menonitas, batistas, metodistas, presbiterianos e até os amish (anabatistas que fazem questão de manter costumes conservadores, abrindo mão inclusive de equipamentos eletrônicos). (CÉSAR, 2009, p.16).

Como em seu tempo a Igreja Presbiteriana achava-se dividida doutrinariamente (entre os de

pensamento puritano e aqueles com tendências mais liberais), é necessário pesquisar as raízes e

desdobramentos dos movimentos que causaram essa divisão, bem como seu poder formativo na

sociedade americana da época e, consequentemente, na vida do próprio Simonton62.

59 O Rev. Ashbel Green, “serviu à Segunda Igreja Presbiteriana da Filadélfia, fundada pelo reavivalista Gilbert Tennent, de 1787 a 1812, quando se tornou presidente do Princeton College. Neste mesmo ano, foi eleito presidente do corpo de diretores do seminário, posição que manteve até sua morte.” (NOLL, 1979, p. 73, tradução nossa). 60 Este trabalho utilizará a 2ª. edição deste diário, de 2002, da Editora Cultura Cristã. 61 Desde o tempo da Revolução Americana, nas colônias centrais (Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e Delaware) “a diversidade religiosa tinha se tornado uma das características mais distintivas e, de fato, um componente maior da vida colonial em toda parte.” (BUTLER; WACKER; BALMER, 2008, p. 73, tradução nossa). Nesse período, essas colônias “nunca instituíram sistemas de tributação religiosa nem reconheceram oficialmente qualquer igreja.” (GREEN, 2010, p. 26, tradução nossa). Porém, não havia equilíbrio absoluto. “Nos Estados Unidos os católicos raramente desfrutaram as mesmas liberdades que os protestantes. Nos tempos coloniais, mesmo a Pensilvânia, que se orgulhava de seu alto grau de tolerância religiosa, proibia os católicos de votar, ocupar cargos públicos ou celebrar a missa em público.” (BUTLER; WACKER; BALMER, 2008, p. 253, tradução nossa). 62 Embora tenha estudado em Princeton, reduto do conservadorismo presbiteriano, Simonton apresentará “certa ambiguidade de pensamento e de ação, refletindo a situação de tensão vigente nos círculos presbiterianos até bem depois de ter ele deixado o seminário.” (MENDONÇA, 2008, p.272).

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3.1 Pietismo

O entendimento geral sobre o Pietismo é o de que o movimento foi uma espécie de

interlúdio entre a Reforma e o fermento teológico do século dezenove, que renovou

espiritualmente as igrejas. Apesar da sua natureza aparentemente difusa63, é possível descrever o

movimento historicamente, abordando biograficamente seus principais representantes64.

O objetivo do Pietismo alemão, surgido no coração da ortodoxia luterana alemã, era

promover um retorno às raízes cristãs. Spener65, fundador do movimento, baseava a justificação

dos seus esforços por uma reforma na igreja luterana na queixa de que a Reforma protestante do

século 16 não tinha sido completada; entendia que a ênfase fora posta em demasia sobre pureza

doutrinária e não suficientemente sobre a pureza de vida, “o que tinha levado muitas pessoas, que

viviam em pecado consciente, a depender dos méritos de Cristo para a salvação.” (NAGLER,

1918, p. 18, tradução nossa).

O remédio proposto por Spener foi “uma recuperação da ‘simplicidade apostólica’ e

preocupação com uma fé ativa (a fides quae creditur), em contraste com os artigos de fé (os fide

quae creditur).” (WELCH, 1972, p. 23, tradução nossa). Seus esforços se concentraram sobre um

livro, a Bíblia, e sobre uma forma principal de organização, os collegia pietatis (sociedades

pietistas), “centros de estudo bíblico devocional e cultivo da vida religiosa interior.” (WELCH,

1972, p. 23, tradução nossa). Mesmo sendo a favor do aspecto comunitário, era muito importante

a “apropriação pessoal da fé e a necessidade de santidade na vida cristã” (McGRATH, 2005, p.

657), bem como “o culto privado, pessoal da família, e os cultos comunitários, que não dependem

dos ministros ordenados e nem de templos.” (MENDONÇA, 2008, p. 109).

Além de Spener, outra figura importante no movimento foi August Francke (1663-1727),

professor da Universidade de Leipzig. Influenciado por Spener,

63 Pode-se afirmar que, sob o termo Pietismo, podem-se abrigar todos os avivamentos religiosos dos séculos 18 e 19. Nagler observa que, “mesmo a palavra Hassidismo [corrente do Judaísmo], literalmente traduzida, significa Pietismo; e a Igreja Católica Romana teve sua própria forma de Pietismo nas propagandas Jansenistas e Quietistas. Uma onda reformista sob Ricci e Liguori afetou profundamente a Itália. Até mesmo a Espanha registrou purificação eclesiástica.” (NAGLER, 1918, p. 12, tradução nossa). 64 Nagler defende que o Pietismo alemão não foi uma criação arbitrária de um homem ou mesmo de um grupo, já que inúmeras agências estavam envolvidas no processo. Porém, destaca que seus principais representantes foram necessários para dar fôlego ao movimento (NAGLER, 1918, p. 14). 65 Philipp Jakob Spener (1635–1705) cunhou o termo Pietismo e foi sua figura normativa.

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[...] organizou o paedagogium, uma escola elementar livre para crianças pobres, em 1695, e dois anos depois, uma escola secundária. Fundou também um orfanato e influenciou na criação de um instituto bíblico, fundado por um grande amigo, para publicar e distribuir exemplares da Bíblia. (CAIRNS, 1988, p. 327).

Apesar dos atritos com a ordem luterana vigente, “o movimento tinha, antes da morte de

Francke, tornado-se a força dominante na vida religiosa germânica, exercendo suas influências

especialmente através da Universidade de Halle.” (WELCH, 1972, p. 24, tradução nossa).

Outro pietista influente foi Nicholas Zinzendorf (1700-1760). Nascido em Dresden,

Saxônia, descendente da nobreza austríaca. Desde os 10 anos, estudou no Paedagogium, de

Francke. Mais tarde, em uma de suas viagens, em Dusseldorf, viu a pintura “Ecce Homo,” de

Dominico Feti (Cristo coroado entre espinhos) com as palavras: “Tudo isto fiz por ti. O que fazes

tu por mim?” “Essa experiência causou uma impressão indelével no jovem conde, que reforçou a

sua decisão de viver para Cristo” (SCHALKWIJK, 2000, p. 9).

Outro evento decisivo em sua vida foi a chegada de refugiados protestantes da Morávia,

região central da moderna República Tcheca. Aos 22 anos, ele adquiriu a vila de Berthelsdorf -

mais tarde conhecida como “Herrnhut” (Refúgio do Senhor). Ele os acolheu, instalou seu amigo

Johann Rothe como pastor e prometeu-lhes ajuda para transformar o lugar numa comunidade

cristã. Logo, Herrnhut “tornou-se uma vibrante colônia pietista, atraindo peregrinos espirituais de

toda a Alemanha.” (VOGT, 2005, p.208, tradução nossa).

Nos anos seguintes, o conde viajou em busca de mantenedores na Alemanha e outros países

europeus. Herrnhut desenvolveu uma cultura missionária, enviando obreiros a todas as partes do

mundo. Em 1731, a comunidade enviou mais missionários ao exterior do que todas as outras

igrejas protestantes nos primeiro duzentos anos de sua existência. Em breve, “a Igreja Moravia no

campo missionário seria maior do que a própria igreja mãe.” (SCHALKWIJK, 2000, p.14).

A importância dos Morávios para história do protestantismo foi grande. “Sua preocupação

com a unidade Cristã, missões e evangelização atraiu grande atenção entre seus contemporâneos”

(VOGT, 2005, p.220, tradução nossa) 66. Também influenciaram decisivamente a vida de John

Wesley, especialmente nos eventos que acompanharam o seu despertamento espiritual.

66 O entendimento missionário talvez tenha sido a maior contribuição do Pietismo à sua época. “A ortodoxia entendia que as nações não cristãs estavam perdidas, porque já haviam recebido a pregação apostólica imediatamente depois da fundação da igreja e a rejeitaram.” (TILLICH, 2004, p. 279). A Universidade de Halle tornou-se um centro de esforço missionário. “Um trabalho pioneiro foi começado na África e nas ilhas do Pacífico por missionários de Halle.” (CAIRNS, 1988, p. 328). Além de Halle, “Homens como Zinzendorf e Wesley olharam para a América enquanto a ortodoxia se confinava às próprias igrejas territoriais.” (TILLICH, 2004, p. 280).

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3.1.2 Pietismo na Inglaterra

É possível afirmar que a igreja moraviana lançou as raízes do que seria conhecido como o

movimento Metodista, fundado por John Wesley (1703-1791) e que tanta influência trouxe para

as comunidades de fala inglesa (KER, 1888, p. 237).

Tendo estudado em Oxford com vistas ao pastorado anglicano, Wesley enfrentou problemas

por unir-se a pessoas de classes diferentes, como George Whitefield (1714-1770). Junto com este

e seu irmão, Charles, fundaram o chamado “Clube Santo”, semelhante a um grupo pietista, tendo

sido criticados por isso. Após sua ordenação, John foi enviado para a Geórgia como missionário

entre os colonos ingleses. “Na viagem marítima de travessia do Atlântico, uma tempestade quase

afundou o navio e Wesley ficou profundamente perturbado com seu próprio medo da morte

diante da calma e da serenidade de um grupo de pietistas Morávios.” (OLSON, 2001, p. 522). Em

seu breve pastorado em Savannah, estado da Geórgia, em 1735, não obteve sucesso. Mas foi lá

que encontrou uma comunidade moraviana, estabelecida um ano antes de sua chegada. Lá,

Wesley e os Morávios “viveram em termos íntimos. Duas ou três vezes por dia, eles se

encontravam para orar, adorar, e para conversação religiosa. De acordo com Wesley, ele ‘abriu-

se’ ‘sem reserva’.” (DREYER, 1999, p. 25, tradução nossa). Quando retornou à Inglaterra, em

1738, “Wesley estava determinado a preservar a conexão.” (DREYER, 1999, p. 26, tradução

nossa). Em 24 de maio de 1738, o jovem ministro anglicano participou de uma reunião religiosa em um salão alugado na Rua Aldersgate, em Londres. Os estudiosos acreditam que se tratava de uma reunião de morávios. Ali, conta Wesley, enquanto escutava alguém ler em voz alta o prefácio de Lutero ao Comentário sobre a epístola aos romanos escrito por ele, sentiu o despertar religioso que tanto ansiava: “Senti meu coração se aquecer como nunca antes. Senti que confiava de fato em Cristo, e somente nele, para a minha salvação; e tive a certeza de que ele havia assumido meus pecados, sim, até os meus pecados, e me salvado da lei do pecado e da morte.” (OLSON, 2001, p. 523) 67.

Seu primeiro impulso depois disso foi espalhar as novas de sua experiência, numa

campanha evangelística junto com o seu amigo Whitefield68 e seu irmão, Charles, que impactou

67 Apesar da sua importância, o valor desse momento não deve ser exagerado. “Outras raízes eram importantes, remontando ao menos à ‘conversão’ muito anterior de Wesley em Oxford, sob a influência de Rules and Exercises of Holy Living and Dying, de Jeremy Taylor, Christian Patterns, de Thomas A. Kempis e Christian Perfection e Serious Call, de William Law. Bem antes das influências específicas moravianas, o conceito da natureza da fé de Wesley e a necessidade de segurança interior tinham sido moldados.” (WELCH, 1972, p. 24, tradução nossa). 68 A amizade, no entanto, duraria pouco. Wesley seguia as ideias de Arminius (1560–1609), um teólogo holandês que desafiou a doutrina calvinista da predestinação, assumindo “a visão de que a autoridade de Deus era consistente

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“acima de meio milhão de pessoas na Grã-Bretanha entre 1740 e 1840” (KNIGHT; MASON,

2006, p.31, tradução nossa). Passou a pregar fora dos templos, alcançando milhares de operários

ingleses. “Fugindo do ‘clericalismo’ anglicano, Wesley permitiu a participação de pregadores

leigos, entre os quais Nelson, um pedreiro.” (CAMPOS JR., 1995, p. 13) 69.

Para Dreyer, os Metodistas procuraram reproduzir na Inglaterra o que os Morávios fizeram

na Alemanha. Em suas origens, os Irmãos Morávios antecedem os Metodistas apenas em treze

anos, e a influência de Zinzendorf na liderança dos Irmãos “corresponde à influência de Wesley

no Metodismo.” (DREYER, 1999, p. 23, tradução nossa).

Wesley deu origem a um movimento que tinha muitos pontos em comum com o dos irmãos

Morávios, como as vigílias, as festas do amor, a ideia de que toda a Igreja é uma sociedade

missionária e o espírito do canto cristão, tão notável nas comunidades Metodistas. Tanto John

como Charles Wesley “foram levados pelos Moravianos a explorar os tesouros dos hinos

alemães, alguns dos quais eles traduziram, além de fazer uma transfusão do seu espírito geral

para suas composições.” (KER, 1888, p. 237, 238, tradução nossa).

3.1.3 Metodismo na América

Depois de conflitos com os anglicanos, Wesley e outros ingleses migraram para a

América do século 18. O Grande Despertamento (1739-1745) 70, ocorrido nos Estados Unidos

nesse tempo, “estava diretamente ligado aos movimentos britânicos por meio da obra de

Whitefield (que fez sete viagens às colônias) e ao grupo Wesleyano” (WELCH, 1972, p. 26,

tradução nossa).

com o livre-arbítrio humano. Jesus morreu por todos e não apenas pelos eleitos e assim, em sua opinião, a doutrina da predestinação era contrária à Escritura.” (WILSON, 2011, p.60, tradução nossa). Para Whitefield, calvinista, isso era uma heresia. Por isso, ele e seu pequeno grupo “separaram-se do grupo principal que seguia Wesley em seus ensinos a respeito do livre-arbítrio e da graça resistível. Whitefield, em sua viagem evangelística pelas colônias, tornou-se amigo íntimo de Jonathan Edwards [calvinista], ao passo que os irmãos Wesley se aproximaram mais da teologia sinergista de Zinzendorf e dos pietistas alemães e escandinavos.” (OLSON, 2001, p.522). 69 Para Paul Langford, “parte da mágica do Metodismo é que ele não apenas afirma a segurança da redenção a homens de nascimento e educação modestos, mas permite que eles ofereçam a mesma segurança a outros.” (KNIGHT; MASON, 2006, p.32, tradução nossa). 70 Grande Despertamento (ou Grande Avivamento), “é um termo usado para descrever uma explosão significativa de sentimento religioso entusiástico que varreu as colônias nos anos de 1740 e continuou a exercer influência na cultura colonial até por volta da era Revolucionária. Suas raízes e substância são ambas complexas e variadas entre as diferentes regiões da América colonial, mas sua conseqüência foi de grande alcance nas mudanças que trouxe para a religião americana.” (FINDLING; THACKERAY, 2011, p. 45, tradução nossa).

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Já no princípio do século 18, “a efervescência religiosa e o puritanismo tinham declinado

muito nas colônias.” (MENDONÇA, 2008, p. 82). Politicamente, os Estados Unidos estavam

divididos entre norte e sul. O norte era industrializado, enquanto o sul era agrícola e escravagista

(RÉMOND, 1989, p.55-56). Essas diferenças naturalmente “vão se refletir no tipo de Igreja que

se desenvolve: os grupos brancos do Sul separam-se dos negros.” (CAMPOS JR., 1995, p. 13). A

religião dos brancos era mais racional, enquanto que na religião dos negros, “a espontaneidade, o

‘improviso’, tomou dimensões marcantes.” (CAMPOS JR., 1995, p.16). Além disso, houve

também forte declínio da condição moral. Nesse tempo, era conhecido o problema do alcoolismo,

mormente entre pastores. “Portanto, não é de estranhar que algumas pessoas reconhecessem que a

igreja precisava ser purificada [...]” (SCHALKWIJK, 1997, p. 62).

O primeiro Grande Despertamento contou com a participação da tradição puritana por meio

de nomes como Gilbert Tennent, George Whitefield e, especialmente, Jonathan Edwards71. Em

poucos anos, esse movimento causou um impacto não apenas na vida pessoal dos envolvidos.

Houve do fortalecimento das famílias, a educação também foi afetada. “Universidades, como

Princeton, Columbia, Hampden-Sydney, foram criadas para formar ministros para as muitas

congregações que surgiam.” (CAIRNS, 1995, p. 317, 318).

Contudo, aos poucos, a pregação segundo o modelo calvinista foi sendo vista como um

inibidor do impulso americano inicial de conquistar uma terra cheia de oportunidades econômicas

e sociais, que seriam aproveitadas na medida do desempenho de cada indivíduo.72

Desse modo, uma religião montada sobre o velho calvinismo era pouco viável, pois que suas doutrinas da soberania absoluta de Deus e da total incapacidade do homem chocavam-se contra o princípio do desempenho, assim como o da eleição contra o

71 Pelo menos desde 1620, sob a pregação do ministro Reformado holandês Theodore Frelinghuysen, já se percebia sinais de avivamento religioso nas colônias americanas. Mas o movimento começou a ganhar força entre os Presbiterianos durante os anos de 1640, com o ministério de Gilbert Tennent em New Brunswick, Nova Jersey. Junto com seu pai (William Tennet) e seus três irmãos, todos eles ministros presbiterianos, “tornaram-se figuras principais no despertamento quando ele se espalhou através de Nova York, Pensilvânia e Nova Jersey.” (PASTOOR; JOHNSON, 2009, p.140, tradução nossa). Esse movimento espiritual “levou ao estabelecimento de um número de escolas, incluindo Princeton, Brown, Rutgers e Dartmouth. Também ... inspirou muitos indivíduos a devotarem-se à obra de missão nas colônias do sul e entre os nativos americanos.” (PASTOOR; JOHNSON, 2009, p. 141, tradução nossa). O primeiro Grande Despertamento “começou na terceira década do século XVIII e foi até a Guerra da Independência.” (MENDONÇA, 2008, p. 87). No entanto, “os primeiros grandes rumores de avivamento a atrair atenção internacional vieram de Connecticut River Valley em 1734. O centro da atividade avivalista era Northampton, onde o brilhante neto de Solomon Stoddard, Jonathan Edwards, pregou uma série de sermões de conversão que trouxe mais de trezentos novos convertidos à membresia plena em um ano.” (STOUT, 1986, p.188, tradução nossa). 72 Esses problemas foram sentidos dentro da própria igreja Presbiteriana da época, epicentro do primeiro Despertamento. Sobre esse assunto, ver Bonomi, Patrícia U. Under the cope of heaven – Religion, society, and politics in colonial America. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 133-152.

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princípio do voluntarismo. Também o elitismo calvinista repugnava o igualitarismo. Ainda, as idéias filosóficas evolucionistas reforçavam o crédito na capacidade de aperfeiçoamento e progresso do indivíduo e da sociedade. Não havia como fugir a uma reformulação teológica, reformulação essa que teve como matriz o arminianismo metodista. (MENDONÇA, 2008, p. 87) 73.

A morte de Edwards, em 1758, marca o fim do primeiro Grande Despertamento. Nas

décadas seguintes, há nova queda do fervor religioso. É nesse período que o metodismo penetra

oficialmente na América,74 “com sua ênfase mais na conversão do que no batismo, mais na

experiência religiosa do que simplesmente pertencer a uma instituição eclesiástica.”

(MENDONÇA, 2008, p. 84,85).

O Segundo Grande Despertamento, que se espalhou pelo país depois de 1800, tinha forte

ênfase metodista75, e consolidou o pluralismo e a tolerância como parte da tradição religiosa

americana (MURRIN, 1990, p.25).

Com o tempo, as tensões internas na nação aumentaram e desembocaram na Guerra da

Secessão (1861-1865) 76. Em meio a esse clima, experiências mais profundas começaram a ser

estimuladas e buscadas. Segundo Mendonça, as décadas de 1850 testemunharam uma crescente maré de pregações perfeccionista, nas maiores denominações protestantes. Para os campeões do perfeccionismo, o reavivamento de 1858 pareceu o presságio da conversão das nações e o estabelecimento

73 “Quaisquer que sejam as contribuições cristãs positivas neste ponto, permanece o fato de que uma visão da autonomia humana absolutamente anti-calvinista foi um dos principais fatores que ocuparam o centro da teoria política americana primitiva e, muito em breve, tornou-se uma idéia dominante.” (MARSDEN, 1990, p.311). 74 Por volta de 1763, o metodista e imigrante irlandês John Strawbridge radicou-se em Maryland e deu início a um ministério de pregação itinerante. (HEMPTON, 2005, p. 219). Em 1760, Philip e Margaret Embury e Paul e Barbara Heck, refugiados protestantes que abraçaram o Metodismo antes de chegarem a Nova York, foram fundamentais “para estabelecer uma sociedade metodista e construir a primeira capela metodista da América.” (HEMPTON, 2005, p. 20, tradução nossa). Logo depois disso, eles foram ajudados por um veterano militar inglês, o capitão Thomas Webb (GOSS, 1866, p. 41). Ele assumiu a causa e então organizou sociedades metodistas “com eficiência militar nas colônias do Meio Atlântico nos anos de 1760.” (HEMPTON, 2005, p. 20, tradução nossa). 75 Por volta dos anos de 1820, “Batistas e Metodistas disputavam pela maior membresia eclesiástica nos Estados Unidos, uma competição que os Metodistas venceriam por uma margem apertada antes da Guerra Civil.” (MURRIN, 1990, p.25, tradução nossa). 76 A Guerra Civil Americana foi travada “por um complexo de razões, mas principalmente a necessidade de Abraham Lincoln de manter a União como um todo, contra as alegações do Sul ao direito de secessão. ‘Meu objetivo supremo nesta luta é salvar a União’, afirmou o Presidente a Horace Greeley, o influente editor abolicionista do New York Tribune, em Agosto de 1862: ‘não é nem salvar nem destruir a Escravidão. Se eu pudesse salvar a União sem libertar nenhum escravo eu o faria; e se eu pudesse salvá-la libertando alguns e deixando outros sem nada eu também faria isso.’” (RULAND; BRADBURY, 1991, p.181,182, tradução nossa). De modo prático, o que precipitou a guerra civil “foi o próprio dinamismo dos Estados Unidos, mormente sua expansão territorial e seu crescimento econômico, que colocou a questão da escravatura no centro da vida política, tornando periodicamente caduco o equilíbrio provisório instaurado à custa de acomodamentos entre Estados livres e Estados escravocratas. Norte e Sul entregaram-se a uma acerba competição em que o Oeste estava em jogo. O Sul tinha necessidade dessas terras novas para ampliar o reino do algodão, cuja cultura extenuava o solo [...] Foi então a vez do Norte temer por suas próprias instituições. A introdução da escravatura nos novos Estados seria, em curto prazo, a expulsão dos agricultores livres.” (RÉMOND, 1989, p.59,60).

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do Reino de Deus na Terra. A idéia expandiu-se entre protestantes americanos durante e depois da Guerra Civil [...] (MENDONÇA, 1995, p. 58).

Simonton estava em meio a essa “maré” quando escreveu em seu diário (17/03/1856),

durante seus estudos no seminário de Princeton: De todas as partes chegam as mais entusiásticas notícias de reavivamentos e despertamentos, e aqui, tanto no colégio como no seminário, há claras indicações da presença do Espírito. As marcas foram primeiramente vistas no colégio, mas estenderam-se para cá e vêem-se no interesse pelas reuniões de oração e até no comportamento das pessoas. Pode parecer estranho falar de um reavivamento religioso em um seminário teológico, mas não é. Em nenhum lugar ele é mais necessário, ou deveria ser mais procurado. (SIMONTON, 2002, p. 100, 101).

Movimentos de busca por santidade eclodiram após a Guerra Civil, não só buscando outras

variações de perfeccionismo além do wesleyano, mas também reagindo ao avanço de conceitos

liberais na teologia e ao mundanismo na igreja como um todo (BRUNER, 1983, p.32) 77. Os

pregadores metodistas faziam encontros de reavivamento, os camp meetings78, “para cantar, orar

e em tais reuniões muitas eram as manifestações de êxtase” (CAMPOS JR., 1995, p. 13), numa

reformulação da experiência original de Wesley, de ter o “coração aquecido”. De tal modo esse

novo Pietismo se integrou à vida americana, que parece impossível separá-lo dos outros grandes

movimentos religiosos da época.

Quer chamemos a todas essas manifestações de “Pietismo” ou falemos de Pietismo e Evangelicalismo, é evidente que eles são fenômenos intimamente relacionados, tão similares e intercambiáveis que intérpretes podem falar de “uma curiosa uniformidade” ou mesmo um único avivamento evangélico varrendo a Europa Protestante, a Grã-Bretanha e o Novo Mundo no apogeu do Iluminismo. Algo do ardor e da vitalidade desses movimentos pietistas tinha diminuído ao fim do século dezoito, mas sua influência sobre alguns dos pensadores decisivos foi forte, e o início do século dezenove trouxe uma renovação de tendências pietistas e avivalistas. (WELCH, 1972, p. 23, tradução nossa).

3.1.4 Simonton e o Metodismo

No tempo de Simonton, por volta de 1850, por causa da influência dos Avivamentos, “cerca

de 70 por cento dos protestantes pertenciam a uma das duas principais denominações

evangélicas, Batista ou Metodista.” (BUTLER; WACKER; BALMER, 2008, p. 44, tradução

nossa). Em 1860, logo após a vinda de Simonton para o Brasil (1859), enquanto sua igreja 77 Nesse despertamento, a ênfase não era simplesmente sobre a conversão, mas na “descida do espírito santo” e na guerra contra os vícios “em gigantescas reuniões de conversão e santificação.” (MENDONÇA, 1995, p. 57). 78 Os Camp meetings, descritos de modos diversos como versões cristãs da antiga festa judaica dos Tabernáculos, equivalentes modernos das peregrinações medievais ou ainda como encarnações de feiras comunitárias, “eram reuniões altamente ritualizadas, que frequentemente resultavam num largo número de conversões ou de renovação de compromissos.” (HEMPTON, 2005, p. 80, tradução nossa).

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contava com 292.927 membros (menos de 1% da população, de 31.489.561), a Igreja Metodista

Americana contava com mais de 3% (994. 447) da população (GOSS, 1866, p. 154).79

Esse crescimento se deu devido a alguns fatores. Um deles foi inviabilidade das doutrinas

opostas (como o Calvinismo, com sua ênfase na incapacidade humana) que se chocavam com o

princípio do desempenho, do aperfeiçoamento e do progresso do indivíduo e da sociedade

(MENDONÇA, 2008, p. 87). Outro fator importante foi a inclusividade. Em 1815, por exemplo,

já havia mais de quarenta mil metodistas negros nos Estados Unidos (cerca de um terço do total)

(HEMPTON, 2005, p. 24). Os metodistas se beneficiaram da sua denúncia inicial contra a

escravidão, “e da sua abordagem mais radical às relações raciais do que a maioria dos brancos

sulistas estava preparada para tolerar.” (HEMPTON, 2005, p. 24, tradução nossa) 80.

Outro fator foi a mobilidade, especialmente entre os pregadores metodistas. Sendo

notavelmente diligentes, eles se movimentavam mais do que os clérigos das igrejas estabelecidas,

“e eram financiados não por dízimos dos impostos da igreja, mas por contribuições voluntárias e

venda de livros.” (HEMPTON, 2005, p. 46, tradução nossa)

A influência do metodismo em Simonton pode ser observada em várias partes do seu diário.

Ao vir para o Brasil “ele trazia a marca do conservadorismo dos puritanos calvinistas, mais a

influência religiosa dos avivamentos.” (MENDONÇA, 2008, p.275) 81.

Embora criado como calvinista, Simonton às vezes usa terminologia típica dos “Inquiry

Meetings” 82, onde aprendeu a avaliar seus estados interiores. Em 10/03/1855, em meio a dilemas

espirituais, escreveu: “Durante o reavivamento em Princeton, senti-me interessado e esforcei-me

para aumentar meu interesse no amor do Salvador. Mas logo o sentimento passou e fiquei como

antes, ou pior.” (SIMONTON, 2002, p. 83). Após participar de um Inquiry Meeting, escreveu, em

14/04/1855:

79 No tempo de Simonton, a membresia entre os protestantes americanos cresceu de 17% em 1776 para 37 % em 1860. “Muito deste crescimento foi entre Metodistas e Batistas, que privilegiaram o chamado para pregar acima do treino teológico formal e que colocaram a experiência de conversão, freqüentemente catalizada pela palavra pregada, no centro da vida cristã.” (COLEMAN, 2010, p. 521, tradução nossa). Sobre esse assunto, ver anexo II, sobre os números percentuais do Metodismo nas primeiras décadas do século 19, em comparação aos Batistas e Presbiterianos, nos Estados Unidos. 80 “Mas havia mais do que isso. O Metodismo oferecia aos escravos Afro-americanos um senso de comunidade, uma família, uma oportunidade para conhecer os vizinhos, e uma forma de construir algum tipo de solidariedade étnica.” (HEMPTON, 2005, p. 24, tradução nossa). Isso para não falar do conteúdo religioso da espiritualidade desse movimento “e sua ênfase sobre avivamento, conversão, experiência e a Bíblia.” (HEMPTON, 2005, p. 25, tradução nossa). 81 “Creio poder afirmar que Simonton saiu do reavivamento para a Missão no Brasil...” (RIBEIRO, 1991, p. 215). 82 Inquiry Meeting: “reuniões feitas após o reavivamento e as ‘decisões’, para resolver dúvidas e consolidar resoluções.” (MATOS, 2002, p. 86).

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Havia trinta ou quarenta pessoas. Depois de algumas palavras do Sr. Robinson, ele e outros conversaram com cada um. Usualmente a conversa começa com esta pergunta: ‘Como você está se sentindo?’. Essa é uma pergunta muito difícil de responder, e quanto mais reflito menos me sinto preparado para responder positivamente sobre o verdadeiro estado de meus sentimentos. (SIMONTON, 2002, p. 86).

Sua estratégia para superar isso foi a de crer no ensino bíblico, até que a “luz” lhe desse

outro tipo de disposição.

Embora tenha compreensão intelectual firme e clara da minha condição, meu coração está insensível. Certamente isso significa, na linguagem expressiva da Escritura, ter um coração de pedra. Mas como não se exige um grau específico de emoção para que o pecador seja salvo, e como a promessa é que “aqueles que fazem minha vontade me conhecerão”, estou resolvido a perseverar até a luz brilhar no meu caminho. (SIMONTON, 2002, p. 83).

A luz, nesse contexto, parece estar mais associada a calor do que a clareza. Em outro ponto,

revela ainda mais claramente seu dilema entre metodismo e puritanismo e a decisão que tomou: Não sinto o conforto da fé que desejo, a evidência clara e conclusiva da operação graciosa do Espírito, que eu esperava como um de seus frutos. E quanto mais analiso e observo meus sentimentos e as operações da minha mente, mais vejo perplexidades e dúvidas. Somente quando saio de mim mesmo e me volto para as límpidas, claras e completas promessas do evangelho, é que me sinto seguro. Portanto, depois de veementes orações a Deus para que me oriente, decidi não procurar mais obter o conforto ou a evidência clara de minha aceitação por Cristo olhando para minha própria estrutura ou sentimentos, mas colocar minha confiança na palavra simples das Escrituras, e me esforçar para cumprir o meu dever, com base no auxílio prometido do Espírito Santo. (SIMONTON, 2002, p. 87,88).

A julgar pelo restante da obra de Simonton, a decisão acima - de tirar os olhos de si e

colocá-los na Escritura - permaneceu um ideal. Ele continuou, às vésperas de seu ingresso em

Princeton (04/09/1855), entendendo a vida cristã como dividida em dois níveis, um interessante,

e o outro vital: “As grandes verdades da revelação e o estudo das doutrinas mais difíceis da Bíblia

têm ocupado a minha atenção e despertado um profundo interesse, mas tenho negligenciado

excessivamente o cultivo do coração e de uma piedade pessoal e vital.” (SIMONTON, 2002, p.

94). Para sua vida no seminário, propõe a si mesmo algumas práticas, como orações particulares

“diárias e fervorosas pela habitação do Espírito Santo em mim” (SIMONTON, 2002, p. 95) e

ainda o cultivo do “dom da oração.” (SIMONTON, 2002, p. 95).

Também é provável que sua ideia de ser missionário “se tenha instalado em sua mente

durante o reavivamento; em 10 de outubro de 1857 [Simonton, em seu diário] escreve: ‘Por mais

de um ano’ (isto é, desde o ano anterior, o dos reavivamentos) ‘tenho revolvido em minha mente

a possibilidade de vir a ser missionário.’” (RIBEIRO, 1991, p.214).

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Anos depois, já formado teólogo calvinista e trabalhando no Brasil [20/01/1861], seu

pensamento não parece sofrer alteração. Mais do que qualquer coisa, preciso do batismo do Espírito Santo. Se [...] pudesse receber o dom do Espírito para habilitar-me para o trabalho, como ficaria feliz. Desejo pregar Cristo mais em termos de experiência, ser capaz de falar do que sei porque Cristo o mostrou a mim. (SIMONTON, 2002, p. 145) 83.

Suas últimas palavras escritas no diário mostram que ele reservava o vocabulário dos

avivamentos para expressar seus momentos de maior percepção interior: “Quem me dera um

batismo de fogo que consumisse minhas escórias; quem me dera um coração totalmente de

Cristo.” (SIMONTON, 2002, p. 145). Aqui, como em outros pontos, ele usa terminologia

estranha à sua formação doutrinária, e dá a entender que não tinha ainda clara, diante de si “a

identidade entre a conversão, habitação do Espírito e batismo no Espírito.” (COSTA, 1999, p.

40).

3.2 Puritanismo

3.2.1 Puritanismo na Inglaterra O que teria definido o Puritanismo Inglês? Teria sido essencialmente um movimento teológico, enfatizando teologia pactual, predestinação e uma liturgia reformada na igreja? Ou foi o coração da questão política, defendendo os direitos inalienáveis da consciência perante Deus, o papel da lei natural sobre a prerrogativa arbitrária das cortes, a dependência do rei no parlamento, a fundação da autoridade do estado no povo? Algumas pesquisas modernas têm apontado para uma terceira possibilidade, a de que a essência do Puritanismo era a sua piedade, uma ênfase sobre a conversão, sobre uma religião existencial, sincera. (HAWKES, 1990, tradução nossa, p.247).

A citação acima, embora afirme ser o compromisso com Deus o impulso principal dos

Puritanos, não parece excluir disso as relações entre esses religiosos e seu mundo prático84.

Assim, a busca por definir o Puritanismo requererá atenção a aspectos como “cronologia,

eclesiologia, teologia e política.” (PASTOOR; JOHNSON, 2009, p.2, tradução nossa).

83 “Simonton, como outros missionários, mesmo sendo reformado, nutria uma certa confusão no que se refere à doutrina do Espírito Santo – não quanto à sua personalidade ou divindade, mas quanto ao seu batismo.” (COSTA, 1999, p. 38). Essa confusão “permeou seus escritos.” (COSTA, 1999, p. 40). 84 Um dos assuntos que homens e mulheres do século dezessete levavam a sério era “o relacionamento próprio entre religião e vida pública.” (BREMER, 2009, p.2, tradução nossa).

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A Igreja da Inglaterra foi reformada de um modo diferente dos outros países europeus, já

que, ao menos em seu início, a questão política veio antes da teológica85. Os conselheiros do rei

mantinham que a Inglaterra tinha independência completa e legal de Roma. Bastaria uma decisão

local, e isso dispensaria a lei canônica que proibia o casamento real. Vários eruditos reuniram

coleções de textos, destacando os direitos do rei sobre a igreja inglesa bem como o direito da

igreja de resistir ao bispo de Roma. “Eles providenciaram a teoria que foi assim inteiramente

posta em prática nos anos de 1530.” (CHAPMAN, 2006, p. 15, tradução nossa). Assim, Henrique

VIII passou a ser não apenas rei, mas também o chefe da igreja da Inglaterra86.

Embora Henrique VIII fosse inimigo da Reforma continental, “a necessidade de aliança

diplomática com os príncipes germânicos indicava ser apropriado mostrar um grau de simpatia

com o ensino luterano.” (CHAPMAN, 2006, p. 21, tradução nossa). Essa simpatia tornou-se mais

concreta com os chamados “Dez Artigos”, elaborados em julho de 1536, contendo sementes de

formulações doutrinárias e controversas87, embora não tenham sido aceitos pelo rei, que

permaneceu conservador e considerou a validade do documento formulado por seus conselheiros

apenas como “uma exortação a todos os clérigos.” (CHAPMAN, 2006, p. 22, tradução nossa).

Liturgicamente, “houve notavelmente pouca novidade no tempo de Henrique, embora

bíblias em inglês tivessem sido postas nas igrejas da paróquia, o que significava que o povo

poderia entender a Escritura pela primeira vez.” (CHAPMAN, 2006, p. 23, tradução nossa).

A recém-nascida igreja mais retinha do que se desfazia o seu vínculo com Roma, o que não

agradou a todos. A insatisfação com a situação foi materializada [...] no aparecimento de um grupo radical que desejava uma reforma na Igreja Anglicana envolvendo questões ligadas às formas da prática religiosa. Queriam ver fora da Igreja as vestes, os ornamentos e os cerimoniais litúrgicos, os quais, para eles, continham

85 Influenciado por um grupo de conselheiros, incluindo muitos líderes eclesiásticos, o rei Henrique VIII chegou a crer que o Papa tinha usurpado a autoridade que era por direito sua. “A teoria era simples: toda autoridade tanto temporal como espiritual residia ultimamente no Rei sob Deus. As circunstâncias que cercavam a declaração de Supremacia Real sobre a igreja eram bem conhecidas. O rei desejava um herdeiro homem e buscava anular seu casamento com Catarina de Aragão, tia de Charles V, imperador do Santo Império. Os poderes de anulação poderiam ser concedidos somente pelo Papa. Mas considerando que ele estava à mercê de Charles, houve pouco progresso, a despeito dos rogos do Cardeal Wolsey, Arcebispo de York.” (CHAPMAN, 2006, p. 14,15, tradução nossa). 86 Depois disso, “em 23 de maio de 1533, Thomas Cranmer, na ocasião Arcebispo de Canterbury, declarou nulo o casamento de Henrique com Catarina e, em 28 de maio, o casamento com Ana Bolena foi declarado legal.” (CHAPMAN, 2006, p. 17, tradução nossa). 87 Os primeiros cinco artigos, tratando sobre soteriologia, eram baseados na Bíblia e nos credos como normas de fé. O número de sacramentos foi limitado a penitência, eucaristia e batismo (como no Luteranismo em seu início). Os últimos cinco artigos tratavam de questões consideradas boas, embora nem ordenadas por Deus, nem necessárias à salvação. Aqui estavam incluídos: a oração aos santos, os ritos e cerimônias e a crença no purgatório. (ver CHAPMAN, 2006, p. 22).

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conotações romanistas. Tais pessoas, por desejarem esse tipo de purificação da Igreja, ficaram conhecidas como “puritanos” (LEONEL, 2010, p. 48).

A designação “Puritanos” foi dada a um grupo de cristãos ingleses calvinistas88 desejosos

de mais reformas na Igreja da Inglaterra89. Embora inicialmente fosse uma crítica, eventualmente,

a designação foi adotada pelos membros do próprio movimento90. “Alguns eruditos chegaram a

ver o puritanismo como um temperamento e a falar sobre o ‘caráter puritano’.” (BREMER, 2009,

p.2, tradução nossa) 91.

Desde o seu início, o puritanismo esteve ligado não apenas a uma doutrina religiosa, mas ao

seu desdobramento para além do indivíduo crente, afetando sua família, sua igreja e a sociedade.

Segundo Taylor, era parte dos objetivos de um puritano endireitar não apenas a sua vida, mas o

seu mundo ou, pelo menos, mitigar o insulto dos homens contra Deus. É por isso que não existe contradição numa ordem religiosa calvinista que procura controlar o comportamento até dos não-regenerados. Se o objetivo fosse realizar sua salvação, é claro que isso não teria sentido. Ninguém pode salvar os que estão destinados à danação. Mas a meta não é essa. A meta é combater uma desordem que ofende continuamente a sensibilidade de Deus. (TAYLOR, 2011, p. 295).

Essa última informação, sobre os desdobramentos políticos inerentes ao pensamento

puritano, será importante para o estudo sobre a ideologia do Destino Manifesto, mais à frente.

3.2.2 Peregrinos na América

O protestantismo americano “é um protestantismo de povoamento, isto é, ele se formou à

medida que protestantes europeus passavam para as possessões inglesas em busca de novas

condições de vida.” (MENDONÇA, 2008, p. 74,75). Entre os colonizadores protestantes, 88 São bem conhecidas as relações e as correspondências mantidas entre Calvino e a nascente igreja da Inglaterra. (Para isso, ver o artigo de Franklin Ferreira, O movimento puritano e João Calvino. Fides Reformata, v. 4, n. 1. 1999, p. 27-40). A teologia puritana “seguia essencialmente a tradição de Calvino, especialmente ao enfatizar a soberania de Deus, a insuficiência humana, a dependência única da graça de Deus e a necessidade do direcionamento de toda a vida para a finalidade de glorificar a Deus.” (MARSDEN, 1990, p.301). 89 “Os puritanos criam uniformemente que a Igreja da Inglaterra tinha falhado em levar a Reforma Protestante a uma condição adequadamente harmonizada com a palavra de Deus.” (PASTOOR; JOHNSON, 2009, p.8, tradução nossa). 90 O puritanismo “foi um movimento definido em parte pela auto-identificação de homens e mulheres que se referiam a si próprios como ‘piedosos’ ou ‘professos’, e parcialmente por seus inimigos, que zombavam deles como ‘formalistas’ e ‘hipócritas.’” (BREMER, 2009, p.2, tradução nossa). “Seguindo a alegação feita em 1655 por Thomas Fuller em sua obra Church History of Britain, que atribuía o primeiro uso conhecido do termo ‘Puritano’ ao ano de 1564, um número de eruditos razoavelmente argumenta pelo início do Puritanismo ao menos em algum tempo durante os anos de 1560.” (PASTOOR; JOHNSON, 2009, p.3, tradução nossa). 91 Segundo Boorstin, na Inglaterra, o puritanismo “era muito mais complexo do que na colônia da baía de Massachusetts. Compreendia representantes de um vasto leque de teorias, desde os presbiterianos, os independentes e os separatistas até aos igualitários e os milenaristas. A própria questão de saber quais deles se situavam no centro do puritanismo era tema de discussão.” (BOORSTIN, 1997, p. 18).

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estavam alguns que verdadeiramente criam que este era um novo princípio, um recém-começo para a história e a religião, um empreendimento milenarista. Eles eram os Puritanos que, determinados a manter a pureza de sua fé protestante separatista, visavam começar mais uma vez e encontrar esse processo de erguer cidades, povoar países, ensinar virtudes e reformar coisas injustas, num início verdadeiramente novo. (RULAND; BRADBURY, 1991, p. 8, tradução nossa) 92

Por seu impulso organizador, e também devido às circunstâncias, os Puritanos sentiam-se

responsáveis pela social. “De modo que se pode dizer que a construção da nacionalidade

americana, no seu espírito, está intimamente ligada ao calvinismo considerado em todas as suas

variantes.” (MENDONÇA, 2008, p. 75). As colônias da Nova Inglaterra povoadas por eles

“foram aquelas em que o caráter religioso era mais acentuado e imprimira mais profundamente

sua marca na fisionomia moral e na vida pública.” (RÉMOND, 1989, p.5).

Para os primeiros refugiados puritanos, o uso de metáforas bíblicas foi importante para sua

orientação espiritual naquelas novas terras. Uma delas, considerada uma das mais apropriadas,

não só como forma de autoidentificação, mas também como modelo narrativo pessoal e

comunitário, foi a caracterização desses primeiros imigrantes como peregrinos.

Alguns estudiosos, embora reconheçam a força de movimentos como o Iluminismo93 para a

constituição dos Estados Unidos como nação, têm apontado a necessidade de se estudar de que

modo a tradição bíblica, por meio de tipologias que influenciaram os princípios políticos da

nação, foi fundamental para a formação política e religiosa da América. As implicações claramente religiosas e teológicas dessa história, especialmente a presunção da escolha divina, são normalmente silenciadas no mundo moderno da diversidade religiosa, mas permanecem como as fontes históricas e conceituais do mito. É uma história complexa que revela ocasionalmente suas raízes nas interpretações do Antigo Testamento na Nova Inglaterra - em dependência da lei, pacto e eleição, por um lado, e ansiedade profética quanto a distanciar-se da lei, por outro. (SCHOCHET, 2009, p.103, tradução nossa).

O engajamento dos Puritanos com o Antigo Testamento é bem conhecido. No entanto,

ainda é pouco estudado de que modo os primeiros Puritanos norte-americanos pensavam em si

próprios em termos do Antigo Testamento e também qual o poder formativo que a língua 92 Os Puritanos que chegaram ao Novo Mundo em 1620, “eram em sua maioria Separatistas; o grupo mais largo de Puritanos que veio sob a direção de John Winthrop em 1630 era mais eclesiasticamente conservador e começou a estabelecer igrejas na baía de Massachusetts. O Congregacionalismo foi o modo predominante de Puritanismo na América, embora houvesse também Presbiterianos espalhados pelas colônias do norte e central...” (PASTOOR; JOHNSON, 2009, p.5, tradução nossa). 93 Desde o início da colonização americana, todo pensamento político da época “estava baseado na pressuposição de que a luz natural da razão era suficientemente forte para revelar os princípios eternos da lei de Deus a qualquer pessoa de pensamento reto e sem preconceito [...] Assim, esta posição que estava na base da teoria americana de governo foi, na verdade, relacionada, de modo geral, com os ideais da lei maior biblicamente fundamentada, mas ela modificou a visão distintamente calvinista deste ideal em um ponto crucial.” (MARSDEN, 1990, p.309-310).

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hebraica e suas metáforas tiveram na constituição da nação. Sabe-se, no entanto, que eles tinham

em alta conta a ideia de que eram ume espécie de “novo Israel”, o grupo escolhido para formar

uma sociedade de escolhidos. Em toda a Bíblia viam indicações disso. Tal como os hebreus no Egito, também eles foram perseguidos na Inglaterra [...] atravessaram o longo e tenebroso oceano, muito semelhante à travessia do deserto do Sinai [...] receberam as indicações divinas de uma nova terra, e, como veremos adiante, são freqüentes as referências ao ‘pacto’ entre Deus e os colonos puritanos. (KERNAL, 2007, p. 38).

Uma das metáforas hebraicas mais importantes na colonização americana foi a da

peregrinação94, que expressava consideravelmente a situação dos imigrantes ingleses que vieram

no navio Mayflower, e que mais tarde foram chamados de os pais peregrinos. Provavelmente isso ocorreu porque William Bradford, um líder Separatista, escreveu que os viajantes “sabiam que eram peregrinos” quando embarcaram em sua perigosa jornada. Ele tomou a palavra “peregrinos” do capítulo 11 da Epístola aos Hebreus, do Novo Testamento, que diz: “Eles foram estrangeiros e peregrinos sobre a terra [...] Mas agora desejam uma pátria superior”. (FRADIN, 2007, p. 13, tradução nossa).

A metáfora do peregrino foi consolidada no imaginário da nação não só pela Bíblia, mas

também por meio da obra de John Bunyan (1628-1688), um puritano sectário inglês que saiu pelo

seu país consertando caldeiras e pregando sermões aos camponeses. Viu a queda do Puritanismo

que, até então, estava no poder95 e relatou sua experiência no livro Grace Abounding to the Chief

of Sinners, depois apresentado em forma de romance, com o título The Pilgrim’s Progress from

this world to which is to come. A chave para as representações Puritanas da vida Cristã como

uma jornada está no capítulo 11 da Epístola aos Hebreus. “Sua imagem dos fiéis como errantes

‘estrangeiros e peregrinos sobre a terra’ que ‘buscam uma pátria’, ‘isto é, uma celestial’ (Hebreus

11:13-16) estrutura The Pilgrim’s Progress.” (COFFEY; LIM, 2008, p.317, tradução nossa)96.

94 Essa metáfora possuía todo um campo semântico de figuras relacionadas e subordinadas. No período colonial, quando um pregador subia ao púlpito, havia expectativa. “O que se seguia marcara o momento de uma oratória elegante numa cultura que valorizava a palavra falada acima de todas as formas de arte. A meta do orador não era ser inovador ou interessante, mas recordar à sua audiência a visão que primeiro impeliu a missão em New England. Termos como ‘pacto’, ‘caminhada’, ‘peregrinação’, ‘ermo’, ‘deserto’, ‘jardim’ ou ‘controvérsia’, recorrem freqüentemente por gerações e parecem nunca ter perdido seu poder de mexer com as almas.” (WITHAM, 2007, p. 29-30, tradução nossa). 95 Após a morte de Cromwell, a população inglesa “conduz Carlos II ao trono e adota novamente o sistema episcopal, movimento que ficou conhecido como Restauração. Os puritanos ficam proibidos de se reunirem. Pastores presbiterianos, congregacionais e batistas são obrigados a abandonar suas igrejas e os puritanos tornam-se um partido de oposição. Reuniões que não sejam da Igreja Anglicana ficam proibidas. John Bunyan é preso por doze anos – 1661-1672 – por desacatar tal lei.” (LEONEL, 2010, p. 48,49). 96 A cultura literária puritana operava através do intercâmbio de todos os textos com “o grande texto que reside no centro de um nexo discursivo condensado de sermões, poesia, histórias, aventuras, biografias exemplares, narrativas

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A obra descreve a jornada do personagem Cristão e outros peregrinos. O trajeto inclui

lugares inusitados, como o Desfiladeiro do desespero, a Aldeia da moral, a travessia pelo Rio da

morte e, enfim, a chegada à Cidade santa. Por toda a obra, Cristão é apresentado como alguém

que está de passagem por esta vida, não devendo se apegar a nada que o distraia do seu grande

objetivo, chegar à Cidade Celestial: Quero dar-te alguns esclarecimentos sobre o caminho que deves seguir. Olhe à frente. Está vendo este caminho estreito? É este o caminho que você deve tomar. Foi aberto pelos patriarcas, pelos profetas, por Cristo e seus apóstolos, e é tão reto quanto o pode fazer uma régua. É este o caminho que você deve seguir. (BUNYAN, 1999, p. 30).

A maior parte dessa obra, começando pelo conceito de peregrinação é literalmente tomada

da Bíblia, a leitura principal do caldereiro. “Com efeito, The Pilgrim’s Progress é a segunda

Bíblia das nações anglo-saxônicas, o Paradise Lost do homem do povo.” (CARPEAUX, 2008, p.

811) 97. Além de ser uma espécie de síntese literária do puritanismo inglês, é parte importante na

formação do “cânon” literário dos “peregrinos” na América, tendo um papel central na afirmação

de grandes narrativas da colonização do Novo Mundo, posto que “capturou a imaginação da

móvel sociedade da América colonial do século dezenove.” (BROWN, 2004, p.8-9, tradução

nossa). De modo profundo “exerceu tremenda influência cultural ao fornecer uma estrutura na

qual os líderes viam a experiência secular, ou mundana, em termos de uma jornada sagrada, ou

sobrenatural.” (BROWN, 2004, p.9, tradução nossa).

Os subtítulos que o livro recebeu na América foram muitos e, segundo Brown (2004, p.9),

serviam como mapas para a jornada dos “peregrinos” 98, esboçando os detalhes do seu trajeto por

este mundo. “A obra de Bunyan, e muitos textos comparáveis, retrataram o progresso da igreja

de conversão e de cativeiro, livros devocionais e tratados teológicos. Cada texto reforçava os outros e todos se conectavam finalmente com a Bíblia como Metatexto...” (HAMMOND, 2000, p. 46, tradução nossa). 97 Para Carpeaux, The Pilgrim’s Progress é “a maior obra alegórica da literatura inglesa” e Bunyan, “o Milton do povo.” (CARPEAUX, 2008, p. 811). Em outra obra sua, Carpeaux dirá que “The Pilgrim’s Progress do velho Bunyan”, é “o primeiro, e talvez o único, romance cristão.” (CARPEAUX, 1999, p. 324). É verdade que obras como Paradise Lost, de Milton, também foram importantes. “Se uma casa nas colônias Americanas possuiu quaisquer livros ao lado da Bíblia, eles foram provavelmente The Pilgrim’s Progress e Paradise Lost.” (ARMSTRONG; TENNENHOUSE, 1992, p. 11, tradução nossa). Sigo, no entanto, a posição de Carpeaux, que afirma ser Bunyan mais popular do que Milton. Embora possuam a mesma base literária puritana, os dois fizeram uso de gêneros diferentes e o tema do peregrino, num contexto de colonização, naturalmente era uma metáfora narrativa que apelava mais ao espírito Americano. 98 Alguns exemplos de subtítulos são: O modo do seu estabelecimento, Sua perigosa jornada e Chegada segura ao país desejado. (BROWN, 2004, p. 9, tradução nossa).

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visível como ajudado pelas interações entre leitores e escritores numa comunidade peregrina

invisível e textualmente definida.” (BROWN, 2004, p. 9, tradução nossa) 99.

A metáfora do peregrino também esteve presente na hinologia norte-americana em

meados do século 19. Nela, os protestantes “reiteravam narrativas coesivas da vida cristã: seu

início, progresso e propósito.” (BROWN, 2006, p. 194). Para Mendonça (2008, p. 341-344), o

peregrino também se tornou tema presente nos hinários brasileiros, desde o século 19, e ajudou a

configurar parte da concepção de vida entre os presbiterianos no Brasil. Sob esse modelo, os

leitores do nascente movimento também se viam “em busca da Jerusalém Celestial, lutando

contra o pecado, as influências da sociedade e tendo como inimigo o diabo e outro não menos

astuto, a Igreja Católica Romana.” (LEONEL, 2010, p.61).

Durante seu tempo no Brasil, Simonton provavelmente sabia que a metáfora do peregrino já

era conhecida dos brasileiros quando fez uso dela. De outubro de 1855 a dezembro de 1866, o Dr.

Kalley “publicou aproximadamente trinta e cinco artigos no Correio Mercantil. Publicou

também, em série, O Peregrino de John Bunyan, que traduziu com o auxílio de um português

chamado José Luís de Malafaia.” (VIEIRA, 1980, p. 132) 100. O capítulo final, sobre os sermões

de Simonton, estudará não como essa metáfora foi explorada por Simonton, mas também até que

ponto moldou seu pensamento. Embora não esteja tão explícita em seus escritos, essa poderosa

figura de origem hebraica pode esclarecer pontos importantes da vida e da obra do missionário.

3.2.2 O Destino Manifesto

Assim como as figuras de linguagem bíblicas exerceram, inicialmente, profunda influência

sobre os norte-americanos, assim também o enfraquecimento de algumas de suas metáforas

comunitárias (como a da aliança) causado pelos avivamentos, deixou espaço para formulações

pactuais alternativas. Uma delas, muito influente no tempo de Simonton, é um corpo de conceitos

99 A alegoria também apareceu “em numerosas edições infantis, incluindo uma versão em Words of One Syllable (1870) e uma sequência moderna, The Infant’s Progress (1821). The Singing Pilgrim; Or, Pilgrim’s Progress Illustrated in Song, for the Sabbath School, Church & Family (1866), fornecendo hinos ‘ilustrativos das mesmas características da experiência cristã’ como aquela esboçada por Bunyan. (...). Embora os evangélicos geralmente respeitassem o Bunyan original como um dos melhores livros de todos os tempos, eles não sentiram qualquer receio em alterar o livro para que se ajustasse à instrução da Escola Dominical.” (BROWN, 2004, p.108, tradução nossa). 100 Segundo Matos, a tradução de A viagem do cristão (O peregrino), feita por Kalley, foi publicada no Correio Mercantil de outubro a dezembro de 1856 “e, depois, em forma de livro.” (MATOS, 2003, p.18).

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e crenças que ficou conhecido como “Destino Manifesto”, expressão popularizada por John L.

O’Sullivan, num artigo de jornal em 1845101.

Contudo, um processo que merece o mesmo nome já se desenvolvia muito tempo antes. Um

vasto complexo de idéias, políticas e ações pode ser abarcado sob a frase “Destino Manifesto”.

“Elas não são, como devíamos esperar, todas compatíveis, nem procedem de uma única fonte.”

(TUVESON, 1968, p. 91, tradução nossa). Uma das explicações para esse processo, a de tipo

religioso - que parte da premissa de que mitologias religiosas precedem e moldam os diversos

desdobramentos culturais (incluindo mitologias políticas) - será estudada a seguir.

Embora muitas das influências exercidas sobre os primeiros líderes da nação tenham vindo

do Iluminismo102, pelo menos desde o século dezessete os norte-americanos têm freqüentemente

pensado em si próprios em termos religiosos, “como um povo especial, com um papel

providencial na história do mundo.” (HORSMAN, 1981, p.82, tradução nossa). Essa

autointerpretação, de conotações teológicas, foi elaborada inicialmente pelos primeiros

imigrantes (puritanos) 103 que se viam como divinamente escolhidos para um novo começo104.

Desenvolveram uma mitologia que era tanto Americana como judaico-cristã, para descrever o

papel providencial de Deus para com o seu mais recente povo escolhido. Muitos Americanos

abraçaram a noção de que os Estados Unidos “eram divinamente ordenados para controlar o

continente e, por meio do Cristianismo Protestante e das instituições republicanas, redimir

populações nativas.” (BELOHLAVEK, 2001, p.96, tradução nossa). “Tal retórica, que confundiu

os Estados Unidos tanto com o Israel Antigo quanto com o reino milenar, foi um ingrediente

poderoso no nacionalismo americano ascendente.” (MARSDEN, 1990, p.314). 101 Disponível em <http://alvaradohistory.com/yahoo_site_admin/assets/docs/5ViewonManifestDestiny.1132952.pdf> Acesso em 3 de maio de 2012. 102 “A ideia Iluminista de progresso deu um novo ímpeto à imagem da América como uma arena para o aperfeiçoamento da humanidade, e na própria América a ideia de progresso nunca foi separada totalmente da crença na expansão real e no destino geográfico.” (HORSMAN, 1981, p. 84, tradução nossa). 103 “A busca mais autoconsciente do destino sob Deus no Novo Mundo foi alimentada pelos puritanos da baía de Massachusetts, e os oradores coloniais mais articulados para tratar sobre o tema do destino Americano eram os Puritanos.” (CHERRY, 1998, p. 26, tradução nossa). 104 Até o século 19 “imperava a ideia de que a religião e civilização estavam unidas na visão da América cristã, e que Deus tem sempre agido através de povos escolhidos.” (MENDONÇA, 2008, p. 92,93). “Quando os assentamentos americanos se expandiram, os puritanos não apenas viam o reino de Deus se movendo para o Oeste, mas também pensavam na América como o lugar de onde a renovação do mundo começaria.” (HORSMAN, 1981, p. 83, tradução nossa). “A religião não era de modo algum o único motivo, ou mesmo o dominante, para o assentamento da maioria das colônias. Uma visão religiosa da história, no entanto, forneceu uma estrutura de autoentendimento para colonos e corporações que foram impulsionados por uma variedade de motivos.” (CHERRY, 1998, p. 26, tradução nossa). Na sequência, Cherry afirma que alguns motivadores do povo americano, como o econômico, foram também articulados com uma perspectiva histórica da providência de Deus. (CHERRY, 1998, p. 26).

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Mesmo com o declínio moral das primeiras gerações, os puritanos insistiram, por décadas,

em seu discurso sobre o destino especial da nação. Seus sermões, nos anos de 1650, citavam

numerosos sinais desse declínio, tais como conflitos entre membros da igreja e entre pastores e

laicato, o surgimento de hereges, violação da observância do dia de descanso e crianças sem

batismo. (CHERRY, 1998, p. 27).

O primeiro Grande Despertamento, nos anos de 1740, foi o segundo momento importante

para a identidade norte-americana. Nesse período, houve, além de uma explosão de vitalidade

religiosa, “uma vivificação da visão do Novo Mundo como o lugar onde Deus irrompeu uma

nova luz para todo o mundo” (CHERRY, 1998, p. 28, tradução nossa) 105, reforçando nos norte-

americanos a idéia de que eram especiais, e “preparando o caminho para uma nova proposta à

nação, para uma missão crucial histórica.” (CHERRY, 1998, p. 29, tradução nossa).

Além de o Grande Despertamento ter tornado mais sólida a identificação entre o Novo

Mundo e a Terra Prometida, um terceiro momento, o nascimento da república, “conferiu uma

credencial especial à idéia.” (CHERRY, 1998, p. 61, tradução nossa). A independência da

Inglaterra foi interpretada como uma oportunidade para a autodeterminação da América e

também como uma prova da bênção de Deus sobre a nação. “O Novo Israel de Deus foi

transformado numa república; um destino colonial tornou-se um destino nacional.” (CHERRY,

1998, p. 61, tradução nossa). Os clérigos protestantes foram importantes no apoio que davam à

causa revolucionária, “e seu sucesso era devido, em grande parte, à sua habilidade de inspirar no

povo um senso do destino Americano sob Deus.” (CHERRY, 1998, p. 61, tradução nossa).

Com o fim da guerra revolucionária (1783), os norte-americanos enfrentaram pobreza e

certa confusão, resultantes do governo por confederação. “No entanto, a convicção de que Deus

tinha dado, na vitória, um sinal seguro de sua aprovação à nova nação foi firmemente plantada na

mente Americana.” (CHERRY, 1998, p. 63, tradução nossa).

Segundo Mendonça, no século seguinte (19), a idéia do destino norte-americano foi

impulsionada por doutrinas milenaristas106, difundidas por pensadores, pregadores e cânticos

105 Jonathan Edwards, um dos principais teólogos do século 18 e um dos defensores do Grande Despertamento, declarou, convicto, que os avivamentos poderiam muito bem marcar o início da renovação religiosa de toda a humanidade por Deus. (CHERRY, 1998, p. 28). 106 “O que chamamos milenarismo é uma variante especificamente cristã de um complexo aglomerado de crenças, símbolos e imperativos morais, proeminentemente nas religiões do mundo, especialmente o Judaísmo, Cristianismo e Islã. Na tradição cristã o milenarismo, a idéia do reino de mil anos dos santos de Cristo na terra, constitui uma categoria permanente, embora indeterminada, de cultura religiosa cristã. É permanente porque é fixada nos textos escatológicos da Bíblia, especialmente os relatos apocalípticos do profeta Daniel e do apóstolo João. Em si mesmo, o

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sacros. “A expectativa milenarista no século 19 na América era intensa e extensa, embora

variasse os detalhes teológicos.” (MENDONÇA, 2008, p. 90). Buscava-se um modelo de sociedade, e a certeza de tê-lo encontrado estava na mente da maioria, assim como a convicção de que esse modelo servia, no espírito do evangelho, para ser compartilhado com todas as nações a fim de se abreviar a vinda do Reino de Deus. O ideal do milênio surgiria no fim de um processo de construção social de que todos deviam participar no mundo inteiro, sob a inspiração e a liderança americana. (MENDONÇA, 2008, p. 94).

Contudo, o modelo político inicial dos puritanos foi aos poucos sofrendo alterações que

reduziam o sentido religioso do destino norte-americano, ao mesmo tempo em que,

crescentemente, favoreciam um entendimento e um impulso em grande parte político. “Mais

precisamente, a tipologia histórico-redentora que os puritanos haviam aplicado ao seu próprio

empreendimento era agora transferida para a instituição secular americana.” (MARSDEN, 1990,

p.313-314).

Geograficamente, o país expandiu-se com notável rapidez. Ao fim da Revolução Americana

(1775-1783), os Estados Unidos incluíam 13 das colônias britânicas iniciais e uma população

com mais de quatro milhões de pessoas. Depois disso, [e]m 1803, o território da Louisiana é comprado da França; em 1819, é a vez da Flórida ser adquirida dos espanhóis; o Texas, então território mexicano, é anexado em 1845; do mesmo modo, o Oregon deixa de pertencer ao Reino Unido e é anexado ao território norte-americano em 1846; os territórios que hoje fazem parte do Novo México – Utah, Nevada, Arizona, Califórnia e Colorado – tornam-se possessão americana por intermédio de um tratado ao final da guerra com o México em 1848; por fim, em 1853, os americanos compram do México os territórios que hoje compõem parte do Arizona e do Novo México. (LEONEL, 2012, p. 126-127) 107.

O slogan “Destino Manifesto”, que se tornou popular no século 19, “forneceu uma chave

para uma importante transformação da crença no sentido e propósito da América.” (CHERRY,

1998, p. 116, tradução nossa). Agora, a glória norte-americana não estava mais ligada a uma

escolha divina com respeito ao seu futuro (embora ainda se falasse nisso), mas à sua própria

autoconfiança no presente, devido à incorporação que estava sendo feita (inclusive durante os milenarismo realmente tem muito pouca justificativa bíblica (somente uma referência explícita em Apocalipse 20), mas essa versão particular do fim dos tempos é conceitual e simbolicamente ligada a toda uma extensão de escatologia bíblica. O Cristianismo simplesmente não é completo como sistema de crenças sem um relato de como a história humana termina e Jesus retorna para julgá-la. Desde o século 12, a idéia milenarista de uma sociedade santa e perfeita sobre a terra teve poder sobre o cristão ocidental e especialmente sobre a especulação escatológica protestante.” (MARINI, 2004, p. 162-163, tradução nossa). 107 No tempo de Simonton, essa ideologia ainda tinha força explicativa. Em 1850, quando o censo federal contou mais de 23 milhões de norte-americanos, os historiadores “tentaram explicar essa rápida expansão territorial usando a ideia do Destino Manifesto, isto é, que era o destino dos Estados Unidos se expandirem de oceano a oceano.” (SAUERS, 2010, p.48, tradução nossa).

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anos de 1840, quando o slogan foi criado), de todas as terras próximas ao seu território. A antiga

eleição dos santos tornava-se, assim, uma “predestinação geográfica”. (CHERRY, 1998, p. 116,

tradução nossa) 108.

Considerando essas informações, é preciso agora entender como (ou se) essa idéia pode

estar presente nos escritos de Simonton, já que ele era tanto um cristão com formação, em grande

parte, puritana, como também um norte-americano que viveu durante o apogeu da crença do

Destino Manifesto do seu povo.

Se for considerado que a ideologia do Destino Manifesto é uma redução secularizada das

doutrinas pactuais puritanas, então tal ideologia não deve ser considerada como causa, e sim, a

modificação de um pensamento que se originou na religião e se aproveitou dela e do seu poder

persuasivo sobre os norte-americanos, para adotar um novo impulso (a predestinação geográfica)

que era, na verdade, apenas parte do plano religioso original.

Não foi possível, até onde chegou a presente pesquisa, identificar qualquer tipo de teoria

política esboçada nos sermões de Simonton. Aquilo que pode parecer uma expressão do Destino

Manifesto também pode ser entendido de outros modos.

Como exemplo dessa dificuldade de análise está uma série de observações feitas pelo

missionário em seu diário, sobre a experiência que teve, de passagem por um sítio na cidade

paulista de Itu (12/02/1861), com uma família “extremamente hospitaleira e acolhedora.”

(SIMONTON, 2002, p. 146). Apesar dessas qualidades, ele registrou que a casa em que ficou era

tão desmazelada (suja, sem assoalhos, com porcos e galinhas, cavalos e mulas entrando, enquanto

pelo piso de terra engatinhavam crianças), “que tornava-se difícil apreciar a hospitalidade”

(SIMONTON, 2002, p. 146) e que, por isso, sua confiança no Brasil e nos brasileiros “diminuiu”

(SIMONTON, 2002, p. 146).

Observações como essas poderiam, de fato, ter sido feitas por um legítimo representante da

ideologia do Destino Manifesto, dando a entender a superioridade da cultura norte-americana,

representada pelo próprio Simonton. Porém, as mesmas observações poderiam ter sido feitas por

um puritano antigo (com seus anseios de ordenar o mundo), ou ainda por qualquer brasileiro que

vivesse num ambiente mais higienizado do que o daquela família.

108 Afinal, Destino Manifesto significou expansão geográfica pré-arranjada pelo céu, sobre uma área não claramente definida. Leonel destaca que, entre os proponentes mais radicais dessa ideologia, encontram-se os que entendiam que países como Canadá, México e até Cuba também deveriam ser alvo “não somente da influência, mas também da expansão geográfica.” (LEONEL, 2012, p. 126).

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O que Simonton deixa claro com seus escritos publicados – até por causa da natureza do seu

trabalho e da sua formação doutrinária – é que o tipo de evangelho que pregava deveria ser

considerado superior ao evangelho tal como ensinado pelos católicos, no Brasil. No entanto, a

presente pesquisa não detectou indícios de que seu discurso estivesse de algum modo a serviço da

mitologia política norte-americana, ainda vigorosa em seu tempo.

3.2.3 Simonton e o Puritanismo

Em seu contato com os diversos movimentos religiosos na América, o Puritanismo inglês

manteve parte de suas raízes, mas sofreu modificações.

No início da colonização, as cerimônias de renovação pactual entre as igrejas puritanas,

anteriores aos Grandes Despertamentos, equilibravam a vida individual e a comunitária

(MOOTS, 2009, p. 166). Tudo, na vida dos antigos puritanos, deveria estar relacionado a Deus e

às suas criaturas. Essa idéia foi a base tanto da sua política eclesiástica como da sua teoria social.

Partindo da premissa de que uma pessoa regenerada, entrando na aliança da graça, é posta

num pacto legal com Deus, os teólogos puritanos desenvolveram uma teoria partindo da

inferência de que Deus firmou seu pacto com um grupo. (MILLER, 1953, p. 21). Esses dois

pactos, o pessoal e o público, eram “ramos” de uma mesma aliança, embora houvesse uma

diferença natural entre protestantes e não protestantes109.

Porém, os dois grandes despertamentos trouxeram certo desequilíbrio entre os pólos

individual e comunitário, por causa da sua ênfase numa “interioridade separatista” que dificultou

as tentativas de equilibrar o público e o privado, originando o que mais tarde seria chamado de

Evangelicalismo. (MOOTS, 2009, p. 166) 110. Quando o Grande Despertamento rompeu a coesão social na América, isso ao mesmo tempo elevou ao indivíduo. Durante o mais comunal século dezessete, os colonos raramente concebiam a si mesmos à parte de uma coletividade mais ampla – a família, a congregação ou a cidade. Mas o avivamento do século dezoito penetrou e espalhou esse cosmos unitário, dirigindo sua mensagem ao indivíduo. Exortando seus seguidores a fazerem decisões pessoais por Deus, e então a agirem segundo essas decisões independentemente dos seus efeitos sobre a sociedade mais ampla, os avivalistas

109 “Esta filosofia do pacto nacional era não somente uma dedução lógica do Pacto da Graça, mas também tema do Antigo Testamento: Jacó [o patriarca] lutou sozinho com Jeová, mas Israel tornou sua ligação visível numa organização externa – uma igreja, uma corporação, uma nação, até uma seara.” (MILLER, 1953, p. 21). 110 “De fato, os presbiterianos e congregacionais separatistas formaram novas sociedades de crentes que em vários casos, reproduziram as comunidades pactuais antigas. Porém, do ponto de vista do radicalismo, o essencial é que eles agiram assim após o rompimento violento de uma tradição de fraternidade e consenso que tinha governado a vida da igreja por gerações.” (BONOMI, 2003, p. 160, tradução nossa).

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sancionaram uma nova dinâmica nos relacionamentos humanos. (BONOMI, 2003, p. 157, tradução nossa).

Todas as tentativas de equilibrar e igualar as dimensões pactual e comunitária foram, aos

poucos, sendo consideradas retrógradas e provincianas. De meados do século dezoito em diante,

os púlpitos de toda a América enfatizavam, de um modo ou de outro, “que o indivíduo, estando

sozinho à vista de Deus, era o recipiente primário de salvação.” (BONOMI, 2003, p. 159-160,

tradução nossa).

Ao Puritanismo, sem a força política advinda de suas doutrinas pactuais e comunitárias,

expressadas desde o início da colonização com no pacto de Mayflower,111 restou igualmente

enfatizar “a necessidade de experiências de conversão individual” (WELCH, 1972, p.26, tradução

nossa), o que, em parte, o aproximou do Pietismo. No tempo de Simonton, embora a seqüência

puritana pecado-salvação-serviço continuasse inalterada, “em sua pregação regular, os ministros

tomavam a velha mensagem de salvação, adornavam-na com nova terminologia e a desenvolviam

no contexto de um novo pietismo de amor e tolerância.” (STOUT, 1986, p.148, tradução nossa).

Como herança, o Puritanismo deixou a Simonton seu mais importante legado: uma

interioridade cristocêntrica. Após relatar problemas de inconstância sentimental, em sua pública

profissão de fé (3 de maio de 1855), ele assumirá uma postura que se dedicará a manter por toda

a vida. E quanto mais analiso e observo meus sentimentos e as operações da minha mente, mais vejo perplexidade e dúvidas. Somente quando saio de mim mesmo e me volto para as límpidas, claras e completas promessas do evangelho, é que me sinto seguro. Portanto, depois de veementes orações a Deus para que me oriente, decidi não procurar mais obter o conforto ou a evidência clara da minha aceitação por Cristo olhando para minha própria estrutura ou sentimentos, mas colocar minha confiança na palavra simples das Escrituras, e me esforçar para cumprir o meu dever, com base no auxílio prometido do Espírito Santo (SIMONTON, 2002, p. 87-88)112.

Simonton, então, assume uma postura tipicamente puritana: “... aceitarei e lembrarei que em

qualquer posição na vida sua glória [a de Deus] deve ser meu objetivo supremo [...]”

(SIMONTON, 2002, p. 89). Contudo, apesar do esforço em cultivar esse modelo de piedade,

recebido em seu ambiente familiar e em Princeton, ele carregará consigo até o fim a influência

111 Ver Anexo I. O pacto de Mayflower é um acordo escrito por consenso mútuo entre colonos puritanos que desembarcaram em Nova Plymouth no final de 1620. Visava, sobretudo, a vivência religiosa e comunitária no novo ambiente. 112 No Calvinismo, “a consciência da eleição somente intensifica o senso que o homem tem da distância entre ele mesmo e Deus; isso faz sua vida voltar-se de um passivo charco na lama de sua pecaminosidade para uma jornada, um progresso do peregrino em direção à santificação. O contorno da vida, de um retrato estático do Pecado Original, torna-se uma narrativa dramática.” (MANNING, 1990, p.3-4, tradução nossa, grifo nosso).

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dos avivamentos, com sua necessidade de uma obra complementar do Espírito sobre a vida dos

que já criam em Cristo, inclusive naqueles com maior instrução teológica. Até ao fim, a relação

entre sua cristologia (estudo sobre a pessoa e a obra de Cristo) e sua pneumatologia (estudo sobre

o Espírito Santo e sua obra) terá um caráter tensional.

Além das palavras, também a estrutura do diário de Simonton revela aspectos tensivos.

Desde meados do século 18, tem sido observada uma mudança no estilo dos diários

religiosos, do estilo puritano para o estilo evangélico. O puritano típico usava o diário como um

exercício disciplinar e de autoexame. Igualmente, no diário de Simonton são comuns frases como

“[n]o meu próprio estado, não consigo ver mudanças. Não sinto o coração transformado, nem

descubro novas verdades” (SIMONTON, 2002, p. 84-85), ou “[C]ada pecado, cada indulgência

pecaminosa não é apenas um golpe contra minha própria alma, mas tende a destruir

imediatamente meu sucesso e utilidade.” (SIMONTON, 2002, p. 143). No Brasil, ele continuou

seu exame rigoroso: “Sinto fortemente que preciso ter um conhecimento mais claro de Cristo e

um senso perceptível de sua presença e amor.” (SIMONTON, 2002, p. 133). E ainda: Mas quando olho para mim mesmo, a fim de ver quais progressos fiz em direção ao céu, no cultivo das graças espirituais, na mortificação dos pecados e na competência para o trabalho missionário, tenho muitas razões para vergonha e perplexidade. (SIMONTON, 2002, p. 139).

Quanto ao aspecto disciplinar puritano, ele pode ser notado na típica lista de resoluções, que

Simonton pretendia por em prática durante seus estudos em Princeton (SIMONTON, 2002, p. 95) 113. Incluía freqüência aos exercícios devocionais do seminário, vigilância, estudos devocionais

particulares, cultivo da oração, etc.

Porém, a tendência posterior dos diários, evangélica, que vigorava no tempo de Simonton,

em vez de uma rigorosa auto-reflexão, mantinha a prática de um tipo de escrita mais devocional,

“de modo a cultivar virtude cristã em si mesma, a identificar como Deus direcionou suas vidas, e,

em alguns casos, a evangelizar a outros.” (BREKUS, 2006, p. 20, tradução nossa). Igualmente,

no diário de Simonton, essa tendência está presente quando ele relata seu progresso espiritual,

como a boa influência que seu professor, Hodge, teve sobre ele (SIMONTON, 2002, p. 96) e

expressões de gratidão (“Agradeço a Deus o conforto que encontro agindo assim quase

diariamente e a pouca preocupação que tenho quanto ao futuro.” [SIMONTON, 2002, p. 97]),

além do seu senso pessoal de realização como missionário, no Brasil: 113 Sem dúvida, pelo menos desde Jonathan Edwards, “os diários puritanos estão cheios com listas de ‘resoluções,’ às vezes numeradas, que refletem sua intensa luta contra ‘o mundo’.” (BREKUS, 2006, p. 24, tradução nossa).

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Tenho gozado mais paz, mais calma mental e certeza de estar no caminho do dever, e, portanto, felicidade mais verdadeira, do que em 1858 quando hesitante me debatia sobre o chamado para sair do país como missionário. (SIMONTON, 2002, p. 136).

Também a relação de Simonton com a morte, em seu diário, é importante.

Para os puritanos, ultimamente, “todo escrito devocional levava à mesma meta: preparação

para a morte. Nas páginas dos seus diários, os puritanos se perguntavam, mais e mais, se estavam

verdadeiramente preparados para morrer.” (BREKUS, 2006, p. 25, tradução nossa). No entanto,

também nesse ponto não há como afirmar ao certo se Simonton foi herdeiro apenas do

puritanismo. Ele parecia ver a morte não como um momento de prestação de contas ou algo

parecido, mas principalmente como uma oportunidade de ver sua família outra vez. Em 08 de

julho de 1862, em sua única viagem de férias e no seu último encontro com os seus, ele menciona

o verso que aponta mais para um aspecto agradável da morte do crente (mais em linha com o

pensamento evangélico do seu tempo) do que seu despreparo perante ela: “Deus não é um Deus

de mortos, e sim de vivos.” (SIMONTON, 2002, p. 154). Essas palavras serão repetidas e

comentadas por ocasião da morte de Helen, sua esposa (SIMONTON, 2002, p. 165). “‘Deus não

é Deus de mortos, e sim de vivos’; essa passagem da Escritura é muito preciosa para mim, agora

mais do que nunca.” (SIMONTON, 2002, p. 165) 114.

Quase seis anos depois, poucas semanas antes de sua morte, Simonton escreve aos seus:

Não é verdade que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó é também o Deus de nossa família? Não temos nós herdado as bênçãos e orações daqueles que se uniram ao pacto e puseram o selo santo dele sobre os seus filhos? “Deus não é Deus de mortos, mas de vivos”. Por mais de três anos que este texto constantemente me ocupa a memória nas horas solitárias em que me sinto sob o domínio do passado. Quando contemplo a profundeza das ideias que estas palavras nos dão das relações de Deus com o nosso ser inteiro, alma e corpo, admirado adoro e exulto; sinto-me como firmado sobre um rochedo eterno. Uma glória solene envolve aquelas seis sepulturas,115 espalhadas tão longe sobre os dois continentes da América, em que descansam os nossos amados. Eles não estão mortos! Apenas dormem! O mesmo Senhor o dissera: “Porque Deus não é Deus de mortos, mas de vivos”. (SIMONTON, 2008, p. 153).

114 Mais à frente, por ocasião do batismo da sua filha, escreverá: “O céu é o lar dos que crêem; é o meu lar. Todos os que me são mais caros estão lá: meu pai, minha mãe, minha irmã e minha esposa. Jesus está lá.” (SIMONTON, 2002, p. 166). 115 Simonton se refere provavelmente ao pai, falecido em 1846, às irmãs Martha (1848) e Anna Mary (1852), à mãe (1862), à esposa (1864). Segundo Jean Delumeau, o século 19 viu exprimir-se com vigor o desejo dos vivos de reencontrar seus mortos, por meio da chamada “literatura dos reencontros”. “Não foi por acaso que os túmulos familiares multiplicaram-se no século XIX, muitas vezes com epitáfios particularmente enfáticos quando se tratava da esposa e de um filho.” (DELUMEAU, 2003, p. 499).

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Quanto ao conteúdo dos seus sermões, é possível notar, além do estilo simples e didático,

alguns temas e ênfases pertencentes à tradição puritana, “como a soberania de Deus, a segurança

da salvação e especialmente o entendimento dos sacramentos.” (MATOS, 2008, p. 10) 116.

Além das doutrinas, Simonton também refletiu, em seu trabalho no Brasil, o impulso

prático dos antigos puritanos norte-americanos que, desde o início da colonização, “estavam

menos preocupados em aperfeiçoarem a sua formulação da verdade do que em darem corpo, na

sociedade que formavam na América, à verdade que já conheciam.” (BOORSTIN, 1997, p. 17).

Embora num contexto diferente, que tornava necessária a formulação específica da doutrina

para fins polêmicos e evangelísticos, Simonton fez mais do que discutir teologia em seu trabalho

missionário. Em seus pouco mais de seis anos no Brasil, fundou a Igreja Presbiteriana do Rio de

Janeiro (1862), o jornal Imprensa Evangélica (1864), organizou o Presbitério do Rio de Janeiro

(1865) e criou uma escola paroquial e um Seminário (1867), de onde saiu a primeira geração de

pastores presbiterianos nacionais, todos eles colaboradores no periódico Imprensa Evangélica

(SANTOS, 2009, p. 50).

Tudo disso mostra o quanto Simonton articulou sua formação discursiva com sua formação

existencial. Em seus escritos, por vezes é possível ver um encontro entre esses dois impulsos.

Outras vezes, porém, ficará claro que existem descontinuidades.

3.2.4 O Seminário de Princeton

Em 29 de junho 1855, Simonton chegou ao Seminário de Princeton como estudante. A

instituição foi fundada em meio a uma divisão que afetou a relação entre calvinistas

presbiterianos e congregacionais.

Com a meta de evangelizar o Oeste do país, que era rapidamente povoado e para evitar

competições desnecessárias, as duas denominações criaram um plano de união que visava

integrá-las na fundação de sociedades voluntárias que promovessem educação e missões

nacionais e estrangeiras, entre outras atividades. Mas isso esbarrou em questões eclesiásticas e na

competição por verbas. Além disso, “questões doutrinárias nasceram da formulação com matiz

arminiano da doutrina do pecado pela teologia da Nova Inglaterra, vigente entre os

116 Um exemplo significativo está no seu sermão “Os filhos do pacto”, em que defende o batismo infantil “com base no conceito de aliança [...]” (MATOS, 2008, p. 10).

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congregacionais, e de suas conseqüências.” (RIBEIRO, 1991, p.193) 117. Assim, surgiram dois

grupos. Os que recebiam e entendiam a Confissão de Westminster e os catecismos em seu sentido

histórico e estrito foram chamados de “Velha Escola”, “enquanto que aqueles que aceitavam

esses Padrões somente de modo amplo foram chamados de a ‘Nova Escola’.” (SMITH, 1962,

p.33, tradução nossa). A Nova Escola teve maior penetração em concílios e nas igrejas locais. “A

reação dos velhos calvinistas se organizou com a criação do Seminário de Princeton (1812) e na

luta sem trégua nos concílios.” (RIBEIRO, 1991, p. 194).

Simonton viveu em meio a esse atrito que, junto com a influência dos avivamentos, será

refletida em seu pensamento posterior118.

Princeton, por seu esforço em combinar erudição com piedade, deve ter sido um lugar

muito adequado aos anseios do jovem Simonton. Calorosa devoção à fé Reformada. Nobre agressividade na defesa da ortodoxia histórica. Ênfase sobre a exegese das línguas originais da Escritura. Comprometimento com a combinação de piedade e intelecto. Disposição para engajar-se contra pontos de vistas com cortesia erudita e integridade. Essas e outras qualidades combinadas davam ao Princeton Theological Seminary, desde o seu início [...] uma poderosa distinção nos mundos eclesiástico e acadêmico. (SILVA, 1988, p. 65, tradução nossa)

Na abertura do Artigo V do plano para a criação do seminário, há a seguinte declaração

sobre como devia ser o modo de vida dos alunos: Deve ser considerado como objeto de importância primária para cada estudante no seminário, ser cuidadoso e vigilante para não perder aquele senso interior do poder da piedade que ele tenha alcançado; mas, pelo contrário, deve crescer continuamente num espírito de iluminada devoção e fervente piedade, profundamente impressionado com a lembrança de que sem isso, todas as outras aquisições serão comparativamente de pouco valor, quer para si, quer para a Igreja na qual deverá ser um ministro. (CALHOUN, 1994, p. 425, tradução nossa).

No Artigo VI, seção 9, há uma declaração que deveria ser assinada pelos que quisessem

continuar seus estudos na instituição:

Profundamente impressionado com o senso da importância de progredir em conhecimento, prudência e piedade em minha preparação para o Ministério do Evangelho, Eu prometo solenemente, confiante na graça divina, que Eu observarei fiel e diligentemente a todas as instruções deste Seminário e que irei consciente e cuidadosamente observar todas as regras e regulamentos especificados no plano para sua instituição e governo, tanto quanto o mesmo relacionado aos estudantes; e que Eu irei

117 Para Mendonça (2008, p. 271) o motivo principal da divisão denominacional foi a questão escravagista, que criou um cisma em 1857 entre os presbiterianos, “formando a Igreja do Sul e a Igreja do Norte, à semelhança do que ocorreu com a maioria das denominações americanas.” 118 “Simonton, do ponto de vista teológico, era adepto da Velha Escola. Mas tal caracterização não pode ser tomada de modo absoluto. Ele foi impactado pelos avivamentos, e as anotações em seu diário atestam sua preocupação com questões da vida espiritual à feição da teologia da Nova Escola.” (LEONEL, 2012, p.130).

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obedecer a todas as exigências legais e prontamente me sujeitarei a todas as benéficas admoestações dos professores e diretores do Seminário, enquanto continuar sendo membro dele. (CALHOUN, 1994, p. 428, tradução nossa).

É importante notar que a busca por uma vida santificada não era exclusiva dos Pietistas e

Metodistas. Fazia parte não só das regras de conduta para os alunos, como também na vida dos

seus mestres119. Durante os três anos de estudo (1855-1858), esses foram os professores de

Simonton120: • Charles Hodge, professor de Teologia Exegética, Didática e Polêmica. • Joseph Addison Alexander, professor de História Bíblica e Eclesiástica. • Alexander T. McGill, professor de Teologia Pastoral, Governo Eclesiástico e Homilética. • William Henry Green, professor de Literatura Oriental e Bíblica.

O currículo do seminário no tempo de Simonton era assim dividido: • Primeiro Ano – Hebraico121; Introdução às Escrituras; História Bíblica; Geografia e Antiguidades;

Teologia Exegética; Homilética. • Segundo Ano – Hebraico; Criticismo Bíblico e Interpretação; Teologia Didática; Teologia Pastoral;

História Bíblica e Eclesiástica. • Terceiro Ano – Hebraico; Criticismo Bíblico e Interpretação; Teologia Didática e Polêmica; Eclesiologia;

História da Igreja. (LEONEL, 2012, p. 130).

119 “Para teólogos com a reputação de escolásticos e racionalistas, os princetonianos despenderam surpreendentemente grande esforço na defesa do valor da experiência religiosa.” (NOLL, 2001, p. 33, tradução nossa). William Henry Green, professor de Literatura Oriental de Simonton (e também ex-aluno de Hodge), além da sua erudição, em sua vida privada “era um dos mais amáveis cavalheiros cristãos, e um dos homens mais humildes. Seu belo, bem acabado e bem balanceado caráter foi uma epístola conhecida e lida por milhares de homens.” (DUNCAN, 1896, p.48, tradução nossa). Quanto a outro professor de Simonton, Joseph Addison Alexandre, professor de História Bíblica e Eclesiástica, embora tivesse memória prodigiosa (“por volta dos 18 anos, já dominava mais de uma dúzia de idiomas.” [WALLACE, 1997, p.44, tradução nossa ]), o próprio Hodge disse sobre ele: “seu poder de aprender idiomas foi o menor de todos os seus dons.” (LEYBURN, 1860, p. 325, tradução nossa). “Seu intelecto esplêndido e seus vastos recursos foram todos trazidos submissos à sua fé cristã. (...) Ele era tão baixo em estimar-se a si mesmo, quanto foi exaltado nas opiniões de seus companheiros...” (LEYBURN, 1860, p. 325, tradução nossa). O próprio Hodge chegou a escrever livros que demonstravam preocupação com a vida pessoal, como o seu The way of life, de 1841. Ele sentia que o erro doutrinário deveria ser considerado como efeito, não como causa, da impiedade. “Na maior parte da sua carreira, Hodge falou como se pudesse melhor resguardar a piedade guardando zelosamente a verdade. Porém, em mais de uma ocasião ele soou como seus oponentes, que pensavam poder salvar a verdade guardando zelosamente a piedade.” (NOLL, 2001, p. 108, tradução nossa). 120 Disponível em http://www.mackenzie.br/15609.html?&L=0. Acesso em 25 de abril de 2012. 121 O estudo do Hebraico bíblico era requerido em várias instituições de ensino teológico americanas da época. (WOLOSKY, 2009, p.106). Pode ser observado que a matéria consta em todos os três anos em que Simonton foi aluno da instituição. Em seu diário, antes de começar seus estudos como seminarista, ele escreveu sobre o valor que a língua possuía para a instituição: “Tomei hoje a minha primeira lição de hebraico. Pretendo dedicar uma ou duas horas diárias ao seu estudo enquanto James está em casa. Os professores de Princeton consideram importante que se tenha algum conhecimento dessa língua antes de entrar no Seminário, e estou firmemente convencido de que é meu dever fazê-lo.” (SIMONTON, 2002, p. 91). Simonton, com certo humor, escreveu em seu diário [08/02/1858] ser maravilhoso “descobrir quão facilmente se aprende hebraico, árabe e línguas cognatas, e com a mesma facilidade se esquece.” (SIMONTON, 2002, p. 110). Porém, ao que parece, ele acabou aprendendo a língua, já que, no Brasil, pôs anúncio num jornal, oferecendo-se “para dar aulas de qualquer língua morta e de inglês.” (SIMONTON, 2002, p. 133).

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Não há, no currículo, a disciplina de missiologia. No entanto, o assunto ocupava o interesse

e as orações de Simonton, que participava de reuniões de oração dedicadas ao assunto, conforme

seu diário (28/10/1855): Acabo de voltar de uma reunião de oração missionária semanal à qual são convidados todos os que se interessam por missões estrangeiras e querem conhecer seus deveres quanto às mesmas. Já fui duas vezes e achei as reuniões tão agradáveis e úteis que irei sempre no futuro. (SIMONTON, 2002, p. 97).

Em 10/10/1857, escreveu: “Por mais de um ano tenho tido em mente a possibilidade de

trabalhar como missionário. Quando a ideia surgiu pela primeira vez, resolvi pensar seriamente

em oração, e adiar a decisão até perto do final do curso.” (SIMONTON, 2002, p. 109).

Dentre os professores de Princeton, destaca-se Charles Hodge, tanto por sua

representatividade como por ter levado Simonton a pensar seriamente em ser missionário.

3.2.5 Charles Hodge

Três teólogos estabeleceram o tom da teologia de Princeton.

Archibald Alexander (1772-1851) foi um dos fundadores e um dos primeiros professores da

instituição (MACKAY, 1963, p. 3). Educado na Academia Liberty Hall, Virgínia, e inicialmente

encorajado a estudar a obra de Jonathan Edward, “Alexander combinou avivamento Reformado

com um interesse na lógica dos escolásticos do século dezessete e um anseio de enfrentar o

Iluminismo.” (HOLIFIELD, 2003, p. 377, tradução nossa). Em 1801, associou-se a Ashbel Green

na Filadélfia, com quem fundaria o Seminário de Princeton. Escreveu extensivamente sobre as

evidências do Cristianismo, a autenticidade das Escrituras, ciência moral e crítica bíblica, “mas

sua atração inicial pela piedade avivalista também encontrou expressão em seu Thoughts on

Religious Experience (1841), no qual analisa a experiência da conversão.” (HOLIFIELD, 2003,

p. 378, tradução nossa).

Samuel Miller, graduado na Universidade da Pensilvânia e pastor em Nova York, foi outro

fundador do Seminário de Princeton, (junto com Alexander e Green), sendo seu primeiro

professor de História. Tornou-se famoso em 1804 pelo seu livro, Brief Retrospect of the

Eighteenth Century. Sua defesa do sistema presbiteriano contra o bispo John Henry Hobart lhe

conferiu uma reputação adicional como polemista. “Ele esteve em íntimo contato com os

ultraconservadores, e seus associados ajudaram a trazer Princeton para mais perto das correntes

teológicas conservadoras na denominação.” (HOLIFIELD, 2003, p. 378, tradução nossa).

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Charles Hodge (1797-1878) é importante não só para Simonton, mas para toda a história de

Princeton. Em um século e meio de existência, “nenhum homem jamais foi, de modo tão

completo, a encarnação da escola.” (TRINDTERUD, 1963, p. 22, tradução nossa). Através da publicação de sua volumosa Teologia Sistemática, seu trabalho como editor da Princeton Review de 1825 a 1871, sua pregação de centenas de sermões em Princeton e em comunidades ao redor e sua piedade pessoal, sua influência se espalhou literalmente ao redor do mundo. (HOFFECKER, 1979, p. 116, tradução nossa).

Preparado desde cedo para ser um tipo ideal de Princeton, ele foi cercado de cuidados por

um dos fundadores do Seminário, o Rev. Ashbel Green122. Contudo, nenhuma outra influência

sobre ele foi igualada à de Archibald Alexander, fundador do Seminário, que o escolheu para ser

professor da instituição (TRINDTERUD, 1963, p. 24) 123 e que serviu como seu guia “tanto na

teologia como na piedade”, além de compartilhar com Hodge seu amor pelos escolásticos do

século dezessete. (HOLIFIELD, 2003, p. 378, tradução nossa).

Nos anos de 1830, os Estados Unidos passavam por mudanças religiosas profundas.

Congregacionais e Presbiterianos, tradicionais líderes religiosos da nação, com igrejas educadas e

socialmente respeitáveis, “tinham sido ultrapassados pelos Batistas e Metodistas antes de 1830.

Em uma geração, a liderança foi assumida por grupos desprezados como sem educação, de

classe-baixa e ‘populares’.” (TRINDTERUD, 1963, p. 25, tradução nossa).

Embora Hodge tivesse certa disposição favorável a avivamentos e a associações religiosas

livres, aos poucos, foi percebendo que as violentas controvérsias na própria denominação

presbiteriana “estavam ligadas aos avivamentos conduzidos por Charles Finney e seus

seguidores.” (TRINDTERUD, 1963, p. 29, tradução nossa) 124. Embora não fosse inteiramente

contrário a impulsos democráticos, “ele não era nenhum democrata teológico.” (HOLIFIELD,

2002, p. 105, tradução nossa). Para Hodge, havia assuntos, como a inspiração divina da Bíblia,

122 O Reverendo Green “casou os pais de Hodge em 1790; batizou Charles (1797) e então o discipulou; como presidente do Princeton College, orientou os estudos de Charles de 1812 a 1815; e foi uma influência quando Hodge fez sua pública profissão de fé em 1815.” (NOLL, 1979, p. 75, tradução nossa). 123 Após a graduação de Hodge, Alexander o indicou para a área de estudos bíblicos. Logo, no entanto, Hodge se persuadiu de que seu treino para a área “era inadequado às exigências do momento. Os homens de Nova Inglaterra tinham amplo estudo e Hodge pediu permissão para fazer o mesmo.” (TRINDTERUD, 1963, p. 30, tradução nossa). Em 1826, foi enviado a Paris, com o objetivo de estudar línguas orientais. Logo depois, foi para Alemanha, onde estudou por dois anos, tendo passado breve período na Suíça, França e Grã-Bretanha, voltando a Princeton em setembro de 1828 (TRINDTERUD, 1963, p. 24-25). De modo especial, os anos que passou na Alemanha (Halle e Berlin) “fizeram dele parte de uma fina elite que tinha recebido graduação além do seminário, em universidades européias.” (HOLIFIELD, 2002, p. 105, tradução nossa). 124 Quando Hodge voltou da Europa, a liderança do seminário estava, solidamente, nas mãos de Alexandre e Miller. “Suas respostas aos problemas do dia eram simples: não permitir nenhuma mudança. Essa posição Hodge aceitou e apoiou lealmente.” (TRINDTERUD, 1963, p. 30, tradução nossa).

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que “a massa dos homens” constituía-se de “juízes incompetentes.” (HODGE, 1977, p. 15,

tradução nossa). Daí a importância que dava ao estudo e à instrução.

Hodge conhecia a teologia puritana desenvolvida na Nova Inglaterra, tendo envidado

grande esforço intelectual na aplicação das antigas idéias pactuais, sendo, em geral, simpático aos

teólogos da Velha Escola, mais conservadora e próxima ao antigo puritanismo125. Porém, “ele

desenvolveu seus temas mais a partir do seu amado Francis Turrentini em Genebra [sec. 17] do

que sobre qualquer dos predecessores Americanos.” (HOLIFIELD, 2002, p. 107, tradução nossa).

Duas características da vida e da obra de Hodge (e que influenciarão seu aluno, Simonton)

são suas posturas teológico-didática e polêmica.

Seu predecessor, Archibald Alexander, possuía uma limitação em seu vasto conhecimento:

a dificuldade de organizar idéias. Se por um lado Alexander era mais universal do que seu aluno

em seus interesses intelectuais, especialmente nas humanidades, “Hodge excedeu seu mestre

como um sistematizador.” (MACKAY, 1963, p. 17, tradução nossa). Com sua Teologia

Sistemática, considerada “uma instituição entre capas” (NOLL, 2001, p. 37, tradução nossa), o

pensamento de Princeton recebeu sua mais completa formulação (SANDEEN, 1962, p.308). No

entanto, desde a sua fundação até ao tempo de Simonton, o Compêndio de Teologia de Turrentini

foi a principal fonte e modelo da teologia de Princeton. Alexander, desde a fundação do

seminário (1812), adotou Turrentini (em latim) como livro texto, “somente substituído pela

Systematic Theology de Charles Hodge no começo da década de 1870.” (RIBEIRO, 1991, p. 195) 126.

125 Entre outros temas na relação entre Hodge e os puritanos, “[e]le concordava com eles de que o Espírito nem sempre prepara o não regenerado para a regeneração convencendo-o dramaticamente do seu pecado; que a segurança da salvação não pertence à essência da fé; e que o fiel não tinha nenhum testemunho direto do Espírito, fazendo-o indubitavelmente consciente de sua salvação e capaz de levar um fiel a reconhecer ao outro. Ele entendia que os avivalistas deram ênfase excessiva aos sentimentos superaquecidos.” (HOLIFIELD, 2002, p. 107, tradução nossa). 126 A tradução da obra para o inglês foi encomendada pelo próprio Hodge. George M. Giger (1822-1865) – antigo professor de Princeton e amigo de Hodge, traduziu a obra para o inglês. A tradução com oito mil páginas manuscritas “ficava na biblioteca do Seminário de Princeton à disposição dos alunos para consulta, conforme indicação de Charles Hodge.” (COSTA, 2004, p.335). Foi nessa obra que Simonton estudou, “já que a Teologia Sistemática de Hodge – ainda em fase de elaboração – só substituiria o livro de Turrentini a partir de 1872-1873.” (COSTA, 2004, p. 335). Até então, tanto Alexander como Hodge ensinaram em suas classes com esse mesmo texto. Segundo Holifield, a obra de Hodge só não foi publicada antes porque o corpo diretor do seminário o convenceu de que os estudantes “não viriam a Princeton se tivessem acesso à sua teologia em outra parte.” (HOLIFIELD, (2003, p. 379, tradução nossa).

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O estilo de Hodge, que associava pregação à necessidade de instrução127 impressionou seu

jovem aluno, Simonton. Conforme registra em seu diário (14/10/1855), isso o levou a pensar em

ser missionário em outras terras128: Hoje ouvi um sermão muito interessante do Dr. Hodge sobre os deveres da igreja na educação. Falou da necessidade absoluta de instruir os pagãos antes de poder esperar qualquer sucesso na propagação do Evangelho e mostrou que qualquer esperança de conversões baseada em uma obra extraordinária do Espírito Santo comunicando a verdade diretamente não é bíblica. Esse sermão teve o efeito de levar-me a pensar seriamente no trabalho missionário no estrangeiro (SIMONTON, 2002, p. 96).

Além da postura didática de sua obra, Hodge também ficou conhecido pelas polêmicas.

Segundo Holifield, ele escreveu sobre quatro grandes princípios que entendeu serem marcantes

nos debates teológicos do seu tempo: o evangélico, o místico, o eclesiástico e o racionalista.

Para Hodge, no centro do princípio evangélico, estava o princípio de “representação” que

pervadia as Escrituras e que era um dos pilares da sua obra Teologia Sistemática. Significa

simplesmente que uma pessoa – Adão ou Cristo – poderia representar outros, apropriadamente,

num relacionamento legal com Deus (HOLIFIELD, 2002, p. 111). A defesa dessa idéia rendeu a

Hodge “um debate multifacetado sobre pecado e depravação, liberdade, regeneração, expiação e

teodicéia” (HOLIFIELD, 2002, p. 111, tradução nossa), com Unitarianos, Luteranos,

Wesleyanos, alguns Congregacionais e a ala mais progressista da Igreja Presbiteriana da época.

Acerca da mística religiosa, Hodge criticou os sistemas que lhe pareceram ensinar “a

identidade entre Deus e a humanidade (ou entre Deus e o mundo).” (HOLIFIELD, 2002, p. 115,

tradução nossa). Dedicou o capítulo IV da sua Teologia Sistemática ao assunto, criticando a

mística medieval, os místicos após a Reforma, o Quietismo e os Quacres. (HODGE, 2001, p. 46-

77). Em ensaios, como “Transcendendalism” (1839), atacou o Kantismo alemão, os Ecléticos

franceses e Ralph Waldo Emerson. (HOLIFIELD, 2002, p. 115) 129.

127 Pode-se dizer que a associação entre pregação e instrução foi um legado que Hodge recebeu dos primeiros puritanos Norte-americanos. Desde o período colonial, “[o] templo típico da Nova Inglaterra, à semelhança da sinagoga, sobre a qual foi conscientemente decalcado, começou por ser um lugar de instrução. Era aí que a comunidade aprendia os seus deveres.” (BOORSTIN, 1997, p. 23). 128 Em 1837, os presbiterianos criaram sua própria Junta de Missões estrangeiras, “que eventualmente começou a atuar em diversas regiões da Ásia, África e América Latina.” (MATOS, 2000, p. 57). 129 Em outra ocasião (1845), Hodge voltou sua atenção ao seminário Reformado alemão em Mercersburg, onde figuras importantes da época como Friedrich Rauch, Philip Schaff e John Williamson Nevin tinham introduzido o Idealismo Alemão, fazendo críticas acerca da indefinição da linguagem e o sistema místico que, em sua opinião, eles adotaram. (HOLIFIELD, 2003, p. 385).

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Em seus escritos sobre o princípio eclesiástico, sua definição de igreja130 o fez contrariar

não só aos de fora (os católicos131), mas também outras tradições de linha Reformada. Isso o separa, por exemplo, da antiga idéia puritana de que a igreja visível deveria consistir, tanto quanto possível, dos regenerados. Hodge admitiria novos membros – juntos com seus filhos – sempre que eles fizessem uma profissão crível da verdadeira religião e prometessem obediência a Cristo. A igreja visível não poderia “ler o coração” e tratar os candidatos conforme seu estado à vista de Deus. (HOLIFIELD, 2002, p. 119, tradução nossa).

As questões eclesiásticas ligadas aos sacramentos foram abordadas não só em seus escritos

contra a Igreja Católica, mas também em suas disputas com teólogos episcopais, luteranos e

batistas. Ele via os sacramentos (batismo e ceia) como selos do pacto da graça. O batismo

infantil, por exemplo, confirmava a posição da criança no pacto [de Deus] com os pais, enquanto

que a Ceia selava o pacto oferecendo aos crentes um meio de graça na qual o Espírito conferia a

“virtude e eficácia” da obra salvífica de Cristo. (HOLIFIELD, 2002, p. 121-122).

O quarto e último princípio abrangente, tratado por Hodge em seus escritos, diz respeito ao

Racionalismo e suas variações132. Certos debates - como aqueles sobre a doutrina da inspiração

bíblica ou sobre a validade do Darwinismo - eram vistos por Hodge como expressão de uma

questão mais profunda, o “princípio de autoridade”. Para ele, a autoridade da Razão em assuntos

religiosos era indevida, pois ela “punha em perigo a vitalidade da fé cristã, e nunca mudava de

opinião quanto a isso.” (HOLIFIELD, 2002, p. 123, tradução nossa).

Nos primeiros capítulos da sua Teologia Sistemática, Hodge afirma que a verdade era uma

unidade, e que as verdades da teologia “têm o mesmo status lógico que as verdades da ciência ou

filosofia, exceto que a teologia depende de uma revelação autoritativa.” (HOLIFIELD, 2002, p.

123, tradução nossa) 133. Para fundamentar essa superioridade, ele defendeu a doutrina da

infalibilidade da Bíblia. Fazendo distinção entre revelação (a comunicação do conhecimento) e

inspiração (a segurança de sua infalibilidade), ele afirmou a diferença entre a perfeição dos

130 Segundo Holifield, Hodge definiu a igreja visível como “uma sociedade organizada professando a verdadeira religião, unida pela adoração e disciplina, e sujeita à mesma forma de governo e tribunal. A igreja invisível consistia de todos os escolhidos, quem quer que fossem.” (HOLIFIELD, 2002, p. 119, tradução nossa). 131 Para Hodge, os Católicos defendiam algo próximo do erro oposto ao cometido por algumas tradições protestantes: definiram a Igreja essencialmente como uma organização externa e visível. Contra isso, afirmava: “Cristo certamente não morreu por alguma sociedade externa, visível, organizada.” (HODGE, 2001, p. 98). 132 Em sua Teologia Sistemática, Hodge destaca três deles: o deísta, o que crê exclusivamente na revelação por meio da Razão e o dogmático (HODGE, 2001, p. 26). 133 Na introdução da sua obra, no capítulo III (O Racionalismo), Hodge escreve, contra um dos tipos de Racionalismo, (o deísta) que o primeiro ponto a ser determinado na controvérsia “diz respeito à possibilidade de uma revelação supernatural.” (HODGE, 2001, p. 27).

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autógrafos originais da Bíblia (que estariam isentos de erros de quaisquer tipos) e as cópias

manuscritas posteriores, possuidoras de algumas discrepâncias (HODGE, 2001, p. 127) 134. A

avaliação dessas discrepâncias, no sistema de Hodge, é possibilitada por sua crença de que Razão

e Religião cristã não podem, finalmente, entrar em contradição. Isso significa, entre outras coisas, que práticas interpretativas mudariam de acordo com alterações no conhecimento científico, e Hodge adotou soluções familiares para reconciliar textos, como a narrativa da criação em Gênesis, com as descobertas da geologia moderna, especulando que os sete dias no relato [da criação] de Genesis poderiam ter sido eras ou que um tempo imenso poderia ter decorrido entre a criação do universo e a criação de Adão e Eva. (HOLIFIELD, 2002, p. 125, tradução nossa) 135

Embora nesse assunto a questão Racionalista não se mostrasse tão polêmica, havia outros

assuntos em que a supremacia racional era disputada. Isso porque, além das lentes científicas,

Hodge considerava como ainda mais importantes as lentes das confissões de fé Reformadas

(especialmente a de Westminster). Em seu confessionalismo, ele divergiu em muitos pontos do

pensamento teológico de então.

Para Hodge, as confissões não eram meros documentos históricos. Deveriam ser aceitas

“como contendo ‘o sistema de doutrina’ ensinado na Escritura – um sistema que correspondia à

versão de Princeton da ortodoxia calvinista – e fornecia o melhor guia para o sentido mais

profundo da Bíblia.” (HOLIFIELD, 2002, p. 127, tradução nossa). Isso o levou a desconfiar de

esquemas proféticos que afirmavam encontrar na Bíblia um guia detalhado para eventos futuros

(como a segunda vinda de Cristo ao mundo), como a idéia de que haveria um reinado de Cristo

sobre a terra antes do fim do mundo. “Sobre tais assuntos especulativos os teólogos profissionais

não falavam – ao menos, não em Princeton.” (HOLIFIELD, 2002, p. 128, tradução nossa).

Esses dois aspectos do pensamento de Hodge (o teológico-didático e o polêmico) estão

presentes no próprio título da matéria ensinada a Simonton em Princeton, logo em seu primeiro

ano como seminarista. Aliadas ao seu desejo natural de evangelizar o Brasil como missionário,

essas duas matérias, que tanto refletiram o caráter do seu influente professor, certamente foram 134 Segundo Holifield, antes de definirem a teologia de Princeton, essas formulações eram, na verdade, repetições de distinções já conhecidas na época. (HOLIFIELD, 2003, P. 379). 135 Hodge, em princípio, parece afirmar a consistência de algumas formas de teoria evolucionista com a crença em Deus. Em sua palestra sobre Darwinismo (“What Is Darwinism?”), escreveu, acerca da doutrina da Providência divina aplicada às mudanças naturais: “Esta doutrina não ignora a eficiência de causas secundárias; ela simplesmente afirma que Deus reina e as controla.” (HODGE, 2001a, p. 150, tradução nossa). Contudo, se para ele a Evolução era, de modo amplo, possível, não o era do modo proposto pelo Darwinismo, cuja principal falha, para Hodge, era a exclusão do desígnio tanto na origem de todas as espécies como no desenvolvimento dos organismos vivos. Nesses termos, a negação de tal desígnio “é, virtualmente a negação de Deus.” (HODGE, 2001a, p. 152, tradução nossa). Ele afirmou essencialmente o mesmo em sua Teologia Sistemática (ver HODGE, 2001, p. 494-499).

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muito importantes em sua formação, a julgar pelo estilo didático dos seus sermões, bem como o

tom polêmico observado nos mesmos.

3.3 Os sermões Reformados e os sermões do tempo de Simonton

Pode-se dizer que a tradição sermônica Reformada (como distinta da tradição Luterana)

começou em 01 de janeiro de 1519, quando Huldrych Zwinglio começou a expor o Evangelho de

Mateus verso a verso como sacerdote do povo na Grossmuster em Zurique. “Sua introdução do

sermão expositivo substituiu o costume de pregar usando porções selecionadas do calendário

litúrgico.” (FORD, 2001, p.65, tradução nossa). Entre 1519 e 1522, ele pregou séries de sermões

“que cobriram o Evangelho de Mateus, o Livro de Atos e um número de epístolas Paulinas e

Católicas.” (FORD, 2001, p.68, tradução nossa). Seu sucessor, Heinrich Bulinger, é

surpreendente. “No curso de seus quarenta e quatro anos de ministério como antistes (pastor) da

igreja de Zurique, ele pregou entre 7.000 e 7.500 sermões, cobrindo cada livro do Antigo e do

Novo Testamentos.” (FORD, 2001, p.68, tradução nossa).

João Calvino seguiu pelo mesmo caminho. Teodoro Beza (1519-1605) “estimou que

Calvino pregou por volta de 286 sermões num ano. Durante todo o seu ministério em Genebra,

ele pregou quase 4.000 sermões.” (FORD, 2001, p.68, tradução nossa). Essa prática, chamada de

Expositiva, teve sua origem na Patrística. Orígenes, por exemplo, fez exposições de quase toda a

Bíblia, livro por livro, e por volta de 500 homilias sobreviveram. “Igualmente Ambrósio,

Agostinho, Crisóstomo e outros pregaram séries de sermões do mesmo modo.” (ACKROYD, P.

R.; EVANS, G. F., 2008, p. 572, tradução nossa).

Embora no século 16 nem Calvino e nem Zwinglio tivessem escrito manuais sobre

pregação, suas prédicas serviram inicialmente como modelos (FORD, 2001, p.75). Contudo, nas

obras mais influentes de autores reformados posteriores, como Decades, de Heinrich Bullinger e

Arte of Prophesying, de William Perkins, os exemplos de sermões nelas apresentados “eram

tópicos em vez de expositivos, cobrindo os lugares-comuns da teologia cristã.” (FORD, 2001, p.

76, tradução nossa). Assim, mesmo seguindo o estilo simples dos primeiros reformadores, os

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puritanos ingleses desenvolveram uma espécie de pregação temática pautando-se, especialmente,

pelo influente manual de Perkins.136

Segundo Witham (2007, p.10-11), havia dois tipos de pregação no início da América

colonial. Um mais ornado, ecoando o livro de orações da igreja Anglicana. O outro era o de

“estilo simples” (“plain style”), adotado pelos Puritanos e consolidado no manual de Perkins137,

que estabelecia quatro momentos de um verdadeiro sermão: 1ª) Ler o texto das Escrituras; 2ª)

Explicar seu significado, após ter sido lido, à luz das próprias Escrituras; 3ª) Coletar uns poucos e

proveitosos pontos de doutrina do sentido natural da passagem; 4ª) Aplicar a doutrina explicada à

vida e à prática da congregação em fala simples e direta138. Esse formato “influenciaria a retórica

Americana por um século ou mais.” (WITHAM, 2007, p. 11, tradução nossa) 139.

Nos Estados Unidos do século 19, a introdução do estudo da retórica se confunde, em

parte, com a arte da pregação (homilética). Muitos dos destacados retóricos do período -

incluindo homens como Witherspoon, Adams, Goodrich, Channing e Porter, “foram também

homiletas. A definição mais amplamente aceita, além disso, considerou-a [a homilética] como um

ramo especial ou aplicação da retórica." (HOSHOR, 1954, p. 144-145, tradução nossa). Quanto

ao modo de pregação da época (se mais lido ou oralizado) houve certo equilíbrio inicialmente.

Porém, à medida que o século avançava, a ênfase caiu sobre a oralidade, por força do clima

emocional dos avivamentos, que favorecia ao que fizesse um discurso mais direto, sem lançar

mão de anotações. Livros como Hints on extemporaneous preaching (1826), de Henry Ware,

sobre pregação espontânea (sem anotações) foram escritos nessa época,

136 Essa obra, publicada primeiro em latim (1592) e traduzida para o inglês em 1606, “ofereceu o primeiro manual de pregação feito por um Protestante inglês.” (FORD, 2001, p. 73, tradução nossa). A obra completa está disponível em http://www.monergism.com/thethreshold/sdg/perkins_prophesying.html. (Acesso em 15 de junho de 2012). Sendo o primeiro manual Reformado de pregação, seria esperado que usasse sermões de Calvino e Zwinglio como modelo. Porém, a ênfase do manual é mais hermenêutica do que homilética. Nada diz sobre modelos de pregação (ver, por exemplo, o capítulo V, Principles for expounding Scripture) deixando assim uma lacuna mais tarde preenchida pelo sermão temático, que difere do homônimo Católico-romano por seus princípios hermenêuticos (em lugar do sentido quádruplo das Escrituras, faz uso da tríplice analogia da fé, do contexto particular e da comparação com outras passagens. Ver, para isso, o tópico IV do manual, The interpretation of Scripture). 137 Segundo Boorstin, esse manual “podia ser encontrado em quase todas as bibliotecas nos primeiros tempos da Nova Inglaterra.” (BOORSTIN, 1997, p. 22). 138 No modelo de Perkins, que compõe o que foi chamado mais tarde de “Escolasticismo Puritano”, “o pregador assume que os textos da Bíblia revelam-se por si mesmos claros, literal e factualmente. Portanto, o papel do pregador era o de simplesmente dar o texto, explicar sua clara doutrina e fornecer uma ‘aplicação’ para a vida. O sermão simples era algo extremamente lógico, famoso por suas divisões e subdivisões. Foi talvez a mais extrema versão européia do slogan Reformado sola scriptura, ou somente as Escrituras.” (WITHAM, 2007, p. 11, tradução nossa). 139 “A simplicidade da vida rural, a homogeneidade e pequenez da comunidade e a força da ortodoxia nesses primeiros anos contribuíram para tornar o estilo chão [plain style] ainda mais simples e viril na América.” (BOORSTIN, 1997, p. 23).

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[...] e a maioria das autoridades desse tempo aceitava a crença de que a elocução espontânea é, para a maioria das pessoas, o mais desejável. Ware enfatizou a gravidade como o problema central para a elocução efetiva. A animação nos modos surgirá, ele disse, se o orador estiver plenamente impregnado com o seu assunto. (HOSHOR, 1954, p. 148, tradução nossa) 140.

Para Coleman, porém, se havia algum encanto nos sermões daquela época ao serem

ouvidos, esse atrativo não era tão perceptível após o processo de revisão para publicação. De

modo geral, “eles não tinham nem o rigor intelectual dos tratados teológicos nem as interessantes

narrativas dos períodos dos romances religiosos.” (COLEMAN, 2010, p. 522, tradução nossa) 141.

O estudo da pregação (homilética) esteve presente no primeiro ano dos estudos de

Simonton142. Segundo Johnson, os tratados homiléticos norte-americanos do século dezenove

cobriam um conjunto-padrão de tópicos: As metas morais da pregação; a necessidade de caráter

moral do pregador; os materiais do sermão; a estrutura do sermão; a natureza da persuasão e sua

aplicação à pregação; a natureza do argumento e sua aplicação ao sermão; as maiores qualidades

do estilo; e as técnicas de transmissão. (JOHNSON, 1991, p. 271).

Em meados do século 19, o escritor presbiteriano Robert Baird apresentou aquelas que

seriam as 10 características gerais da pregação nos Estados Unidos na época: 1. Simples: aborda um assunto pela visão mais óbvia e natural; 2. Séria: sente a gravidade de falar aos pecadores sobre o estado de suas almas; 3. Enfática quanto a uma reconciliação imediata com Deus; 4. Altamente doutrinária; 5. Sistemática ou consecutiva; 6. Filosófica, isto é, “fundada num conhecimento das faculdades e poderes da mente humana e dos princípios

que governam suas operações.” (BAIRD, 1844, p. 194-195, tradução nossa). 7. Franca, isto é, falando “ao coração e à consciência, bem como ao entendimento.” (BAIRD, 1844, p. 194,

tradução nossa). 8. Fiel, ou seja, ela não leva em conta a importância social ou econômica dos seus ouvintes, mas mantêm-se

apegada ao ensino bíblico (BAIRD, 1844, p. 194-195).

140 Segundo Ware, na pregação espontânea "existe um calor mais natural na declamação, mais ardor no discurso, maior animação nos modos, mais da iluminação da alma no semblante e em toda a aparência, mais liberdade e significado no gesto;” (WARE, 1826, p. 6, tradução nossa). Sobre a influência desse tipo de sermão, Baird afirmou, em 1844, que “uma grande proporção de clérigos presbiterianos [...] nem escreve seus sermões completamente, nem lê qualquer parte considerável deles. Poucos, no entanto, de qualquer igreja, confiam seus sermões à memória; a grande maioria dos tais, como não escreve por extenso seus discursos, estuda cuidadosamente os assuntos deles, e geralmente anota os tópicos principais a serem usados no púlpito, conforme inclinação de gosto e hábito.” (BAIRD, 1844, p. 101, tradução nossa). 141 A mesma impressão teve Ribeiro, comentando os sermões de Simonton: “Deve ter sido pessoa de grande encanto pois, lidos hoje [...] são dissertações teológicas que não chegam a fascinar [...]” (RIBEIRO, 1987, p. 122). 142 Infelizmente, não foi possível encontrar informações específicas sobre o manual de homilética era adotado no período em que Simonton estudou em Princeton (1855-1858). Sabe-se que seu professor William Green era responsável por esse departamento desde 1851 (PAULUS, Jr., 2007, p. 245, tradução nossa) e que, durante o período em que Simonton foi seminarista, a biblioteca recebeu doações significativas: em 1855, uma coleção especial de materiais foi doada, “Mas a biblioteca, Green enfatizou, era muito dependente de ‘doações irregulares e casuais.’” (PAULUS, Jr., 2007, p. 245, tradução nossa).

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9. Prática, falando não só aos não-convertidos para que se arrependam, mas também exortando os crentes a que cresçam na graça (BAIRD, 1844, p. 195).

10. Que fala muito sobre a obra do Espírito143.

A julgar por essas características, Simonton, com seus sermões, representa bem sua

geração. Porém, embora seu sermão tenha forte teor didático entre os brasileiros, esse aspecto

estará a serviço da conversão de pessoas à fé protestante e da polêmica com a Igreja Católica.

3.4 A imprensa norte-americana no tempo de Simonton

Atualmente, é bem conhecido o fato de que Reforma Protestante deve muito à invenção da

imprensa, ou que “a explosão da Reforma coincide com uma importante revolução dos meios de

comunicação.” (GILMONT, 1999, p. 47-48). Um bom exemplo dos benefícios dessa revolução

para os cristãos protestantes pode ser observado pelo número de edições da Bíblia na época. Só a

versão alemã de Lutero “chega a mais de 400 reedições totais ou parciais antes de sua morte em

1546.” (GILMONT, 1999, p. 49-50). De 1546 a 1580 o editor de Lutero em Wittenberg, Hans

Lufft, sozinho, “produziu mais 36 edições. De fato, Lufft foi responsável pela distribuição de não

menos que 100.000 cópias de vários textos bíblicos de 1534 a 1574.” (FISCHER, 2003, p.227). A

invenção de Gutenberg passou por sucessivas melhorias e se espalhou pelo mundo, amplificando

o processo de comunicação. Por volta de 1500, mais ou menos 1.700 máquinas de impressão em mais de 250 centros de impressão tinham já publicado aproximadamente 27.000 títulos conhecidos em mais de dez milhões de cópias. Em apenas duas gerações, as várias dezenas de milhares de leitores tinham aumentado para várias centenas de milhares. Nas últimas cinco centenas de anos, nada contribuiu mais para a sociedade do que a invenção da imprensa. (FISCHER, 2003, p.87).

Nos Estados Unidos, por volta de 1816, os americanos tinham começado a manufaturar

equipamentos de impressão. Por volta de meados do século 19, “400 firmas de publicação, 3.000

livreiros e mais de 4.000 empresas de impressão produziam textos disponíveis por toda a

América.” (BROWN, 2004, p.47, tradução nossa). Isso fez com que se fabricassem livros tão

baratos, “que quase todas as edições dos escritos Europeus eram impressos nos Estados Unidos, e

143 "Não conheço nenhuma ideia que tenha sido mais dominante nas igrejas Americanas nos últimos cinqüenta, ou antes, pelos últimos 100 anos, do que aquela da importância do ofício e obra do Espírito Santo. A necessidade em que o mundo se encontra das operações deste Agente santo, a indispensabilidade de sua co-operação na pregação do Evangelho e o uso de todos os meios para efetuar a salvação dos homens, junto com a promessa graciosa desse grande dom após a ascensão do Salvador crucificado e exaltado, são temas que o ministério das igrejas evangélicas na América freqüentemente enfatiza, e isso não ocorre em vão." (BAIRD, 1844, p. 195, tradução nossa).

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uma pesquisa do Senado em 1822 mostrava que o negócio do livro americano tinha aumentado

entre 2 e 3 milhões de dólares anualmente.” (APPLEBY, 2000, p.99, tradução nossa).

Os evangélicos americanos, embora divididos em linhas denominacionais, “participaram de

uma cultura impressa vagamente organizada que constituiu uma alternativa aos usos ‘não-

evangélicos’ da imprensa...” (BROWN, 2004, p.33, tradução nossa) 144. No tempo de Simonton,

os romances eram uma grande ameaça. Os clérigos americanos normalmente lembravam aos

leitores de que os romances “tinham um efeito degradante sobre a moral; pior, seu afastamento da

verdade fazia com que eles jogassem de modo promíscuo com a imaginação.” (APPLEBY, 2000,

p.178, tradução nossa) 145 “Os editores americanos introduziram apenas 90 títulos de ficção de

1774 a 1820. Entre 1840 e 1850, 800 títulos de ficção foram lançados; em 1855, os romances

alcançaram mais da metade dos livros publicados.” (BROWN, 2004, p.50-51, tradução nossa).

Apesar da oposição religiosa aos romances por parte dos clérigos, os editores evangélicos

não pensavam exatamente do mesmo modo e logo aprenderam a competir com o apelo emocional

dos romances publicando relatos de cristãos piedosos, que inundaram a imprensa nas décadas de

1820, 1830 e 1840. “Assim como os Republicanos Jeffersonianos em sua campanha contra os

Federalistas, as muitas denominações da América voltaram-se para o material impresso, com o

fim de manter sua rede de organizações.” (APPLEBY, 2000, p. 217, tradução nossa).

Importações de ficção inglesa abundavam nos Estados Unidos após a Independência, mas os Americanos logo começaram a produzir seu próprio entretenimento impresso para satisfazer seu insaciável apetite por diversão. Começando com um gotejamento de romances em 1785, a lista cresceu para um total de 172 nos quarenta anos seguintes. Por volta de 1824, vinte títulos Americanos eram publicados a cada ano, muitos deles escritos por mulheres da primeira geração. (APPLEBY, 2000, p.99, tradução nossa).

Usando várias estratégias, as instituições evangélicas americanas cresciam constantemente

durante a primeira metade do século 19. Em 1791 a população dos Estados Unidos totalizava 4 milhões, sendo de 5-10 por cento, ou menos que 400.000 pessoas, pertencentes a alguma igreja. Por volta de 1870, 40 milhões de pessoas habitavam nos Estados Unidos, sendo que mais ou menos 30 por

144 Houve alguns esforços conjuntos entre os evangélicos americanos, que cruzavam linhas denominacionais e buscavam pontos comuns. Organizações como “The American Bible Society (ABS) (1816) American Sunday School Union (ASSU) (1824), and American Tract Society (ATS) (1825), todos filhos da London Religious Tract Society (1799), traziam unidos membros de várias denomininações.” (BROWN, 2004, p.39, tradução nossa). 145 Embora admitisse que Cristo tivesse usado parábolas para excitar curiosidade e despertar simpatia, certo clérigo resumiu os males dos romances como “‘a onipotência do amor sobre todas as obrigações’ e ‘a extravagância da paixão pecaminosa representada como o efeito da sensibilidade afável’. A pior coisa sobre romances, ele pensava, vinha de sua mistura de virtudes e vícios no caráter humano, mas sua crescente popularidade era o que certamente mais o preocupava.” (APPLEBY, 2000, p.178-179, tradução nossa).

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cento, ou 12 milhões de Americanos, eram afiliados a alguma igreja cristã. (BROWN, 2004, p.37, tradução nossa).

O uso da imprensa pelas diversas afiliações demonstrou boa parte dos esforços de

crescimento entre elas. 146 Porém, muitas vezes as igrejas conseguiram crescer “abanando as

chamas da controvérsia religiosa.” (BROWN, 2004, p.37, tradução nossa). A cultura impressa

Americana “tornou-se parte de uma identidade nacional enraizada na livre e agressiva troca de

opinião.” (APPLEBY, 2000, p.241, tradução nossa). Os conteúdos dos jornais variavam entre

disputas denominacionais, como a ocorrida entre os Congregacionais liberais e os Calvinistas da

Nova Inglaterra. Porém, os ódios mais lucrativos vinham dos ataques Protestantes contra os

Católicos, embora estes, por sua vez, também tivessem fundado sua revista, a United States

Catholic Miscellany, em 1822, “devotando a maioria do seu espaço a responder acusações anti-

Católicas virulentas.” (APPLEBY, 2000, p.218, tradução nossa). No tempo em que Simonton era

adolescente, “debates sobre doutrina, política e prática, que tiveram seu ponto alto dos anos de

1840 a 1860, produziram amargas divisões, mesmo entre denominações que afirmavam sua

identidade como evangélicas.” (BROWN, 2004, p.37, tradução nossa). O volume crescente de

livros na primeira metade do século 19 pode dar uma ideia da circulação de informações e da

liberdade de expressão no tempo de Simonton. Em 1804, os editores Americanos ofereciam

aproximadamente 1.300 títulos para venda. “De 1820 a 1850, ao menos 25.000 títulos

circulavam, aproximadamente o mesmo número de obras que o total publicado durante todo o

período de 1639-1791.” (BROWN, 2004, p.48, tradução nossa).

Simonton foi influenciado não só por esse clima, marcado, de modo especial, pela liberdade

de opinião e pela polêmica, como também, de modo mais amplo, pelo uso da imprensa como

recurso religioso, desde os tempos da Reforma protestante. Entretanto, ele sabia como isso seria

diferente no Brasil do século 19, oficialmente um país Católico-Romano.

146 Juntamente com revistas e panfletos, rapidamente surgiram várias publicações, como Christian Advocate, Christian Disciple, Christian Examiner, Christian’s Magazine, Christian Messenger, Christian’s Watchman, e Christian’s Spectator. “Por volta de 1827, trinta jornais religiosos enviaram 7 milhões de edições anualmente para 60.000 lares.” (APPLEBY, 2000, p.218, tradução nossa).

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72

3.5 Simonton no Brasil

3.5.1 As leis e o Catolicismo da época

Simonton desembarcou no Brasil em 12 de agosto de 1859, aos 28 anos, solteiro, formado

em teologia, recém-saído dos avivamentos americanos e disposto a trabalhar para a fundação da

Igreja Presbiteriana num país católico. Os limites do seu trabalho no Brasil já estavam fixados,

até certo ponto, pela constituição brasileira de 1824, válida em seu tempo. A antiga tradição

regalista existente entre a Igreja e o Estado foi mantida por meio do texto constitucional, em seu

artigo 5º., que definia a relação entre os dois poderes e os limites da liberdade de culto para não-

Católicos: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas

as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso

destinadas, sem forma alguma exterior de templo.” (NOGUEIRA, 1999, p. 80). Por outro lado, o

Imperador continuaria exercendo o seu padroado147. No artigo 102.II, entre suas atribuições, está

a função de “nomear bispos e prover os benefícios eclesiásticos.” (NOGUEIRA, 1999, p. 93).

O texto também estabelecia limites à participação na vida política, conforme o artigo 95.III:

“Todos os que podem ser eleitores, são hábeis para serem nomeados deputados. Excetuam-se [...]

os que não professarem a religião do Estado.” (NOGUEIRA, 1999, p. 92). No entanto, esses

limites permitiam outras atividades discretas, mas importantes para a difusão do protestantismo,

como a colportagem. Apesar da limitada liberdade de ação, os metodistas Daniel P. Kidder e

Justin Spaulding desempenharam importante papel na propagação do Evangelho; “esses

missionários foram os pioneiros na evangelização do povo brasileiro. Durante os anos de 1837 a

1841, desenvolveram o trabalho percorrendo diversas cidades, distribuindo bíblias e

evangelizando.” (SANTOS, 2009, p. 24).

147 Padroado: Uma prerrogativa da Coroa portuguesa “baseada no fato de o rei ser grão-mestre de três tradicionais ordens militares e religiosas de Portugal: a de Cristo (a mais importante), a de São Tiago da Espada e a de São Bento, a partir de 1551.” (HOORNAERT, 1982, p. 12). Esse direito “foi cedido pelo papa ao rei português com a incumbência de promover a organização da Igreja nas terras ‘descobertas’, de sorte que foi por intermédio deste Padroado que a expansão do catolicismo no Brasil foi financiada.” (HOORNAERT, 1982, p. 12). Houve, no decorrer da história, “uma convergência de sucessivos papas em conceder privilégios aos reis católicos, com o objetivo de torná-los aliados na Igreja na luta contra heresias e a ameaça protestante.” (NOMURA, 2011, p. 19-20). Esse direito “surgiu como um pacto entre a Igreja e a Coroa, que, de acordo com vários estudos, nunca foi ausente de conflitos. No Brasil colonial havia desentendimentos de ordens diversas como disputas por áreas de jurisdição, o custo dos serviços religiosos, além das que envolviam a fiscalização régia.” (NOMURA, 2011, p. 23).

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Ao tempo de Simonton, o protestantismo era propagado nos contatos face a face por agentes das sociedades bíblicas; protestantes estrangeiros praticavam seus cultos segundo os direitos de capelania e de imunidade ao Tribunal da Inquisição definidos para os ingleses desde o início do século, com D. João VI; havia vida religiosa no cotidiano das colônias de imigrantes trazidas pelo Estado brasileiro já no pós-1822; mas não havia igreja protestante organizada, missionária, nem facilidade para a realização da agenda religiosa protestante no público ou no privado. (HILSDORF, 2000, p. 32).

Por causa das leis do Império, evitava-se discordar abertamente do Catolicismo. No entanto,

a Constituição permitia a liberdade de expressão (o que favorecia o protestantismo), conforme

artigo 179, IV: “Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-

los pela Imprensa, sem dependência de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos

que cometerem no exercício deste Direito, nos casos e pela forma que a Lei determinar.”

(NOGUEIRA, 1999, p. 103). O artigo seguinte, ao menos em parte, protegia a liberdade de

culto: “Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e

não ofenda a moral pública.” (NOGUEIRA, 1999, p. 103).

A Igreja Católica, por sua vez, apresentava desde o início do período imperial pontos

sensíveis de fraqueza que a tornavam vulnerável, espiritual, política e economicamente.

Espiritualmente, sofria com doutrinas heterodoxas. O próprio clero católico estava minado

“pelas ideias iluministas e, em grau talvez maior, pelo jansenismo de tendência galicana. O clero,

nos seus níveis mais altos, interessava-se mais pela política e cultivo do espírito do que pela

religião.” (MENDONÇA, 2001, p. 39) 148. Esse clero liberal “alimentava ideias favoráveis a uma

reforma da Igreja, no sentido de torná-la uma igreja brasileira à semelhança da Igreja da

Inglaterra.” (MENDONÇA, 2001, p. 39-40) 149. Politicamente, por causa do controle do Estado,

“o uso e o abuso do direito de padroado da Coroa enfraqueceu ainda mais a independência da

Igreja150. Esse enfraquecimento político é exemplificado pela subserviência da maioria do clero

ao Governo, em troca de cargos públicos.” (VIEIRA, 1980, p.27). “O Regime do padroado

colocava-a sob o poder de um governo liberal e até mesmo anticlerical, como, por exemplo, na

148 “Embora a atuação dos clérigos na política tenha decrescido a partir da década de 1850, parte significativa do clero continuava a compor os quadros da burocracia do Estado e também da eclesiástica, paralela à do Estado Imperial.” (FEITOZA, 2012, p. 15). 149 Simonton tinha em comum com esses católicos liberais “a ideologia do progresso e do individualismo.” (HILSDORF, 2000, p. 35). 150 O distanciamento entre a Igreja brasileira e a romana e as possibilidades de intervenção do poder imperial sobre a estrutura eclesiástica, “expressavam as inconsistências dessa relação entre Estado e Igreja no Brasil.” (FEITOZA, 2012, p. 15).

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Questão Religiosa” (MENDONÇA, 2001, p. 39) 151. A condição econômica da Igreja na época

estava ligada intimamente à anterior. Todo o clero, do Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil até

o padre da paróquia mais pobre, “era pago pelo Estado. As côngruas tendiam a ser mesquinhas e

permaneceram as mesmas por diversas décadas, a despeito da inflação e de um aumento

constante no custo de vida.” (VIEIRA, 1980, p. 27).

Ao desembarcar na capital do Império, em 1859, [...] o quadro geral parecia ser favorável às ações missionárias protestantes: imigrantes protestantes haviam se espalhado pelo centro-sul e pelo sul do Brasil, a Bíblia já não era mais um livro totalmente desconhecido e o trabalho dos Kalley em Petrópolis mostrava sinais de crescimento. As reformas empreendidas pelo Estado Imperial nas décadas de 1850, 1860 e 1870 tornavam o Brasil e, mais especificamente, a Corte, um território relativamente mais aberto à introdução e expansão do trabalho protestante. (FEITOZA, 2012, p. 36).

Contudo, apesar de suas fraquezas, a Igreja ainda contava com uma ala conservadora e

combativa. Segundo Feitoza, havia um movimento que buscava reafirmar o primado da religião

sobre a política (combatendo avanços modernos, oriundos da Revolução Francesa), bem como o

primado da Igreja. Com tais posições, o movimento procurava estabelecer a autonomia do

catolicismo frente ao Estado laico, “a centralidade e infalibilidade do Papa como principal

autoridade eclesiástica, recusando assim o padroado, o regalismo e a ideia do beneplácito.”

(FEITOZA, 2012, p. 17). Esse confronto entre o Vaticano e o regalismo “teve lugar destacado na

abertura do sistema religioso às denominações evangélicas.” (RIBEIRO, 1973, p. 34).

Além da sua divisão interna, “devemos juntar certa incapacidade física da Igreja para

atender às necessidades religiosas de uma população escassa e esparsa por um grande território.”

(MENDONÇA, 2001, p. 40). “[A]s dioceses eram poucas, havia ausência de padres, os conventos

andavam vazios... e a postura dos católicos diante dos colportores e pastores era de curiosidade,

interesse e certa indiferença.” (HILSDORF, 2000, p. 42).

3.5.2 A imprensa brasileira no tempo de Simonton

A imprensa brasileira surge relativamente tarde. Sabe-se que, já em 1535, se imprimiam

livros na Cidade do México. “Da Nova Espanha a arte tipográfica é levada, ainda em fins do

século 16, para Lima, datando de 1584 a autorização para se estabelecer oficina impressora na 151 De modo resumido, pode-se dizer que a “Questão Religiosa” foi “uma colisão do galicanismo, jansenismo, liberalismo, maçonaria, deísmo, racionalismo e protestantismo, todos vagamente ‘aliados’ contra o conservantismo e ultramontanismo da Igreja Católica do Século XIX.” (VIEIRA, 1980, p.27).

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capital peruana.” (HOLANDA, 1995, p. 119-120). A primeira tentativa de fundar uma tipografia,

no Recife, em 1706, foi sob os auspícios do governador Francisco de Castro Morais. A ideia era

imprimir letras de câmbio e orações devotas. Por causa de uma Carta Régia de 8 de junho do

mesmo ano, a tentativa não logrou êxito152. Mais tarde, em 1747, aparece no Rio de Janeiro, para

logo depois ser fechada, a oficina de Antônio Isidoro da Fonseca. (HOLANDA, 1995, p. 120) 153.

Só no início do século 19 a imprensa surgiria, finalmente, no Brasil, “sob proteção oficial,

mais do que isso: por iniciativa oficial -, com o advento da Corte de D. João.” (SODRÉ, 1999,

p.19). O início foi tímido, regulado pelo governo e limitado apenas a divulgar assuntos

administrativos do seu interesse. O controle da iniciativa real caberia a uma junta, que examinaria

papéis e livros a serem publicados para que nada fosse dito contra a religião, o governo e os bons

costumes. “Era a censura. Nada se imprimia sem o exame prévio dos censores reais, frei Antônio

de Arrábida, o padre João Manzoni, Carvalho e Melo, e o infalível José da Silva Lisboa.”

(SODRÉ, 1999, p. 19). Dessa oficina, a 10 de setembro de 1808, “saiu o primeiro número da

Gazeta do Rio de Janeiro.” (SODRÉ, 1999, p. 19).

Aos poucos, a imprensa foi se expandindo no Brasil até que, em 1862, na Corte “existiam

32 tipografias e três fundições de tipos” (SANTOS, 2009, p. 41). Nesse tempo, já havia

publicação de artigos protestantes em jornais como os do missionário Kalley, no Correio

Mercantil (aproximadamente trinta e cinco artigos, de outubro de 1855 a dezembro de 1866) e no

Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro (VIEIRA, 1980, p. 132). Todo esse avanço, junto com o

interesse da população pelos artigos publicados, atraiu a atenção de Simonton. Segundo Vieira, o

missionário ficou surpreso com o que lia nos periódicos cariocas. Naquele tempo não havia ataques jornalísticos ao protestantismo, mas por outro lado, havia uma porção de insultos contra os ultramontanos, contra a Igreja Católica e contra o “papismo”, como ele dizia. Ainda mais, parecia-lhe que a opinião pública “estava se inclinando a uma liberdade religiosa ainda maior” do que aquela de que se usufruía. (VIEIRA, 1980, p. 137).

152 A Carta Régia “[d] eterminava que se devia ‘sequestrar as letras impressas e notificar os donos delas e os oficiais de tipografia que não imprimissem nem consentissem que se imprimissem livros ou papéis avulsos’. Essa iniciativa pioneira tem significação meramente cronológica, pois não teve nenhuma função efetiva, nem a suspensão de sua atividade despertou atenção.” (SODRÉ, 1999, p.17). 153 Para Holanda, “Os entraves que ao desenvolvimento da cultura intelectual no Brasil opunha a administração lusitana faziam parte do firme propósito de impedir a circulação de ideias novas que pudessem por em risco a estabilidade de seu domínio.” (1995, p. 121).

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Em 1864, Simonton percebeu ser hora de fundar a primeira publicação periódica evangélica

de toda a América Latina, o jornal Imprensa Evangélica. Ele e seus companheiros, Conceição e

Blackford, fundaram um periódico, quinzenal154 inicialmente voltado aos grandes centros. O jornal de Simonton era um órgão de propaganda evangelística que visava alcançar, sobretudo às camadas mais cultas da população e teve boa aceitação junto a certos grupos, particularmente liberais, maçons e alguns membros do clero. Seus editoriais e artigos visavam comunicar as principais ênfases da fé evangélica, mostrar os benefícios éticos e sociais do protestantismo e comentar as questões políticas e religiosas mais salientes da época. O periódico também não se furtava à polêmica religiosa, travando vigorosos debates com o jornal católico O Apóstolo. (MATOS, 2000, p. 66).

O jornal também visava às populações interioranas. Muitos números foram enviados para o

interior de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais “e eram também vendidos ou distribuídos

gratuitamente para quem demonstrasse interesse em sua posse ou se declarasse protestante.”

(FEITOZA, 2012, p. 70). Os católicos protestaram. Porém, “[a] confirmação da não-interferência

do governo na publicação do periódico fez que seus redatores assumissem, aos poucos, uma

postura mais agressiva contra a Igreja Católica e seus dogmas.” (SANTOS, 2009, p. 134).

3.5.3 A questão das Bíblias falsificadas

A preocupação com a polêmica religiosa marcou não apenas as pregações de Simonton,

mas também as prédicas de todos os pioneiros presbiterianos. Antes da chegada de Simonton, o

contexto religioso brasileiro já era de polêmica entre católicos e protestantes. Um dos pontos

centrais era a autoridade da Bíblia que, naquela circunstância, estava fortemente associada à

versão oficialmente aceita: a latina, traduzida para o português pelo Padre Figueiredo.

Quando o protestantismo começou a ser introduzido entre os brasileiros, o povo, afeito a

considerar sagradas as Escrituras, era confrontado pelos evangélicos com pronunciamentos

bíblicos claros e opostos tanto à religião oficial como à popular. “O efeito, em muitos casos, foi

devastador. A única defesa encontrada pelo clero foi a alegação de que as ‘bíblias protestantes’

eram falsificadas.” (RIBEIRO, 1973, p. 77).

154 Embora a ideia inicial fosse a publicação semanal (SIMONTON, 2002, p. 168), logo os editores perceberam “que tal intuito seria impossível pela falta de recursos financeiros e humanos, reconhecidamente insuficientes para cobrir o volume de trabalho e gastos despendidos com tal iniciativa. Decidiram publicá-lo duas vezes por mês, no primeiro e no terceiro sábado de cada.” (FEITOZA, 2012, p. 74).

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Segundo Ribeiro, o primeiro a falar sobre Bíblias falsificadas no Brasil foi o arcebispo da

Bahia, Dom Romualdo, em 1839, como crítica ao trabalho constante das Sociedades Bíblicas na

difusão da Bíblia em países de religião Católica, como o Brasil155.

Porém, foi só em 1862 que outro arcebispo da Bahia, Dom Manoel Joaquim da Silveira,

procurou articular um trabalho de refutação da Bíblia protestante, sendo seu alvo principal a

tradução protestante de João Ferreira de Almeida, editada em Nova York e até hoje uma das mais

populares entre os protestantes brasileiros. Abaixo, seguem alguns exemplos das discrepâncias

apontadas entre as versões bíblicas católica e protestante: Além das observações relativas ao Canon, pela exclusão dos livros e de alguns capítulos apócrifos, refere-se a detalhes na própria tradução: em lugar de “cheia de graça” (da saudação do anjo a Maria), em graça aceita. “O capítulo 6º. Dos Atos dos Apóstolos tem um verso de mais”, e “ao texto foram acrescentadas as palavras por comum consentimento”. Em I Coríntios 9:27, em lugar de “castigo o meu corpo”, traz: subjugo o meu corpo. “O capítulo 5º. Da Primeira Epístola de S. João é talvez o que mais falsificado se acha, contém nada menos de oito alterações.” No verso 6, a Vulgata diz que Cristo é a verdade, mas Almeida que o Espírito é a verdade; “verso 10, na Vulgata se diz que quem crê no Filho de Deus tem em si o testemunho de Deus, e nesta Bíblia falsificada, que o tem em si mesmo”. (RIBEIRO, 1981, p. 143).

Apesar das respostas protestantes (como a do pastor Ricardo Holden, que residia na Bahia

em 1863), essa carta “deu início a uma mobilização ampla do clero romano contra a difusão da

Bíblia pelos protestantes.” (RIBEIRO, 1981, p. 146). Daí em diante, deu-se início a um “diálogo

de surdos”, com a difusão protestante das Bíblias “falsificadas” e o esforço católico em

desaconselhá-las, chegando até a promover sua incineração. (RIBEIRO, 1981, p. 150). Apesar

disso, a compra de bíblias “protestantes” continuou a expandir-se. “A polêmica continuou. Na

Imprensa Evangélica de 1882 ainda encontramos a sua efervescência.” (COSTA, 2009, p. 99) 156.

Simonton, conhecedor dessa, que continuaria mesmo depois da sua morte157, não parece

ter tido dificuldades com a situação. Antes, talvez tenha mesmo se beneficiado dela, já que, em

suas prédicas, usou a versão Católica da Bíblia (Vulgata), com o objetivo de criticar e refutar

doutrinas defendidas pela própria Igreja de Roma. Esse ponto será tratado de modo mais detido

no tópico 4.7. deste trabalho, A leitura bíblica de Simonton: marcada pela polêmica.

155 Para Ribeiro, a expressão Bíblias falsificadas, incisiva e de fácil apreensão, “se transformou em bandeira e arma contra a presença e a propagação da Bíblia e do protestantismo no País.” (RIBEIRO, 1981, p. 142). 156 O pastor Antônio Pedro de Cerqueira Leite escreveu, também em 1882, As Bíblias falsificadas, uma série de artigos sobre o assunto. (MATOS, 2007, p. 54). 157 A polêmica continuou. “Na Imprensa Evangélica [jornal fundado por Simonton] ainda encontramos a sua efervescência. (Ver, por exemplo, as seguintes edições de Imprensa Evangélica: 31.1.1882, p. 13; 28.2.1882, p. 28,29; 15.31882, p. 35; 30.3.1882, p. 42; 15.11.1882, p. 165-166; 15.12.1882, p. 180)” (COSTA, 2009, p. 99).

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4 Simonton como leitor da Bíblia

Como mencionado na primeira parte, serão analisados, neste último capítulo da pesquisa, os

sermões de Simonton.

A obra de Paul Ricoeur servirá para elaborar tópicos que reflitam a pré-figuração

simontoniana (influências simbólicas e culturais recebidas no Brasil e, especialmente, nos

Estados Unidos), percebidas em seus sermões, como seu modo de leitura bíblica fortemente

doutrinário, seu impulso conversionista, fruto da sua formação teológica e da influência dos

avivamentos religiosos do seu tempo, e também suas diferenças com a Igreja Católica.

A obra de Roger Chartier orientará a análise de aspectos “materiais” dos sermões e suas

implicações. Ela será útil para o estudo dos versículos bíblicos utilizados como pontos de partida

dos sermões do missionário, as divisões existentes nas prédicas e o uso feito por Simonton de

alguns recursos retóricos, como a grande quantidade de versículos citados durante os sermões.

Sua obra também será importante no levantamento de questões acerca dos possíveis critérios

usados por Blackford para a seleção que fez dos sermões de Simonton.

Finalmente, as três provas aristotélicas também contribuirão para a análise do discurso

escrito de Simonton como leitor, tanto ao estudar lógica interna como em relação à sua formação

discursiva, pelo estudo da sua teologia. Também serão levantadas algumas questões sobre a

dificuldade para se avaliar, num discurso escrito, a interação emocional (pathos) de Simonton

com seu público.

Os seguintes padrões básicos serão utilizados para classificar a leitura da Bíblia feita por

Simonton, nos sermões que escreveu: 1 – Uma leitura bíblica fortemente doutrinária; 2 – Uma

leitura bíblica moldada pela intenção de evangelizar; 3 – Uma leitura bíblica marcada pela

polêmica158. Tais divisões, no entanto, não são estanques, já que durante o estudo das prédicas é

possível identificar por vezes dois e até três desses padrões atuando de uma só vez. No entanto,

elas contribuirão para a análise, inclusive na medida em que um padrão se mostre de tal modo

que chegue a se destacar dos outros.

Essa abordagem será observada também no estudo das subdivisões desses três padrões

básicos, como, por exemplo, na análise das citações bíblicas feitas durante os sermões, que

158 Devo a identificação desses três padrões de leitura a Matos (MATOS, 2004a, p. 62-63).

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simultaneamente reforçam o caráter de Simonton como pregador confiável e criticam doutrinas

da Igreja Católica daquela época. Além disso, o mesmo princípio será usado para identificar as

provas aristotélicas nos sermões (logos, pathos e ethos), já que, nas prédicas escritas, embora a

lógica seja naturalmente a parte mais evidente do discurso, ocorre que tanto o pathos como o

ethos são estimulados, ora com propósitos de levar pessoas ao protestantismo, ora com propósitos

polêmicos ou apenas doutrinários.

Como exemplos da operação dos três padrões básicos citados acima, em sermões como

“Cristo, nosso substituto”, Simonton descreve com veemência os sofrimentos de Cristo na cruz,

para logo a seguir fazer a passagem, do fato relatado do sofrimento para a abordagem

conversionista, afirmando que isso aconteceu “só por amor de nós, pobres pecadores”.

(SIMONTON, 2008, p.57). O escárnio dos fariseus, os açoites dos soldados romanos, o suor de sangue no horto, o suplício da cruz, a ferida da lança feita pelo soldado romano, a traição de um apóstolo e o abandono dos demais e, sobretudo a agonia interior de sentir-se abandonado por seu Pai, eis o preço da salvação. Jesus o pagou em lugar de nós e por nós. (SIMONTON, 2008, p.61, grifo nosso).

Embora seja mais voltado para a evangelização, o sermão em questão não é muito

polêmico, apesar de ser contundente no pouco que fala sobre a Igreja Católica: Mas dir-se-á talvez: Os tesouros da Igreja, os merecimentos dos santos, o sacrifício da missa e as nossas boas obras são coisas que têm algum valor na obra da nossa salvação. É assim que muitos pensam, e em apoio de suas ideias alegam costumes, tradições e mandamentos de homens. Citam as opiniões de doutores, padres e concílios. Há, porém, uma coisa que não citam nem alegam, sendo esta a mais essencial. Não citam o evangelho de nosso Senhor, porque ali se vê contrariada em cada página a falsa doutrina deles. (SIMONTON, 2008, p.62).

Já em outros sermões, como “A caridade”, a crítica direta à Igreja Católica está ausente.

Simonton não discute o valor da diferença entre o amor no entendimento protestante e a caridade

no sentido católico159. Em apenas um momento, Simonton coteja essas duas palavras nas versões

bíblicas das duas igrejas (a versão protestante de Almeida e a do Pe. Figueiredo, que Simonton

usava em suas prédicas), no sermão A caridade, baseado em 1 Coríntios 13. No entanto, em vez

de favorecer a uma delas, ele parece apenas querer informar seu público e esclarecer o que quer

dizer: “[O amor] Não obra temerária nem precipitadamente (Almeida: Não trata

159 O que talvez chegue mais próximo disso pode ser encontrado no parágrafo final do sermão “Deus é Caridade”. Após mencionar alternadamente em seu sermão os termos caridade e amor, Simonton o encerra assim: “Mas a caridade de Deus não é semelhante ao amor interesseiro de que vemos tantos exemplos na terra. É sentimento sem mistura. É um atributo que não se explica senão dizendo – Deus é amor.” (SIMONTON, 2008, p.57). Mesmo assim, não há como afirmar com certeza se houve ou não intenção polêmica neste ponto.

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indecentemente).” (SIMONTON, 2008, p.62). Além disso, não se nota neste sermão o tom

evangelístico, mas sim, o doutrinário.160

Pelo próprio objetivo do seu trabalho no Brasil, a predominância geral dos sermões de

Simonton parece ser evangelística, isto é, tem o objetivo principal de levar pessoas ao

protestantismo presbiteriano. No entanto, para alcançar essa meta, Simonton fez intenso uso de

suas doutrinas e também da sua posição como pregador para atacar ensinos centrais da Igreja

Católica.

O missionário também fará uso de linguagem figurada em seus sermões. Algumas, por sua

força estruturante ou recorrência, guiam boa parte do seu discurso. Aparentemente, ele não criou

nenhuma figura importante, embora tenha feito uso inovador daquela que será considerada nesta

pesquisa como a metáfora-guia161 em sua visão geral como cristão e missionário: a figura do

peregrino, especialmente mediada pelo pensamento de John Bunyan. Os tópicos a seguir

exploram a hipótese de que essa figura não só moldou a vida e os escritos de Simonton, como

também foi, em certa medida, reconhecida por Blackford como editor dos sermões.

4.1 A importância da metáfora do peregrino para Simonton

Dentre as metáforas citadas nos sermões162, a do peregrino parece ser especial para

Simonton, tanto pelo que ele mesmo escreveu em seu diário, como também pelo número de

referências claras ou alusões encontradas na coletânea de Blackford.

O diário de Simonton mostra que ele próprio via-se como peregrino. Num momento de

grande alegria, já como missionário no Brasil, ele recebeu as primeiras notícias da sua casa

(15/07/1859). A recepção de um pacote com cartas foi para ele uma “festa para a alma”.

“Alegraram meu coração, aliviaram seu peso e deram-me forças para conviver com o que não

pode ser mudado. Mais duro do que estar separado dos amigos é não ter amigos cristãos cujas

orações acompanham o peregrino e alegram o seu caminho.” (SIMONTON, 2002, p. 128-129).

160 A ausência de críticas à Igreja de Roma pode ser percebida também em sermões como “O batismo de Jesus”, que contém basicamente instrução doutrinária sobre a consagração de Cristo durante seu batismo e a utilidade disso para a vida cristã. 161 Um levantamento sobre as vezes em que a figura do peregrino é citada ou aludida nos sermões (bem como sua relação com a metáfora homônima em John Bunyan) será feito no tópico a seguir. 162 Além do peregrino, as outras metáforas (que serão estudadas no tópico 4.6.2.) são as do Alvo, Cegueira e vista, o tesouro e A herança.

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Em seu diário, Simonton sugere mais uma vez a importância do tema do peregrino, desta

vez mencionando a obra e seu autor (John Bunyan) - ao lado de documentos importantes - como

livro-texto da sua primeira aula dada em língua portuguesa: No último domingo, dia 22, realizei uma Escola Dominical em minha própria casa. Foi meu primeiro trabalho em português. As crianças dos Eubanks estavam todas presentes, bem como Amália e Mariquinhas Knaack. A Bíblia, o catecismo de história sagrada e o Progresso do Peregrino, de Bunyan, foram nossos textos. (SIMONTON, 2002, p.140).

No registro seguinte do diário (01/05/1860), ele se admira da dificuldade de suas duas

alunas, que “acham difícil entender John Bunyan.” (SIMONTON, 2002, p. 141).

Em seu sermão O consolador, num dos poucos momentos da coletânea em que cita uma

obra além da Bíblia, Simonton escreve: Na Viagem do Cristão [outro título de O Peregrino] fala-se de um fogo aceso ao pé de uma muralha que, não obstante uma pessoa ocupar-se com muita presteza em lançar-lhe água para apagá-lo, se inflamava cada vez mais, lançando ainda mais altas as suas chamas. Cristão estava vendo este fato singular sem saber explicar como um fogo podia tornar-se mais ardente enquanto se lhe lançava torrentes de água. O seu companheiro, que era chamado Intérprete, levou-o para o outro lado do muro e fê-lo ver outro homem que tinha um grande vaso de azeite nas mãos e dele ocultamente e sem parar deitava no fogo. (SIMONTON, 2008, p. 107, 108).

No último sermão da coletânea, A vida eterna: em que consiste, Simonton usa dois termos

importantes no capítulo 12 (versos 1,2) da epístola aos Hebreus. Afirma que, para cristãos já no

paraíso celestial ou ainda vivendo aqui, “a carreira é a mesma. Deus é o alvo a que ambos se

dirigem.” (SIMONTON, 2008, p. 230, grifo nosso). Ele continua a usar linguagem própria do

capítulo 12 de Hebreus, como ao citar o “prêmio” daqueles que correm a corrida da fé

(SIMONTON, 2008, p. 230) e faz uma alusão a Hebreus 12:13, quando diz, sobre o cristão, que

“Jesus firma-lhe os passos vacilantes.” (SIMONTON, 2008, p. 230).

Não faz sentido, nesse ponto, perguntar se no parágrafo anterior o missionário está usando a

linguagem do apóstolo Paulo aos Filipenses 3:14163 para tratar da questão do prêmio que o cristão

receberá, pois Simonton declara, em alguns dos seus sermões, que foi o apóstolo Paulo quem

escreveu a Epístola aos Hebreus (SIMONTON, 2008, p. 49, 50, 91, 174). Por outro lado, essa

associação levanta questões importantes sobre até que ponto Simonton viu o próprio Paulo como

peregrino em seus sermões sobre as epístolas paulinas.

É possível que em sermões como O viver é Cristo, baseado na carta de Paulo aos Filipenses

1:21 (Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer lucro), a metáfora do alvo fixo e da mira fixa 163 Na versão da Bíblia do Padre Figueiredo: “Prosigo segundo o fim proposto ao premio da soberana vocação de Deos em Jesu Christo.”

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(SIMONTON, 2008, p.28, 29) sejam inspiradas não só em Filipenses 3:14, (prossigo para o

alvo), mas também em Hebreus 12.2: “[...] pondo os olhos no Autor, e consumador da fé, Jesus

[...]”. No sermão A fé e a visão, baseado em dois textos paulinos (2 Co 4:18 e 2 Co 5:6,7),

Simonton afirma que Hb 12:2 foi escrito por Paulo, que afirmou ser Jesus o autor e consumador

da fé. Sua explicação, retratando a fé como uma peregrinação, diz muito sobre como ele entendia

ser o pensamento do apóstolo: Quem contempla a Cristo pela fé facilmente consegue romper as prisões dos sentidos e da carne. Jesus nos deixou um exemplo perfeito. Não temos senão de trilhar o mesmo caminho por onde ele passou. Cada vez que vos sentirdes fracos e cansados, pedi a ele aumento de forças e prossegui avante. Sei como é difícil andar pela fé. Sei que, embora o espírito esteja pronto, a carne é fraca. Mas lembrai-vos da paciência de Jesus Cristo. Lembrai-vos dos santos que desde o princípio do mundo tem sempre havido. Entre todos eles não houve um só que não andasse pela fé por longos anos. (SIMONTON, 2008, p. 91, grifos nossos).

No sermão Cristo crucificado, baseado no texto paulino de 1 Co 1:22-25, Simonton usa a

metáfora da peregrinação como matriz para a intelecção de várias doutrinas apresentadas pouco

antes (a justiça e o amor de Deus, sua punição ao pecado e seu amor pelos pecadores, ao ponto de

entregar seu Filho à morte de cruz), e isso ao ponto de cobrir toda a vida cristã neste mundo: Vê-se a verdadeira significação da nossa vida sobre a terra. Somos peregrinos neste mundo. [...]. Enquanto estamos na carne, vivemos pela fé e temos em vista servir e glorificar Aquele que nos amou e nos salvou. Vê-se a utilidade das provações por que passamos, as quais têm por fim desapegar-nos cada vez mais do mundo, e experimentar e patentear a nossa fé. (SIMONTON, 2008, p. 209).

No sermão A vida eterna: em que consiste, baseado em João 3:36, nas palavras finais, que

encerram o último sermão da coletânea, há menção de um fraseado subordinado à ampla

metáfora do peregrino, “primeiro passo na senda”, expressando parte do seu dinamismo típico:

“O que crê, tem a vida eterna. Sabe em parte o que os santos sabem perfeitamente. Deu já o

primeiro passo na senda de um progresso ilimitado. É da família de Deus. É herdeiro da glória.”

(SIMONTON, 2008, p. 232, grifo nosso).

Apesar de todas essas citações claras e também das alusões, a referência que mais chama a

atenção vem do sermão Entrai pela porta estreita, baseado em Mateus 7:13, 14, não só por seu

conteúdo, como por ter sido posto na abertura da coletânea de Blackford.164 As primeiras

palavras do sermão são as seguintes:

164 O Evangelho segundo Mateus é, junto com o Evangelho de João, o documento mais pregado por Simonton na coletânea (05 sermões). Ele demonstrou interesse especial por Mateus ao mencionar em seu diário (25/11/1861) que, durante aquele que seria seu único furlough nos Estados Unidos (misto de descanso e divulgação do trabalho missionário), faria imprimir “um comentário de Mateus, folhetos e livros...” (SIMONTON, 2002, p. 150).

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Nosso senhor aqui compara a vida de cada homem a uma viagem, e a comparação é tão bela como própria para nos instruir. Com efeito, somos viajantes e peregrinos na terra. Não temos morada fixa e permanente, porque, como é provável, daqui a cinqüenta anos nenhum de nós estará morando neste mundo. (SIMONTON, 2008, p.15).

Antes de Simonton, o puritano John Bunyan já havia explorado a relação entre Mateus

7:13,14 e o motivo da peregrinação. “Além de fornecer a ideia para a Porta Estreita, este texto é

importante para a concepção inteira sobre ‘o Caminho’ no Peregrino.” (STRANAHAN, 1982, p.

290, tradução nossa). No romance de Bunyan, após passar por várias dificuldades, Cristão

encontra-se agora perante a porta estreita, por meio da qual encontrará o caminho estreito,

simbolizando as dificuldades da vida cristã. Portanto - disse ainda Evangelista -, você precisa, em primeiro lugar, abominar a tentativa que ele fez de desviá-lo do caminho, assim como o seu próprio consentimento, pois isso equivale a rejeitar o conselho de Deus, em favor do conselho de um Sábio-segundo-o-mundo. Diz o Senhor; “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lc. 13:24), a porta para a qual enviei você, pois “estreita é a porta... que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela” (Mt 7:13,14). Dessa portinha estreita, e desse caminho que a ela conduz, é que esse homem ímpio desviou você, para levá-lo quase à destruição. (BUNYAN, 1999, p. 22,23).

Simonton, em seu sermão, parece captar menos a forma do que a estrutura mais profunda e

geral do pensamento de Bunyan. No entanto, assim como Bunyan, seu uso do texto de Mateus

envolve uma elaboração com outras metáforas relacionadas à da peregrinação (como a do

caminho e a da porta), de modo que a força do motivo do peregrino é sentida mesmo quando essa

metáfora-guia não é mencionada explicitamente. Nesse sermão de abertura, Simonton faz uso de

vários termos pertencentes ao campo semântico da ideia de peregrinação, como viajantes,

jornada, viagem (SIMONTON, 2008, p.15), guia, condutor, estradas (SIMONTON, 2008, p.16),

companhia, carreira, (SIMONTON, 2008, p. 21-23) e seguir (SIMONTON, 2008, p.25).

A condição de possibilidade para que haja uma peregrinação é, obviamente, o caminho.

Simonton, seguindo Mateus 7:13,14, afirma a existência de dois caminhos, “que se afastam cada

vez mais um do outro, pois um leva à perdição e o outro à salvação.” (SIMONTON, 2008, p.16).

Na alegoria de Bunyan, segundo Stranahan, a figura do caminho possui pelo menos três

sentidos relacionados à vida cristã. 1) “[É] um conceito temporal representando a extensão dos

dias mortais de um cristão – do momento do compromisso com a fé (entrando pela porta estreita)

até o tempo da morte (cruzando o rio) e entrando no mundo porvir (a Cidade Celestial).”

(STRANAHAN, 1982, p. 289, tradução nossa). 2) De um ponto de vista ético, caminho “é uma

similitude para a conduta apropriada e necessária de um cristão: aquele que o deixa por outros

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caminhos, ou quem toma atalhos para entrar nele, nunca alcança a recompensa cristã.”

(STRANAHAN, 1982, p. 289, tradução nossa). 3) Finalmente, a topografia da jornada representa

uma sequência de experiências religiosas pelas quais passam os cristãos nesta vida: “tudo deve

começar na porta estreita e percorrer o caminho que leva ao Rio da Morte, embora como

indivíduos eles possam ter aventuras diferentes ao longo do Caminho.” (STRANAHAN, 1982, p.

289, tradução nossa).

O primeiro sermão da coletânea destaca, logo em sua abertura, o sentido temporal do

caminho. Após afirmar que Jesus Cristo compara a vida humana a uma viagem (SIMONTON,

2008, p.15), o missionário escreve: Não temos morada fixa e permanente, porque, como é provável, daqui a cinqüenta anos nenhum de nós estará morando neste mundo. Nós vamos gastando rapidamente os poucos dias ou anos que nos restam, e ao pôr-do-sol de cada dia o termo da nossa jornada fica cada vez mais perto. (SIMONTON, 2008, p.15, grifos nossos).

Seguindo o costume de se falar do tempo em termos espaciais, Simonton diz que não nos é

dado “parar no meio do caminho [...]”, e que “[É] forçoso caminhar até o fim da carreira.”

(SIMONTON, 2008, p.15).

No mesmo sermão, a identificação do caminho com o sentido ético da vida cristã também

pode ser observada. Primeiro, Simonton lembra textos como João 10:9 e 14:6, em que Jesus fala

de si mesmo como “a porta” e “o caminho”. A seguir, mostra como isso diz respeito aos seus

ouvintes: Dizendo que é estreita a porta e apertado o caminho, nosso Senhor deu a entender aos fariseus e hipócritas que o escutavam, e também a nós que agora estudamos as suas palavras, que não há salvação sem haver santificação. Eis aqui a estreiteza da porta. Para lá entrar é preciso largar os vícios, os maus pensamentos e os desejos impuros. (SIMONTON, 2008, p.17).

A seguir, mostra outras posturas imorais que impossibilitam o trajeto pelo caminho estreito,

como o ser maometano (SIMONTON, 2008, p.18), orgulhoso, hipócrita ou mentiroso

(SIMONTON, 2008, p.18) e praticar um Cristianismo “onde tudo é fácil e cômodo.”

(SIMONTON, 2008, p.18).

Finalmente, a topografia espiritual da jornada cristã, com toda a sua acidentalidade, também

está presente e é mencionada por Simonton como parte da vida de todo aquele que peregrina pelo

caminho. Os altos e baixos da caminhada cristã ocorrem por causa dos três grandes inimigos da

alma: A “concupiscência da carne”, o “excessivo apego às coisas mundanas” e “os assaltos do

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inimigo das almas.” (SIMONTON, 2008, p.19) 165. Aquele que pensa caminhar numa vereda

sempre plana, sem que tenha se sentido apertado por um desses três inimigos “pode ficar certo de

que anda errado.” (SIMONTON, 2008, p.18). Em outro ponto, afirma que “a vida do cristão é

uma carreira tão difícil que é preciso diligência desde o princípio até o fim. É necessário vigiar e

orar. Cada dia traz seus trabalhos e suas tentações. O cristão nunca pode encostar suas armas para

descansar...” (SIMONTON, 2008, p.23,24).

Assim, é possível afirmar uma considerável identificação de Simonton com Bunyan, neste

sermão de abertura, assim como em boa parte da coletânea de Blackford.

4.2 Inovação na metáfora do Peregrino

Os sermões cristãos são publicados não apenas de acordo com uma tradição religiosa, mas

também envolvem a subjetividade e a pré-figuração de cada pregador. Para Chartier, mesmo

aqueles documentos que aparentam ser mais objetivos quanto aos seus objetos de referência,

como inventários post-mortem, registros administrativos, catálogos de bibliotecas e sermões,

“todos supõem escolhas e triagens – logo, exclusões. Todos são organizados a partir de

categorias, classificações e fórmulas que não são neutras, mas que submetem à suas lógicas as

‘realidades’ de que se apoderam.” (CHARTIER, 1995, p.8).

A caracterização da existência como um caminho vem sendo usada há séculos para

descrever a vida humana neste mundo. Para a modernidade, a imagem está bem difusa. As

pessoas não se dão conta de que a evocam ao dizer, por exemplo, “que levamos a termo um

trabalho ou que uma coisa vai bem, quando falamos de rumos da vida ou de andamento do

discurso, ou quando dizemos estar atrás de um pensamento.” (SNELL, 2005, p. 248) 166.

A ideia da vida como um caminho não é exclusiva do Cristianismo167. Porém, a ideia do

ser humano como um peregrino tem tido uma conotação mais religiosa168. Na tradição judaico-

165 O tópico sobre topografia se parece com o ético. Entendi que a diferença entre eles está no fato de que, no ético, destacam-se os deveres ordinários e previsíveis do peregrino, enquanto que, no aspecto topográfico, o triplo desafio da caminhada (os três inimigos do cristão) possui, por natureza, um caráter imprevisível e acidental. 166 Outras metáforas relacionadas são “eles se perderam”, “estamos andando em círculos”, “ela realmente sabe para onde está indo”, “nós estamos numa encruzilhada”, etc. (CARTER, 2004, p. 120, tradução nossa) 167 Snell, na citação anterior, está tratando dessa figura entre os antigos gregos.

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cristã, a metáfora do peregrino foi usada para retratar personagens bíblicos em particular (como

Abraão) e, de modo geral, o povo de Deus no período do Antigo e Novo Testamentos, conforme

a carta aos Hebreus, capítulos 10 e 11. Além dos personagens bíblicos, os puritanos recém-

chegados à América também se apropriaram dessa figura.

Contudo, a figura do peregrino não costuma ser usada, na tradição cristã, para descrever o

ser humano de modo geral, mas apenas os seres humanos que se fazem cristãos. No entanto, em

seu primeiro sermão, Simonton amplia a imagem em relação ao seu uso tradicional e passa a

aplicá-la indiscriminadamente, a todos os seus leitores169. Em sua prédica, ser um “peregrino” é

mais profundo do que uma escolha religiosa ou moral do indivíduo: Trata-se de algo

simplesmente inevitável. Tendes não só o direito, mas a obrigação de escolher, dentre os caminhos propostos, aquele que é seguro e reto, e conduz à felicidade eterna. É-vos forçoso caminhar, mas é livre a escolha do caminho e da direção da viagem. (SIMONTON, 2008, p.15, grifo nosso) .

Tanto na Bíblia como entre os Puritanos, essa metáfora servia para orientar o cristão a

desapegar-se deste mundo, para que, confirmado a cada dia no caminho estreito, finalmente

chegasse ao Reino dos céus. Porém, Simonton, sem abandonar a ideia de esforço (sentida por

todo o sermão, do início ao fim170), faz um uso inovador da figura, fundindo parte do aspecto

doutrinário com o evangelístico e deslocando o uso do tropo, da esfera da santificação cristã para

a esfera da salvação.

Primeiro, ele fez uso de termos relacionados à metáfora principal, como jornada,

caminho, viagem, estradas e viajante 171, e dá explicações adicionais: “Sobre o sentido espiritual

que convém dar a estas palavras, felizmente não há dúvida: Jesus nos diz: ‘Eu sou a porta. Se

alguém entrar por mim, será salvo... ’ ‘Eu sou o caminho [...] ’” (SIMONTON, 2008, p. 17).

Desse modo, ele dá à figura, neste primeiro sermão, um sentido mais amplo e inclusivo,

tornando-a válida tanto para os de fora quanto para os de dentro da comunidade protestante: 168 Para Johnsson, no entanto, essa figura, de apelo cada vez mais remoto, não teria vindo ao pensamento ocidental diretamente da Bíblia, sendo, antes, “uma vaga amálgama dos Pais Peregrinos, os Contos da Cantuária e o Progresso do Peregrino [de Bunyan].” (JOHNSSON, 1978, p. 239, tradução nossa). 169 Também por isso esta pesquisa entende que essa metáfora, que em Simonton recebe contornos ontológicos, é a mais abrangente entre as cinco estudadas (ver tópico 4.6.2., Metáforas), pois envolve não apenas aspectos morais e espirituais, mas um resumo de toda a existência humana: “Somos peregrinos neste mundo.” (SIMONTON, 2008, p. 209, grifo nosso). 170 Devo esta observação a Mendonça (2008, p. 278). 171 Além das figuras relacionadas à principal, Simonton ainda usa um exemplo do seu tempo, valendo-se da ideia de movimento: “Nos países onde há muitas estradas de ferro, e os trens vão e voltam constantemente, sucede às vezes que um viajante, querendo ir a uma parte, toma por engano o trem que vai par outra.” (SIMONTON, 2008, p. 16).

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“[N]ão há salvação sem haver santificação. Eis aqui a estreiteza da porta. Para lá entrar é preciso

largar os vícios, os maus pensamentos e os desejos impuros.” (SIMONTON, 2008, p. 17).

Esse tipo de leitura feita por Simonton talvez seja explicado pelo grau de consciência que

ele possuía sobre a metáfora do peregrino, naquele momento172. Aparentemente, houve certa

distração com sua própria tradição, causada talvez pelo desejo de usar, a serviço do seu impulso

de converter seu público, uma figura facilmente inteligível e também familiar aos brasileiros e

que certamente teria um apelo natural sobre eles. Apesar desse deslocamento com relação à sua

tradição, no decorrer dos sermões (e também nesta primeira prédica) é possível verificar que

Simonton não levou o aspecto ético dessa metáfora tão longe ao ponto de comprometer suas

convicções teológicas mais básicas.

Mesmo tendo elastecido a figura em relação ao seu uso tradicional, Simonton a usou

criativa e funcionalmente. Em seus sermões, essa e outras metáforas servirão como instrumentos

de interação do missionário com o seu público, visando impulsioná-lo à ação por meio da

confiança no modelo apresentado.

4.3 A busca inicial por interação: o discurso oral de Simonton

A divisão tríplice das provas aristotélicas normalmente é entendida como sendo baseada na

situação retórica do orador (ethos), no ouvinte (pathos) e no argumento (logos).

(SCHÜTRUMPF, 2007, p. 38). Embora isso ajude a entender os princípios da retórica, não se

pode pensar que uma distinção absoluta entre as três provas ocorra na prática, já que, mesmo em

Aristóteles, o caráter da pessoa que faz um discurso “implica ambos os aspectos: o orador e a

audiência.” (SCHÜTRUMPF, 2007, p. 39, tradução nossa). Isso naturalmente dificulta a análise

de sermões escritos, já que estes, por natureza, substituem a interação imediata entre orador e

audiência por uma interação mais ampla e menos pessoal entre escritor e leitor. Essa substituição

reforça consideravelmente o aspecto lógico do discurso por meio da relação entre escritor e leitor.

Por outro lado, diminui (ou modifica de outro modo) a interação emocional própria da interação

oral.

Esse tópico, portanto, trata daquilo que, ao menos em parte, foi perdido nos sermões de

Simonton, quando suas prédicas foram transpostas para a linguagem escrita. 172 Segundo Carter, os oradores possuem graus variados de consciência, “quando extraem comparações para realçar significados.” (CARTER, 2004, p. 126, tradução nossa).

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Ao chegar ao Rio de Janeiro, Simonton é um jovem de 28 anos, recém-saído de um

avivamento em sua terra, pensando em inglês e se esforçando para falar e escrever em português.

Chega a um Brasil rural, investido de autoridade religiosa protestante, com um sotaque que

certamente causava impressão especial em seus ouvintes, com todos os seus ritmos, pausas,

entonações e ressonâncias típicos. Embora não haja como saber exatamente qual o peso da sua

presença pessoal e da oralidade em suas prédicas, há como levantar algumas possibilidades, a

começar da importância que o próprio Simonton dava ao assunto.

Durante uma exposição oral, há uma interação natural e emocional com a audiência.

Simonton sabia da importância da oratória nesse processo. A julgar pelo que escreveu em seu

diário, já em solo brasileiro, ele tinha grande interesse em atrair a atenção das pessoas. “É bom

pregar para quem quer ouvir”, escreveu, em 30/12/1860 (SIMONTON, 2002, p. 144). Também

registrou as impressões que teve das pessoas que compunham sua audiência religiosa: “todas

muito atentas” (2002, p.126); “a audiência estava atenta” (2002, p. 128). Ele procurou maior

envolvimento com seus ouvintes, arriscando-se a falar “sem anotações” (SIMONTON, 2002, p.

129), obtendo inicialmente, segundo escreveu, bons resultados: “Ontem [03/10/1859] preguei na

Saúde. Usei notas, prática em que não devo continuar quando falar a esse povo. No domingo

anterior, em que falei de improviso e sem anotações, ganhei a atenção de todos e lhes causei

impressão mais profunda.” (SIMONTON, 2002, p. 130, grifo nosso). Porém, o missionário nem

sempre obteve sucesso e chegou ao ponto de considerar-se, no manejo da língua portuguesa,

melhor escritor do que orador173. “Quando falava na saúde [08/11/1859], domingo, gaguejei

muito. Quase desespero de vir um dia a falar de improviso com fluência e sucesso. Estou numa

situação difícil. O estilo em que escrevo está muito acima deles e os improvisos são áridos e

pobres.” (2002, p. 132). No ano seguinte (11/04/1860), ele registrou considerável melhora: “Falei

173 Desde o início do século dezenove, alguns escritores “apontavam a dureza e a artificialidade tanto no estilo como na transmissão, promovida, ao menos em parte, pela prática de ler sermões" (HOSHOR, 1954, p. 148, tradução nossa) e defendiam a fala improvisada “como um remédio para essa imperfeição." (HOSHOR, 1954, p. 148, tradução nossa). Outros, como John Quincy Adams, defendiam um equilíbrio entre oralidade e escrita, já que, para ele, ambas possuíam “vantagens e inconvenientes”, devendo a preferência ser decidida “antes pelo caráter dos talentos do pregador, do que por qualquer regra de uniformidade.” (ADAMS, 1810, p. 340, 341, tradução nossa). Contudo, tanto elocucionistas como homiletas, de modo geral, “igualmente enfatizavam a dependência fundamental da oratória para a transmissão efetiva e promoveram a noção de que nenhum orador público poderia esperar alcançar os efeitos da verdadeira eloqüência sem ter primeiro dominado as habilidades da elocução.” (JOHNSON, 1991, p. 149, tradução nossa). O avô de Simonton, John Snodgrass, “era pastor protestante e um orador eloquente, pregador que ‘jamais utilizara uma expressão gramaticalmente incorreta no púlpito’. O avô possuía uma voz forte e pregava sem recorrer à leitura dos sermões, habilidade que Ashbel tentou desenvolver anos depois no Brasil, sem muito sucesso.” (WATANABE, 2012, p. 17).

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com desembaraço, muito além de minha expectativa.” (2002, p. 139). Mesmo assim, considerava

seu uso da língua portuguesa ainda “muito limitado.” (SIMONTON, 2002, p. 143).

Além da questão especificamente ligada ao discurso oral, ainda há outro aspecto que

confere força aos sermões, mas que se perdeu, ao serem eles escritos: Trata-se do poder de

influência do espaço sacro, onde os sermões de Simonton foram muitas vezes pregados.

Embora no Brasil do final do século 19 ainda vigorasse a lei de que os ambientes destinados

a reuniões religiosas de acatólicos não poderiam ter fachada de templo, havia certamente, no

interior desses lugares, alguns marcadores sociais considerados sagrados e legitimadores, que

constituíam verdadeiros espaços retóricos ou proxêmicos, isto é, ligados à “percepção,

organização e uso de distância interpessoal e espaço como comunicação.” (BURGOON;

HUMPHERYS; MOFFITT, 2008, p.789, tradução nossa).

A presente pesquisa não conseguiu levantar informações precisas sobre como seriam

exatamente os espaços internos adaptados para culto protestante no tempo de Simonton. Contudo,

é possível fazer algumas considerações, baseando-se num estudo dos modos gerais como as

principais correntes religiosas cristãs costumam arranjar seus ambientes interiores.

Segundo Kieckhefer, existem três tradições amplas no design de igrejas: (1) A Sacramental

clássica, cujo ponto focal “é o altar, o lugar do sacramento para o qual o espaço longitudinal

conduz.” (KIECKHEFER, 2004, p. 11, tradução nossa). Nessa tradição encontram-se as igrejas

Oxtodoxa, Católica e Anglicana. (2) A Evangélica clássica, que visa principalmente a pregação: O interior é um auditório, tendo o púlpito como seu ponto focal. Seu espaço é, com freqüência, relativamente pequeno, encorajando interação espontânea entre pregador e congregação. A principal meta estética é criar um espaço para edificação de indivíduos e da congregação. A edificação em si pode ser relativamente simples; em todo caso ela será normalmente menos adornada com decorações simbólicas do que uma igreja sacramental clássica. (KIECKHEFER, 2004, p. 11, tradução nossa).

(3) A Comunal moderna é edificada tanto por congregações protestantes como por

católicas. Esse tipo de igreja normalmente enfatiza “a importância de reunir pessoas para

adoração, frequentemente ao redor do altar ou do púlpito.” (KIECKHEFER, 2004, p. 12, tradução

nossa). Tal igreja é normalmente edificada com amplo espaço para contatos sociais na entrada; a importância de reunir pessoas é realçada por esta provisão do espaço social. [...] A atmosfera é criada para ser acolhedora e convidativa, criando um ambiente de hospitalidade para a celebração. (KIECKHEFER, 2004, p. 12, tradução nossa).

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É provável que, por razões doutrinárias, Simonton tenha evitado o tipo de arranjo da

primeira tradição (Sacramental clássica) e que, por pura impossibilidade ele não tenha feito um

arranjo na tradição Comunal moderna. Restaria, assim, algo próximo da segunda tradição

(Evangélica clássica).

Ao contrário da tradição luterana, na tradição calvinista há uma clara subordinação do altar

ao púlpito174. Assim, é possível que, em termos de arranjo, o púlpito fosse o ponto focal do

ambiente em que Simonton pregava, para o qual o espaço longitudinal do interior do templo

naturalmente conduzia o olhar das pessoas175. O rito da Ceia do Senhor pode até ocorrer em tal

ambiente, “mas é subordinado à adoração verbal: a mesa da comunhão é frequentemente

colocada abaixo do púlpito centralmente posicionado, como uma pista clara dessa subordinação.”

(KIECKHEFER, 2004, p. 45, tradução nossa).

No protestantismo calvinista mais recente, o púlpito é normalmente localizado num ponto

ligeiramente mais alto, visível de qualquer lugar no interior do ambiente. É usado quase que

exclusivamente por pessoas autorizadas pela própria igreja (pastores, presbíteros, missionários) e

por isso tende naturalmente a reforçar a legitimidade de um discurso.

Simonton não pregava apenas por si, mas era representante de uma denominação religiosa.

Sabia que o púlpito era o lugar dos pronunciamentos oficiais dessa igreja: “Todas as vezes que

um pregador sobe ao púlpito, deve certificar a todos os cegos e pobres em relação às coisas do

Espírito que Jesus Nazareno está perto deles e que querendo podem dirigir-lhe suas súplicas.”

(SIMONTON, 2008, p.69). Ele aponta a importância do púlpito como objeto consagrado à

mensagem autorizada e, portanto, digna de crédito. “A única matéria de pregação, no sentido de

Jesus Cristo, é o evangelho. É esta uma verdade que deve estar na consciência de todo pregador.

Ministros de Cristo, lembrai-vos disto cada vez que subis ao sagrado púlpito!” (SIMONTON,

2008, p.137, grifo nosso). No sermão “Tudo está cumprido”, chega a fazer uma identificação

174 “Lutero estava mais preocupado em evitar insistência dogmática sobre qualquer convicção do que em articular suas próprias preferências. Ainda assim, suas inclinações básicas são claras: ele não insistiu em redefinir o altar como uma mesa de comunhão, nem instituiu uma mesa ao redor da qual os participantes pudessem realmente se assentar, como fez a tradição calvinista. [...] Ainda assim ele quis que o púlpito fosse efetivamente disposto para a proclamação da palavra, e preferiu uma mesa simples, parecida com um altar, que permitisse ao pastor ficar de frente para a congregação.” (KIECKHEFER, 2004, p. 90-91, tradução nossa). 175 O púlpito, espécie de tribuna cristã, nem sempre esteve no centro espacial dos ambientes de culto protestante. Isso porque os primeiros reformadores “mais adaptaram igrejas existentes do que edificaram novas, e seus maiores talentos foram frequentemente dedicados à reconcepção do espaço longitudinal medieval. Eles normalmente estabeleciam púlpitos no meio do caminho de um dos lados da nave [de templos anteriormente católicos], transformando espaços longos em espaços amplos” (KIECKHEFER, 2004, p. 46, tradução nossa).

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entre o púlpito e a própria pregação, como que mostrando o lugar oficial e legítimo, de onde a

palavra de Deus deve ser anunciada:

São essas doutrinas necessárias à salvação, e o púlpito que as não pregar não conseguirá nada de bom. O pregador (seja ele quem for) que lê a palavra divina, ou consulta a voz da sua própria consciência, sem se convencer de que a morte de Jesus Cristo na cruz é o único remédio eficaz para o pecado, é cego e surdo, e no púlpito há de mostrar-se também mudo em face de tudo o que há de realmente valioso no evangelho. (SIMONTON, 2008, p.170) 176.

Com a transcrição dos sermões, os efeitos possíveis causados por esses persuasores

retóricos mencionados tornam-se, em grande parte, inverificáveis. Porém, mesmo sofrendo

variações de intensidade, nenhuma das provas aristotélicas (lógica, caráter, interação emocional)

é totalmente suprimida na transcrição de um discurso, e o pesquisador continua tendo todos os

seus objetos de pesquisa, embora, nessa nova configuração, prevaleça o aspecto lógico. O ethos

(o caráter do orador) sempre estará ligado à lógica de qualquer tipo de discurso (oral ou escrito),

já que tanto ouvintes como leitores avaliarão, consciente e logicamente, a confiabilidade do

orador/escritor. (RICHARDS, 2008, p. 33). Quanto às emoções que o discurso pretendeu suscitar

na audiência, elas ainda podem ser observadas em sermões escritos, ao se estudar a

intencionalidade do escritor.

4.4 A opção pela lógica: A escrita e a difusão dos sermões

Walter Ong (2002, p. 17), chama atenção para a antiguidade da tradição religiosa de buscar

maior especificidade no discurso por meio do uso de linguagem escrita. Ele cita um trecho do

livro bíblico de Eclesiastes, escrito séculos antes de Cristo, que aponta para a tradição oral da

qual o texto do pregador foi extraído: “Além de sábio, Qoheleth [o pregador] ensinou ao povo

conhecimento, e pesou, esquadrinhou e compôs muitos provérbios. Qoheleth procurou encontrar

dizeres agradáveis, e escrever dizeres verdadeiros com precisão.” (Eclesiastes 12:9-10).

Considerando o foco da tradição Reformada sobre a Bíblia, não é surpreendente que

Simonton desejasse escrever seus sermões. Os Reformados, especialmente os puritanos, foram

influenciados pelos exemplos de personagens bíblicos como Moisés, Jeremias e Habacuque que,

mesmo sendo profetas, foram orientados a escrever (“Escreve num livro todas as palavras que eu

176 Ele usa novamente a abordagem metonímica no sermão “Cristo Crucificado”: “Oxalá que todos os púlpitos do Brasil falassem esta linguagem, dando testemunho de Jesus crucificado como a sabedoria de Deus e a virtude de Deus para a salvação de todos os que crêem!” (SIMONTON, 2008, p.210).

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disse”, Deus ordenou a Jeremias). Eles viam a escrita “como um meio de graça especialmente

valioso por causa de sua permanência.” (BREKUS, 2006, p. 21, tradução nossa). Manchados pelo

pecado original, “os humanos eram muito imperfeitos para lembrar-se de todas as suas

experiências religiosas, mas se elas fossem depositadas no papel, poderiam preservá-los contra o

esquecimento.” (BREKUS, 2006, p. 21, tradução nossa).

Além da sua própria tradição, Simonton tinha motivos pessoais e práticos para escrever e

publicar seus sermões.

Considerando sua dificuldade com o idioma português, o ato de escrever os sermões talvez

tenha dado ao missionário a chance de que precisava para dizer ao povo brasileiro, com exatidão,

o que gostaria, diferente talvez do que teria acontecido com seus sermões em estilo oral.177 O

processo de escrita e publicação das prédicas pressupõe a escolha das melhores palavras,

estruturas sintáticas, divisões, subdivisões e outros aspectos que caracterizam a lógica do discurso

escrito178.

Segundo Tannen, a maioria das pesquisas que comparam o discurso oral ao discurso escrito

parte de duas hipóteses básicas e recorrentes: (1) que o discurso falado é altamente contextualizado, enquanto que a escrita é descontextualizada [...] e (2) que a coesão é estabelecida no discurso falado por meio de canais paralinguísticos e não-verbais (tom de voz, entonação, prosódia, expressão facial e gestos), enquanto que, na escrita, a coesão é estabelecida por meio de lexicalização e estruturas sintáticas complexas que tornam os conectivos explícitos, e que mostram o relacionamento entre proposições através de subordinação e outros artifícios em primeiro plano ou em plano de fundo. (TANNEN, 1982, p. 3, tradução nossa).

Contudo, a autora entende que existe certo intercâmbio entre os dois tipos de discurso, já

que ambos partem e se nutrem de uma mesma fonte, a linguagem. Daí sua pergunta: “Se o

discurso é uma corrente da linguagem, falada ou escrita, porque falar sobre linguagem falada

versus escrita?” (TANNEN, 1983, p. 79, tradução nossa). Ela sugere, então, que a distinção entre

escrita e fala, literalidade e oralidade, não é primária, mas que as diferenças entre elas “podem, de

fato, crescer a partir de outros fatores: especificamente, metas comunicativas e focos relativos

sobre envolvimento interpessoal.” (TANNEN, 1983, p. 80, tradução nossa).

177 “Correções no desempenho oral tendem a ser contraproducentes, e a expor o orador como alguém não convincente. [...] Na escrita, as correções podem ser extremamente produtivas, pois como o leitor saberia se elas foram feitas alguma vez?” (ONG, 2002, p. 102, tradução nossa). 178 O distanciamento que o ato de escrever efetua “desenvolve um novo tipo de precisão na verbalização, removendo-o do rico, mas caótico, contexto existencial de maior expressão oral.” (ONG, 2002, p. 101, tradução nossa).

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No caso de Simonton, sua meta comunicativa (a ampliação do alcance do seu discurso)

deve ser o que mais influenciou (embora não se possa dizer precisamente o como nem o

quanto179) seu modo de escrever. Tal meta, no entanto, cobrava seu preço e certamente exigiu de

Simonton uma elaboração mais detida e articulada dos seus pronunciamentos. Para fazer-se claro sem gesto, sem expressão facial, sem entonação, sem um ouvinte real, você tem que antever prudentemente todos os significados possíveis que uma declaração pode ter para qualquer possível leitor em qualquer situação possível, e você deve fazer sua linguagem funcionar de modo que tudo fique claro por si só, sem um contexto existencial. (ONG, 2002, p. 101-102, tradução nossa).

Na escrita dos seus sermões (e, portanto, no seu modo de ler a Bíblia para compô-los),

Simonton é guiado por preocupações que não afetavam os leitores leigos da comunidade

presbiteriana nascente. Era natural para ele, como líder de um grupo e fundador de um jornal, não

ler a Bíblia somente para suprir necessidades pessoais ou familiares. Além dessas preocupações,

ele também lia (e produzia escritos) motivado pelo que entendia ser a principal carência dos seus

leitores naquele momento, a de abraçarem a nova fé e serem nutridos por ela. Esses dois

propósitos acabaram moldando a maioria das seleções que fez de trechos da Bíblia sobre os quais

escreveu e publicou.

A ausência de público real exigiu que, ao escrever, Simonton criasse audiências imaginárias 180 em contextos igualmente imaginários181, algo que pode ser observado na leitura das prédicas.

Tal ficcionalidade, no entanto, refere-se a algo inerente ao gênero retórico escrito, não à

intencionalidade do escritor. Para Simonton, só existem realmente – independentemente do

gênero - duas audiências e dois tipos de leitores, sejam eles concretos ou implicados.

Em alguns dos seus sermões, é possível identificar os dois tipos de “audiência”. Simonton

parece alternar a direção, ora falando aos “meus ouvintes”, ora falando a “meus irmãos”, como é

o caso no sermão Deus é caridade (SIMONTON, 2008, p. 35). Também no sermão Tudo está

cumprido, ele exclama: “Meus irmãos na fé de Jesus, o sacrifício é um só [...]” (SIMONTON,

2008, p. 172). No final do sermão, dirige-se aos ouvintes ainda sem compromisso formal: “Meu

179 Não houve, nesta pesquisa, como saber se o texto da coletânea foi escrito antes ou depois de Simonton tê-lo pregado. Também não houve como saber se Simonton inseriu marcas textuais (com o fim de ampliar o alcance do que disse) ou se marcas de oralidade foram inseridas, para criar um efeito de sentido mais pessoal ao texto escrito. 180 Por causa da escrita e conseqüente emancipação do sermão em relação ao seu ambiente natural (isto é, falado a um grupo específico), a “audiência” de Simonton tornou-se um conceito abstrato. Agora, como escritor, ele deve “configurar um papel que leitores ausentes e muitas vezes desconhecidos possam desempenhar.” (ONG, 2007, p. 99, tradução nossa). 181 “Esses contextos implicados podem ser artificiais, mas eles devem criar um relacionamento real entre o autor e o leitor.” (CONNORS, 1979, p. 287, tradução nossa).

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amigo, rogo-te que faças, sem mais demora, o que até agora nunca tiveste ânimo bastante para

fazer. [...] Atreve-te a crer no que o Redentor disse.” (SIMONTON, 2008, p. 174).

Essa abordagem pode ser vista em outros pregadores do seu tempo, como o Rev. Modesto

Perestrelo Barros de Cavalhosa, que foi aluno de Simonton no Seminário Primitivo. Num mesmo

sermão, A Luz do Mundo, ele fala aos de fora da sua comunidade: “Meus ouvintes: Se ainda vos

deleitais em cometer o pecado, se as coisas que são puramente mundanas têm para vós mais

atrações do que aquelas que são divinas [...] não podeis ainda dizer que sois cristãos – que estais

na luz.” (CARVALHOSA, 1892, p. 89). No final do mesmo sermão, dirige-se aos que já fazem

parte da comunidade protestante: Façamos bem, enquanto temos tempo, a todos os homens. Envidemos todos os esforços para que conheçam o Salvador e se salvem crendo. Vejam eles brilhar sobre nós a luz benéfica do Glorioso Sol de Justiça e venham colocar-se também sob sua salutar influência. (CARVALHOSA, 1892, p. 92).

Outro pastor da época, o Rev. Miguel G. Torres (também ex-aluno de Simonton), em seu

sermão O preço da redenção, baseado no evangelho de Marcos, 15:31, também se dirige a duas

audiências. Primeiro, exclama: Admirável! Meus irmãos, nessa cruz em que resplandece em toda a grandeza de sua glória o amor redentor de Deus para conosco no sacrifício de seu amado Filho, vemos também a santidade e a inexorabilidade da justiça divina para com o pecado! (TORRES, 1889, p. 317).

Na mesma página, ele pergunta, acerca do que ocorreu a Cristo:

E perante essa cena em que a ira divina contra a transgressão da Lei se ergue mais formidavelmente que na condenação dos anjos, que nos próprios tormentos dos condenados, quais são, ó homem, os vossos sentimentos? (TORRES, 1889, p. 317).

A seguir, deixa claro que fala a outra audiência, não-protestante182.

No sermão A ceia do Senhor, Simonton escreve: “Meus irmãos [...] nossos corações estão

franqueados ao Salvador.” (SIMONTON, 2008, p. 127). No parágrafo seguinte, ele se volta como

que para os de fora da comunidade, dizendo: “Neste ato ele [isto é, Cristo] bate de modo que os 182 Na página 320 do mesmo sermão, Torres fala ao público católico: “Merecimentos dos santos a nosso favor! Mas o que é isso? Tenho lido durante anos as Sagradas Escrituras, mas nunca achei essa doutrina ou coisa que com ela se pareça.” (TORRES, 1889, p. 320). No parágrafo final do sermão, dirige-se claramente a duas audiências: “Oh! Irmãos [...] apegai-vos com Jesus [...]” (TORRES, 1889, p. 321). Então, parafraseando a voz de Cristo, escreve: “Vem, ó pecador! [...] Crê-me e recebe-me como o teu Redentor, e tu, feliz já neste mundo, feliz na hora da morte, sê-lo-ás também em minha glória comigo para sempre.” (TORRES, 1889, p. 321). Contudo, há sermões da época em que o pregador se dirige apenas à igreja protestante, mas ataca durante toda a prédica, doutrinas da Igreja Católica. (Ver, para isso, ver sermão do Reverendo Antônio P. C. Leite, O fundamento da igreja cristã, baseado em Mateus 16: 18,19, um dos textos mais disputados entre católicos e protestantes, em O PÚLPITO EVANGÉLICO, v. II. Jornal publicado pela Associação evangélica e literária de Campinas. Campinas: 1889, p. 329-337).

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sentidos o percebem. Ó, incrédulos! Cristo está batendo à porta! [...]” (SIMONTON, 2008,

p.127). No sermão Sem efusão de sangue não há remissão, “Pregado por ocasião da ceia do

Senhor” (SIMONTON, 2008, p. 43), assim como no sermão Ação de graças a Deus (uma espécie

de retrospecto sobre os vários endereços do trabalho presbiteriano no Rio de Janeiro, de 1861 a

1867), ele parece dirigir-se unicamente aos já convertidos ao protestantismo.

São esses os dois grandes grupos de ouvintes implicados nos sermões de Simonton, embora

não sejam mencionados claramente em todas as prédicas183. Foi tendo esses dois grupos em vista

que ele pregou textos mais apropriados à evangelização (visando aos de fora da comunidade) e à

doutrinação (para fortalecer espiritualmente aos de dentro). Era nesse contexto que sua tarefa

como leitor-pregador era executada.

Alguns dos seus sermões “foram publicados na Imprensa Evangélica, outros em panfletos e

no O Púlpito’[outro jornal protestante da época].” (RIBEIRO, 1987, p.122).

A importância que Simonton deu à imprensa pode ser medida por um dos seus discursos,

feitos no Brasil, intitulado, “Os meios necessários e próprios para plantar o Reino de Jesus Cristo

no Brasil”, no qual elenca “os meios adequados à conversão das almas”. Logo após destacar a

necessidade, por parte dos crentes, da pregação por meio de uma vida santa, ele aponta como

segundo meio a disseminação da Bíblia, de livros e folhetos religiosos. “Nesta época”, escreve

ele, “a imprensa é a arma poderosa para o bem, ou para o mal”. (SIMONTON, 2002a, p. 181).

O jornal Imprensa Evangélica, fundado pelo missionário, ajudou a criar e a fortalecer toda

uma comunidade protestante de leitores que teria, naquele periódico quinzenal, suprimento

didático tanto para suas leituras pessoais (mais reflexivas) como também para aquelas ligadas ao

ambiente familiar (mais intercomunicacional) e até para pequenas congregações cristãs: Desde o seu primeiro número (05/11/1864), o jornal Imprensa Evangélica, além de considerações gerais sobre religião, também trazia tópicos especificamente destinados à edificação pessoal, familiar, além de assuntos de interesse geral, como mostram os títulos das matérias a seguir: “Testemunhos de homens distintos sobre a excelência da Bíblia”; “Instrução e culto doméstico” e “O Pai Nosso”; “Para decorar”; “Lúcia ou a leitura da Bíblia”, “A experiência de um velho cristão”, “A Epístola de S. Paulo aos Romanos, analisada”, entre outros (SANTOS, 2009, p.71-72).

183 Em certos sermões de Simonton, como A vida eterna: em que consiste, ele se dirige, aparentemente, apenas a um grupo de leitores não protestantes: “Meus prezados ouvintes, este solene fato vos patenteará todo o perigo do vosso estado e a urgência dos convites de Jesus Cristo.” (SIMONTON, 2008, p. 225). No final desse mesmo sermão, ele retoma o discurso direto: “Porventura vós credes no Filho de Deus? De duas uma: ou não credes, ou tendes a vida eterna.” (SIMONTON, 2008, p. 225). Em todo esse sermão, não há referência direta a um público protestante, ao contrário do que ocorre no sermão Ação de graças a Deus (SIMONTON, 2008, p. 130-134), dirigido unicamente aos membros da igreja.

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Para Ribeiro, a publicação foi a grande integradora da jovem denominação presbiteriana.

Enquanto não havia missionários suficientes para atenderem às demandas da obra protestante.

“Em Ubatuba, a igreja nasceu em torno dela, e como resultado de sua leitura antes que ali

chegassem pregadores.” (RIBEIRO, 1981, p. 101).

Além de fortalecer os já convertidos, o jornal também visava alcançar pessoas de fora do

círculo protestante. Entre seus leitores, [...] estavam os que queriam tomar conhecimento dos artigos de teor religioso e, outros, para acompanhar as disputas religiosas publicadas em todas as edições. Independentemente da razão pela qual os leitores assinavam os compravam números avulsos do periódico protestante, eles eram alcançados pela mensagem protestante. (SANTOS, 2009, p. 56) 184.

Assim, os sermões escritos e publicados tinham como vantagem sobre o discurso oral, além

de uma maior articulação lógica, a possibilidade de ampliação do público e do alcance geográfico

e temporal: [O] discurso escrito suscita para si um público que, virtualmente, se estende a todo aquele que sabe ler. A escrita encontra, aqui, seu mais notável efeito: a libertação da coisa escrita relativamente à condição dialogal do discurso. O resultado é que a relação entre escrever e ler não é mais um caso particular da relação entre falar e ouvir. (RICOEUR, 1990, p. 53).

4.5 A leitura bíblica de Simonton: fortemente doutrinária

Embora a doutrina não seja o único filtro possível para análise, ela é, naturalmente, um

assunto evidente nos sermões de Simonton. Neste e nos próximos tópicos, será visto até que

ponto esse modo de leitura reflete a formação discursiva do missionário.

A leitura bíblica simontoniana é marcada pela teologia do Seminário de Princeton, que

“modelou a prédica, a polêmica e a ação pastoral dos introdutores presbiterianos da Reforma no

Brasil.” (RIBEIRO, 1991, p.201). Essa matriz discursiva, representada especialmente pelo

pensamento de Charles Hodge, pode ser observada no tratamento dado por Simonton aos temas

teológicos do seu discurso religioso.

184 Santos (2009, p. 47s.) destaca a abrangência de assuntos que ocupavam as páginas do jornal desde 1865, mostrando que mesmo depois da morte de Simonton, a diversidade de assuntos, além dos religiosos, continuou. Como exemplo dos inúmeros tópicos, cito os seguintes: “Dados estatísticos sobre a população mundial” (1868), “Fatos sobre a prata” (1868), “Estatísticas de mortes em Paris” (1871), “Pesos e medidas” (1874), “Estatísticas da instrução na Europa” (1876), etc.

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Dos 22185 sermões publicados, a maioria parece tratar, em termos doutrinários, sobre

Cristologia186 aplicada à busca pela conversão dos ouvintes ao protestantismo. A seguir, a tabela

apresenta uma visão geral e sugere temas teológicos.

Título e texto(s) básico (s) Tema sugerido

1. Entrai pela porta estreita (Mateus 7.13,14) Fé em Cristo 2. O viver é Cristo (Filipenses 1.21) Fé em Cristo 3. Deus é caridade (I João 4.8) A natureza de Deus 4. Sem efusão de sangue não há redenção (Hebreus 9.22) Fé em Cristo 5. Cristo, nosso substituto (Mateus 27.46) Fé em Cristo 6. Bartimeu, o cego (Lucas 18.35-43) Fé em Cristo 7. A pessoa de Cristo (Apocalipse 1.17,18) O Cristo ressurreto 8. A fé e a visão (II Coríntios 4.18; 5.6,7) Fé em Cristo 9. A caridade (I Coríntios 13.1-8) A natureza de Deus 10. O Consolador (João 14.16,17) O Espírito Santo 11. Os filhos do pacto (Atos 2.39) Doutrina do pacto 12. O batismo de Jesus (Mateus 3.16,17) O Batismo de Cristo 13. A Ceia do Senhor (I Coríntios 11.20) Sacramentos 14. Ação de graças a Deus (I Reis 7.12) Soberania de Deus 15. Os meios de graça (Marcos 16.15,16) Sacramentos 16. A morte e o futuro estado dos justos (Vários textos) Escatologia187 17. Tudo está cumprido (Mt. 27.50,51; Mc. 15.37,38; Lc. 23.45; Jo. 19.30). A morte de Cristo 18. O tesouro escondido (Mateus 13.44-46) Salvação em Cristo 19. Os ímpios não têm paz (Isaías 57.21) Salvação em Cristo 20. A paz: o legado de Cristo (João 14.27) Cristo como Fiador 21. Cristo crucificado (I Coríntios 1.22-25) Fé em Cristo 22. Somos filhos de Deus (João 14.18) A assistência de

Cristo 23. A vida eterna: em que consiste (João 3.36) Fé em Cristo

185 O sermão 16 (A morte e o futuro estado dos justos) é, na verdade um grande artigo, que faz parte de uma série publicada no 4º. volume do jornal Imprensa Evangélica, de 1868, um ano após a morte de Simonton (ver BLACKFORD, 2008, p.13, 152). 186 Cristologia: “Estudo da pessoa e natureza (s) de Cristo; por extensão, estudo de sua suposta presença no Antigo Testamento e, portanto, relacionado à tipologia.” (ALTER; KERMODE, 1997, p. 714). Segundo Blackford, o tema principal de Simonton “era o do grande apóstolo aos gentios; como Paulo, não quis saber de outra coisa senão de Jesus Cristo e de Jesus Cristo crucificado.” (SIMONTON, 2008, p. 12,13). 187Escatologia: “Estudo das últimas coisas (grego eschatos, último). Freqüentemente usada para descrever a convicção dos escritores do Novo Testamento de que o fim do mundo estava próximo [...]. Na teologia cristã posterior, o estudo das quatro últimas coisas: Morte, Julgamento, Céu e Inferno.” (ALTER; KERMODE, 1997, p. 714).

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4.5.1 A estrutura homilética dos sermões

Cada um dos sermões da coletânea de Blackford é iniciado com um, dois ou até três textos

bíblicos avulsos, que servem de base para toda a prédica, conforme exemplo abaixo188:

Em nenhum dos sermões da coletânea há declarações ou sinais de que Simonton expunha

documentos bíblicos inteiros, em sequência. Aparentemente, ele pregava partindo de textos

avulsos. Sendo assim, o missionário revela com isso que fez uma abordagem, em parte, diferente

daquela resgatada pelos reformadores no século 16. Também mostra as influências que sua época

exerceu sobre ele, na composição das suas prédicas.

No decorrer do século dezenove, e particularmente em sua última metade, “o tipo textual de

sermão foi o mais amplamente usado.” (HOSHOR, 1954, p. 146, tradução nossa). Para Kidder,

nesse tipo de prédica, “os elementos da divisão são fornecidos pelas palavras da Escritura

encontradas no texto, ou seus equivalentes.” (KIDDER, 1864, p. 201, tradução nossa). Um

exemplo desse modelo nos sermões de Simonton é encontrado em sua prédica A Caridade, que

parte do conhecido poema do amor em 1 Coríntios 13 e tem suas divisões extraídas do próprio

texto: A caridade é 1) Paciente; 2) benigna; 3) não é invejosa, etc. (SIMONTON, 2008, p. 94ss).

Contudo, o padrão só ocorre claramente nesta e em outra prédica, A pessoa de Cristo, tratando

sobre as palavras do Cristo ressurreto ao apóstolo João. Nela, Simonton faz uso de partes do texto

188 Para uma amostra completa, vide Anexo III, Amostra dos sermões de Simonton, no fim desta pesquisa.

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inicial do sermão para criar subdivisões: 1- Não temas; 2- Eu sou o primeiro e o último; 3- Eu fui

morto, etc. (SIMONTON, 2008, p. 76ss).

Em outros sermões, prevalece a afirmação de Kidder de que a divisão textual não se limita

a um número preciso de formas (KIDDER, 1864, p. 201, 202). No entanto, o mesmo autor afirma

que existem três principais formas de sermão textual que compreendem a maioria dos seus

exemplos possíveis.

O primeiro modelo de sermão é o Textual Natural (é o caso com os dois exemplos de

sermões de Simonton, citados acima). O segundo é o Textual Analítico. Neste método, a

interrogação é o solvente, ou o instrumento de análise, por meio da qual os pontos importantes de

um texto são trazidos à luz. “A interrogação é a chave do conhecimento, que, aplicado

insistentemente, destrancará os labirintos mais intrincados da verdade.” (KIDDER, 1864, p. 203,

tradução nossa). Um dos modos de se investigar as Escrituras “é aplicar interrogações simples a

elas: Quem? O que? Quando? Onde? Como? Por quê?, etc.” (KIDDER, 1864, p. 204, tradução

nossa).

Esse é um modelo do qual Simonton se aproxima. Ele não se resume apenas à formulação

de frases de transição, mas revela um modo analítico de abordagem ao texto, usado para reforçar

a lógica do seu discurso.

Um exemplo do uso desse método por Simonton pode ser encontrado no sermão O

consolador, em que o missionário levanta questões, que responde logo a seguir: “E para que vem

o Espírito Santo? Por que havemos mister dele? Como pode o Espírito Santo consolar-nos da

ausência de Jesus? Conferindo-se as passagens das Escrituras que explicam a obra do Espírito

Santo, a resposta torna-se fácil.” (SIMONTON, 2008, p. 103, grifo nosso). A seguir, passa a

responder às questões que levanta. Em outro momento, também anterior à apresentação de cinco

pontos do seu sermão O batismo de Jesus, Simonton levanta questões, seguindo o modelo

mencionado por Kidder: “E haverá ainda quem esteja perplexo, não sabendo a quem recorrer?

Haverá quem se conserve duvidoso acerca da vontade divina a seu respeito? Haverá quem

continue a ignorar o que é indispensável para que alguém possa valer-nos?” (SIMONTON, 2008,

p. 121, grifo nosso). Em outra prédica, Os ímpios não têm paz, o missionário faz uso do mesmo

recurso ao perguntar, pouco antes de apresentar as divisões do sermão: “Por que razão não há paz

para os ímpios das diversas classes já referidas?” (SIMONTON, 2008, p. 188, grifo nosso). No

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último sermão da coletânea (A vida eterna: em que consiste), imediatamente antes do anúncio das

divisões, registra as seguintes questões: Quem não desejará saber o seu destino? Desde que existe um livro feito de propósito para nos dar os esclarecimentos precisos, como não devemos ser diligentes no seu estudo! Que estudo poderá ser comparado à investigação da sorte eterna dos que crêem em Jesus Cristo? Propondo-me a esclarecer este assunto, decerto poderei contar com a vossa benévola atenção. (SIMONTON, 2008, p. 223, grifo nosso).

Outra parte dos sermões, no entanto, parece estar enquadrada no terceiro modelo de

sermão textual proposto por Kidder, o Textual Sintético, que resulta de uma declaração do

significado ou assunto sobre diferentes partes do texto “em outras palavras que não aquelas que o

texto emprega, e sem referência a uma análise aparente, embora tendo uma base real nas palavras

do texto.” (KIDDER, 1864, p. 205, tradução nossa).

Como exemplo disso, na prédica de abertura, Entrai pela porta estreita, o texto principal

é o de Mateus 7: 13,14: “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho

que guia para a perdição, e muitos são os que entram por ela. Que estreita é a porta, e que

apertado o caminho, que guia para a vida, e que poucos são os que acertam com ele”. As divisões

propostas por Simonton não têm como referência palavras específicas contidas nesse texto, mas

algumas de suas ideias possíveis: “1. É máxima falsa e perigosa que a religião mais seguida é

também a mais segura.” (SIMONTON, 2008, p. 22). “2. A segunda lição proveitosa que se tira

das palavras do Senhor é a impossibilidade de ser qualquer sistema de religião verdadeiro e ao

mesmo tempo aceito ao coração do homem.” (SIMONTON, 2008, p. 23). “3. A última lição que

vou deduzir destas palavras é que não basta conhecer o bom caminho. É necessário entrar pela

porta e segui-lo.” (SIMONTON, 2008, p. 24, negritos meus).

Em outro sermão, Cristo Crucificado, Simonton baseia-se em I Co 1:22-25: Porque tanto os judeus pedem milagres, como os gregos buscam sabedoria, mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é um escândalo de fato para os judeus, e uma estultícia para os gentios, mas para os que têm sido chamados, assim judeus como gregos, pregamos a Cristo, virtude de Deus e sabedoria de Deus; pois o que parece em Deus uma estultícia é mais sábio que os homens, e o que parece em Deus uma fraqueza é mais forte que os homens.

As divisões propostas, igualmente, não são extraídas de palavras, mas de ideias possíveis

oriundas do texto: “1ª. A nossa raça é tão criminosa e culpada que a salvação não está em nossas

mãos nem nas de qualquer criatura. 2ª. Deus é infinitamente bom e quis deparar-nos uma

salvação que fosse gratuita para nós e que não fosse contraria à sua justiça. 3ª. Crendo em Jesus

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crucificado temos a reconciliação com Deus e a vida eterna.” (SIMONTON, 2008, p. 204,

negritos meus).

Apesar da presença do método textual nos sermões de Simonton, parece que o tipo de

sermão mais usado por ele foi algo próximo do sermão tópico, já que ele frequentemente se

referia mais ao assunto do discurso “do que a qualquer lista formal de tópicos.” (KIDDER, 1864,

p. 206, tradução nossa). Em seus sermões, o missionário procurou mapear todo o campo de

argumentação, e fixar locais onde poderia se posicionar para desenvolver pensamentos e modos

de falar. Como não há concordância sobre o número ou a ordem dos tópicos desse tipo de prédica

(KIDDER, 1864, p. 207), os estudiosos da época de Simonton os dividiam em duas grandes

classes: interna e externa. Os tópicos internos são extraídos do centro do próprio assunto,

enquanto que os externos surgem de qualquer fonte fora do assunto, mas aplicável a ele.

(KIDDER, 1864, p. 207).

De modo geral, os sermões pregados pelo missionário possuem uma estrutura em que as

divisões são deduzidas do texto, mas são desenvolvidos com material de outras partes da Bíblia,

outros livros ou de fatos do cotidiano. Para aqueles que pregam apenas sobre um ou dois versos

isolados (como Simonton, na maioria das vezes), o sermão tópico é um tipo muito comum e

apropriado.

O ato de dividir em partes o texto a ser pregado, algo recomendado pelos homiletas no

século 19 (HOSHOR, 1954, p. 146), servia para facilitar a memorização, tanto do orador como

do ouvinte, além de reforçar a lógica do discurso189. Também demonstrava preocupação didática.

Frases como “[p]ara proveito nosso, meditemos no fato, que Mateus aqui nos refere.”

(SIMONTON, 2008, p. 56); “[a]gora passo a expor duas verdades estreitamente ligadas ao fato

de ter feito Cristo uma real satisfação pelos pecados [...]” (SIMONTON, 2008, p. 58) e “[t]emos,

pois, aqui, dois pontos que precisam ser esclarecidos” (SIMONTON, 2008, p. 156), demonstram

“a preocupação de Simonton com o caráter ‘didático e instrutivo’ da comunicação, conforme

ênfase em sua formação teológica analisada anteriormente.” (LEONEL, 2012, p. 136).

189 "Os princípios de divisão desenvolvidos pelos homiletas do século dezenove estavam de acordo com aqueles desenvolvidos pelos lógicos: nenhuma divisão deveria ser coextensiva com o tema; as divisões, juntas, deveriam exaurir a proposição; um princípio único de divisão deveria ser usado." (HOSHOR, 1954, p. 146, tradução nossa).

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4.5.2 O conteúdo doutrinário dos sermões

Conforme tabela do tópico 4.5., o conteúdo predominante dos sermões de Simonton era a

doutrina sobre Cristo, mais especificamente a sua obra salvadora (soteriologia) e a necessidade da

fé no Salvador. Isso provavelmente se deu por causa da própria natureza do trabalho e propósito

de Simonton no Brasil, isto é, ganhar adeptos para o protestantismo presbiteriano.

Embora em seus sermões a sintonia retórica de Simonton com os primeiros reformadores

seja pequena, “[t]odavia, aqui e ali se verificam certas ênfases especificamente reformadas ou

calvinistas, como a soberania de Deus, a segurança da salvação e especialmente o entendimento

dos sacramentos” (MATOS, 2008, p.10)190.

Um exemplo da sua leitura doutrinária está, também, no sermão que abre a coletânea,

Entrai pela porta estreita. Nessa prédica, após discorrer e enfatizar as exigências do “caminho

estreito” ensinado por Cristo (“Uma fé simples, firme e do coração: eis aqui o que se vos exige.

Eis aqui o meio de entrar pela porta estreita” [SIMONTON, 2008, p.25]), ele a encerra sugerindo,

dentro da tradição calvinista, a impossibilidade humana de atender, sem ajuda divina, às

exigências impostas pelo caminho estreito: “Seja o Espírito da verdade o vosso Guia, iluminando

o vosso entendimento e inclinando a vossa vontade para seguir o caminho que guia para a vida

eterna.” (SIMONTON, 2008, p. 25) 191. Foi desse modo sutil que Simonton seguiu de perto o

ensino tradicional de Princeton que afirmava, ao mesmo tempo, a responsabilidade e a

incapacidade do homem em responder positivamente ao apelo divino (algo como “dever e não-

poder”), ao mesmo tempo em que apontou para a graça divina como única solução, operando

externamente pela Palavra pregada e internamente, pelo Espírito (conf. TURRENTINI, 2011 [II],

p. 641) 192.

190 “Um exemplo significativo é a defesa do batismo infantil com base no conceito da aliança, encontrada no sermão ‘Os filhos do pacto’. A concepção da ceia do Senhor é nitidamente calvinista, ou seja, Cristo está realmente presente no sacramento, embora de maneira espiritual.” (MATOS, 2008, p.10). 191 Porém, às vezes ele faz apelos finais sem menção anterior à soberania divina, como ocorre no caso do sermão 6 (Bartimeu, o cego), que termina assim: “Pedi-lhe que tenha misericórdia de vós, como fez há dezoito séculos Bartimeu, o cego mendigo de Jericó.” (SIMONTON, 2008, p. 73). Neste caso, o conselho dado por Simonton aparentemente entrega a decisão de receber a Cristo como Salvador ao ouvinte/leitor, sugerindo certa aproximação da tradição homilética metodista, que enfatizava a capacidade humana de escolher seguir ou não à religião cristã. 192 Hodge, igualmente, afirma: “O Espírito especialmente ilumina a mente dos filhos de Deus para que conheçam as coisas graciosamente concedidas (reveladas) por Deus. O homem natural não as recebe, nem pode conhecê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” (HODGE, 2008, p. 396). Na mesma página, afirma que pertence ao Espírito “convencer o mundo do pecado; revelar a Cristo; regenerar a alma; guiar os homens ao exercício da fé e do arrependimento; habitar aqueles a quem ele assim renova, como um princípio de uma vida nova e divina.” (HODGE, 2008, p. 396).

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Em outro exemplo, no sermão Deus é caridade, Simonton começa discorrendo sobre

princípios que, sendo ignorados, impediriam o progresso das ciências. No segundo parágrafo,

afirma que a mesma ideia se aplica à teologia, que sendo Deus o objeto de fé e de culto, “é claro

que aquele que quer estudar teologia deve, em primeiro lugar, conhecer o caráter de Deus. É

inútil passar adiante enquanto não tem certeza absoluta a este respeito.” (SIMONTON, 2008, p.

35). Hodge, em sua Teologia Sistemática, após mostrar os problemas com as definições de

teologia, oferece a sua própria: é “a ciência dos fatos da revelação divina até onde esses fatos

dizem respeito à natureza de Deus e à nossa relação com ele, como suas criaturas, como

pecadores e como sujeitos da redenção.” (HODGE, 2008, p. 16) 193. Contudo, embora Simonton

(2008, p.35) defina muito brevemente a teologia como “ciência de coisas divinas” (uma definição

que o próprio Hodge considera “completamente vaga e insatisfatória”, pois “faz a teologia

inteiramente independente da Bíblia” [HODGE, 2008, p.16]), ele segue seu professor na medida

em que apresenta e desenvolve em seu sermão a natureza do ser divino (especialmente, seu

amor), como princípio da ciência teológica. Assim, embora começando com uma definição vaga

em sua prédica, o aluno acaba por encontrar seu mestre que considerava, na ordem de

importância da sua obra, “[e]m primeiro lugar, a teologia propriamente dita, a qual inclui todo o

ensino bíblico referente ao ser e aos atributos de Deus.” (HODGE, 2008, p.24) 194.

Assim, a leitura doutrinária de Simonton está em notável sintonia com sua formação

teológica, que molda e reforça a lógica do seu discurso. Sua firmeza doutrinária e sua clareza

expressiva talvez tenham sido refinadas pelas controvérsias religiosas (inclusive entre

presbiterianos), no ambiente norte-americano da sua época, que obrigaram o pregador a explicar

suas doutrinas de modo tão claro e enfático como se fosse sua meta final, para não ser confundido

com seus oponentes doutrinários (inclusive os de dentro da sua própria denominação).

193 A definição dada por Turrentini é essencialmente a mesma de Hodge. Para ele, teologia é “um sistema ou corpo de doutrina concernente a Deus e às coisas divinas reveladas por ele, para sua própria glória e a salvação dos homens.” (TURRENTINI, 2011 [I], p. 41). 194 Hodge, por sua vez, segue de perto Turrentini, que afirmava ser Deus o objeto principal da ciência teológica: “Embora os teólogos difiram sobre o objeto da teologia, a opinião mais comum e verdadeira é a daqueles que o atribuem a Deus e às coisas divinas (Deus como primário e as coisas divinas como secundárias, quer feitas por Deus, quer cridas e feitas pelos homens), isto é, Deus direta e indiretamente (a saber, Deus e as coisas dele [como suas obras] e as sujeitas a ele [como criaturas] e as que se dirigem a ele [como os deveres do homem]. Tanto é que todas as coisas são discutidas na teologia, ou porque tratam de Deus propriamente dito, ou porque têm relação (schesin) com ele como o princípio e o fim.” (TURRENTINI, 2011 [I], p. 56).

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4.6 A leitura bíblica de Simonton: moldada pela intenção de evangelizar.

4.6.1 A seleção dos textos bíblicos

Na tabela abaixo, estão os documentos bíblicos que serviram como base para cada um dos

23195 sermões da coletânea de Blackford:

No Antigo Testamento No Novo Testamento 1º. livro dos Reis: 1 sermão Evangelho segundo Mateus: 5 sermões Livro de Isaías: 1 sermão Evangelho segundo Marcos: 1 sermão Evangelho segundo Lucas: 2 sermões Evangelho segundo João: 5 sermões Atos dos apóstolos: 1 sermão 1ª. epístola aos Coríntios: 3 sermões 2ª. epístola aos Coríntios: 1 sermão Epistola aos Filipenses: 1 sermão Epístola aos Hebreus: 1 sermão Apocalipse: 1 sermão

Blackford privilegiou os sermões no Novo Testamento em sua coletânea, tradicionalmente

usados para evangelização (especialmente os evangelhos e Atos, em maior número, 14) e

doutrinação (as epístolas de Paulo [incluindo Hebreus], 06 sermões). Esse arranjo reflete bem o

trabalho desenvolvido por Simonton no Brasil, em pouco mais de seis anos, dedicados

principalmente à evangelização e à doutrinação da Igreja Presbiteriana nascente.

É importante neste ponto, para uma reflexão mais profunda sobre o uso que Simonton fez

de cada uma das passagens pregadas, estudar a questão das perícopes196 bíblicas que encabeçam

todos os 22 sermões do missionário.

Inicialmente, dois pontos fundamentais sobre a Bíblia devem ser levados em conta.

O primeiro é ressaltado por Ricoeur, ao afirmar que todas as Bíblias atualmente disponíveis

ao público leitor foram, sem exceção, “editadas criticamente” (RICOEUR, 1995, p.68, tradução

nossa), a começar da reunião dos manuscritos avulsos no processo de canonização197.

195 Vale lembrar, conforme registrado na nota de rodapé 7 desta pesquisa, que o sermão 16 (A morte e o futuro estado dos justos) é, na verdade um grande artigo, que faz parte de uma série publicada no 4º. volume do jornal Imprensa Evangélica, de 1868. (BLACKFORD, 2008, p.13) 196 Perícope: “(grego, ‘seção’). Seção auto-suficiente da Escritura.” (ALTER; KERMODE, 1997, p. 714). 197 Porém, Ricoeur faz uma diferenciação entre dois tipos de edição crítica na história: “[O] ato crítico que nós [atualmente] estamos praticando é totalmente diferente desta reunião de textos do Cóptico e assim por diante, quando a comunidade constituiu seu cânon. O tipo de crítica bíblica que começou nos séculos dezoito e dezenove foi de uma

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O segundo ponto é destacado pelo crítico literário Northrop Frye (2004, p. 11). Para ele,

embora a Bíblia tenha sido formada por dezenas de textos distintos, ela é experimentada pelos

cristãos em geral como se fosse uma unidade. Parece mesmo que ela veio a ser pensada como um livro apenas porque para efeitos práticos ela fica entre duas capas. [...] Contudo isso não importa, mesmo que seja verdade. O que importa é que se leu ‘a Bíblia’ tradicionalmente como uma unidade, e foi assim, como uma unidade, que ela pesou sobre a imaginação do Ocidente. (FRYE, 2004, p.11)

Esses dois fatos fundamentais respondem por boa parte da instabilidade existente em

qualquer leitura do livro sagrado.

Pelo menos desde o século 11, um grande processo de inovação na estrutura material dos

livros estava em andamento198. Quando Simonton fez uso da Bíblia Católica (Vulgata199), ela já

estava organizada200 e dividida em capítulos pelo menos desde o século 13 (WÜRTHWEIN,

1995, p.21), pelo trabalho de edição encabeçado por Stephen Langton (1150-1228) 201 que foi

comissionado pela Universidade de Paris, numa extensa colaboração entre professores e

comerciantes (JOOP; BANNING, 2007, p.147, 150). Antes de Langton, porém, o Antigo

Testamento já experimentara sua primeira divisão (exceto no Saltério). Mas ela foi feita apenas

natureza completamente diferente, pois agora podemos possuir textos que não são textos de nenhuma comunidade, exceto, talvez, da comunidade do mundo acadêmico.” (RICOEUR, 1995, p.68, tradução nossa). 198 Nesse século, na Europa, “[a] alfabetização se desenvolve, a escrita progride em todos os níveis, os usos do livro se diversificam. Práticas de escrita e práticas de leitura, de algum modo separadas na Alta Idade Média, aproximam-se, tornam-se função uma da outra, formando um nexo orgânico e inseparável.” (CAVALLO; CHARTIER, 1998, p.22). Por causa desses nexos “surge uma tipologia funcional para essas práticas. Recorre-se às abreviações para tornar a leitura mais rápida; o espaço da página é dividido em duas colunas... (...); o texto é fragmentado em seqüências capazes de facilitar a compreensão.” (CAVALLO; CHARTIER, 1998, p.22). Surge, aos poucos, “um verdadeiro sistema de técnicas auxiliares de leitura e de consulta do livro destinadas a identificar rapidamente a passagem que se procura: rubricas, sinais de parágrafos, títulos de capítulos, separação entre texto e comentário, sumários, índice de concordâncias de termos, índices e listas analíticas dispostas em ordem alfabética.” (CAVALLO; CHARTIER, 1998, p. 22,23). 199 A Vulgata é a tradução latina da Bíblia (editio vulgata), “feita por São Jerônimo e completada no início do século V d. C., impressa pela primeira vez em 1456 (a Bíblia de Gutenberg). Ela é ainda a base da Bíblia Católica Romana”. (ALTER; KERMODE, 1997, p. 718). 200 Vale registrar que havia muitos sistemas de organização dos livros bíblicos em uso no fim do século 12, “e todo aquele que estudá-los ficará surpreso com sua diversidade.” (JOOP; BANNING, 2007, p.141, tradução nossa). “A diversidade era sentida mais agudamente na Universidade de Paris, onde a procedência internacional do corpo estudantil mostrou mais claramente a necessidade absoluta de uma ordem canônica padronizada dos livros das Escrituras.” (METZGER, 1977, p.347, tradução nossa). 201 Langton foi “um professor da universidade de Paris e mais tarde Arcebispo de Canterbury (1228).” (WÜRTHWEIN, 1995, p.98, tradução nossa). Sua Bíblia de Paris logrou aceitação geral e alcançou ampla distribuição como a primeira Bíblia de Gutenberg, de 1452/55. As edições que sucederam a essa foram apenas formas levemente revisadas dessa Bíblia de Paris (WÜRTHWEIN, 1995, p.98).

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entre parágrafos abertos e fechados, não entre capítulos e versículos202. O sistema de Langton,

que é substancialmente o mesmo em uso atualmente, “foi adotado nas primeiras edições

impressas da Vulgata.” (METZGER, 1977, p.347, tradução nossa) 203.

Entre os séculos 15 e 17 ocorrem mudanças significativas na estrutura dos livros. Essas

evoluções, por sua vez, “multiplicam as divisões do texto (versículos, capítulos, artigos,

parágrafos, etc.) e tornam essa divisão claramente visível, ou ainda distinta, pelos contrastes

tipográficos, uma pontuação mais completa, retornos à linha e ao estatuto de diversos

enunciados.” (CHARTIER, 2001, p. 98). No século 16 (1553 ou 1555), o editor Robert Étienne,

em Paris, criou outra grande e significativa divisão na Bíblia: a inserção de versículos204.

Esse fenômeno paulatino de segmentação dos textos teve implicações fundamentais,

especialmente ao ter afetado textos sacros, como a Bíblia. É conhecido o embaraço de Locke diante do hábito, então difundido, de dividir o texto da Bíblia em capítulos e versículos. Para ele, uma tal forma implicava o risco de ver obliterada a poderosa coerência da palavra de Deus. A propósito das epístolas de Paulo, notava que: “Não apenas o vulgo toma os versículos por aforismos distintos ao lê-los, mesmo os homens de maior saber, perdem muito da força e do poder de sua coerência e da luz que deles se desprende”. Em seu entender, os efeitos de tal recorte são desastrosos, autorizando a cada seita ou partido religioso fundar a sua legitimidade sobre os fragmentos da Escritura que lhe pareçam confortáveis. (CHARTIER, 1994, p.19) 205.

Por causa da sua formação discursiva, orientando-se principalmente por temas doutrinários,

Simonton conseguiu manter seu discurso consideravelmente consistente. Porém ocorreu com ele,

em parte, o que o alerta de Locke procurou evitar: Embora não desse tratamento totalmente

aforístico aos textos sobre os quais pregou, Simonton, ao isolá-los, perdeu muito da sua força,

coerência e luz. A pouca profundidade na exploração contextual das perícopes escolhidas,

associada a uma leitura que fez mais uso da doutrina do que explorou (mesmo implicitamente 202 “Um parágrafo aberto... é aquele que começa uma nova linha após uma linha vazia ou incompleta; um parágrafo fechado ... é separado do seu parágrafo precedente por um espaço curto na linha. Eventualmente essa distinção foi ignorada no atual formato escrito, mas um pê [17ª. letra do alfabeto hebraico] prefixado ou sameq [15ª. letra do alfabeto hebraico] continuou a indicar a distinção. A Bíblia Hebraica observa esse uso.” (WÜRTHWEIN, 1995, p.20, tradução nossa). “A divisão em versos já era conhecida no período Talmúdico, com diferentes tradições Babilônicas e Palestinas, mas não foram dados números como subdivisões de capítulos até o século dezesseis.” (WÜRTHWEIN, 1995, p.21, tradução nossa). 203 “Os capítulos foram inicialmente subdivididos em sete porções (não parágrafos), marcadas na margem pelas letras a, b, c, d, e, f, g, com a referência sendo feita pelo número do capítulo e a letra sob a qual a passagem ocorria. Nos salmos mais curtos, no entanto, a divisão nem sempre se estendia a sete.” (METZGER, 1977, p.347, tradução nossa). 204 Primeiro Étienne dividiu em versículos uma edição francesa, depois uma edição latina da Bíblia (JOOP; BANNING, 2007, p.141). Sua edição da Vulgata Latina é considerada como a primeira realmente crítica, tendo sido publicada em 1528 (METZGER, 1977, p.348). 205 O alerta de John Locke foi escrito no prefácio do seu An Essay for the understanding of St. Paul’s epistles, by consulting St. Paul himself. (In: The works of John Locke, Vol. 7. London: C. and J. Rivington, 1824, vi, vii).

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guiado por ela) as possibilidades do texto, deixou certo espaço que acabou sendo preenchido por

pequenos esquemas, interjeições e ilustrações que, conquanto tivessem seu lugar na prédica,

deveriam ser decorrência das sugestões, possibilidades ou indeterminações do texto em questão,

não acréscimos a ele. Por vezes, a impressão que se tem é que sua pregação foi mais guiada pela

força da sua doutrina do que pelos versos anunciados no início dos seus sermões.

4.6.2 Metáforas

Neste tópico, serão estudadas, da coletânea de Blackford, algumas metáforas encontradas

em sermões de Simonton e sua função no discurso. Identifico como sermões desse teor os de

número 1 (“Entrai pela porta estreita”), 2 (“O viver é Cristo”), 6 (“Bartimeu, o cego”), 18 (“O

tesouro escondido”) e 20 (“A paz: o legado de Cristo”). Abaixo, segue uma tabela dos sermões

com as metáforas predominantes em cada um.

Sermão Metáfora 1. Entrai pela porta estreita (Mateus 7.13,14) O Peregrino 2. O viver é Cristo (Filipenses 1.21) O Alvo 6. Bartimeu, o cego (Lucas 18.35-43 e Mc 10.46-52) Cegueira e vista 18. O tesouro escondido (Mateus 13.44-46) O tesouro 20. A paz: o legado de Cristo (João 14.27) A herança

As figuras usadas por Simonton não são meramente ornamentais, mas funcionais,

trazendo, além de informação nova, a projeção de possibilidades, dizendo “algo de novo sobre a

realidade” (RICOEUR, 2006, p. 172) 206 dos seus leitores.

Inicialmente, vale observar que as quatro últimas metáforas, mencionadas na tabela acima,

de certo modo estão contidas na metáfora mais ampla do peregrino, que cobre toda a vida e

experiência cristãs. Por isso, as metáforas estudadas a seguir serão consideradas parte dessa

figura maior, que engloba as ideias contidas nas outras figuras (como arrependimento, relação

com Cristo e restauração da visão espiritual) 207. De modo geral, elas serão vistas não apenas por

seu aspecto lógico, mas também como recursos que contribuem para a interação emocional entre

206 Para Ricoeur não só as metáforas, mas outras formas literárias de articulação do conteúdo religioso (símbolos, mitos, narrativas, modelos) “não são simples artifícios taxonômicos para categorizar discursos, mas antes os meios pelos quais o significado teológico é produzido.” (WALLACE, 1995, p. 17, tradução nossa). 207 Essa relação de subordinação será observada no decorrer da análise das quatro metáforas, nos parágrafos seguintes.

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Simonton e seu leitor implicado. Pois assim como uma metáfora consiste em falar de uma coisa

em termos de outra, também consiste em perceber, pensar ou sentir, a propósito de uma coisa,

nos termos de outra (RICOEUR, 2000, p. 134) 208. O ouvinte é chamado não só a pensar, mas

também a sentir e desejar de acordo com os modelos apresentados.

Como será visto, Simonton usou apropriadamente as metáforas como estratégia de ensino,

pondo-as todas sempre no início ou perto do início dos seus sermões e mantendo certa

consistência até o fim do discurso (DILLARD; MIRALDI, 2008; p. 698).

Ao falar dos seus leitores como peregrinos, pessoas em busca de um alvo, cegas que são

curadas, em busca de um tesouro ou esperançosas por uma herança, Simonton põe numa espécie

de tensão cada um desses cinco termos, ao deslocá-los do seu uso habitual. Ele promoveu uma

espécie de encontro entre o que quis dizer e o modo como se expressou. Ocorreu, nesse caso,

algo como uma contradição ou contração e, num segundo momento, uma transformação gerada

pela colisão semântica entre o literal e o figurado.

Por meio desse discurso, Simonton levou seu leitor a entender peregrinação como outro

nome para a vida humana neste mundo, com toda a sua duração, conflitos éticos e demais

vicissitudes. Afirmando desde o início (e mantendo a consistência da afirmação) que não existe

para o ser humano nesta vida “morada fixa e permanente” (SIMONTON, 2008, p.15) e que tal

condição, naturalmente, não depende da sua vontade (“É forçoso caminhar até o fim da carreira.

Nem a vida nem a morte dependem da vontade dos homens, mas sim do decreto de Deus”

[SIMONTON, 2008, p. 15]), Simonton prepara seus ouvintes para dar um direcionamento - do

início ao fim - ao seu caminhar por este mundo.

A outra metáfora é a do alvo, no sermão O viver é Cristo, baseado na Epístola de Paulo aos

Filipenses, 1.21 (“Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer lucro”). Com ela, Simonton

argumenta que Jesus Cristo era o grande alvo da vida do apóstolo, aquilo que lhe dava “força e

animação [...]” (SIMONTON, 2008, p.27). Baseando-se nisso, Simonton faz uma pergunta

existencial aos leitores. “Qual é o fim da vossa vida? Qual é o alvo de vossas aspirações?”

(SIMONTON, 2008, p.27). Quanto a esse assunto, Simonton não tinha interesse meramente 208 Estudos feitos nas últimas décadas têm revelado que, no ser humano, os aspectos emocional e o cognitivo “não representam pólos contrastantes, mas estão intimamente interligados. Daí porque a corrente pesquisa sobre persuasão voltou seu foco maior para as funções dos componentes emocionais nos processos de persuasão.” (TILL, 2008, p.646, tradução nossa). Ricoeur captou a complexidade da relação entre lógica e emoção, ao escrever: “Sentir, no sentido emocional da palavra, é tornar nosso o que foi posto a uma distância pelo pensamento, em sua fase externalizante. Os sentimentos, portanto, têm um tipo muito complexo de intencionalidade. Eles não são meramente estados interiores, mas pensamentos interiorizados.” (RICOEUR, 1978, p.156, tradução nossa).

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especulativo. Essa foi uma das perguntas mais importantes para a sua própria vida, tanto antes

como depois da sua vinda para o Brasil209.

Assim como na metáfora do peregrino, Simonton, desde o início da prédica, faz uso de um

conjunto de termos e figuras subordinadas à principal (Cristo como alvo), mantendo assim sua

consistência e força: mira (SIMONTON, 2008, p.15), alcançar, fins, ideia fixa, (28), mira fixa (p.

29), tudo isso para reforçar a questão primeira e mais profunda, levantada na prédica. Partindo do

exemplo do apóstolo, Simonton expõe assim a tensão metafórica: A mira fixa que Paulo tinha em vista era a glória de Cristo. No sentido em que alguns vivem para se divertir, outros para mandar e outros para ajuntar riquezas, assim Paulo tinha um fim determinado a que se propugnar. Queria que Jesus fosse conhecido e amado na medida de seus merecimentos infinitos. Esse desejo dava direção a tudo quanto pensava ou fazia. (SIMONTON, 2008, p.29, grifo nosso).

Ele continua a explorar coerentemente o campo semântico do termo alvo, afirmando:

“Quem imitar a Paulo, fazendo da glória de Jesus Cristo a sua regra, não poderá errar muito na

direção de sua vida.” (SIMONTON, 2008, p.31, grifo nosso). Fará isso até a última frase do

sermão: “Ninguém pode ser digno obreiro na vinha do Senhor sem que procure imitar a Paulo,

tomando a Cristo como o seu alvo...” (SIMONTON, 2008, p. 33, grifo nosso). Para Simonton,

durante sua peregrinação por este mundo, os que querem ser cristãos devem, a exemplo do

apóstolo, manter o seu olhar em Cristo durante toda a sua caminhada, nos conflitos interiores e

nos altos e baixos da vida210.

Na terceira metáfora, o missionário descreve cegueira e vista como condições espirituais

humanas. Faz isso logo na introdução do sermão e sustenta a associação até o fim. Embora o

texto de Lucas 18:35-43 (a cura do cego Bartimeu, enquanto Cristo ia passando por ele), relate a

cura de um problema ocular, Simonton interpreta a passagem como se esta ensinasse sobre uma

cegueira espiritual que, segundo ele mesmo, é mais comum aos seres humanos do que sua

209 Em seu diário (20/01/1855), no seu aniversário de 22 anos e antes de ingressar no seminário, ele diz estar preocupado em chegar a essa idade “e estar vivendo com tão poucos propósitos.” (SIMONTON, 2002, p. 80). Já como missionário, no Rio de Janeiro, ele confessa, mencionando o mesmo versículo básico da pregação agora analisada (Fp. 1.21): “Não posso dizer em sã consciência que ‘para mim o viver é Cristo’. Preciso dar precedência a uma pessoa, e não a princípios.” (SIMONTON, 2002, p. 137). 210 Em seu diário (03/05/1855), Simonton diz ter tomado essa decisão, após passar anos de sua vida sem ter uma meta definida: “Somente quando saio de mim mesmo e me volto para as límpidas, claras e completas promessas do evangelho, é que me sinto seguro. Portanto, depois de veementes orações a Deus para que me oriente, decidi não procurar mais obter o conforto ou a evidência clara de minha aceitação por Cristo olhando para a minha própria estrutura ou sentimentos, mas colocar minha confiança na palavra simples das Escrituras,...” (SIMONTON, 2002, p. 87,88). Anos depois, ele lembra esse como tendo sido o primeiro ano da sua verdadeira vida cristã. “Foi ano de nascimento, pois somente quando a alma se une a Cristo pela fé é que ela começa a cumprir os propósitos da vida.” (SIMONTON, 2002, p. 98).

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correspondente física. Assim, embora nem todos os homens sejam fisicamente cegos, “[e]m

sentido espiritual todo homem é cego.” (SIMONTON, 2008, p.65). As coisas deste mundo cegam

os homens de tal modo “que os tornam incapazes de enxergar coisa alguma que não seja visível,

sensível e palpável. Essa cegueira espiritual difere em diversos indivíduos. [...] Essa cegueira

espiritual é geral.” (SIMONTON, 2008, p.65) 211. Em alguns pontos, a torção metafórica chega

ao seu ponto máximo, como quando ele afirma aos que se sentem cegos espiritualmente: “A

pregação do evangelho se resume em um só fato, a que se pode dar expressão, dizendo: Jesus

Nazareno vai passando.” (SIMONTON, 2008, p.68). “Imitando o procedimento desse cego, vós

haveis de achar vista espiritual, o perdão de vossos pecados e a paz interior, que é um tesouro que

o mundo não vos pode dar nem tampouco tirar.” (SIMONTON, 2008, p.71). E ainda: “Pedi-lhe

que tenha misericórdia de vós, como fez há dezoito séculos Bartimeu, o cego mendigo de Jericó.

[...] Os vossos olhos se abrirão [...] Dentro de vossas almas Jesus vos dirá: Ide em paz; vossa fé

vos curou.” (SIMONTON, 2008, p. 73). Para Simonton, a primeira coisa que faz aquele que

recuperou sua visão espiritual é, qual peregrino, seguir o caminho de Cristo pelo restante dos seus

dias. Referindo-se à cura do cego, diz: Para que lado se dirigiu sua vista recuperada? Porventura pôs-se ele a admirar o sol na altura dos céus, ou os campos cobertos de espessa relva e matizados de flores? Não. Uma só coisa prendia toda a sua atenção – seu Salvador. Não podendo separar-se dele, Bartimeu o foi seguindo pelo caminho. (SIMONTON, 2008, p. 71).

A parábola212 do tesouro diz respeito ao valor do Reino dos Céus e sua relação com os que

creem: “O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido no campo, que, quando um

homem o acha, o esconde, e pelo gosto que sente de o achar; vai, e vende tudo o que tem, e

compra aquele campo.” (Mt. 13:44-46). Para Simonton, “[d]a mesma maneira o tesouro

escondido, em que nosso Senhor fala nesta parábola, figura os privilégios, os direitos e as

bênçãos espirituais que se concedem aos crentes.” (SIMONTON, 2008, p.178). Esboçando, neste

ponto, certa visão incremental da metáfora, Simonton afirma no início da prédica que, para

compreender a linguagem da parábola, é preciso “penetrar a casca e tirar a doutrina que nela está

211 Neste sermão, Simonton metaforiza outro aspecto (o financeiro) de Bartimeu que, além de cego, era pobre e pedia esmolas. “A esse respeito o texto é exato. Todo aquele que não conhece a Jesus Cristo, nem possui sua graça, é pobre e vive de mendigar.” (SIMONTON, 2008, p.65). “Paro aqui para recomendar àqueles a quem faltam a vista e as riquezas da alma que sigam o exemplo de Bartimeu.” (SIMONTON, 2008, p.68). Porém, essa metáfora está, no sermão, claramente subordinada à principal. 212 Embora o sermão trate sobre uma parábola, seguirei o pensamento de C. H. Dodd, para quem uma parábola é uma espécie de metáfora estendida: “De modo mais simples, a parábola é uma metáfora ou símile extraída da natureza ou da vida comum, cativando o ouvinte por sua vividez ou estranheza, e deixando a mente em dúvida suficiente sobre sua precisa aplicação para levá-la a pensar ativamente.” (DODD, 1961, p. 16, tradução nossa).

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encerrada.” (SIMONTON, 2008, p. 176). Após “descascar” brevemente a figura, ele apresenta o

seu “sentido moral e religioso” (SIMONTON, 2008, p. 177): “É evidente que a principal coisa

que nosso Senhor pretendeu ensinar é o grande apreço em que se deve ter a alma do homem, e a

maneira de proceder para lhe assegurar a salvação.” (SIMONTON, 2008, p. 177). O tesouro que

o Reino significa, de modo geral, é “a salvação das nossas almas, ou em outras palavras, o direito

de ser cidadão do Reino dos céus.” (SIMONTON, 2008, p. 178). De modo mais específico, a

apropriação desse tesouro consiste em ter “nossas culpas perdoadas, e estar firmes na esperança

de alcançar entrada no céu [...]” (SIMONTON, 2008, p. 178). Mais à frente, acrescenta que essas

riquezas “são as promessas e as bênçãos que a Palavra de Deus vos oferece.” (SIMONTON,

2008, p. 182). Ele continua a explorar a metáfora, afirmando que “o campo” onde o tesouro está

escondido são “as Sagradas Escrituras” (SIMONTON, 2008, p. 178) 213. Lá está a notícia “de

haver salvação gratuita para todos os que se sintam necessitados e cansados de vãos esforços para

comprar ou merecer que Deus lhes perdoe.” (SIMONTON, 2008, p. 179).

O missionário afirma que os problemas em se aceitar esse tesouro estão ligados à falta de

vontade e de entendimento por parte dos que ainda não o possuem. Se esse tesouro ainda está

escondido, é porque nem todos Se esse tesouro ainda está escondido, é porque nem todos

“apreciam as riquezas reveladas na Palavra de Deus [...]” (SIMONTON, 2008, p. 179). A seguir,

mostra que muitos não têm acesso às riquezas divinas por ignorância, assim como os “índios da

Califórnia” que “passaram muitas vezes por cima de minas de ouro, sem uma só vez sonharem

nas riquezas que pisavam aos pés [...]” (SIMONTON, 2008, p. 180-181).

Em sua notável exploração da parábola, Simonton afirma ser impossível comprar o tesouro,

mas possível comprar o campo onde ele está escondido. “O verdadeiro sentido é que devemos

avaliar em seu justo preço as riquezas que a Palavra de Deus nos descobre, e em comparação ter

em pouco, em nada, todas as mais riquezas.” (SIMONTON, 2008, p. 184). Dentro da metáfora

mais ampla do peregrino, a descoberta do tesouro (a salvação da alma) equivaleria ao ponto de

partida da jornada cristã por este mundo.

A última metáfora estudada (a herança) está num sermão que parte do Evangelho de João,

14:27 (“A paz vos deixo, a minha paz vos dou”). Mais uma vez, o pregador faz uso consistente,

desde as primeiras considerações, da segurança existente no aspecto jurídico dos legados

213 “Com toda a razão se pode dizer que as Escrituras são um campo em que está escondido um tesouro, não de riquezas mundanas, mas sim de sabedoria e de consolação e da graça salvadora.” (SIMONTON, 2008, p. 183).

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humanos. “O direito adquirido em virtude de um testamento é o mais absoluto de todos os

direitos reconhecidos entre os homens.” (SIMONTON, 2008, p. 193). A herança, neste caso, é

de tipo espiritual: a paz deixada por Cristo aos seus discípulos, pouco antes da sua morte.

Simonton aproveita-se da ideia de herança (que, no sermão, substitui o verbo deixar, no

verso joanino [João 14:27], que serve como base para a prédica), e explora o legado de Cristo aos

seus seguidores, em contraste com a herança espiritual legada desde o início da humanidade aos

que não creem: “Sois os herdeiros de Adão.” (SIMONTON, 2008, p. 194). Assim, substituindo o

verbo deixar, ele parece ter encontrado um modo mais apropriado para falar da carga espiritual

deixada por Adão (o pecado) e por Jesus Cristo (o perdão e a salvação da alma). Dentro desse

novo campo semântico, Simonton explora a metáfora da herança desde o início, e mantém sua

consistência com figuras associadas: “direitos de sucessão”, “dívidas”, “testamento”

(SIMONTON, 2008, p. 193), “testador”, “representante legal”, (SIMONTON, 2008, p. 194),

“fiador” e “restituir” (SIMONTON, 2008, p. 195, 198). Simonton articula e mantém coeso seu

discurso citando textos bíblicos que usam linguagem jurídica aplicada à obra de Cristo, como

Hebreus 9.15-17 (“Porque o testamento não tem força, senão pela morte”, etc.) e Gálatas 3.15-19

(“Irmãos [...] ainda que um testamento seja de um homem [...]”). (SIMONTON, 2008, p. 199).

É possível perceber que essa alteração acabou por tornar um texto originalmente escrito por

João para ensinar sobre o consolo de Cristo aos seus discípulos, num sermão a serviço da

conversão de pessoas ao protestantismo. No final da prédica, Simonton pede para que seus

leitores avaliem (faz isso citando quatro longos textos bíblicos) se são, de fato, herdeiros

legítimos da paz de Cristo214.

Em todas as figuras citadas, Simonton consegue, de modo criativo e compacto, possibilitar

um (re) arranjo no pensamento dos seus leitores sobre os assuntos tratados. Além de mapear o

mundo do seu público, ele trouxe propostas de orientação para a sua vida no mundo, valendo-se

desses pequenos modelos narrativos. Nesse sentido geral, pode-se dizer que sua estilística é

funcional e bíblica.

Segundo Frye (que segue Ricoeur no assunto), “[a]cabamos tendo que considerar a

possibilidade de que a metáfora não é um ornamento acessório da linguagem bíblica, mas uma de

suas modalidades diretivas do pensamento.” (FRYE, 2004, p.81). Para o crítico literário, na

214 Essa é uma boa ilustração do que o poeta Milton quis dizer, ao observar que mudanças metafóricas “eram muito mais importantes do que nas doutrinas.” (FRYE, 2004, p. 115).

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linguagem descritiva comum, “as metáforas soam como obstáculos devido à sua ambigüidade

[...]” (FRYE, 2004, p.81). No entanto, em se tratando da Bíblia, a versatilidade das palavras como

forma, ideia, substância, ser ou tempo pode dar a chave de todo um sistema de pensamento.

“Parece claro que a Bíblia pertence a uma área da linguagem onde a metáfora é funcional, e onde

devemos desistir da precisão pela flexibilidade.” (FRYE, 2004, p. 83) 215.

As metáforas foram úteis ao trabalho de Simonton, em suas tentativas de levar pessoas ao

protestantismo, pois elas possuem uma capacidade de confinar não só conceitos, mas

sentimentos, revelando uma essência “perfeitamente adaptada para ser o discurso de uma teologia

que está orientada para a escatologia” (VANHOOZER, 1990, p. 57, tradução nossa), propondo,

assim, novas possibilidades para o futuro do seu público.

As metáforas, utilizadas pela mente criativa, mostram que não há palavras tão distantes que

não permitam que um orador estabeleça uma ponte entre elas. [O] poder de criar novas significações contextuais parece ser ilimitado, e tais atribuições aparentemente “insensatas” [...] podem fazer sentido em algum contexto inesperado. O homem que fala jamais esgotará os recursos conotativos de suas palavras. (RICOEUR, 2000, p. 150-151).

4.6.3 Diatribe

Outro recurso usado por Simonton para reforçar a persuasão do seu discurso foi a diatribe,

um modo de fala exortativa no qual “o orador confronta e debate com um interlocutor imaginário

de modo a instruir sua audiência.” (BAYLEY; BROEK, 1992, p. 38, tradução nossa).

Considerando que os sermões escritos, ao terem se libertado do seu ambiente primeiro

(oralizado), tornaram imaginária a audiência de Simonton, pode-se dizer que todas as suas

prédicas escritas possuem, de certo modo, um caráter diatríbico. Contudo, esse artifício retórico é

usado, no sentido estrito, em alguns dos seus sermões.

Pesquisas recentes evidenciaram que a origem dessa arte “não está na ‘pregação nas ruas’,

para as ‘massas’, e sim na conferência escolar” (BERGER, 1998, p. 104), na sala de aula “onde

professores o usavam para provocar o aprendizado” (SCHREINER, 1990, p. 24-25, tradução

nossa) e para responder a problemas da vida, configurando, desse modo “uma direção espiritual

dada por um mestre autorizado.” (BERGER, 1998, p. 104).

215 Com isso, Frye não está negando os mais variados gêneros e subgêneros literários contidos na Bíblia, mas apenas destacando a miríade de figuras usadas no livro sagrado, do tipo ‘isto-é-aquilo’.

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Como o interlocutor nem precisa estar realmente presente nesse tipo de diálogo

imaginário, o gênero se presta particularmente útil na linguagem escrita (BERGER, 1998, p.

104), tendo sido usado algumas vezes no Novo Testamento pelo apóstolo Paulo, especialmente

em sua carta aos Romanos216. É possível que Simonton tenha se inspirado nele para fazer uso

desse recurso embora, como será visto, em quantidades e formas217 moderadas.

Uma das características marcantes da diatribe está em seu efeito conversacional. “O

professor [...] antecipa uma possível objeção ou resposta ao seu argumento, e coloca a pergunta

ou objeção nas palavras do aluno, e então a responde.” (SCHREINER, 1990, p. 25, tradução

nossa). Além disso, as objeções e conclusões criadas pelo professor, seguindo esse modelo,

“marcam o momento em que uma tese importante é formulada.” (BERGER, 1998, p. 104). Esta é

uma característica que Simonton segue de perto em suas prédicas.

Por exemplo, no sermão Entrai pela porta estreita, o missionário afirma que o leitor comete

um grave erro ao pensar que Jesus, sendo alguém tão bom, não colocaria qualquer obstáculo para

um pecador entrar no céu: Porém dir-se-á: Como pode ser estreita esta porta, sendo a bondade de Jesus tão ilimitada, tão infinita? E como será apertado o caminho que guia para a vida, quando é verdade que Jesus convida todos os pecadores a se chegarem a ele, dizendo: “O que vem a mim, não o lançarei fora”? (SIMONTON, 2008, p.17).

Segue-se, então, uma das teses mais importantes do sermão: “Dizendo que é estreita a porta

e apertado o caminho nosso senhor deu a entender [...] que não há salvação sem haver

santificação.” (SIMONTON, 2008, p. 17).

Em outra passagem, no sermão O cego Bartimeu, Simonton procura evitar que seus

ouvintes cometam outro erro, o de confundir a invisibilidade de Cristo com a sua ausência. Dir-se-á, porém: Jesus não está mais no mundo em forma visível, não se pode ir ter com ele, nem ouvir de sua boca palavras tais quais ouviu este cego. Respondo aos que assim entendem: esta objeção não tem fundamento. (SIMONTON, 2008, p. 72).

Segue-se então uma explicação, importante na estrutura do sermão e realçada pela diatribe: Essa história não dá a entender que Bartimeu se curou por estar perto de Jesus, nem por ouvir a sua voz. [...] Aquilo que tornou esse cego aceito e fez que a virtude de Cristo operasse em seus olhos uma cura milagrosa foi a confiança perfeita que o levou a pedir misericórdia e vista.” (SIMONTON, 2008, p. 72).

216 Exemplos: Romanos 2:25-29; 3:1; 5:20; 6:1; 9:20. 217 Literária e historicamente, verifica-se a predominância dos seguintes elementos na diatribe: “O ouvinte é diretamente apostrofado (geralmente no singular) e adjetivado (p. ex., ‘tu, miserável’), sua opinião é presumida (p.ex., ‘agora dirás...’), dirigem-se-lhe perguntas (p.ex., ‘não vês que...’) e admoestações retóricas (p.ex., ‘lembra-te de...’).” (BERGER, 1998, p. 104).

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Antecipando algum ceticismo possível do seu leitor imaginário, ele escreve, no sermão

Tudo está cumprido, sobre os estranhos episódios ocorridos por ocasião da morte de Cristo: Dir-se-á, talvez, que será impossível descobrir nexo algum entre a morte de Jesus, que teve lugar no Calvário, fora dos muros de Jerusalém, e o rasgar de um véu pendente no interior do Templo situado dentro dos muros da cidade santa. (SIMONTON, 2008, p. 156).

A seguir, responde mostrando o que de fato devia ser considerado mais improvável: É impossível que três evangelistas [Mateus, Marcos e Lucas] os tivessem imaginado sem que efetivamente sucedessem, ou que os tivessem ligado assim um ao outro quem que entre eles houvesse conexão íntima e importante. (SIMONTON, 2008, p. 156).

Com isso, ele estabelece com clareza a sua meta: “O fim a que me proponho neste discurso

é tornar clara a evidência dessa conexão, e que convém dar ao sacrifício consumado na cruz,

quando Cristo disse, ‘Tudo está cumprido’ [...]” (SIMONTON, 2008, p. 156).

Finalmente, no sermão Cristo, nosso substituto, ele menciona, por parte de um interlocutor

católico (imaginário) citações que contrastam com sua tese, declarada após as palavras abaixo: Mas dir-se-á talvez: Os tesouros da Igreja, os merecimentos dos santos, o sacrifício da missa e as nossas boas obras são coisas que têm algum valor na obra da nossa salvação. É assim que muitos pensam, e em apoio de suas ideias alegam costumes, tradições e mandamentos de homens. Citam as opiniões de doutores, padres e concílios. (SIMONTON, 2008, p.62).

A isso Simonton responde, dizendo: “Há, porém, uma coisa que não citam nem alegam,

sendo esta a mais essencial. Não citam o evangelho de nosso Senhor, porque ali se vê contrariada

em cada página a falsa doutrina deles.” (SIMONTON, 2008, p. 62). A seguir, afirma que a

salvação dos crentes depende de estarem eles unidos a Cristo, não dos tesouros de merecimentos

dos santos.

O efeito pretendido por Simonton com esse recurso foi o de, naturalmente, persuadir e

direcionar seus leitores. Sendo essencialmente dialógica, a diatribe é um “um efetivo artifício de

ensino” (SCHREINER, 1990, p. 25, tradução nossa) e, como tal, foi usado por Simonton para

ensinar sua doutrina, combater possíveis idéias e comportamentos antibíblicos dos seus leitores e

remover obstáculos de tipo doutrinário (isto é, os ensinos da Igreja Católica).

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4.6.7 Emoções estimuladas nos sermões escritos

A passagem dos sermões do discurso oral para o escrito não impossibilita o estudo da

interação emocional entre o sermão escrito e seu leitor, já que, no sermão escrito, ainda resta

muito da intencionalidade do orador e dos sentimentos que procurou estimular em seu discurso.

É possível observar, nos sermões escritos de Simonton, alguns dos quatorze pathe

apontados por Aristóteles como forças agentes no discurso218. O medo e a confiança são “teclas

emocionais” tipicamente acionadas nos discursos avivalistas, em que se busca a conversão de

pessoas ao protestantismo. São reações esperadas (e de certo modo, estimuladas) na medida em

que se entende a estrutura mais fundamental desse tipo de prédica: o homem está debaixo do

temível juízo divino por ser um pecador; Deus providenciou um Salvador no qual esse pecador

pode confiar, entregando-se aos seus cuidados.

Simonton fez uso dessas “teclas”, aplicando sua leitura bíblica a serviço da conversão dos

seus leitores ao protestantismo. Em seu sermão Cristo, nosso substituto, por exemplo, há frases

alertando sobre o “[...] terrível estado de todo aquele que não tem parte no pagamento que nosso

Senhor fez na cruz” (SIMONTON, 2008, p. 58), com o objetivo de incitar temor, assim como

sugestões à confiança em Cristo, para a salvação da alma: “À vista da lei de Deus, tudo é vil e

desprezível a não ser a satisfação que Jesus fez, padecendo tanto na alma como no corpo o

terrível castigo que nós merecíamos. Portanto, longe de nós a ideia de termos merecimentos

próprios!” (SIMONTON, 2008, p.58).

Os apelos ao medo são freqüentemente usados para alertar indivíduos sobre alguma ameaça

ao seu bem-estar. “Porém, em algumas instâncias, os membros da audiência que se encontram

mais em risco são aqueles para quem o comportamento perigoso produz algum benefício.”

(DILLARD; MIRALDI, 2008, p. 692, tradução nossa). Simonton intuiu isso ao alertar seus

leitores acerca da temerária tranquilidade de quem despreza o plano salvífico de Deus. “O

caminho que guia para a perdição é espaçoso, enquanto o da vida é apertado. Este é estreito e

difícil; porém aquele é largo e cômodo [...]” (SIMONTON, 2008, p.16). Ou ainda: Guardai-vos de um cristianismo onde tudo é fácil e cômodo. Desconfiai de uma religião que se contenta com observâncias exteriores, quaisquer que estas sejam, e que não descobre nem cura a moléstia que por dentro contamina toda a alma. (SIMONTON, 2008, p.28).

218 Ver nota 33, página 20 deste trabalho.

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117

Contudo, os sermões do norte-americano se distanciavam um pouco dos sermões avivalistas

do seu tempo, que enfatizavam a urgência da conversão do pecador de um modo bem mais direto.

Kent, em seu livro sobre o assunto, descreve o discurso abaixo - incitando o medo e a confiança -

como sendo típico da pregação metodista, durante os avivamentos da época de Simonton: Você é um pecador, você não pode tornar a si mesmo uma pessoa justa a quem Deus aceitará no céu. Você precisa do perdão divino: sem isso você está perdido. (...) Você pode ter perdão agora, por meio da fé na morte sacrificial de Jesus Cristo. E é possível saber que você foi perdoado, porque o Espírito Santo dirá isso a você. Mesmo que brevemente, você ficará cheio com êxtase. (KENT, 2004, p.53, tradução nossa)

Contudo, Simonton parece ter enfatizado bem mais outro par de emoções, citado por

Aristóteles (2005, p. 170): a amizade (philia) e a inimizade (ektra). Neste caso, amizade pelos

seus ouvintes brasileiros e inimizade contra a Igreja Católica. A lógica dos argumentos do

missionário e demais técnicas de argumentação sugeriam ao leitor que ele merecia crédito como

amigo, enquanto seu oponente (A Igreja Católica) merecia a inimizade, pois seu discurso,

segundo Simonton, era contraditório com seu próprio livro sagrado, cuja versão era utilizada pelo

missionário em seus sermões.

Essas duas emoções estimuladas (amizade e inimizade) serão estudadas nos próximos

tópicos desta pesquisa, que tratam sobre a função das citações bíblicas durante os sermões

escritos pelo missionário.

4.6.8 Citações bíblicas durante os sermões (I): realce do caráter e estímulo à amizade

Aparentemente, são dois os efeitos de sentido produzidos por Simonton com a citação de

textos bíblicos durante os sermões que pregou: a) realçar seu caráter como pregador e amigo do

povo brasileiro b) fazer críticas à igreja Católica. Este tópico tratará do primeiro propósito.

Simonton faz uso considerável de citações bíblicas219, conforme a tabela a seguir:

219 Não incluí na contagem as alusões a situações e personagens bíblicos. Limitei-me a contar as citações bíblicas feitas entre aspas, no corpo dos sermões. Há momentos em que Simonton cita as mesmas perícopes, mas em ocasiões diferentes. Por exemplo, a frase de Jesus em João 14:6, “Eu sou o caminho” é citada duas vezes, mas em prédicas distintas (SIMONTON, 2008, p. 17, 189). O famoso texto de João 3:16 (Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho[...]) é citado três vezes, em três sermões diferentes (SIMONTON, 2008, p. 40, 171, 226). E como recontextualização implica ressignificação, contei os versos repetidos isoladamente, por causa das nuances de sentido que cada um deles possuía em seu respectivo contexto.

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Sermão Parágrafos Citações bíblicas 1. Entrai pela porta estreita 64 12

2. O viver é Cristo 41 05

3. Deus é caridade 37 09

4. Sem efusão de sangue não há redenção

69 37

5. Cristo, nosso substituto 18 06

6. Bartimeu, o cego 37 01220

7. A pessoa de Cristo 31 19

8. A fé e a visão 58 36

9. A caridade 24 03221

10. O Consolador 41 11

11. Os filhos do pacto 27 15

12. O batismo de Jesus 33 09

13. A Ceia do Senhor 23 06

14. Ação de graças a Deus 20 01222

15. Os meios de graça 16 03

16. Tudo está cumprido 100 20

17. O tesouro escondido 39 15

18. Os ímpios não têm paz 28 11

19. A paz: o legado de Cristo 27 12

20. Cristo crucificado 38 19

21. Somos filhos de Deus 39 13

22. A vida eterna: em que consiste

40 18

Tradicionalmente, uma das técnicas “que visa convencer o leitor de que a ideia expressa é

baseada sobre o texto sacro e não sobre a visão pessoal do exegeta223 é o uso de citações das

santas Escrituras.” (HOFFMAN, 1988, p.72, tradução nossa). Esse recurso foi usado não só por

220 Talvez a desproporção entre o número de parágrafos e citações neste sermão seja explicada porque, nesta prédica, o relato do cego Bartimeu é espiritualizado, e Simonton passa todo o sermão tratando sobre a ligação entre cegueira física e espiritual (“o temporal é visível figura do que é espiritual.” [SIMONTON, 2008, p.65]). 221 Apesar do tema da caridade ser discutido entre as teologias católica e protestante, Simonton aborda o tema do ponto de vista prático, não polêmico. Por isso, também não precisa mostrar tanto seu caráter como expositor fiel da Bíblia, citando vários textos, como fará em outros momentos. Isso pode explicar, ao menos em parte, a desproporção numérica entre parágrafos e citações bíblicas. 222 Este sermão é, em grande parte, um retrospecto dos vários endereços que o trabalho presbiteriano teve até aquela data. O uso de versos bíblicos como apoio para tal descrição era inteiramente desnecessário. 223 Exegese: do grego, “guiar, interpretar”. “A interpretação de passagens da Escritura”. (ALTER; KERMODE, 1997, p. 714).

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Simonton enquanto pregava seus sermões, mas pelos próprios escritores bíblicos, que faziam uso

desse recurso pelo menos de duas maneiras: por meio da “citação explícita, que usa uma fórmula

de citação [...] antes ou depois da frase citada; e a citação, que é, num sentido, uma citação

implícita, que não usa nenhuma fórmula de citação.” (HOFFMAN, 1988, p.72, tradução nossa,

grifo do autor). Simonton faz uso desse recurso, tanto ao citar como ao aludir. O efeito disso foi o

realce da sua credibilidade como orador fiel à Bíblia, alguém amigável, que deseja ajudar seus

leitores224.

Alguns textos usados por Simonton são compostos por longas sentenças, aparentemente

com o fim de provar algum ponto. Nos exemplos abaixo, o missionário reforça esse ethos ao

afirmar que sua mensagem é confiável não apenas por causa do texto que está sendo tratado no

momento, mas também por que ele está considerando a Bíblia em sua inteireza:

• A palavra de Deus vos dará uma resposta satisfatória. (SIMONTON, 2008, p.44); Toda a Bíblia dá testemunho dessa doutrina. (SIMONTON, 2008, p. 46).

• Não avançarei nada que não esteja escrito no livro de Deus. (SIMONTON, 2008, p.93). • Para que ninguém me acuse de ter inventado esta explicação de rasgar o véu do Templo no

instante da morte de Cristo, lerei as provas em que me fundo. Sei muito bem que a minha palavra não merece crédito se ela não combinar exatamente com o testemunho da palavra escrita de Deus. Para esta regra de fé e de doutrina eu apelo de bom grado. (SIMONTON, 2008, p.163).

• Essas e outras muitas promessas de Jesus [...] são o apoio do meu discurso e das doutrinas nele apresentadas. (SIMONTON, 2008, p. 170).

Além dessa abordagem, Simonton expressa seu caráter de um modo ainda mais sutil em

seus sermões. Em seu papel de pregador, como aquele que “duplica” (isto é, verbaliza com

fidelidade) o texto sagrado, ele destaca ainda mais seu caráter como alguém confiável e

preocupado com seu público quando, além de explicar o texto bíblico, também aponta, de modo

dramático, para os perigos e as soluções implicados em sua prédica.

Como exemplo, no sermão Entrai pela porta estreita, ele usa alguns marcadores

conversacionais com o objetivo de enfatizar a urgência da mensagem bíblica, cujo sentido

224 No livro II, tópico 4 da sua Retórica, Aristóteles define a amizade (philia) como um tipo de amor, em que desejamos para o ser amado “aquilo que pensamos ser uma coisa boa, por causa desse alguém e não por causa de nós.” (ARISTÓTELES, 2005, p. 170). Para o filósofo, a pessoa que experimentará esse sentimento será aquela que se identifica com as mesmas tristezas e alegrias que nós, e “que têm por boas e más as mesmas coisas, e por amigos e inimigos as mesmas pessoas.” [ARISTÓTELES, 2005, p. 170]). Para Grimaldi, no entanto, neste tópico do livro de Aristóteles, o sentimento de amizade, em vez de amizade, propriamente dita, “é talvez a mais acurada interpretação de philia, já que, como emoção, ela é uma experiência transitória e psico-social, em vez do que está implicado em Inglês [e em português] por amizade, isto é, uma disposição ou estado mais permanente.” (GRIMALDI, 1988, p. 65, tradução nossa). Contudo, o propósito de Simonton não era o de apenas estimular seus leitores por um momento, mas o de criar uma amizade permanente com eles, fomentando também o sentimento oposto (inimizade) contra a Igreja Católica (essa última questão será tratada no tópico seguinte).

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coincidia com aquele da sua mensagem225: “Oh! Quanto é importante que a vossa escolha acerte

com o bom caminho!” (SIMONTON, 2008, p.16). “Guardai-vos [...]” (p.18), “Lembrai-vos”

(p.23, 24), “Será verdade que quereis obedecer? Estais dispostos a entrar na carreira cristã e

perseverar até o fim? Belo propósito! Sábia escolha! Escutai a voz do Salvador.” (SIMONTON,

2008, p.25).

Ainda no mesmo sermão, o missionário faz uma oração dramática em favor de si e dos

seus leitores, para que sejam todos livres da danação eterna: “Oh! Senhor! que nos descobristes

essas verdades tão solenes, faze-nos fugir do caminho da perdição! Dirige os nossos passos pelo

caminho da vida!” (SIMONTON, 2008, p.17). Com essa prece, ele se põe em sintonia patética

não só com a doutrina bíblica, mas com o possível problema existencial dos seus leitores

implicados.

Todos esses apelos sustentam a interação entre o pregador e sua audiência imaginária,

criando um evento comunicativo “em que a cooperação está implícita, pois ela é necessária para

que o evento se constitua de fato.” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p.48). É revelado,

nesse caso, o caráter de Simonton como arauto, conselheiro e amigo interessado no bem-estar do

seu público, o que realça sua confiabilidade e simpatia, além de ligá-las às emoções que seus

apelos suscitam. Simonton faz isso, no entanto, de modo indireto, sem chamar atenção para si

próprio. “O que o orador pretende ser, ele o dá a entender e mostra: não diz que é simples ou

honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir.” (EGGS, 2008, p. 31).

Porém, como será visto a seguir, os sentimentos estimulados nas citações bíblicas feitas

por Simonton operam não só inspirando amizade, mas também a emoção oposta.

4.7 A leitura bíblica de Simonton: marcada pela polêmica

4.7.1 Citações bíblicas durante os sermões (II): Contra doutrinas Católicas

Este tópico tratará do segundo propósito do uso feito por Simonton das citações bíblicas

em seus sermões: atacar doutrinas importantes da Igreja Católica, adversária histórica dos

protestantes e uma das principais barreiras para o trabalho do missionário no Brasil. Essa

225 É importante observar que, como primeira função, esses marcadores “constituem um elemento na articulação de textos, encadeando-os de modo coeso. Eles asseguram não só o desenvolvimento continuado do discurso (seqüência linear), mas também operam na organização hierárquica do texto na medida em que funcionam para garantir a coesividade entre os tópicos que vão-se apresentando verticalmente durante a elaboração do texto falado” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p.46).

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estratégia é parte do projeto de evangelização de Simonton. Como essa abordagem se destaca na

leitura do missionário, é necessário discuti-la isoladamente.

Conforme já mencionado, os versos bíblicos que encabeçam os sermões de Simonton

foram extraídos da versão em português da Bíblia Católica, traduzida da Vulgata latina pelo

Padre Antonio Pereira de Figueiredo226. Segundo Matos, no prefácio dos sermões escolhidos, isso

ocorreu devido ao fato de que a versão da Bíblia protestante, de João Ferreira de Almeida,

“estava sujeita a acusações católicas de ‘falsificação’ do texto bíblico.” (MATOS, 2008, p. 9).

Parece que Simonton, consciente dessa possível barreira que enfrentaria para pregar, viu

nesse problema uma vantagem. Ele usaria a própria versão bíblica da Igreja Católica para criticar

suas mais importantes doutrinas na época, de modos mais ou menos abertos. Abaixo, segue uma

amostra dos sermões e das doutrinas questionadas isoladamente ou em conjunto227:

Sermão Ensinos/práticas Atacados

1. Entrai pela porta estreita Batismo e uso de ícones

2. Deus é caridade Tesouros de merecimentos

3. Sem efusão de sangue não há redenção Missa (eucaristia)

4. A fé e a visão Purgatório, Penitências.

5. O Consolador Pontificado

6. Os filhos do pacto O Ex opere operato

7. Somos Filhos de Deus Oração aos santos/anjos

Simonton criticou os ensinos da Igreja romana usando uma quantidade notável de modos

verbais de ataque, considerando seu pouco tempo de estudo da língua portuguesa.

226 Coube a este padre português a tarefa de preparar a primeira tradução da Bíblia inteira para a língua portuguesa, algo que lhe custou 18 anos de trabalho. “A primeira edição do Novo Testamento saiu em 1778, em seis volumes. Quanto ao Antigo Testamento, os 17 volumes de sua primeira edição foram publicados de 1783 a 1790. Em 1819, veio a luz a Bíblia completa de Figueiredo, em sete volumes, e em 1821 ela foi publicada em um único volume.” (COMFORT, 1998, p. 401, 402). Simonton provavelmente fez uso desse volume único, de 1821, atualmente disponível no seguinte endereço eletrônico: http://books.google.com.br/books/reader?id=tqNAAAAAIAAJ&hl=pt-BR&printsec=frontcover&output=reader&pg=GBS.PP7. Acesso em 30 de maio de 2012. 227 Além dessa amostra, mais oito sermões serão mencionados neste tópico (totalizando em 15 o número de prédicas analisadas) em que há críticas mais discretas ao pensamento católico (O viver é Cristo; A pessoa de Cristo; Cristo, nosso substituto; A Ceia do Senhor; Os meios de graça; Tudo está cumprido; O tesouro escondido e Cristo crucificado). A tabela acima menciona os sermões em que os ataques na esfera doutrinária são mais elaborados ou contundentes. Esse número alto de sermões mencionados indica que, de modo amplo, a formação doutrinária de Simonton era antagônica ao pensamento de Roma.

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Por sua formação teológica protestante, o missionário não ignorava os argumentos opostos

aos dele. Sua mensagem possuía em muitos pontos, algo como uma dupla face228, envolvendo

não só uma posição, mas também uma oposição. Era assim que procurava combater seu grande

oponente doutrinário.

Na maioria das vezes em que criticou a Igreja de Roma, Simonton manteve certa discrição.

Essa postura foi fortemente influenciada pelas atitudes cautelosas do Dr. Kalley, missionário

mais antigo e prudente em seu trabalho no Brasil, e com quem Simonton teve uma breve (mas

forte) discussão sobre o assunto.229 Daí ter sido, a julgar pelo clima polêmico da época,

“notoriamente prudente nas suas referências à religião oficial do Brasil.” (MENDONÇA, 2008,

p.124).

Desde o primeiro sermão (“Entrai pela porta estreita”), além de mostrar sua posição como

protestante, ele aborda doutrinas Católicas importantes, como a da veneração aos ícones

sagrados. Às vezes, faz isso de modo oblíquo. “Para ser devoto de ídolos não se exige mais do

que um culto exterior.” (SIMONTON, 2008, p. 18) 230. Outras vezes, é mais direto, como na

prédica A pessoa de Cristo: “Quantos não fazem isto mesmo, deixando ao Cristo que diz: ‘Eu sou

o que vivo’, para se agarrarem com cristos mortos [...]” (SIMONTON, 2008, p. 79).

O segundo sermão da coletânea, O viver é Cristo, abre com a citação de um padre, que

disse: “O apóstolo Paulo é o predileto dos que se dizem evangélicos.” (SIMONTON, 2008, p.

228 "A mensagem refutacional de dupla-face reconhece a existência de argumentos opostos e tenta refutá-los atacando a argumentação subjacente nas alegações, questionando a relevância ou a importância da evidência, depreciando a fonte da mensagem, e assim por diante.” (DILLARD, MIRALDI, 2008, p. 695, tradução nossa). 229 A discussão é relatada por Simonton em seu diário (19/12/1859). Após o incidente, Simonton parece ter seguido de perto o conselho de Kalley para trabalhar de modo mais discreto no Brasil. “Quando, finalmente, a 19 de maio de 1861, [ele] começou a pregar em português, no Rio, em uma sala da rua do Ouvidor, fê-lo em pequenas reuniões semelhantes às do médico escocês cujos colaboradores e fiéis vinham ouvi-lo e auxiliá-lo.” (LEONARD, 2002, p. 62). 230 No sermão Tudo está cumprido, após discorrer longamente sobre sacerdócio no Antigo Testamento, sentencia: “O único sacerdote da igreja do Novo Testamento é Jesus Cristo” (SIMONTON, 2008, p. 168). Logo a seguir, fala das implicações do sangue purificador, da fé nos merecimentos de Cristo como suficiente para limpar os pecados, e sobre a salvação gratuita “mediante a sua fé no Redentor dos homens.” (SIMONTON, 2008, p. 168). Em outro sermão, O tesouro escondido, Simonton afirma que o tesouro que está escondido na Bíblia “é a notícia de haver salvação gratuita para todos os que se sintam necessitados e cansados de vãos esforços para comprar ou merecer que Deus lhes perdoe.” (SIMONTON, 2008, p. 179, grifo nosso). Critica aqueles que, em vez de confiarem nos merecimentos de Cristo, “julgam-se ainda obrigados a pagar e a penar, assim inutilizando o perfeito sacrifício da cruz.” (SIMONTON, 2008, p. 180). Já no sermão Cristo crucificado, condena os que pensam “que em troca de obras meritórias e dos socorros da igreja temos ou teremos a remissão de todas as nossas culpas.” (SIMONTON, 2008, p. 205). Embora essas sejam críticas comparativamente discretas, sua relevância e força na época vinham do fato de que tais declarações contrariavam ensinos católicos conhecidos por todos.

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26). Simonton se aproveita disso para atacar o representante da igreja de Roma e, ao mesmo

tempo fazer uma transição para o texto paulino (Fp. 1:21) a ser pregado na ocasião: Esse testemunho da boca de um padre, conhecido pela oposição que faz à leitura e pregação da Bíblia, me foi sumamente agradável. É verdade que a cada passo citamos o grande Apóstolo dos Gentios. É nos escritos de Paulo que se encontra a perfeita exposição da doutrina da salvação. (SIMONTON, 2008, p. 26).

Por vezes, o missionário é bastante sutil, como em sua crítica ao Papa e (talvez) à

mediação de Maria, feita no sermão O Consolador, em que apresenta títulos pouco conhecidos de

Cristo, mas que eram conhecidos como sendo pertencentes ao Papa (e talvez, a Maria). Na

abertura do sermão, ele afirma: “Quando Jesus falou estas palavras, estava para ser entregue à

morte. Ele viu chegado o tempo em que convinha deixar os seus discípulos para pôr a sua vida na

cruz e para logo depois subir aos céus a servir de Advogado e de Pontífice231 entre Deus e os

homens.” (SIMONTON, 2008, p. 99, grifo nosso). “Jesus veio ao mundo a fim de remir as almas

perdidas, e, feito isto, de novo assentou-se à direita de Deus para servir de Medianeiro entre Deus

e os homens.” (SIMONTON, 2008, p. 104, grifo nosso). De modo especial, os títulos de

medianeiro e pontífice (tradicionalmente atribuídos a Maria e ao Papa) são deslocados e postos

sobre Cristo, num giro inovador que deve ter sido intrigante para os leitores que nunca tivessem

feito essa associação.

Tratando sobre doutrinas conhecidas, como a do Purgatório, Simonton revela ironia ao

dizer que [t]udo obedece ao que tem dinheiro e faz dele uso pródigo [...] As portas do purgatório giram sobre eixos de ouro, e crê-se vulgarmente que quem paga direitos em ouro ao sucessor de Pedro sobre a terra tem a seu favor a probabilidade de uma entrada franca pelas portas do céu [...]” (SIMONTON, 2008, p. 83).

Outras vezes, de modo mais claro, lamenta a insistência católica com o uso de ícones e

sua recusa de buscar socorro no Deus invisível, como no sermão A fé e a visão: “Em vez de

pedirem com importunação os socorros do Espírito Santo, procurarão meios visíveis, como

ofertas, penitências, missas e sacramentos, que mais facilmente tornam-se acreditados por serem

visíveis.” (SIMONTON, 2008, p.85).

O ensino sobre o tesouro de merecimentos dos santos em favor dos fiéis católicos também é

criticado no sermão Cristo, nosso substituto, num dos ataques mais francos ao Catolicismo:

231 “Do latim Pontifex, ‘fazedor de pontes’, ‘sacerdote’ Designava originalmente os sacerdotes da religião romana e depois foi aplicado aos bispos, em especial o papa. Simonton aplica o termo, principalmente na forma ‘Sumo Pontífice’, aos sumos sacerdotes do Antigo Testamento e mais especificamente a Cristo.” (MATOS, 2004, p. 99).

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Mas dir-se-á talvez: Os tesouros da Igreja, os merecimentos dos santos, o sacrifício da missa e as nossas boas obras são coisas que têm algum valor na obra da nossa salvação. É assim que muitos pensam, e em apoio de suas ideias alegam costumes, tradições e mandamentos de homens. Citam as opiniões de doutores, padres e concílios. Há, porém, uma coisa que não citam nem alegam, sendo essa a mais essencial. Não citam o evangelho de nosso Senhor, porque ali se vê contrariada em cada página a falsa doutrina deles. (SIMONTON, 2008, p. 62).

A doutrina central da Igreja, o sacrifício da missa ou eucaristia, é criticada com veemência

no sermão Sem efusão de sangue não há remissão. Para Simonton, é inaceitável que um sacrifício

seja feito sem sangue, como aquele que, segundo o catolicismo, ocorre com a hóstia.

(SIMONTON, 2008, p. 49). O título do seu sermão resume bem a sua crítica. Fazendo uso

abundante de citações bíblicas (37 nos 69 parágrafos do sermão), Simonton contrapõe o sacrifício

da missa à ceia protestante (o sermão foi pregado no dia dessa celebração) e afirma, referindo-se

aos elementos que seriam usados: “Temos aqui os símbolos da paixão de nosso Senhor. Digo

símbolos de propósito, porque a perfeição da sua paixão teve lugar uma só vez. Portanto, não

assistimos aqui a um sacrifício. Graças a Deus que não há mais sacrifícios.” (SIMONTON, 2008,

p. 53).

No sermão Os filhos do Pacto Simonton ataca a dinâmica dos sacramentos na Igreja

Católica em geral, um assunto de certa complexidade, mas que é tratado por ele de modo

acessível.

Desde o Concílio de Trento, em resposta à Reforma Protestante, ficou estabelecido que os

sacramentos católicos possuem eficácia “ex opere operato non ponentibus obicem”, isto é, têm

força efetiva naqueles que não lhe opõem resistência. “Se vocês não levantarem nenhum

impedimento (obicem) dentro de vocês para a sua eficácia, não importará o estado subjetivo de

vocês. Os sacramentos são eficazes ao se realizarem (ex opere operato)” (TILLICH, 2004, p.

217).

Porém, conforme a posição protestante, só pode haver relacionamento com Deus num

encontro pessoal, “no âmbito da fé” (TILLICH, 2004, p. 217). Simonton se opõe à doutrina

católica em seu sermão A Ceia do Senhor: “Se nós o aceitamos com a mesma boa fé, sem dúvida

nenhuma esta ceia será para nós a Ceia do Senhor.” (SIMONTON, 2008, p. 125-126). Enfatiza a

necessidade de uma resposta subjetiva do homem perante a mesa do Senhor: “A fé recebe a

eficácia do sangue de Cristo tão realmente como a boca recebe o vinho [...]” (SIMONTON, 2008,

p. 127). “Aqui ele [Jesus] cumpre sua promessa de cear com os que lhe abrirem o coração [...] e

todos serão bem-vindos se vierem com a disposição precisa.” (SIMONTON, 2008, p. 128). Em

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outro sermão, Os meios de graça, confirma o que disse e critica de modo mais claro a doutrina do

ex opere operato: “Passemos agora aos meios de salvação. Por essa expressão não entendemos,

nem entenda o leitor, coisas que pela sua própria virtude produzem efeitos espirituais [...]”

(SIMONTON, 2008, p. 136).

De todos os ataques à Igreja Católica, talvez o mais agressivo e aberto tenha sido aquele

referente à intercessão dos santos, no sermão Somos filhos de Deus: Pedro Arbués acaba de ser canonizado a fim de que os fiéis o invoquem! Com efeito o papa e os cardeais devem sentir-se órfãos para se lembrarem de tão triste protetor! Com efeito já não existe fé em Roma desde que um inquisidor-mor acaba de ser constituído intercessor e medianeiro junto à corte do céu! [...] Graças à sua ternura [a de Deus] não somos órfãos deixados para mendigar graças espirituais às portas dos conventos e das sacristias dos templos cá da terra, nem comprá-las com dinheiro à vista nos mercados da igreja visível, nem impetrá-las aos pés de Pedro Arbués. (SIMONTON, 2008, p. 218, 219).

A crítica teológica feita por Simonton nos sermões é sempre seguida por várias citações de

trechos da Bíblia Católica, usados como prova contra a própria Igreja. O efeito emocional que o

missionário procura despertar no leitor parece ser o de inimizade contra essa instituição, cujas

doutrinas ocultam posições enganosas e contrárias às declaradas em seu próprio livro sagrado232.

A estratégia de Simonton, além de fazer uso de doutrinas, aproveitou-se também do modo

como eram feitos os debates entre católicos e protestantes no Brasil: os protestantes, dispensando

e não permitindo a interferência de qualquer fonte externa (como a ciência secular ou a tradição

católica) nas discussões, venciam-nas “servindo-se de uma Bíblia católica e fazendo transparecer

a inteira concordância das duas versões, postos de lado os livros apócrifos constantes da Bíblia

católica e um pequeno número de diferenças de tradução apenas.” (LEONARD, 2002, p.136).

Os missionários, invariavelmente, entravam em qualquer polêmica, escrita ou oral, com a condição de que as posições em confronto fossem provadas pela Bíblia, somente pela Bíblia e claramente pela Bíblia. Os líderes católicos romanos brasileiros deixaram-se envolver, e com esperteza pouco produtiva, recorreram ao expediente das “Bíblias Falsificadas”, em que impugnavam as edições das Sociedades Bíblicas, porque não incluíam os Apócrifos; proibiam sua leitura e as queimavam em público. Os evangélicos, que passavam a ter a vantagem do martírio, alegremente convocavam à arena a “Bíblia Católica”, para usá-la como fonte de verdade, e para comparar os textos alegados com as edições “Protestantes”. O resultado era arrasador, contra o polemista católico, já então de todo enleado na malha tecida pela autoridade infalível da Bíblia, combinada com o

232 Para Aristóteles, a inimizade ou o ódio não resultam necessariamente de ofensas pessoalmente recebidas. No caso de uma de suas expressões, a cólera, “basta supormos que uma pessoa tem tal ou tal caráter para a odiarmos.” (ARISTÓTELES, 2005, p. 173). O ódio também pode ser direcionado não só a um indivíduo, mas também a “toda uma classe de pessoas.” (ARISTÓTELES, 2005, p. 173). Simonton procurou estimular uma indisposição entre seus leitores e a Igreja Católica, expondo as contradições entre os ensinos de Roma e aquilo que dizia sua própria versão da Bíblia.

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método de pesquisa empírico-indutiva, que somente admitia ao debate fatos bíblicos, i.e., textos. (RIBEIRO, 1991, p. 197).

Assim, Simonton não deve ter tido problema algum (e talvez, como os polemistas

protestantes do seu tempo, até considerasse isso como vantagem) em pregar a partir da versão

latina de Figueiredo, já que o uso de qualquer versão bíblica, pelos termos aceitos no debate da

época já constituía um problema natural para os Católicos e um sinal quase certo de vitória para

os protestantes233. Essa prática era tão difundida que chegou-se ao ponto de “anunciar pela

imprensa a concessão de prêmios a quem comprovasse divergências de substância entre Bíblias

‘de Londres’ e ‘de Nova Iorque’ e a edição católica (Apócrifos excetuados, é claro). Ninguém

ganhou o prêmio.” (RIBEIRO, 1991, p. 198).

233 Leonard afirma que esse erro é cometido pelos Católicos desde as polêmicas que marcaram a Reforma Protestante, no século XVI (LEONARD, 2002, p. 136).

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5 Considerações Finais

Por mais viável que tenha sido a hipótese principal adotada nesta pesquisa, de que é

possível estudar os sermões de Simonton a partir de uma coletânea feita por seu cunhado, ficou

claro, desde o início, que essa abordagem apresentava limitações. O mais desejável seria estudar

todos os cinco volumes de sermões do missionário, na disposição que ele mesmo arranjou.

Porém, apesar disso, foi possível estudar muitos aspectos dos sermões com as ferramentas

conceituais propostas.

As provas aristotélicas ajudaram a entender o tom geral dos sermões de Simonton (o de

alguém que fala amigavelmente aos brasileiros, ao mesmo tempo em que estimula inimizade

entre eles e a Igreja Católica), bem como sua coerência interna e sua sintonia com a tradição

discursiva da sua igreja. A Tríplice mimese e o conceito de metáfora de Paul Ricoeur orientaram

o estudo sobre o mundo simbólico e conceitual de Simonton, bem como sobre a sua criatividade e

persuasão como pregador. O conceito de materialidade da leitura, de Roger Chartier, manteve a

presente pesquisa com os “pés do chão”, ao propor uma abordagem a aspectos concretos, como a

quantidade de versos bíblicos usados nas prédicas, a disposição desses versos no texto e o papel

do Reverendo Blackford como editor da coletânea de sermões.

Uma lacuna deixada pela presente pesquisa mostrou-se na falta de uma aplicação mais

ampla da teoria aristotélica ao estudo dos sermões. Aristóteles determinou que a retórica possui três gêneros. A retórica judicial ou forense ocupa-se com eventos passados; é usada primeiramente em tribunais para acusar ou defender. Retórica deliberativa ocupa-se com eventos futuros; sua ação é a de exortação ou dissuasão. A retórica demonstrativa, também conhecida como de exposição ou epidíctica, ocupa-se com o presente: seu contexto é, normalmente, ocasiões comemorativas e sua função é louvar ou responsabilizar. (RICHARDS, 2008, p. 182, tradução nossa).

Considerando que os três gêneros retóricos mencionados acima podem ser encontrados nas

prédicas de Simonton (com todos os seus direcionamentos temporais), isso faz da abordagem do

filósofo estargirita uma matriz fecunda para pesquisas futuras que abordem os sermões nas

dimensões propostas.

Duas questões importantes surgiram ao final da presente pesquisa: (1) Qual teria sido a

influência do Pietismo alemão sobre Hodge? O professor de Simonton passou dois anos na

Alemanha e é provável que teve contato com a tradição pietista. Além disso, era homem que

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cultivava intensa vida devocional, tendo inclusive escrito livros e artigos sobre isso. (2) Qual teria

sido a influência do Puritanismo sobre John Wesley? É certo que, na Inglaterra, o Puritanismo

não era tão definido quanto se tornou na América, mas era um grupo forte e influente dentro da

Igreja Anglicana, à qual Wesley pertencia. As respostas a essas duas questões poderiam levar a

uma reconsideração de várias afirmações sobre as tendências puritanas e metodistas em

Simonton, observadas naqueles momentos em que o missionário fez uso de termos, expressões ou

idéias que, aparentemente, são típicos desses movimentos. Resolvi, por ter percebido esses

assuntos no final da pesquisa e também por respeito à sua magnitude, não tratá-los, apesar da sua

considerável importância para lançar mais luz sobre muito do que o missionário escreveu.

Simonton, quando avaliado apenas por seus sermões publicados, pode dar a impressão de só

se interessar pelo mundo porvir, e não por este. Porém, sendo um missionário e não um místico,

ele foi consideravelmente atuante em seus pouco mais de seis anos como pastor no Brasil. De

modo especial, o seu jornal Imprensa Evangélica mostrou que seus interesses não estavam

limitados à esfera espiritual, como ocorre naturalmente com seus sermões. Ele manteve seus

leitores informados sobre os principais acontecimentos mundiais e a evangelização no mundo, relatou as descobertas científicas do período, trouxe artigos de utilidade pública e serviu, acima de tudo, como veículo de melhoria educacional, à medida que propagava a palavra escrita e estimulava a leitura em um país onde a grande maioria da população era composta de analfabetos (SANTOS, 2009, p. 47).

Essas e outras dimensões do caráter de Simonton não podem ser plenamente avaliadas em

um estudo sobre sermões, cuja temática predominante era a necessidade de conversão dos leitores

ao protestantismo presbiteriano. Contudo, o restante da vida e obra do missionário indica que ele

entendia a conversão cristã como um ponto de partida, não como toda a jornada.

No grande abismo existencial que contém a experiência de um só homem, a voz e os atos

desse jovem missionário não podem ser totalmente conhecidos por um estudo parcial dos seus

escritos. Não será neste trabalho que o leitor encontrará a evidência definitiva daquela esfera

indivisível, onde se encontra a unidade de Simonton como leitor, bem como a de todo homem

que professa confiança em Deus.

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147

ANEXO I: O Pacto de Mayflower

Em nome de Deus, amém. Nós, cujos nomes estão subscritos, os súditos leais do nosso

soberano senhor Rei James, pela graça de Deus, da Grã-Bretanha, França e Irlanda, defensor da

fé. Tendo empreendido, para a glória de Deus, um avanço da fé cristã e a honra do nosso rei e

país, uma viagem para plantar a primeira colônia na parte norte da Virgínia; Fazemos com os

presentes, solene e mutuamente, na presença de Deus e de cada um, um pacto e nos associamos

juntos num Corpo Político civil, para nosso melhor ordenamento e preservação, e fomento dos

fins supracitados: e por virtude disso aprovar, constituir e estruturar tais leis justas e igualitárias,

ordenanças, atos, constituições e ofícios, de tempos em tempos, quando for considerado mais

conveniente e próprio para o bem geral da colônia; à qual prometemos toda submissão e

obediência devida.

Testemunhando do que temos até agora, subscrevemos nossos nomes em Cape Cod, no dia

onze de novembro, no reinado do nosso soberano senhor, Rei James, da Inglaterra, França e

Irlanda, o décimo oitavo, e da Escócia, o qüinquagésimo quarto. Anno Domini; 1620.

(PANCHYK, 2008, p. 6, tradução nossa).

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ANEXO II: Números percentuais dos Metodistas, Batistas e Presbiterianos nos Estados Unidos.

O registro abaixo se refere à membresia, não ao número de aderentes ou frequentadores.

Para estimar o número de pessoas sob influência direta do Metodismo, “os historiadores

convencionalmente multiplicam a membresia por uma extensão múltipla de três a sete, mas não

há uma fórmula de concordância universal para essa contagem.” (HEMPTON, 2005, p. 211,

tradução nossa). Dadas as propensões do Metodismo para se fragmentar em incontáveis e

diferentes grupos, e a dificuldade de obter números confiáveis sobre os metodistas Afro-

americanos, a tabela a seguir “não pode ser considerada impecavelmente acurada, mas ao menos

oferece a possibilidade de se fazer comparações frutíferas de lugar para lugar e de ano para ano.”

(HEMPTON, 2005, p. 211, tradução nossa).

Anos. Metodistas Batistas Presbiterianos 1790 ........................1.47% 1.78% ............ 1800 ...........................1.22% 2.44% ........... 1810 .......................... 2.41% 2.61% ........... 1820 ...........................2.70% 2.98% 1.27% 1830 ...........................3.70% 2.21% 1.35% 1840 ...........................4.70% 3-44% 0.78% 1850 ...........................3% 1.44% 0.90% I860 ...........................3.15% 1.23% 0.93% 1865 ...........................2.50% 1.07% 0.87% _____ ____ _____ Média .........................2.92% 2.28% 1.10%

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ANEXO III: O VIVER É CRISTO: Amostra dos sermões de Simonton.

O VIVER É CRISTO 234

_____________

“Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer lucro” (Fp 1.21).

Há pouco tempo, conversando com uma senhora citei-lhe uma passagem de S. Paulo.

Disse-me ela: Vejo que um padre a quem consultei ultimamente tinha razão para dizer-me: “O apóstolo Paulo é o predileto dos que se dizem evangélicos”.

Este testemunho da boca de um padre, conhecido pela oposição que faz à leitura e pregação da Bíblia, me foi sumamente agradável. É verdade que a cada passo citamos o grande Apóstolo dos Gentios. É nos escritos de S. Paulo que se encontra a perfeita exposição da doutrina da salvação.

Porém, tudo isto não basta. O que vale S. Paulo se ficamos nisto? Para merecermos o elogio que esse padre nos fez é mister imitarmos a S. Paulo. É preciso pormos em prática as doutrinas que ele tão magistralmente expõe. Quisera eu que neste sentido os nossos inimigos fossem obrigados a dizer a nosso respeito: “São discípulos de S. Paulo”. O citar é fácil. Citações não passam de palavras, e vós sabeis que as mais belas palavras são vazias de sentido na boca de quem não as compreende nem as pratica. O nome de Paulo anda na boca de centenas de pessoas que nem de longe conhecem nem apreciam o seu caráter.

Resolvi-me, pois, ocupar a vossa atenção com uma passagem que dá a conhecer o segredo da vida de S. Paulo. Deixando por enquanto as doutrinas deste apóstolo, ocupemo-nos do fim que ele tinha sempre em vista. Deus permita que, ao passo que vamos apreciando este belo exemplo, os nossos espíritos sejam tocados do fogo de um amor tão puro e abrasado como esse que era o motor da vida de S. Paulo.

1. Notai que Paulo sabia qual a mira que tinha em vista. Nenhuma dúvida ou incerteza o perturbava. Querendo dar razão de si e explicar para onde se dirigia, podia responder de um modo o mais claro e explícito: “Para mim o viver é Cristo, e o morrer lucro” (Fp 1.21).

Esta certeza dava força e animação à vida de S. Paulo. Saber o que se quer é a primeira condição de bom sucesso.

“O homem que tem o espírito repartido é inconstante em todos os seus caminhos” (Tg 1.8).

Aquele que não tem algum fim em vista nem sabe dizer o que pretende conseguir, é irresoluto, fraco e inconstante. Ora pende para o lado direito, ora para o esquerdo. Hoje quer isto, amanhã aquilo. Um homem que assim vive assemelha-se a um navio em alto mar sem bússola, sem carga, sem lastro e sem destino.

Entretanto, que é que presenciamos todos os dias? Os homens se dividem em duas classes, chamadas na Bíblia os filhos de reino de Deus e os filhos deste século. Suponhamos que a cada uma destas classes se perguntasse qual o fim que tem em vista. Suponhamos que aos filhos deste século como também aos filhos do reino de Deus fosse dirigida a simples pergunta: Qual é o fim da vossa vida? Qual é o alvo de vossas aspirações?

234 Extraído de SIMONTON, A.G. Sermões escolhidos São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008, p. 26-33.

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Estou certo de que muitos ficariam confusos, não sabendo dar uma resposta inteligível. Posto que pareça incrível, milhares de criaturas que se gabam de inteligentes e racionais não têm fim certo. Nunca se interrogaram a si mesmos sobre o seu destino. Para me servir de uma frase vulgar, vivem à toa. Os motivos que neles influem são tão diversos e contrários que não se pode analisá-los. Esta indecisão dá-se entre ambas as classes referidas. Entre os mundanos vemos provas disto. Alguns querem riquezas e a sua comodidade, coisas contrárias. A conseqüência é que hoje cedem a um motivo, amanhã a outro. Outros querem ser honrados e ao mesmo tempo gozar de tudo, coisas também muitas vezes opostas. Assim a vida é gasta entre prazeres, honras e riquezas. Os moços se entregam à satisfação de seus apetites, na idade mais madura as honras do mundo são o sonho mais atrativo, e no último termo da vida humana a propensão dominante é a ambição de riquezas. Eis a história do que se passa nesta vida.

Entre os cristãos dá-se a mesma indecisão. Todos querem salvar-se e servir a Jesus Cristo. Porém, fazem tantas reservas que se torna difícil dizer o que querem de preferência. Querem alcançar o céu sem perder as coisas mundanas. Aspiram à coroa dos santos e mártires, contanto que não tenham de abandonar os títulos e as honras que o mundo mais estima. Querem servir a Cristo se esse serviço puder conciliar-se com a própria dignidade. Enfim, a mistura que há nos motivos de muitos discípulos é tal que eles mesmos não podem responder francamente a uma pergunta sobre o fim de sua vida. Têm muitos fins diversos e mesmo desencontrados.

Paulo podia dizer o que poucos cristãos o podem sem reservas: “Para mim o viver é Cristo, e o morrer lucro”.

Nesta decisão está em parte o segredo da força de S. Paulo, assim como a nulidade dos esforços de muita gente provém de sua irresolução. É muita coisa saber o que se quer. Nada de importante se faz sem que se tenha em vista um alvo fixo. Paulo sabia o que queria. Vós o sabeis?

2. Deixando os que não sabem o que querem, ocupemo-nos daqueles que têm um fim determinado, e avaliemos particularmente a escolha de S. Paulo.

Há homens, e são muitos, cuja idéia fixa é o dinheiro. Perguntados sobre o fim de sua vida, não ficariam aquém de S. Paulo quanto à prontidão e clareza da resposta. Assim como Paulo disse – “Para mim o viver é Cristo”, aqueles diriam: “Para nós é o dinheiro”.

Outros vivem para gozar de tudo, e responderiam: “Para nós a vida consiste em nos divertirmos; tudo o mais são meios para isso”. Estes também sabem o que querem, e são conseqüentes.

Há outra classe diminuta, que põe sua mira mais alta e faz tudo ceder à sua ambição de dominar. Sabem o que querem.

Porém reparai bem no que vou dizer-vos a propósito de todas estas classes. Todas elas vivem para si mesmas. O libertino, o avarento, o ambicioso, todos estes, sob formas diversas, dão culto a si mesmos, vivem para servir a si mesmos. São em corpo e alma egoístas.

Façamos agora paralelo entre estes e S. Paulo. Para mim, diz este, “o viver é Cristo”. Indo de Santos na direção de São Paulo chega-se logo à raiz de uma serra muito alta. O

viajante sobe a vapor. Sentando-se num wagon235 em pouco tempo é transportado das terras baixas, úmidas, quentes e doentias para o alto da serra, onde os ares são belos, de onde se avista o mar e onde se goza de um clima perfeito. A mudança é tão sensível que o viajante fatigado julga-se em um novo mundo. Assim sucede, moralmente falando, ao passarmos dos homens mundanos para o apóstolo Paulo. Ao ouvirmos sua resposta singela e sublime – “para mim o viver é Cristo, e o morrer lucro”, sentimo-nos rapidamente transportados para uma altura imensa de onde se

235 “Vagão de trem”. A Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (São Paulo Railway) começou a ser construída em 1860 e teve sua viagem inaugural no dia 16 de fevereiro de 1867.

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avista tudo o que o mundo chama grande, onde se respira um ar mais puro, onde as misérias do homem se desvanecem e a glória de Cristo tudo enche. Ditoso aquele que puder elevar-se a tal altura e ligar-se a S. Paulo no seu protesto – “para mim o viver é Cristo”.

Mas em que sentido fala o apóstolo? 1. A mira fixa que Paulo tinha em vista era a glória de Cristo. No sentido em que alguns

vivem para se divertir, outros para mandar e outros para ajuntar riquezas, assim Paulo tinha um fim determinado a que se propugnar. Queria que Jesus fosse conhecido e amado na medida de seus merecimentos infinitos. Esse desejo dava direção a tudo quanto pensava ou fazia. Se ele formava planos no princípio de um novo ano, o resultado que esses planos pretendiam conseguir era o engrandecimento da fama de Cristo. Se, findo o ano, Paulo passava em revista os seus principais acontecimentos, e avaliava a sua importância, tudo era pesado e avaliado sob um só ponto de vista. Se em qualquer evento ou passo de sua vida redundou grande glória a Jesus Cristo, Paulo estava satisfeito, por mais doloroso que tivesse sido tal passo. Se as suas prisões melhor que a liberdade poderiam contribuir para o adiantamento da causa de Cristo, Paulo ia contente para a prisão, e lá, algemado, escrevia:

“Quero, pois, irmãos, que vós saibais que todas as coisas que passam comigo têm contribuído mais ao proveito do evangelho, de maneira que as minhas prisões se têm feito notórias em Cristo por toda a corte do imperador, e em todos os outros lugares; e muitos dos irmãos no Senhor, cobrando ânimo com as minhas prisões, têm ousado mais alentadamente falar a palavra de Deus sem temor. É verdade que alguns pregam a Cristo até por inveja, e por emulação; mas outros o fazem também por uma boa vontade; outros por caridade, sabendo que eu tenho sido posto para defesa do evangelho. Mas outros pregam a Cristo por contenção, não sinceramente, crendo acrescentar aflição às minhas cadeias. Mas que importa? Contanto que Cristo em todas as maneiras seja anunciado, ou por pretexto, ou por verdade, não só nisto me alegro, mas ainda me alegrarei. Porque sei que isto se me converterá em salvação, pela vossa oração, e pelo socorro do Espírito de Jesus Cristo, segundo as minhas ânsias, e esperança, que tenho, de que em nenhuma coisa serei confundido; antes com toda a confiança, assim como sempre, também agora será Cristo engrandecido no meu corpo, ou seja pela vida, ou pela morte” (Fp 1.12-20).

Se, pelo contrário, era bem aceito do povo, aproveitava a influência que exercia para promover os interesses do reino de Cristo. Assim como o negociante indaga para descobrir novas especulações que rendam um bom lucro, assim S. Paulo buscava novos meios de dar impulso à causa de Jesus Cristo. Em face de perseguições e de opróbrio da parte dos inimigos de Cristo, perseverava, repreendendo a uns, consolando a outros e animando a todos a crerem em Jesus Cristo para a salvação. Foi este o teor de sua vida até o fim. O seu zelo nunca se esfriou. Para ele de fato o viver era Cristo. Estas palavras não são exageradas. Não há nelas nada de jactancioso. A sua vida comprovava o que a sua boca disse.

Acaso vós podeis dizer outro tanto? É sumamente duvidoso. Acho provável que ninguém o possa dizer sem muitas reservas. A maior parte dos cristãos está muito abaixo de S. Paulo, nem têm vontade de imitá-lo. Não querem sacrificar sua comodidade, nem sua reputação, nem seus bens. Embora remidos por Cristo, e por isso devendo-lhe tudo, pretendem fazer o que sucede com tantos negociantes falidos, que mandam chamar seus credores e prometem pagar um tanto a cada um. É de admirar que Cristo se digne aceitar um coração tão repartido como o são os de muitos cristãos. Ele se entregou a si mesmo até a morte. Nós queremos retribuir-lhe tanta bondade repartindo entre ele e o mundo o nosso serviço, pospondo muitas vezes a sua glória aos nossos caprichos, e de preferência consultando o agradável e o cômodo.

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2. A glória de Cristo era a regra da vida de S. Paulo. A esta luz decidia as questões difíceis que tinha de resolver. Tendo de exercer o seu ministério entre os judeus, fez-se judeu. Se se achava entre os gentios, era gentio. Com que sentido fez isto? Em Corinto não quis ser pesado à igreja, e trabalhava com suas mãos para ter com que viver. Dos filipenses aceitou o que lhe deram. Qual a razão de assim agir?

Meus amigos, é singular ver como todas as questões se resolvem por meio desta regra prática. Quem imitar a S. Paulo, fazendo da glória de Jesus Cristo a sua regra, não poderá errar muito na direção de sua vida. É raro o caso de dúvida que não se resolve assim.

Suponhamos que se trata da escolha de uma ocupação ou de um emprego. Deve-se perguntar: “Como há de ser em relação à glória de Cristo? Poderei eu nesta ocupação conseguir melhor que em qualquer outra o grande fim de minha vida?”

Ou se se trata de um divertimento, não temos senão de ver se ele é prejudicial à causa de Cristo para sabermos se ele é inocente.

Ou se alguém pensa em casar-se ou dar qualquer passo importante, deve considerar primeiro se assim pode melhor servir a Cristo.

Também muitas questões delicadas entre irmãos no Senhor Jesus Cristo facilmente se resolvem uma vez que indaguemos para achar a solução que mais contribuirá para a honra de Cristo.

Paulo em uma ocasião resistiu a S. Pedro face a face, pois assim exigia a causa da verdade.

“Ora tendo vindo Cefas a Antioquia, eu lhe resisti face a face, porque era repreensível” (Gl 2.11).

Em outra ocasião aconselhou os coríntios a não comerem carne sacrificada a ídolos, caso estivesse presente um irmão que pudesse escandalizar-se.

“Pelo que se a comida serve de escândalo a meu irmão, nunca jamais comerei carne, por não escandalizar a meu irmão” (1 Co 8.13).

“Logo, ou vós comais, ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1 Co 10.31).

Assim também Paulo procurou sanar as rivalidades que havia na igreja de Corinto, ensinando que cada um deve ocupar a posição para que foi chamado; que o Espírito deu a uns certos dons, e a outros dons diferentes, conforme quis, e que nisto todos deviam ficar satisfeitos.

“Cada um na vocação em que foi chamado, nela permaneça” (1 Co 7.20). “Porque a um pelo Espírito é dada a palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a

outra a fé pelo mesmo Espírito; a outro graça de curar as doenças em um mesmo Espírito; a outro a operação de milagres, a outro a profecia, a outro o discernimento dos espíritos, a outro a variedade de línguas, a outro a interpretação das palavras. Mas todas estas coisas obra só um e o mesmo Espírito, repartindo a cada um como quer. Porque assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, ainda que sejam muitos, são contudo um só corpo, assim também Cristo. Porque num mesmo Espírito fomos batizados todos nós, para sermos um mesmo corpo, ou sejamos judeus, ou gentios, ou servos, ou livres, e todos temos bebido em um mesmo Espírito. Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se disser o pé: Porque não sou mão, não sou do corpo, acaso deixa ele por isso de ser do corpo? E se a orelha disser: Uma vez que eu não sou olho, não sou do corpo, porventura deixa ela por isso de ser do corpo? Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato? Agora, porém, Deus pos os membros no corpo, cada um deles assim como quis” (1 Co 12.8–18).

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Meus irmãos, quero, quanto em mim está, recomendar à vossa imitação o grande Apóstolo dos Gentios. É-vos possível imitá-lo. A obra que Paulo encetou com tanto zelo não está terminada. O Reino de Jesus não é ainda universal. Resta ocupar muito terreno; resta conquistar muitos inimigos antes de podermos dar por cumprida a profecia do Apocalipse:

“E o sétimo anjo tocou a trombeta, e ouviram-se no céu grandes vozes, que diziam: O reino deste mundo passou a ser de nosso Senhor, e de Cristo, e ele reinará por séculos de séculos. Amém” (Ap 11.15).

A igreja de hoje continua a obra dos apóstolos. O fim é o mesmo. A glória de Cristo é a mira que temos em vista. Cada um de vós está chamado para tomar parte nas fadigas e provações deste trabalho, para também ter parte na glória que dele redundaria ao Salvador.

As condições exigidas são as mesmas. Ninguém pode ser digno obreiro na vinha do Senhor sem que procure imitar a Paulo, tomando a Cristo como o seu alvo, e também escolhendo entre os vários meios propostos aqueles que são conformes à vontade de Cristo. Amém.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

JOÃO BATISTA DOS SANTOS ALMEIDA

SIMONTON COMO LEITOR DA BÍBLIA: UMA ANÁLISE DOS SEUS SERMÕES

São Paulo

2013