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CRESCIMENTO ECONÔMICO, COMPETITIVIDADE INDUSTRIAL E
DESEMPENHO TECNOLÓGICO: UMA ABORDAGEM KALDORIANA-EVOLUCIONÁRIA
Tese de doutorado a ser defendida no curso de Economia Industrial e da tecnologia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Orientadores: Prof. Lia Hasenclever Prof. Fábio Neves Peracio de Freitas Estudante: Evaldo Henrique da Silva
Agosto de 2008 Rio de Janeiro
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EVALDO HENRIQUE DA SILVA
CRESCIMENTO ECONÔMICO, COMPETITIVIDADE INDUSTRIAL E DESEMPENHO TECNOLÓGICO: UMA ABORDAGEM KALDORIANA-
EVOLUCIONÁRIA Rio de Janeira, 18 de Agosto de 2008
______________________________________ Profª Drª Lia Hasenclever (presidente)
______________________________________ Prof. Dr. Fábio Neves Peracio de Freitas
______________________________________ Profª Drª Esther Dweck
______________________________________ Prof. Dr. João Alberto De Negri
______________________________________ Prof. Dr. Gilberto de Assis Libânio
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
1) Contextualização teórica e justificativas da pesquisa
11
1.1) Abordagens macrofundamentadas: os modelos kaldorianos de crescimento econômico liderado pelas exportações
12
1.2) Abordagens microfundamentadas: os modelos evolucionários de crescimento econômico
20
1.3)
Os projetos de síntese entre as abordagens kaldorianas e evolucionárias
32
1.4) Considerações finais
44
2) As microfundamentações teóricas do modelo de simulação 46 2.1) Paradigma tecnológico, trajetória tecnológica e regime
tecnológico 47
2.2) Inovações tecnológicas e competitividade industrial 59 2.3) Regime tecnológico, crescimento industrial e desempenho
inovativo
77
3) As referências empíricas das equações de competitividade do modelo de simulação
92
3.1) Estudos internacionais da competitividade: as abordagens das vantagens construídas
93
3.2) Estudos brasileiros da competitividade industrial 111 3.3) Taxonomias industriais baseadas no conteúdo tecnológico dos
produtos 126
3.4) Considerações finais 146
4) As hipóteses, os grupos taxonômicos e as equações matemáticas do modelo de simulação
148
4.1) A definição dos grupos taxonômicos da matriz de insumo-produto do modelo de simulação
149
4.2) Hipóteses e os fatores determinantes da competitividade de cada grupo taxonômico
162
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4.3) A macrofundamentação teórica e as equações matriciais do modelo de simulação
181
4.4) Valores iniciais das variáveis e dos parâmetros do modelo de simulação
190
5) Definição dos cenários, execução do exercício de simulação e análise dos resultados
199
5.1) Definição dos cenários 201 5.2) Propriedades e trajetórias macroeconômicas do modelo 204 5.3) Propriedades e trajetórias microeconômicas (setoriais) do modelo 216 5.4) Sensibilidade do modelo em relação aos valores ad hoc
235
CONCLUSÕES
244
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 259
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RESUMO O estudo das interações entre o crescimento econômico, as inovações tecnológicas e o crescimento econômico é um tema recorrente na literatura econômica. Neste artigo é apresentado um modelo de simulação que sintetiza as abordagens kaldorianas e evolucionárias. O crescimento da produção industrial é liderado pelas exportações frente à hipótese de que o consumo, os investimentos e as importações são endogenamente determinados pelo valor da produção. Os setores industriais, por sua vez, foram agregados de acordo com as características do regime de aprendizagem tecnológica (ou regime tecnológico), o que permitiu a formação de três grupos taxonômicos industriais, mais um grupo constituído pelos setores de serviços, para os quais não foi apresentada uma proposta taxonômica. Com esses agrupamentos foi elaborado um modelo de simulação do tipo insumo-produto, cuja dinâmica emerge do crescimento das exportações mundiais e da evolução do market share das exportações e das importações. Essa evolução depende do nível de competitividade da indústria nacional. Os fatores determinantes deste nível foram identificados de acordo com o regime tecnológico prevalecente em cada grupo setorial. Para alguns grupos setoriais, estes fatores são determinados exogenamente, mas em um dos grupos ocorre o mecanismo de causação circular e cumulativa entre a produção industrial e a competitividade externa. Foram analisados apenas três cenários, cujos resultados produziram insights teóricos e empíricos incoadunáveis com os modelos ortodoxos e heterodoxos. Entre eles está a constatação de que as séries históricas das taxas de crescimento, de investimento e do grau de utilização da capacidade produtiva do conjunto de setores da economia são estacionárias, porém não correlacionadas e muito menos cointegradas. Por outro lado, ficou constatado que os indicadores do nível de competitividade da indústria nacional podem ser afetados pelas políticas macroeconômicas e que os resultados das políticas macroeconômicas podem ser afetados pelas políticas setoriais de competitividade.
SUMMARY The study of interactions between economic growth, technological innovation and economic growth is a recurring theme in the economic literature. In this article is presented a simulation model that combines the kaldorian and evolutionary approaches. The growth of industrial production is led by exports because of the assumption that consumption, investment and imports are endogenous; this is, determined by the value of production. The industries in turn have been aggregated according to the characteristics of the technological learning (or technological regime), which allowed the formation of three industrial taxonomic groups, another group made up of the sectors of services to which was not presented a proposal taxonomic. With these groups has drawn up a simulation model of the type input-output, which emerges from the dynamic growth of world exports and the time path of the market share of exports and imports. This evolution depends on the level of competitiveness of domestic industry. The determining factors of this level were identified according to the rules prevailing in each group technology sector. For some industry groups, these factors are exogenous, but in one of the groups there is the mechanism of feedback loop between industrial production and external competitiveness. We analyzed only three scenarios, whose results yielded insights theoretical and empirical incompatible with orthodox and heterodox models. Among them is the observation that the series of historical growth rates, investment and the degree of utilization of productive capacity of all sectors of the economy are stationary, but not correlated and much less cointegraded. Moreover, it was noted that indicators of the level of competitiveness of domestic industry may be affected by macroeconomic policies and that the results of macroeconomic policies may be affected by the policies of sectoral competitiveness.
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INTRODUÇÃO
a) O problema e sua importância
As interações entre o crescimento econômico, as mudanças tecnológicas e
a concorrência capitalista é um fenômeno que intriga os economistas há muito
tempo. Nas obras dos economistas clássicos já é possível observar a
preocupação desses autores quanto ao papel da concorrência capitalista e da
mudança tecnológica na determinação do crescimento econômico. Sendo um
tema tão antigo, não seria exagero afirmar que existe um imenso estoque de
conhecimento acumulado sobre este tema. Mas, apesar de ser uma das áreas de
pesquisa mais antiga no campo da ciência econômica, a construção de modelos
de crescimento econômico afiliados à abordagem keynesiana, isto é, de modelos
de crescimento econômico elaborados sob a égide do principio da demanda
efetiva, é uma atividade relativamente nova. Pode-se afirmar que a análise do
papel da concorrência capitalista e das mudanças tecnológicas na determinação
de longo prazo dos componentes autônomos da demanda agregada é um objeto
de pesquisa que ainda vagueia nas fronteiras das ciências econômicas.
Existe uma vasta literatura associada às pesquisas teóricas e empíricas
voltadas para o estudo das relações entre concorrência e mudança tecnológica.
Mas, no que diz respeito ao papel das mudanças tecnológicas na determinação
de longo prazo da demanda setorial e/ou agregada, as pesquisas científicas não
conseguiram avançar muito além da produção de controvérsias. Hoje, o que há
de mais sólido neste campo são os modelos de crescimento econômico liderado
pelas exportações. Esses modelos têm atraído a atenção de autores tanto das
abordagens ortodoxas (ou mainstream) quanto das abordagens heterodoxas
(pós-keynesianas e evolucionárias). No primeiro caso, o eixo principal das
pesquisas corresponde à hipótese de que o comércio exterior é um canal
importante para a produção e/ou o acesso às novas tecnologias. Esses modelos,
obviamente, estão fundamentados na teoria do equilíbrio geral, o que os tornam
inadequadas no que diz respeito à construção de um modelo de simulação das
interações entre o crescimento econômico, a competitividade e as mudanças
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tecnológicas baseado no princípio da demanda efetiva, que é o objetivo principal
desta tese.
Na atualidade, as linhas de pesquisa que têm recebido uma atenção cada
vez maior no campo das teorias heterodoxas do crescimento econômico são as
abordagens kaldorianas e evolucionárias. Ambas fornecem subsídios para o
entendimento das interações entre o crescimento econômico, o desempenho
tecnológico das firmas e a competitividade industrial e produzem insights teóricos
e empíricos suficientemente relevantes para torná-las um programa de pesquisa
tão importantes quanto aos das abordagens ortodoxas.
Qualquer esforço de pesquisa para entender o fenômeno do crescimento a
partir das mudanças tecnológicas e da competitividade industrial encontrará na
abordagem kaldoriana ou evolucionária um arcabouço teórico bem consolidado.
Qualquer que seja a abordagem escolhida, o projeto de pesquisa certamente irá
produzir insights teóricos e/ou empíricos relevantes e contribuir para o
fortalecimento dessas abordagens. Em tese, o esforço de unir essas abordagens
seria talvez menos relevante do que um estudo aplicado de uma dessas
abordagens.
A questão que motivou a realização desta pesquisa é a seguinte: qualquer
modelo teórico é uma abstração da realidade, feita com hipóteses e conceitos. No
geral, atingem os seus propósitos, mas também estão sujeitos a confrontos com
outros modelos teóricos. Isso, obviamente, ocorre com os modelos kaldorianos e
evolucionários. O ponto nevrálgico desta pesquisa reside na observação de que
os pontos tidos como os mais comprometedores dos modelos kaldorianos é
justamente os pontos mais sólidos dos modelos evolucionários e vice-versa. Quer
dizer, são duas abordagens heterodoxas que têm no principio da demanda efetiva
um ponto de confluência e cujas contribuições são mutuamente enriquecedoras.
Se assim for, a integração entre essas abordagens certamente irá gerar insights
teóricos e empíricos que jamais poderiam ser extraídos com reformulações e
aplicações de cada uma delas isoladamente. Esta é a questão crucial.
Dependendo dos resultados desta pesquisa, pode-se chegar à conclusão de que
a junção das teorias kaldorianas e evolucionarias abre um novo campo de
pesquisa dentro do pensamento heterodoxo, com o qual se espera chegar a
resultados inéditos em termos do entendimento das relações de causalidade entre
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o crescimento econômico, a competitividade industrial e o desempenho
tecnológico das firmas.
b) Objetivos e metodologia da tese
O objetivo geral desta tese é elaborar um modelo de crescimento
econômico no qual estejam integrados os elementos teóricos fundamentais dos
modelos kaldorianos de crescimento liderado pelas exportações e dos modelos
evolucionários de dinâmica industrial, para analisar as interações entre as
mudanças tecnológicas, a competitividade externa e o crescimento econômico no
contexto da economia brasileira. Mais especificamente, pretende-se analisar os
efeitos das mudanças no nível de competitividade da indústria nacional sobre o
crescimento da economia brasileira e os impactos desse crescimento sobre o
desempenho tecnológico e competitivo da indústria nacional, seguindo as
perspectivas kaldorianas e evolucionárias simultaneamente.
Para realizar este objetivo, fez-se uma resenha bibliográfica dos modelos
kaldorianos e evolucionários. O objetivo desta resenha foi demonstrar que os
pontos fracos de uma abordagem são justamente os pontos fortes da outra
abordagem. Nesta resenha é apresentada também uma análise de alguns
trabalhos que resultaram da tentativa de unir essas duas abordagens. A
conclusão desta análise é de que o modelo do tipo insumo-produto, com o
crescimento da produção setorial liderado pelas exportações e com as indústrias
separadas de acordo com o regime de acumulação tecnológico, é o caminho mais
promissor para realizar esta fusão. Para tanto, foi necessária a análise do
conceito de regime tecnológico e de suas implicações em termos da dinâmica
tecnológica de cada indústria e a elaboração de um conceito de competitividade
industrial compatível com a noção de que o esforço tecnológico das firmas é a
fonte criadora de vantagens competitivas. A relevância do conceito de regime
tecnológico na determinação da competitividade externa foi analisada com base
em alguns estudos empíricos da competitividade internacional e da indústria
brasileira.
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De acordo com essas análises, a elaboração desta tese obedeceu a uma
seqüência de objetivos e procedimentos metodológicos, a qual pode ser resumida
nos seguintes termos:
i) Desenvolver um conceito de competitividade industrial compatível com os
propósitos desta pesquisa. Mas especificamente, desenvolver um
conceito de competitividade derivado da hipótese de que a atividade
tecnológica é o principal fator da competitividade externa.
ii) Elaborar uma taxonomia industrial que permita a classificação dos setores
industrial conforme as características dos fatores que regem a atividade
inovativa dentro das firmas.
iii) Definir as variáveis relevantes na determinação da competitividade externa
de cada grupo taxonômico.
iv) Elaborar um modelo de determinação da produção industrial que leve em
conta as especificidades industriais em termos de acumulação
tecnológica e de fatores da competitividade, os encadeamentos
industriais e a hipótese de que as exportações são o principal motor do
crescimento econômico.
v) Fazer um estudo aplicado deste modelo usando como referência a
economia brasileira
vi) Fazer uma análise dos estudos empíricos da competitividade que possam
fornecer subsídios para a definição das variáveis e dos valores dos
parâmetros que irão integrar as equações de competitividade de cada
grupo taxonômico. Concomitantemente, fazer o levantamento empírico
da matriz de insumo-produto da economia brasileira e dos valores das
variáveis que integram as equações de competitividade e que não
foram contemplados nos estudos empíricos da competitividade. Nesta
pesquisa, o ano de 2003 será o ano de referência da sua
contextualização empírica.
vii) Analisar as interações entre as mudanças no nível de competitividade de
cada grupo taxonômico e o crescimento da produção setorial e total.
Para a realização deste objetivo, será medido o nível de
competitividade de cada grupo taxonômico tomando-se por base as
variáveis que integram os fatores e as equações da competitividade de
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cada um destes grupos. Neste caso, será avaliado os impactos micro e
macroeconômicos das mudanças tecnológicas que reduzem ou
eliminam o gap tecnológico de cada um dos grupos taxonômicos.
Em vista destes propósitos, foi construído um modelo matemático
constituído de um sistema de equações lineares e não lineares, parte delas
contendo valores autoregressivos, parâmetros de ajustamento e efeitos de
realimentação circular (feedback loop), o que inviabiliza o uso do exercício de
matemática para a interpretação dos resultados produzidos por este modelo.
Então, foi empregada a técnica de simulação numérica.
Para a execução do exercício de simulação, foram definidos cenários
representativos do impacto de algumas mudanças exógenas de natureza micro e
macroeconômica sobre o nível de competitividade de cada grupo taxonômico e
sobre alguns indicadores micro e macroeconômicos relevantes, inclusive sobre os
próprios indicadores de competitividade destes grupos taxonômicos. Algumas
destas mudanças agem diretamente sobre os gaps tecnológicos, enquanto outras
agem diretamente sobre a produção setorial e, indiretamente, sobre os gaps
tecnológicos e sobre fatores da competitividade.
c) A estrutura da tese e a síntese dos resultados
Para se alcançar estes objetivos esta tese foi dividida em cinco capítulos.
No Capítulo 1 foram realizadas análises de algumas referências dos modelos
kaldorianos e evolucionários de crescimento econômico convencionais e de
algumas tentativas ou projetos de síntese dessas abordagens. Na análise dos
modelos convencionais foram destacados os elementos teóricos fundamentais
desses modelos e apontadas suas respectivas limitações no sentido de mostrar
que as lacunas teóricas de uma abordagem é o ponto forte da outra abordagem.
Com relação aos projetos de síntese, a pesquisa bibliográfica indicou que eles
são muito raros e ainda não é possível identificar um consenso sobre o caminho
metodológico desta síntese. Das que foram analisados, observou-se que existe a
aplicação de modelos unissetoriais e multissetoriais. Por definição, nos modelos
de um único setor os autores adotaram aprioristicamente e implicitamente o
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pressuposto de que existe um regime de acumulação tecnológico dominante. No
modelo multissetorial não foi possível identificar quais regimes estavam
imperando em cada setor, pois as mudanças tecnológicas foram introduzidas de
modo ad hoc no modelo. O ponto-chave desse modelo é o enfoque sobre os
encadeamentos industriais. De acordo com os resultados desse modelo, esses
encadeamentos afetam sobremaneira as interações entre as mudanças
tecnológicas e o crescimento econômico. Com base nestas análises chegou-se a
conclusão de que o uso de modelos do tipo insumo-produto, com o crescimento
da produção setorial liderada pelas exportações e cujas determinações dos níveis
de competitividade industrial estão associadas ao conceito de regime tecnológico,
é um caminho promissor para a realização desta síntese.
No Capítulo 2 foram analisados os conceitos de paradigma tecnológico, de
trajetória tecnológica, de rotina tecnológica, de regime tecnológico e de
capacidade tecnológica. O objetivo dessas análises foi o de construir um conceito
de competitividade industrial coerente com a hipótese de que o desempenho
tecnológico é o principal fator determinante da competitividade industrial. Um dos
produtos dessas análises consistiu na formulação de um conceito de firma que se
resume na tese de que a firma é uma unidade institucional que gravita em torno
de um núcleo de competências (business core) e que nesse núcleo está inserida
a capacidade tecnológica, sendo os gastos com P&D uma das principais fontes
geradoras desta capacidade. De acordo com essas análises, foi admitida a
hipótese de que a formação desse núcleo ocorre ao longo do desenvolvimento de
uma trajetória tecnológica, a qual emerge do paradigma tecnológico e evolui de
acordo com regime de acumulação tecnológica específico desse paradigma.
Na última seção desse capítulo é apresentado um modelo teórico que
quantifica as relações de determinação entre as características do regime
tecnológico e o montante de gastos com P&D realizados pelas firmas que atuam
dentro de um mesmo cenário competitivo, o qual foi definido como sendo a
trajetória tecnológica. De acordo com esse modelo, esses gastos são uma
variável endógena, sendo afetados pelas características do regime tecnológico
prevalecentes em cada indústria. De acordo com essas análises, chegou-se a
conclusão de que existem ao menos quatro combinações possíveis das
características do regime tecnológico – baixo grau de apropriabilidade, baixo grau
e de complexidade da base de conhecimento, combinado com alto grau de
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oportunidades tecnológicas; alto grau de apropriabilidade combinado com baixo
grau de complexidade e de oportunidades tecnológicas; etc. – sendo que em cada
uma dessas combinações existe um conjunto específico de fatores que afetam o
desempenho tecnológico das firmas e das indústrias. Essas combinações
formaram as bases teóricas da taxonomia usada na definição dos agregados
setoriais do modelo de simulação elaborado nesta pesquisa.
O Capítulo 3 foi dedicado às análises de alguns estudos da
competitividade, os quais serviram de referência empírica desta pesquisa. Na
primeira seção deste capítulo foram analisados alguns estudos internacionais da
competitividade baseados na abordagem das vantagens construídas. Essas
análises forneceram alguns subsídios para a elaboração das equações de
competitividade usadas no modelo de simulação. No entanto, ficou demonstrado
que esses estudos apresentam algumas limitações frente aos propósitos desta
pesquisa, pois em suas formulações quantitativas não se levou em conta o
princípio de Fisher (equação replicadora) e o conceito de regime tecnológico e,
além do mais, os seus resultados não são consensuais sobre os fatores mais
relevantes na determinação da competitividade de cada setor industrial. A análise
de alguns estudos da competitividade da indústria brasileira foi apresentada na
seção 2 desse capítulo. Alguns desses estudos são de natureza qualitativa e
apresentam uma riqueza de detalhes sobre os fatores que afetam a
competitividade externa dos agrupamentos setoriais da indústria brasileira, mas
não quantificam as relações de causa e efeito que irão definir os termos das
equações de competitividade de cada grupo setorial. Outros estudos são de
natureza quantitativa e enfocam os fatores da competitividade no âmbito das
firmas. Os insights empíricos mais relevantes para os propósitos desta pesquisa
foram produzidos pelo compartilhamento das evidências empíricas extraídas
desses estudos.
A última seção do Capitulo 3 foi dedicada à análise de algumas taxonomias
industriais tradicionalmente usadas nos estudos da competitividade internacional.
Observou-se que entre essas taxonomias também não existe um consenso sobre
os setores que devem integrar cada grupo taxonômico, salvo os setores que
normalmente são intitulados de alta tecnologia. Além do mais, a maior parte delas
não utiliza o conceito de regime tecnológico na definição dos critérios de
agrupamento. Com essa análise, ficou demonstrado que apenas uma dessas
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taxonomias emprega este conceito na definição de alguns dos seus critérios de
agregação. Por causa disso, essa taxonomia foi escolhida para a análise do fluxo
de comércio exterior, cujos resultados empíricos foram apresentados nessa
seção. Esses resultados sugerem que o conceito de regime tecnológico é, de fato,
um elemento importante na análise da dinâmica do market share das indústrias
nacionais nas exportações mundiais. Com esses resultados ficou demonstrado
que, do ponto de vista desse conceito, existem ao menos três grupos setoriais
formados de acordo com as especificidades dos fatores da competitividade.
No Capítulo 4 é desenvolvida a estrutura matemática e as hipóteses do
modelo de simulação. Na primeira seção desse capítulo é realizada uma análise
empírica para verificar se as tendências do fluxo de comércio exterior da indústria
brasileira coadunam com as tendências observadas no plano mundial quando são
aplicadas as mesmas especificações setoriais usadas anteriormente. Observou-
se que na indústria brasileira são reproduzidas as mesmas três tendências que
foram observadas no plano mundial.
Unindo todos esses resultados empíricos, chegou-se a conclusão de que a
indústria brasileira pode ser dividida em três agrupamentos setoriais. Os setores
de serviço formaram um grupo a parte devido à carência de estudos teóricos e
empíricos a respeito da competitividade internacional desses setores. Assim
sendo, a matriz de insumo-produto do modelo de simulação ficou constituída de
quatro grupos setoriais, cada qual com um conjunto particular de fatores que
afetam a competitividade externa. O primeiro grupo foi intitulado de setores
“baseados no conhecimento externo” (Grupo I); o segundo, de setores “baseados
no conhecimento tácito e específico” (Grupo II); o terceiro, de setores “baseados
nas ciências” (Grupo III); o quarto, de setores de serviços (Grupo IV). A partir das
análises teóricas e empíricas desenvolvidas anteriormente, foram definidos os
conjuntos de variáveis que afetam a competitividade de cada um desses grupos.
Os fatores que afetam a competitividade do primeiro grupo são: o custo de
transporte, o tamanho das firmas e o custo da mão-de-obra unitário; do segundo
grupo são: a eficiência do sistema de entrega de produtos no exterior, o tamanho
do mercado interno (demanda intermediária mais demanda final no mercado
interno), a eficiência do sistema de normalização técnica da produção e do
consumo e os custo da mão-de-obra unitário; no terceiro grupo são: os gastos
públicos com C&T, os subsídios ao P&D e as transferências de tecnologia. Em
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relação aos setores de serviços adotou-se a hipótese ad hoc que o nível de
competitividade desse grupo equipara-se à média mundial desse nível.
A partir dessas formulações foram identificados os grupos de setores que
apresentam gaps tecnológicos referentes ao ano de 2003. Somente os grupos de
setores baseados em conhecimentos tácitos e específicos e conhecimentos
científicos apresentaram gaps tecnológicos em 2003. A partir dessa constatação
foram definidos cinco cenários relativos aos efeitos das mudanças exógenas que
afetam positivamente esses gaps. O Cenário 1 foi usado de referência
(benchmark) para os demais cenários, pois ele representa uma situação em que
não ocorrem mudanças exógenas que afetam esses gaps. Os Cenários 2 e 3
tratam de mudanças exógenas que afetam diretamente os gaps do segundo e do
terceiro grupo de setores, eliminando-os. Os cenários 4 e 5 tratam de mudanças
exógenas que afetam indiretamente o gap tecnológico do segundo grupo de
setores. São mudanças de natureza macroeconômica – aumento da propensão a
investir e da propensão a consumir, respectivamente – as quais afetam
diretamente a produção setorial e, indiretamente, o gap tecnológico do segundo
grupo, pois a formação desse gap está relacionada ao tamanho do mercado
interno.
A execução do exercício de simulação com esses cenários produziu
resultados que dificilmente poderiam se extraídos dos modelos kaldorianos e
evolucionários convencionais. A conclusão fundamental desta pesquisa é de que
existe uma diversidade de fatores que podem explicar as relações de causalidade
entre o crescimento, a competitividade e desempenho tecnológico dos setores
produtivos da economia, estabelecendo uma dinâmica de crescimento cujas
propriedades micro e macroeconômicas são específicas de cada economia e de
cada contexto histórico. Em outros termos, chegou-se a conclusão de que as
estruturas macroeconômicas são endogenamente determinadas e sujeitas a
processos evolutivos, tal como ocorre com as estruturas microeconômicas. Nessa
perspectiva, a noção kaldoriana de elasticidades-preço e renda exógenas e
estruturalmente determinadas perde significado. Por outro lado, a concepção
evolucionária de que o crescimento econômico é um subproduto da dinâmica
microeconômica deve ser revisada tendo em vista o reconhecimento de que
alguns “fatos estilizados” do crescimento econômico são específicos da dinâmica
macroeconômica de cada país e que esses fatos são de fundamental importância
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para a compreensão da dinâmica microeconômica prevalecente em cada
economia.
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CAPÍTULO 1
Contextualização teórica e justificativas da pesquisa
As abordagens kaldorianas e evolucionarias são duas linhas de pesquisa
que fornecem subsídios para o estudo das interações entre o crescimento
econômico, a competitividade e os esforços tecnológicos das firmas na visão
heterodoxa. O enfoque agregativo da abordagem kaldoriana fez da
competitividade das exportações e das importações um dos pontos-chave dos
seus modelos teóricos. Mas, nesta linha de pesquisa não se desenvolve um
estudo aprofundado da dinâmica da tecnológica. A variável proxy da atividade
tecnológica é incorporada no modelo via elasticidades-renda das exportações e
das importações. A suposição de que essas variáveis são exógenas e constante
no longo prazo é um ponto controvertido, cujo debate aponta uma agenda de
pesquisa que síntese as abordagens kaldorianas e evolucionarias.
As abordagens evolucionárias seguem uma direção oposta às da
abordagem kaldorina, pois o seu enfoque recai justamente nas hipóteses e
princípios que regem a atividade inovativa dentro das firmas. Essencialmente, um
dos objetivos que perpassa todos os modelos evolucionários de crescimento
econômico que serão analisados é a demonstração de que o crescimento
econômico é um produto emergente de uma dinâmica microeconômica
fundamentada nos rendimentos crescentes e demanda de mercado
endogenamente determinadas, resultantes da atividade tecnológica desenvolvida
de modo permanente no âmbito da firma.
Uma breve analise destas duas abordagens, que será apresentada nesta
seção, mostra que a abordagem kaldoriana tem mais consistência perante os
“fatos estilizados” da macroeconomia do crescimento e que a abordagem
evolucionaria se adere melhor aos “fatos estilizados” da dinâmica tecnológica. Se
se admite a hipótese de que a competitividade externa é regida pela a atividade
tecnológica e que o crescimento econômico é regido pela o competitividade da
industria nacional no mercado externa, fica clara, portanto, que uma síntese entre
estas abordagens é altamente promissora em termos da formulação de modelos
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de crescimento econômico compatíveis capaz de reproduzir os fatos estilizados
do crescimento econômico a partir de hipóteses compatíveis com os fartos
estilizados da dinâmica tecnológica.
Uma breve analise dos modelos kaldorianos e evolucionários do
crescimento econômico é apresentada nas seções 3.1 e 3.2, respectivamente. Na
seção 3.3 são analisados algumas tentativas de síntese, com a qual pretendemos
justificar a escolha de um modelo de simulação do tipo insumo-produto aberto
para analise das interações entre o crescimento econômico, a competitividade
industrial e o esforço tecnológico das firmas.
1.1) Abordagens macrofundamentadas: os modelos kaldorianos de crescimento econômico liderado pelas exportações
Por definição, as análises teóricas das determinações de longo prazo dos
componentes autônomos da demanda agregada é o ponto central dos modelos
de crescimento econômico elaborados sob a égide do princípio da demanda. São
muitas as linhas de pesquisa que versam sobre o crescimento econômico na
perspectiva keynesiana. Por colocar em evidência o papel das exportações na
determinação do crescimento econômico, a linha kaldoriana põe em cena os
estudos da competitividade internacional como um dos principais eixos das
analises das interações sobre o crescimento econômico, as mudanças
tecnológicas e a competitividade industrial. É natural, portanto, a escolha desta
linha de pesquisa como uma das referências teóricas para os objetivos desta
pesquisa. Existe também razoes de natureza teórica que motivaram a escolha por
esta linha de pesquisa. A mais importante, trata-se da hipótese da hipótese aceita
por muitos autores que seguem a linha kaldoriana de que as tendências de longo
prazo do consumo e dos investimentos são induzidas pela tendência de longo
prazo da renda nacional. Isto é, trata-se da hipótese de cointegração entre as
séries históricas do consumo, do investimento e da renda nacional.
Não é propósito desta pesquisa a elaborar uma resenha dos estudos
empíricos desta hipótese. O mais importante é que essa hipótese servirá de
ferramenta teórica para que o modelo de simulação dê mais nitidez ao papel do
desempenho tecnológico das firmas e da competitividade industrial na
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determinação do crescimento econômico e ao feedback loop entre o crescimento
da produção industrial e a competitividade externa. Nada impede que o modelo de
simulação seja estendido para incluir as tendências dos gastos autônomos que
não as exportações. Essa é uma complexidade adicional que não será
contemplada nesta pesquisa.
Uma formulação relativamente simples que serve de base para os modelos
kaldorianos de crescimento econômico é apresentada nos seguintes termos:
(1.1)
Fazendo as devidas manipulações algébricas:
(1.2)
Em que: Y = produto nacional; C = gastos de consumo das famílias; I =
investimentos; G = gasto de consumo do governo; X = exportações; M =
importações; = renda líquida do governo.
Supondo que os gastos de investimento sejam iguais ao total da poupança do
setor privado e que os gastos do governo sejam iguais ao total de arrecadação
líquida, então ficam válidas as seguintes relações:
Em que: = poupança do setor privado
Com isso, chega-se à equação fundamental dos modelos kaldorianos de
crescimento liderado pelas exportações:
(1.3)
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As determinações macroeconômicas de cada uma destas variáveis são
normalmente expressas nos seguintes termos1:
(1.4)
Em que: = nível de preços internos; = nível de preços externos; E = taxa de
câmbio; Z = renda mundial.
(1.5)
Em que: Y = renda nacional.
Tomando-se base as equações (1.3), (1.4) e (1.5), o modelo acima pode ser
reescrito numa formulação dinâmica de acordo com as seguintes equações:
(1.6)
(1.7)
(1.8)
Em que: x = taxa de crescimento do quantum das exportações; m = taxa de
crescimento do quantum das importações; pd = taxa de crescimento dos preços
domésticos; pf = taxa de crescimento dos preços externos; y = taxa de
crescimento do produto nacional; e = taxa de crescimento do câmbio
Substituindo (1.6) e (1.7) em (1.8) obtém-se a equação fundamental do
modelo de crescimento econômico liderado pelas exportações:
(1.9)
A noção de competitividade de preço e qualidade na dimensão
macroeconômica está explicitamente incorporada na equação (1.9). Segundo
1 Dixon e Thirlwall (1975), Thirlwall (1979) e McCombie e Thirlwall (1994)
14
-
McCombie e Thirlwall (1994), a elasticidade-renda das exportações e das
importações são uma proxy do nível de competitividade da indústria nacional.
Segundo os autores, elas refletem a capacidade dessas indústrias de gerar novas
tecnologias ligadas à diferenciação de produtos (mais qualidade e/ou mais
variedades) para competir no mercado externo e interno. Quanto maior essa
capacidade, maior a elasticidade-renda das exportações e menores a
elasticidade-renda das importações. Por outro lado, a trajetória do nível de preço
interno em relação aos preços externos reflete os ganhos relativos de
produtividade da mão-de-obra, enquanto que a evolução do câmbio capta os
efeitos das mudanças conjunturais sobre a competitividade externa.
O argumento de McCombie e Thirlwall (1994) em favor do uso das
elasticidades-renda das exportações e importação como proxy do nível de
competitividade no campo da qualidade e da variedade de produtos é
teoricamente válido, mas deixa em aberto a questão sobre os determinantes da
capacidade inovativa das firmas. A esse respeito, as melhores contribuições
encontram-se nas obras de Kaldor (1968, 1970), com as quais o autor fundou as
raízes da teoria estruturalista do comércio exterior. Segundo o autor, a formação
da capacidade inovativa de cada país está diretamente relacionado ao seu grau
de industrialização. É na indústria que a divisão do trabalho se aprofunda o
suficiente para que a produção do conhecimento se torne uma atividade tão
importante como qualquer outra dentro da cadeia produtiva. Desse modo, o
desenvolvimento industrial estaria associado ao deslocamento da produção em
direção aos produtos de maior intensidade tecnológica, o que aumenta a
competitividade da indústria nacional.
As interações entre o crescimento econômico, as mudanças tecnológicas e
a competitividade industrial no plano macroeconômico podem ser captadas na
equação (1.9). No geral, os modelos kaldorianos de crescimento liderado pelas
exportações adotam a hipótese de que as elasticidades-renda das exportações e
importações são estruturalmente determinadas, o que implica a hipótese de que
elas são exogenamente determinadas. Sendo assim, o mecanismo de
realimentação circular (feedback loop) ou de causação circular e cumulativa entre
a produção e a competitividade externa fica restrito à dinâmica dos preços
relativos, isto é, a dinâmica da competitividade de preço. Seguindo McCombie e
15
-
Thirlwall (1994), a incorporação deste mecanismo no modelo é feita a partir da
seguinte formulação:
(1.10)
(1.11)
Em que: r = taxa de crescimento da produtividade da mão-de-obra; τ = taxa
de crescimento do mark up; λ = coeficiente de Verdoorn; ra = taxa de crescimento
autônomo da produtividade da mão-de-obra.
A equação (1.11) expressa a “lei” de Verdoorn, na qual está subentendida
a hipótese da aprendizagem endógena (learning by doing), da tecnologia
embutida e das economias de escala (McCombie e Thirlwall, 1994). De modo
simples, a trajetória de y, com o efeito da realimentação circular entre a produção
e a competitividade externa, pode ser analisada pela substituição de (1.10) e
(1.11) em (1.9) e isolando y:
(1.12)
De acordo com esta equação, nota-se que a causação circular e
cumulativa entre o crescimento econômico, as mudanças tecnológicas e a
competitividade externa pode conduzir a economia para uma taxa de crescimento
de equilíbrio, desde que todos esses parâmetros sejam mantidos constantes. Vale
também notar que esta equação aponta para a complexidade das relações de
causalidade que produzem o feedback loop entre e o crescimento da produção e
a competitividade externa. Países com alta elasticidade-renda das importações e
baixa elasticidade-renda das exportações não estão necessariamente
condenados a valores baixos para y.
O tema da complexidade ou das múltiplas determinações do crescimento
econômico não ocupou, entretanto, a posição de objeto de análise da literatura
kaldoriana do crescimento econômico liderado pelas exportações. As
contribuições de Dixon e Thirlwall (1975), Thirlwall (1979, 2005), McCombie
16
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(1989), Mccombie e Thirlwall (1994) têm sido balizadas pela hipótese de que a
soma dos termos da equação (1.6) e (1.7), que expressam à dinâmica de preços,
resultam em uma tendência estacionária com média igual a zero. Sendo assim,
no longo prazo, esses termos perdem relevância na determinação da trajetória de
y.
Se a soma pf + e – pd for igual a zero e se se admite a hipótese de que as
elasticidades-preço e renda das exportações e importações são estruturalmente
determinadas, então as equações (1.6), (1.7) e (1.8) podem ser reescritas nos
seguintes termos:
(1.13)
A equação (1.13) tem sido objeto de estudos empíricos há décadas e entre
os autores que seguem a linha kaldoriana dos modelos liderados pelas
exportações existe a convicção de que esta equação deve ser usada como o pilar
central dos modelos de crescimento liderado pelas exportações. Não é sem razão
que a relação de causalidade expressa nesta equação ficou conhecida na
literatura heterodoxa como a “lei” de Thirlwall.
A forma estendida dos modelos derivados das equações (1.6)-(1.8) é
obtida com a inclusão da dinâmica dos fluxos de capital externo na definição das
condições do equilíbrio do balanço de pagamento inicialmente expressa na
equação (1.3). Este tópico não será objeto de análise nesta pesquisa. Em
Thirlwall (2005) encontram-se alguns argumentos em torno da hipótese de que os
fluxos internacionais de capital no longo prazo não provocam distorções de longo
prazo na “lei” de Thirlwall. Isso porque, segundo o autor, os esses fluxos tendem a
acompanhar as tendências de longo prazo dos saldos comerciais. Se positivo,
ocorre um influxo; se negativo, ocorre um afluxo. Convém lembrar, no entanto,
que os fluxos internacionais de capital podem produzir efeitos sobre a estabilidade
financeira das economias domésticas e, desse modo, afetar as taxas de
crescimento de longo prazo dessas economias. No modelo de simulação que está
sendo proposto nesta pesquisa não foram incorporadas as dinâmicas do câmbio e
do fluxo de capital externo, tendo em vista o propósito de focalizar as análises
sobre as interações entre as tendências de crescimento da produção, a
competitividade externa e o desempenho tecnológico na dimensão micro e
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macroeconômica. A incorporação da dimensão financeira é vista como uma
extensão desse modelo de simulação.
A conotação empírica dada à equação (1.13) minimizou a importância do
debate teórico em tornos dos mecanismos que desencadeiam o processo de
ajustamento entre as taxas de crescimento das exportações e das importações,
os quais foram originalmente propostos nas contribuições de Kaldor (1968, 1970).
A formulação dessa equação não trata explicitamente desses mecanismos,
ficando limitada aos desdobramentos lógicos da relação X = M. Obviamente, o
processo de ajustamento deve recair sobre M, pois X é uma variável exógena.
Vale notar que o mecanismo de preço foi excluído desse processo. Até o
momento, não existe um teoria sobre as relações de determinação que promovem
a tendência de ajuste entre X e M. O que prevalece é a idéia pragmática de que
os governos serão forçados a adotarem alguma política que acelere ou
desacelere a taxa de crescimento da economia, de modo a equilibrar as taxas de
crescimento das importações com a das exportações, evitando assim o
crescimento explosivo do déficit ou do superávit comercial. Subentende-se que os
fluxos de capital internacional são pragmaticamente concebidos como um fator
adicional que força a adoção dessas políticas, pois o crescimento explosivo do
superávit comercial pode atuar como um atrativo para a entrada de capitais
externos, ocorrendo o inverso perante o crescimento explosivo do déficit
comercial.
Este ponto tem sido objeto de um longo debate que se iniciou desde a
época em que Thirlwall publicou o seu modelo de crescimento econômico
restringido pelo balanço de pagamento. Existe também outro ponto controvertido
na “lei” de Thirlwall que gerou um caloroso debate entre os defensores e os
críticos dessa “lei”. Estamos nos referindo à hipótese de que as elasticidades-
renda das exportações e das importações são variáveis exógenas e se matem
relativamente estáveis no longo prazo.
Uma resenha dos artigos que foram produzidos em torno deste debate
não faz parte dos propósitos desta pesquisa. O fato é que a hipótese de
elasticidade-renda das importações (assim como as elasticidades-renda e preço
das exportações e a elasticidade-preço das importações) mantém-se constante
no longo prazo é uma hipótese forte. Mas, a julgar pelo fluxo de publicação de
artigos acadêmicos voltados para os estudos teóricos e empíricos da “lei” de
18
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Thirlwall, esta hipótese não reduziu o grau de aceitabilidade desta lei2. Na
verdade, uma parte destes estudos tem sido dedicada à reformulação desta “lei” e
os seus resultados têm apontado para a validação desta “lei” dentro de um
escopo temporal que se poderia chamar de “médio prazo”, o qual, de acordo com
estes estudos, giraria em torno de cinco a dez anos. A outra parte destes estudos
se dedica a avaliar o papel desta “lei” nas interações econômicas que produzem
as flutuações cíclicas. Neste caso, é dado destaque à forma estendida do modelo
de crescimento liderado pelas exportações para incorporar os fluxos de capital
externo. Nessa linha de pesquisa a “lei” de Thirlwall é introduzida como um fator
de simplificação do modelo quanto aos determinantes do produto nacional.
Não resta dúvida de que as reformulações e aplicações da “lei” de
Thirlwall têm contribuído sobremaneira para que os modelos heterodoxos de
crescimento econômico se consolidem como uma linha pesquisa alternativa frente
às abordagens mainstream. O tema desta pesquisa resulta, inclusive, desses
esforços de aprimoramento dos modelos heterodoxos. Não obstante, convém
notar que esses esforços acabaram por minimizar as proposições originais de
Kaldor em relação às interações entre o crescimento econômico, as mudanças
tecnológicas e a competitividade externa.
Os objetivos desta pesquisa vão de encontro à necessidade de
reformulação das proposições originais de Kaldor sobre essas interações. O
mecanismo de causação circular e cumulativa entre a produção e a
competitividade externa não deve ficar limitado à dinâmica dos preços relativos. É
necessário estendê-lo para a competitividade de qualidade, o que implica a
transformação dos parâmetros relativos às elasticidades de renda e de preço das
exportações e importações em uma variável endógena do modelo. Logicamente,
isto implica uma mudança radical nas formulações teóricas e metodológicas
ligadas aos testes empíricos da “lei” de Thirlwall., o que requer uma reformulação
completa do arcabouço teórico dos modelos de crescimento liderado pelas
exportações. O próprio conceito de competitividade, até então definido em termos
dos diferenciais de elasticidades-renda das exportações e importações, deverá
2 Ver Bértola et al. (2002), Jayme (2001), Nakabashi (2003), Fonseca Neto e Teixeira (2004), Barbosa Filho (2001), entre outros. Para outros países, ver Perraton e Turner (1999), Leon-Ledesma (1999), Perraton (2003) entre outros.
19
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ser substituído no sentido de captar os diversos fatores que podem afetar essas
elasticidades.
Se for admitida a hipótese de que a tecnologia é o determinante crucial
da competitividade de preço e de qualidade, então se torna tentadora a idéia de
inserir no modelo de crescimento liderado pelas exportações os elementos
teóricos ligados à dinâmica das mudanças tecnológicas. Neste campo, o que há
de mais sólido é encontrado nas abordagens evolucionárias. Nessas abordagens
têm-se o reconhecimento de que os princípios que regem essa dinâmica podem
variar de indústria para indústria, o que limita o uso de modelos agregativos. Quer
dizer, a estrutura unissetorial que é normalmente usado nos modelos kaldorianos
de crescimento econômico liderado pelas exportações devem ser transformadas
em estruturas do tipo multissetorial ou de insumo-produto para que se possa levar
em conta o papel da diversidade industrial em termos de dinâmica tecnológica ou
de padrões de mudança tecnológica na determinação da competitividade externa.
Somente no caso em que se admite a hipótese de que existe um padrão de
mudança tecnológica dominante é que se pode trabalhar com uma equação
agregada dos determinantes da competitividade externa.
A evolução do contexto teórico que marcou a consolidação dos modelos
evolucionários de crescimento econômico seguiu uma trajetória distinta a dos
modelos kaldorianos, mas tendo em comum a rejeição dos postulados teóricos
das teorias mainstream. Os modelos evolucionários foram elaborados com o
objetivo de demonstrar que o crescimento econômico estável deve ser
teoricamente concebido como um produto emergente de uma dinâmica
microeconômica marcada pelos rendimentos crescentes e demanda de mercado
endogenamente determinada, vindos da intensa atividade tecnológica das firmas.
O objetivo da próxima seção é analisar alguns desses modelos e mostrar
que, apesar desses modelos serem compatíveis com os “fatos estilizados” da
dinâmica tecnológica, os seus fundamentos macroeconômica são muito
superficiais em termos do debate que se desenrola em torno dos modelos
heterodoxos de crescimento econômico.
20
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1.2) As abordagens microfundamentadas: os modelos evolucionários de crescimento econômico
A consolidação do paradigma neoclássico no campo da teoria do
crescimento econômico se deve à solução criativa, proposta por Solow (1956), de
extrair da hipótese de rendimentos decrescentes dos fatores de produção uma
explicação teoricamente consistente para esses “fatos estilizados” da
macroeconomia do crescimento econômico.
O desafio da teoria evolucionária do crescimento econômico consistiu na
formulação de modelos teóricos que prescindissem da noção de equilíbrio para
que os aspectos evolucionários – mutação, seleção e transmissão de tecnologias
– da competição interfirmas despontassem como o motor do crescimento
econômico, deixando claro que esse fenômeno é fundamentalmente uma
mudança qualitativa da economia.
Coube a Nelson e Winter (1982) o primeiro passo em direção à
consolidação da teoria evolucionária do crescimento econômico. Os fundamentos
evolucionários do modelo sugerido por esses autores podem ser resumidos nos
seguintes termos:
i) A adoção de uma nova tecnologia é o resultado de um processo de
busca condicionado pelo estado prevalecente da indústria (path
dependent) e cujos resultados técnico-econômicos não podem ser
previstos a priori.
ii) As firmas se diferenciam quanto às regras de decisão ou rotinas que
definem esse processo de busca e quanto à evolução do estado de
suas tecnologias.
iii) As firmas que alcançam os melhores resultados nesse processo de
busca serão responsáveis pela evolução do estado tecnológico da
indústria.
Esses fundamentos, ao abortarem a noção de equilíbrio para colocar em
cena a heterogeneidade e a transformação dos agentes econômicos, destroem a
natureza ergódiga que caracteriza os modelos ortodoxos e comprometem a
produção de resultados que dependem de soluções matemáticas. O exercício de
simulação foi uma alternativa encontrada por Nelson e Winter (1982) e por todos
21
-
os demais autores evolucionários para formalizar as implicações teóricas desses
fundamentos.
Para fins do exercício de simulação, as firmas no modelo de Nelson e
Winter (1982) se diferenciam também em termos dos valores iniciais do estoque e
da rentabilidade do capital. Quanto à rentabilidade do capital, segundo os autores,
formam-se dois grupos de firmas: a) as que estão engajadas no processo de
busca, motivadas pelo fato de que a rentabilidade do capital está abaixo de 12%
(em outro cenário, esse valor é reduzido para 6%) e b) as que não estão
engajadas nesse processo, pois estão satisfeitas com os retornos obtidos pela
tecnologia tradicional.
Quanto ao processo de busca, deve-se salientar que esse processo se
traduz na exploração probabilística de um espaço cartesiano constituídos pelos
pares de coeficientes técnicos – mão-de-obra e capital – aleatoriamente
distribuídos em torno dos valores estatísticos apresentados no artigo de Solow
(1957). A probabilidade de uma firma extrair um desses pares é inversamente
proporcional à “distância” entre esses pares e os pares adotados por essa firma e
diretamente proporcional ao índice de adoção desses pares pelas demais firmas.
A associação desse mecanismo de busca com a hipótese de que as firmas
suspendem essa busca quando a rentabilidade ultrapassa um determinado nível
pode ser vista como um recurso teórico de fundamental importância para que
esse modelo seja compatível com a premissa evolucionária da persistência da
diversidade (heterogeneidade) entre as firmas de uma mesma indústria. Essa
premissa é a base da concepção de que o crescimento econômico é um produto
emergente das interações entre diferentes regras de decisão ou rotinas
associadas à busca de novas tecnologias e aos investimentos produtivos. A
natureza não randômica dessas regras ou rotinas demonstra que o crescimento
econômico não decorre de avanços tecnológicos espontâneos. O exercício de
simulação permite analisar o papel dessas regras na determinação das
tendências evolutivas do estado tecnológico da indústria, evidenciando assim a
importância dessas regras na determinação do formato das séries temporais
relativas às variáveis macroeconômicas, que podem ser geradas pelo modelo.
Os resultados produzidos pelo o exercício de simulação definem o intervalo
de valores para os parâmetros do modelo que geram padrões de crescimento
econômico semelhantes ao que foi apresentado no artigo de Solow (1957). Com
22
-
isso, Nelson e Winter alcançam o propósito de construir um modelo teórico
apoiado em duas premissas aparentemente contraditórias, mas compatíveis com
a noção de auto-organização dos sistemas complexos: a premissa da diversidade
(heterogeneidade), que exclui a noção de equilíbrio (micro e macroeconômico), e
a premissa do steady state do crescimento econômico.
Vale ressaltar que a dinâmica auto-organizada do sistema representado
por esse modelo depende de alguns pressupostos extraídos diretamente do
paradigma neoclássico, pois no modelo adota-se a hipótese de que o produto
nacional, o qual emerge das interações competitivas (em que operam os
mecanismos de mutação, seleção e transmissão) entre as unidades produtivas
heterogêneas em termos do volume de capital, do emprego e da produtividade da
mão-de-obra, é todo realizado na forma de consumo e investimento.
A primeira geração de modelos evolucionários foi produzida em meio à
necessidade de revisão do modelo de Nelson e Winter (1982). A introdução de
hipóteses mais elaboradas para o processo de busca – com ênfase sobre a
aquisição do conhecimento (aprendizagem) – e para o processo de seleção –
apoiado no princípio de Fisher (replicator equation) – de novas tecnologias são
exemplos das principais mudanças nos microfundamentos dos modelos
evolucionários. A determinação do valor da produção a partir dos gastos de
consumo e de investimento é outra mudança substancial em relação ao modelo
original de Nelson e Winter (1982). A incorporação do princípio da demanda
efetiva nesses modelos foi motivada pelo interesse de se integrar ciclos e
tendências na análise do crescimento econômico. O reconhecimento de que a
dinâmica capitalista é marcada por flutuações e tendências de crescimento não
regulares é um ponto central que irá permear de forma definitiva a heurística dos
modelos evolucionários de crescimento econômico.
Uma das primeiras contribuições nessa linha pesquisa foi produzida por
Silverberg (1987). No modelo sugerido por esse autor fica clara a preocupação de
modelar o processo de busca usando pressupostos extraídos diretamente dos
fatos que tipificam o comportamento padrão das firmas no mundo dos negócios.
Em seu modelo, Silverberg (1987) adotou o pressuposto de que a mudança
tecnológica resulta de uma regra simples e prática (rules of thumb) muito utilizada
pelas empresas nas suas decisões relativas à aquisição de novas tecnologias:
23
-
tornar obsoletas as máquinas antigas usando como parâmetro as vantagens
econômicas oferecidas pelas novas máquinas (vintage-payback approach).
Não resta dúvida de que uma parte importante das mudanças tecnológicas
em nível da firma ocorre por conta da tecnologia incorporada nos bens e serviços
de capital. No entanto, o autor não contemplou no seu modelo as atividades
tecnológicas que transcorrem no setor produtor de bens de capital e que
respondem pelo desempenho produtivo dessas máquinas.
Essa limitação do modelo Silverberg (1987) pode ser parcialmente
contornada diante do pressuposto de que existe um fluxo contínuo e regular de
inovações no setor produtor de máquinas. De qualquer modo, fica pendente a
necessidade de esclarecimento do modus operandi da atividade tecnológica
desse setor e a confirmação empírica que sustenta o referido pressuposto.
No modelo de Silverberg (1987), o nível de competitividade é determinado
por um vetor constituído de três variáveis: o nível de preço, o prazo de entrega
(delivery delay) e a qualidade do produto, a qual, segundo o autor, apresenta
dificuldades conceituais e por esse motivo ela foi abstraída do modelo. O nível de
produção de cada firma evolui de acordo com as taxas de crescimento do market
share e da demanda total. A dinâmica do market share é regulada pela equação
replicadora (replicator equation), enquanto que a da demanda total depende do
nível médio de preços e de outras variáveis que foram consideradas autônomas
(exógenas) no modelo. No exercício de simulação, a taxa de crescimento da
demanda total foi considerada exógena.
O uso da equação replicadora requer o pressuposto de que os produtos
não são homogêneos, de modo que haja um processo seletivo que penaliza as
firmas com produtos de menor grau de atratividade (uma combinação de preço,
prazo de entrega e qualidade). Por outro lado, a dinâmica dos preços está
associada à taxa de renovação da tecnologia embutida no estoque de capital e na
política de mark up de cada firma, enquanto que o prazo de entrega fica
submetido à margem de ociosidade do estoque de capital que cada firma
considera estratégico para atender a todos os pedidos de seus clientes. Desse
modo, os valores específicos de cada firma para o tempo de recuperação do
capital (payback), o mark up e a taxa de utilização do estoque de capital
asseguram a diferenciação interfirma quando às suas estratégias econômicas e
24
-
tecnológicas. Vale ressaltar que nesse modelo não se adota processos
randômicos na dinâmica da competitividade e da mudança tecnológica.
As propriedades microeconômicas que emergem da dinâmica desse
sistema se resumem nos seguintes termos:
i) A dinâmica do market share é relativamente instável, pois ao longo do
período estipulado pelo exercício de simulação, um número cada vez
menor de firmas garante uma participação cada vez maior no total da
produção
ii) A taxa de lucro, a relação lucro/salários e o grau de utilização do
estoque de capital de cada firma mantém-se relativamente estável
dentro do período abrangido pelo exercício de simulação.
iii) A produtividade da mão de obra de cada firma sofre oscilações ao
longo do período analisado, sendo que, na maioria dos casos, observa-
se uma tendência de crescimento levemente positiva.
A aparente contradição entre o item i e ii advém do trade-off entre os
investimentos de ampliação e de renovação do estoque de capital. As firmas
que adotam uma política expansionista mais agressiva são impelidas para
uma taxa mais elevada de renovação do seu estoque de capital, o que reduz
suas vantagens em termos de prazo de entrega e força uma redução mais
drástica do mark up para compensar essa desvantagem. Nota-se, portanto,
que não existe a priori um conjunto de estratégias ótimas; somente a posteriori
poderão ser conhecidos os impactos dessas estratégias.
As propriedades macroeconômicas desse modelo não foram analisadas
pelo autor. Mas, em vista das propriedades microeconômicas descritas
anteriormente são cabíveis os seguintes resultados:
i) Os valores médios da produção, do estoque de capital e da
produtividade da mão-de-obra crescem de forma contínua e regular.
ii) O valor médio da relação lucro/salários mantém-se relativamente
estável ao longo do período analisado.
Em princípio, essas propriedades macroeconômicas podem ser vistas
como uma conseqüência natural das mudanças ocorridas na esfera da produção
(lado da oferta). Mas, o que o autor pretende demonstrar é que essas
25
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propriedades emergem sob quaisquer condições prevalecentes no lado da
demanda. Quer dizer, o montante inicial do total de gastos da economia e sua
taxa de crescimento, que definem a demanda efetiva em cada período, foram
considerados fatores de pouco relevância para explicar as propriedades
microeconômicas do modelo. Em outras palavras, a emergência de uma estrutura
industrial concentrada, com estabilidade da taxa de lucros e do grau de utilização
da capacidade produtiva, independe das mudanças evolutivas observadas no
lado da demanda.
Esse modelo sofre uma revisão substancial em Silverberg e Verspagen
(1994). No modelo proposto por esses autores dá-se ênfase à atividade inovativa
realizada pelas firmas, sendo a intensidade dos gastos com P&D (P&D/vendas) o
indicador da proporção de recursos da firma destinada à produção de novos
conhecimentos. Nesse modelo são incorporados também os efeitos de spilllover e
de catching up.
Semelhantemente ao modelo anterior, a produtividade da mão-de-obra e a
taxa de lucros evoluem conforme o ritmo de renovação das safras tecnológicas
embutidas no estoque de capital (vintage approach). Essa atualização
tecnológica, por sua vez, depende do fluxo de inovação, cuja intensidade está
ligada à proporção de recursos destinados à atividade inovativa das firmas. Além
dos investimentos em P&D, essa atividade conta também com o efeito spillover e
catching up. Esse último é condicionado pela “distância” tecnológica entre a
melhor prática (best practice) adotada pela firma e a do mercado: quando maior
essa distância (indicada pelo inverso da relação entre o produtividade da mão-de-
obra da firma e a média das demais firmas) maior é o efeito do catching up sobre
a probabilidade de adoção de uma nova tecnologia.
A probabilidade de adoção de uma nova tecnologia é um processo de
Poisson, cuja taxa de sucesso (parâmetro λ) de cada intervalo de tempo varia de
acordo com a intensidade de P&D e o grau de catching up. Com relação à
intensidade dos gastos com P&D, adota-se o pressuposto de que as firmas
flexibilizam a proporção de recursos alocadas para esses investimentos. Em cada
período existe uma probabilidade da firma alterar a relação P&D/vendas de modo
aleatório (erros com distribuição normal) e uma probabilidade da firma imitar essa
relação da firma que é a mais bem sucedida em termos de crescimento das
vendas. A soma dessas probabilidades (necessariamente menor do que a
26
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unidade) define a probabilidade de mudança no valor da relação P&D/vendas
mantida pela firma.
Uma das propriedades microeconômicas desse modelo refere-se à
tendência de redução do desvio-padrão da relação P&D/vendas entre as firmas. A
intensidade dessa tendência varia conforme os parâmetros das equações de
probabilidade e de catching up. Dentro de determinado intervalo de valores para
esses parâmetros, o exercício de simulação mostra que o sistema pode evoluir de
uma fase de pouca atividade tecnológica (período em que a maioria das firmas
não alocam recursos para os investimento em P&D) para uma fase em que ocorre
a estabilização da relação P&D/vendas, com a maioria das firmas investindo
maciçamente em P&D.
A tendência de convergência e de estabilização dos esforços inovativos
das firmas se traduz em um fluxo contínuo e regular de inovações e, por
conseguinte, em um aumento regular da produtividade média da mão-de-obra.
Isso resulta em propriedades macroeconômicas semelhantes às do modelo de
Silverberg (1987), analisado anteriormente.
Uma proposta de aprimoramento dessa linha de pesquisa foi apresentada
por Chiaromonte e Dosi (1993)3. No modelo sugerido por esses autores são
explicitadas as interações entre demanda efetiva e desempenho inovativo das
firmas, sendo contemplada também uma subdinâmica relativa ao processo de
busca tecnológica que envolve dois tipos de regime de acumulação tecnológica:
um regime do tipo baseado em ciência (compatível com o conceito de science
based de Pavitt, (1984), prevalecente no setor de bens de capital (máquinas) e
cuja atividade inovativa é desempenhada através dos investimentos em P&D e
outro regime cujo processo de mudança tecnológica é fundamentalmente
baseado na tecnologia incorporado aos bens de capital (compatível com o
conceito de supply dominaded de Pavitt (1984) e que prevalece no setor produtor
de bens de consumo (setor II daqui em diante). Por conta dessas características,
as mudanças tecnológicas no setor produtor de máquinas (setor I daqui em
diante) se manifestam por meio de inovações incrementais e radicais. O primeiro
caso foi definido como uma situação em que não ocorrem mudanças no processo
de produção no setor I, mas somente melhorias de qualidade dos seus produtos,
3 Segue a mesma linha de raciocínio Chiaromonte et al. (1993).
27
-
a qual pode ser medida pela produtividade da mão-de-obra que opera com os
produtos do setor I. O segundo caso trata de mudanças simultâneas na qualidade
dos produtos e no sistema de produção do setor I.
As interações entre demanda efetiva e o desempenho inovativo podem ser
analisadas de dois ângulos. O primeiro trata do pressuposto de que as
oportunidades tecnológicas aumentam de acordo com o nível de atividade
econômica, visto que o aumento da riqueza social potencializa maiores
investimentos em infra-estrutura tecnológica (universidades, centros de pesquisa,
tecnologias da informação, etc.). O segundo está associado à premissa de que as
firmas adotam a regra simples e prática (rules of thumb) de fixar um percentual
das vendas para investimentos em P&D, o que significa que o esforço tecnológico
das firmas cresce na mesma proporção de suas vendas.
O processo de busca no setor I se resume no evento do sucesso (adoção
de uma nova tecnologia) ou do fracasso (nenhuma adoção de nova tecnologia),
cuja distribuição de probabilidade é do tipo Bernoulli, sendo que a probabilidade
de realização de um sucesso em cada período varia de acordo com o montante
de gastos com P&D (valores absolutos) efetivado nesse período. A realização do
sucesso provém da obtenção de inovações originais ou imitação. Sendo assim, o
sucesso da atividade tecnológica no setor I depende de uma aprendizagem
tecnológica que é do tipo custosa (non-costless), pois exige investimentos
dirigidos especificamente para essa aprendizagem (Lazonick. 1993) e também
para a absorção dos conhecimentos extra-firma (Cohen e Levinthal, 1989) e para
imitação.
A probabilidade de ocorrência de uma inovação incremental diminui na
medida em que se avança ao longo de uma trajetória tecnológica, enquanto que,
ao mesmo tempo, aumenta a probabilidade de ocorrência de uma inovação
radical. Nesse caso, os autores trabalham com a hipótese de rendimentos
decrescentes dos gastos com P&D devido ao esgotamento das oportunidades
tecnológicas que podem ser exploradas dentro de uma mesma trajetória
tecnológica. Esse esgotamento opera como um mecanismo de focalização que irá
dirigir os esforços de pesquisas em direção às novas fronteiras do conhecimento
em busca de novos paradigmas tecnológicos para superar os trade-offs da
produção.
28
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No setor II não se observa o processo de geração de novas tecnologias,
mas tem-se o processo de learning by doing na adoção de novas tecnologias pelo
acúmulo de experiência na atividade de produção.
No que se refere às decisões sobre a ampliação da capacidade produtiva
de cada setor, Dosi e Chiaromonte (1993) adotam a hipótese de que os
produtores nos setores I e II seguem uma regra simples de projetarem para o
próximo período a taxa de crescimento da demanda observada no período
anterior. Por sua vez, as decisões de investimento no setor II segue o princípio da
aceleração não flexível, desde que o investimento líquido não seja menor do que
zero. No setor II não se aplica esse princípio, pois nesse setor não se utilizam
bens de capital, restando apenas o uso da mão-de-obra.
A demanda agregada no setor II é composta pelo o total de gastos da
classe trabalhadora, o qual equivale ao total de salários. No setor I, a demanda
agregada é formada pelo total de gastos com investimentos. A participção das
firmas na demanda agregada dos seus respectivos setores é definida pela
dinâmica do market share (equação replicadora), sendo o nível de
competitividade determinado pelo nível de preço e pelo prazo de entrega de cada
firma. No setor I entra também a variável “qualidade”, a qual é definida pela
produtividade da máquina.
De acordo com as análises apresentadas pelos autores, as propriedades
microeconômicas podem ser resumidas nos seguintes termos:
a) As oportunidades tecnológicas (setor I) não exploradas crescem em
uma proporção maior do que as oportunidades efetivamente
exploradas.
b) Em ambos os setores observa-se uma tendência de concentração da
produção, porém, no setor I essa tendência é de natureza caótica,
enquanto que no setor II são poucas as firmas que se afastam da
participação inicial.
c) No setor I observa-se uma crescente disparidade entre as firmas em
termos de capacidade tecnológica.
No que se refere às propriedades macroeconômicas, tem-se os seguintes
resultados:
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a) O produto nacional apresenta uma tendência de crescimento na maior
parte da série. Na segunda metade da série, tem-se uma tendência
estagnacionista. No curto prazo, obervam-se flutuações não regulares.
b) A produtividade da mão-de-obra aumenta significativamente no início e
no final da série, ficando estagnada no restante da série.
Com esses resultados, Dosi e Chiaromonte (1993) puderam demonstrar
que o processo evolucionário na dimensão microeconômica (busca, seleção de
tecnologias, seleção de firmas, diversidade comportamental, etc.) é capaz de
produzir os ciclos de tecnologia e de produção de curto e de longo prazo, o que
não foi possível fazer com os outros modelos analisados nesta pesquisa.
O modelo apresentado por Dosi e Fabiani (1994) pode ser considerado
uma extensão do modelo de Chiaromonte e Dosi (1993) em direção às economias
abertas, mas com algumas simplificações4. No modelo sugerido por Dosi e
Fabiani (1994) existem dois setores, porém em ambos o processo de busca e de
seleção de novas tecnologias é regido pelas mesmas equações, respeitanto o
princípio da diversidade que se manisfesta nos valores dos parâmetros dessas
equações. Por outro lado, não existe dependência tecnológica entre esses dois
setores. O investimento em P&D é a variável-chave na determinação da
probabilidade de sucesso da atividade inovativa das firmas. A distribuição dessa
probabilidade obedece a um processo de Poisson. Os investimentos em P&D, por
sua vez, são resultantes de uma regra simples adotada pelas firmas de fixar um
percentual das vendas para esses investimentos. Não é feita a distinção entre
inovações incrementais e inovações radicais. Todas as inovações se traduzem no
aumento da produtividade do trabalho em ambos os setores. Não existem
também investimentos em bens de capital, pois a mão-de-obra é único fator de
produção empregado nos dois setores.
O nível de competitividade em ambos os setores é determinado pela
produtividade da mão-de-obra e pela taxa de câmbio. Essa taxa, por sua vez, é
endogenamente determinada pelo o saldo do balanço de pagamento (o qual
corresponde ao saldo comercial, pois o modelo não incorpora os fluxos de renda
e de capital externos). A dinâmica do market share das firmas é regida pelo
4 Uma versão mais complexa nessa linha pesquisa pode ser encotrada em Verspagen (1994).
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princípio de Fisher (equação replicadora). Esse market share é definido em
termos de participação das firmas no mercado global – representado pela soma
da demanda dos mercados nacionais – dos seus respectivos setores. A demanda
total em cada setor, por sua vez, corresponde a uma parcela fixa do total de renda
produzida em cada país no período anterior.
Com essa descrição sucinta do modelo de Dosi e Fabiani (1994) é fácil
perceber a preocupação desses autores de simplificar os termos de causalidade
do modelo diante das formulações sugeridas por Chiaromonte e Dosi (1993). Com
todas essas simplificações, o modelo de Dosi e Fabiani (1994) permitiu a
produção de resultados teoricamente relevantes para o estudo dos “fatos
estilizados” do crescimento da economia mundial. Entre eles, o que mereceu
maior atenção por parte dos autores foi a tendência de divergência das taxas de
crescimento entre as economias nacionais. No ano zero da série todos os países
apresentavam a mesma renda per capita e a mesma estrutura produtiva, sendo
idêntica a participação das firmas na demanda global de cada setor. As mudanças
probabilísticas e a cumulatividade dos efeitos produzidos por essas mudanças
foram suficientes para gerar a tendência de divergência entre as taxas de
crescimento das economias nacionais. Por outro lado, os autores demonstraram
que diante de um spillover internacional de 100%, tende a ocorrer uma
convergência entre essas taxas. Porém, essa convergência não se traduz em
uma tendência de desaparecimento das disparidades internacionais, mas em
flutuações não regulares em torno de um valor médio dessas taxas.
Diversos outros autores fizeram contribuições importantes dentro da linha
de modelos de crescimento econômico apresentados nesta seção5. Esta pesquisa
não está sendo dirigida para o estudo exaustivo dos modelos evolucionários de
crescimento econômico. O objetivo principal foi analisar os pontos essenciais
desses modelos. Um deles se refere à ênfase que é dada aos aspectos
microeconômicos da dinâmica tecnológica no ceio das firmas. Essa ênfase marca
a filiação desses modelos ao programa de pesquisa científica da economia
evolucionária, cujo cerne é a demonstração teórica de que os “fatos estilizados”
da macroeconomia do crescimento é uma propriedade emergente das interações
entre unidades heterogêneas que lutam pela sobrevivência usando a inovação
5 Para um survey ver Silverberg (1997) e Kwasnicki (2001).
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como a principal arma de competição. O outro ponto essencial diz respeito ao
grau de abstração desses modelos. A construção dos modelos evolucionários não
foi dirigida para a produção dos “fatos estilizados” do crescimento das economias
nacionais e sim dos fatos genéricos. Muitas vezes, porém, a reprodução desses
fatos no exercício de simulação foi realizada à custa de hipóteses ad hoc, sem o
suporte de estudos empíricos. Em conseqüência dessas características
essenciais, tornou-se impraticável o uso desses modelos para replicação dos
“fatos estilizados” de casos específicos, a exemplo do crescimento da economia
brasileira nestas últimas décadas.
1.3) Os projetos de síntese entre as abordagens kaldorianas e evolucionárias
Os modelos kaldorianos e evolucionários estão alicerçados em alguns
princípios cuja fundamentação empírica foi extraída diretamente dos fatos não
controversos do comportamento das firmas ou dos agentes econômicos em geral.
O princípio da demanda efetiva, baseado na premissa de que a demanda final
carrega alguns componentes exógenos em relação ao nível de renda, é um deles.
O princípio da diversidade comportamental e tecnológica entre firmas ou
indústrias é outro. E assim vai seguindo uma lista desses princípios, os quais
serviram de base para construção dos modelos analisados nas seções anteriores.
Não obstante, vimos que os modelos kaldorianos são extremamente
superficiais em se tratando dos determinantes das mudanças tecnológicas,
enquanto que os modelos evolucionários são extremamente abstratos para lidar
com os fenômenos macroeconômicos.
As afinidades e as complementaridades entre as abordagens kaldorianas e
evolucionários aponta para a possibilidade do desenvolvimento de uma agenda
de pesquisa promissora6, cujo objetivo é a formulação de modelos de crescimento
econômico que integrem os postulados teóricos destas duas abordagens. A
consolidação desta agenda de pesquisa como uma abordagem alternativa para
6 Essas afinidades e complementaridades vêm sendo reconhecida pelos autores evolucionários há algum tempo (Dosi et al., 1994),
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os estudos do crescimento econômico ainda requer muito esforço de pesquisa,
pois ainda são raras as tentativas de síntese entre estas abordagens.
Nesta seção serão analisadas somente as contribuições de Fagerberg
(1988), Amable (1993) e Verspagen (2002). Esta última será merecedora de mais
atenção nesta seção visto ter sido ela a fonte inspiradora para a construção do
modelo de simulação que será usado nesta pesquisa. Todas as discussões
teóricas e empíricas desta pesquisa têm como ponto de partida o propósito de
superação de algumas lacunas deixadas pelo modelo de Verspagen (2002). As
contribuições empíricas de Fagerberg (1988) serão analisadas na seção 3.1.
No seu artigo seminal, Fagerberg (1988) desenvolve um modelo teórico de
um único setor e com diferenciação de produto para analisar a relação entre a
competitividade industrial e o crescimento econômico. A rejeição da hipótese de
que as elasticidades-renda e preço das exportações são exogenamente
determinadas, tradicionalmente empregada nos estudos aplicados do comércio
exterior, foi o ponto de partida para elaboração do modelo de Fagerberg (1988).
Segundo Fagerberg (1988), a hipótese de exogeneidade da elasticidade-renda
e da elasticidade-preço das exportações e das importações não é empiricamente
consistente. A maioria dos países depara-se com mudanças significativas em
seus market shares das exportações e importações, seja no curto, médio ou longo
prazo. Segundo o autor, o estudo das interações entre crescimento industrial e
competitividade externa não pode prescindir de uma equação determinante dos
níveis de competitividade industrial de cada país.
No modelo sugerido por Fagerberg (1988), o market share das exportações
e das importações são definidos de acordo com os seguintes fatores: a) a
capacidade de oferta; b) inovações de produto; c) inovações de processo; d)
custo da mão-de-obra unitário.
A capacidade de oferta é condicionada pela capacidade de absorção das
inovações de processo, pelos investimentos em capital fixo e pela demanda
(externa, no caso das exportações, e interna, no caso das importações); fatores
esses que interferem diretamente na relação entre a demanda e o grau de
utilização da capacidade produtiva. Quanto à capacidade de absorção das
inovações de processo, o autor adota a hipótese de que essa capacidade está
inversamente relacionada à distância tecnológica entre a economia em estudo e a
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economia que lidera a fronteira das inovações de processo7. O índice que
combinada a intensidade relativa de P&D e de patentes é usado como a variável
proxy dessa distância tecnológica. As outras variáveis determinantes da
capacidade de oferta são alto explicativas.
Quanto às inovações de produto, a variável proxy corresponde à taxa de
crescimento do índice anterior.
Em relação à variável proxy dos preços relativos, foi usado o custo da mão-
de-obra unitário relativo. O emprego dessa variável está baseado na hipótese de
que o mark up é relativamente constante, o mesmo ocorrendo com a quantidade
e qualidade dos inputs empregados na produção. Essa proxy capta as variações
na taxa de salário e na produtividade da mão-de-obra.
Na determinação dos investimentos em capital fixo, o autor adota a
hipótese de que existe uma proporção entre o investimento e a renda nacional, a
qual varia de acordo com a participação dos gastos de consumo das famílias e do
governo na renda nacional.
Para cap