crenças religiosas, fanatismo e secularidade na américa latina

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Artigo de João Batista Libânio, publicado na revista Perspectiva Teológica, sobre crenças religiosas, fanatismo e secularidade na América Latina

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    Persp. Teol. 40 (2008) 55-76

    CRENAS RELIGIOSAS, FANATISMO ESECULARIDADE NA AMRICA LATINA *

    Joo Batista Libanio SJ

    RESUMO: A trajetria da religiosidade na Amrica Latina parte do catolicismopopular tradicional que se radicou no profundo do povo por obra da primeiraevangelizao. Caracterizou-se por valorizar os milagres, as promessas, a devooa Nossa Senhora e aos santos, com traos penitenciais, de carter leigo, familiar,com enorme tolerncia moral. Depois a reforma romana no esprito do Conclio deTrento se fez valer a partir da 2 metade do sculo XIX. Some-se um messianismomgico que existe at hoje sob diversas formas. A renovao profunda veio como Conclio Vaticano II. A verso latino-americana, original, da libertao se forjouem Medelln com continuidade moderada em Puebla. No momento atual, experi-menta-se exploso religiosa polimorfa. E para fechar o itinerrio, a V Confernciados Bispos em Aparecida convoca os catlicos para uma experincia de encontropessoal com Cristo na Igreja na esperana de se converterem em discpulos mis-sionrios. No horizonte est a expectativa de uma Grande Misso Continental.

    PALAVRAS-CHAVE: Catolicismo popular, Reforma tridentina, Vaticano II, Igrejada Libertao, V Conferncia de Aparecida.

    ABSTRACT: Latin America religiosity begins with popular Catholicism which isrooted deep down in peoples soul by the work of the first evangelization. Itcharacterizes by emphasizing miracles, vows, devotion to Our Lady and saints,with penitential traces, laity character, familial mindset, moral tolerance. In thespirit of the Trent council later in the second half of 19th century the Roman reformprevailed. Under many forms magic Messianic movements exist even today. Aprofound renovation arises with the second Vatican council. Its Latin America

    * Texto de conferncia feita numa srie de eventos organizados por La Caixa de Barce-lona: O mundo desde aquela banda, no dia 3 de outubro de 2007.

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    Introduo

    Crenas, fanatismo, secularidade fazem parte do mundo atual em dosesdiferenciadas conforme as regies, os pases e as pessoas. No entanto,todos nos confrontamos com tais realidades. Permitem dois tipos de dis-cursos: o do analista e o do ator.

    O discurso do ator reflete o sentido de algum envolvido no assunto. Apessoa aceita ter interesses que encarna, seja por razo pessoal, sejainstitucional. Autoimplica-se no assunto e a partir de tal conscincia expeas posies. Carrega tonalidade autobiogrfica pessoal ou grupal. No visadiretamente objetividade dos fatos, mas a percepo de quem escreve.Os americanos usam freqentemente tal linguagem, mesmo em trabalhoscientficos. Anunciam antes de apresentar a pesquisa traos autobiogrfi-cos que esclarecem a escolha do tema, o procedimento usado de tal modoque o leitor situa a objetividade do texto no contexto subjetivo do autor.

    Outros ocultam o discurso do ator por trs da fidelidade instituio, ideologia, agremiao, Igreja ou religio a que pertence. Na verdade,defendem-lhe interesses at o proselitismo. As Igrejas crists conheceramtal discurso sob a forma de apologtica em que o escritor nada mais faziaque defender a f oficial. Em termos polticos, o discurso do ator ressudaideologia. Intenta mostrar o valor universal e perene dos interesses dopartido ou governo. Ele no se prope imediata e diretamente a anlise darealidade, o estudo da verdade objetiva, mas o que interessa ser dito na-quele momento a partir da situao em jogo. No afirma nem nega averdade objetiva, prescinde dela.

    Os temas religiosos sofrem sobremodo tal ambigidade. Algum forjou aexpresso: impuramente acadmica1. Caminho para aumentar o nvel de

    original version of liberation was forged in Medelln with moderate continuationin Puebla. In the current moment there is an explosion of multifaceted religiousexperience. And to close the journey, the 5th Conference of Bishops in Aparecidacalls Catholics to have an experience of personal encounter with Christ in theChurch in the hope of converting them into missionary disciples. In the horizonthere is an expectation about a great continental mission.

    KEY-WORDS: Popular Catholicism, Tridentine Reform, Vatican II, Church ofLiberation, V Conference of Aparecida.

    1 A.F. PIERUCCI, Sociologia da religio, rea impuramente acadmica, in S. MICELI(org.), O que ler na cincia social brasileira, 237-286, citado por A. SANTOS OLIVA, Ahistria do Diabo no Brasil, So Paulo, Fonte Editorial, 2007, 7.

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    objetividade de tal discurso aponta para a confisso prvia do autor de queest a fazer discurso de ator.

    O discurso do analista segue outras regras. Visa a que o conhecimentotraduza a realidade de maneira a mais objetiva possvel. Recorre aos ins-trumentais cientficos aceitos e provados como neutros e objetivos. Se-gue as regras da epistemologia cientfica, hoje bem conhecida e testada.Prope as afirmaes ao juzo de qualquer outro cientista em condio deverific-las, refut-las, ou corrigi-las. Por sua vez, nas crticas a tal posiose aduzem argumentos igualmente verificveis.

    Pediram-me que tratasse do tema crenas religiosas, fanatismo esecularidade como vem sendo vivido, estudado, proposto no Brasil. Masinsistiram que fizesse antes um discurso testemunhal que acadmico cien-tfico, de ator que de analista. Em vez de basear-me precipuamente empesquisas e anlises, recorri experincia, a percepo da realidade a partirdo prprio horizonte de vida, de pensar, de crer.

    Para salvar tal discurso da pura subjetividade e arbitrariedade, aepistemologia aconselha iniciar declarando a impureza acadmica decatlico, jesuta, telogo da libertao do Brasil. Desde tal subjetividade,denuncio as interpretaes a serem propostas. Cabe tambm recordar aPascal que nos adverte: le moi est hassable. Mesmo de carter testemu-nhal, o discurso pede distncia em relao ao prprio sujeito para ele nose perder em auto-afirmaes instaladas na ctedra da verdade.

    Nos ltimos anos, os temas propostos sofreram profunda transformao,sem perder naturalmente consistncia prpria. Merecem o duplo olharanaltico: histrico e estrutural. A metfora das guas solta-nos a fantasiapara seguir-lhes as vicissitudes.

    I. guas profundas da religiosidade popular

    Predominncia catlica

    Banhavam o Brasil at a dcada de 70 as guas abundantes da religiosida-de popular. Verdadeiro Amazonas que saltava vista de qualquer obser-vador de fora e inundava a interioridade dos habitantes de dentro. Emnvel de menor visibilidade, mas no menos profundo nem menos cauda-loso, flui para dentro da piedade catlica o fluxo religioso indgena e afroem sincrtica mistura. Vale do Brasil o que uma av aymara, bem religi-osa, dizia a seu neto sacerdote catlico: sou catlica, mas tenho minhascrenas (aymaras). Assim o catlico brasileiro repete com a mesma con-vico que segue a f catlica, mas carrega muitas devoes que vm deorigem indgena e mais freqentemente negra.

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    A ttulo de exemplo, reflete bem clima religioso catlico brasileiro o Con-gresso Eucarstico Nacional do Recife em 1939. Em enorme demonstraode f popular catlica, realizou-se grandiosa celebrao eucarstica com300 mil fiis, 33 bispos, mais de 1.000 padres. E o povo cantava a plenospulmes o refro do Hino do Congresso: Quem no cr, brasileiro no .Identificava-se o brasileiro com a tradio catlica.

    A minha gerao viveu os primeiros anos de vida num Brasil cujos dadosestatsticos espelhavam quadro de mais de 90% de catlicos. Apesar de tersido colonizado j nos incios da modernidade e de no ter tido IdadeMdia, o Brasil, no entanto, conheceu algumas estruturas sociopolticas detonalidade medieval: as capitanias hereditrias, o padroado a modo dearremedo cesaropapista. Bebeu o catolicismo medieval trazido pelos por-tugueses e conheceu eremitas, beatas e beatos, as recolhidas, as OrdensTerceiras, as Irmandades, conselheiros etc.

    Camadas religiosas do catolicismo popular

    Duas correntes principais nutriram as fontes religiosas portuguesas2. Umaveio do mundo santoral, milagreiro, devocional da Germnia. Expressava-se em romarias, devoes, promessas, procisses imponentes e solenes, taiscomo as do Senhor dos Passos, do Encontro, do Enterro, do Fogaru. Estaltima foi mais conhecida em Gois e acontecia na quarta-feira das Trevas.Simboliza a busca e priso de Cristo. Dela participam personagensencapuzados, denominados Farricocos que seriam penitentes emantenedores da ordem. Tais personagens so os que mais se assemelhamaos existentes na Semana Santa espanhola3. camada germnica uniu-seno Brasil a presena religiosa de influncia indgena e negra em sincretismorico e expressivo.

    A outra fonte religiosa, penitencial, originou-se do universo irlands. Ex-primiu-se especialmente na devoo cruz. Semearam-se cruzeiros pelasestradas, pelas encruzilhadas, nos pncaros das torres. E na Semana Santa,at hoje a sexta-feira santa congrega o maior nmero de devotos. Na pa-rquia de Vespasiano em que trabalho pastoralmente, na periferia da GrandeBelo Horizonte, a procisso do Enterro logo aps o sermo do descendimentomobiliza o maior nmero de devotos. Com trabalho pastoral consistenteconsegue-se que tal procisso deixe de ser puro formalismo e guarde respeitoe clima religioso. O Senhor morto e a Virgem das Dores percorrem durantemais de hora as ruas da cidade. No falta a banda de msica que misturanmeros religiosos com outros, conhecidos pelos instrumentistas.

    2 J. COMBLIN, Situao histrica do catolicismo no Brasil, REB 36 (1966) 574-601; ID.,Para uma tipologia do catolicismo no Brasil, REB 28 (1968) 46-73.3 , disponvel em 04 de setembro de 2007.

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    Catolicismo leigo

    Os leigos, no fundo, orquestram o catolicismo popular sem negar a presen-a do clero. Em nvel institucional, durante a Colnia e o Imprio, o cato-licismo do Brasil se submeteu instituio do Padroado. Os reis de Portu-gal, Gro-mestres da Ordem de Cristo, e depois os Imperadores pratica-mente funcionavam como legados pontifcios plenipotencirios para im-plantar o catolicismo no Brasil. O monarca portugus da Colnia e doImprio procedia, na realidade, como chefe efetivo da Igreja do Brasil. OPapa simplesmente confirmava as decises rgias em matria de religio.A Mesa da Conscincia e Ordens cumpria funo de verdadeiro Ministriodo Culto. Zelava pelos interesses religiosos4.

    A intromisso do Estado chegava ao pormenor de definir qual o itinerriode uma procisso e, por isso, entrava em choque com decises de autori-dades da Igreja5. Na linha testemunhal, presidi as celebraes da SemanaSanta, em pequena e tradicional cidade, Quinta do Sumidouro, perto deBelo Horizonte. A mim coube abrilhantar as festas com os sermes e atoslitrgicos, mas as procisses e outros atos de devoo eram leigos dopovoado que com toda liberdade e desenvoltura comandavam. Os perso-nagens bblicos, desde Ado e Eva at os apstolos tinham vestes, rituaise lugares na procisso, ditados pelos cerimonirios. Eu, como padre, pra-ticamente sobrava. Percebi ento o que significava em concreto umareligio popular leiga.

    4 A Coroa portuguesa, desde 1522, [era] possuidora do gro-mestrado da Ordem deCristo, adquiria tambm a jurisdio espiritual sobre as terras conquistadas, que a essaOrdem fora concedida pelo papas Calixto III e Xisto IV. Assim, os reis portuguesesestavam habilitados a criar e prover os novos bispados, delimitar as jurisdies territoriaise autorizar a construo de igrejas e conventos. Economicamente, recolhiam e adminis-travam os dzimos, responsabilizando-se, em compensao, pela manuteno do clero, quepassava, dessa maneira, a ser assalariado da Coroa. [Estado da Bahia, Poder judicirio,Tribunal de Justia: Memria da Justia Brasileira 2: in www.tj.ba.gov.br/publicacoes/mem_just/volume2/cap9.htm]. Para o estabelecimento do Padroado rgio propriamentedito, foi fundamental a bula expedida por Calixto III em 1456, a Inter Coetera, ondeforam entregues Ordem de Cristo toda a jurisdio ordinria, domnio e poder nascoisas espirituais somente , do cabo Bojador e No at o Indo. Mais tarde o pontficeAdriano VI formalizou a concesso de tal Padroado, em 1551, a D. Joo III, o piedoso,momento em que se erigia o bispado da Bahia. Estado, Igreja e Indgenas A Adminis-trao Portuguesa em uma Condio Colonial (A Problemtica das Fontes) por: VirgniaM Almodo de Assis http://www.fundaj.gov.br/docs/indoc/cehib/almoedo.html>, dispon-vel em 01 de setembro de 2007.5 Na procisso de Corpus Christi, em 1785, o bispo do Maranho, D. Frei Antonio, quismodificar-lhe o percurso. No entanto, o Governador e a Cmara resolvem que permaneao percurso antigo porque essa procisso da cidade, cmara e no ao sr. Bispo pertenciaa inspeco dela (R. AZZI, Elementos para a Histria do Catolicismo Popular, REB 36(1976) 98). Algo semelhante aconteceu famosa procisso do Crio de Nazar.

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    Catolicismo familiar

    A fraqueza das instituies eclesisticas do catolicismo popular, por defi-cincia numrica e de formao do clero, recorreu base familiar e apos-tou na sua fora transmissora. Em inmeras casas, destinava-se lugar pri-vilegiado para oratrios onde a famlia reunida rezava o tero ou praticavaoutras devoes sem necessidade do clero. O aspecto familiar reforava ocarter leigo. Nas fazendas foi-se mais longe. Construram-se capelas ouigrejas e algumas dispunham de capelo particular. Mesmo nesses casos,o decisivo na orientao religiosa no vinha do padre, mas da famlia dofazendeiro. Alguma senhora piedosa administrava a catequese para os fi-lhos dos colonos.

    Aspecto social festivo

    Em sociedade fechada, escasseavam os divertimentos profanos, alm deserem mal vistos. Caam facilmente sob o controle religioso. O catolicismopopular cumpria ento funo social. Rompia a monotonia da vida do povocom inmeras festas religiosas. Funcionava a modo de encontro social. Asprticas religiosas configuravam o mundo cultural. E a elas o povo se referia.A religio popular cumpria papel conservador no sentido etimolgico demanter as tradies. Impunha normas aos comportamentos.

    Recorrendo a reminiscncias da infncia, recordo-me, como no Sul de Minas,regio de longa e piedosa tradio, se celebrava a Festa do Rosrio no msde junho. Praticamente a nica poca do ano em que as pssimas estradasde terra permitiam acesso de forasteiros.

    Encravada no corao de Minas, essa festa carregava ressonncias da vit-ria na batalha naval de Lepanto. L no sculo XVI, foras militares dediversos pases cristos, sob o comando de D. Joo de ustria, derrotaramo Imprio Otomano. Tal portento se atribuiu proteo de Nossa Senhoraque os soldados de Mafona avistaram acima dos mais altos mastros daesquadra catlica com aspecto majestoso e ameaador. O dia 7 de outubroficou ento consagrado a Nossa Senhora da Vitria e mais tarde do SantoRosrio. To longnqua memria permaneceu incrustada nas festas popu-lares do Rosrio, no Sul de Minas, que tambm vm de longa data desdea primeira metade do sculo XVIII.

    Misturaram-se ritos religiosos com missas, novenas, celebraes, sermes,folguedos alegres e divertimentos. Entram em cena danantes, festeiros,juzes, fiis, solenidade do Mastro, queima de fogos, busca do Rei e daRainha da Festa, Passagem do Cetro etc.6

    6 guisa de exemplo, cito um ritual dos complexos festejos. No primeiro sbado de julho,s 5 horas da manh, um grupo de devotos toca os pfanos ou pfaros (flauta) e ascaixas de couro. Por isso o grupo conhecido como Caixa de Assovios. O som dessesinstrumentos representa o gemido dos negros no cativeiro. Os participantes no tm um

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    A festa assumiu toque africano, baseada em lendria apario de NossaSenhora do Rosrio. Ela emergiu das guas do mar. Caboclos e marujosrezam, cantam, danam, tocam instrumentos para que ela venha at eles.Nada. Ento os catops (negros) fizeram o mesmo e ela veio at eles. Daela ser padroeira dos Negros7.

    Tolerncia moral e carter piedoso profundo

    O catolicismo popular mostrou-se moralmente tolerante respeito vida doclero e dos fiis, apesar da sria evangelizao moral dos jesutas nos pri-meiros sculos de colonizao. O surgimento da ordem coincide com osanos tridentinos. No entanto, sob muitos aspectos, os missionrios lusos,que para c vieram, desenvolveram catequese no muito tridentina. Refle-tiam o catolicismo medieval luso com toques romanizados. Com efeito, atridentinizao no Brasil acontecer bem mais tarde, na segunda metadedo sculo XIX, como veremos no pargrafo seguinte.

    O sistema jesuta de evangelizao alcanou sucesso na cristianizao doscaboclos por meio de msica, canto, liturgia, procisses, festas, danasreligiosas, mistrios, comdias, distribuio de vernicas com Agnus Dei,cordes de fita, rosrios, culto de relquias do Santo Lenho ou das cabeasdas 11 mil virgens. Embora tais elementos servissem obra de europeizaoe cristianizao, impregnaram-se de influncia animista e fetichista oriun-da talvez da frica8.

    A sociloga da religio, D. Hervieu-Lger, insiste na presena das camadasprofundas do trabalho civilizacional de longa durao realizado pelas re-ligies. Elas resistem at em sociedades aparentemente sem religio9. EmMinas Gerais, a fora do catolicismo tradicional mantm-se viva.

    Avaliao crtica

    O balano crtico de tal catolicismo popular varia muito segundo o pontode partida. A compreenso iluminista de tintura europia identificava tal

    uniforme certo. No permitida a participao de pessoas do sexo feminino. Depois dotoque da Caixa de Assovios, oraes so feitas s portas da igreja ainda fechadas. Quandoessas se abrem, as pessoas entram cantando:Entraremos nesta casa com prazer e alegria, pois l dentro dela mora a Santa VirgemMaria...Quando a Caixa de Assovios chega ao meio da igreja, acendem-se as luzes, soltam-sefoguetes e o povo canta e reza em homenagem a N. Sra. do Rosrio. Este momento conhecido como as matinas, ocasio em que todos cantam o hino a Nossa Senhora doRosrio, criado na comunidade. , disponvel em 10 de setembro de 2007.7 , disponvel em 29 deagosto de 2007.8 R. AZZI, "Elementos para a Histria do Catolicismo Popular", art. cit., 104.9 D. HERVIEU-LGER, Catholicisme, la Fin dun Monde, Paris: Bayard, 2003, 92.

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    catolicismo com ignorncia. Dom Sebastio Leme, ao assumir o arcebispadode Olinda, lanou a famosa carta pastoral de inaugurao sobre a ignorn-cia religiosa do povo brasileiro. Ela soou, na expresso da bigrafa LauritaRaja Gabaglia, como um clarim de guerra de guerra santa aos ouvidosdos catlicos brasileiros10.

    Quase a modo de refro, repete-se at hoje que a religio popular se mostragenerosa, abundante em ritos e devoes, mas eivada de ignorncia commuita superstio, superficialidade, sem atingir a vida concreta de f, morale social, sobretudo no caso dos homens. Assim escrevia o Cardeal Leme,na aludida carta pastoral. evidente, pois, que, apesar de sermos a maioriaabsoluta do Brasil, como Nao, no temos e no vivemos a vida catlica.Quer dizer: somos uma maioria que no cumpre os seus deveres sociais.Obliterados em nossa conscincia os deveres religiosos e sociais, chegamosao absurdo mximo de formarmos uma grande fora nacional, mas umafora que no atua, e no influi, uma fora inerte. Somos, pois, uma mai-oria ineficiente. Eis o grande mal11.

    O catolicismo popular no resiste crtica da razo iluminista. Passeia nouniverso pr-moderno, pr-cientfico, povoado de foras sobrenaturais aatuar no mundo. E o catlico situa-se diante delas no jogo da devoo epromessa, atraindo as boas para si e afastando as nefastas. A se realizagrande parte da sua vida religiosa. Constata-se falta de catequese, de dou-trina correta. Aduz-se, a modo de exemplo, o fato de se venerarem maisas imagens que adorar o Santssimo Sacramento, de se preferirem novenase devoes participao consciente e esclarecida da Eucaristia.

    Crtica de natureza secular acusa o catolicismo popular de anestesiar asconscincias diante da realidade. Nega-lhes a percepo profunda e huma-na dos contrastes da vida: sofrimento e felicidade, vida e morte, ao apelarcontinuamente para a Vontade de Deus.

    A teologia da libertao, na primeira fase, associou-se, desde outra pers-pectiva, a tal coro crtico. Achacava-lhe a pecha de alienante, de retardo doprocesso de libertao, ao impedir o povo de assumir o papel de sujeito dahistria. Cabia-lhe antes a funo de objeto, destinatrio da caridade dosricos e da Igreja.

    Em fase posterior, porm, modificou a tica. Descobriu na religio do povoelementos libertadores. Percebeu-a como expresso de autonomia diantedo clero. E a busca da fora divina em intervenes pontuais e imediatas

    10 L. RAJA GABAGLIA, O Cardeal Leme, Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1962, Col.Documentos Brasileiros, n. 113, 61.11 Carta Pastoral de Dom Sebastio Leme, Arcebispo Metropolitano de Olinda, Saudandoos Seus Diocesanos, Petrpolis: Vozes, 1916, 6. Citado por L. RAJA GABAGLIA, OCardeal Leme, op. cit., 68.

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    sobre o cotidiano oferecia enorme potencial, se orientada como motivaopara a luta contra as foras de opresso, especialmente com auxlio de novahermenutica da Escritura. Os Crculos Bblicos revolucionaram a leitura daEscritura. As CEBs mostraram na prtica a fecundidade libertadora da Pala-vra de Deus lida a partir da realidade social. Mrito singular da nova exegesegerada na Amrica Latina a partir dos escritos de Carlos Mesters12.

    II. As ondas romanas

    Fenmeno da tridentinizao e seus incios

    No Brasil, a partir da segunda metade do sculo XIX, sobreps camadapopular religiosa o catolicismo reformado tridentino. Em alguns lugares, ametfora da camada funciona quase literalmente. Cava-se o terreno religi-oso, e percebem-se a conviver sobrepostamente dois catolicismos: o popu-lar e o romano tridentino. Em outros, ambos se misturaram de tal formaque apenas se distinguem. No entanto, o movimento interno deles diverge.

    O catolicismo tridentino no Brasil implantou-se de duas maneiras. Chuviscoudesde o incio da evangelizao dos jesutas com alguns traos da contra-reforma: certa vinculao com a S Romana a que os jesutas professavamobedincia especial, propagao de jubileus e indulgncias, graas e favoresconcedidos por Roma, certo cuidado doutrinal na catequese etc.

    Tridentinizao acentuada

    No entanto, a ao dos jesutas sofreu abrupta interrupo com a sua ex-pulso do Brasil na segunda metade do sculo XVIII. E a tridentinizaose dilui at que explode na segunda metade do sculo seguinte nova eforte por obra dos famosos bispos reformadores13 e pela entrada significa-tiva de religiosos e religiosas de Congregaes europias. Fenmeno bas-tante estudado. Aponto alguns elementos: reforma do clero, instituio deseminrios, retiros espirituais, visitas pastorais, pregao das sagradasmisses populares de cunho doutrinal e moralista base das verdadeseternas. Em contraste com o catolicismo popular, o pndulo se inclinoupara o lado clerical, sacramental, de devoes novas e em ligao diretacom a necessidade do clero para confisses e comunhes, a substituio deirmandades por movimentos clericais, tais como Apostolado da Orao,

    12 C. MESTERS, Por trs das palavras, Petrpolis: Vozes, 41980; ID., Flor sem defesa,Petrpolis: Vozes, 1983.13 D. Romualdo A. de Seixas, arcebispo da Bahia; D. Vioso, bispo de Mariana; D. AntonioJ. de Melo, bispo de So Paulo; D. Macedo Costa, bispo do Par.

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    Congregao Mariana, Filhas de Maria e Cruzada Eucarstica. Em termospolticos, firma-se a independncia da Igreja em face do Estado, sem dei-xar, porm, de querer manter sua influncia sobre ele.

    Conta-se que quando da cerimnia da inaugurao do Cristo Redentor, nodia 12 de outubro de 1931, o cardeal Leme, ao lado do Presidente GetlioVargas, lhe sussurrara: Presidente, o Governo deve estar do lado do povoe mostrava-lhe os catlicos presentes cerimnia.

    Apesar da separao entre Igreja e Estado, as camadas religiosas profun-das afloram no povo e os polticos aproveitam para fins eleitoreiros. Asvisitas ao Brasil de Joo Paulo II e, mais recentemente, de Bento XVI,sinalizam ainda o conbio entre as esferas. Embora no discurso se mante-nham as autonomias, no imaginrio social as instncias se misturam.

    Ambigidade da tridentinizao

    O catolicismo tridentino convive com a ambigidade da profunda religio-sidade popular leiga ao lado de ondas clericalizantes por parte da Igrejainstitucional, sem falar de j antigos traos anticlericais e anti-religiosos decertos ambientes predominantemente masculinos: o positivismo no exrci-to, a maonaria, profissionais liberais tocados pelo iluminismo. J se assi-nalavam os primeiros choques entre a f tradicional e o avano damodernidade das cincias, das profisses e das instituies civis.

    III. As guas escondidas do messianismo mgico

    Em outro registro interpretativo, banham a cultura popular do Brasil comrepercusses na religio as guas profundas do messianismo mgico. Tra-o do perfil do brasileiro. Atinge desde o quadro poltico at o esportepassando pelo religioso.

    No mundo poltico

    A histria e a literatura consagraram os caudilhos, os coronis, os pais daPtria. Cientistas polticos se referem ao populismo pelo fato de se trans-ferir para as massas a ao poltica em vez do uso das instituies demo-crticas mediadoras. E articula na prtica poltica o contacto direto entremassa e lderes carismticos que se vestem de toque messinico e mgico.Eles recorrem emoo e ao toque religioso, se no acontece de modoexplcito, ao menos subjaz como fora motivante inconsciente.

    No Brasil poltico, o presidente Getlio Vargas encarnou tal figura, ao pairarpor cima das tramas das elites na conscincia popular. Mesmo mais de 50

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    anos depois de sua morte, polticos ressuscitam-lhe a memria para encarreirarenergias populares na prpria direo, tal a fora motivadora e mtica.

    No campo religioso

    No campo (poltico-)religioso, Antnio Conselheiro representou momentoalto do messianismo brasileiro. Rene em si mesmo as condies de ldercarismtico e messinico. Possua qualidades espirituais, msticas, de aus-teridade e religiosidade, de conselho e fora moral. Pregava e instauravareino de igualdade, justia nesta terra com apoio em passagens bblicas. Eisso o conseguia porque exercia profundo impacto libertador sobre o povosofrido pela situao social de explorao. Pessoa, mensagem e pblicosequioso de ouvi-lo criaram o caldo poltico-religioso do movimento ques terminou ao ser destrudo pela fora bruta do exrcito.

    Tal trao mstico messinico, latente e presente no povo, aflorou e aindaaflora at hoje na cultura popular religiosa. A lista dos nomes iria longe:Padre Ccero, os Santarres do Rio Grande do Sul, Monge Joo Maria eJos Maria do Contestado, Beato Jos Loureno, Pedro Batista, o movimen-to dos Mucker, Frei Damio etc.14

    Refletem tal aspecto da religiosidade brasileira devoes que carregamtraos mgicos: a S. Judas Tadeu, a Santo Expedito, a Santa Edwiges etc.E o rito mais comum se expressa no acender velas. Simbolismo que expri-me a gratido pela graa alcanada ou pedido de graa. A fora fsica dogesto de acend-la move os cus.

    At em espaos influenciados pela teologia da libertao, que, em dadosmomentos, se mostrou resistente viso messinica mgica, cantam-se letrasque ressudam utopia e messianismo. guisa de exemplo, veja o cnticoUtopia de Z Vicente, muito conhecido no mundo popular das CEBs.

    UtopiaZ Vicente

    Quando o dia da paz renascer,Quando o Sol da esperana brilhar,eu vou cantar.

    Quando o povo nas ruas sorrir,e a roseira de novo florir,eu vou cantar.

    14 M.I. PEREIRA DE QUEIROZ, O messianismo no Brasil e no mundo, So Paulo: Alfa-Omega, 21976.

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    Quando as cercas carem do cho,Quando as mesas se encherem de po,eu vou cantar.

    Quando os muros que cercam os jardins,destrudos, entoos jasmins vo perfumar.

    Vai ser to bonito se ouvir a cano, cantada, de novoNo olhar da gente de irmos, reinado do povo. (2x)

    Quando as armas da destruio, destrudas em cada nao euvou sonhar, e o decreto que encerra a opresso,assinado s no corao vai triunfar.

    Quando a voz da verdade se ouvire a mentira no mais existir,ser enfim,tempo novo de eterna justia,sem mais dio, sem sangue ou cobiavai ser assim.

    Vai ser to bonito se ouvir a cano, cantada, de novoNo olhar da gente de irmos, reinado do povo. (2x)

    No espao secular

    Sob forma secularizada, a mentalidade mtica sonhadora do povo aparecena paixo pela loteria. Num toque de mgica numrica, algum imaginaque ganhar o bolo da loteria. Sai instantaneamente da misria para ariqueza por simples jogada de azar. Nos jogos de futebol, o torcedor naspiores contingncias imagina que algum jogador conseguir na ltima horaresolver o jogo com alguma artimanha de habilidade. No fundo, a mesmamentalidade de que se resolvem os problemas por encantamentos superiores.

    O mundo poltico com os lderes, a religio com personagens carismticos,os jogos com resultados milagrosos configuram cultura brasileira mgica emessinica. Forjou-se a expresso popular: dar um jeitinho. Espera-se umjeitinho de ltima hora que vem resolver o impasse. Substrato profundo dapsicologia do brasileiro, sobre o qual a religio constri ritos e devoes.

    IV. O embate das ondas do Vaticano II: o encontrocom a secularidade

    A piedade brasileira deitava-se no bero esplndido da religiosidade po-pular com toques tridentinos e substratos messinicos mgicos. Eis que a

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    agita o abalo ssmico do Conclio Vaticano II. Por ele, entra no substratotradicional dominante a torrente devastadora da secularidade moderna.

    Conclio Vaticano II e a modernidade secular

    Maior transformao do catolicismo nos ltimos tempos. A teologia e a pr-tica pastoral do Conclio Vaticano II introduzem na Igreja pelas portas oficiaise protegidas pela autoridade mxima eclesial a subjetividade, a autonomiado sujeito, a valorizao da experincia existencial, a historicidade da verda-de, a nova imagem do mundo definida pelas cincias ps-galileanas at oevolucionismo teilhardiano, a prxis transformadora da realidade.

    Laicizao das instituies e secularizao da Religio

    No interior da religio, impe-se a laicizao das instituies polticas e civisque se emancipam da tutela da religio. Esta perde a influncia pblica,passando de um papel social fundador e norteador da sociedade para aesfera privada. Decreta-se o fim da religio como funo social pblica. Deixade suscitar dinamismo fundador, integrador e organizador do estar-em-co-mum, de viver no mundo em simbiose com a natureza e com o Transcenden-te, recorrendo a passado imemorial e imutvel assegurado por ritos.

    Em conseqncia, afirma-se a autonomia das diferentes esferas da ativida-de humana diante das normas prescritas pelas instituies religiosas e detoda referncia a uma grande transcendncia suposta governar a vida doshomens. Alm disso, a freqncia religiosa baixa grandemente no seio dasreligies institucionalizadas em benefcio de prticas religiosas escolhidaspelos indivduos. Processa-se crescente secularizao no sentido do deslo-camento do interesse por este mundo, por realidades imanentes e terres-tres em detrimento das preocupaes sobrenaturais. Avana o processo dedessacralizao do mundo, ao deixar de ser palco de intervenes de entessobrenaturais para cair sob a ocular das cincias.

    A ex-culturao

    Sob o aspecto objetivo, as sociedades modernas deixaram de pagar alfn-dega s religies. Em termos subjetivos, tal fenmeno significou relevantereviravolta de mentalidade ligada virada civilizacional. Talvez no setenha processado na Amrica Latina o que D. Hervieu-Lger chamou deex-culturao, ao referir-se Frana por causa do abalo sofrido at pelasestruturas culturais no religiosas formadas pelo catolicismo em razo dastransformaes da sociedade e da cultura15.

    No entanto, no Brasil j se inicia a perda da afinidade eletiva entre acultura dominante e a tradicional cultura catlica. As convergncias inter-

    15 D. HERVIEU-LGER, Catholicisme, la Fin d'un Monde, op. cit., 90-7.

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    nas e as complementaridades, prprias da afinidade, tendem a desaparecer16.Em parte, vem da anterior quase identificao da cultura catlica com a ruralque est a ser corroda pela urbanizao e industrializao crescentes. Acidade desfaz a espacializao do religioso que caracterizava a conceporeligiosa catlica rural. Desloca o espao fsico para os interesses subjetivoscom a conseqente subjetivizao da religio. Nada to hostil religio ca-tlica que a valorizao extremada da subjetividade e da relatividade. Bastaver os torpedos pontifcios contra a ditadura do relativismo.

    Alm do mais, j se nota falha na cadeia familiar de transmisso da me-mria catlica tanto pela ignorncia religiosa dos pais quanto pelodesfazimento da estrutura familiar com tantas separaes matrimoniais. Acultura catlica se torna alheia a muitos valores que se impem na socie-dade e cultura: hedonismo, consumismo, narcisismo, individualismo exa-cerbado, competitividade, centralidade absoluta do mercado,competitividade sem misericrdia, ideologia do resultado, utilitarismo etc.Os fios da cultura catlica, que teceram a cultura brasileira, esto a rom-per-se de modo que ambas se estranham cada vez mais.

    Efeitos deletrios para a cultura catlica do processo secularizante, absorvidopelo Conclio Vaticano II, manifestaram-se na diminuio considervel dafreqncia igreja, na vulnerabilidade aos ataques religiosos de outras con-fisses, nas sucessivas decomposies e recomposies das expresses de f,no crescimento do ndice de dvidas com concomitante perda de seguranas,no desmonte do horizonte religioso tradicional pr-moderno e pr-cientficoetc. No entanto, trouxe aspectos positivos de purificar e aprofundar a com-preenso da f, de libertar a liberdade, de favorecer compromissos consci-entes e assumidos, de conduzir participao na comunidade etc.

    Medelln: recepo do Vaticano II na Amrica Latina

    Em termos de Amrica Latina, o Conclio Vaticano II provocou recepooriginal, consubstanciada em Medelln. Deu-lhe vis social, libertador, quea Europa no conheceu, por viver outras condies de desenvolvimento dops-guerra sombra do milagre econmico, sobretudo sob a forma daEconomia Social de Mercado, implantada na Alemanha de K. Adenauer eL. Erhard.

    A onda social libertadora afetou o conjunto da Igreja do Brasil. Levou-a aperceber os engodos ideolgicos do desenvolvimentismo, abrindo-a para ateoria da dependncia e da libertao. O ponto maior da novidade acon-teceu em relao leitura e compreenso da Escritura. At ento o acessodireto Palavra de Deus se restringia ao clero e a leigos ilustrados. O povo

    16 J.A. DE PAULA, Afinidades eletivas e pensamento econmico: 1870-1914, Kriterion46 (2005/n.111) 70-90.

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    comia das migalhas que caam da mesa clerical nas celebraes. Colocou-se a Bblia nas mos do povo. Criou-se-lhe lugar de leitura: os crculosbblicos. Deu-se-lhe mtodo para faz-lo, inserindo o texto bblico no con-texto da comunidade de f e no pr-texto social.

    A liturgia j vinha sendo modificada desde o Pontificado de Pio XII com arestaurao da Semana Santa, com a abolio do jejum eucarstico. Ela sofreuno Brasil verdadeira revoluo em dois nveis. Seguiu as pegadas europiasda renovao ilustrada na concepo de mistrio, nos ritos, nos textos, nonvel de participao. Alis, j vinha sendo conduzida, antes mesmo doConclio Vaticano II, por obra do movimento litrgico e da presena atuanteda Ao Catlica, sob a orientao abalizada dos beneditinos.

    L no meio do povo se processava a maior novidade. Convergiam trsfluxos para a mesma foz. Leitura popular e militante da Escritura, Comu-nidades eclesiais de base e renovao litrgica. A liberdade hermenuticae criativa em face da Escritura, lida nas comunidades de base, se ramificouem celebraes litrgicas de rara beleza. Vinha-se de encontro falta declero para as liturgias eucarsticas. L onde no chegava o sacerdote, acomunidade inventava as liturgias com ministros ou delegados da Palavra.Os Encontros Intereclesiais de CEBs, realizados periodicamente no Brasil,exibiram maravilhosas liturgias populares. As CEBs tm sido o bero fe-cundo da nova leitura bblica e da liturgia viva. Na verso votada e apro-vada pelos Bispos em Aparecida, antes da poda posterior do texto oficial,lia-se esse belo pargrafo, que resume bem a relevncia das CEBs na Igrejada libertao. Medelln reconheceu nelas uma clula inicial de estruturaoeclesial e foco de evangelizao. Arraigadas no corao do mundo, soespaos privilegiados para a vivncia comunitria da f, mananciais defraternidade e de solidariedade, alternativa sociedade atual fundada noegosmo e na competio desapiedada17.

    A Igreja da libertao espraiou-se ainda por outros campos. Gestou a te-ologia da libertao, primeira teologia autctone do Continente latino-americano. Sobre ela j se derramou muita tinta, explicando-a, defenden-do-a ou atacando-a. Segue, porm, atuante no Continente.

    Inspirada por Paulo Freire, viu luz a pedagogia libertadora sob o eptetode prtica para a liberdade e pedagogia do oprimido18. Muitos colgi-os catlicos embarcaram nessa aventura at o dia de hoje, ensaiando outraprtica pedaggica diferente da educao bancria.

    Floresceu a Vida Consagrada inserida nos meios populares. Abalou estru-turas ancestrais das congregaes, insuflando-lhes ar novo em atmosferascarregadas e viciadas. Sofreu naturalmente incompreenso e rejeio. As

    17 Quarta verso, no oficial, n. 193.18 P. FREIRE, Educao como prtica da liberdade, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 131982;ID., Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 21975.

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    Conferncias dos Religiosos, tanto em nvel latino-americano (CLAR), comonacional, fomentaram, alimentaram e deram cobertura institucional a talexperincia de insero.

    Finalmente, caracterizou a Igreja da libertao o compromisso social. Con-sagrou-se a expresso opo pelos pobres. Apesar das inmeras vicissi-tudes e contnuas adjetivaes, a opo pelos pobres manteve-se na pri-meira linha da vida eclesial. Recentemente a V Conferncia de Aparecidaa mantm, sobretudo depois do discurso inaugural de Bento XVI em queele afirmou de maneira rotunda: a opo preferencial pelos pobres estimplcita na f cristolgica naquele Deus que se fez pobre por ns, paraenriquecer-nos com sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9)19.

    V. O emergir das guas em todos os cantos

    Neoconservadorismo

    Terminado o Conclio Vaticano II e iniciada a generosa implantao desuas orientaes, julgvamos que navegaramos em mar de almirante. Ledailuso. Levantaram-se tempestades de vrios lados. Do Norte conservador,o neoconservadorismo relampagueou, fulminando o caminhar da Igrejaem mudana com o raio do cisma lefebvriano. Os ltimos desdobramentosde tal crise se manifestaram recentemente com o motu proprio SummorumPontificum de Bento XVI sobre a Liturgia romana anterior reforma de1970, dado a 7 de julho de 2007. Para responder ao pedido de fiis afeitosao rito anterior reforma de 1970, depois que Joo Paulo II j tinha abertopossibilidades de uso do missal romano de Pio V na verso reeditada porJoo XXIII em 1962, Bento XVI decretou que ele goza de expresso extra-ordinria da Lei de rezar da Igreja.

    Ainda que existente no Brasil, a onda neoconservadora radical reduz-se apequenos setores. O neoconservadorismo manifesta-se sob outras formas:clericalismo e autoritarismo, surpreendemente por parte de sacerdotes jo-vens e seminaristas, o enrijecimento de algumas estruturas eclesisticas, aescolha de bispos afinados com o centralismo romano, a volta de trajesclericais, certo formalismo litrgico etc.

    Religiosidade em geral e nas elites

    No entanto, a novidade vem de outro rinco. No se secaram as religiespela secularizao, mas antes se inundaram de crenas religiosas. M.Gauchet considera que um fim completo da religio possvel. Mas em

    19 Palavras do Papa Bento XVI no Brasil, So Paulo: Paulinas, 2007, 111.

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    seguida acrescenta: isso no significa que o religioso deva cessar de falaraos indivduos. [] Ela (a experincia religiosa subjetiva) no tem neces-sidade de projetar-se em representaes fixas, articuladas num corpo dedoutrina e socialmente partilhadas na prtica. [] Pode muito bem acon-tecer de investir alhures. [] Mesmo encerrando definitivamente a era dasreligies devemos persuadir-nos de que entre religiosidade privada esubstitutivos da experincia religiosa nunca acabaremos com o religioso.[] A continuidade no registro da experincia ntima (religiosa) no ces-sou de nos reservar surpresas20.

    Atribui-se pos-modernidade ou hipermodernidade o surto exacerbadode subjetividade que no campo religioso se manifesta pela proliferao decrenas, de espantosa revivescncia do sagrado. As pessoas selecionam asque lhes agradam e as adotam. A religio torna-se relevante na vida socialsob outro vis. No dita as normas e comportamentos. Em princpio, associedades se julgam emancipadas da tutela englobante dos grandes cdi-gos de sentido, impostos pelas instituies religiosas. Os indivduos produ-zem sistemas de significao para dar consistncia prpria existncia. Ehaurem elementos nas religies que lhes oferecem, alm do mais, consoloe alvio para as tribulaes do corao. E essas pululam.

    No momento atual, vive-se no Brasil e alhures tambm, acentuadodebilitamento da poltica e do poltico. Responde bem a essa situao areflexo que P. Valadier fez recentemente em que contrape fraqueza dopoltico a fora do religioso. Ele mesmo especifica o significado de talassero. No se trata de retorno, vingana ou reconquista do religioso,mas de atualidade, pertinncia, acuidade das questes postas pelo religi-oso e teolgico ao poltico. So questes de todos os tempos21.

    Em face da efervescncia religiosa, a reao dos catlicos entre ns se dem dois nveis bem distintos. As camadas ilustradas defrontam-se especi-almente com as religies orientais, quer vindas diretamente do Orientequer por meio dos EUA. Ora aderem-lhes novidade antiga, ora buscamestabelecer com elas dilogo inter-religioso. Grupos houve que criaramnovas religies que lanam razes na cultura indgena primeva Inca. Her-daram a tradio da bebida cerimonial Ayahuasca, ao lado de elementosda cultura africana e catlica, como O Santo Daime e A Unio do Vegetal,freqentados por classes letradas da Sociedade.

    Existe certo gosto pelo extico, to caracterstico da ps-modernidade. Nofaltam os que se dedicam ao simples estudo acadmico delas. E nesse afde curiosidade cientfica envolvem tambm as religies afrobrasileiras.

    20 M. GAUCHET, Le dsenchantement du monde: Une histoire politique de la religion,Paris: Gallimard, 1985, 292s.21 P. VALADIER, Dtresse du Politique, Force du Religieux. Paris: Du Seuil, 2007.

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    Religiosidade no meio popular

    No meio popular, o fenmeno se visibiliza na exploso e crescimento dasigrejas evanglicas. Nem se precisa recorrer s estatsticas. Elas crescem aolho nu. Os nmeros impressionam. Entre 1991 e 2000, a porcentagem decatlicos caiu de 83,3% para 73,9%, a dos evanglicos cresceu de 9% para15,6% e a dos sem religio subiu de 4,7% para 7,4%22. E no interior dasigrejas evanglicas os fiis transitam facilmente de uma para outra. Ana-listas apontam as igrejas evanglicas neopentecostais, verdadeiras portasde entrada para egressos da Igreja catlica ou da Reforma, como porta desada da f crist para a irreligio. Vale, sob certo sentido, a reflexo de M.Gauchet sobre o Cristianismo como porta de sada da religio. Sada dareligio no significa sada da crena religiosa, mas sada de um mundoem que a religio estruturante, onde ela comanda a forma poltica dassociedades e onde ele define a economia do lao social23.

    O xodo dos catlicos para as igrejas neopentecostais se explica tanto pelasdeficincias da Igreja catlica quanto pela eficincia organizativa eproselitista dos neopentecostais. A deficincia maior no mundo catlico seorigina da concepo ministerial, reservando o pastoreio unicamente a ho-mens celibatrios, submetidos a longo tirocnio preparativo. Os ministriosleigos apenas funcionam por falta de aceitao dos prprios fiis e por causada resistncia do clero. Por sua vez, nas igrejas neopentecostais multiplicam-se em abundncia os pastores que personalizam a atividade de contacto comos membros das comunidades, acolhendo-os quase individualmente.

    Depois do Vaticano II, a Igreja catlica afastou-se de catequese que explorasseo substrato religioso mgico do povo. Os pentecostais, por sua vez, saltarampara dentro desse vazio e enchem-no ao mximo, especialmente no referente atuao do demnio e da conseqente prtica do exorcismo, alm da forade Cristo em fazer milagres em prol dos que nele crem. Demnio e milagrestransformaram-se em dois pilares da nova religiosidade neopentecostal24. Ofato evidencia que existe ainda muito mais forte que se imagina, nas camadaspopulares, o imaginrio religioso mgico e mtico. E nele se inserem as pre-gaes dos pastores, ressoando no corao dos ex-catlicos.

    Somam-se tambm razes de carter social. Muitos membros dessas igre-jas, antes de pertenceram a elas, perdiam-se no anonimato das megalpoles,padeciam pobreza ou mesmo misria, ningum os reconhecia na dignida-de de pessoa humana. Verdadeiro zero esquerda. Convertem-se paraCristo, ao ingressarem na nova Igreja. L experimentam melhora de vidaeconmica, pois poupam gastos com bebidas e outros vcios. Os pastores

    22 A. ANTONIAZZI, Por que o panorama religioso no Brasil mudou tanto?, So Paulo:Paulus, 2004, 9.23 M. GAUCHET, La Religion dans la dmocratie: Parcours de la lacit, Paris: Gallimard,1998, 11.24 Cf. A. SANTOS OLIVA, A histria do Diabo no Brasil, So Paulo: Fonte Editorial, 2007.

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    fazem-nos ver isso como graa de Deus pelos dzimos oferecidos. Sentem-senominalmente reconhecidos ao pisarem o solo do templo. L falam, rezam,cantam, gritam, desinibem-se. Descobrem a dignidade humana. Modificam-se at na maneira de vestir e andar, ostentando o valor de ser pessoa.

    Acontece muita iluso e explorao no seio de tais igrejas. No entanto,muitos readquirem nelas a dignidade, transformando-se em outras pesso-as. Da traduzirem tal experincia como converso pelo poder de Cristo,enquanto na Igreja catlica viviam a rotina diria sem dignidade. Nopoucos percebem, alm do mais, que problemas imediatos da vida se re-solvem: doena, desemprego, penria econmica etc.

    Em nvel de autocrtica, setores da Igreja se penitenciam de falha na rela-o com as camadas mais pobres da Sociedade. Os pobres mais pobres nose encontram nas CEBs, mas nas igrejas neopentecostais. A famosa Igrejados pobres nunca se instalou no meio dos segmentos muito pobres, sendoesse ocupado pelos evanglicos. Falha na concretizao da opo pelospobres? Ou a politizao de tal discurso afastou as pessoas possuidoras dehorizonte religioso tradicional?

    Apesar do crescimento triunfante de tais Igrejas, porm, quando elas fa-lham e decepcionam, os fiis abandonam definitivamente qualquer outrareligio. Queimou-se o ltimo cartucho da esperana de sair de situaesde calamidades em que muitos vivem.

    Religiosidade difusa miditica globalizada

    Instaura-se ps-modernidade festiva globalizada. A religio enxerta-se adentro e difunde-se em todas as camadas sociais, embora com repercus-ses diferentes. Aos poucos a esfera da palavra, ainda to fortementeexplorada pelos pregadores e lanada aos ares pelas rdios, desloca-separa o universo da imagem, veiculada pela mdia. A se trava a batalha dofuturo religioso. No fogo do tiroteio, o ser humano padece de dolorosodescentramento.

    Em quatro grandes momentos, arrancou-se o homem do centro. Habitavaa terra no imaginrio geocntrico que a via no centro do cosmos. A revo-luo coprnico-galileana descentrou a terra e com ela o ser humano. Reida criao, saiu puro e belo das mos de Deus. Darwin roubou-lhe talgrandeza e inseriu-o na dinastia dos Australopithecus. Senhor de si, daprpria liberdade. Freud fere-lhe a autonomia desimpedida, amarrando-oao Id e Superego. E, finalmente, a ltima onda arranca-o do tempo e doespao: a cibercultura25. Entra no vocabulrio dirio a des-territorialidadee des-temporalidade. Vive-se on line.

    25 J.A. MOURO, Comunicao e Religio: o fantasma de uma oportunidade, in http://www.triplov.com/semas/jose_augusto/comunica.html >, disponvel em agosto de 2007; P.LVY, Cibercultura, So Paulo: Editora 34, 1999.

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    A globalizao virtual, miditica, ciberntica est a gerar reaesagorafbicas. As pessoas perdem-se em imenso espao e temem a solidono meio da multido virtual. Fecham-se em busca de tribos, racismo,fundamentalismo.

    A globalizao produz suculento coquetel de consumo, prazer, libido,narcisismo, visibilidade esttica. A dentro se movem novas espiritualidades,especialmente ligadas com a ecologia. Para alm dos aspectos tecnolgicos,polticos, sociais, ticos, antropolgicos, cultiva-se a ecologia espiritual.Descobre-se a sacralidade da natureza. Cultiva-se a mstica csmica. Emtermos cristos, em vez do pantesmo, defende-se o pan-en-tesmo. Noprimeiro tudo seria tudo. No segundo, Deus se faz presente em tudo26.

    Exploso carismtica catlica e novos movimentos eclesiais

    Merece breve palavra de reconhecimento a forte presena no Brasil daRenovao Carismtica Catlica, de movimentos eclesiais mundiais e na-cionais, de comunidades pneumticas menores, institudas por iniciativasde lderes do Pas. Pululam centenas desse tipo de expresses comunitri-as. Fenmeno impressionante pela vitalidade, criatividade e originalidade.

    Para muitas das novas comunidades, a Renovao Carismtica Catlicatem funcionado como hmus em que elas nascem e depois assumem ca-minho prprio. Domina clima de liberdade, criatividade, apelando para aexperincia do Esprito Santo. Outros movimentos e comunidades j seestruturam de maneira cannica, jurdica at com certa rigidez.

    Vm j de longa data. Alguns dos movimentos eclesiais datam antes da 2Guerra Mundial e outros viram luz em tempos recentes. Uns adquiriramporte internacional com organizao solidificada. O crescimento e impor-tncia firmaram-se durante o Pontificado de Joo Paulo II quando recebe-ram ntido apoio e incentivo.

    Alguns trazem proposta de nova Vida Consagrada, no sem tenso com astradicionais Congregaes e Ordens religiosas. Adquirem crescente pre-sena e fora no interior da Igreja. E algo de bem novo est a acontecer.Movimentos leigos desenvolvem espiritualidades que bispos, padres ereligiosos seguem. Inverte-se o tradicional percurso.

    Em Aparecida se sentiu certa polarizao entre as pastorais e os novosmovimentos. E tambm se percebeu certo embaralhamento entre as novascomunidades e comunidades eclesiais de base como se fosse o mesmofenmeno.

    26 L. BOFF, Ecologia, mundializao, espiritualidade: A emergncia de um novo paradigma,So Paulo: tica, 1993.

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    VI. A ltima onda: Aparecida lana a grande misso

    A V Conferncia Geral do Episcopado da Amrica Latina anuncia novomomento da vivncia religiosa no Continente. Nem todo anncio se con-cretiza, mas j significa algo. O tempo dir at onde os sonhos se realiza-ro. A direo j est indicada.

    Parte-se do quadro da realidade do xodo de catlicos para outras deno-minaes evanglicas e para o vazio sem religio. Ao citar o Papa, o Do-cumento Final de Aparecida confirma o fato de que se percebe umcerto enfraquecimento da vida crist no conjunto da sociedade e da pr-pria pertena Igreja Catlica27.

    Lanou-se ento duplo olhar: para os fiis catlicos e para o mundo. Emrelao aos fiis, props-se propiciar-lhes encontro pessoal com Jesus. Es-pera-se que eles se entusiasmem da pessoa de Jesus, fonte de vida, seconvertam, o sigam e se lancem em misso. Ao provocar neles novo entu-siasmo de ser catlico, encarreira-se tal el na direo de iniciar GrandeMisso Continental.

    Analisa-se o Continente sob a tica do desejo do encontro com Cristo. Nose pensa a Misso a modo de conquista proselitista, mas como oferta daverdade em Cristo. Novo fervor e vigor acendido surgiro de tal arrancadaem direo aos que saram da Igreja ou nunca lhe pertenceram. A palavrade Ordem: sair das fronteiras para o encontro com os irmos egressos edesconhecidos. A verdade de Cristo os conquistar pela palavra e pelotestemunho dos catlicos convertidos e animados pelo encontro pessoalcom Cristo.

    Todo projeto grandioso corre o risco do fracasso. Cabe perceber os pontosvulnerveis a fim de evit-los ou remedi-los a tempo. Vivemos verdadei-ra mudana de poca. O desejo de transformar a realidade no passaunicamente pela vontade e deciso. Na Igreja catlica, remoras pesadasatam a instituio, ao impedir-lhe voar, especialmente no campo do minis-trio, do centralismo jurdico, no esprito ainda fortemente clerical.

    A ltima onda de Aparecida mover a Igreja para novos e belos horizontes medida que ela se aliviar de cargas ancestrais que ancoram na fixidezdas margens. A leveza do momento espiritual ps-moderno pede ligeirezainstitucional. E no momento no sopra tal brisa do lado do mar catlicosobre o Continente ressequido de duros sofrimentos.

    27 V Conferncia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Aparecida, 13-31 deMaio de 2007. Documento Final, So Paulo: Paulus, 2007, n. 100.

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    Concluso

    O catolicismo brasileiro de tantas guas corre o risco de secar-se por faltade lucidez e coragem proftica. Lucidez para sondar o movimento dasondas. Originam de mares muito diversos, embora se misturem em dadosmomentos. guas h que vm de lenis profundos. L chegaram porsculos de penetrao no solo. Perdem visibilidade pela fora da seculari-zao, mas nem por isso se ressequiram. As guas romanas se avolumam.Comearam a inundar-nos desde o incio da evangelizao por obra dosjesutas. Mas ento escassas. Do sculo XIX e mais recentemente desde aera piana e de Joo Paulo II entumecem, ameaando a originalidade latino-americana. Bateram-lhe durante poucas dcadas, mas de modo vigoroso,as guas novas do Conclio Vaticano II. E o Continente soube canaliz-lasna linha da libertao. Represadas, porm, pela persistente e vitoriosacorrente romana, explodem em inundao avassaladora pelas viasneopentecostais.

    A estamos. Muitas guas religiosas. Tudo, menos a secura secularista nomundo popular dos indivduos. As religies institucionais no as contro-lam. Transbordam de suas margens, espraiando-se pelos vales dos cora-es sofridos em busca de soluo de problemas imediatos ou de sentidopara a secura do sistema das concorrncias e competncias.

    Joo Batista Libanio SJ, doutor em Teologia pela Pontifcia Universidade Gregoriana(Roma, 1968), professor da Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia (FAJE), em BeloHorizonte. fundador e membro da SOTER (Sociedade de Teologia e Cincias da Reli-gio), e Vigrio Paroquial da Parquia de Nossa Senhora de Lourdes (Vespasiano). Obrasde publicao recente: Teologia da Revelao a partir da modernidade, 5 ed., So Paulo:Loyola, 2005; Eu Creio Ns Cremos: Tratado da F, 2 ed., So Paulo: Loyola, 2004;As lgicas da cidade, o impacto sobre a f e sob o impacto da f, So Paulo: Loyola, 2001;A arte de formar-se, 4 ed., So Paulo: Loyola, 2004; Introduo vida intelectual, 3 ed.,So Paulo: Loyola, 2006; A religio no incio do milnio, So Paulo: Loyola, 2002; Olhan-do para o futuro: Perspectivas teolgicas e pastorais do Cristianismo na Amrica Latina,So Paulo: Loyola, 2003; Gustavo Gutirrez, So Paulo: Loyola, 2004; Jovens em tempode ps-modernidade: Consideraes socioculturais e pastorais, So Paulo: Loyola, 2004;Como saborear a celebrao eucarstica?, 2 ed., So Paulo: Paulus, 2005; Qual o caminhoentre o crer e amar?, 2 ed., So Paulo: Paulus, 2005; Conclio Vaticano II: Em busca deuma primeira compreenso, So Paulo: Loyola, 2005; Qual o futuro do Cristianismo?, SoPaulo, Paulus: 2006; Conferncias Gerais do Episcopado latino-americano do Rio deJaneiro a Aparecida, So Paulo: Paulus, 2007.

    Endereo: Av. Dr. Cristiano Guimares, 212731720-300 Belo Horizonte MGe-mail: [email protected]