crimes contra a ordem tributÁria

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CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Código Penal e Lei 8.137/90 1. LEI 9.983/00 Essa lei teve como principal objetivo proteger a previdência social, o INSS. Ela vai dizer o seguinte: Art. 1º São acrescidos à Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, os seguintes dispositivos: Ela foi acrescentando ao Código Penal vários crimes: Art. 168-A, 313-A, 313-A e 337-A. Quando falamos em crime contra a ordem tributária, você tem que pensar na lei que define os crimes contra a ordem tributária, Lei 8.137/90. Só que essa lei deve ser estudada juntamente com dois arts. do CP, que são os crimes do art. 168-A e o do art. 337-A, acrescentados ao CP por força dessa Lei 9.983. Então, além da lei que define os crimes contra a ordem tributária, devemos estudar também os arts. 168-A (apropriação indébita previdenciária) e o art. 337-A (sonegação de contribuição previdenciária) porque apesar de o prejuízo ser causado ao INSS, lato sensu, não deixa de ser contra a ordem tributária. Não é só na lei que define esses delitos que há crimes contra a ordem tributária. E há outro crime no CP que vem sendo considerado contra a ordem tributária: descaminho. O crime de descaminho, previsto no art. 334, é praticado por particular contra a administração, só que os tribunais têm dado a ele tudo o que é dado para esses delitos aqui porque quando você entra no país sem a cobertura de uma nota fiscal, você está lesando o fisco. 2. Art. 168-A – APROPRIAÇAO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA Apropriação Indébita Previdenciária Art. 168-A - Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo é forma legal ou convencional: (Acrescentado pela L-009.983-2000) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Você, como empregador, funciona como responsável tributário das contribuições sociais. No pagamento do seu funcionário, desconta a contribuição social dele (de 8 a 11%). Teoricamente, você deveria pegar esse dinheiro que você reteve do seu funcionário e repassar para o INSS. Quando você não faz isso, quando deixa de repassar as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, comete esse crime. O art. 168-A foi colocado no CP pela Lei 9.983/00. Aí o examinador pergunta: esse crime já existia antes ou surgiu somente no ano de 200? Cuidado porque esses crimes já estavam previstos na Lei 8.212/91, art. 95, “d”. Eles não foram criados no âmbito de 2000. Eles saíram de uma legislação extravagante e foram colocados no CP.

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Page 1: CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Código Penal e Lei 8.137/90

1. LEI 9.983/00 Essa lei teve como principal objetivo proteger a previdência social, o INSS. Ela vai dizer o seguinte:

Art. 1º São acrescidos à Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, os seguintes dispositivos:

Ela foi acrescentando ao Código Penal vários crimes: Art. 168-A, 313-A, 313-A e 337-A. Quando falamos em crime contra a ordem tributária, você tem que pensar na lei que define os crimes contra a ordem tributária, Lei 8.137/90. Só que essa lei deve ser estudada juntamente com dois arts. do CP, que são os crimes do art. 168-A e o do art. 337-A, acrescentados ao CP por força dessa Lei 9.983. Então, além da lei que define os crimes contra a ordem tributária, devemos estudar também os arts. 168-A (apropriação indébita previdenciária) e o art. 337-A (sonegação de contribuição previdenciária) porque apesar de o prejuízo ser causado ao INSS, lato sensu, não deixa de ser contra a ordem tributária. Não é só na lei que define esses delitos que há crimes contra a ordem tributária. E há outro crime no CP que vem sendo considerado contra a ordem tributária: descaminho. O crime de descaminho, previsto no art. 334, é praticado por particular contra a administração, só que os tribunais têm dado a ele tudo o que é dado para esses delitos aqui porque quando você entra no país sem a cobertura de uma nota fiscal, você está lesando o fisco. 2. Art. 168-A – APROPRIAÇAO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

Apropriação Indébita Previdenciária Art. 168-A - Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo é forma legal ou convencional: (Acrescentado pela L-009.983-2000) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Você, como empregador, funciona como responsável tributário das contribuições sociais. No pagamento do seu funcionário, desconta a contribuição social dele (de 8 a 11%). Teoricamente, você deveria pegar esse dinheiro que você reteve do seu funcionário e repassar para o INSS. Quando você não faz isso, quando deixa de repassar as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, comete esse crime. O art. 168-A foi colocado no CP pela Lei 9.983/00. Aí o examinador pergunta: esse crime já existia antes ou surgiu somente no ano de 200? Cuidado porque esses crimes já estavam previstos na Lei 8.212/91, art. 95, “d”. Eles não foram criados no âmbito de 2000. Eles saíram de uma legislação extravagante e foram colocados no CP.

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Art. 95. Constitui crime: (Revogado pela L-009.983-2000) d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;

Será que a Lei 9.983 teria produzido abolitio criminis? Será que esse crime, quando saiu da legislação especial e foi colocado no CP teria ocorrido abolitio criminis? A abolitio criminis ocorre quando lei posterior deixa de considerar crime conduta que até então era tipificada. Um exemplo atual: ocorreu abolitio criminis em relação ao atentado violento ao pudor? Não. O crime de atentado violento ao pudor não deixou de ser considerado crime. Na verdade, a conduta que até então era tipificada no art. 214, saiu dali e foi colocada no art. 213. Como se chama isso? Princípio da continuidade normativo-típica. Vale a pena ficar atento a esse princípio porque sua aplicação tem sido extremamente constante ao longo dos últimos anos. Há vários exemplos de continuidade normativo-típica. Em relação ao art. 168-A, qual é a espécie de crime que temos aqui? Se o crime é chamado de apropriação indébita previdenciária, você pensa que ele deve ser muito parecido com a apropriação indébita. Vamos ao art. 168, do CP:

Apropriação Indébita Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O verbo usado no crime patrimonial de apropriação indébita é “apropriar-se”, ou seja, tornar-se dono. Você percebe que ao invés de usar o verbo apropriar-se, o art. 168-A, usa o verbo “deixar de repassar”. Quais são as diferenças entre os dois artigos?

ART. 168 ART. 168-A Crime patrimonial Crime conta a ordem tributária O verbo aqui é: “apropriar-se” O verbo aqui é: “deixar de repassar” Crime material Crime formal* O tipo penal demanda um dolo específico: animus rem sibi habendi.

Não demanda a presença do chamado animus rem sibi habendi.

Desnecessidade da fraude Comparando isso, eu pergunto: quais são as diferenças entre os dois crimes? No art. 168, próprio verbo “apropriar-se” requer a produção de um resultado: a apropriação da coisa. No art. 168-A, deixar de repassar claramente você visualiza um crime formal. No art. 168, a expressão apropriar-se significa tornar-se dono, senhor da coisa. O tipo subjetivo aqui demanda a presença de um dolo específico. Como é conhecido esse dolo específico que é a vontade de tornar-se dono da coisa? Isso cai em prova. É o chamado animus rem sibi habendi. Isso já caiu em prova. E no art. 168-A? Quem pratica esse crime, normalmente, o faz por dois motivos: dificuldades financeiras. A primeira coisa que ela pensa é produzir lesão no fisco. Mas há os casos em que o sujeito é um sonegador. Ele desconta e quer ficar com aquele dinheiro para ele. Mas quando o legislador pensou o art. 168-A, para ele pouco importa se o empregador está se apropriando dos valores ou se ele não está repassando. Tanto é verdade, que o verbo utilizado não é o verbo apropriar-se. Ele não fala em apropriar-se das contribuições recolhidas. Ele simplesmente fala em “deixar de repassar”. O art. 168-A não demanda a presença de dolo específico. Isso já caiu em várias provas para juiz, MPF. STJ: EREsp 331982, falando sobre a desnecessidade do ânimo de apropriação. *Até aí, tudo muito calmo. Mas o STF acaba mudando todo esse posicionamento: Informativo 498, do STF – Nesse informativo, o STF simplesmente mudou a orientação que havia até então. A partir do Inquérito 2.537, o STF passou a entender que esse crime do art. 168-A não seria crime formal, mas sim, omissivo material. Mas o Supremo alterou isso por quê? Qual é a relevância da mudança desse entendimento? A mudança é gigantesca. O STF mudou isso, claramente, com um objetivo: a partir do momento que você diz que um crime contra a ordem

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tributária tem natureza material, fica dependendo do exaurimento do procedimento administrativo. Se, antigamente, era crime formal, não dependia da conclusão do procedimento administrativo. Agora, depende. “Como crime material que é (de acordo com o Supremo), pendente recurso administrativo em que se discute a exigibilidade do tributo, é inviável tanto a propositura da ação penal, quanto a instauração de inquérito policial. (Súmula Vinculante 29 – Enquanto não se der o exaurimento da via administrativa, não se pode desencadear a ação penal em crimes materiais contra a ordem tributária)” De agora em diante, eles vão começar a modificar o entendimento, tudo quanto é crime contra a ordem tributária vai ser crime material. Acabou crime formal contra a ordem tributária. Uma outra característica do art. 168-A é a desnecessidade da fraude. Isso é interessante. Vamos pensar em crime contra a ordem tributária na Lei 8.137/90:

Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

Como esse crime exige a supressão ou a redução de tributo, temos um crime material ou formal? O art. 1º é, claramente um crime material porque através dessa conduta ou você vai deixar de pagar ou vai pagar o tributo a menos. Como você pratica o art. 1º em se tratando de IR? Com informações falsas. Fazendo isso, seu IR será menor. O que eu quero demonstrar é que geralmente crimes contra a ordem tributária são praticados através de uma falsidade e o exemplo é o inciso I, do art. 1.º:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

Então, na grande maioria desses crimes, há o emprego de fraude. Você falsifica informações porque sabe que fazendo isso, vai alcançar o objetivo: reduzir a quantidade de imposto. No art. 168-A, o tipo penal não exige o emprego de fraude porque ele fala em deixar de repassar as contribuições recolhidas. De modo algum diz que você deve fazer por meio de fraude. Por isso, o art. 168-A não demanda o emprego de fraude. STJ: REsp 556147, que diz exatamente isso. O próximo delito que merece ser analisado em se tratando de crimes contra a ordem tributária, de crimes contra a previdência, é o do art. 171, § 3º. 3. Art. 171, § 3º – CRIME PATRIMONIAL Geralmente, o §3º vai ter como vítima o INSS. Vai incidir o § 3º porque a vítima será o INSS. O próprio STJ tem súmula sobre esse assunto, falando sobre a incidência desse §3º:

STJ Súmula nº 24 - DJ 10.04.1991 - Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do § 3º do Art. 171 do Código Penal.

Se o crime de estelionato é contra a previdência social, aplica-se o § 3º:

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§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

Sobre esse assunto, pergunta de prova (e a única que nos interessa): Natureza do crime de estelionato contra a previdência social. Como você pratica crime de estelionato contra a previdência social? O clássico exemplo envolve o recebimento de benefício de maneira indevida. Você arruma documentação falsa e, por intermédio dessa documentação, você consegue o pagamento de um benefício. Imagine que entre os anos de 2000 e 2008 a pessoa recebeu o benefício fraudulento durante todos os meses. Sacou lá mil reais. Qual crime ela praticou? Você vai dizer que é estelionato contra a Previdência Social. Mas foi um crime? Ou isso é concurso formal, cada vez que a pessoa compareceu no banco e sacou, seria uma conduta? Qual é a posição? Sobre esse assunto, há quatro correntes:

• 1ª Corrente – O crime é permanente – STF: HC 83252 e STJ REsp 502334 (posições antigas) • 2ª Corrente – O crime é continuado. • 3ª Corrente – O crime é formal. • 4ª Corrente – O crime é instantâneo de efeitos permanentes.

A primeira corrente diz que esse seria um delito permanente, que é aquele cuja consumação se prolonga no tempo. É uma corrente boa para o acusado porque ele só responderia por um crime de estelionato – pena mínima de 1 ano, aumentada de 1/3, você pegaria 1 ano e 4 meses. Mas você, como acusado gostaria de ficar com ela? A primeira corrente não é a melhor porque se o crime é permanente, o problema é que no crime permanente a prescrição só começa a contar a partir da interrupção do pagamento do benefício. Em relação à pena, a corrente é boa, mas em relação à prescrição, não. Eu citei julgado do Supremo e do STJ, mas essa é uma posição antiga e que hoje está ultrapassada. Mas eu acho que era a posição mais correta. A corrente do concurso formal é adotada por LFG que entende que o crime contra a previdência social seria formal porque com uma única ação você pratica a fraude uma única vez. Na tese do crime continuado, você obtém sucessivamente várias vantagens patrimoniais cada vez que você recebe da Previdência Social. E cada vez que você recebe, praticaria um crime. O cidadão pratica dois ou mais crimes. A tese do crime continuado é boa ou ruim para o acusado? Pensa comigo para fins de cálculo da pena: crime continuado é bom para o acusado? Vai ter o critério da exasperação. Na hora da prescrição, crime continuado é bom ou não? Vamos dar um exemplo para o crime continuado: em março de 2002 o cidadão praticou crime de furto qualificado (art. 155, § 4º, II) cuja pena é de 2 a 8 anos. Em março de 2002, ele praticou esse crime quatro vezes. Praticou 4 crimes patrimoniais de furto qualificado durante 1 semana. Se foram quatro vezes, ele vai responder por isso na forma do art. 71. E suponhamos que o acusado é menor de 21 anos. Depois, em fevereiro de 2003, dá-se o recebimento da denúncia contra ele, imputando furto qualificado em continuidade delitiva. Em março de 2006 ele acaba sendo condenado a uma pena de 2 anos pelo furto (pena mínima. Réu primário e bons antecedentes). Mas ele tem que aplicar o art. 71 (aumento de pena). O critério de exasperação do art. 71 é um critério que varia de 1/6 a 2/3. Vamos aumentar a pena dele (4 crimes) em metade. Então, vamos dar, por força da continuidade delitiva, mais um ano. Então, a pena definitiva dele para os 4 crimes patrimoniais é de 3 anos. O MP se deu por satisfeito e não recorreu contra essa sentença condenatória. Pergunto: tem prescrição no caso concreto? Tem que estudar! Se você não sabe, você tem que estudar para criar um raciocínio automático. Na hora da prescrição, seu primeiro raciocínio é pensar na pena máxima, pensar na pena em abstrato que, aqui, dificilmente teria ocorrido porque a pena máxima é de 8 anos. Se não dá para pensar na pena em abstrato (porque no exemplo não ocorria), vai pensar na próxima, que é a retroativa. Para calcular a prescrição nesse caso, você leva em consideração a pena imposta na sentença, in casu, de 3 anos. E aqui você erra. Na hora de olhar para a pena, olha para e pena de 3

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anos e erra. Não se esqueça do CP, especificamente do seu art. 119, importantíssimo. Olha o que nos diz o art. 119, do CP:

Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente. (Alterado pela L-007.209-1984)

Cuidado para não se esquecer desse artigo. Quando você faz cálculo de prescrição, você não somas penas dos delitos. A prescrição incide sobre cada crime separadamente. Há projeto para que esse artigo seja revogado, mas está em vigor ainda. No exemplo, o que eu faço quando eu me deparo com o crime continuado? Para calcular a prescrição, eu desprezo o quantum a título de acréscimo. Eu tenho que olhar não para o quantum que resultou do aumento e sim desprezando o aumento. Eu não olho para os 3 anos, mas para os 2 anos porque eu devo desprezar solenemente o que foi acrescido a título de acréscimo. Sobre isso, Súmula 497, do STF:

STF Súmula nº 497 - DJ de 12/12/1969 - Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.

Para o cálculo da prescrição, eu vou pensar nos 2 anos que prescrevem em 4 anos. Só que o sujeito era menor de 21. Corre pela metade. Eu não tenho 2 anos entre o fato e o recebimento. Mas eu tenho dois anos entre o recebimento e a sentença. Portanto, ocorreu prescrição da pretensão punitiva retroativa. A solução para esse caso, é o promotor atento recorrer e pedir para o tribunal subir a pena em 1 dia porque, fazendo isso, a prescrição já deixa de ser em 4 anos e passa a ser em 8 anos. Aí já não daria. Então, vejam, crime continuado é bom em se tratando de prescrição por conta disso.

(Intervalo) Crime instantâneo de efeitos permanentes – “É a posição que vem prevalecido. Consuma-se com o recebimento da primeira prestação do benefício indevido, contando-se daí o prazo de prescrição da pretensão punitiva. (STF – HC 95379 e STJ – REsp 689926)” Isso tem prevalecido, mas não entra na minha cabeça. Voltando ao exemplo: entre 2000 e 2008, o cidadão recebeu. A posição que tem prevalecido no STJ e no Supremo significa dizer que o crime se consumou no ano de 2000 só que você continuou a receber as prestações indevidas. Nesse caso, a prescrição começa a contar a partir de 2000 porque, teoricamente, a depender do caso concreto, a pessoa ainda está recebendo o benefício e operou-se a prescrição. Como se explica isso? Mas é a posição que tem prevalecido. Você vai ter aí exatamente a questão relativa à natureza. Alguém que está recebendo um benefício da previdência social há 12 anos, já prescreveu. 4. Art. 297, § 3º e 4º Os §§ 3º e 4º são chamados de falsidade de documentos destinados à previdência social

§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório; II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

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III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.

O exemplo mais tranquilo é a falsidade da sua remuneração na carteira de trabalho. Ou seja, você recebe na carteira de trabalho um salário mínimo, mas ganha 4 mil reais. Quando você falsifica a carteira de trabalho, faz isso porque sabe que a contribuição social será menor.

§ 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

Quero fazer dois comentários importantes: 1º Comentário – Essa falsidade dos §§ 3º e 4º é material ou ideológica?

FALSIDADE MATERIAL FALSIDADE IDEOLÓGICA Recai sobre o aspecto externo do documento O documento em si, no seu aspecto extrínseco,

existe. Seu conteúdo intelectual é falso. Falsifica ou Alterar – de maneira comissiva Pode ser praticada de maneira comissiva ou

omissiva. A pessoa não tem autorização para a confecção do documento

Tem legitimidade para a elaboração do documento.

Prova-se por perícia Prova-se por testemunha Quando eu, Renato, pego uma carteira de identidade, falsifico inserindo informações falsas, simulando um carimbo, há falsidade material. O documento não existe porque foi criado pela pessoa ou pode ter sido alterado. Quando se fala em falsidade ideológica, o documento em si é verdadeiro só que no conteúdo dele há uma falsidade. Com o exemplo da folha assinada em branco você identifica quem sabe e quem não sabe diferenciar esse assunto. Eu me aproveito dessa folha assinada em branco e insiro alguma informação (quitação de pagamento, declaração qualquer). Quando eu me aproveito de uma folha assinada em branco e, a partir daí, tenho um documento, qual é o crime? Será que é falsidade ideológica? Quando abuso da folha assinada em branco, ou é uma falsidade material? Você vai lembrar basicamente do seguinte detalhe: quando você se depara com uma falsidade material, a pessoa que está confeccionando pode fazê-lo no todo ou em parte ou alterar um documento preexistente. Quando você pratica falsidade material, você não tem legitimidade para a confecção do documento. Na falsidade material, a pessoa não tem legitimidade para criar o documento. A pessoa não tem autorização para criar aquele documento e faz isso través de uma falsificação (produz um documento idêntico ou não a outro preexistente), seja quando altera documento preexistente como, por exemplo, colocando uma foto no documento. A falsidade material só pode ser praticada de maneira comissiva. Não há como praticar falsidade material de forma omissiva. E a falsidade ideológica pode ser praticada de maneira comissiva e de maneira omissiva. Pode ser praticada inserindo informação falsa ou deixando de inserir informação verdadeira. Quando você pratica uma falsidade ideológica, o documento existe. O conteúdo é que é falso. Na falsidade ideológica, o agente tem legitimidade para a elaboração do documento. Na falsidade ideológica, o falsário tem legitimidade para preencher o documento. Era ele quem deveria estar preenchendo o documento. Só que ele se aproveita dessa legitimidade e faz inserir ou omite uma informação que devia constar.

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Sobre a última diferença: como é que eu provo uma falsidade material e como provo uma falsidade ideológica. A falsidade material, pensando numa carteira de habilitação, deve ser comprovada por exame pericial. Falsidade ideológica é provada através de depoimento de testemunhas. O exame pericial vai constatar que o documento é verdadeiro. concurseiro pratica falsidade ideológica? Colar é falsidade? Colar não é falsidade. O grande problema da cola eletrônica, que o Supremo já entendeu que não é crime. Já viram ficha de inscrição em concurso? Algumas delas dizem “declaro que preencho todos os requisitos para o cargo, sob pena de configuração de falsidade ideológica.” Posso assinar tranquilo ou caso não preencha respondo por falsidade ideológica? “Se a informação estiver sujeita à verificação por autoridade pública, não há falar em crime de falsidade ideológica.” É só você raciocinar: quando você assina aquela folha, você não exercerá tal função se não apresentar os documentos comprobatórios do cargo. A declaração assinada não tem potencialidade para atingir o bem jurídico tutelado, que é a fé pública. Concluindo o exemplo da folha assinada em branco – Isso é falsidade ideológica ou material? Depende do exemplo porque eu consigo pensar em duas situações: eu viro para minha empregada e pergunto se ela sabe assinar. Aí ela pega o papel e assina. Eu pego o papel e digo que joguei fora. Mas guardo a folha. Dois anos depois, ela entra com uma reclamatória trabalhista. Eu forjo um recibo de verbas trabalhistas de 3 mil reais. Quando eu forjei esse recibo, eu pratiquei falsidade material ou ideológica? Segundo exemplo: minha empregada trabalha comigo há 12 anos. Fui pagá-la na semana passada e a impressora deu problema. Na consegui imprimir o recibo. Ela vira para mim e fala: “Que bobagem! Eu assino em branco e você depois preenche o recibo.” Só que, óbvio, eu aproveito e vou abusar inserindo um valor a mais. Falsidade ideológica ou material? Se você lembrar da palavra “legitimidade”, vai matar essas questões. Quando eu preenchi a folha assinada em branco eu tinha legitimidade para fazê-lo? Se eu tinha, o crime é de falsidade ideológica. Se eu não tinha, o crime é de falsidade material. Pense nos dois exemplos e você mata a questão. No primeiro exemplo, eu induzi a empregada a erro e crio um documento. Isso é falsidade material, sem dúvida alguma. O documento jamais deveria existir. Eu, na verdade, criei um documento inexistente. Por sua vez, quando ela me assina a folha e me entrega a folha para eu depois imprimir o recibo e aproveito isso para inserir informação falsa, isso é falsidade ideológica porque o documento em seu aspecto extrínseco deveria existir, mas acaba existindo com informação falsa. E o exemplo do cheque assinado em branco, que crime é esse? Mesma coisa. O cheque assinado em branco depende do exemplo. Uma coisa é quando você me dá um cheque assinado em branco e diz: pague essa conta para mim. Eu não sei o valor por causa da multa. Quando a pessoa me dá autorização para preencher o cheque e eu abuso dessa confiança, temos falsidade ideológica, porque eu tenho legitimidade para preencher o documento. Quando eu encontro uma folha de cheque na rua e falsifico a assinatura, é falsidade material. Cheque é documento público ou particular? Cheque do banco Itaú é particular. Só que para fins penais, o cheque é equiparado a documento público (art. 297, § 2º):

§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

Para concluir, o crime de falsificação de documentos destinados à previdência social, voltando à pergunta do primeiro comentário, é falsidade material ou ideológica? Pense: quando o empregador coloca uma informação falsa na sua carteira de trabalho, isso é falsidade ideológica. Esse § 3º, portanto, está colocado aí de maneira indevida porque foi colocado dentro do art. 297, que trata da falsidade material. Você, então, vai concluir que os arts, 297 e 298, do CP são exemplos

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de crimes de falsidade material, porém, os §§ 3º e 4º, do art. 297 configuram, na verdade, falsidade ideológica. O legislador colocou esses parágrafos de maneira indevida dentro de um crime que é só de falsidade material. 2º Comentário – Súmula 17, do STJ Fala da falsificação de documento usada para obter vantagem ilícita:

STJ Súmula nº 17 - DJ 28.11.1990 - Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

Quando você falsifica uma carteira de trabalho para praticar estelionato contra o INSS, prevalece o raciocínio: se a falsidade figurar como crime-meio, você só responde pelo crime-fim. Então, o estelionato, apesar de ter uma pena mais branda, vai absorver o crime-meio de estelionato. Essa é a ideia da Súmula 17. Disso deriva uma questão boa para prova: Falsidade ideológica e crime contra ordem tributária – O cidadão praticou falsidade ideológica na declaração de IR (inseriu informação falsa) para pagar menos imposto. A casa dele caiu, mas ele paga o tributo. Pergunto: o pagamento do tributo tem o condão para extinguir a punibilidade do crime de falsidade ideológica, considerando que pagamento em crimes tributários extingue a punibilidade? O que acontece com a falsidade? “Para o STJ, como o crime fiscal absorve o delito de falsidade nessa hipótese (Súmula 17), efetuado o pagamento do tributo devido, não haverá justa causa para a ação penal pelo crime de falsidade. (STJ – HC 94452)” 5. ART. 337-A – SONEGAÇAÕ DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Em muito se assemelha aos crimes contra a ordem tributária da Lei 8.137.

Sonegação de Contribuição Previdenciária Art. 337-A - Suprimir ou reduzir contribuição social (CRIME MATERIAL) previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

O art. 337-A é crime material. Não há o que se discutir. O exemplo é tranquilo. Ao deixar de incluir o cidadão como segurado obrigatório da Previdência Social as contribuições recolhidas serão suprimidas ou reduzidas. Dificuldades financeiras – Uma das teses mais usadas em se tratando de crimes contra a ordem tributária é a crise. É muito comum em casos que envolvem o INSS é a pessoa dizer que a

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crise pegou e, diante da crise, não houve opção. Entre pagar os empregados e fornecedores, a pessoa diz que opta por causar prejuízo ao fisco. Essas dificuldades financeiras têm o condão de afastar a responsabilidade criminal por crimes contra a ordem tributária? “Dificuldades financeiras podem funcionar como causa supralegal de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa somente em hipóteses excepcionais, e desde que haja prova documental. STJ- REsp 327 738.” Você não pode simplesmente dizer “a crise me pegou”. Isso não é fundamento suficiente para você sair por aí sonegando. Os tribunais exigem prova robusta. Eu, em 3 anos de DPU só consegui uma absolvição, mas aí, no caso, a empresa do cara teve sua falência decretada, havia vários títulos protestados e eu consegui juntar uma documentação da situação dos sócios. Às vezes, a pessoa fala que a crise pegou. A situação financeira da empresa está em crise. Mas vai ver a dos sócios administradores e está melhor do que nunca (usam a empresa como escudo para praticar esses delitos). 6. SUJEITOS ATIVOS DESSES DELITOS Os crimes contra a ordem tributária podem ser praticados somente por pessoa física. Terão como sujeito ativo somente a pessoa física. Há doutrinadores que entendem que a CF até responsabilizaria a pessoa jurídica nesses casos. Só que a lei não prevê isso. Art. 173, § 5º, da CF:

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Há doutrinadores que extraem desse parágrafo a possibilidade de responsabilização penal de pessoas jurídicas em crimes contra a ordem econômica e ordem econômica e financeira, da mesma forma que a CF autoriza a responsabilização da pessoa jurídica em crimes ambientais. Porém, ao contrário da lei dos crimes ambientais, as leis que definem crimes contra a ordem econômica não dispõem sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Atenção! A CF, para alguns doutrinadores, autoriza essa possibilidade. Só que é óbvio que o nosso legislador não criou essa possibilidade ainda porque as leis que dispõem sobre os crimes contra a ordem econômica e financeira só prevêem a responsabilidade de pessoas físicas. Será que um agente político pode responder por um crime contra a ordem tributária? E o caso mais comum de agente político é o caso do prefeito que pratica crimes contra a previdência social. “Agentes políticos podem responder por crimes contra a previdência social, desde que comprovado o conhecimento acerca do fato delituoso.” É extremamente comum, em relação a esses agentes políticos, é a concessão da anistia. O Congresso Nacional os anistia. Em relação à anistia, fique atento a uma lei um pouco mais antiga e que provocou enorme controvérsia, que é a Lei 9.639/98. Vamos ver o seu art. 11:

Art. 11. São anistiados os agentes políticos que tenham sido responsabilizados, sem que fosse atribuição legal sua, pela prática dos crimes previstos na alínea "d" do art. 95 da Lei no 8.212, de 1991, e no art. 86 da Lei no 3.807, de 26 de agosto de 1960.

O art. 95 “d” é o antigo crime de apropriação indébita previdenciária previsto na Lei da Previdência Social. O art. 11 só concedeu anistia aos agentes políticos. Pergunta boa de prova: será

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que o benefício aí dado para os agentes políticos também é extensivo para outras pessoas? Será que eu posso me valer da analogia nesse caso? Se isso foi dado para os agentes políticos, por que não pode ser dado para um comerciante? Por que isso não vale para os demais a título de isonomia? Posso usar esse raciocínio? Negativo! “Anistia é uma espécie de indulgência soberana, portanto, não é possível sua ampliação a outros indivíduos a título de isonomia, sob pena de usurpação à competência do Poder Legislativo.” Outro detalhe importante está no § único do art. 11: Parágrafo único. São igualmente anistiados os demais responsabilizados pela prática dos crimes previstos na aliena “d” do art. 95 da Lei 8.212/90 e no art. 86, da Lei 3.807/60 (Execução suspensa, com efeito ex tunc, pela RSF nº 03/2008) É uma negócio meio lusitano porque o caput fala dos agentes políticos e o §único fala dos demais responsabilizados. Então, por que o caput? Qual o grande detalhe desse parágrafo único? No Brasil há coisas que até Deus desconfia. Esse parágrafo único é uma das coisas mais espetaculares. Ele não foi aprovado pelo Congresso. Mas só Deus sabe explicar, foi remetido para sanção presidencial. O Presidente publicou isso aí. Ele entrou em vigor durante um dia. Só que perceberam a bobagem cometida. Aí veio o problema porque ele esteve em vigor. A galera ficou sabendo disso. E ao saber da vigência durante um dia, todo mundo levantou a mão pedindo a extinção da punibilidade com base na anistia. Pergunto: isso é válido ou não? Será que eu posso extinguir a punibilidade dos demais agentes? Esteve em vigor, mas não extingue a punibilidade. “Para o Supremo (HC 82045 e HC 77734), o art. 11, § único é dotado de inconstitucionalidade formal. Portanto, apesar de ter entrado em vigor, não é considerado válido pois não foi aprovado pelo Congresso Nacional.” Não dá para confundir vigência com validade. Entrou em vigor, mas não foi aprovado, não tem qualquer aprovado. 7. RESPONSABILIDADE PESSOAL Aqui surge um grande problema na prática. Esses crimes contra a ordem tributária (esquece você, pessoa física sonegando imposto) são praticados sob o manto da pessoa jurídica. Nos valemos da pessoa jurídica para praticar os delitos. E como são chamados esses crimes aproveitando da estrutura dada pela pessoa jurídica. São os chamados crimes societários ou “de gabinete”. Crime de gabinete é a mesma coisa que criem societário, são crimes em que o agente se aproveita da estrutura da pessoa jurídica para acobertar ou pelo menos dificultar a atividade persecutória. O grande problema nesses crimes societários é a identificação das pessoas físicas responsáveis pelo delito. Você, amanhã, na pode denunciar o Carrefour, as Casas Bahia, você tem que denunciar as pessoas físicas. E aí vem o problema: que pessoas físicas contra as quais eu vou oferecer denúncia? “No momento do oferecimento da peça acusatória, a condição de sócio-gerente, administrador, procurador é um indício da culpabilidade do acusado. Porém, se ao final da instrução não tiver sido comprovada a prática de atos de gerência, o acusado deve ser absolvido, sob pena de responsabilidade penal objetiva. (STJ – HC 53305 e STF – HC 84402)” O melhor exemplo é você pensar numa empresa familiar onde o contrato social traz o marido e a mulher como sócios administradores, mas é comum que a administração fica a cargo de só um deles. E aí, quando a casa cai, o MP, geralmente, na hora de oferecer a denúncia busca-se o contrato social e a identificação dos sócios administradores. Isso é indício da culpabilidade e oferece a denuncia. Mas se ao longo da instrução, se ficar provado que ela, não obstante figurar como administradora, mas apenas o seu gerente fazia toda a contabilidade da empresa, aí ela tem que ser

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absolvida porque não dá para ser condenada apenas por figurar no contrato social como administradora. Num primeiro momento você usa o contrato social e, na instrução você prova se houve ou não exercício de atos de gerência. Essa questão da responsabilidade pessoal nos leva a uma outra questão, que é a tal da denúncia genérica: “Denúncia genérica é uma denúncia que imputa determinado fato delituoso a várias pessoas, sem individualizar a conduta de cada uma delas.” Esse tema é espinhoso, complicado. Se cair numa prova sobre se cabe denúncia genérica, é complicado porque isso hoje virou quase que um palavrão. Denúncia genérica fica parecendo denúncia que não narra fato delituoso. Assim, não deve ser aceita. Só que na hora de crimes societários, de crimes de gabinete, você tem que individualizar a conduta de cada um dos denunciados até o ponto que você consiga fazer isso. Como é que eu posso individualizar a conduta de cada uma das pessoas? O STF aceita que você de alguma forma demonstre que aquelas pessoas eram responsáveis pela administração da empresa e aí o resto eu provo na instrução. Olha que maravilha o que o Supremo decidiu no HC 92959: “Rememorou-se orientação da Corte no sentido de que nos crimes societários não se aceita uma denúncia de todo genérica, mas se admite uma denúncia um tanto ou quanto genérica dada a dificuldade de individualização de condutas que, no mais das vezes, são concebidas e perpetradas a portas fechadas..” Esquisito isso, né? A denúncia não pode ser de todo genérica, mas pode ser “um tanto quanto genérica”. Se cair em prova, melhor dizer que não cabe. Mas se é prova mais elaborada você pode dizer que “em se tratando de crimes societários, em que a conduta delituosa é perpetrada a portas fechadas”, caso não seja possível a individualização é possível o oferecimento da denúncia nesses casos. 8. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA O princípio da insignificância vai incidir sobre crimes contra a ordem tributária? Contra o coitado do INSS? É óbvio que sim. O princípio da insignificância hoje funciona como causa excludente da tipicidade material. Hoje, não basta um juízo de tipicidade formal. Há de se perguntar até que ponto aquela conduta atinge o bem jurídico. Explicar o que é o princípio da insignificância é fácil. O problema é definir o limite, o valor. Mas esse assunto hoje está razoavelmente pacificado. E vocês deverão se lembrar da Lei 10.522/02 que traz dois artigos que nos interessam:

Art. 18, § 1º Ficam cancelados os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais).

Durante algum tempo, esse valor de 100 reais foi o quantum usado para se aferir a insignificância. Se dizia que se o débito da Fazenda até 100 reais está sendo cancelado, é porque é insignificante. Então, durante um bom tempo, o STJ principalmente, usou esse valor de 100 reais como parâmetro para se aferir a insignificância de crimes contra a ordem tributária e contra o INSS. Porém, isso hoje está ultrapassado. O valor que deve ser levado em consideração é o do art. 20 desta mesma lei que é um valor, pasmem vocês, de 10 mil reais:

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Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Alterado pela L-011.033-2004)

Ou seja, apesar da crítica de muitos membros do MP esse é o valor que hoje vem sendo usado pelo Supremo. Se você praticar um crime contra a ordem tributária faça em valor for inferior a 10 mil reais. Até 9.999 será um valor insignificante. A título de exemplo: STJ – REsp 1112748 e também o REsp 685135. Esse último, adotava o parâmetro de 100 reais. Mas hoje está ultrapassado. Cuidado porque esse mesmo raciocínio também é válido para o descaminho. Os 10 mil reais de insignificância são 10 mil reais de mercadoria? Eu posso comprar mais de 10 mil? Anote: “Em relação ao crime de descaminho, deve-se aplicar o princípio da insignificância quando o débito tributário não ultrapassar o limite de 10 mil reais. (STJ – REsp 992758” O descaminho não é o preço da mercadoria. Você tem que perguntar qual é o débito tributário sobre aquela mercadoria. Está aí a farra do boi, como é conhecido esse novo limite de 10 mil reais. Vai melhorar muito o fluxo de sacoleiros. 9. ACORDO DE LENIÊNCIA Esse acordo de leniência, chamado por alguns de acordo de brandura ou acordo de doçura, nada mais é do que uma espécie de colaboração premiada. LFG prefere dizer colaboração ao invés de delação porque delação pressupõe apontar comparsas. E no acordo de leniência, você não necessariamente aponta comparsas, mas auxilia na identificação dos valores que foram sonegados. Esse acordo está previsto no art. 35-B e no art. 35-C, da Lei 8.884/94 (Lei Antitruste)

• O art. 35-B traz um acordo de leniência econômico-administrativo. • O art. 35-C traz um acordo de leniência de natureza penal.

Art. 35-B. A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: (acrescentado pela L-010.149-2000) I - a identificação dos demais co-autores da infração; e II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

Na hipótese do inciso I teríamos uma espécie de delação.

Art. 35-C. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei n. 8.137, de 27 de novembro de 1990, a celebração ele acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia.

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Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes que se refere o caput deste artigo.

Se você faz o acordo de leniência, prestando informações quanto à prática de crimes contra a ordem tributária, a consequência é a suspensão da prescrição e o MP se vê impedido de oferecer denúncia. Se você prestar as informações cumprindo o acordo, extingue-se a punibilidade. É mais um incentivo para o autor de crime contra a ordem tributária. 10. AÇÃO PENAL E COMPETÊNCIA Em relação a isso, esse ponto é bem fácil. A ação penal é sempre pública incondicionada. Em relação à competência é fácil: se a vítima é o INSS, competência da Justiça Federal. No entanto, em relação a crimes contra a ordem tributária, você deve ficar atento à natureza do tributo. Se é tributo federal, a competência é federal. Se é ISS, IPVA, IPTU, a competência é da justiça estadual. Se quem foi prejudicado foi o Estado ou município, competência da Justiça Estadual. Se o tributo suprimido é da União, competência da Justiça Federal.

(Intervalo) 11. PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA Talvez aqui vá aparecer o único dispositivo ruim para quem pratica crime contra ordem tributária. Todos vocês conhecem aquela hipótese de liberdade provisória do art. 310, § único, do CPP. Essa é aquela liberdade provisória em que você é colocado em liberdade sem obrigação de recolher fiança. E isso acontece quando o juiz não verificar a presença de uma das hipóteses que autoriza a preventiva. O juiz, olhando para o caso concreto, verifica que não há razão para a preventiva, você recebe essa liberdade provisória.

Art. 310 - Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do Art. 23, do Código Penal - reforma penal 1984, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único - Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).

O juiz, olhando para o caso concreto e verificando que não há motivo para a preventiva, dá a liberdade provisória. Pergunta boa: essa liberdade provisória se aplica em crimes contra a ordem tributária? Não. Para ele tem que ter fiança! Atenção para o teor do art. 325, § 2º, que, de maneira muito salutar, exige a fiança.

§ 2º - Nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal (LEIA-SE, CONTRA A ORDEM TRIBIUTÁRIA – TODOS OS QUE ESTUDAMOS), não se aplica o disposto no Art. 310 e parágrafo único deste Código, devendo ser observados os seguintes procedimentos: I - a liberdade provisória somente poderá ser concedida mediante fiança, por decisão do juiz competente e após a lavratura do auto de prisão em flagrante;

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II - o valor de fiança será fixado pelo juiz que a conceder, nos limites de dez mil a cem mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, da data da prática do crime; III - se assim o recomendar a situação econômica do réu, o limite mínimo ou máximo do valor da fiança poderá ser reduzido em até nove décimos ou aumentado até o décuplo.

Então, crimes contra a economia popular e crimes contra a ordem tributária não se admite a liberdade provisória sem fiança do art. 310, § único. Se, porventura, você tiver sido preso em flagrante, o que é raro em se tratando de crimes contra a ordem tributária, você vai ser posto em liberdade, mas precisa ser uma liberdade provisória com fiança. Os valores estão nos incisos, mas não vamos perder tempo olhando isso. 12. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO NOS CRIMES MATERIAIS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Esse é o ponto, na atualidade, melhor para cair em concurso. Cuidado para não confundir! Somente para os crimes materiais contra a ordem tributária. Daí você entende o porquê do Supremo entender que o ar.t 168-A é crime material, exatamente para dar ao crime desse artigo o benefício aqui colocado. Sobre esse assunto, precisamos fazer uma análise histórica. Não vou apenas citar a súmula vinculante porque isso você lê em casa. O art. 83, da Lei 9.430/93 é o primeiro dispositivo que vai provocar controvérsia. Essa lei dispõe sobre a legislação federal tributária.

Crime Contra a Ordem Tributária Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Esse artigo 83 foi o ponta-pé inicial de toda controvérsia. A partir dele, começaram a discutir o seguinte: é muito comum que você esteja discutindo aquela questão tratada no processo penal perante o fisco. E aí surge a eterna discussão sobre se o procedimento em curso perante a Fazenda interfere com o procedimento criminal. Será que são independentes ou são vinculados? A partir do art. 83, começou-se a dizer que a representação fiscal só poderia ser encaminhada ao MP quando houvesse uma decisão final. A partir daí surgiu a discussão: qual é a relação existente entre o procedimento administrativo e o processo criminal? Anote: “Contra esse art. 83 foi ajuizada a ADI 1571 tendo o Supremo concluído: o art. 83 não criou condição de procedibilidade da ação penal em crime contra a ordem tributária. Esse dispositivo tem como destinatário as autoridades fazendárias, prevendo o momento em que devem encaminha ao MP ‘notitia criminis’ de crime contra a ordem tributária. O MP não está impedido de agir se, por outros meios tiver conhecimento do lançamento definitivo.” Essa ADI foi ajuizada pelo MP, quando alguns doutrinadores começaram a dizer que o MP depende disso para entrar em juízo. O Supremo disse que não. O MP não tem essa condição da ação e isso se destina ao fisco. Não faz qualquer sentido o fisco comunicar o MP de um crime se a questão não foi decidida de maneira definitiva na seara administrativa. O Supremo entendeu que se o MP tiver conhecimento através de outra forma de que houve o lançamento definitivo, ele pode agir sem problema algum. Mas qual é a natureza jurídica dessa decisão final do procedimento administrativo? O Supremo, nessa ADI (e o STJ tem caminhado no mesmo sentido) disse que essa decisão final no

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procedimento administrativo não é condição de procedibilidade. Na verdade, essa decisão final do procedimento administrativo funciona como condição objetiva de punibilidade. LFG entende diferente. Para ele, se é crime material contra a ordem tributária, está relacionada à tipicidade do delito. Mas a posição que tem prevalecido é essa. Ou seja, condição objetiva de punibilidade. Em alguns manuais de processo penal, muitos doutrinadores, sobretudo membros do MP, gostam de sustentar o quê? Para Pacelli, por exemplo, a decisão final do procedimento administrativo seria apenas uma questão prejudicial. Por que questão prejudicial? Porque você pode oferecer a peça acusatória e o processo penal ficaria suspenso aguardando a decisão do procedimento administrativo. Só que não é essa a posição que prevalece. Mas o que é condição objetiva de punibilidade? E qual é a sua diferença da condição de procedibilidade? É aí que mora o problema. Vamos fazer um quadro comparativo. Quem fala bem sobre isso, é Mirabete, que tem como atualizador o seu filho. Isso já caiu em 2ª fase do MPF (2006 ou 2007): CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE ou

CONDIÇÃO DA AÇÃO CONDIÇÃO OBJETIVA DE

PUNIBILIDADE Direito Processual Penal Direito Penal Ausência de condição de procedibilidade: � Início do processo – rejeição da peça

acusatória � Durante o processo – anulação do processo Coisa julgada formal

Ausência de condição objetiva de punibilidade: � Impede o oferecimento da peça acusatória � Impede instauração de IPL

A condição de procedibilidade, que alguns preverem chamar de condição da ação, é matéria relacionada ao direito processual penal. Condições de procedibilidade – “São condições exigidas pela lei para o exercício regular do direito de ação.” Não se pode exercer o direito de ação sem o preenchimento dessas condições, que podem ser de duas espécies: condições genéricas e específicas. Quando eu falo de condição objetiva de punibilidade, por sua vez, eu saí do direito processual penal e agora estou falando de direito penal porque a punibilidade nada mais é do que a consequência do delito. Praticada uma ação típica, ilícita e culpável, sua conduta terá como consequência a punibilidade. E qual é o conceito de condição objetiva de punibilidade? Condição objetiva de punibilidade – “Cuida-se de condição exigida pelo legislador para que o fato se torne punível e que está fora do injusto penal, ou seja, não faz parte do conceito analítico de crime. Chama-se condição objetiva porque independe do dolo ou da culpa do agente, estando localizada entre o preceito primário e secundário da norma penal incriminadora.” Essa é uma condição objetiva de punibilidade. Objetiva porque não importa o dolo ou a culpa. Para que o Estado possa exercer sua pretensão punitiva, é importante o implemento dessa condição. Uma outra diferença importante diz respeito à ausência de condição de procedibilidade: ausente uma condição da ação, a consequência será: se você verifica que há um problema em relação à legitimidade ad causam, se essa ausência de condição de procedibilidade for detectada no início do processo, de plano, quando eu ofereço a peça acusatória, o juiz vai rejeitar a peça acusatória. Mas se a ausência é percebida durante o processo, o juiz deve anular o processo. A decisão de rejeição ou anulação do processo só faz coisa julgada formal. A decisão que reconhece a ausência de condição de procedibilidade só faz coisa julgada formal.

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E diante de uma condição objetiva de punibilidade? Qual o problema de sua ausência? “Impede, não só a instauração de inquérito policial, como também o oferecimento de peça acusatória, pois enquanto a condição não for implementada, o Estado não pode exercer sua pretensão punitiva.” Essa é uma diferença importante porque não se pode nem mesmo instaurar o inquérito policial porque a pretensão punitiva desenvolve-se em duas fases: preliminar, investigatória e depois a judicial. Se não há a condição objetiva de punibilidade, aquele fato não é punível, o Estado não pode exercer sua pretensão. Então, não pode instaurar o IPL e nem oferecer a peça acusatória. “STF – RHC 90532: Enquanto não houver o exaurimento da via administrativa, não há falar em consumação de crime material contra a ordem tributária.” Para mim, o Supremo mistura as coisas aí (eu li a decisão!), porque ele diz que é condição objetiva de punibilidade e aí fala sobre consumação. Se está falando sobre consumação está falando de tipicidade. Então, o Supremo vem entendendo que é uma condição objetiva de punibilidade. Para concluir esse raciocínio, a Súmula Vinculante 24, que saiu no final do ano passado:

Súmula Vinculante 24 (02/12/09) - Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

Essa súmula tem a redação um pouco confusa porque diz que não se tipifica o crime contra a ordem tributária enquanto não houver o lançamento definitivo. Ela parece dizer então que, na verdade, o lançamento não seria uma condição objetiva e que estaria ligado à tipicidade. Só que essa posição contraria o que o Supremo vinha entendendo, porque a posição do Supremo e também do STJ é que a decisão final do procedimento administrativo é questão relacionada à condição objetiva de punibilidade. Então, hoje, talvez a melhor posição é sustentar isso. 13. PAGAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO Em relação ao assunto, a gente precisa fazer uma análise histórica, cronológica. O primeiro ponto importante é o art. 34, da Lei 9.249/95. Esse artigo vai dizer que o pagamento do tributo extingue punibilidade. Só que ele estabelece um requisito temporal, qual seja, o pagamento aqui previsto tem que se dar antes do recebimento da denúncia. Em 1995 surge esse art. 34, que diz que o pagamento extingue a punibilidade:

Art. 34 - Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Essa lei de 1995 prevê que se você pagar antes do recebimento da denúncia, extingue a punibilidade, mas só faz menção aos crimes da Lei 8.137 e da Lei 4.729. Aí vem a discussão: será que esse benefício também é válido para o art. 168-A? Por que a lei não fala do art. 168-A? Olha que pergunta difícil! É porque à época o art. 168-A, criado em 2000, não existia. Em 2000 entra em vigor a lei da previdência social, Lei 9.983/00, que vai inserir o art. 168-A. Na hora de tratar do pagamento, o art. 168-A traz um regramento diferenciado. Você tem que olhar o §2º, do art. 168-A:

§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuiç6es, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do inicio da ação fiscal.

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Ele traz um momento diferente. A lei anterior fala em antes do recebimento da denúncia. Então, o art. 168-A é mais gravoso porque o momento para pagar é mais reduzido. O art. 168-A, § 2º, traz o mesmo benefício (extinção da punibilidade), mas o problema é que o pagamento tem que ser feito antes do início da ação fiscal. O prazo para pagar é menor. Se você seguir o que consta da lei, estaria dando ao mesmo crime um tratamento diferenciado. Seria uma incongruência porque se você pratica um crime contra a ordem tributária “INSS”, você só pode pagar até o início da ação fiscal. Se você sonega o IR, pode pagar até o início do processo penal. Surgiu a discussão, dizendo que o art. 168-A era norma especial e deveria prevalecer, só que acabou prevalecendo a posição contrária: “Para os tribunais, o art. 34 também seria aplicável aos crimes contra a Previdência Social (STF – HC 73418 e STJ – HC 61928).” Depois desse assunto, vão surgir as leis de parcelamento de dívidas. E a terceira lei que entra nesse quadro cronológico é a Lei 10.684/03, que traz o art. 9º, extremamente importante, que diz que a partir do momento que você efetuar o parcelamento do débito tributário, a consequência será a suspensão da pretensão punitiva. Se você efetuar o parcelamento, acarretará a suspensão da pretensão punitiva e também da prescrição. Parcelado, é de se esperar que um dia você efetue o pagamento. E o detalhe é que o pagamento efetuado irá acarretar a extinção da punibilidade. Detalhe: a lei do REFIS, ao falar do pagamento, falou do pagamento de quem parcelou. Só que os tribunais entendem que se quem parcelou e pagou extingue, então, quem pagou também extingue, mesmo que não tenha parcelado. E um outro detalhe: o art. 9.º não estabelece nenhum limite temporal. Não fala em antes do recebimento da peça acusatória ou antes do início da ação fiscal. Portanto, a interpretação feita pelos tribunais é a seguinte: como a lei não disse nada, como não restringe, não é dado ao operador fazê-lo. Portanto, o entendimento que hoje prevalece é que, efetuado o pagamento a qualquer momento, estará extinta a punibilidade.

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

Agora, já fala de todos os crimes. Pergunta boa de prova: e em relação ao estelionato aplica-se isso aí? Negativo! Anote: “Para o STJ, não é possível a aplicação do art. 9º ao crime de estelionato.” Você vai ter que pensar em crime contra a ordem tributária, em que o ente deixa de receber tributo devido e o crime de estelionato em que, através de ardil ou qualquer outro meio fraudulento, obtém valores ilícitos. Se você adere ao regime de parcelamento, suspende-se a pretensão punitiva e também a prescrição. É o que vai dizer o § 1º. E o § 2º é a cereja do bolo:

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

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Cite uma lei importante, que é a do REFIS IV. Quando os manuais falam da extinção da punibilidade, geralmente citam a Lei 10.684, que é a primeira lei que fala sobre a questão do parcelamento. Mas as demais leis também foram trazendo o mesmo benefício. A última é a Lei 11.941/09, conhecida como REFIS 4. O que nos interessa é o seu art. 68 (a redação é idêntica ao outro):

Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei. Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

E o art. 69, hoje, 2010, deve ser o artigo invocado por você.

Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.

Mais uma vez, o art. 69 não delimita o momento desse pagamento. Então, vai prevalecer o que já prevalecia antes: efetuado o pagamento a qualquer momento estará extinta a punibilidade. O § único traz novidade interessante porque agora traz a pessoa física. Então está aí a questão importante relacionada ao débito tributário. Vale anotar: “Esse pagamento, como causa extintiva da punibilidade também atinge o crime de descaminho (STJ – HC 48805).” Esse julgado trata de umas senhoras que foram para Miami, compraram lingerie e trouxeram para vender. Aí ficou a discussão. O STJ entendeu, nesse HC relatado pela Min. Maria Teresa de Assis Moura que, na verdade, se o descaminho apesar de lá colocado no art. 334, deve ser entendido como crime contra a ordem tributária, porque você deixa de repassar os tributos ao fisco. E se a punibilidade é extinta com relação aos crimes da Lei 8.137, o mesmo raciocínio deve ser aplicado também ao crime do art. 334, descaminho. Sobre crimes contra a ordem tributária, era isso que eu tinha para falar. Agora, vamos tratar do racismo.