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HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA I

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA

CONTEMPORÂNEA I

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CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA – EAD

História da Filosofia Contemporânea I – Prof. Dr. Stefan Vassilev Krastanov, Prof. Ms. Luis Fernando Crespo e Prof. Ms. Osmair Severino Botelho.

Stefan Vassilev Krastanov é autor do livro Nietzsche: pathos artístico versus consciência moral. É professor adjunto de filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Possui doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Além disso, é graduado, pós-graduado e mestre em Filosofia pela Universidade de Sofia, na Bulgária. Desde o ano de 2002, atua como professor universitário, principalmente nas áreas da História da Filosofia, Estética e

Metafísica, além de ser autor de vários materiais para cursos de graduação na modalidade EaD.

E-mail: [email protected]

Meu nome é Luís Fernando Crespo. Sou doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, possuo graduação em Filosofia (Bacharelado) e mestrado em Filosofia (Ética), por essa mesma universidade. Tenho experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: lógica, ética, estética, sociedade e ciência. Tenho experiência, também, na educação presencial e a distância (além de vasta experiência no ensino de Filosofia para o Ensino Fundamental e Ensino Médio).

Meu nome é Osmair Severino Botelho, sou mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cuja dissertação Eros: a outra face da dialética platônica discute a formação do filósofo a partir da dialética erótica exposta no diálogo O banquete de Platão. Tenho, também, especialização em filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Sou licenciado em Filosofia, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, campus de Toledo – e em História, pelo Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto, SP. Como professor, atuo nas áreas de História da Filosofia, Filosofia da Educação e Teoria do Conhecimento. No Centro Universitário Claretiano, leciono História da Filosofia e Filosofia da Educação

nos cursos de Filosofia e Pedagogia. Estou na instituição desde 1992.E-mail: [email protected]

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA

CONTEMPORÂNEA I

Prof. Dr. Stefan Vasilev Krastanov

Prof. Ms. Luís Fernando Crespo

Prof. Ms. Osmair Severino Botelho

Plano de EnsinoCaderno de Referência de Conteúdo

Caderno de Atividades e Interatividades

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© Ação Educacional Claretiana, 2008 – Batatais (SP)Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP)

Curso: Licenciatura em Filosofia Disciplina: História da Filosofia Contemporânea I

Versão: fev./2013

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor PivaVice-Reitor: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti

Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir BotteonPró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti

Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Ms. Artieres Estevão RomeiroCoordenador do Curso de Licenciatura em Filosofia: Prof. Ms. Edson Renato Nardi

Material Didático Mediacional: J. Alves

Corpo Técnico Editorial do Material Didático MediacionalPreparação

Aline de Fátima GuedesCamila Maria Nardi Matos

Carolina de Andrade BavieraCátia Aparecida Ribeiro

Dandara Louise Vieira MatavelliElaine Aparecida de Lima Moraes

Josiane Marchiori MartinsLidiane Maria MagaliniLuciana A. Mani Adami

Luciana dos Santos Sançana de MeloPatrícia Alves Veronez Montera

Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli

Simone Rodrigues de OliveiraViviane Fernanda Zanotin

RevisãoFelipe AleixoMarcela Fonseca FerreiraRodrigo Ferreira DaverniTalita Cristina BartolomeuVanessa Vergani Machado

Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira AzevedoJoice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa FerrãoLuis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de OliveiraRenato de Oliveira ViolinTamires Botta Murakami de SouzaWagner Segato dos Santos

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Centro Universitário Claretiano Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000

[email protected]: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006

www.claretiano.edu.br

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SUMÁRIO

PLAno De enSino

1 APRESENTAçãO ................................................................................................ 72 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA ....................................................................... 83 CONSIDERAçõES GERAIS ................................................................................ 94 BIBLIOGRAFIA BáSICA ..................................................................................... 105 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR .................................................................... 10

CADERNO DE REFERêNCIA DE CONTEúDO

1 INTRODUçãO ................................................................................................... 132 ORIENTAçõES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA ............................................ 153 REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS ...................................................................... 38

UnidAdE 1 – ILUMINISMO: DOS PRIMóRDIOS A VOLTAIRE E MONTESqUIEI

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 392 CONTEúDOS ..................................................................................................... 403 ORIENTAçõES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 404 INTRODUçãO à UNIDADE ............................................................................... 425 DEFINIçõES, CARACTERíSTICAS E TEMáTICAS .............................................. 426 ILUMINISMO INGLêS ....................................................................................... 467 ILUMINISMO FRANCêS .................................................................................... 518 qUESTõES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 779 CONSIDERAçõES ............................................................................................. 8010 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 8111 REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS ...................................................................... 82

UnidAdE 2 – ROUSSEAU E A AUFkLäRUNG

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 832 CONTEúDOS ..................................................................................................... 833 ORIENTAçõES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 844 INTRODUçãO à UNIDADE ............................................................................... 845 JEAn-JACqUES RoUSSEAU (1712-1778).......................................................... 856 ILUMINISMO ALEMãO: O Aufklärung OU ESCLARECIMENTO ................ 987 qUESTõES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 1158 CONSIDERAçõES .............................................................................................. 1189 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 11910 REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS ...................................................................... 119

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UnidAdE 3 – A FILOSOFIA CRíTICA DE IMMANUEL kANT

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1212 CONTEúDOS ..................................................................................................... 1213 ORIENTAçõES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1224 INTRODUçãO à UNIDADE ............................................................................... 1235 VIDA E OBRA ..................................................................................................... 1246 O ITINERáRIO FILOSóFICO DE kANT .............................................................. 1287 A CRíTICA DA RAZãO PURA ............................................................................. 1328 ALGUNS ELEMENTOS DA ÉTICA kATIANA: críticA dA rAzão práticA .. 1579 qUESTõES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 16410 CONSIDERAçõES .............................................................................................. 16711 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 17112 REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS ...................................................................... 171

UnidAdE 4 – DOS kANTIANOS AO IDEALISMO ALEMãO

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1732 CONTEúDOS ..................................................................................................... 1733 ORIENTAçõES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1744 INTRODUçãO à UNIDADE ............................................................................... 1755 oS PÓS-KAnTiAnoS: CRÍTiCAS E CoMPLEMEnToS ...................................... 1756 O ROMANTISMO .............................................................................................. 1847 FICHTE ............................................................................................................... 1888 SCHELLING ........................................................................................................ 1939 HEGEL (1770-1831) ........................................................................................... 19910 qUESTõES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 21111 CONSIDERAçõES .............................................................................................. 21412 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 21713 REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS ...................................................................... 218

UnidAdE 5 – ESqUERDA HEGELIANA E SOCIALISMO UTóPICO

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 2192 CONTEúDOS ..................................................................................................... 2193 ORIENTAçõES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 2204 INTRODUçãO à UNIDADE ............................................................................... 2205 ESqUERDA HEGELIANA ................................................................................... 2226 SOCIALISMO UTóPICO ..................................................................................... 2347 qUESTõES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 2378 CONSIDERAçãO FINAL .................................................................................... 2399 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 24510 REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS ...................................................................... 246

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1Plano de Ensino

1. APReSenTAção

Nesta disciplina, você estudará a gênese do pensamento fi-losófico, envolvendo o período que vai do Iluminismo ao Mate-rialismo, percorrendo o Criticismo kantiano e o Idealismo alemão. Isto lhe possibilitará uma compreensão global e crítica sobre um dos períodos mais ricos do pensamento ocidental, que é o con-temporâneo. Você gradualmente desenvolverá a percepção e a compreensão na análise dos textos por meio das técnicas e orien-tações gerais para uma leitura filosófica gratificante e significativa, o que seguramente auxiliará na sua formação acadêmica.

Dessa forma, esperamos que você possa aproveitar ao má-ximo o estudo desta disciplina. Além deste Caderno de Referência de Conteúdo, sugerimos que você tenha sempre em mãos o Guia Acadêmico e o Caderno de Atividades e Interatividades e procure seguir as orientações. É importante que não deixe nenhuma dúvi-da pendente. É nosso desejo que a leitura de textos filosóficos faça parte de toda sua caminhada.

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2. DADoS geRAiS DA DiSCiPLinA

Ementa

o iluminismo do século 18 e suas influências. Criticismo kan-tiano. Romantismo. Idealismo alemão. Materialismo.

objetivo geral

Os alunos da disciplina História da Filosofia Contemporâ-nea I do curso de Licenciatura em Filosofia, na modalidade EaD do Claretiano, dado o Sistema Gerenciador de Aprendizagem e suas ferramentas, serão capazes de compreender a gênese do pensa-mento filosófico do período que vai do século 18 ao 19 (período iluminista, Criticismo kantiano, Romantismo, Idealismo alemão e Materialismo), tendo como ponto de partida uma visão global his-tórica. Compreenderão a principal problemática das referidas cor-rentes e seus pensadores por meio da leitura e entendimento dos textos clássicos e críticos, como principal fonte de estudo.

Com esse intuito, os alunos contarão com recursos técnico--pedagógicos facilitadores de aprendizagem, como Material Didá-tico Mediacional, bibliotecas físicas e virtuais, ambiente virtual, bem como acompanhamento do professor responsável, do tutor a distância e do tutor presencial, complementado por debates no Fórum.

Ao final desta disciplina, de acordo com a proposta orientada pelo professor responsável e do tutora distância, terão condições de interagir com argumentos contundentes, além de dissertar com comparações e demonstrações sobre o tema estudado nesta dis-ciplina, elaborando um resumo ou uma síntese, entre outras ativi-dades. Para esse fim, levarão em consideração as ideias debatidas na Sala de Aula Virtual, por meio de suas ferramentas, bem como o que produziram durante o estudo.

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© Plano de Ensino 9

Competências, habilidades e atitudes

Ao final deste estudo, os alunos do curso de Licenciatura em Filosofia contarão com uma sólida base teórica para fundamentar criticamente sua prática profissional. Além disso, adquirirão as ha-bilidades necessárias não somente para cumprir seu papel nesta área do saber, mas também para agir com ética e com responsa-bilidade social.

Carga horária

A carga horária da disciplina História da Filosofia Contempo-rânea I é de 60 horas. O conteúdo programático para o estudo das cinco unidades que a compõem está desenvolvido no Caderno de Referência de Conteúdo, anexo a este Plano de Ensino, e os exer-cícios propostos constam do Caderno de Atividades e Interativida-des (CAI).

É importante que você releia no Guia Acadêmico do seu curso, as informações referentes à Metodologia e à Forma de Avaliação da disciplina História da Filosofia Contemporânea I. A síntese des-sas informações consta no Cronograma na Sala de Aula Virtual – SAV.

3. ConSiDeRAçõeS geRAiS

Neste Plano de Ensino você pôde ter uma ideia geral dos assuntos que trataremos nesta disciplina, como, por exemplo, as ementas e o objetivo geral. No Caderno de Referência de Conteú-do, você encontrará os objetivos específicos, bem como o conteú-do programático de cada unidade. Sugerimos que fique atento às orientações contidas no Guia Acadêmico e às atividades e interati-vidades propostas.

O estudo da filosofia do período histórico, que estende-se do Iluminismo até o Materialismo, é de suma importância para que

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se compreenda as grandes influências que a sociedade do século 21, sofreu, e ainda sofre com o desenvolvimento cultural deste período tão rico do pensamento filosófico. Vale ressaltarmos que este Caderno de Referência de Conteúdo lhe servirá como um refe-rencial teórico que o auxiliará para a construção de conhecimento, nossa proposta não é esgotar aqui todo o assunto referente a esse período da filosofia. Portanto, aconselhamos que pratique o hábi-to de ler, de pesquisar e que interaja com seus colegas de turma e tutor sobre suas pesquisas e possíveis dúvidas.

Esperamos que esta disciplina lhe seja de grande proveito para seu amadurecimento enquanto docente de Filosofia.

Bom estudo!

4. BIBLIOGRAFIA BÁSICA

REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a kant. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2.______. História da filosofia: do Romantismo até os nossos dias. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1991. v. 3.ROVIGHI, V. História da Filosofia Moderna. São Paulo: Loyola, 1999.

5. BiBLiogRAFiA CoMPLeMenTAR

BRÉHIRE, E. História da filosofia: filosofia moderna século VIII. São Paulo: Mestre Jou, 1979. CHÂTELET, F. História da filosofia: o iluminismo do século XVIII. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. v. 4. ______. História da filosofia: a filosofia e a história de 1780 a 1880. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. v. 5.______. História da filosofia: a filosofia do mundo científico e industrial de 1860 a 1940. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. v. 6. DELEUZE, G. Para ler Kant. Tradução de Sonia Dantas Pinto Guimarães. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. FEUERBACH, L. A essência do cristianismo. Campinas: Papirus, 1988. ______. Preleções sobre a essência da religião. Campinas: Papirus, 1989. DIDEROT, D. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores). GIL, F. (Org.). Recepção da Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992.

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© Plano de Ensino 11

FICHTE, G. A doutrina da ciência e outros escritos. São Paulo: nova cultural, 1988. (Coleção Os Pensadores). HARTMANN, N. A Filosofia do Idealismo Alemão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1960.HEGEL, G. Fenomenologia do Espírito. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores).kANT, I. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores).______. A Crítica da razão prática. Lisboa: Edições 70, 1986. ______. Crítica da Razão Pura. 3. ed. São Paulo: nova Cultural, 1987. v. 2.______. Critica da razão pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. kOJÉVE, A. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002. LABRUNE, M; JAFRO, L. A construção da filosófica ocidental: gradus philosophicus. São Paulo: Mandarim, 1996. LACROIX, J. Kant e o kantismo. Lisboa: Rés, 1979. LALANDE, A. Vocabulário Técnico e crítico de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. LEBRUN. G. O avesso da dialética: Hegel a luz de Nietzsche. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.______. Sobre Kant. São Paulo: Iluminuras/EDUSP, 1993. MARX, k. Manuscritos econômicos e filosóficos. In: FROMM, E. Conceito marxista de homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.______. Para a crítica da economia política; Do capital; O rendimento e suas fontes. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).______; ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1996. MOLINARO, A. Léxico de Metafísica. São Paulo: Paulus, 2000.MONTESqUIEU, C. L. de S. Do espírito das leis. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os pensadores). ROUSSEAU, J-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Ática, 1989. ______. Do contrato social: ensaio sobre a origem das línguas. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleção os Pensadores).PASCAL, G. O Pensamento de Kant. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.SCIACCA, M. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou; 1968. SCHELLING, F. V. Obras escolhidas. São Paulo: nova Cultural, 1989.VáSqUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância: a proposito da morte de Jean Calas. São Paulo: Martins Fontes, 1993.______. Dicionário filosófico. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

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Centro Universitário Claretiano – Anotações

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CRC

Caderno de Referência de Conteúdo

1. inTRoDUção

Seja bem-vindo ao estudo da disciplina História da Filosofia Contemporânea I, cujo conteúdo programático divide-se em cinco unidades que servirão de ponto de partida para as discussões no SGA-SAV. Mediante uma leitura atenta desses conteúdos, você po-derá atingir cada objetivo proposto.

No decorrer das cinco unidades, você terá oportunidade de formar uma visão introdutória sobre a amplitude do ambiente his-tórico-filosófico que permitiu o surgimento e o declínio da filosofia moderna, marcando o início da filosofia contemporânea entre os séculos 18 e 19. Como você terá a oportunidade de verificar ao longo deste estudo, será um momento importante em que você entrará em contato com as principais ideias que forjaram o modo de ser e de agir do homem pós-moderno.

Em continuidade à reflexão iniciada na disciplina anterior, você conhecerá o contexto da rejeição do paradigma político-religioso

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proposta pelo Iluminismo, cuja influência afeta todo o Ocidente, principalmente a Inglaterra, França e a Alemanha. Preconiza-se a razão como a geradora do saber filosófico, o que contribuirá para as grandes transformações sociopolíticas e culturais.

Representante do Iluminismo alemão, o Criticismo kantiano surge como o ápice do novo pensar em relação ao sujeito e ao objeto. Em suas Críticas, kant procura fazer a síntese de todo pen-samento filosófico. O Idealismo alemão e o Materialismo surgem como linhas de pensamento complementares e/ou contrárias ao pensamento de kant.

Ao longo deste estudo, você vai perceber que as contribui-ções filosóficas da modernidade modificam os paradigmas do pen-samento ocidental. Compreender esses pontos de vista pode ser a chave para o entendimento do homem contemporâneo.

Alguns filósofos como Diderot, Voltaire, kant, Hegel e Marx ajudarão a expandir nossos horizontes de investigação, com novas polêmicas, questionamentos e conclusões, que certamente contri-buirão em nossa formação filosófica.

É imprescindível a leitura dos textos clássicos dos filósofos, bem como conhecer as análises dos principais intérpretes. Daí a importância de você realizar a leitura das obras indicadas e pesqui-sar sobre os temas estudados, compartilhando suas descobertas com o seu tutor e seus colegas de turma.

Desejamos que, ao final do estudo dessa disciplina, você te-nha construído um conjunto de ideias que lhe permita analisar, discutir e apresentar aquilo que é de mais importante para com-preender o pensamento contemporâneo. Esperamos, também, que você possa unir, aos antigos, os novos conhecimentos e aplicá--los no dia a dia de sua vida profissional e pessoal.

Após essa introdução aos conceitos principais da disciplina História da Filosofia Contemporânea I, apresentaremos, a seguir, no Tópico Orientações para o estudo da disciplina, algumas orien-

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15© Caderno de Referência de Conteúdo

tações de caráter motivacional, dicas e estratégias de aprendiza-gem que poderão facilitar o seu estudo.

Bom estudo!

2. oRienTAçõeS PARA o eSTUDo DA DiSCiPLinA

Abordagem geral da Disciplina

Prof. Dr. Stefan Vasilev Krastanov

Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-tudado nesta disciplina. Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do qual você possa cons-truir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos co-meçar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princí-pios básicos que fundamentam esta disciplina.

Introdução à Abordagem Geral da Disciplina

O conteúdo referente a esse período da história da filosofia é enorme e obviamente não se pode apresentar devidamente nes-ta breve apresentação. Justamente por isso, iremos discutir jun-tos, apenas um fragmento dessa historia do pensamento, mas um fragmento que certamente apresenta uma das pedras angulares da filosofia. Trata-se, de enfatizar o período de kant ao Idealismo alemão – um período de extrema importância para a especulação filosófica e ao mesmo tempo de extrema complexidade para o en-tendimento. Daí a justificativa da escolha do período supracitado.

Primeiramente, trataremos apenas alguns aspectos da filo-sofia kantiana que são muito importantes para a posterior tran-

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sição para o Idealismo alemão, como também as influências que essa filosofia proporciona para a posteridade; logo em seguida, trataremos a especificidade do Idealismo alemão a partir dos ilus-tres idealistas: Fichte, Schelling e Hegel. Vamos lá?

Kant e a virada copernicana

Para compreender melhor o esforço kantiano, temos que partir da época anterior a kant, na qual o âmbito filosófico é dila-cerado por discussões entre racionalismo e o empirismo que en-volve, sobretudo, problemas gnosiológicos. Todavia, um objetivo comum entre ambas as correntes filosóficas da modernidade é a tendência de levar a filosofia ao estatuto de ciência rigorosa.

• O Racionalismo acredita que, pelos juízos analíticos a priori, será possível um conhecimento absoluto e univer-salmente válido. Tal conhecimento pode ser descoberto apenas no âmbito da razão, dispensando qualquer vali-dade da experiência, por ser essa relativa e contingente.

• O Empirismo, por sua vez, tem como fundamento da sua investigação – juízos sintéticos a posteriori – afirmando que o único meio para aquisição do conhecimento deriva da experiência, assim, descartando qualquer espécie de ideias inatas.

Tentando “separar o joio do trigo", a proposta kantiana para pensar o rigor científico consiste em Juízos sintéticos a priori – os juízos que ampliam o conhecimento e atribuem a ele caráter apo-dictico.

kant pergunta, em sua obra Crítica da Razão Pura, como são possíveis juízos sintéticos a priori? A possibilidade de tais juízos no âmbito do teórico kant enuncia a partir da revolução copernicana:

Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante con-ceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposi-ção. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular

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pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a reque-rida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados (KAnT, 1980, p. 12).

Portanto, trata-se de saber algo a priori antes do objeto apa-recer. E isso certamente dará ao conhecimento um caráter apo-dictico. Essa tarefa de saber algo antes de objeto ser dado cabe à filosofia transcendental.

Denomino transcendental todo o conhecimento que em geral se ocupa não tanto com os objetos, mas com nosso modo de conheci-mento de objetos na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcen-dental (KAnT, 1987, p. 26).

A estrutura transcendental, imposta por kant, configura-se como intuição sensível (espaço e tempo) e o entendimento (as ca-tegorias). Justamente por isso, kant vai afirmar que todo conheci-mento deriva de duas fontes: a intuição (que descreve o campo da sensibilidade) e o entendimento (que pensa os objetos desta sen-sibilidade) De acordo com isso ele afirma que: “Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceito são cegas" (kANT, 1980, p. 89). o conhecimento, portanto, nasce da união de ambos.

Mas, se existe tal estrutura que antecede o conhecimento e o torna possível, não teria ela uma função limitadora? A resposta de kant é que sim. Ainda mais, tais limites garantem a validade do conhecimento. Ou seja, um conhecimento é válido quando o entendimento encontra objeto sensível para pensá-lo. A primeira faculdade constitui a forma do conhecimento (o modo de pensar algo) e a segunda – a matéria do conhecimento (objeto a ser pen-sado).

Resumindo, o conhecimento humano, segundo kant, é limi-tado no campo de uma experiência sensível, limites traçados pela própria sensibilidade. Portanto, o conhecimento humano só é vá-lido no mundo fenomênico, ou seja, no mundo determinado pelas faculdades cognitivas.

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Isso significa que o sujeito humano não pode conhecer o ob-jeto como é em si mesmo, mas somente como se apresenta para ele, conforme a sua própria estrutura cognitiva.

Temos que deixar bem claro, que justamente essa estrutura cognitiva é que marca os limites do conhecimento, fora do qual estão as coisas em si, acessíveis somente para um conhecimento infinito, tal como seria o de Deus. Pois, o conhecimento de Deus não ocorre no espaço e no tempo e não está limitado pelas catego-rias. Para kant, Deus conhece as coisas em seu ser absoluto.

As coisas em si, por sua vez, são causa imediata dos fenôme-nos. Nós não conhecemos as coisas em si, mas podemos deduzi--las, a partir da afeição que exercem sobre a nossa sensibilidade.

Vamos agora resumir os pontos fundamentais da revolução no âmbito teórico operada por kant que configuram o Criticismo kantiano e que serão os alvos principais da crítica que o Idealismo alemão vai dirigir a kant.

1) A revolução traz à tona o próprio sujeito na medida em que é o sujeito que agora determina o objeto.

2) Esse novo ponto de partida evoca naturalmente a noção de transcendental, isto é, o conhecimento sobre as con-dições do conhecimento, com efeito, sobre a estrutura cognitiva a priori do sujeito humano.

3) Por sua vez, a estrutura a priori limita o conhecimento no interior da experiência – limites marcados pela pró-pria sensibilidade, ou seja, é como se o sujeito humano fosse trancado numa prisão posta por suas próprias fa-culdades cognitivas.

4) A estrutura transcendental remete necessariamente à coisa em si, ou seja, o Idealismo transcendental evoca o Realismo empírico e o inverso. Entre os dois extremos, circunscrevem-se os limites do conhecimento, que são dos fenômenos.

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Os pós kantianos: críticas e complementos.

Todo o esforço kantiano exerce grande influência sobre o pensamento filosófico, suscitando muita discussão e gerando pro-blemas que, de fato, permanecem insolúveis, no entanto, criando condições para o desenvolvimento da especulação idealista. As-sim, a filosofia kantiana é uma fonte de inspiração do pensamento filosófico posterior que vai retomando sempre certos aspectos da sua riqueza inesgotável.

Entretanto, no prelúdio do desenvolvimento do Idealismo alemão, a filosofia kantiana estava sujeita a uma discussão feroz, bipolar que vai da plena aceitação à plena recusa. Tal discussão é suscitada não só pela influência escolástica, mas também pelo Romantismo que se instaura como reação ao Iluminismo.

Inicialmente a empresa kantiana não encontra muita com-preensão. Para a sua popularização, o mérito cabe a karl Reinhold (1757 – 1823). Em 1878, Reinhold é convidado para lecionar filo-sofia na Universidade de Jena. Rapidamente o filósofo transforma essa cidade em um centro do kantismo e, posteriormente, com seus sucessores, torna-se centro do Idealismo alemão com o ad-vento dos seus três ilustres representantes – Fichte, Schelling, e Hegel.

Justamente ali ocorre o desenvolvimento da filosofia kantia-na e a sua posterior transição para o Idealismo alemão. Podemos dizer que nessa versão, o Idealismo alemão retoma e problemati-za muitos aspectos da filosofia kantiana, tentando levar ao ponto absoluto o sujeito transcendental de kant, antes, aprisionado nas suas próprias faculdades cognitivas.

Com efeito, a transição de kant ao Idealismo alemão se dá com a abertura do sujeito transcendental para o absoluto: de um sujeito dogmático e, portanto, fechado e a-histórico (em kant), e com a sua inserção na história, pelo Idealismo, já se criam condi-ções de uma formação na direção do absoluto.

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Note que a popularização da filosofia kantiana ocorre, tam-bém, pelas críticas dirigidas à mesma. Entre os filósofos que criti-caram kant, destacam-se Jacobi, Schulze, Beck e outros. Um dos primeiros críticos de Kant é Jacobi (1743 – 1819), que descobre a contradição da coisa em si em kant. Jacobi chama a atenção para dois pontos fundamentais da sua filosofia inconciliáveis: o Idea-lismo transcendental e o Realismo empírico. Portanto, a posição crítica de Jacobi frente à filosofia kantiana pode ser resumida em dois pontos cruciais:

• Jacobi considera que o mérito de kant consiste na tarefa crítica, que deve traçar os limites do conhecimento hu-mano.

• Ao mesmo tempo considera inconsistente o conceito da coisa em si.

Conforme o entendimento do filósofo, a tarefa crítica de kant entra em contradição, pois se funda à dualidade da esponta-neidade e da receptividade – esta última baseando-se a um objeto existente fora do sujeito:

Assim – nota Hartmann – o ponto de vista crítico não se pode obter sem a coisa em si, mas com ela não se pode manter. Visto o idealis-mo e a coisa em si não se podem unir, deve um deles ser sacrificado (HARTMANN, 1960, p. 39).

Jacobi assume uma posição realista, considerando, que a po-sição do Idealismo é uma das muitas cognoscíveis e, que, portanto, pode ser sacrificada, ao passo que a coisa em si é o correlato do conhecimento e como tal se deve manter.

nessa empresa crítica, o acompanhará Schulze (1761 – 1833) que lança uma visão cética a respeito da filosofia kantiana. O Prin-cipal argumento cético dirige-se a inferência que atua no Criticis-mo que é uma inferência causal. Mas a categoria causalidade, para kant, é aplicável legitimamente no interior no campo fenomênico, ou seja, dentro dos limites do conhecimento que o Criticismo esta-belece. Mas a coisa em si está fora desses limites, todavia, inferida pela causalidade que só é aplicável dentro dos limites. Esse proce-dimento da crítica leva, segundo Schulze, ao absurdo.

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Portanto, se o conhecimento não tem acesso às coisas em si, não se pode manter a tese de que elas são causas do conhecimen-to. Caso elas possam ser conhecidas, a tarefa crítica se dissolve, pois, é justamente a coisa em si que mantém intacta à crítica.

Idealismo alemão

Agora iremos analisar as principais diferenças que vão se de-lineando ao longo da relação kant – Idealismo alemão.

Cabe a Fichte o mérito de ser o primeiro idealista que inau-gura a especulação teórica do Idealismo alemão.

Para o absoluto de Fichte que ele chama de “Eu", não há limites impostos por fora. kant concebeu a faculdade cognitiva (ra-zão teórica) em sua dualidade: sujeito – objeto, sendo este último imposto por fora e, por isso, impossível de ser compreendido em sua totalidade como (coisa em si), mas somente na sua aparência fenomenal. Justamente pelos limites fixados pela sensibilidade do sujeito transcendental, que não lhe permite ultrapassar os limi-tes do fenômeno (lembremos que o sujeito kantiano é um sujeito dogmático e a-histórico e, como tal, não é sujeito de evolução). Para o Eu de Fichte, ao contrário, não há nada imposto por fora, pois todos os obstáculos – chamados por ele “não-Eus", quer dizer, objetos, são produzidos e impostos pelo próprio Eu e, portanto, superáveis pela sua atividade. É como se o Eu impusesse a si mes-mo o não-Eu, que é produzido por ele, a fim de superá-lo e, assim, conquistar maior plenitude na direção do Absoluto.

O princípio originador – o Eu, deve ser compreendido em sua bi-dimensionalidade:

• Como Eu finito: é finito, enquanto impõe a si mesmo, como contraposição, um não-Eu. No primeiro caso, o Eu é finito por se deparar com o seu limite – o não-Eu.

• Como Eu infinito: é infinito, enquanto o não-Eu é seu pro-duto. Nesse caso, o Eu é infinito, por ser principio origina-dor desse não-Eu.

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Sciacca esclarece:O Eu enquanto absoluto é infinito é a fonte de toda realidade; en-quanto finito empírico se encontra diante (oposto) ao não- Eu com o qual está em reciprocidade de ação. Este limite é captado pelo Eu empírico, que assim se torna consciência (com-ciência) individual. Explica-se assim o mundo, ainda que produzido pela atividade do Eu, apareça externo ao próprio Eu (SCiACCA, 1968, p. 28).

O desenvolvimento da especulação idealista assume com Schelling um caráter expressamente realista na medida em que, no interior da natureza, ocorre o desenvolvimento real do espírito.

Devemos compreender Schelling como um dos mais ilustres representantes do Romantismo filosófico. Tal compreensão deve partir, sobretudo, das condições históricas e do fato de o Roman-tismo ter sido uma das visões dominantes da época.

Além de introduzir elementos importantes do Romantismo em sua filosofia, Schelling enriquece em muito o quadro do Ide-alismo alemão e contribui bastante para a nova versão idealista fortemente carregada pela estética. Não é por coincidência, que o seu sistema filosófico seria denominado de “Idealismo estético".

A passagem de Fichte a Schelling deve ser compreendida, an-tes de tudo, como retorno à realidade objetiva da natureza, que o primeiro tinha negado em prol de uma atividade produtiva do Eu. Lembremos que Fichte mantinha uma visão pouco positiva sobre a natureza – o mundo, ou seja, toda a realidade objetiva deriva do Eu. A natureza é reduzida à mera reapresentação da consciência.

Schelling se propõe a elaborar uma visão mais positiva da natureza, atribuindo a ela uma realidade objetiva. Conforme Schelling, a natureza é o próprio Espírito que, por meio de um de-senvolvimento gradativo, vai tomando consciência de si. No início, o Espírito é uma inteligência adormecida e alienada de si mesma (“inteligência petrificada"), aos poucos, vai evoluindo até chegar ao homem em que adquirirá consciência de si. Trata-se de um de-senvolvimento orgânico e racional. Conforme Schelling, a natureza é o próprio Eu que ainda não se reconheceu como tal.

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Filosofia da Natureza

A Filosofia da Natureza de Schelling deve ser considerada à luz de dois movimentos inversos:

• produção inconsciente que sai da sombra do inconscien-te e se torna objeto da reflexão da consciência – esse é o primeiro movimento – o despertar da consciência;

• o movimento inverso se dá na medida em que a reflexão quer conquistar a plena posse do conhecimento da pro-dução inconsciente, que no fundo expressa uma unidade absoluta do subjetivo e o objetivo – expressa o Uno-todo.

Na Filosofia da Natureza, essa é concebida como organismo vivo, que para crescer e expandir deve produzir de si mesma a sua própria oposição. Essa oposição deve ser compreendida à luz de uma dialética natural, em que a síntese não se deve procurar na consciência, como é em Fichte, para o qual a natureza não pos-sui realidade objetiva, mas na inteligência inconsciente que é o princípio unitário da natureza. A dialética schellinguiana não é o desenvolvimento ideal da razão, mas o desenvolvimento real da natureza.

O pressuposto fundamental de Schelling para pensar esse Idealismo real é a identidade absoluta entre o espírito e a nature-za. Mas se tudo é unidade absoluta, como pode se gerar a multi-plicidade e a diferenciação? A resposta de Schelling é: de um prin-cípio separador comum a todas as coisas.

O princípio separador é o princípio de polaridade que ex-pressa atração e repulsão.

O processo do desenvolvimento natural mostra exatamente essa marcha dialética que vai do inferior para o superior – justa-mente por isso a síntese final deste processo culmina no Eu.

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Idealismo transcendental

Na Filosofia da Natureza, Schelling compreende a nature-za como sendo a criação de uma inteligência inconsciente, cuja produção gradativa, passando por diferentes fases de desenvol-vimento, chega, por fim, ao espírito consciente do homem. Inver-samente, no Idealismo transcendental, por sua vez, cabe à tarefa de elucidar como a inteligência reflete a natureza, ou seja, como a inteligência alcança um objeto fora de si.

Nesse ponto, aparece a originalidade da especulação schellinguiana de pensar pela filosofia da arte, como a atividade produtora vem à tona. Ao comentar essa originalidade, Hartmann (1960, p. 145) afirma:

[...] ao espírito criador inconsciente da natureza não corresponde na consciência nem o saber, nem o querer, mas unicamente a cria-ção artística. A força produtora da natureza e a força produtora no sujeito são, no fundo, o mesmo espírito criador. A natureza produz um mundo real de objetos, a arte um mundo ideal. Ambas são pu-ramente produtoras. O cosmos não é só um organismo vivo, mas também uma obra realizada unitariamente, a poesia original, in-consciente do espírito; a obra de arte é um cosmos semelhante, mas em ponto pequeno, a mesma revelação do mesmo espírito, só que criada conscientemente.

A Filosofia da Natureza e o Idealismo transcendental apre-sentam os dois eixos fundamentais – o real e o ideal da filosofia schellinguiana, que, contudo, para dar acabamento desse sistema idealista, necessita de um princípio que possa servir como a sín-tese das duas. A síntese (Filosofia da Identidade) do real (Filosofia da Natureza) e do ideal (Idealismo transcendental) desempenha um papel extremo racional e absoluto, enquanto considerar que fora razão não há nada. Tanto o objeto como também o sujeito são indiscerníveis no interior da razão. A razão é absoluta e ilimitada e, portanto, o finito não existe. Mas para que a razão possa se conhe-cer absoluta e infinitamente, como ela é, deve cindir-se em sujeito e objeto, pois só assim temos relação cognitiva. Desse modo, é que surge a multiplicidade e a individualidade do mundo. Sabendo que o conhecimento só é possível como contraposição entre um

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sujeito que conhece e um objeto que é conhecido. O Uno-todo, contém o sujeito e o objeto de modo indiscernível, mas tem que diferenciá-los efetivamente.

É a própria diferenciação que instaura o caráter finito das coisas, mas esse caráter, logo se vê infinito, visto pelo prisma do todo (enquanto identidade absoluta de sujeito e objeto).

A próxima e última parada da nossa abordagem do período idealista conduz a Hegel. Partindo do Idealismo ético de Fichte, passando pelo Idealismo estético de Schelling, o ápice da especu-lação idealista encontra a sua verdadeira realização no Idealismo lógico de Hegel.

Hegel e o Idealismo lógico

Se na Doutrina das ciências de Fichte, o Eu, na sua atividade em direção ao infinito, se preocupa única e exclusivamente consi-go mesmo e, portanto, era incapaz de alcançar qualquer exteriori-dade, para Hegel, justamente na sua experiência para com objeto, o Eu auto-intui-se, ou seja, toma consciência de si mesmo. Dito de outra maneira, na sua experiência com o objeto o Eu atua so-bre ele e, assim, o transforma. Mas, ao transformar o objeto, o Eu também se transforma, na medida em que o objeto transformado oferece novas condições ao Eu, por meio das quais este também se transforma.

O Idealismo hegeliano ensina-nos que tudo é Razão desde as formas e as figuras mais inferiores até as mais complexas e supe-riores. Mas se tudo é Razão, então é fácil de reconhecer a filosofia hegeliana como um panteísmo, mas diferente a de Spinoza, para o qual o Absoluto (Causa Sui) é sempre igual a si mesmo. Hegel defende a ideia de um panteísmo dinâmico em que o Espírito se realiza no decurso da história: o absoluto só no final – dirá Hegel – será o que ele é na realidade.

Assim, podemos entender porque cada particular é somente um aspecto finito e limitado da infinidade do Espírito que encontra a sua realização no todo.

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Na fase conclusiva do seu percurso dialético em direção da realização absoluta, o Espírito manifesta-se como autoconsciência. A concepção hegeliana de autoconsciência deve ser entendida em um duplo sentido:

• Como Espírito Subjetivo – O Indivíduo.• Como Espírito Objetivo – A Sociedade Organizada.

Conforme a concepção filosófica de Hegel, toda a diversida-de fenomenal do mundo é o Espírito, porém no seu estado ina-cabado. É na história que o movimento dialético que descreve as relações de oposição (Tese – Antítese) e para anulá-las (Síntese) tende a alcançar unidade consigo mesmo.

A oposição Tese – Antítese e a sua anulação necessária – a Síntese é o procedimento dialético por meio do qual, o Espírito se aliena de tudo que é aparente e inessencial, direcionando-se para a sua verdadeira natureza – o Espírito Absoluto.

A passagem da vida natural ao Estado de direito acompanha o mesmo processo histórico-dialético, que vai delineando todas as fases e graus de oposição, anulando-as. Assim como tudo é o Ab-soluto e o Estado é o Absoluto terrestre (Deus terrestre), é cabível pensar que todas as diferenças (oposições) dentro do Estado e a sua anulação necessária levam à unificação de toda individualida-de e polaridade no sentido de desaparecer toda diferença. Essa ideia hegeliana, evidentemente, vai à contramão das ideias libe-rais, pois, considera o indivíduo, não pela sua particularidade, mas em função do todo, do Estado – do Deus terrestre.

Lógica

Para poder descrever todo esse processo histórico, como processo da formação do Espírito, Hegel está diante do desafio de inventar uma nova lógica que possa dar conta de toda mudança e transformação. Sabemos que a lógica formal é uma lógica do imutável; portanto, incapaz de dar conta e compreender a vida concreta, pois a essência da vida é o devir e não a imutabilidade. A

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compreensão do Absoluto, em suas figuras fenomenais, necessita de uma lógica apta para pensar toda contrariedade do real.

Para Hegel, a lógica é a ciência do Absoluto, da Razão. A iden-tificação da Razão com toda mudança histórica, seria, do ponto de vista da lógica clássica, um procedimento inaceitável, pois esta se move do idêntico ao idêntico e nega toda mudança. A história, por sua vez, é o reino da mutabilidade, de constante devir dos aconte-cimentos históricos. Mas como é possível tal identificação, a saber, identificação entre a Razão e a história?

É possível pelo procedimento dialético que é próprio mo-tor do pensamento. O pensamento não é mais estático e não con-traditório, como inspirava a lógica clássica, mas dialético, isto é, dinâmico. Dinamismo no pensamento vai à direção da superação das contradições suscitadas pelo próprio pensamento, por meio de Tese, Antítese e, finalmente Síntese.

Dialética

Para que você possa compreender melhor essa lógica dialé-tica, que é a lógica do ser e do pensamento, isto é, lógica do pró-prio devir e, portanto, ontologia, recorramos ao exemplo célebre da dialética hegeliana conhecido como a Dialética do Senhor e do Servo:

1) Dois homens se enfrentam numa luta de reconhecimen-to. O primeiro arrisca a sua vida em prol do reconheci-mento; o outro, por medo de perder a sua vida, se sub-mete. Instaura-se, assim, uma relação entre Senhor e Servo. Senhor é Senhor pelo seu Servo e o Servo é Servo pelo seu Senhor. Nenhum deles é o que é sem o outro. Esse é o reconhecimento. O vencedor (o Senhor) não mata seu adversário vencido (o Servo), mas o conserva, pois é pelo Servo que o Senhor é reconhecido como Se-nhor. Conservar, literalmente significa “com-servo", isto é, produzir um servo, que é resultado imediato da luta pelo reconhecimento.

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2) Pela obrigação imposta pelo Senhor, o Servo produz coi-sas que são posse do Senhor, mas não dele, ainda que seja o seu produtor. Com efeito, o Servo está alienado dos produtos que produz para o Senhor (desejo refrea-do).

3) O Senhor, por depender dos produtos que o Servo pro-duz, depende, também, do Servo; torna-se uma espécie de Servo do seu Servo, por depender dele.

4) Ao mesmo tempo o Servo, mesmo que alienado do gozo dos produtos produzidos por ele, aprende fazer coisas pela impossibilidade de não as fazer, que a sua situação lhe impõe. O Servo se forma, isto é, aprende a ter dis-ciplina, aprende a se superar, aprende a sobreviver. As-sim ocorre a verdadeira inversão dialética, em que pelo trabalho, o Servo aprende a vencer às necessidades da vida o que o torna livre. O Servo transformado pelas pro-vações ganha mais liberdade do que o seu Senhor que, contudo, depende do servo (desvanecer contido).

A Dialética do Senhor e do Servo, de maneira geral, apresen-ta a gênese do próprio processo histórico subordinado a uma lógi-ca dialética – capaz de dar conta de toda realidade, pois é uma ló-gica do Ser e do pensamento – elementos pensados outrora como incompatíveis. Por meio dessa lógica, que é a própria da Razão Ab-soluta, é possível compreender toda a realidade com sua contra-riedade, como um sistema unitário do desenvolvimento da Razão.

Essa concepção hegeliana irá assumir grande importância na filosofia de karl Marx. que verá o processo de alienação dos traba-lhadores pelo trabalho não como algo bom, como pensava Hegel, mas justamente o contrário, como uma relação que tende a enfra-quecer e cada vez mais, tornar o Servo dependente de seu Senhor.

Com isso, terminamos a nossa abordagem geral, espera-se que você tenha compreendido um pouco da riqueza da especu-lação idealista que, com certeza configurou uma das partes mais consistentes da reflexão filosófica ao longo dos tempos. Um ótimo curso de História da Filosofia Contemporânea I!

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Glossário de Conceitos

O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápi-da e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de co-nhecimento dos temas tratados na disciplina História da Filosofia Contemporânea I. Veja, a seguir, a definição dos principais concei-tos desta disciplina:

1) Alienação: na visão marxista, a alienação surge na vida econômica quanto o operário, ao vender sua força de trabalho, perde a noção do que ele próprio produziu sem ter consciência do processo gerador dessa perda. É, assim, também a fragmentação de sua consciência, pois parte de sua história e deixa de lhe pertencer, de estar sob o âmbito do alcance de seu conhecimento; a pessoa não mais é o centro de si mesma e passa a ser comandada de fora; perda da individualidade; perda da consciência crítica.

2) Antigo regime: do francês "ancien régime" se referindo ao sistema social e político que persistia na França desde o século 16, derrubado pela Revolução Francesa e que teria sido combatido pelos ideais iluministas do século 18.

3) Antinomias: entendidas por kant como “conflito entre as leis da razão pura", em que as teses e as antíteses têm o mesmo valor lógico. Contradições em que a razão pura se envolve necessariamente, enquanto se preocupa com origem do mundo, quando provoca o incondicionado no fenômeno (quer na série total e infinita das condições, quer em um primeiro termo absoluto) e quando, em consequência, ela trata o mundo submetido às condi-ções da experiência possível, como se ele tivesse uma realidade em si, teoricamente determinável.

4) Aufklärung: palavra da língua alemã que pode ser tradu-zida por esclarecimento, muito utilizada para se referir ao movimento iluminista do século 18.

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5) Bildung: palavra alemã que significa formação; proces-so explicitamente descrito por Hegel na Dialética do Se-nhor e Servo.

6) Comiseração: termo usado por Rousseau para demons-trar que o homem é um ser solidário que sente piedade ou compaixão natural pelos semelhantes.

7) Categorias do entendimento: segundo kant, as catego-rias são as formas puras ou a priori existentes na razão que possibilitam a estruturação e a ordenação das re-presentações dos objetos da experiência. Modos que se determinam e que se compreendem uma determinada função intelectual. Sendo assim, kant estabelece para cada um dos doze juízos clássicos, doze categorias que possuem a função de unificar esses mesmos juízos, con-forme as diferentes formas lógicas de quantidade, qua-lidade, relação e modalidade.

8) Coisa em si: palavra utilizada por kant, na sua Crítica da razão pura, para designar aquelas realidades essenciais que não podem ser alcançadas pela experiência sensí-vel.

9) Deísmo: posição religiosa que acredita na existência de Deus como criador da natureza e tudo que nela existe, mas não aceita sua intervenção no mundo físico ou no mundo humano.

10) Dialética: no sentido amplo, dado pelos gregos, dialética significa arte de discutir. Porém, com Hegel, a dialética ganha novo significado: ela é a marcha do pensamento que procede por contradição, passando por três fases (Tese, Antítese e Síntese) e reproduzindo o próprio mo-vimento do Ser absoluto ou Ideia. Para Engels, no entan-to, a dialética é a ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo externo como do pensamento humano, transformando a dialética idealista hegeliana em dialéti-ca materialista.

11) Formas a priori de sensibilidade: segundo kant, as for-mas a priori da sensibilidade ou formas transcendentais, são as formas ou condições a priori que permitem ao

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sujeito cognoscente perceber e apreender os fatos fe-nomênicos.

12) Imperativos: na filosofia kantiana, imperativos são pro-posições que possuem a forma de uma ordem (em par-ticular de uma ordem que o espírito se dá a si mesmo), que é válida para todos os homens. Os imperativos se di-videm em dois: os hipotéticos e os categóricos. Os hipo-téticos representam as máximas válidas se quer atingir algum objetivo; os categóricos são máximas que valem para todo ser racional incondicionalmente, independen-tes de vontade, preferências ou desejos pessoais.

13) Juízo apodíctico: na lógica, é um juízo evidente e neces-sariamente verdadeiro, incontestavelmente demonstra-do, sem nenhuma possibilidade de contradição.

14) Juízo sintético a posteriori: são os juízos formulados a partir da experiência. São juízos de experiência.

15) Juízo analítico a priori: são aqueles juízos cujo conceito pode ser extraído por pura análise do sujeito, cujo pre-dicado simplesmente reproduz o que contém no sujeito.

16) Juízo sintético a priori: seria um terceiro tipo de juí-zo formulado por kant, em que, a um só tempo, une a "apodicticidade", ou seja, a universalidade e a necessi-dade, com a fecundidade, ou seja, a sinteticidade.

17) Leis Naturais: são as leis que regem os homens no seu estado de natureza, ou seja, estado em que os homens encontram-se antes da criação do estado positivo, que cria leis mutáveis segundo o local e as circunstâncias his-tóricas.

18) les philosophes: expressão francesa utilizada pelos pró-prios pensadores iluministas franceses do século 18 para se caracterizarem como homens de um saber novo e li-vres pensadores.

19) Mundo fenomênico: termo utilizado por kant para de-signar o mundo dos fenômenos, ou seja, o mundo que se percebe pelos sentidos e que pode ser objeto da ex-periência.

20) Mundo noumênico: termo utilizado por kant para desig-nar o mundo das essências, o mundo das realidades que

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escapam aos sentidos, o mundo em si, que só pode ser pensado, mas nunca experimentado.

21) Perfectibilidade: termo utilizado por Rousseau para apresentar o homem como um ser que pode progredir e se aperfeiçoar por meio do conhecimento.

22) Pietismo: movimento religioso, dentro do luteranismo puritano, promovido por Jakob Spencer (1635-1705), que defendia como fé cristã verdadeira aquela fé que brotava da leitura direta da Bíblia, fonte por excelência da renovação interior.

23) Práxis: em grego, práxis é a ação de levar a cabo algu-ma coisa; também pode ser entendida como ação mo-ral; o termo ainda pode ser entendido como o conjunto de ações que o homem pode realizar, e, neste sentido, a práxis se opõe à teoria. No entanto, é no marxismo, conhecido também como filosofia da práxis, que práxis ganha um sentido novo: passa a significar a união dialé-tica entre a teoria e a prática; ou seja, ao mesmo tempo em que a consciência (teoria) é determinada pelo modo como os homens produzem a sua existência, também a ação humana (prática) é projetada, refletida, consciente.

24) Razão Prática: faculdade da razão que é capaz de de-terminar a vontade e a ação geral de todo ser humano e que também deve ser analisada a fim de encontrar os princípios morais que não se misturam com os motivos ou impulsos da sensibilidade, na escolha das ações legi-timamente éticas.

25) Razão Pura: a faculdade da razão capaz de conhecer, mas que deve ser criticada porque tende a querer ultra-passar os limites da experiência, o que pode conduzir a erros e ilusões.

26) Religião natural: seria um sentimento religioso inato ao homem, puramente racional, não revelado, sem dog-mas, que aceita como verdades naturais a existência de Deus, que o mundo foi criado por Ele, mas que rejeita a interferência de Deus na condução dos destinos da hu-manidade.

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27) Religião positiva: religião baseada em livros sagrados, ditos inspirados por uma divindade, com um conjunto de ritos cerimoniais, com um corpo sacerdotal e um con-junto de dogmas e valores éticos definidos como verda-des absolutas.

28) Sensismo: teoria formulada por Condillac (1715-1780) que afirma que todas as formas de atividades cognitivas e psíquicas nascem das sensações.

29) Teísmo: posição religiosa que acredita na intervenção de Deus na natureza e na condução da humanidade e sua história.

30) Tripartição de poderes: proposta política de Montesquieu (1689 – 1755) para impedir que os governos se corrompam. Por isso ele propõe a exis-tência e a convivência de três poderes independentes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Esquema dos Conceitos-chave

Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es-quema dos Conceitos-chave da disciplina. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções.

É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.

Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende--se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu co-nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-

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dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza-gem.

Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem.

Tem-se de destacar que “aprendizagem" não significa, ape-nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-nitivas, outros serão também relembrados.

Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento, por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações inter-nas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu co-nhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, esta-belecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adap-tado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina História da Filosofia Contemporânea I.

Como você pode observar, esse Esquema oferece a você, como dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre um e outro conceito desta disciplina e descobrir o caminho para construir o seu processo de ensino-aprendizagem.

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3. inTRoDUção Ao CRC

Por exemplo, o conceito de Criticismo Kantiano vai nos mos-trar que a confusão existente nas doutrinas metafísicas que chega-ram ao século 18 levou o filósofo immanuel Kant (1724 – 1804) a investigar se a nossa razão é apta para o conhecimento metafísico. A partir dessa interrogação, kant construiu um sistema filosófico que deu uma nova direção às investigações e às discussões filosó-ficas. Sem o domínio desses conceitos explicitados pelo Esquema, pode-se ter uma visão confusa do tratamento da temática.

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-nhecimento.

Questões Autoavaliativas

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertati-vas.

Responder, discutir e comentar essas questões, bem como relacioná-las com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe-cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis-sional.

Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões autoavaliativas de múltipla escolha.

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As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada, inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso, normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma.

Bibliografia Básica

É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus es-tudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as bibliogra-fias apresentadas no Plano de Ensino e no item Orientações para o estudo da unidade.

Figuras (ilustrações, quadros...)

Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-teúdos da disciplina, pois relacionar aquilo que está no campo vi-sual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)

O estudo desta disciplina convida você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser humano. É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunica-ção, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa, per-mite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade.

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Você, como aluno do curso de Licenciatura em Filosofia na modalidade EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a dis-tância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.

É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-ções científicas.

Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-las.

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-cimento intelectual.

Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.

Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.

4. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, M. L. A; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. BRUGGE, W. Dicionário de Filosofia. São Paulo: E.P.U., 1977. DICIONáRIO de Filosofia de Cambridge. São Paulo: Paulos, 2006.

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© Plano de Ensino 39

GILES, T. R. Dicionário de Filosofia. São Paulo: E.P.U., 1993. HARTMANN, N. A Filosofia do Idealismo Alemão. Lisboa: Calouste, 1960.JOLIVET, R. Vocabulário de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1975. kANT, I. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção os Pensadores).______. ______. ______. 3. ed. São Paulo: nova Cultural, 1987. v. 1. (Coleção os Pensadores).______. ______. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.NUNES, C. A. Aprendendo Filosofia. Campinas: Papirus, 1986. REZENDE, A. (Org.). Curso de Filosofia. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. NIELSEN NETO, H. Filosofia Básica. São Paulo: Atual, 1985.

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Centro Universitário Claretiano – Anotações

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1

EAD

Iluminismo: dos Primórdios a Voltaire e Montesquiei

O esclarecimento é a saída do homem da sua meno-ridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de enten-dimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Ilu-minismo (KANT, s.d., p. 11).

1. OBJETIVOS

• Analisar a origem e os conceitos iniciais do Iluminismo, como antropologia, entusiasmos e influências históricas para tal pensamento.

• Compreender o princípio do Iluminismo inglês e francês até Voltaire e Montesquieu.

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• Conhecer os principais pensadores da época e entender suas linhas de pensamento.

• Analisar as influências desse pensamento no desenvolvi-mento da história e da produção filosófica contemporâ-nea.

2. CONTEúDOS

• Definições, características e temáticas.• Iluminismo inglês.• Iluminismo francês.• Enciclopedistas.

3. oRienTAçõeS PARA o eSTUDo DA UniDADe

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

1) Ao iniciar o estudo desta unidade, acreditamos que seja importante que você conheça o significado de alguns termos:

• Aufklärung é uma palavra da língua alemã que pode ser traduzida como esclarecimento ou Iluminismo.

• Leis naturais são as leis que regem os homens no seu estado de natureza, ou seja, estado em que os homens encontram-se antes da criação do estado positivo, que cria leis mutáveis segundo o local e as circunstâncias históricas. As leis positivas devem ser criadas para ga-rantir as leis naturais.

• Religião natural é aquele sentimento religioso inato ao homem, puramente racional, não revelado, sem dog-mas, que aceita com verdades naturais a existência de Deus, que o mundo foi criado por Ele, a imortalidade a alma, mas não de maneira imposta por uma autorida-

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de religiosa. Sobre essas verdades naturais, as religiões positivas podem conviver em harmonia e tolerância.

2) Religiões institucionalizadas, dogmatizadas, sacramen-tadas e hierarquizadas, criadas pelos homens ao longo da História, na proposta filosófica de alguns iluministas do século 18, foram religiões profundamente dogmáti-cas e preconceituosas.

3) Curiosidade: dois dos pensadores iluministas franceses, Diderot e D’ Alembert, foram responsáveis por editar a famosa Enciclopédia ou Dicionário racional das ciências, das artes e dos ofícios, obra produzida em 27 volumes, entre 1751 e 1772, para divulgar o progresso das ciên-cias e a filosofia. Essa obra foi uma síntese de conheci-mento da época, tornando-se um instrumento poderoso de propagação das ideias iluministas (cf. NIELSEN NETO, 1985, p. 249; SCiACCA, 1968, p. 170).

4) Leia os livros citados nas referências bibliográficas. Não se esqueça de que esta disciplina é apenas um referen-cial de conteúdo.

5) O segredo do sucesso em um curso de Educação a Dis-tância é participar, interagir com seu tutor e seus colegas de curso. Portanto, leia atentamente e participe! Você pode expandir seus horizontes de compreensão destes conteúdos. Basta pesquisar em sites, livros, revistas e demais fontes. Pesquise outras informações sobre os conteúdos estudados: isso fará a diferença! Pesquise sempre!

6) Você sabia que a tripartição dos poderes é obra de um filósofo? Pois é, isso prova que é falso o argumento que diz ser a filosofia desconectada da nossa vida prática. Pense nisso!

7) Sugerimos a leitura da obra Espírito das leis, pois é im-prescindível para a compreensão da filosofia de Montesquieu.

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4. inTRoDUção à UniDADe

O Iluminismo foi um dos mais significativos movimentos in-telectuais de todos os tempos, e acabou por marcar profundamen-te o mundo ocidental no século 18, abalando as estruturas de to-das as instituições nos dois séculos seguintes. Mas perguntamos:

1) O que foi o Iluminismo?2) Como e por que ele surgiu? 3) quais são suas propostas?4) quais são suas principais influências e representantes?

É isso que nos propomos a responder nessa parte de nossos estudos.

Caso julgue necessário, retome alguns conceitos estudados nas disciplinas anteriores. Eles ajudarão você a compreender melhor a motivação das discussões desta disciplina.

5. DeFiniçõeS, CARACTeRíSTiCAS e TeMáTiCAS

Pode-se entender por Iluminismo, conforme sugere Nielsen neto (1985, p. 246), "as contribuições culturais e intelectuais do século XVIII, na Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos".

Esse período é chamado, também, período das luzes ou de esclarecimento ou Aufklärung, e concebe que a razão possa lan-çar “luzes" sobre a humanidade e conduzi-la ao progresso mate-rial, intelectual e moral. É caracterizado pela intenção de libertar os homens daquelas mentalidades medievais que ainda permane-ciam no século 18, como, por exemplo:

• O absolutismo político. • Os privilégios por nascimento ou estamento social.• A intolerância religiosa.

O êxito dessa indústria seria alcançado com o advento da

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ciência e a ação da razão na investigação dos fenômenos da natu-reza, o que contribuiu para a crítica aos preconceitos, às conven-ções tradicionais e às superstições. Assim, o desenvolvimento da ciência para a conquista da natureza difunde a ideia de que a razão humana é a única capaz de compreender o mundo.

Além disso, esse período é a afirmação do domínio da bur-guesia e da revolução industrial, daí a manifestação da crença do Iluminismo no progresso, o que o leva a afirmar que o ser humano pode “aumentar o seu conhecimento e melhorar a sua vida do-minando a natureza e modificando a sociedade" (NIELSEN NETO, 1985, p. 246).

Vejamos algumas características gerais do Iluminismo, base-ados em Reale e Antiseri (1990, p. 670-692):

1) Posiciona-se totalmente contra todo tipo de conserva-dorismo e tradicionalismo.

2) Defende o primado da razão como única faculdade hu-mana capaz de lançar luzes sobre o obscurantismo me-dieval que ainda persistia no século 17, daí o nome Ilu-minismo ou esclarecimento.

3) Acreditava que a razão resgataria a humanidade da su-perstição, do autoritarismo e de todo o mal, portanto, é profundamente otimista.

4) Acreditava no progresso da humanidade.5) Retoma a concepção de retorno ao estado de natureza

(opondo-se à história) para reconquistar a espontanei-dade primitiva e a capacidade natural de renovação so-cial e civil dos homens.

6) Defendia os direitos naturais inalienáveis do ser huma-no, já que os homens nascem iguais e com direitos à vida, à liberdade, à propriedade, ao trabalho e à segu-rança, as chamadas leis naturais (aqui estamos nos refe-rindo especialmente aos iluministas ingleses).

7) Posiciona-se contra qualquer tipo de tirania absolutista, causa de privilégios, controle e censura.

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8) Condena todo tipo de metafísica e de religião positiva (fonte de ilusão e superstição).

9) Defende o deísmo, uma religião natural, opondo-se ao teísmo determinista, fundamento das religiões positi-vas.

10) Define a observação e a experiência (influências de Ba-con e Galileu), o racionalismo (Descartes) e a demons-tração (Newton) como base do conhecimento.

11) Concebe a ciência como única fonte de progresso e con-quista do mundo.

12) Defende uma moral utilitarista.

Antropologia iluminista

Cada iluminista define o homem por caminhos diversos, mas há uma convergência entre eles, a saber: todos vêem o homem como um ser natural, um observador da natureza e que tem o po-der de modificá-la. Desse modo, o homem é fruto do meio, mas pode ser modificado pela educação.

A luz da razão pode modificar o homem, e ele pode modifi-car a sociedade; não há uma providência divina, não há um deter-minismo, uma teleologia (finalidade predeterminada): “O homem é senhor da sua vida e do seu destino".

Aqui, podemos lembrar a famosa definição do filósofo ale-mão Immanuel kant, retratada no início desta unidade: “O escla-recimento é a saída do homem da sua menoridade de que ele pró-prio é culpado" (kANT, s.d., p. 11).

Para o ilustre filósofo alemão, menoridade significa a inca-pacidade de o homem servir-se do entendimento para escolher e decidir; não que haja uma falha no entendimento, mas faltam a decisão e a coragem de servir-se dele sem a direção de outros, por isso kant proclama na Crítica da Razão Prática: “sapere aude" (ousai saber), ou seja, tenha a coragem de se servir do seu próprio entendimento para escolher e decidir.

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Otimismo iluminista

Os iluministas pensavam que a razão era a única fonte para o progresso material, intelectual e moral da humanidade; isso os levou à crença e à confiança na perfectibilidade do homem.

Com isso, o homem teria acesso aos meios para alcançar a verdade e a felicidade, portanto, os iluministas acreditavam que “algum dia, tudo seria melhor", como dizia Voltaire. Essa confiança na razão é herança do racionalismo moderno, isto é, de Descartes, de Spinoza e Leibniz.

Mas, diversamente das concepções daqueles racionalistas, a razão dos iluministas é aquela do empirismo de Locke, que nega a existência de ideias inatas e reduz toda a realidade à experiência. Nesse sentido, a razão deveria balizar suas decisões na experiên-cia, como nos diz Reale e Antiseri (1990, p. 672). Uma razão que, como a física Newtoniana não se preocupa com essências, não for-mula hipóteses ou conjectura sobre o fim último das coisas, mas, partindo da experiência e em contato contínuo com ela, procura formular leis sobre o seu funcionamento e as submete à prova, o que contribuirá para o progresso e o desenvolvimento das ciências e, em consequência, da humanidade.

Desenvolvimento do Iluminismo

As manifestações iluministas não foram idênticas em todos os países.

Na Alemanha, por exemplo, a renovação de ideias recebeu o nome de Aufklärung (esclarecimento) e teve um caráter antimeta-físico, com um amplo apoio às ciências, sobre tudo a matemática e a física. Como a Alemanha já havia passado por um processo de re-forma religiosa no século 16 (duzentos anos antes), as ideias ilumi-nistas não tiveram lá o mesmo caráter anticlerical do Iluminismo francês e de outros países europeus. Porém, a ideia de um Deus controlador da humanidade, de providência divina ou de destino divino, foram completamente combatidas e rechaçadas.

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Do ponto de vista religioso, os iluministas alemães defen-diam uma religião natural, isto é, fundamentada na razão e não na tradição ou na teologia positiva. Da mesma forma que na Inglater-ra, na Alemanha e na França o desenvolvimento das ciências con-tribui para a abolição das concepções de pecado, castigo, milagre ou interferências divinas na natureza e na sociedade, afinal, tudo podia e devia ser explicado pela razão.

O mesmo se pode dizer do aspecto político. Enquanto o Ilu-minismo francês era profundamente antimonarquista, devido ao absolutismo ferrenho que prosperava na França desde a implan-tação da monarquia, na Alemanha, houve certa convivência pa-cífica. Como a Alemanha não era uma nação unificada, com uma monarquia absoluta controlando todos os estados alemães, como havia na França, as ideias políticas lá desenvolvidas não viam con-tradição na manutenção da monarquia, desde que fosse uma mo-narquia constitucional, como a da Inglaterra.

Por causa dessas diferentes manifestações, abordaremos separadamente os três movimentos iluministas de destaque e os seus principais representantes: o inglês, o francês e o alemão.

É importante que você tenha em mente todas estas características a partir de agora; elas lhe ajudarão a compreender uma série de configurações e propostas.

6. ILUMINISMO INGLêS

O Iluminismo inglês foi fruto de todo um conjunto de mu-danças intelectuais, políticas sociais e econômicas que ocorreram na Inglaterra a partir do século 17. Entre os fatos mais importan-tes, podemos citar:

• Ascensão da burguesia ao poder, com o desenrolar da Re-volução Gloriosa (1688).

• Crescente poder econômico e militar da Inglaterra após

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os confrontos com a Espanha.• Desenvolvimento científico e filosófico característico da

Europa dessa época.

Alguns pensadores podem ser apresentados como precur-sores do Iluminismo inglês, tais como John Locke, quando afirmou que o conhecimento tem origem na experiência, opondo-se à te-oria das ideias inatas de Descartes. Além disso, ele defende o li-beralismo econômico contra as interferências do mercantilismo e propõe uma moral utilitarista.

Outro pensador importante é David Hume, que reconhecia os limites da razão no conhecimento da natureza, o que o leva a repensar os fundamentos da ciência. Ao propor a reavaliação das bases da ciência, Hume reconhece a necessidade de discutir o fun-cionamento da natureza humana, ou seja, de que modo a razão humana pode chegar a certezas sobre os fenômenos naturais.

Além das bases filosóficas, não podemos nos esquecer da influência de Isaac Newton, com suas descobertas científicas, e Adams Smith com a proposta do liberalismo econômico.

De certa forma, o Iluminismo tem como centro das inves-tigações a semelhança entre as leis físicas e as leis da natureza humana que, compreendidas pela razão, criariam as condições materiais, intelectuais e morais para a vida do homem.

Somente a ciência pode explicar a natureza.

Assim, a razão seria a única faculdade capaz de: 1) Conduzir à liberdade, a abrir espaço e dar diretrizes para

a vida humana criando as condições psicológicas de li-berdade política e tolerância religiosa.

2) Conduzir ao equilíbrio contra toda tradicionalidade, in-centivando uma sociedade aberta ao desenvolvimento

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econômico, a leis mais justas e contra todo tipo de ab-solutismo.

3) Defender a religião natural (deísmo) contra a religião positiva; a maioria dos pensadores reconhece a existên-cia de Deus como criador do mundo e das leis imutáveis que o regem, mas não aceita uma intervenção divina no mundo e nem a possibilidade dos milagres.

4) Defender a moral fundada no senso comum, isto é, aqui-lo que é útil para o maior número de pessoas.

Vamos conhecer agora os principais pensadores do Iluminis-mo inglês.

Principais pensadores

Para exemplificar o pensamento do Iluminismo inglês, vamos apresentar no quadro 1 uma síntese das ideias dos seus principais representantes, tomando como referencial teórico Reale e Antiseri (1990, p. 781-814).

Quadro 1 Principais representantes do Iluminismo inglês.PenSADoR PenSAMenTo, ConTRiBUição eTC.

Figura 1 John Toland.

John Toland (1670-1722) foi um pensador irlandês que reduz toda a fé aos limites da razão; para ele, os mistérios do cristianismo podem ser explicados pela razão, e os ritos religiosos não passam de superstição.obra principal: O cristianismo sem mistérios, de cunho marcadamente deísta.

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Figura 2 Samuel Clarke.

Samuel Clarke (1675-1729). Este pensador inglês, dentre outras coisas, formulou uma demonstração da existência de deus pelos seguintes passos: a) para que as coisas finitas e naturais existam, é necessário que algo (Ser) tenha existido desde a eternidade; b) esse algo (Ser) deve ser eterno, imutável e independente. nesse sentido, a revelação teria vindo para tornar mais clara as verdades da fé e da moral. Para o iluminista, a essência de Deus é indemonstrável, e apenas sua existência e seus atributos seriam demonstráveis. obra principal: Discurso sobre a existência e os atributos de Deus. Nesta obra, ele deduz a existência de Deus da ideias de um ser necessário (tal como o apriorismo de Santo Anselmo).

Figura 3 Anthony Collins.

Anthony Collins (1676-1729) foi discípulo de Locke, ele não aceitava a religião revelada e defendia o deísmo e também o livre pensamento para analisar a realidade sem preconceito.Os dogmas (infalibilidade papal, poder de absolvição do clero católico, cultos às imagens, relíquias e santos) seriam preconceitos absurdos, e os milagres relatados na Bíblia seriam falsos ou, no máximo, alegóricos, ao passo que a ressurreição de Cristo seria uma invenção dos discípulos. A ignorância é o fundamento do ateísmo, o livre pensamento seria sua cura. Collins defendia também o "necessitarismo": a ocorrência necessária dos fatos naturais, não havendo liberdade humana.

Figura 4 Matthew Tindal.

Matthew Tindal (1653-1733) concebia que a lei natural foi impressa por Deus no universo e na natureza humana; pensar uma revelação seria inútil, ainda mais pensar um povo ou movimento histórico preciso com essa manifestação. As religiões positivas nada mais são que corrupções da única religião verdadeira, com efeito, a natural. obra principal: Cristandade tão antiga quanto a criação, defende a religião natural.

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Figura 5 Joseph Butler.

Joseph Butler (1692-1752). Segundo este bispo anglicano, a razão deveria se ater não na investigação da possibilidade dos milagres, mas conhecer o que os homens devem fazer e onde fundamentar a ordem moral, assim, para ele, a consciência é que deve normatizar a regra da conduta. obra principal: Analogia da religião natural e revelação com a constituição e o curso da natureza. Nesta obra, ele defende uma posição intermediária entre o pessimismo dos que afirmam a incapacidade da razão de conhecer a deus e o otimismo dos que afirmam a onipotência da razão para conhecer a realidade.

Antony Asley, Conde de Shaftesbury (1671-1713) participou ativamente do processo político inglês como chefe do parlamento após a Lei da Reforma de 1692 que restabeleceu a liberdade política aos católicos ingleses; foi responsável pela criação de leis trabalhistas no parlamento. obra principal: Ensaio sobre a virtude e o mérito. Nesta obra, Asley sustenta a autonomia da moral em relação à religião. Para ele, virtude e religião não são conexas: pode existir virtude sem religião (nisso ele antecipa o que dirá Kant); o sentimento moral é inato, anterior, inclusive, à noção de Deus, isto é, o homem é, antes de ser religioso, um ser moral, assim, basta a religião natural para fundamentar a moral.

Bernard de Mandeville (1670-1733) médico holandês que se destacou como escritor na Inglaterra.Com uma sociedade honesta há algumas mudanças: fechamento de tribunais e prisões (juizes, advogados e soldados sem ocupação), diminuição do número de funcionários públicos (a administração pública estava inchada) desemprego para arquitetos, artesãos, pintores, escultores, costureiras etc. (há um desinteresse por coisas suntuosas, vaidades e luxo), vida frugal (única felicidade). Fundamento para tais conclusões: o vício é o ato que o homem realiza para satisfazer um apetite; a virtude é a ação contrária ao impulso natural, assim, nem tudo no homem é ambição e luxuria, podendo florescer o bem. obra principal: Fábula das abelhas. nesta obra de título curioso, Mandeville defende a tese de que as sociedades florescem com os vícios dos homens (vícios privados, virtudes públicas); a sociedade floresce de abelhas imorais em que o vício produzia a astúcia e a ambição, que fazia prodigalizar a indústria, gerando abundância de comodidades e prazeres.

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Figura 6 Francis Hutchesson.

Francis Hutcheson (1694-1746): Irlandês, professor de filosofia moral, pensava que mesmo que falhos individualmente, os homens vivendo em sociedade raramente intuiriam regras morais condenáveis. Princípio moral: “a melhor ação possível é aquela que propiciar a maior felicidade para o maior número de pessoas", assim, o homem alcança melhor o bem buscando o bem do outro, o que proporciona um prazer mais elevado, numa moral de cunho utilitarista. obra principal: Sistema de filosofia moral; fundamentada no Jusnaturalismo.o homem tem inatos dois sentidos: o sentido do belo, que o leva a apreciar o belo, e o sentido moral, que é a capacidade de discernir entre o bem e o mal.

David Harley (1705-1757) foi físico, mentor do associacionismo, que é a explicação material para a criação das ideias (as ideias são criadas por associação).As impressões dos objetos sobre os sentidos fazem vibrar os nervos; essas vibrações são propagadas e conservadas pelo éter (fluido elástico que passa pela medula e atinge o cérebro) instrumento imediato das sensações.A repetição das sensações deixa tacos no cérebro que são as ideias simples; as ideias simples se convertem nas complexas por meio da associação (prazer, dor, ambição, egoísmo, simpatia e sentido moral).

Figura 7 Thomas Reid.

Thomas Reid (1710 – 1796): pastor protestante e sucessor de Adam Smith em Glasgow. Segundo ele, o conhecimento se dá pelo procedimento indutivo a partir das sensações que criam o pensamento. Assim, pode-se conhecer o que há na mente por meio da estrutura da linguagem e da conduta humana (homem como animal cultural).Também a validade dos princípios morais seria atestada pelo senso comum (há coisas na conduta humana que merecem aprovação e outras não). obra principal: Princípios do senso comum; desenvolveu uma teoria realista de conhecimento baseado no senso comum, dando origem a escola escocesa do senso comum.

7. ILUMINISMO FRANCêS

As ideias iluministas inglesas chegaram à França encontran-do um ambiente específico: monarquia absolutista, clericalismo conservador e a sociedade estamentária. Contra essa realidade,

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levantaram-se os “Philosophes", homens oriundos dos mais va-riados segmentos sociais que tinham como escopo, por meio dos seus escritos, anular essas diferenças sociais da sociedade france-sa do século 17.

Por contestar as diferenças existentes, esses pensadores se consideravam "cidadãos livres e iguais da república das letras"; re-pública das letras porque eles tinham como ofício a arte de escre-ver, arte que os igualava, independentemente do segmento social ou do sangue que traziam nas veias.

Eles tinham as mais variáveis origens sociais: Voltaire, Diderot e La Mettrie eram burgueses; Holbach e Montesquieu eram de origem nobre; Rousseau era filho de um relojoeiro suíço; D'Alembert era filho ilegítimo de um general; Condillac era padre.

O ofício de escrever era realizado como forma de: • Fazer parte de elite cultural francesa, conhecida como “Le

monde".• Alcançar fama e ganhar dinheiro. • Transformar a injusta sociedade francesa.

Para alcançar aqueles objetivos, eles escreviam sobre tudo, daí o nome de “enciclopedistas".

Escreviam contra os desmandos do estado francês, dos polí-ticos, da Igreja e da sociedade em geral. Essas críticas atenderiam a um público específico, com efeito, a burguesia, que estava ávida para transformar a estrutura da sociedade francesa.

Como os iluministas visavam lançar luzes sobre aquela socie-dade e abalar os valores tradicionais e conservadores que a sus-tentavam, eles acabaram por tornarem-se aliados e porta-vozes da burguesia.

As críticas do movimento iluminista atendiam aos ecos burgueses.

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Por causa de suas atitudes críticas, muitos dos iluministas foram presos, torturados e exilados; suas obras foram censuradas e queimadas, mas, apesar disso, elas eram editadas no exterior e entravam clandestinamente na França e circulavam de mão em mão, nos cafés, salões de festas e maçonaria. Sobre essa afirma-ção, cabe recordar a frase: “eu gostaria de ver o último rei enfor-cado nas tripas do último frade" (cf. qUEIROZ, 2011). Isso significa que o estado e a igreja estavam intimamente ligados e se impu-nham pela autoridade e pelo dogmatismo, símbolos máximos do obscurantismo.

Como você pôde perceber os filósofos muitas vezes são alvos de perseguições políticas, religiosas etc. Qual sua opinião sobre isso?

Por isso, o movimento tornou-se sinônimo de depravação, pornografia, subversão, porém o que ele defendia era a liberdade de pensamento, a igualdade entre os homens e a fraternidade en-tre os povos, ideias que resultaram numa nova visão de homem e de mundo.

Principais ideias do iluminismo francês

As ideias iluministas eram reações às ideias defendidas pelo “antigo regime", principalmente:

• Absolutismo: favorecia uma política despótica, ou seja, um poder absoluto, centrado na pessoa do rei e funda-mentado na origem divina do poder. Do ponto de vista econômico, no absolutismo desenvolveu-se o mercan-tilismo comercial, sistema em que o estado controlava toda a atividade econômica.

• Sociedade estamentária: dividia a sociedade em cama-das sociais.

• Censura e intolerância: contra novas ideias e propostas.

Contra essas ideias, o Iluminismo propunha o ideal de igual-

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dade, liberdade e fraternidade. Esses princípios guiariam a razão para criar um ambiente de:

1) Soberania popular.2) Igualdade social.3) Liberalismo econômico.4) Tolerância filosófica e religiosa.

Essas ideias se objetivaram na Revolução francesa (1789) que, após sua constituição, favoreceu a criação da Constituição Liberal e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Ci-dadão, que modificariam todo o mundo contemporâneo. Por cau-sa dessa grande influência, o século 18 é chamado de Século das Luzes.

Principais representantes do iluminismo francês

São inúmeros os representantes do Iluminismo francês. Ve-jamos alguns deles.

Pierre de Bayle

O primeiro pensador iluminista, considerado precursor des-se movimento na França, foi o protestante Pierre Bayle (1647-1706) com a sua obra Dicionário histórico crítico.

Nessa obra, Bayle assume posições céticas, recusando a exis-tência de conhecimentos absolutos; além disso, ele, contrário à posição leibniziana da época, posiciona-se contra a conciliação en-tre fé e razão.

O pensador assume, também, uma postura antidogmática, negando a interferência de Deus no cotidiano do mundo; para ele, a providência divina não conduz a história do homem, por isso, a tarefa do historiador é compreender os erros que deturparam os fatos, como, por exemplo, os fatos relacionados à religião revela-da.

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Outro pensador que pode ser apresentado como precursor do Iluminismo na França é Etienne Bonnot, abade de Condillac (1715-1780).

Figura 8 Condillac.

Condillac (1715-1780)

Nascido em Grenoble, filho de uma família rica, Condillac estudou em Lion, no colégio jesuí-ta daquela cidade. Parte depois para Paris, onde ingressa no seminário de Saint-Suplice e, logo em seguida, estuda teologia na Universidade de Sor-bonne.

Tendo sido ordenado padre em 1740, logo se afastou dos estudos teológicos para dedicar-se inteiramente à filosofia, que influenciou de forma determinante sua obra. Con-dillac aprofundou-se nas teorias de Newton e Locke, leu La Metrie, Voltaire e Bacon e conviveu com grandes figuras do Iluminismo francês, como Diderot, D'Alembert e Rousseau.

Sua produção filosófica teve início com a obra Dissertação sobre a existência de Deus. Nessa obra, ele conclui pela existência de Deus a partir da ordem e do finalismo do universo, porém sua primeira obra de relevância foi o Ensaio sobre a origem do conhe-cimento humano, de 1746, em que ele intenta estudar o espírito humano para descobrir sua natureza, suas operações, seu desen-volvimento, para que saibamos utilizá-lo corretamente a fim de adquirir o máximo de conhecimento possível.

Em 1749, veio a público o Tratado dos sistemas, obra em que afirma que o conhecimento só pode ser adquirido a partir de fatos bem constatados. Assim, faz uma crítica aos sistemas filosó-ficos que partem de princípios abstratos e sem referências experi-mentais como os de Descartes, Spinoza e Leibniz. Em virtude dessa obra, ele é nomeado membro da Academia de Berlim.

Em 1754, conhecendo as discussões sobre a percepção, a vi-são e a realidade do mundo externo, Condillac publicou a sua obra

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mais conhecida, o Tratado das sensações. Nela, influenciado pelo empirismo de John Locke, afirma que a sensação é a única fonte segura para o conhecimento.

Nesse sentido, ele radicaliza a ideia de Locke que propunha dois princípios: a experiência e a reflexão, que seria uma espécie de experiência interna, organizadora das ideias. A proposta de Condillac é chamada de sensismo, isto é: todas as formas de ativi-dades cognitivas e psíquicas nascem das sensações.

O ponto central da filosofia de Condillac é a sua afirmação de que a alma e o corpo são distintos e o fundamento do conhe-cimento é a sensação, que é diferente da reflexão (opondo-se a Locke).

Por causa dessa posição, ele estabeleceu o seguinte caminho para o conhecimento: em primeiro lugar, temos a sensação que nada mais é que o contato com o mundo externo; em seguida, te-mos a impressão, ou seja, aquilo que os sentidos fixam das sensa-ções; quando a sensação presente é comparada a uma já passada, temos a memória; mas há momentos em que o espírito se ocu-pa com uma sensação que a mantém mais viva, isso é a atenção; quando se compara a sensação registrada na memória com aquela em ato, temos o julgamento, com a posterior formação de juízos; dos juízos é que surgem todo o querer e o não querer, dando ori-gem ao sentimento de prazer e dor. Assim, a sensação é o funda-mento de todo conhecimento humano.

Para exemplificar essa visão, ele apresenta a imagem de uma "estátua de mármore" que seria destituída de todos os sentidos, exceto o olfato. Essa estátua, sentindo o perfume de uma rosa e a impressão que o perfume deixou nela, inicia todo um processo cognitivo (sensação, impressão, memória, atenção e juízo) que lhe provocaria prazer ou dor, sendo agradável ou desagradável o odor, proporcionando a criação de muitos hábitos.

Assim, pode-se concluir que Condillac aceita que a sensação envolve todas as operações da alma, ou seja, as operações do in-telecto e da vontade, que podem se transformar.

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Essa postura o leva a criticar todos os sistemas metafísicos, cujos princípios, afirma ele, são inúteis e perigosos por serem construídos ao prazer dos filósofos. Assim, aqueles princípios mas-caram os homens e somente uma razão autônoma leva à verdade.

Para você refletir: “Todos os sistemas metafísicos [...] são inúteis e perigosos por serem construídos ao prazer dos filósofos". Qual sua opinião a respeito desta afirmação?

Também podemos citar Julien de La Mettrie (1709-1751), um pensador declaradamente materialista e ateu.

La Mettrie (1709-1751)

Julien Offroy de La Mettrie nasceu em Saint-Malo, em 1709. Fez seus estudos iniciais em Caen e, logo depois, em Paris, onde estudou medicina. Entre 1733 e 1734 morou na Holanda, onde estudou junto ao famoso médico Hermann Boerhaave (1668-1738) que se confessava ateu e spinoziano. Os resultados desses estudos apa-

receram na sua obra História natural da alma, de 1745, na qual ele afirma que aquilo que não é extraído da natureza, ou seja, tudo aquilo que for fenômeno, causa e efeito, é estranho à filosofia. Aqui já encontramos pistas de seu Materialismo ateu.

Por causa de suas posições, La Mettrie foi expulso da França, em 1746, refugiando-se na Holanda. Esse refúgio não durou mui-to. Em 1748, veio a público sua obra mais conhecida, O homem--máquina, que foi condenada e queimada por ordem judicial. De-pois de expulso da Holanda, La Mettrie conseguiu abrigo na corte de Frederico II da Prússia, naquela época, grande protetor e incen-tivador de intelectuais, inclusive dos iluministas.

Figura 9 La Mettrie.

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Durante o período em que esteve em Berlim, foram publi-cadas as seguintes obras: O homem-planta (1748), O anti-Sêneca ou discurso sobre a felicidade (1750), Reflexões filosóficas sobre a origem dos animais (1750), A arte de gozar (1751), Vênus física ou ensaio sobre a origem da alma humana (1751). La Mettrie morreu em 1751.

Vamos centrar nossa reflexão sobre a obra mais importante de La Mettrie, O Homem-máquina. Nela, ele afirma que na nature-za não existe outra substância que não seja a matéria que pode se modificar. Assim, o homem não é mais que uma parte dessa modi-ficação da matéria, um animal mais evoluído dentre os muitos na natureza, mas esse homem é uma máquina tão complexa que é impossível conhecê-lo e defini-lo à primeira vista.

Todas as filosofias que tentaram conhecer e definir o homem de forma a priori cometeram enganos; o homem só pode ser co-nhecido de forma a posteriori, ou seja, ele só pode ser conhecido mediante a análise do seu corpo.

Desse modo, conceitos como Deus e alma não são mais que palavras vazias sem significado algum; a consequência dessas po-sições é a apresentação de uma ética hedonista menos rigorosa.

Outro iluminista importante é o Barão de Holbach, que tam-bém se apresenta como materialista.

Barão de Holbach

Paul Heinrich Dietrich, barão de Holbach, nasceu em Heides-heim, Alemanha, em 1725. Por ter herdado uma grande riqueza, mudou-se para Paris, a fim de estudar, e lá permaneceu toda a sua vida.

Holbach conhecia bem as ciências naturais (física e química) e a tecnologia da época (metalurgia e mineralogia), tornando-se um dos colaboradores do projeto da Enciclopédia. Eram famosos os jantares que oferecia aos philosophes, seus amigos, duas vezes por semana, às quintas-feiras e aos domingos. Entre os convivas

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encontravam-se, frequentemente, Diderot e Rousseau. Holbach morreu em 1789, ano em que estoura a Revolução Francesa.

Dentre os escritos do barão destacam-se: O sistema da na-tureza (1770), A política natural (1773), O sistema social (1773), A moral universal (1776), Sobre a crueldade religiosa (1766), A im-postura sacerdotal (1767), Os padres desmascarados ou a iniqüi-dade do clero cristão (1768), Exame crítico da vida e das obras de São Paulo (1770), História crítica de Jesus Cristo (1770).

Vamos nos ocupar rapidamente com sua obra mais impor-tante, O Sistema da natureza. Essa obra foi chamada de "código ou bíblia do materialismo ateu" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 726). Nela, são apresentados argumentos, antigos e novos, a favor de uma explicação materialista ateia da realidade.

Para esse iluminista, por influência de La Mettrie, a matéria se distingue qualitativamente, uma vez que ela se modifica. Essa matéria compõe todos os seres, inclusive os homens; a ordenação de toda essa matéria é a natureza.

Também merecem destaque os organizadores do projeto da Enciclopédia, D’Alember e Diderot. Vejamos um pouco da obra desses dois iluministas.

D’Alembert (1717-1780)

Jean-Baptiste lê Rond D’Alembert nas-ceu em Paris, em 1717. Filho de um oficial e de uma aristocrata, ele foi abandonado na igreja de Saint-Jean-le-Rond da qual herdou o nome, e graças à pensão que recebeu do pai ele pôde estudar.

Sua produção científica e filosófica pode ser encontrada nas seguintes obras: Tratado

da dinâmica (1743), Tratado do equilíbrio e dos fluídos (1744), Pes-

Figura 10 D´Alembert.

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quisas sobre as cordas vibratórias (1746), Pesquisas sobre a pre-cessão dos equinócios e sobre a mutação do eixo terrestre (1749), Elementos de filosofia (1759), As reflexões sobre a poesia (1761), e outras.

A reflexão filosófica de D'Alembert caracteriza-se pela afir-mação de que a filosofia é a ciência da experiência e da obser-vação de fatos. Para ele, o conhecimento verdadeiro só pode ser alcançado se a razão jamais abandonar o seu contato com os fatos concretos. Por isso, há dois tipos de conhecimento: o primeiro é o conhecimento direto, aquele adquirido sem interferência da von-tade, ou seja, aquele que recebemos mediante o uso dos sentidos; o segundo tipo é o reflexivo, que é adquirido quando se opera sobre o conhecimento direto, mediante a relação de combinações.

Por isso é que se pode afirmar que, para ele, a filosofia é a ciência dos fatos. A experiência torna-se, então, o limite do conhe-cimento humano, uma vez que a razão é incapaz de explicar uma quantidade enorme de fenômenos.

Por causa dessa visão, D'Alembert propõe que a filosofia deve virar as costas para os sistemas metafísicos que tentam ex-plicar a realidade a partir de dados não empíricos. Se a filosofia se prender nesses sistemas, vazios e sem sentido, ela esquece a sua principal função que é instruir o homem.

no século em que ele vivia, século 18, o espírito filosófico verdadeiro era aquele que se dedicava à experimentação e a análi-se. Por isso, o “século da filosofia" é o século da crítica e da análise e a filosofia é a ciência dos fatos, não podendo, ela, se perder em devaneios e divagações metafísicas.

A razão deve fugir do obscurantismo escolástico.

Do ponto de vista da religião, D'Alembert é um deísta convic-to, pois aceitava a existência de Deus como ordenador do mundo, já que o universo é dotado de leis imutáveis e perenes. Mas esse

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Deus não interfere no mundo já criado e muito menos no cotidiano humano; nesse sentido, falar de providência divina é um absurdo.

Essa concepção abre espaço para aceitar uma religião natu-ral contra a religião positiva. Se a religião positiva não tem valor, tudo que está ligado a ela torna-se inócuo e inútil, por isso, a moral cristã não possui sentido; a verdadeira moral deveria estar ligada à uma moral natural, da mesma forma que o direito.

Essa moral tem fundamentos racionais, já que os homens se relacionam mediante sinais que transmitem ideias e que dão ori-gem à linguagem. Para ele, as ideias, que dão origem à linguagem, têm origem nas sensações, portanto, as ideias morais também es-tão ligadas às sensações.

Dessa forma, cada povo, de acordo com o lugar e a época, tem suas ideias morais específicas. Com essa concepção, D'Alembert defende a tolerância religiosa, política e moral.

Outro responsável pelo projeto da Enciclopédia foi Denis Di-derot. Vamos conhecê-lo.

Denis Diderot

Filho de uma família de artesãos abastados foi educado em colégio jesuíta e, mais tarde, en-caminhado para a carreira eclesiástica, porém, em 1728, abandou o seminário e foi estudar filosofia na Sorbonne, onde obteve o título de mestre, em 1732.

Na capital francesa, conheceu o mundo dos philosophes, convivendo com Rousseau, Holbach, D'Alembert e Condillac. Gra-ças ao ofício de tradutor, meio que encontrou para sobreviver, en-trou em contato com as ideias dos iluministas ingleses, ao traduzir o Dicionário universal de medicina, de James, e o Ensaio sobre o mérito e a virtude, de Shaftesbury.

Figura 11 Diderot.

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Algumas de suas obras foram: Pensamentos filosóficos (1746), Carta sobre os cegos (1748), Interpretação da natureza (1753), Conversações filosóficas entre d'Alembert e Diderot, O so-nho de D’Alembert e Princípios filosóficos sobre a matéria e o mo-vimento (1769-1770).

Para conhecer um pouco o pensamento desse iluminista, va-mos nos ater à obra Pensamentos filosóficos, de 1746. Nela, Dide-rot polemiza contra as posições ateias e contra as superstições das religiões positivas, em favor de uma religião natural.

No debate, o iluminista francês assume claramente posições deístas, embora, mais tarde, ele assuma posições que beiram ao Materialismo. Para defender a existência de Deus, ele recorre às grandes descobertas da época e às posições defendidas por alguns cientistas mecanicistas, entre os quais Isaac Newton; recorrendo a esses cientistas, Diderot afirma que o mundo, sendo uma máqui-na, regido por leis mecânicas, só pode ter sido criado por uma in-teligência suprema e perfeita, ou seja, Deus. Assim, se vê que não é a prova ontológica, mas o conhecimento da natureza que leva a Deus. Isso constitui o deísmo de Diderot.

Com a existência de Deus, tem início na constância do mun-do (era clara, também, a farsa das religiões positivas que defen-diam os milagres) a providência divina, a inspiração divina dos li-vros sagrados.

Essa reflexão relaciona-se com sua concepção da realidade como constituída de matéria em constante movimento, realidade que tem origem em si mesma, sem a presença de finalidade ou ordenação superior exterior. Todas as explicações que recorrem a seres ordenadores para explicar a natureza constroem ideias ab-surdas, falsas superstições e quimeras.

Para Diderot, o mundo é matéria em movimento, posição que o aproxima do Materialismo spinoziano; a própria vida tem origem na matéria em movimento. Essa posição se apresenta con-tra todas as teses religiosas do criacionismo.

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Para exemplificar sua posição materialista, ele apresenta o exemplo do ovo; vejamos como isso se dá. Um ovo, antes de ser fe-cundado é uma massa insensível, situação que persiste até mesmo quando o germe lhe fecunda. Só haverá mudança, ou seja, organi-zação, sensibilidade e vida quando houver calor. O calor nada mais é do que algo produzido pelo movimento.

Essa exposição de Diderot é construída a partir de dados das ciências que estavam sendo desenvolvidas na sua época. Assim, podemos dizer que Diderot tenta harmonizar a sua concepção filo-sófica com os dados das pesquisas científicas da sua época.

Esse Materialismo científico influencia sua reflexão moral, conduzindo-o a uma posição hedonista, ou seja, ele defende uma moral vinculada ao prazer e à dor, e é nesse sentido que ele discute as paixões humanas, tema caro ao filósofo Descartes.

Para Descartes, a razão deveria dominar as paixões, mas, contrário a essa visão, Diderot afirma que só “as grandes paixões conseguem elevar o espírito às grandes coisas" (apud REALE; AN-TISERI, 1990, p. 707). As paixões reprimidas degradam homens ex-cepcionais; sem elas os homens voltariam a se comportar como na infância. Por isso, uma moral religiosa é uma moral ímpia, degene-radora da vida humana.

Do ponto de vista político, ele critica as formas de governo existentes na Europa, em especial o despotismo absoluto francês. Segundo ele, nenhum homem seria feliz sob o julgo do arbítrio de um governo tirânico; mesmo os ditos governos justos e virtuosos, se forem tirânicos, não criam condições para a felicidade, e coíbem a liberdade.

Diderot conheceu de perto os governos da França e da Prús-sia. O primeiro era uma monarquia despótica absolutista, e o se-gundo era um despotismo que se dizia esclarecido, entretanto, ambos eram tirânicos.

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Tirania, para ele, diz respeito à extensão do poder arrogado pelo governante, e não simplesmente o seu uso. quem manda so-zinho em tudo, mesmo que se considere justo, é um tirano abso-lutista.

O verdadeiro governo é aquele em que todos partilham das condições de liberdade. Vamos conhecer agora Voltaire.

Voltaire (François-Marie Arouet)

Voltaire é o pseudônimo de François-Marie Arouet, se não o principal, certamente um dos principais expoentes do Iluminismo francês. Nasceu em Paris, em 1694, filho de um rico ta-belião, recebendo a primeira educação de seu padrinho, o abade de Châteneuf. Em 1704 foi

para o colégio jesuíta de Louis-le-Grand, e depois de receber uma herança abandonou a colégio para poder estudar outros assuntos. Nesse período, ele frequentou o círculo dos philosophes, os livres--pensadores.

Em 1703, depois de uma curta estada na Holanda, volta a Paris e escreve uma composição falando do rei, que lhe obriga a fugir de Paris e se refugiar em Sully-sur-Loire. Só volta à capital francesa em 1717, momento em que é preso e levado à Bastilha (prisão para onde eram levados os inimigos do regime) lá perma-necendo por 11 meses. Essa foi uma das várias estadias de Voltaire na Bastilha.

Em 1718, ano seguinte à sua prisão, foi encenada a primeira tragédia de sucesso, chamada Oedipe. Em 1723, foi publicado um poema épico chamado La ligue, em homenagem a Henrique IV, republicado em 1728, na inglaterra, com o título de Henriade.

Em 1726, nova estadia na Bastilha por causa de desenten-dimento com um nobre chamado Rohan. O nobre, ofendido pelo sarcasmo de Voltaire, fez com que seus servos o agredissem vio-

Figura 12 Voltaire.

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lentamente e, em resposta, Voltaire o desafiou para um duelo. A atitude do corajoso nobre foi enviá-lo novamente à Bastilha.

Depois da segunda temporada na prisão, Voltaire partiu em exílio para a Inglaterra, onde permaneceu por três frutíferos anos. Na Ilha, ele entrou em contato com os homens cultos da terra, en-tre eles Berkeley; dedicou-se ao aprofundamento do pensamento de Locke e à física newtoniana; estudou as instituições inglesas, criando por elas uma grande admiração que influenciou na cons-trução de uma das suas mais conhecidas obras: as Cartas filosófi-cas sobre os ingleses, de 1733, publicada em francês em 1734, na Holanda, e distribuída clandestinamente na França.

Nessa obra, fica claro que, “se a Bastilha lhe havia inspira-do o desejo de uma sociedade renovada, a Inglaterra lhe havia mostrado aquilo que tal sociedade podia ser" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 731).

Depois do exílio na Inglaterra, Voltaire, retorna a Paris em 1729. Um ano depois, mais uma polêmica. quando da morte de uma atriz chamada Adrienne Lecouvreur, impedida de ser sepulta-da em cemitério sagrado, por ser uma atriz, Voltaire escreve uma obra chamada A morte de madame Lecouvreur, comparando a di-ferença de tratamento que os ingleses deram ao sepultamento de uma atriz inglesa enterrada próximo à igreja de Westminster.

Os ingleses tratavam melhor até os seus mortos. A essa obra, seguiram outras: Brutus (1730), História de Carlos XII (1731) e Zai-re (1732), tragédia que tornou um sucessor imediato.

Em 1734, mais uma fuga. Nesse ano, como dissemos ante-riormente, chegou clandestinamente, vindo da Holanda, as Cartas sobre os ingleses. Devido às críticas ao absolutismo francês, a obra foi condenada e queimada em praça pública. O autor precisou fu-gir de Paris encontrando refúgio no castelo de Cirey, junto à amiga e admiradora marquesa de Châtelet, com quem manteve um re-lacionamento que durou 15 anos, quando a marquesa deixou-se seduzir por outro homem, pouco antes de morrer durante o parto

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do filho. Desse período em Cirey, temos as seguintes obras: A mor-te de César (1735), Os elementos da filosofia de Newton (1736), A metafísica de Newton (1740), entre outras.

Por interseção da uma amiga, Voltaire reconciliou-se com a corte parisiense e foi nomeado historiógrafo da França em 1746, mesmo ano em que foi aceito na Academia de Paris. Em 1749, ano da morte da sua amada, a marquesa de Châtelet, Voltaire foi para Berlim, chamado pelo imperador prussiano, Frederico II. Lá tam-bém enfrentou problemas e a estadia prussiana terminou, três anos depois, com uma prisão.

Depois de retornar a França, decide ir para Genebra, em 1755. Nesse período, passa a colaborar com a Enciclopédia. Daí aparecem os cinco volumes do seu Ensaio sobre a história geral e sobre os costumes e o espírito das nações, nos quais critica as su-perstições religiosas na formação da história e das instituições hu-manas. Os acontecimentos humanos não dependem de uma pro-vidência divina, mas sim de um entrelaçamento de fatos e ações dos próprios homens.

Outras obras se seguem: em 1756, escreve o Poema sobre o desastre de Lisboa, sobre o grande terremoto que destruiu a ca-pital portuguesa; em 1759, o Cândido ou o otimista, em 1759; em 1762 surgiu O tratado sobre a tolerância, no qual discute os erros judiciários, o fanatismo e a intolerância religiosa; em 1764, publi-cou O dicionário filosófico; Filosofia da história, em 1765; Em 1766, veio à luz O filósofo ignorante e o Comentário sobre dos delitos e das penas de Beccaria, que analisava o manual de direito publica-da em 1764.

Mesmo com idade avançada, a produção literária de Voltaire não cessa; entre 1767 e 1776, apareceram, entre outras: Questões de Zapola, A defesa de meu tio e O ingênuo (1767), As questões sobre a Enciclopédia (vários volumes) (1770-1772) e A bíblia enfim explicada (1776).

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Em 1778, 20 anos depois de deixar a França, Voltaire volta a Paris, justamente no período em que estavam apresentando a sua última comédia, Irene. Na sua chegada, ele foi aclamado pela multidão. Algumas semanas depois ele morria, sendo reconhecido como um dos maiores expoentes intelectuais do século 18.

Na sua famosa Cartas filosóficas sobre os ingleses (1734), é possível conhecer quais foram as influências científicas e filosófi-cas que Voltaire sofreu e quais são as suas principais preocupações políticas e filosóficas.

Vamos conhecê-las.

Do ponto de vista político, o contato com as instituições in-glesas durante o seu exílio na ilha, Voltaire contrapõe a liberdade e a tolerância vistas na Inglaterra ao absolutismo existente na Fran-ça. Isso o faz defender os direitos naturais e os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

Do ponto de vista filosófico, ele expõe os princípios do em-pirismo de Bacon e Locke, e contrapõe a física experimental de Newton à ciência especulativa cartesiana.

Não que ele desdenhe da filosofia cartesiana, mas, segundo ele, o mérito de tal filosofia foi apresentar um método que acabou com quimeras escolásticas e que levou os homens de seu tem-po a raciocinarem com autonomia. Porém, quem levou adiante o projeto cartesiano com mais sucesso, do ponto de vista científico, foi Newton, cuja reflexão é considerada uma obra-prima da razão humana.

Bacon também ocupa um lugar de destaque no pensamento de Voltaire. Para ele, tal filósofo é o pai da filosofia experimental ao apresentar um método que ajudou a compreender a natureza.

Por seu lado, Locke é apresentado como o espírito mais fe-cundo, metódico e lógico que surgiu; o sucesso do empirista inglês está no fato de ter destruído o conceito de ideia inata e demons-trado que todo o conhecimento humano provém da experiência.

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No que tange à religião, Voltaire é deísta. Nas obras Tratado de Metafísica e Dicionário Filosófico, ele afirma que não há dú-vida da existência de Deus. Entretanto, a prova dessa existência não está em nenhuma religião revelada, mas sim na existência da própria natureza e sua ordem. Para ele, por influência de Newton, Deus é o grande engenheiro do mundo que criou e organizou seus sistemas e leis.

Assim, da mesma forma que a existência do relógio dá a cer-teza do relojoeiro que o criou, a existência de um mundo organi-zado dá a certeza de um ser supremo que o criou e o organizou, já que um universo organizado não poderia surgir do nada. Esse ser é Deus.

Mas se existe Deus, como explicar a existência do mal? Como conciliar a existência de um Deus criador e organizador do mundo com o mal no mundo? (pergunta que Leibniz também tentou res-ponder na sua Teodicéia).

Para Voltaire, Deus criou o mundo físico e tudo que está nele, inclusive os homens, mas não interfere na sua história; a história e tudo que compete a ela são criações humanas. Assim, bem e mal são referentes ao que os homens preferem ou repelem, portanto, isso o leva a uma concepção hedonista da moral.

Pensada assim, a verdadeira religião não se fundamenta em doutrinas metafísicas incompreensíveis, crenças, ritos, hierar-quias, mas na concepção de que há um Deus supremo e que de-vemos nos submeter a suas ordens eternas: o que for, além disso, não passa de superstição.

Portanto, as religiões reveladas ou positivas não passam de superstições e fanatismos que impedem a plena realização dos homens. A existência de Deus é, dessa forma, uma inferência da razão, enquanto a fé fundamentada na religião positiva é apenas superstição.

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Essa concepção de religião o leva a um confronto com as concepções do filósofo Blaise Pascal, tão em voga na França da-quele período, por ter feito uma apologia da religião cristã.

Nas Cartas filosóficas, exatamente na carta XXV, ele desfere uma crítica violenta às posições religiosas de Pascal, com o intuito de atacar também a forte tradição católica francesa. Para Voltaire, Pascal, ao analisar a natureza humana, cometeu uma grande injus-tiça, uma grande injúria: ele apresentou os homens como maus e infelizes.

Voltaire afirma que essas características não pertencem se-não a alguns homens; dizer que o gênero humano é naturalmen-te mau e infeliz é um grande erro. O pessimismo de Pascal está equivocado, e também a proposta de superá-lo na religião é equi-vocada, uma vez que essa religião é o cristianismo. Como vimos anteriormente, para ele, toda religião revelada é supersticiosa; por isso, o caminho proposto por Pascal é supersticioso.

A saída não é a fé cega, ou a aposta na existência de Deus; não precisamos odiar nosso ser, a nossa existência não é tão ruim, e o mundo não é uma prisão da qual precisamos fugir.

Para o iluminista, o mundo é a casa dos homens, que ocu-pam nele um lugar certo; os homens são os animais superiores na natureza porque são dotados de paixão para agir e racionalidade para guiar as suas ações, portanto, cabe aos próprios homens cui-dar para que esse mundo seja melhor, já que isso depende exclu-sivamente deles.

Se Voltaire se posicionou contra o pessimismo de Pascal, ele também não aceita o otimismo leibniziano que afirma que esse mundo é "o melhor dos mundos possíveis". Para Voltaire, o mal existe no mundo, e em vários momentos da história é possível constatar que o mal não é uma invenção, mas algo concreto, sofri-do por homens reais.

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É no Cândido ou o otimista que ele quis se opor à filosofia oti-mista; essa obra é um relato tragicômico. Segundo Reale e Antiseri (1990, p. 739), a tragédia está "no mal, nas guerras, nas opressões, na intolerância, na superstição cega, nas doenças, nas arbitrarieda-des, na estupidez, nas roubalheiras, nas catástrofes naturais [...]". É contra essas tragédias que Cândido e seu mestre Pangloss, repre-sentando a figura de Leibniz, se defrontam.

A comédia está nas justificativas que Pangloss e Cândido pro-curam dar para o infortúnio humano. Diante de tudo o que acon-tecida, Pangloss ensinava ao seu aluno que tudo tem sua causa e sua finalidade, ou seja, tudo acontecia e estava ordenado com fim ao melhor. As adversidades de Cândido aconteciam porque eram necessárias e faziam parte de um grande plano divino que o con-duziria ao melhor. Como se vê, Pangloss, como Leibniz, ensinava a metafísica e suas vertentes; é como se houvesse uma razão sufi-ciente que guiasse todos os fatos.

Mas, na realidade, com a figura de Cândido, Voltaire preten-dia demonstrar que os homens devem agir de modo contrário a Pangloss e seu discípulo. No mundo, nem tudo é bem e nem tudo é mal, portanto, não se pode fugir da vida, mas é possível mudar a realidade para torná-la melhor.

O mundo está cheio de problemas; cabe a cada homem ra-cional enfrentá-los e fazer o possível para resolvê-los: nosso mun-do não é o melhor dos mundos possíveis, mas também não é o pior. O mundo será o que os homens fizerem dele; por isso, a razão deve guiar os homens para que o mundo possa melhorar ou, pelo menos, não se tornar pior. Por isso, "é preciso cultivar nossos jar-dins", escreve Voltaire na última página do Cândido.

Por fim, outro tema muito caro a Voltaire é o da intolerância, seja no nível político, filosófico ou religioso. A intolerância, para ele, era um dos piores problemas do mundo, e para que o mundo fosse mais civilizado e suportável era fundamental acabar com ela.

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O problema é atacado em duas obras: o Dicionário filosófi-co e, com mais destaque, no Tratado sobre a Tolerância. Nessas obras, o filósofo colocou como fundamento da intolerância as dis-putas religiosas, em que cada uma delas arrogava para si o mono-pólio da verdade. Ninguém pode dizer que conhece verdadeira-mente a Deus e usar desse argumento para atacar os outros; todas as religiões estão sujeitas ao erro.

Mas como acabar com a intolerância? Eis a questão posta por Voltaire que analisaremos agora.

A maneira de superar e acabar com a intolerância era retor-nar aos princípios da natureza; todos os homens deverão reconhe-cer os limites do seu conhecimento, que são fracos, incoerentes e sujeitos a erros. Os homens devem se suportar e perdoar recipro-camente; essa é a primeira lei da natureza, ou seja, é aquela que a natureza indica para todos os homens. Sabendo disso, os homens, guiados pela razão, compreendem o grande princípio universal: não faça ao outro aquilo que não gostarias que fosse feito a ti. Nisso, reside a razão da tolerância.

Outro grande representante do Iluminismo francês foi Char-les Louis de Secondat, barão de Montesquieu, grande filósofo eru-dito, moralista, jurista e político.

Montesquieu (1689-1755)

Montesquieu nasceu em La Brède, pró-ximo a Bordeaux, em 1689. Estudou direito em Bordeaux e, depois, em Paris. Morreu em 1755.

O filósofo dedicou-se tanto a literatura quanto a filosofia, mas o seu maior interesse

sempre foi a ciência política. Entre suas principais obras, podemos citar: O espírito das leis, Cartas persas (1721), Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e a sua decadência (1733),

Figura 13 Montesquieu.

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Reflexões sobre a monarquia universal (1733) e O espírito das leis (1748, depois de mais de vinte anos de trabalho).

A reflexão filosófica de Montesquieu fundamenta-se no co-nhecimento histórico, no contato que teve com as instituições in-glesas e nos problemas cotidianos da vida humana de seu tempo. A base para a análise de todos esses fatos foi o método experimen-tal; por isso, ele exaltava e confiava profundamente nas ciências.

Um dos temas caros a Montesquieu era a exaltação e a con-fiança nas ciências, característica presente em todos os iluminis-tas. Para ele, a diferença entre as nações civilizadas e as selvagens está no fato de que os primeiros dedicam-se às artes e às ciências, enquanto os segundos as desconhecem totalmente. Além disso, as ciências têm como grande utilidade libertar “os povos de perni-ciosos preconceitos", como nos lembram Reale e Antisseri (1990, p. 748).

Outras razões podem ser levantadas para mostrar a grandio-sidade das ciências, tais como:

1) Satisfazer interiormente o homem pelo aumento da in-teligência.

2) Saciar a curiosidade que todos os homens possuem para conhecer coisas novas.

3) Conquistar coisas maiores para a humanidade.4) Causar felicidade mais perene, já que o amor pelos estu-

dos é uma paixão eterna.5) Trazer maior comodidade aos homens, graças ao caráter

utilitário das invenções e descobertas científicas.

Como a confiança nas ciências naturais é sólida, Montesquieu decide aplicar o método experimental, típico dessas ciências, no exame dos acontecimentos históricos e sociais. O resultado des-sa intenção aparece nas Cartas Persas, em que o autor cria um personagem, um jovem persa chamado Usbek, que escreve cartas sobre sua viagem à Europa, questionando os vícios das classes di-rigentes do continente, de forma a ridicularizar o clero, desprezar a

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teologia cristã, desnudar a corrupção e os costumes reinantes nas cortes e denunciar o despotismo monárquico, além de discutir as condições das mulheres, o direito penal, as finanças e as formas de governo e os problemas do povo.

Nas Cartas, especificamente na Carta LXXXIII, Montesquieu apresenta uma concepção racionalista e naturalista de justiça, típi-ca da época, que diz ser a justiça,

[...] uma relação de conveniência que existe realmente entre duas coisas: essa relação é sempre a mesma, qualquer que seja o ser que a considere, seja ele Deus, seja um anjo ou, por fim, um homem (REALE; ANTISERI, 1990, p. 749).

Isso significa que, na sociedade, a justiça é fundada na vir-tude e não nas leis coercitivas do Estado. Na falta da virtude, pre-domina a atitude do troglodita, feroz e avesso a qualquer tipo de convivência social. Uma sociedade só será de fato livre e solidária se os membros forem educados na virtude da justiça.

Para os comentadores, essa posição de Montesquieu é uma crítica clara à teoria política de Hobbes, “segundo a qual um povo só pode obter a paz através da força do Estado, que doma a fúria das paixões egoístas" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 749).

Ainda nas Cartas, encontramos críticas às disputas teológi-cas que, segundo Montesquieu, levam constantemente a guerras civis e a exageros como as inquisições. Essas disputas conduzem certamente à intolerância que é uma atitude própria de seitas que se consideram superioras às outras. Para ele, a intolerância obscu-rece por completo a razão.

Devido ao período que passou junto aos ingleses, Montes-quieu assimilou um conjunto de comportamentos diferentes dos franceses. Por isso, ainda, nas Cartas, há uma comparação entre o sistema político inglês e o francês, bem como entre as atitudes dos súditos de um e de outro país.

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Segundo ele: • enquanto os franceses são totalmente subservientes ao

rei, os ingleses não permitem essa autoridade absoluta; • enquanto os franceses são totalmente obedientes e sub-

missos, os ingleses unem-se mediante os laços da grati-dão;

• entre os ingleses, há um sentimento que os impele, caso o soberano não provoque infelicidade entre eles, a não obedecer a autoridade real; se o governante pretender reprimir ou sufocá-los, é lícito reagir contra o governante e retornar ao seu estado de liberdade natural. Isso se dá porque, entre os ingleses, diferente dos franceses, o po-der ilimitado não pode ser considerado legítimo, uma vez que a sua origem não foi legítima.

Ninguém autorizou ao rei governar acima de todos; seu po-der tem limites no direito do povo. O que não acontecia com o absolutismo francês, fundamentado na origem divina de poder.

Para Montesquieu, se o próprio homem não tem direitos ab-solutos sobre si mesmo, não podendo, por exemplo, tirar a sua própria vida, porque alguém teria esse poder sobre a vida dos ou-tros? Isso ultrapassaria qualquer limite racional.

Montesquieu tece, nas Cartas persas, críticas sarcásticas ao poder do soberano francês e ao papa. O poder do rei francês está baseado na vaidade de seus súditos que sustentam as guerras e as extravagâncias reais comprando títulos nobiliárquicos. Para o iluminista, o rei é como um grande mago que controla o espírito dos súditos fazendo-os pensar como ele quer, inclusive que é pos-suidor de uma força capaz de curá-los de enfermidades.

quanto ao poder do papa, o "mago" mais poderoso da Eu-ropa, ele está fundamentado no poder da religião, nas crendices e na fé sobrenatural. Ele, o papa, se apresenta como aquele que liga o terreno e o celeste, como sucessor de Pedro, o primeiro dos

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papas. quem não estiver com ele não entrará no reino de Deus e ficará perdido eternamente. Esse poder espiritual, por coerção, fez o papa acumular muita riqueza e se transformar em senhor de um grande país: a Igreja.

Se a análise empírica dos fatos sociais aparecera nas Cartas Persas e nas Considerações sobre as causas da grandeza dos ro-manos e de sua decadência, ela reaparece no Espírito das leis, sua maior contribuição filosófica. Na obra, ele faz uma abordagem da vida social e política da Europa, em geral, e da França, em particu-lar, por meio de uma observação empírica direta, o que o leva a in-ferir que as leis não são princípios racionais e ideais, mas resultado de relações constantes entre fenômenos históricos.

No Espírito das leis, segundo Montesquieu, os homens são governados por muitas coisas: as condições naturais, as religiões, os costumes, as máximas dos governos, as leis, as tradições pas-sadas, os usos; de tudo isso resulta um espírito geral. Daqui, sai o significado de Espírito das leis: “as relações que caracterizam um conjunto de leis positivas e históricas que regulam as relações hu-manas nas várias sociedades" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 752).

Os autores citados anteriormente lembram o que nos diz Montesquieu em Espírito das Leis:

A lei, em geral, é a razão humana, enquanto governa todos os po-vos da terra. As leis políticas e civis de cada nação nada mais devem ser do que os casos particulares aos quais se aplica tal razão huma-na. Elas devem se adaptar tão bem ao povo para o qual foram feitas que, somente em casos raríssimos, as leis de uma nação poderiam convir para outra [...] (1990, p. 752).

Por isso, ainda segundo Reale e Antiseri, Montesquieu afir-ma que as leis devem ser relativas às circunstâncias geográficas físicas do país, à situação e grandeza do país, bem como ao gênero de vida dos povos; elas devem levar em consideração o grau de liberdade tolerada pelo governo, a religião dos habitantes, suas inclinações, suas posses, seu comércio, seus costumes e usos, por-tanto, as leis devem ser estudadas, levando em consideração essa

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diversidade de aspectos.

Foi esse o propósito de Montesquieu no Espírito das leis, ou seja, examinar o conjunto de relações que ele chama de “leis".

A conclusão que ele chega é que as leis são diferentes de povo para povo por surgirem de diferentes situações físicas, so-ciais, econômicas, culturais etc. Com essa conclusão, ele se propõe a levantar princípios seguros que dêem ordem a essas observações empíricas.

O resultado desse trabalho é a apresentação de um conjun-to de princípios e formas de governo. São três formas de governo sustentadas por três diferentes princípios. Vamos conhecê-los, a começar pelas formas de governo:

• Republicano: é aquele em que o povo, em sua totalidade ou em parte, possui o poder soberano.

• Monárquico: é aquele em que um só governa, mas com base em leis fixas e imutáveis.

• Despótico: é aquele que também governa sozinho, mas sem leis ou regras, decidindo segundo a sua vontade par-ticular.

Cada um dos governos fundamenta-se em um princípio éti-co específico que o faz agir de uma e não de outra forma. Os três princípios que os sustentam são:

• Virtude: sustenta a república.• Honra: sustenta a monarquia.• Medo: sustenta o governo despótico.

Para Montesquieu, as leis sempre seguem os princípios e a natureza dos governos, por exemplo: na monarquia, a força que move os súditos é a lei, já no despotismo é a força da espada do rei, ao passo que na república aparece a força da virtude. Nesse sistema, se as virtudes são deixadas de lado, abre-se espaço para a decadência dos governos e dos governados.

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Todas as formas de governo podem se corromper se os prin-cípios forem corrompidos.

A república corrompe-se quando o princípio da igualdade é corrompido ou se essa igualdade for levada ao extremo, a ponto de cada um querer ser igual a quem escolheu para governar: dessa corrupção temos a tirania e a anarquia.

A monarquia corrompe-se quando o monarca perde o res-peito dos súditos e torna-se um governante arbitrário; por fim, o despotismo absoluto corrompe-se constantemente porque é cor-rupto pela própria natureza.

Para impedir a corrupção nas monarquias constitucionais e nas democracias, Montesquieu propõe aquela que pode ser consi-derada a sua maior contribuição para a reflexão política moderna: a divisão de poder, cuja função é deter o poder.

Para ele, somente onde o poder for limitado, a liberdade poderá prosperar. Para demonstrar o valor da liberdade, Montes-quieu busca na história instrumentos que possam estabelecer as condições efetivas para se viver livremente. Mais uma vez, as insti-tuições inglesas foram o modelo escolhido; é na forma de governo britânico, instalado após a revolução de 1688, que ele busca os elementos para a sua teoria da divisão de poderes e o estado de direito como ambiente de liberdade.

Sua posição é de que a liberdade não significa "fazer o que quiser". Numa sociedade civil, ou seja, num estado legal, a liber-dade consiste “em poder fazer aquilo que se dever querer e em não ser obrigado a fazer aquilo que não se deve querer" (REALE; ANTISERI, 1990, 754), portanto, a liberdade, para o iluminista, é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem.

Nesse sentido, por influência de Locke, Montesquieu afirma que as leis não limitam a liberdade, ao contrário, elas asseguram a todos os cidadãos a liberdade.

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A forma para garantir que as leis sempre garantirão a liber-dade para todos é a divisão dos poderes de estado em Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa divisão garante que não haverá abuso de poder em nenhuma instância do governo, já que cada poder limita o outro.

Assim, cada Estado teria três poderes com funções bem de-finidas, a saber:

• Legislativo: responsável por construir as leis limitadas ou ilimitadas, e corrigir ou revogar as leis já existentes.

• Executivo: responsável por manter a paz ou declarar a guerra quando for necessário, além de enviar e receber embaixadores, garantindo a segurança e prevenindo as invasões.

• Judiciário: responsável por punir os delitos e julgar as causas entre as pessoas privadas.

O primeiro cria as leis, o segundo executa as leis e o terceiro fiscaliza e julga a aplicação das leis.

Essa tripartição de poderes assegura que uma pessoa ou um grupo de pessoas não acumule o poder, o que as levariam a legislar, a executar e a julgar em causa própria. Onde não há essa divisão, certamente, a tirania se estabelece, o que levaria ao fim da liberdade dos cidadãos.

Segundo ele, no Espírito das Leis, citado por Reale e Antiseri: [...] tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de governantes, dos nobres ou do povo, exercesse juntamente os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções publicadas e o de julgar os delitos ou as causas privadas (1990, p. 755).

Sabendo que o Estado é composto por poderes separados que garantem a liberdade, os cidadãos têm a tranquilidade de que cada um terá a sua segurança assegurada; nenhum cidadão precisa temer o outro, da mesma forma que não precisa temer o governo,

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já que sabe exatamente como se comportam os poderes. Estava inaugurado o princípio constitucional moderno e estabelecido o estado de direito.

8. QUeSTõeS AUToAVALiATiVAS

Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade.

A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-bertas com os seus colegas.

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

1) Por que se pode falar que o Iluminismo foi um dos movimentos intelectuais mais significativos de todos os tempos? Compare sua resposta com o que se afirma no Tópico 5.

2) Por que o século 18 pode ser chamado de século das luzes? Confira sua res-posta com o que se afirma no Tópico 5.

3) quais os lugares da razão e da ciência na proposta iluminista? Confira sua resposta com o que se afirma no Tópico 5.

4) Como exercício prático argumentativo, escreva um pequeno texto relacio-nando as propostas iluministas e o progresso da sociedade.

5) Na proposta iluminista, o homem é apresentado como um ser natural. qual o significado dessa afirmação? O que essa afirmação tem a ver com a educa-ção? Confira sua resposta com o que se afirma no Tópico 5.

6) Por que se pode afirmar que o movimento iluminista é profundamente oti-mista? Confira sua resposta com o que se afirma no Tópico 5.

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7) Você seria capaz de apontar de maneira sintética, apontando as especifici-dades e/ou as diferenças entre os três grandes movimentos iluministas, a saber: o inglês, o francês e o alemão?

8) Por que os iluministas franceses se proclamavam “cidadãos livres e iguais da república das letras"? Confira sua resposta com o que se afirma no Tópico 7.

9) Como as ideias iluministas circulavam na França, já que elas eram censura-das? Conferir sua resposta com o que se afirma no Tópico 7.

10) Você já refletiu sobre os ideais iluministas de igualdade, liberdade e frater-nidade? Então pense e aponte as ideias que eles combatiam e aquelas que eles defendiam. Conferir sua resposta com o que se afirma no Tópico 7.

11) quais as principais propostas de Pierre Bayle (1647-1706), considerado por muitos comentadores como o primeiro iluminista da França? Conferir sua resposta com o que se afirma no Tópico Principais representantes do Ilumi-nismo francês.

12) Você lembra porque os comentadores, Etienne Bonnot, abade de Condillac (1715-1780) radicaliza o empirismo de Locke? Conferir sua resposta com o que se afirma no Tópico Principais representantes do Iluminismo francês .

13) qual a consequência, no pensamento de Julien de la Mettrie (1709-1751), da afirmação de que o homem é uma máquina?

14) Como exercício de argumentação, diferencie os dois tipos de conhecimento propostos por D’Alembert, a saber: o direto e o reflexivo.

15) Ficou claro o porquê d’Alembert (1717 – 1783) propõe que a filosofia deve “virar as costas" para os sistemas metafísicos?

16) Você compreendeu a demonstração da existência de Deus de Denis Diderot (1713 – 1784)? Essa demonstração pode ser usada para criticar as supersti-ções, as crenças em milagres e providência divina? Confira sua resposta no Tópico Principais representantes do Iluminismo francês.

17) As posições morais de Diderot se opõem às posições defendidas por de Des-cartes?

18) Você pôde verificar que Voltaire (1694 – 1778) passou um tempo na ingla-terra e aprendeu a admirar as instituições daquela monarquia. Você saberia apontar quais são as críticas de Voltaire à filosofia de Pascal, tão em voga na França daquela época? Caso não tenha ficado claro retome o conteúdo do Tópico Principais representantes do Iluminismo francês.

19) Como Voltaire se posiciona frente às teses pessimistas de Pascal?

20) E o otimismo de Leibniz, como é criticado por Voltaire?

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21) Em que Voltaire coloca a causa de toda intolerância?

22) quais são os caminhos, segundo Voltaire, para acabar com toda intolerân-cia?

23) Montesquieu tinha verdadeira admiração pelas ciências. Por que dessa ad-miração e qual a relação ele via entre ciência e as diferenças entre nações civilizadas e selvagens?

24) Por que Montesquieu, nas Cartas Persas, critica as disputas de teologia?

25) Procure fazer um levantamento de alguns dos aspectos políticos dos ingle-ses que provocaram tanta admiração em Montesquieu.

26) Por que se pode afirmar que a maior contribuição de Montesquieu foi com a obra O Espírito das Leis?

27) Para Montesquieu, qual é a base para a formulação das leis e quais são suas finalidades?

28) Em Montesquieu, qual a relação entre as formas de governo e os princípios de virtude, honra e medo?

29) Para Montesquieu, todo governo pode se corromper. qual a proposta desse autor para que os governos não se corrompam?

30) Depois de ler, escreva um pequeno texto tentando explicar o significado da seguinte afirmação de Montesquieu: Numa sociedade civil a liberdade con-siste “em poder fazer aquilo que se dever querer e em não ser obrigado a fazer aquilo que não se deve querer".

31) Para compreender melhor a importante “tripartição de poderes" propos-ta por Montesquieu, elabore um esquema explicando como funciona esse princípio político.

9. ConSiDeRAçõeS

Você pode acompanhar, nesta unidade, o aparecimento e o desenvolvimento do movimento iluminista na Europa do século 18. Como você pôde perceber, o movimento foi fruto de um con-junto de fatos ocorrido a partir das últimas décadas do século 17 e início do século 18, que provocou grandes mudanças na mentali-dade européia daquele século na esfera política, social, econômica e intelectual. Essas mudanças visavam por fim definitivo aos res-

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quícios de mentalidade medieval que ainda persistiam no século 18, o absolutismo político, a sociedade estamentária e a intolerân-cia religiosa.

Essas ideias começam a ganhar corpo na Inglaterra, impul-sionadas pelas propostas de Locke, Hume e Newton, assumindo uma postura de crítica aos dogmas da igreja, defendendo uma racionalização da religião para que as ciências não sofressem ne-nhuma dificuldade na investigação da natureza, da sociedade e do funcionamento da mente humana.

Da Inglaterra, essas ideias chegaram na França, país em que a realidade social, política e religiosa era completamente diferente da Inglaterra. Por isso, na França, o movimento iluminista assume uma postura mais radical, marcadamente com caráter antiabsolu-tista e clerical.

Assim, todos os pensadores franceses que estudamos, foram mais contundentes, críticos, sistemáticos e radicais que os ingleses, objetivando mudanças estruturais. Defenderam as ideias de igual-dade, liberdade e fraternidade em oposição às ideias do antigo re-gime (absolutismo político, mercantilismo econômico, sociedade estamentária e censura), propondo soberania popular, igualdade social, liberalismo econômico e tolerância filosófica e religiosa. Es-sas ideias estão presentes em todos os pensadores franceses que estudamos nessa unidade, de Pierre Bayle (1647 – 1706), com sua obra Dicionário histórico crítico a Charles Louis de Secondat e ba-rão de Montesquieu (1689 – 1755), com seu Espírito das Leis.

Lembramos que os conteúdos que compõem esta disciplina não esgotam o estudo referente a estes pensadores. Sugerimos que você remeta-se à bibliografia apresentada e principalmente nas orientações gerais para o ensino de filosofia e amplie seu co-nhecimento.

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10. e-ReFeRÊnCiAS

Site pesquisadoqUEIROZ, P. Política em três tempos. Disponível em: <http://ro.noticianahora.com.br/ler_artigo.php?artigo=30020>. Acesso em: 14 jun. 2011.

Lista de figurasFigura 1 John Toland. Disponível em: <http://naturepantheist.org/toland.html>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 2 Samuel Clarke. Disponível em: <http://arian-catholic.org/arian/arian-introduction.html>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 3 Anthony Collins. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0b/AnthonyCollins.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 4 Matthew Tindal. Disponível em: <http://www.thefullwiki.org/Deist>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 5 Joseph Butler. Disponível em: <http://www.oxfordphilsoc.org/PhilosophicalSites.html>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 6 Francis Hutchesson. Disponível em: <http://www.scottishphilosophy.org/francishutcheson.html>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 7 Thomas Reid. Disponível em: <http://www.scottishphilosophy.org/thomasreid.html>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 8 Condillac. Disponível em: <http://histmag.org/grafika/articles4/condillac/condillac1.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012. Figura 9 La Mettrie. Disponível em: <http://www.marxists.org/reference/archive/la-mettrie/index.htm>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 10 D´Alembert. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/0/02/Jean_le_Rond_d’Alembert_250px.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 11 Diderot. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/d/diderot_denis.htm>. Acesso em: 15 maio 2012. Figura 12 Voltaire. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/a/ac/531px-Voltaire.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012. Figura 13 Montesquieu. Disponível em: <http://paxprofundis.org/livros/maq/maq.htm>. Acesso em: 15 maio 2012.

11. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LALANDE, A. Vocabulário Técnico e crítico de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. MONTESqUIEU. Do espírito das leis. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores).

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______. Cartas Persas. Tradução de Franco de Souza. Lisboa: Estampa, 1989.REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a kant. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2.ROUSSEAU, J-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Brasília: UnB, 1981.ROVIGHI, V. História da Filosofia Moderna. São Paulo: Loyola, 1999.SCIACA, M. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou; 1968. VOLTAIRE. Discionário Filosófico. São Paulo: nova Cultural, 1988. v. 1. (Coleção os Pensadores). ________. Cartas inglesas; Tratado de metafisica; Filósofo ingnorante. São Paulo: Nova Cultural, 1988. v. ii. (Coleção os Pensadores). ________. Cândido. São Paulo: Martins Fontes, 1990. kANT, I. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições 70, s.d.

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EAD

Rousseau e a Aufklärung

2

1. OBJETIVOS

• Analisar as principais teses iluministas de Rousseau até o Iluminismo alemão.

• Descrever as principais ideias vigentes na época.• Interpretar a situação histórica do pensamento iluminista.• Relacionar as influências desse pensamento com a histó-

ria.

2. CONTEúDOS

• Jean-Jacques Rousseau.• Aufklärung ou Iluminismo alemão.

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3. oRienTAçõeS PARA o eSTUDo DA UniDADe

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

1) Não deixe de sanar suas dúvidas. Entre em contato com seu tutor pelas diversas ferramentas disponíveis na SAV, e não se esqueça: é você quem faz a diferença!

2) Será que as formas de governo nasceram a partir das características de certas comunidades e seus membros? O que você pensa sobre isso?

3) Frederico ii (1712-1786), kaiser prussiano, era visto como o provável monarca unificador da Alemanha. Por isso, mais tarde, ele torna-se um déspota esclarecido. Foi a presença de Frederico II na Prússia que criou as condições para o desenvolvimento do Iluminismo ale-mão. Em torno dele criou-se um círculo cultural e polí-tico que atraia pensadores de várias partes da Europa, principalmente da França.

4) O segredo do sucesso em um curso de Educação a Dis-tância é participar, interagir com seu tutor e seus colegas de curso. Portanto, leia atentamente e participe!

5) Você pode expandir seus horizontes de compreensão destes conteúdos. Basta pesquisar em sites, livros, revis-tas e demais fontes. Pesquise sempre!

6) É muito importante que você leia os livros citados nas referências bibliográficas, eles lhe ajudarão a compre-ender mais e melhor os conteúdos estudados. Não se esqueça de que este material é apenas um referencial de conteúdo.

4. inTRoDUção à UniDADe

Até o presente momento de nossos estudos, analisamos as principais características que fundamentaram o movimento ilumi-nista, bem como seus primeiros pensadores.

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89© Rousseau e a Aufklärung

Iniciamos nossos estudos pelos iluministas ingleses, como Toland, Clark e Tindal, avançamos para os franceses, como Condillac, Voltaire e Montesquieu, e chegamos agora ao auge do Iluminismo francês, na figura do grande pensador J-J. Rousseau.

A opção por tratar Rousseau separadamente dos outros fran-ceses foi feita em virtude de que nesse pensador, de certa forma, o Iluminismo chega às suas últimas consequências, inclusive pelo fato de que ele já antecipa algumas questões do movimento que sucederá o Iluminismo, com efeito, o Romantismo alemão. Mesmo fazendo parte do movimento iluminista, faz severas críticas aos ilu-ministas por seus exageros racionais frente às certas necessidades e emoções humanas. Vejamos como isso acontece!

5. jeAn-jACQUeS RoUSSeAU (1712-1778)

O pensamento de Rousseau é marcada-mente polêmico. Para alguns, ele é o teórico dos sentimentos interiores como condutores da vida, tão desprezados pelos demais ilu-ministas; outros afirmam que ele propõe a supressão do indivíduo pela coletividade, na qual os interesses coletivos devem prevalecer sobre os do indivíduo.

Muitos o apresentam como precursor do socialismo, devido às suas críticas à propriedade privada, enquanto outros o acusam de ser liberal. Outros, o apontam como o primeiro romântico, de-vido às críticas que faz à aridez da razão, mas ele alertava também para o perigo que as paixões e instintos sem o guia da razão repre-sentavam para a sociedade.

Por tudo que escreveu, Rousseau é considerado um dos maiores pensadores do século 18 e o primeiro teórico da pedago-gia moderna. Vamos conhecer um pouco dessa grande figura da história da filosofia ocidental.

Figura 1 Rousseau.

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Vida e obra

Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, Suíça, em 1712. órfão de mãe, o pequeno Rousseau recebeu a primeira educação do pai, um simples relojoeiro suíço, de um pastor calvinista e de um tio. Em 1728, com apenas 16 anos, deixou sua cidade natal em busca de outras oportunidades.

Depois de uma breve estada em Turim, na Itália, chegou à França. Lá, consegue abrigo em Chambéry, junto à madame de Warens, de quem se tornou amante. Graças às condições ao lado da amante, Rousseau pôde dedicar-se aos estudos, permanecen-do em Chambéry até 1741, ano em que se transferiu para Paris.

Na capital francesa, ele frequentou o ambiente dos philosophes graças à amizade com Diderot, o que lhe valeu, tam-bém, a participação no projeto da Enciclopédia. Porém, a vida so-fisticada de Paris não o cativou, e sua relação com a cidade nunca foi amistosa.

Uma história conhecida...

Numa visita a Diderot, que se encontrava preso em Vincennes, Rousseau ficou sabendo do concurso na Academia de Dijon so-bre uma questão: “O progresso das ciências e das artes contribuiu para a melhoria dos costumes?”. Conta-se que para refletir sobre essa questão, Rousseau teria sentado sob a sombra de uma árvore e chorado por horas. Verdade ou não, da sua participação, que não foi vitoriosa, saiu a sua primeira obra, intitulada Discurso sobre as ciências e sobre as artes (1750).

A essa obra se segue outra que complementa aquela discus-são: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755). Com essas obras, Rousseau conquistou relativo sucesso.

Nesse meio tempo, o genebrino passou a viver com uma mulher simples, com quem teve cinco filhos. Seguindo a sua con-cepção de que o Estado deveria ser responsável pela educação de todas as crianças, ele entregou os cinco filhos ao orfanato.

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Reconhecimento e primeiras divergências

O reconhecimento alcançado com os primeiros escritos, ampliou o seu círculo cultural e de amizades, tanto que o filósofo passou a colaborar com o projeto da Enciclopédia. Dessa colabo-ração, saiu o Dicionário de Música e o verbete Economia política, de 1758. no entanto, devido ao difícil gênio do genebrino, o con-tato com os enciclopedistas foi rompido por causa de divergências intelectuais. A partir dessa ruptura, ele escreve alguns manifestos contra os iluministas, destacando a Carta a D'Alembert sobre os espetáculos, também de 1758.

Durante esses episódios, Rousseau havia deixado Paris e se refugiado em Ermitage de Montmorency; primeiro junto à ma-dame d'Epinay, depois ao lado do senhor de Montmorency. São desse período três de suas principais obras: Nova Heloisa (1761), O Contrato social (1762), seu famoso tratado político, e o Emílio ou o da educação (1763), primeiro grande tratado pedagógico da modernidade, no qual está a famosa Profissão de fé do vigário de Sabóia, discutindo os males que a religião positiva provoca na for-mação das pessoas.

Em consequência da resistência às suas propostas, as duas últimas obras foram condenadas pelas autoridades de Genebra e Paris. Esse fato provocou em Rousseau uma grande decepção com a sua terra natal, tanto que, em carta ao prefeito de Genebra, ele renunciou ao título de cidadão genebrino.

Nesse período, ele já estava em Neuchâtel, sob a proteção do imperador da Prússia. Lá escreve As cartas escritas da monta-nha. Por causa das polêmicas provocadas por essa obra na França, Rousseau decidiu aceitar o convite do filósofo David Hume para ir à Inglaterra. Essa temporada também foi curta; alegando persegui-ção, rompe com Hume e retorna à França, realizando uma série de viagens pelo país.

Definitivamente em Paris, Rousseau dedica-se a completar as suas últimas obras: Confissões, Diálogos ou Rousseau juiz de

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Rousseau, Sonhos de um viajante solitário e Ensaio sobre a origem das línguas. Depois de muitas vicissitudes, abrigado no castelo do marquês Girandin, cansado e doente, Rousseau morre em dois de julho de 1778.

Principais ideias, posturas e conceitos

Para esse pensador genebrino, instalado na França desde 1728, onde estudou e adquiriu uma vasta cultura, a razão, diferen-te do que pensava Hume, era incapaz de aprender a interpretar a natureza e a vida. Para Rousseau, a razão é muito mais "uma guia equilibrada do homem" do que "uma faculdade de conhecimento apodítico".

Por pensar desse modo, quando a Academia de Dijon, na França, abriu um concurso cujo tema perguntava se “O progresso das ciências e das artes contribuiu para melhorar os costumes?”, Rousseau respondeu negativamente.

Ele afirma que a civilização, isto é, a cultura moderna gerou corrupção, desigualdades e infelicidade, gerando uma existência artificial, afastando as pessoas do modo natural de vida. Assim, nasce a famosa concepção, que estará presente no O contrato so-cial, de que “os homens nascem bons, mas a sociedade os corrom-pe, tornando-os perversos”.

Esta é uma das grandes questões da filosofia moderna, afinal, o homem é bom ou mal por natureza? Você concorda com Hobbes (mal) ou Rousseau (bom)? Qual sua opinião?

Homem corrompido

Esse é ponto inicial de todo o desenvolvimento das ideias fi-losóficas e políticas de Rousseau. Em duas de suas principais obras, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, escrito em 1755, e no já citado O contrato social, de 1762, o autor iluminista dará continuidade às suas pesquisas, sus-tentando que o homem torna-se mal por causa das instituições.

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Com essa concepção, que perpassa toda a sua obra, Rousseau traz para o seio das discussões da filosofia moderna os sentimentos, a fantasia e a espontaneidade dos homens. A civili-zação corrompe esses elementos naturais porque suscitou anseios inúteis, criou discussões intelectuais vazias, dissolveu os costumes e ofuscou a vitalidade natural dos homens.

Essas críticas aparecem com maior contundência no Emí-lio, escrito por volta de 1757 e publicado em 1763. Nessa obra, o pensador propõe a existência de um paraíso que, talvez não tenha existido, seria o ambiente dos homens no seu estado natural. No livro, o menino Emílio é retirado da sociedade civilizada e levado para um mundo onde não existem teorias prontas ou ideologias educacionais. Lá, o menino será reeducado segundo as normas da natureza, sem nenhuma interferência, somente observado pelo seu preceptor.

Nesse sentido, a educação pode ser entendida como um re-torno ao estado de natureza que deve agir sobre o homem. Assim, na obra, há um otimismo na natureza humana em que Rousseau difere da proposta de Hobbes, para quem o homem era mau por natureza e agia socialmente por medo da morte violenta, numa espécie de egoísmo natural.

Para o genebrino, o homem é bom por natureza, é amável, é sincero; quem o degenerou foi a civilização construída ao longo da história, gerando nele um sentimento de oposição e de controle sobre o outro. Mas quando aconteceu isso? Encontramos essa res-posta no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualda-de entre os homens, conhecido como Segundo discurso.

Essa obra é a porta de entrada para o pensamento filosó-fico de Rousseau. Nela, o filósofo concebe o homem como bom por natureza, tendo seus costumes degenerados à medida que foi desenvolvendo o gosto pelos estudos e pelas letras, saindo de seu estágio de isolamento natural, momento em que era igual a todos, e passando a viver em sociedade.

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Numa dedicatória, ele, numa sinceridade natural, vê a Suíça, sua terra natal, como a imagem mais próxima de um estado de-mocrático e feliz. Além disso, ele louva seu pai e exalta o papel da mulher dentro da sociedade.

No prefácio dessa mesma obra, o autor discute o método utilizado para desenvolver seu pensamento. Como sua intenção é descrever o homem natural, ele deve despir-se do conhecimento do homem civilizado, voltando ao período em que o homem ainda não tinha a cultura histórica. Assim, não se deve utilizar a razão para descrever o homem na sua naturalidade, pois foi essa razão que o afastou da naturalidade: deve-se buscar a simplicidade da alma. Isso o leva aos dois princípios básicos que regem a alma do homem, antes mesmo da razão: o sentimento de autopreservação e o de comiseração.

Em seguida, desenvolve-se o discurso propriamente dito. De início, apresenta as duas desigualdades entre os homens: uma fí-sica ou natural e a outra, a política ou moral. A desigualdade física se dá segundo o sexo, a idade e a força, que, por ser de ordem natural, a própria natureza cria mecanismos para diluí-la. Por isso, ela não é motivo de estudo; o que lhe interessa é a desigualdade moral e política.

Em toda a primeira parte do discurso, ele começa analisar e rebater as teses de Hobbes e de todos aqueles que enxergam o homem natural a partir da visão do homem social (o homem do homem). Retomando os dois princípios que regem a alma huma-na, Rousseau descreve o homem natural como um ser solitário, dotado de sentimento de compaixão pelos membros da mesma espécie, possuindo a razão somente em potencialidade. Esse sen-timento é visto como um mecanismo de autopreservação.

Dessa forma, Rousseau não vê na vida natural do homem motivos que o levem à vida em sociedade. O homem natural vive o presente, é robusto e bem organizado, apesar de não possuir nenhuma habilidade específica, mas podendo aprendê-las; esse

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homem é, ainda, inocente e não tem noções de bem ou mal, po-rém ele possui duas características que o diferencia dos animais: a liberdade e a perfectibilidade. Rousseau entende por perfectibili-dade a capacidade que o homem possui para se aperfeiçoar.

Por todas essas características, conclui Rousseau, a passa-gem do homem natural ao homem social, que é a origem das desi-gualdades, não foi obra do próprio homem, mas de circunstâncias externas: são essas circunstâncias que ele deve descobrir.

Processo de corrupção: uma hipótese

Na segunda parte do Discurso, Rousseau cria uma história hipotética para descrever como se deu a passagem do estado na-tural para o estado social, mostrando como surgiu a desigualdade entre os homens. Para ele, a ideia da perfectibilidade está na base de toda esta transformação.

O homem natural tinha como única preocupação sua sobre-vivência, porém à medida que as dificuldades do meio se apre-sentavam ele era obrigado a superá-las adquirindo novos conhe-cimentos. Assim, o homem natural aprendeu a pescar, a caçar e a associar-se a outros homens, seja para defender-se ou para caçar, porém essas associações eram sempre aleatórias.

Como consequência dessas associações, surgiu a primeira grande revolução: o domínio da agricultura, com a passagem de uma vida nômade para uma vida sedentária, com construção de abrigos. Esse fato permitiu que o homem natural permanecesse mais tempo em um mesmo lugar e na companhia de seus compa-nheiros, o que levou ao aparecimento das primeiras famílias e com elas surgem os “sentimentos mais ternos que são conhecidos dos homens, o amor conjugal e o amor paterno”, escreve Rousseau no Segundo Discurso.

Com a convivência mais duradoura do grupo, surgiram for-mas de linguagem que, além de uma noção precária de proprie-dade, faz parte do novo universo que se construía. Os laços come-

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çaram a se firmar entre os homens, e por motivos de segurança, hábitos alimentares e influência do clima, as famílias passaram a conviver cada vez mais próximas, o que possibilitou o surgimento das primeiras comunidades.

Para o genebrino, o homem deveria ter parado sua evolução nesse estágio. Se tivesse parado aí, vivendo em pequenos grupos ou pequenas comunidades igualitárias, com necessidades fáceis de suprir, os homens tinham tudo para serem felizes. Mas a per-fectibilidade não permitiu.

quando os homens sentavam em volta da fogueira, à noi-te, para conversar, cantar e dançar, eles começaram a se observar. Eles passaram a se comparar entre si: havia o melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais veloz, o mais hábil com as armas; dessa forma, alguns começam a se destacar; nesse sentido, o ser e o parecer tornam-se diferentes.

Nesse ambiente de comparação, ainda não havia leis ou líde-res que orientassem os homens; eles tinham como juiz a sua pró-pria consciência, e, sendo cada homem juiz à sua maneira, tem-se início a guerra de todos contra todos.

Diferente do que disse Hobbes, Rousseau afirma que a guer-ra de todos contra todos não acontece no estado de natureza, mas nos momentos iniciais da vida social.

Paralelamente ao estado de guerra, surgem a agricultura e a siderurgia, eventos considerados por Rousseau como a "grande revolução" humana. Outros eventos aparecem: surge a divisão do trabalho, a noção de propriedade começa a criar raízes e passam a existir os detentores de posses, os ricos, e os trabalhadores po-bres. Estava estabelecida uma dependência entre desiguais: os ri-cos proprietários e os pobres trabalhadores.

Em virtude dessa situação de caos, os homens resolveram estabelecer leis que os protegessem; uns queriam proteger suas propriedades, outros protegerem-se das arbitrariedades dos po-derosos, dando início às desigualdades entre os homens.

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Com esse cenário, Rousseau passa a indagar sobre o tipo de governo que pôde ter surgido desse ambiente. Prontamente, ele descarta a possibilidade do governo despótico ter iniciado o pro-cesso, afirmando que o sentimento de liberdade do homem não o permitiria.

Para o pensador, os governantes devem ter saído de forma eletiva, isto é, se em uma comunidade uma única pessoa era con-siderada digna e capacitada para governá-la, surgiria um estado monárquico; se várias pessoas gozavam das mesmas condições, surgiria um estado aristocrático; se todas as pessoas possuíssem aquelas qualidades, surgiria a democracia. Mas todas essas formas poderiam desvirtuar-se pela ambição dos governantes, o que leva-ria aos estados autoritários e despóticos.

Assim, Rousseau conclui que os acontecimentos citados de-ram origem às desigualdades entre os homens, a saber:

• propriedade privada: divide os homens entre ricos e po-bres, os que têm e os que não têm;

• surgimento dos governos: divide os homens entre gover-nantes (poderosos) e governados (fracos);

• surgimento de estados despóticos: divide os homens entre senhores e escravos, isto é, entre quem manda e quem obedece.

Rousseau, no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, afirma que a degeneração social foi provocada pelo distanciamento que o homem social teve em relação ao homem natural.

A solução para o problema, já que a perfectibilidade não per-mite o retorno do homem ao estado natural, é que o homem deve procurar constituir uma sociedade harmoniosa que se aproxime do estado natural. Essa sociedade deve ter como partida uma re-lação entre governantes e governados baseada na liberdade; en-tretanto ela só será alcançada com uma educação adequada, que

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Rousseau estabelece no Emílio. Nessa obra, Rousseau apresenta o seu ideal de educação, recolocando o homem na natureza de modo que ele seja educado sem os vícios da sociedade.

Como essa educação pode demorar, torna-se necessário construir um ambiente de convivência e, para tanto, os homens precisam de um contrato entre si, um contrato social. É este o títu-lo da obra que Rousseau escreve em 1762, Contrato social, em que discute a possibilidade de devolver ao homem civilizado a felicida-de e seus direitos naturais perdidos com o processo de civilização.

A solução proposta pelo genebrino é estabelecer um contrato so-cial em que os homens, associando-se, defendam-se e se prote-jam.

Para justificar a sua proposta, Rousseau, como vimos ante-riormente, supõe a existência de um estado natural do homem anterior à civilização, ou seja, anterior à sociedade, onde os ho-mens viviam em plena felicidade e liberdade, sendo, por isso, bons naturalmente.

Esse estado de natureza foi rompido por causa de uma série de transformações impulsionadas pelo princípio da perfectibilida-de. A principal transformação foi o surgimento da propriedade pri-vada, separando o público e o privado. A propriedade privada deu origem à divisão entre ricos e pobres, trabalhadores e proprietá-rios, governantes e governados, e a partir daí, surgiram as leis para gerir e garantir essa nova realidade humana.

Estava fundada a sociedade civilizada, na qual a felicidade não estava mais garantida.

O Estado surge, então, da necessidade de garantir o retorno da felicidade entre os homens que, por uma série de fatores, tor-naram-se desiguais. Portanto, ele surge por causa da desigualdade entre os homens, quando os indivíduos cedem à comunidade os seus direitos naturais e recebem em troca os direitos civis, fazendo

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o contrato social.

Parece que, para Rousseau, o contrato foi um equívoco; ele surgiu em um momento em que os obstáculos à conservação da vida do homem eram maiores que suas forças, não havendo ou-tra saída senão juntar forças para sobreviver. Esse pacto exigiu a alienação total de cada indivíduo, com todos os seus direitos, à sociedade.

Para ele, os homens nunca deveriam ter feito o acordo nesses moldes, já que perderam a liberdade e nada ganharam em troca. Com essa visão, o iluminista genebrino, recusa a tese de Hobbes de que a concretização do Estado põe fim ao estado de guerra entre os homens e garante-lhe a segurança, e também a tese de Locke, de que a fundação da sociedade civil ou estado garante o uso da propriedade privada a todos. A falha do primeiro está no fato de que o governante não fez parte do pacto, ele rece-beu os poderes dos súditos e governa de maneira absoluta; a falha do segundo está no fato de que somente os proprietários fizeram o pacto e deles saem os governantes.

Com a civilização, os homens perderam a sua liberdade e os direitos naturais e, consequentemente, perderam, também, a sua bondade natural. Nesse estado civilizado, prepondera a inveja, a ganância, a avareza, a corrupção, entre outros males. Por isso, torna-se necessário recuperar aquela bondade, aquele estado de solidariedade entre os homens; era necessário retornar ao estado de natureza. Porém, havia um problema, vejamos.

Por causa do princípio da perfectibilidade dos homens, o re-torno ao estado de natureza original é impossível; por isso, propõe Rousseau: é necessário reverter o curso da história, voltar ao pas-sado, procurar onde ocorreu a passagem para o estado civilizado e tentar libertar o homem da desigualdade, da corrupção.

Rousseau propõe um novo contrato (um contrato legítimo) em que todos sejam, ao mesmo tempo, governantes e governa-dos. Somente assim, todos terão a liberdade e os direitos assegu-

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rados porque ninguém será súdito, mas todos serão governantes. Está fundada a democracia participativa que substituirá tanto o governo absolutista de Hobbes, quanto o representativo de Locke.

Na proposta de Rousseau, o Estado torna-se síntese das li-berdades e direitos individuais, de modo que a vontade da maioria represente a vontade geral. É na vontade coletiva, em que todos fazem o contrato e se comprometem, pactualmente, em cumpri-lo que a soberania tem legitimidade. O estado só tem legitimidade se representar a vontade geral; o governo só pode exercer o poder soberano para fazer valer o direito de todos, portanto, a soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível.

Assim que o novo pacto for efetuado, constitui-se um corpo moral e coletivo, o corpo jurídico, formado por todos os membros que participam da assembléia fundadora. O resultado desse pac-to é a criação de uma sociedade que, mesmo sem restabelecer o estado de natureza original, seja mais justa, mais igual e mais livre. Essa sociedade deve apoiar-se no corpo moral e coletivo, ou seja, nas novas instituições que surgiram logo após a formulação do novo pacto, da qual participam todos os membros fundadores.

Nesse novo contrato, Estado e governo têm funções diferen-tes e que se complementam: o Estado representa a vontade geral e a soberania da comunidade política; o governo executa a von-tade da maioria, ou seja, é o governo da lei que é a expressão da vontade geral. É o povo que delega poder ao governo.

Todas essas mudanças só são possíveis em um ambiente guiado pela razão. Nesse sentido, Rousseau propõe uma função para a razão: ela aparece como guia do ser humano à luz do mode-lo natural e não uma razão raciocinante, fria e acadêmica.

Mas o Estado é apenas uma garantia para o retorno do ho-mem ao seu estado de liberdade natural, ambiente em que se tor-na sociável. A educação deve guiar o homem nesse retorno, daí a necessidade de uma nova pedagogia, que motivou a obra Emílio.

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Com o Emílio, Rousseau torna-se, sem dúvida, o primeiro te-órico da educação da modernidade. Nessa obra, o iluminista pro-põe que a educação seja realizada sem intervenções ativas, mas discretas do educador, de modo que crie as condições exatas para o desenvolvimento natural e autônomo do indivíduo. Esse modo novo de educar tem a ver com a concepção, já vista anteriormen-te, de que “o homem é bom por natureza” e que “é a sociedade que o corrompe”.

Se a sociedade é a culpada pela decadência humana, ele deve ser reeducado para reconquistar a sua bondade natural. Isso será feito com a retirada do homem, ainda criança, da sociedade e sua condução para a natureza; lá ele descobrirá a liberdade e aprenderá por sua força. Para que essa educação seja alcançada, o educador deve intervir o mínimo necessário, permanecendo atento aos problemas e às exigências próprias de cada idade do educando.

Dessa forma, nesse modelo pedagógico, o adulto não pode impor seu mundo, seu modo de pensar ao da criança. Ele deve criar as condições, no ambiente natural, para que o crescimento e o desenvolvimento aconteçam no equilíbrio entre o "desejo de" e o "possível de" ser realizado em cada faixa etária do educando.

Por isso que a educação verdadeiramente livre se dá na na-tureza. A natureza é um todo harmonioso e belo. Nela, estão as leis, o equilíbrio e a unidade ideal para o desenvolvimento do ho-mem, não só no aspecto racional, mas também no emocional.

Não é na sociedade corrompida que ele encontra a felici-dade, mas é na natureza; nela é que se encontram a virtude e a verdade que o homem precisa para ser feliz. A natureza por si só educa: ela ensina com os fatos que envolvem as ações humanas; os homens devem aprender com ela, e não querer ensiná-la.

Na visão pedagógica de Rousseau, a educação tradicional é uma educação em que o adulto invade o mundo da criança, a civi-lização invade a natureza para dominá-la, a ansiedade pelo saber

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atropela o ritmo natural do desenvolvimento. Assim, ele propõe que a cultura civilizada, os livros didáticos e os discursos inúteis dos professores devam ser lançados fora.

A educação natural autêntica é o aprendizado progressivo das regras, das habilidades, da fabricação e da utilização dos ins-trumentos. Essa nova educação passa a ter cunho utilitário e não moral ou especulativo.

A educação, com essas características, ajuda a pensar o ho-mem na sua totalidade natural, sem as interferências e obrigações impostas pela civilização como deveres específicos ou habilidades particulares. O homem, senhor de si e do mundo, guiado pela ra-zão e pelas emoções, alcançará a plena realização, a liberdade e a felicidade.

Encerramos, assim, as considerações sobre a vida e a obra de Rousseau. Passamos, agora, a outra vertente do Iluminismo, com efeito, o Iluminismo alemão.

6. iLUMiniSMo ALeMão: o Aufklärung OU ES-CLARECIMENTO

O Iluminismo alemão formou-se sob a influência do Ilumi-nismo inglês e francês, mas se desenvolveu de maneira diferente, principalmente, do francês. Suas características principais são:

• Análise crítica da realidade. • Secularização.• Racionalismo.

Enquanto na França havia a intenção de uma liberdade inter-na (subjetiva) diante das pressões externas (absolutismo, intole-rância e censura), o que seria alcançado somente pelo movimento revolucionário, na Alemanha o caminho foi outro. Lá, tal como na Inglaterra, havia acontecido a reforma protestante, o que provo-cou uma "reconciliação" entre a liberdade interior e o mundo ex-terior.

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O filósofo Hegel, posteriormente em uma carta, dirá que: “os ale-mães só podiam se conduzir pacificamente [...], porque estavam reconciliados com a realidade”.

Além disso, a Alemanha não possuía uma unidade nacional, ou seja, não existia a nação alemã, não havia um rei absolutista contra o qual se investir. Ao contrário, os alemães acreditavam que uma reforma intelectual poderia provocar a construção de uma monarquia constitucional, como na Inglaterra, que deveria seguir os ditames da razão.

Por isso, o Iluminismo na Alemanha teve caráter anti-meta-físico e, por conseguinte, de apologia da filosofia e das ciências naturais.

Para os alemães, a razão é a única faculdade capaz de conduzir à justa medida para decidir sobre a vida social, política e cultura.

Assim, eles se preocupavam com o homem em sua totali-dade, isto é, o homem que conhece, age e julga, e em virtude da reforma religiosa do século 16, o movimento lá não teve o caráter anticlerical tal como no Iluminismo francês. Eles concebiam que a religião deveria ser pensada nos limites da razão, afastando o caráter da providência divina.

Por essas características, podemos detectar o principal obje-tivo da Aufklärung alemã: como a Alemanha não passava de uma ideia existente apenas no pensamento, era necessário concretizá--la.

Dessa forma, o movimento quis viabilizar a passagem de uma Alemanha que só existia como razão, para uma realidade concreta, mas, para tanto, em primeiro lugar, era preciso criar um ambiente em que a cultura alemã se concretizasse e fosse valorizada. Tal va-lorização deveria iniciar com a valorização da língua, já que, nessa

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época, o ambiente culto se expressava no latim, nas universidades, ou no francês, em ambientes requintados. Assim, a emancipação da cultura alemã começaria pela valorização da língua nacional, falada somente pelo povo.

Como podemos ver, os iluministas reivindicavam a liberda-de de pensar e se expressar em alemão; um esclarecimento que viabilizasse uma universalidade só poderia acontecer mediante a língua da maioria.

Vamos conhecer, agora, os principais autores da Aufklärung.

ehrenfried Walter Von Tschirnhaus (1651-1708)

Considerado um dos precursores da Aufklärung, físico, ma-temático e filósofo, Tschirnhaus realiza uma série de viagens pela Europa, entre 1775 e 1778, entrando em contato com nomes célebres da ciência e da filosofia daquela época, como Huygens, Newton, Collins, Spinoza e Leibniz.

Sua obra mais conhecida, Medicina mentis sive artis inveniedi praecepta generalia, de 1687, propõe uma ciência que leve ao conhecimento real, baseada na experiência e entendida como consciência do exterior.

Para ele, as verdades que fundamentam o saber são: 1) Temos consciência de muitas coisas. 2) Somos atingidos por muitas coisas que nos agradam e

nos desagradam (hedonismo, ou seja, bem e mal como fundamento da ética).

3) Temos consciência do fato de que algumas coisas são concebíveis por nós e outras não.

4) Mediante os sentidos externos e internos, criamos ima-gens dos objetos externos.

Assim, Tschirnhaus está convencido de que "a experiência interna, tomada como princípio de dedução e desenvolvimento sistemático, pode levar à aquisição de um método útil para a ver-

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dade em todas as ciências", lembram Reale e Antiseri (1990, p. 816).

Vamos agora conhecer a obra de outro pensador do Ilumi-nismo alemão: Pufendorf.

Samuel Pufendorf (1632-1694)

Professor em Heidelberg, na Alemanha, e em Lund, na Suécia, lugares onde ensinou direito. A obra mais importante de Pufendorf é De jure naturae et gentium, de 1672, em que preten-deu construir uma ciência do direito que possuísse o mesmo rigor que a física newtoniana.

Por isso, ele defendia que o direito natural, sendo universal por essência, era uma questão da razão, não podendo basear-se na religião, já que esta é diferente de povo para povo. Ele dizia que o direito "é norma das ações e das relações entre todos os homens não enquanto cristãos, mas sim enquanto homens" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 817).

Portanto, o seu conceito de direito era fundamentado no di-reito natural, universal, baseado na razão e ligado à moralidade.

Passemos, agora, para o próximo pensador: Thomasius.

Christian Thomasius (1655-1728)

Professor de direito em Leipzig, centro da Aufklärung, Thomasius esteve no meio de uma polêmica da época: os jusnatu-ralistas ou os defensores da doutrina do direito natural, que utiliza-vam o "natural" como equivalente a "racional", defendendo que a razão humana, e não a revelação, era o critério de juízo de verdade em todas as atividades humanas e, portanto, também no que dizia respeito às normas jurídicas.

Thomasius abraçou fervorosamente essa concepção, assu-mindo uma posição claramente anti-conservadora. Prova dessa posição é o fato dele ter sido o primeiro professor a escrever um

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curso para a Universidade de Leipzig totalmente em alemão, coisa que chocou os doutos da universidade.

Por causa de atitudes como essa, Thomasius foi obrigado a transferir-se para Berlim e depois para Halles, onde escreveu a obra Instituições jurisprudentes divinae, em 1688. Embora seu contato com o movimento pietista, ao entrar em contato com a obra de Locke e dos autores sensistas ingleses, Thomasius deci-de pelo pensamento iluminista, plenamente exposto na obra Fundamenta júris naturae et gentius, de 1709.

Nas Institutiones, Thomasius define direito natural como: [...] lei divina escrita no coração de todos os homens, que os abriga a fazer aquilo que é necessariamente conforme a natureza do ho-mem racional e, ao contrário, a absterem-se daquilo que repugna a razão (REALE; AnTiSERi, 1990, p. 818).

Na Fundamenta, ele diz claramente que conhecemos o di-reito natural mediante um "raciocínio do espírito sereno" (REALE; ANTISERI, 1990, p. 818).

Para alguns autores, o dado mais importante do pensamen-to de Thomasius é a definição e a determinação da categoria autô-noma da jurisdicidade. Ele se propõe diferenciar o juridicamente justum do moralmente honestum e do socialmente decorum.

Para ele, o que é juridicamente justo se diferencia daquilo que é moralmente honesto pelo fato de que o comportamento jurídico justo é intersubjetivo, ou seja, ele sempre se refere à ação de pelo menos duas pessoas. Já o honesto diz respeito ao interior de uma pessoa, enquanto o justo diz respeito à ação exterior entre pessoas.

Entretanto, intersubjetividade e exterioridade não são sufi-cientes para determinar juridicamente o justo, pelo fato de que servem para distinguir o justo do honesto, porém, não conseguem distinguir o justo do decorum, ou seja, daquilo que é socialmente oportuno e conveniente, já que o decorum possui características da intersubjetividade.

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Dessa questão, aparece outra característica da jurisdicidade, lembrada por Reale e Antiseri:

Ninguém pode ser forçado ao decorum e, se é forçado, já não se trata de decorum, ao passo que, por outro lado, a obrigação jurí-dica é sempre externa e teme a coação de outros homens (1990, p. 818).

Portanto, para o iluminista alemão, a intersubjetividade e a coercitividade são as características principais do direito. Com isso, pode-se dizer que somente os deveres jurídicos, aqueles que ser-vem para garantir a paz social, são coercitivos; o que for de âmbito íntimo e pessoal, como as convicções morais e religiosas, não pode ser coercitivo.

Com isso, Thomasius assume a defesa da liberdade de pen-samento e da religião, o que significa dizer que a Igreja não pode tornar-se uma instituição jurídica, chamando para si o poder coer-citivo que pertence somente ao estado de direito.

Como vemos, se Thomasius não tem um lugar de destaque como filósofo, ele ganha importância no estudo da filosofia do di-reito, uma vez que antecipa questões que estarão presentes em estudiosos seguintes, como kant.

Analisemos, agora, o pensamento de Wolff, mais um expo-ente do Iluminismo alemão.

Christian Wolff (1679-1754)

Para muitos autores, Christian Wolff foi o maior nome de todo o movimento iluminista na Alemanha, principalmente por sua formação intelectual. Wolff fez seus estudos ginasiais na sua cidade natal, Breslau, indo depois para a Universidade de Jena es-tudar matemática e filosofia, aprofundando seus conhecimentos na filosofia cartesiana. Em 1702 foi em Leipzig, onde doutora-se em filosofia com a dissertação De philosophia practica universali methodo mathematico conscripta.

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Em 1704, por causa do reconhecimento de sua tese, passou a colaborar com a então célebre revista Acta Eruditorum, na qual escrevia também Leibniz, o grande filósofo daquele momento.

Wolff enviou a Leibniz a sua dissertação que lhe "respondeu com uma longa carta de comentários”, o que deu início a uma tro-ca de correspondências entre os dois que durou até a morte de Leibniz, em 1716. Dessa relação amistosa, Wolff recebe o apoio para ocupar a cátedra de matemática na Universidade de Halles, a partir de 1706, onde passa, também, a ensinar filosofia.

Entre 1710 e 1716, Wolff escreve e publica uma série de obras de cunho científico e matemático, mas a primeira obra filo-sófica desse iluminista alemão apareceu em 1713, chamada Pen-samentos racionais acerca das forças do intelecto humano e do seu uso correto no conhecimento da verdade. Essa obra, um conjunto de vários volumes, reeditada sucessivamente até 1754, ano da sua morte, foi “o manual usado mais amplamente pelas pessoas cultas e adotado em quase todas as universidades e escolas...” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 821), influenciando toda uma gama de futuros professores alemães.

Ao completar o seu sistema filosófico e a sua produção cien-tífica, Wolff alcançou respeito e ganhou importância na esfera intelectual da Alemanha oitocentista. Suas obras foram escritas, inicialmente em alemão, na língua do povo, dentro do projeto ilu-minista de valorização da língua pátria, mas, em seguida, em latim, a língua dos cultos para os cultos. Grande parte da terminologia filosófica dos séculos 18 e 19, e que ainda hoje é utilizada, é de-vedora das "definições wolffinianas". Dito isso, vamos ver, agora, alguns pontos da filosofia desse eminente filósofo.

Para Wolff, o procedimento científico mais rigoroso é o que "consiste na análise a priori dos conceitos”, apesar de afirmar, também, que "as observações e a experiência estão em condições de fundamentar doutrinas científicas".

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O resultado dessa reflexão é a afirmação de que existem ape-nas duas ciências: as racionais e as empíricas, que levam à duas outras distinções: as ciências teóricas e as práticas. Foi com base nesses dois fundamentos que Wolff propôs a divisão das ciências, criando uma verdadeira enciclopédia do saber.

Essas ciências estão divididas em três grupos: • Ciências racionais, teóricas e práticas: cuja certeza ba-

seia-se no princípio da não contradição. Cabe dizer que Wolff complementa o princípio aristotélico que dizia ser impossível algo ser e não ser ao mesmo tempo. Para o filósofo iluminista, aquilo que não pode ser pensado de modo contraditório só pode ser verdadeiro. Essa concep-ção é claramente uma influência da filosofia de Leibniz.

• Ciências empíricas, teóricas e práticas: cuja base de cer-teza é o princípio da razão suficiente. Esse princípio tam-bém é uma influência de Leibniz, pois concebe que, mes-mo sendo possível que natureza algo contrário aconteça, há uma razão suficiente que faz com que o fato ou o fenô-meno seja daquele e não de outro modo.

• Lógica: disciplina necessária para a formulação das outras ciências.

Confira no quadro a seguir a divisão das ciências feitas por Wolff, segundo a apresentação de Reale e Antiseri:

Quadro 1 Divisão das ciências.

CIêNCIAS RACIONAIS TEÓRICAS

Ontologia (que estuda os aspectos essenciais ser).

Cosmologia (que estuda o mundo).

Psicologia racional (que estuda a alma).

Teologia natural (que discute racionalmente a existência de deus).

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CIêNCIAS RACIONAIS PRáTiCAS

Filosofia prática.

Direito natural.

Política.

Economia.

CIêNCIAS eMPíRiCAS TEÓRICAS

Psicologia empírica.

Teleologia.

Física dogmática.

CIêNCIAS eMPíRiCAS PRáTiCAS Disciplinas técnicas física experimental.

LÓGICA Disciplina propedêutica a todo o sistema das ciências.

Fonte: Reale e Antiseri (1990, p. 823-824).

Sobre essa base teórica, Wolff produz todo um conjunto de obras, dando continuidade à obra Pensamentos racionais acerca das forças do intelecto humano; são elas: Pensamentos racionais sobre Deus, mundo e a alma dos homens (1719), Pensamentos ra-cionais sobre o agir humano (1720), Pensamentos racionais sobre a vida social dos homens (1721), Pensamentos racionais sobre as operações da natureza (1723), Pensamentos racionais sobre a fi-nalidade das coisas naturais (1724) e Pensamentos racionais sobre as partes dos homens, dos animais, das plantas (1725), todas es-critas em alemão.

Além dessas obras, aparecem ainda as obras em latim: Philosophia prima sive ontologia (1729), Cosmologia generalis (1731), Psychologia empirica (1732), Psychologia rationalis (1734), Theologia naturalis (1736-1737), Philosophia practica universalis (1738-1739), Jus naturae (1740-1741) e Jus gentium e Philosophia moralis (1750-1759). Esse conjunto de obras foi o fundamento de todas as discussões científicas e filosóficas nos anos seguintes, nas universidades alemãs, influenciando um conjunto importante de filósofos como kant, Fichte, Schelling e Hegel, por exemplo.

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Do ponto de vista essencialmente filosófico, ganham desta-que os conceitos e as reflexões sobre a Metafísica e seus desdo-bramentos como disciplina teórica. Para ele, temos a Metafísica geral e a especial; como Metafísica geral, ela é ontologia, ou seja, ciência do ser possível, isto é, daquilo que pode ser pensado, como já vimos anteriormente, fundamentada no Princípio da Não-Con-tradição. Como Metafísica especial ela é Cosmologia, Psicologia Racional e Teologia natural; a Cosmologia como ciência dos pre-dicados do mundo, a Psicologia como ciência dos predicados da alma e a Teologia Natural ou Teodicéia, como ciência acerca das provas da existência de Deus sem o pressuposto da fé.

Dentro dessa perspectiva, Wolff diz que, enquanto método filosófico, não se devem usar termos que antes não tenham sido esclarecidos mediante uma acurada definição (termos sem senti-dos), nem se deve admitir como verdadeiro aquilo que não tenha sido suficientemente demonstrado. Para ele, nas proposições, é preciso determinar com a mesma agudeza o sujeito e o predica-do e tudo deve estar ordenado de tal modo que sejam premissas por meio das quais são compreendidas e justificadas as que se se-guem.

Mas ele tem ainda outra concepção para a filosofia. Wolff defende que o objetivo da filosofia é criar condições para o ho-mem alcançar a felicidade, o que está dentro do otimismo ilumi-nista (para os iluministas a felicidade humana e o progresso de-pendem do conhecimento). Assim, ele acreditava que a liberdade de pensamento, ou seja, a racionalidade, levaria necessariamente a uma vida melhor, portanto, mais feliz, como nos lembra Reale e Antiseri (1990).

Assim, a ética wolffiana tem total autonomia a qualquer con-sideração teológica.

Avancemos para outro iluminista alemão, Baumgarten.

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Alexander gottlieb Baumgarten (1714-1762)

Nascido em Berlim, em 1714, e falecido em Frankfurt, em 1762, Alexander Gottlieb Baumgarten transferiu-se para Helles em 1730 para se dedicar ao estudo da filosofia de Wolff, tornando-se um de seus representantes de maior destaque.

Em 1735, também em Halles, Baumgarten publicou sua tese de doutoramento intitulada Meditationes philosophiae de nannullis ad poema pertinentibus. Essa obra apresenta o núcleo de suas reflexões estéticas, reflexões retomadas na Aesthetica, sua obra mais famosa, publicada em dois volumes, em 1750 e 1758.

Antes da Aesthetica apareceu ainda a obra Metaphysica, reeditada sete vezes até 1779, e considerada por kant o manual “mais útil e mais profundo dentre todos os manuais do gênero” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 828). na Metaphysica, Baumgarten apresenta a metafísica wolffiana de maneira clara e concisa.

quanto à definição de metafísica, Baumgarten utiliza aquela proposta por Wolff dando-lhe o seguinte complemento: ela é a ciência dos princípios primeiros do conhecimento humano.

O âmbito de estudo da metafísica continua o mesmo de Wolff: Ontologia, Cosmologia, Psicologia e Teologia Natural. Na Ontologia, estudam-se os aspectos mais gerais do ser; na Cosmo-logia, estudam-se os predicados gerais do mundo, fundados na experiência (Cosmologia empírica) e na noção racional de mun-do (Cosmologia Racional); na Psicologia, estudam-se os aspectos mais gerais da alma, extraídos da experiência (Psicologia empíri-ca) e deduzidos do conceito de alma (Psicologia Racional); na Te-ologia natural, discute-se acerca de Deus, enquanto Ele puder ser conhecido sem a fé. Essas propostas serão amplamente retoma-das por kant devido à sua rigorosa argumentação.

Apesar da grandiosa contribuição de Baumgarten com rela-ção ao avanço da metafísica, o seu mérito está nas propostas que deram as bases filosóficas para o estudo da Estética.

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Para ele, a Estética é a ciência do sensível, que auxilia na di-ferenciação das representações "claras" das representações "con-fusas"; ela não pode ser reduzida apenas para discutir as regras da produção da obra de arte ou para analisar os efeitos psicológicos da arte na alma; tudo isso é empiria.

Assim, ele inova ao afirmar que a Estética é a ciência que permite analisar as regras do conhecimento, sendo a sua finalida-de aperfeiçoar o conhecimento sensível como tal.

Nisso, é que reside a beleza, portanto, enquanto a Ontologia é a ciência dos predicados mais gerais do ser, a Estética é a ciên-cia do conhecimento sensível, sendo uma “gnosiologia inferior”, já que se ocupa de uma “faculdade inferior”, sendo o campo de abrangência dessa ciência a “perfeição do conhecimento sensível” (REALE; ANTISERI 1990, p. 829).

Por isso, dizem os mesmos comentadores anteriormente ci-tados, a Estética surge da necessidade de indagar e estabelecer escrupulosamente as leis desse conhecimento, o que torna a Esté-tica irmã da Lógica, de quem ela extraíra o seu caráter sistemático.

Ao propor essa concepção, Baumgarten também muda a an-tropologia, ou seja, ele muda a imagem do homem. Para ele, o conhecimento humano não é somente o conhecimento científico, mas também estético, isto é, sensível. Nesse sentido, ele volta a Leibniz quando esse contrapõe as ideias claras às ideias distintas. As primeiras são aquelas ideias necessárias para o cotidiano da vida; elas permitem distinguir objetos e orientam no ambiente sensível; já as segundas representam o conhecimento adequado das coisas, isto é, permitem o conhecimento racional das causas das coisas, não se contentando com as características sensíveis.

Ele faz, ainda, alguns acréscimos a essa concepção. Para Baumgarten, a Estética é a ciência da distinção das representa-ções claras e confusas, devendo entender representações confu-sas como aquelas percepções em que não se consegue destacar "elementos particulares da totalidade, não se podendo indicar os

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elementos isoladamente e segui-los separadamente". Para ele, "a intuição estética é o conhecimento autônomo do sensível global-mente entendido", ou seja, "é um ver, intuir, saber, conhecer o quê e não por quê", dizem Reale e Antiseri (1990, p. 830).

Por isso, a Estética, como nova ciência, deve-se ocupar do fenômeno sensível, dedicar-se a análise desse fenômeno sem a pretensão de querer conhecer as suas causas mais íntimas, o que lhe é impossível.

Assim, a grande contribuição da Estética de Baumgarten é apresentar os fundamentos lógicos para o conhecimento sensí-vel rigoroso e estabelecer os limites desse conhecimento, ou seja, mostrando que a concepção de uma razão suficiente, como propu-nham Leibniz e Wolff, não tem nenhum valor no âmbito do conhe-cimento sensível. Para ele, no campo do conhecimento humano, além da Lógica geral, que indaga sobre as leis gerais do pensamen-to correto, existe a estética que procura e avalia as leis do conhe-cimento sensível.

Essa nova concepção de estética será inteiramente retoma-da e complementada pelo grande filósofo Immanuel kant na sua crítica às pretensões da metafísica como ciência teórica, dando iní-cio ao chamado Criticismo transcendental.

Passamos, agora, para a analise do pensamento de Reimarus.

Hermann Samuel Reimarus (1694-1768)

Hermann Samuel Reimarus dedica-se ao deísmo religioso presente nas obras dos iluministas ingleses e franceses. Esse in-teresse se deu pela sua formação teológica, já que ele estudou teologia e filosofia em Jena e Wütemberg. Fez, também, inúmeras viagens pela Holanda e Inglaterra, até tornar-se professor de lín-guas clássicas em Hamburgo, a partir de 1628.

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Na sua mais conhecida obra, Tratado sobre as principais ver-dades da religião cristã, de 1754, Reimarus debate com os defen-sores da religião natural, defendendo que a razão seja capaz de demonstrar, sem sombra de dúvida, a existência de Deus como criador do mundo, da providência divina e da imortalidade da alma; mas essa defesa não o coloca como defensor da religião re-velada, ao contrário, ele a critica.

Para ele, sem a religião revelada, amplamente defendida pelos iluministas franceses e ingleses, não haveria moralidade e a esperança humana numa vida feliz desapareceria.

Reimarus se coloca contra qualquer Materialismo antirreli-gioso. Segundo ele, Deus é o criador do mundo e da ordem do mundo; essa criação (do mundo e da ordem do mundo) é o único milagre verdadeiro; ele afirma que os milagres defendidos pela re-ligião positiva são impossíveis.

O argumento contra os milagres defendidos pela religião po-sitiva é simples: se Deus criou o mundo e a ordem do mundo, Ele não tem porque mudar ou corrigir a sua obra. Todas as religiões que defendem a interferência divina no mundo são falsas; elas são contrárias à única religião verdadeira: a religião natural.

A religião bíblica é falsa, porque ela é contrária à religião na-tural.

Em uma obra não publicada, mas que apareceu pelas mãos de Lessing com o título de Fragmentos anônimos, Reimarus rea-firma que a única religião válida é a religião racional, e que as re-ligiões positivas e revelações devem ser refutadas, e ainda que a religião racional instrua os homens no dever e no temor a Deus. O ensinamento de Cristo, em sua essência, nada mais é do que uma "religião racional prática".

Essas posições balançam os fundamentos do cristianismo que passa a ser apresentado ou como uma atitude política ou como um grande engano.

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Tal concepção de religião natural como única religião ver-dadeira, em oposição à religião positiva, defendida por Reimarus, será abraçada e complementada por Lessing, pensador que encer-ra essa reflexão sobre os iluministas alemães. Vamos conhecê-lo.

gotthold ephraim Lessing (1729-1781)

Filho e neto de pastores protestantes, Gotthold Ephraim Lessing é considerado um dos grandes poetas do Iluminismo alemão. Nascido em kamenz, em 1729, Lessing estudou em Leipzig, antes de ir para Berlim, onde conheceu Voltaire.

Entre 1760 e 1770, ocupou o cargo de bibliotecário do prín-cipe Ferdinando, duque de Wolfenbüttel, porém, devido a maus tratos e exploração, suas letras tornam-se um protesto contra todo tipo de opressão.

Desse sentimento, saiu a primeira obra antitirânica, Emilia Galotti, em 1772, fazendo uma crítica à miséria política e à moral alemã daquela época. Em 1774, publica os Fragmentos de um anô-nimo, obra na qual Lessing, como falamos anteriormente, apre-senta os manuscritos de Reimarus sobre as suas críticas à religião revelada e ao poder.

Em 1780, casa-se com Eva König, por quem era apaixonado. Apesar da felicidade, mais uma vez, a tragédia lhe abate: um ano depois do casamento, sua esposa morre devido a problemas no parto do filho, que pouco depois também morre; ele mesmo mor-re no ano seguinte.

Do ponto de vista de produção, Lessing escreveu muito para o teatro, interessou-se muito pela Estética e pela Filosofia da Re-ligião. Para o teatro, escreveu: Emilia Galotti, Miss Sara Sampson (1756), Philotas (1759), Minna von Barnhelm (1767) e Natã, o Sá-bio (1779), que para muitos é a obra-prima de Lessing.

Com relação à produção filosófica, destacam-se: Dramatur-gia de Hamburgo (1767-1769) e Laocoonte ou as fronteiras da pin-tura e da poesia (1766); nessa obra, Lessing demarca as diferenças

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entre a poesia e as outras artes figurativas. Para ele, a poesia trata de temas cujas partes sucedem no tempo, por outro lado, as artes figurativas, como a pintura e a escultura, a representação se dá no espaço, com lugares precisos, assim, as artes expressam a mesma coisa por formas diferentes.

A pintura se expressa por meio de figuras e cores; a escultura por gestos e espaço; a poesia por meios de sons, ritmos e símbo-los. Uma boa estética se caracteriza se cada uma delas mantiver a sua área, e quando uma invade a área da outra, a arte torna-se equivocada.

Com relação à produção dramaturga, Lessing vê o teatro como uma "escola de formação do caráter moral dos alemães", que conduziria a formação de uma nação alemã. Para ele, a ver-dade do teatro não é a verdade histórica, ou seja, aquela verdade vinculada aos feitos de uma personagem real, mas uma verdade psicológica. Por isso, completa ele, o teatro deve ensinar o homem de certo caráter em certas circunstâncias.

As concepções estéticas de Lessing alcançaram grande su-cesso, persistindo até meados do século 20, mas as suas reflexões sobre as questões religiosas foram muito mais importantes.

Esses temas são apresentados e discutidos nas seguintes obras: Pensamentos sobre Herrnhuter (1750), Sobre a religião (1750), O cristianismo e a razão (entre 1751 e 1753), Sobre o nas-cimento da religião (entre 1753 e 1755), Fragmentos de um anô-nimo (1774), Sobre a prova do espírito e da força (1777) e O anti-Goeze (1778).

Na obra Sobre o nascimento da religião, ele discute o apa-recimento da religião positiva e suas diferenças com relação à re-ligião natural; para ele, a religião natural se caracteriza pelo reco-nhecimento de Deus, pela procura de formas em torno dele e leva em consideração esse conhecimento em todas as nossas ações. Mas como a compreensão da religião natural varia de homem para homem, teve-se que construir uma religião positiva a partir da re-

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ligião natural, já que não havia condições de edificar uma prática universalmente uniforme entre os homens, da mesma forma que havia sido construído o direito positivo a partir do direito natural.

A religião positiva ou revelada é aceita por alguns homens a partir da autoridade do seu fundador, que afirma ter recebido diretamente de Deus aquelas revelações a eles apresentadas, que deveriam aceitá-las mediante a razão de cada um. Por esse moti-vo, afirma Lessing:

todas as religiões positivas e reveladas são [...] igualmente verda-deiras e igualmente falsas” e que “a melhor religião revelada ou positiva é aquela que contém o mínimo de acréscimo convencional à religião natural e que limita o menos possível os bons efeitos da religião natural (apud REALE; ANTISERI, 1990, p. 837).

Essas concepções diante da origem da religião positiva como consequência da religião natural levam Lessing a se posicionar to-talmente contra a ideia de sobrenatural, de providência divina e revelação.

Essas críticas são influências da leitura e publicação dos ma-nuscritos de Reimarus sob título de Fragmentos de um anônimo, em 1754. Como vimos, Reimarus criticava violentamente as bases do cristianismo, afirmando que Jesus teria sido um agitador polí-tico, que seu batismo teria sido um pacto político entre ele e João Batista, que acabou crucificado pelos seus inimigos romanos que atrapalharam seus planos políticos, que os discípulos de Jesus in-ventaram a ressurreição, e que o Antigo Testamento não poderia ter sido inspirado por Deus, já que só contém absurdos, maldades e corrupção.

A publicação desse escrito valeu a Lessing uma grande polê-mica com os pastores da época, em especial o pastor J. M. Goeze, contra quem ele escreve o Anti-Goeze, em 1778.

Na obra Sobre a prova do espírito e da força, de 1777, está o chamado "problema de Lessing" no qual ele se pergunta “como é possível derivar de uma verdade histórica (Jesus e seus apóstolos) uma verdade sobre-histórica (Deus transcendente e a Igreja como lugar de salvação)?”.

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Ele se afirma incapaz de dar esse salto, uma vez que seria impossível, e por isso apela a quem possa ajudá-lo, dizendo: "se alguém pode me ajudar a passar para o outro lado, peço-lhe enca-recidamente que o faça. Deus o recompensará por mim".

A busca pela solução desse problema o leva a se interessar pela História, buscando as causas históricas para entender a Te-ologia (fato que estará vivamente presente no pensamento dos românticos).

Desse interesse, aparece a obra a Educação do gênero hu-mano, de 1780. o ponto central dessa obra é a concepção de que os homens vivem em contínua tensão, em busca de meta seguinte e que, por isso, a história é a história do progresso, e a religião faz parte desse progresso contínuo da humanidade (essa ideia estará presente no pensamento de Hegel), que tem a ver com a morali-dade de um povo.

A religião revelada faz parte da etapa da educação moral de um povo, diz ele; o judaísmo e o cristianismo fazem parte de fases diferentes da educação dos povos, portanto, as religiões reveladas são etapas diferentes da consciência humana que desaparecerão quando surgir a religião natural e se impor uma ética autônoma.

Enfim, depois de concluirmos a análise da obra de Lessing, encerramos esta unidade de nossos estudos.

7. QUeSTõeS AUToAVALiATiVAS

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

1) Por que muitos comentadores classificam Rousseau como polêmico?

2) Dos fatos que marcantes da vida de Rousseau, para você, qual (ou quais) deles teria maior influência sobre a sua obra? Justifique sua resposta.

3) que relação Rousseau faz entre a civilização e a decadência humana?

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4) Ao tratar desse assunto, a decadência humana, quais novidades Rousseau traz para as discussões da filosofia moderna?

5) Em que a proposta de Rousseau difere da proposta de Hobbes?

6) qual a função dos sentimentos de autopreservação e de comiseração, nessa obra de Rousseau?

7) Como Rousseau diferencia a desigualdade física da desigualdade política e moral?

8) Faça uma pequena apresentação do homem natural proposto por Rousseau na obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.

9) qual a importância, na mesma obra, da perfectibilidade e da liberdade para o homem?

10) Por que Rousseau afirma que a desigualdade entre os homens não foi obra do próprio homem e sim das circunstâncias externas a ele?

11) Escreva um pequeno texto mostrando como se deu a passagem do estado natural do homem o estado social, segundo Rousseau.

12) Segundo Rousseau, divergindo de Hobbes, quando o estado de guerra se instala entre os homens?

13) Para Rousseau, em que contexto surgiu as leis?

14) qual a solução proposta por Rousseau para o homem sair dessa situação de desigualdade, já que a perfectibilidade não o permite retroceder?

15) qual o papel da educação na superação da desigualdade?

16) Por que Rousseau propõe a discussão sobre um “contrato social”?

17) qual o papel da propriedade na reflexão política de Rousseau?

18) Segundo Rousseau, qual a origem do estado?

19) quais as críticas de Rousseau ao contrato social?

20) Como as teses de Rousseau, sobre o contato social, se opõem às teses de Hobbes e Locke?

21) qual seria o contrato social legítimo, segundo Rousseau?

22) Como seria o Estado fundando sobre o novo contrato social, em Rousseau?

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23) qual o papel da soberania nesse estado proposto por Rousseau?

24) qual a diferença entre governo e Estado na proposta política de Rousseau?

25) Depois de ler e refletir sobre a proposta política de Rousseau, escreva um pequeno texto mostrando o papel de uma nova proposta pedagógica para o novo ambiente político visionado por ele.

26) Aponte as novidades pedagógicas propostas por Rousseau na obra Emilio.

27) Como você enxerga a proposta educativa de Rousseau? Você concorda com ela? Será possível aplicá-la à nossa realidade atual?

28) Procure refletir sobre o aparecimento do Iluminismo europeu e, em seguida, escreva um pequeno texto apontando as diferenças do Iluminismo alemão em relação ao movimento inglês e francês.

29) qual o principal objetivo do movimento iluminista (Aufklärung) na Alema-nha?

30) qual a relação entre a Aufklärung e a valorização da língua alemã, no século 18?

31) qual a maior contribuição de Pufendorf para o desenvolvimento do Ilumi-nismo?

32) Depois de ler sobre o pensamento de Christian Thomasius, aponte as teses mais importantes do seu pensamento.

33) Por que Christian Wolff pode ser apontado como o maior expoente do Ilu-minismo alemão?

34) Faça uma síntese sobre as principais contribuições de Wolff na formação do pensamento alemão do século 18.

35) quais são as novidades apresentadas por Alexander Baumgarten no que se refere aos estudos da Estética?

36) quais são os pontos mais importantes da reflexão de Hermann Reimarus sobre a religião, ao defender a religião natural frente a religião positiva?

37) qual a diferença entre a poesia e as outras artes, segundo Gotthold Ephraim Lessing?

38) O que, para Lessing, é uma boa estética?

39) qual a importância, nos escritos de Lessing, do teatro para a nação alemã?

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40) qual a relação entre a religião natural e a religião positiva, nas obras de Lessing?

41) Como Lessing relaciona a educação e a religião?

8. ConSiDeRAçõeS

Você pôde acompanhar nesta unidade a continuação das discussões sobre o Iluminismo francês na apresentação e análise do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, senão o maior, com certeza um dos grandes expoentes do pensamento iluminista fran-cês do século 18. Vimos como o pensador, partindo da sua análise sobre a origem da desigualdade entre homens, tema que inicia toda a sua reflexão, introduz outros temas importantes, como a questão do contrato social, da soberania e vontade geral como sustentáculos de um estado justo e igualitário, em que os cidadãos tornam-se responsáveis diretos pelo funcionamento do estado. Eis aí as bases da democracia representativa.

Além da discussão política, outro tema abordado pelo ge-nebrino, foi a educação. Segundo ele, para se instalar um mundo novo, a velha pedagogia também deve ser reformada. Um mun-do novo requer um homem novo, e para formá-lo é necessária uma pedagogia nova: essa é a função do Emílio, obra considerada a maior entre todas as propostas pedagógicas modernas. Nela, o homem deve retornar seus valores naturais, perdidos ao longo da história. Esse homem deveria retomar a sua bondade natural, suas emoções e seus sentimentos perdidos ao longo do processo civili-zatório, sem abdicar da razão como guia.

Esses novos ventos chegaram à Alemanha. Lá também hou-ve um movimento iluminista forte, que ficou conhecido pelo nome de Aufklärung (esclarecimento). Na Alemanha, como vimos, por existir um contexto político, social e religioso diferente da Fran-ça, o movimento assume características distintas. Enquanto o Ilu-minismo francês assume tons anticlericais e antiabsolutistas, na

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Alemanha ele toma caráter antimetafísico e de apologia às ciên-cias, assumindo uma postura de análise critica da realidade com a finalidade de iluminar o espírito humano para que ele perceba o mundo que o cerca, como ele realmente é. Para tanto, era neces-sário promover uma verdadeira "revolução intelectual" na Alema-nha daquela época. Essa revolução deveria começar por aprender a pensar em alemão. Com essa intenção, aparecem pensadores como Ehrenfried Walter Von Tschirnhaus, Christian Thomasius, Christian Wolf, Alexander Gottlieb Baumgarten, Gotthold Ephraim Lessign, entre outros. Esses pensadores se tornam os grandes mestres e formadores da intelectualidade alemã daquele período.

Entre os formandos, estava um jovem da pequena cidade de Königsberg chamado immanuel Kant que, assumindo o espírito iluminista, promoverá uma verdadeira revolução nos estudos e no ensino de filosofia, tornando-se um dos maiores pensadores de todos os tempos. Esse pensador será o objeto de nosso estudo na próxima unidade.

9. e-ReFeRÊnCiAS

Figura 1 Rousseau. Disponível em: <http://www.filosofia-irc.org/filosofos/r/rousseau/index.html>. Acesso em: 14 maio 2012.

10. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHATELET, F. Historia da filosofia: o iluminismo do século XVIII. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. v. 4.DARNTON, R. A boemia literária e a revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. FALCON, Fr. J. C. Iluminismo. São Paulo: Ática, 1986.FORTES, L. R. S. O iluminismo e os reis filósofos. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. LEPAPE, P. Voltaire: nascimento dos intelectuais no século das luzes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.REALE, G; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a kant. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2.ROSSI, R. Introdução à filosofia: história e sistemas. São Paulo: Loyola, 1996. ROUSSEAU, J-J. Do contrato social. São Paulo: nova Cultural, 1987. (Coleção os

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Pensadores).______. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: nova Cultural, 1988. (Coleção os Pensadores).ROVIGHI, V. História da Filosofia Moderna. São Paulo: Loyola, 1999.ROUNET, S. P. A razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.RUDE, G. A Europa no século XVIII: a aristocracia e o desafio burguês. Lisboa: Gradiva, 1988. SCIACCA, M. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1968.

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EAD

A Filosofia Crítica de Immanuel Kant

3

1. OBJETIVOS

• Conhecer a biografia e analisar as principais ideias de Im-manuel kant.

• Descrever as principais influências no seu pensamento.• Analisar as obras Crítica da razão pura e Crítica da razão

prática e os principais temas presentes nas obras.• Relacionar as influências desse pensamento com as fases

anteriores do pensamento filosófico.

2. CONTEúDOS

• Biografia.• Crítica da razão pura: a epistemologia ou o problema te-

órico na obra de kant. • Crítica da razão prática: a ética ou o problema prático na

obra de kant.

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3. oRienTAçõeS PARA o eSTUDo DA UniDADe

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

1) Curiosidade: dependendo das traduções, podemos en-contrar grafado tanto Immanuel kant como Emanuel kant.

2) O pietismo foi um movimento religioso, dentro do lute-ranismo puritano, promovido por Jakob Spencer (1635-1705), que afirmava ser a fé cristã verdadeira aquela fé viva que brotava da leitura direta da Bíblia, fonte por excelência da renovação interior. Friedrich Schultz, pro-fessor de teologia, conhecia bem as ideias de Spencer, transferiu essa influência para kant, embora ele tenha, mais tarde, contestado alguns aspectos de sua educa-ção pietista. Sobre o pietismo, cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: do humanismo a Kant. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2. p. 819-820. e PASCAL, G. O pen-samento de Kant. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1992.

3) Mesmo que a obra de kant sobre a origem do univer-so não tivesse tanta circulação na época, por causa de problemas com o editor, por terem chegado às mesmas conclusões, de modo independente, a hipótese foi de-nominada “teoria de kant-Laplace”.

4) É bom lembrar que O Emilio ou Da educação, e o Con-trato social, obras do pensador iluminista francês Jean--Jaques Rousseau, só aparecem a partir de 1762.

5) Caso você tenha interesse por saber quais as principais discussões das obras do período pré-crítico de kant, Gio-vanni Reale e Dario Antiseri fazem uma apresentação sucinta dos temas de cada uma delas (Cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: do humanismo a Kant. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2., p. 866-870).

6) Não se esqueça de que este material é apenas um re-ferencial para seu estudo em Filosofia. Recomendamos que você remeta-se às obras indicadas para conhecer a fundo os conteúdos aqui apresentados.

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7) Para facilitar a discussão, recomendamos a leitura das duas Críticas escritas por kant e dos seguintes comen-tadores: PASCAL, G. O pensamento de Kant. 4. ed. Pe-trópolis: Vozes, 1992 e REALE, G; ANTISERI, D. História da Filosofia: do humanismo a Kant. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2.

4. inTRoDUção à UniDADe

Na sua maturidade filosófica, o alemão Immanuel Kant dizia que toda a filosofia tinha por fim responder a uma só questão, que comandava tudo: que pode legitimamente a nossa razão? Essa questão subdivide-se em outras três que orientam toda a produ-ção madura do nosso filósofo, tanto no campo teórico como no prático:

• que posso saber? • que devo fazer? • que me é permitido esperar?

Para responder a essas questões, kant escreveu um conjunto de obras ao longo de mais de 20 anos, fruto de muita pesquisa e reflexão, que deram um novo rumo à filosofia ocidental, não só no que diz respeito a novos temas, mas também a necessidade de rever toda a metafísica tradicional, no que tange à confiança na capacidade cognitiva da razão.

Com esse intuito, era necessário promover uma reviravolta no tradicional processo de conhecimento da natureza, a relação entre sujeito e o objeto, revisar radicalmente as tarefas e compe-tência do método e do próprio valor do conhecer, de modo que a ciência pudesse ser recuperada e resistisse aos ataques céticos.

É esse caminho que começaremos a percorrer a partir da agora: conhecer o itinerário do sistema kantiano, sua construção, suas preocupações, seus temas e sua nova terminologia.

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5. VIDA E OBRA

Immanuel kant não foi um homem de grandes fatos ou incidentes particulares; ao contrário, sua vida foi simples e rotineira, transcorrida quase que exclusivamente na sua cidade natal, como nos indicam os seus biógrafos.

Nascido na pequena cidade prussia-na de Königsberg (atual Kaliningrado), uma

próspera cidade portuária no Báltico, na então Prússia Oriental, em 1724, kant teve origem simples, uma família de artesãos. Seu pai era seleiro e a mãe cuidava dos afazeres domésticos. Essa sim-plicidade e vida dura trouxeram a kant grandes provações: de 11 irmãos, morreram seis muito jovens, duas irmãs foram emprega-das domésticas, e um irmão perdeu sua mão com 11 anos.

kant, já professor acadêmico e respeitado, recordava dos pais como modelo de trabalho, decência e honestidade, sendo muito grato pela educação recebida no seio familiar.

Seu pai, Johanns Georg kant, fabricante de correias para car-roças, era laborioso, honesto e detestava mentiras; sua mãe, Ana Regina Reuter, mulher de profunda religiosidade, foi a grande res-ponsável pela formação moral que acompanhou o nosso filósofo por toda vida, além de grande incentivadora na sua paixão pelo co-nhecimento. Pensando nisso, antes de morrer, ela o encaminhou para o Collegium Fridericianum onde trabalhava Friedrich Albert Schultz, um adepto fervoroso do pietismo. Foi nessa fase que o pequeno kant aprendeu com severidade, tanto nos conteúdos como nos métodos. Essa formação familiar, religiosa e educacional explica, pelo menos em parte, a “austeridade de sua doutrina mo-ral, sobre tudo sua condenação à mentira, a solidez de sua fé e a independência de toda prática cultural” (PASCAL, 1992, p. 13-14).

Figura 1 Immanuel Kant.

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Como estudante do Fridericianum, kant aprendeu muito bem latim e pouco o grego, o que o impediu de ler na língua ver-nácula os grandes clássicos da literatura e filosofia grega. Mas, en-quanto aluno, destacou-se dos colegas, o que lhe valeu, em 1740, quando deixa o colégio, uma indicação do diretor para a Universi-dade de Königsberg. na Universidade, o curso de filosofia incluía também o estudo das ciências.

O filósofo que mais o influenciou foi o também pietista Martin Knutzes (1713 – 1751), discípulo de Christian Wolff (1679 – 1754). Desses dois, que se inspiraram em Leibniz (1646 – 1716), o jovem kant aprendeu que a exposição filosófica deveria seguir o rigor, a precisão e as demonstrações exatas da matemática, o que kant chamou de “o método rigoroso do ilustre Wolff” (PASCAL, 1992, p. 14). Esse método, segundo Georges Pascal (1992, p. 14), “é um racionalismo sistemático que se esforça por julgar de tudo à mão de princípios, e não de sentimentos, por deduzir logicamente cada proposição”, assumido como atitude filosófica por kant.

No período em que passou na universidade, entre 1740 e 1747, o jovem kant também estudou teologia, mas seu grande in-teresse foram as ciências que se desenvolviam na época: física, química, biologia etc. Desse envolvimento, apareceu sua primeira obra: Pensamento sobre a verdadeira avaliação das forças vivas. Nessa obra, o quase formado kant tenta conciliar as ideias de Des-cartes com as de Leibniz, no tocante ao mecanicismo. É nesse pe-ríodo que descobre a física newtoniana e aprofunda os estudos de matemática.

Em 1747, mais um revés: a morte do pai. Com isso, kant é obrigado a abandonar a universidade antes de alcançar todos os graus acadêmicos para trabalhar e ganhar a vida. Foram anos difí-ceis aqueles entre 1747 e 1754. Segundo alguns biógrafos, foram anos de miséria (REALE; AnTiSERi, 1990, p. 861). Para se sustentar, kant teve de trabalhar como preceptor em casas de famílias no-bres pelas cercanias de Königsberg.

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Pascal (1992, p. 14) relata-nos que durante esse período, embora não se inclinasse muito para a profissão de professor par-ticular, ele toma gosto pela sociedade polida e pela conversação. Nesse período também, kant não se descuidou da sua formação: leu tudo que se escrevia então, tudo nas áreas que mais tinha in-teresse: filosofia e ciência. Tanto que, em 1755, publica uma nova obra: História universal da natureza e teoria do céu. Nessa obra, inspirada pela leitura newtoniana, propõe uma explicação meca-nicista das origens da natureza, muito parecida com aquelas apre-sentadas pelo francês Pierre Simon Laplace (1749 – 1827), 40 anos mais tarde, na sua Exposição do sistema do mundo.

Nesse mesmo ano, de volta a sua cidade natal, kant recebeu da universidade o diploma de conclusão de curso com a apresen-tação de um trabalho de conclusão sobre Um esboço sumário de algumas meditações sobre o fogo. Pouco tempo depois escreve uma obra filosófica, chamada Nova explicação dos primeiros prin-cípios do conhecimento metafísico. Em seguida, ainda em 1755, kant é laureado com o doutorado e ganha o direito de abrir cursos livres, isto é, pagos pelos alunos e não pela universidade. Começou aí a vida acadêmica do filho do seleiro. kant permaneceu durante 14 anos como livre-docente em Königsberg; nesse período, apesar das dificuldades, conseguiu certa tranquilidade e conforto.

Em 1770, começou um novo e fecundo período na vida do filósofo de Königsberg: Kant conseguiu vencer o concurso para professor titular na universidade de sua cidade natal com a disser-tação Sobre a forma e os princípios do mundo sensível e do mundo inteligível. Eis a famosa Dissertação de 70, que marca uma guinada na reflexão filosófica do filósofo alemão.

Interessante o relato que Giovanni Reale e Dario Antiseri fazem da postura de Kant ao disputar uma vaga como professor titular em Königsberg. Segundo esses autores, Kant tinha aversão ao carrei-rismo acadêmico; ele era estranho a qualquer manobra acadêmica e alheio a qualquer forma de adulação ou proteção de podero-sos. Ele confiava exclusivamente nas suas próprias capacidades para entrar na carreira acadêmica, agindo sempre com dignidade,

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distanciamento e determinação. Prova disso foi a sua vitória no concurso de 1770 e as recusas para lecionar em Halles, onde re-ceberia mais e com um número maior de estudantes. Cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: do humanismo a Kant. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2. p. 861.

Como professor titular, kant lecionava as mais variadas dis-ciplinas: matemática, lógica, metafísica, física, pedagogia, direito natural e geografia. Segundo Georges Pascal (1992, p. 15), kant era um "professor escrupuloso e vivaz, gozava de estima irrestrita dos alunos”.

o período entre 1770 e 1781 foi, sem dúvida, o momento mais fecundo da construção do sistema kantiano. De sua longa reflexão como docente, nasceu aquela que pode ser considerada como umas das mais importantes obras do pensamento filosófico ocidental: A Crítica da razão pura, publicada pela primeira vez em 1781. depois dessa obra, um conjunto de outras obras que mos-tram o amadurecimento do filósofo de Königsberg, entre as quais se destacam as duas outras Críticas: a Crítica da razão prática (1788) e a Crítica da faculdade de julgar ou Crítica do Juízo (1790).

Já reconhecido, kant permaneceu lecionando na sua cidade natal, apesar dos vários convites feitos. Reale e Antiseri (1990, p. 861) lembram-nos que, para Kant, o que lhe interessava não era a carreira, a fama ou a riqueza, mas sim o saber e a pesquisa. Mesmo sem sair da pequena Königsberg, Kant recebeu inúmeras condeco-rações na cidade e fora dela: foi membro do senado universitário (1780), reitor (1786-1788), decano da Faculdade de Filosofia e de toda a Academia (1792), membro da Academia de Berlim (1786), de São Petersburgo (1794) e de Viena (1798).

Nos últimos anos de vida, kant foi assolado por dois acon-tecimentos. Em 1794, kant foi intimado, pelo novo imperador, a não discutir sobre suas ideias religiosas, apresentadas na sua obra A religião nos limites da simples razão, publicada um ano antes. kant obedeceu: não se retratou de suas ideias, mas calou-se, sus-tentando ser esse o seu dever de súdito, coerente que era no seu comportamento.

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O outro acontecimento foi o seu envolvimento com o Idea-lismo absoluto que apontava uma nova interpretação para o Cri-ticismo transcendental kantiano, principalmente com as obras de Johann Gottlieb Fichte (1762 – 1814), aluno de Kant por al-gum tempo em Königsberg. Com o esgotamento do Iluminismo e o aparecimento do Romantismo, parece que o caminho natu-ral da filosofia, naquele momento, era a revisão do Criticismo e o desenvolvimento de um Idealismo espiritualista. kant até ten-tou, durante certo tempo, se posicionar contra a nova tendência filosófica, mas, percebendo que o desenvolvimento daquela nova interpretação era indiscutível, prefere se recolher.

Nos últimos anos de vida, kant sofreu muito: suas forças começaram a declinar, ficou quase cego, renunciou à cátedra em 1796, perdeu a memória e a lucidez, ficando quase senil. Morreu em 12 de fevereiro de 1804.

Sobre esse período há uma obra, atribuída a seu antigo mordomo, relatando os últimos anos da vida e a morte de Kant. Cf. QUINCEY, T. de. Os últimos dias de Immanuel Kant. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

6. O ITINERÁRIO FILOSÓFICO DE KANT

Sobre esse itinerário, ler PASCAL, G. O Pensamento de Kant. Rio de Janeiro: Vozes, 1992, p. 16-17. Sobre a divisão mais comum do pensamento de Kant, confira, também, o comentário de REALE, G; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a Kant. 3 ed. São Paulo: Paulus: 1990. v. 2. p. 864-871.

Como é dividida a construção do pensamento de kant?

Com o marco divisor da famosa Dissertação de 70, a histo-riografia divide o pensamento de kant em dois períodos: o pré-cri-tico, que vai de 1755 até 1770, e o crítico, que vai desse ano até o

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final de sua vida. Porém, nós vamos dividir o pensamento kantiano em três, seguindo a proposta de Georges Pascal (1992, p. 16-17).

Vejamos quais são!

Período pré-crítico

O primeiro período, chamado de pré-crítico, vai de 1755 a 1770. Nesse período, as principais ideias de kant ainda não haviam tomado forma. Ele ainda comunga do pensamento filosófico que predominava na Alemanha de então: o Racionalismo dogmático de Leibniz, desenvolvido e divulgado por Christian Wolff.

Por esse motivo, kant tinha predileção pelas reflexões meta-físicas e os problemas que ela envolvia, propondo a encontrar um lugar para essa disciplina, com os mesmo rigores da física newto-niana, ou seja, por causa do desenvolvimento das ciências, kant queria repensar a metafísica e reestruturá-la metodologicamente de modo que ela alcançasse os mesmos rigores que a física tinha alcançado.

Do ponto de vista das ciências, kant estudava a matemática e a física newtoniana, interessando-se pelos problemas científicos. kant, como relatará mais tarde, com os seus Prolegômenos, tinha plena confiança na razão, reforçada pela ciência newtoniana que estudava; para ele, a razão era capaz de discutir, compreender e esclarecer todo tipo de problema.

No decorrer desses anos, kant lê e se apaixona por Jean-Jacques Rousseau, de quem teve grande influência, sobre tudo no cam-po da moral. Nesse período, kant pouco escreve sobre filosofia. Mas interessa-se por assuntos variados: escreve sobre fenômenos físicos (terremotos, ventos, fogo, movimento e repouso, doenças etc.), também sobre o otimismo, o belo e o sublime, sobre a exis-tência de Deus, sobre silogismo. Mas nenhum desses assuntos de-monstra o que será a sua filosofia posterior.

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São as principais obras desse período: Pensamento sobre a verdadeira avaliação das forças vivas (1746), História natural uni-versal e teoria do céu (1755), Sobre o fogo (1755), Nova explicação dos primeiros princípios do conhecimento metafísica (1755), Os terremotos (1756), Monadologia física (1756), Sobre o otimismo (1759), O único argumento possível para demonstrar a existência de Deus (1763), Ensaios para introduzir em metafísica o conceito de grandeza negativa (1763), Observações sobre o sentimento do belo e do sublime (1764), Pesquisa sobre a evidência dos princípios da teologia natural e moral (1764), Sonhos de um visionário escla-recido com os sonhos da metafísica (1766) e Sobre a forma e os princípios do mundo sensível e do mundo inteligível, a Dissertação de 1770.

Período Crítico

Após a defesa no concurso para professor titular em Königsberg, Kant inicia uma inovadora fase de reflexão filosófica, é a fase de amadurecimento e originalidade de sua reflexão filo-sófica. Com a Dissertação de 70, nosso filósofo estabelece pela primeira vez a distinção entre o mundo fenomênico e o mundo noumênico, concebendo de maneira inteiramente nova os concei-tos de espaço e tempo, como veremos mais adiante. O filósofo de Königsberg preparava para sua "revolução copernicana" no que tange a nova concepção do conhecimento humano.

Com essa "revolução", kant superava tanto o Racionalismo e dogmático como o Empirismo cético, as duas correntes filosóficas predominantes no período em que construía seu pensamento. Por isso, o filósofo assume a postura de reavaliar de maneira radical todos os problemas investigados até aquele momento na questão do conhecimento humano.

qual o motivo de kant para tomar essa postura radical?

Era necessário criticar, ou seja, submeter a uma análise pro-funda e rigorosa tanto o intelecto quanto a razão humana na busca

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dos verdadeiros princípios e os limites do conhecimento. Era a hora de submeter a razão ao crivo da razão. O resultado, como você irá compreender, mais adiante, é o aparecimento da diferença entre o conhecimento sensível e inteligível, problema amplamente dis-cutido pela tradição filosófica, que assume uma nova perspectiva com kant. Essa nova concepção levará nosso filósofo a propor um conjunto de novos conceitos e nova interpretação filosófica, tanto no que se refere ao conhecimento como no que se refere à moral.

Como se vê, o período crítico é o período de maturidade e a consolidação do sistema kantiano. São obras desse período: Crítica da razão pura (1781), Prolegômenos para toda metafísica futura que se apresente como ciência (1783), Idéias de uma história uni-versal do ponto de vista cosmopolita (1784), Resposta à pergunta: o que é o esclarecimento? (1784), Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), Fundamentos da metafísica da moral (1785), Primeiros princípios metafísicos da ciência da natureza (1786), Crí-tica da razão prática (1788), Crítica da faculdade de julgar ou Crí-tica do juízo (1790).

Com essa última publicação, a obra kantiana pode ser con-siderada completa. Após essa data, o filósofo publicou algumas obras novas que não modificaram significativamente as linhas mestras da sua filosofia. São elas: A religião nos limites da sim-ples razão (1793), Pela paz perpétua (1795), A metafísica da moral (1797), A pedagogia, obra resultado de lições dadas por kant em um curso sobre pedagogia, que foram recolhidas e publicadas por um estudante chamado Theodor Rink, em 1803.

Por razões de interesse, de tempo e espaço, nos deteremos, para compreender a fase madura e mais produtiva de kant e toda a profundidade de suas reflexões filosóficas, na análise das duas primeiras Críticas.

Vejamos as análises!

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7. A CRíTiCA DA RAzão PURA

Como vimos anteriormente, o itinerário do pensamento de kant pode ser dividido da seguinte maneira: pré-crítico – até 1770, e crítico. Esse último inicia-se em 1781 com a publicação da Crí-tica da razão pura e, posteriormente, com a publicação das duas outras Críticas: a Crítica da razão prática, em 1788, e a Crítica da Faculdade de Julgar, em 1790, entre outras obras que também tra-zem a exposição madura e original do pensador de Königsberg.

Nesse estudo, concentraremo-nos na análise das duas pri-meiras Críticas, de modo que possamos conhecer os principais conceitos dessas duas obras fundamentais da História da Filosofia. Em primeiro lugar, analisaremos a “primeira crítica”.

O grande problema, em que se encontrava toda Filosofia na segunda metade do século 17, era o choque entre o Racionalismo cartesiano e as teorias empiristas. Para complicar ainda mais o con-flito, Hume havia posto a metafísica em uma condição constrange-dora e, ao lado dela, todo conhecimento. kant vivenciou esse con-flito e se propôs a superá-lo. Ao analisar o problema proposto por Hume e a influência dele no desenvolvimento da ciência, kant afir-ma, nos Prolegômenos, sobre o fato de Hume discutir conceitos metafísicos como a conexão causa-efeito, que o filósofo inglês o despertou do seu sono dogmático, ou seja, que a metafísica como ciência das realidades últimas das coisas não oferecia soluções aceitas unanimemente, apesar das tentativas de demonstrações rigorosas. Era hora de submeter à razão a uma análise rigorosa e investigar a existência de certos princípios a priori existentes na faculdade de conhecer que seriam responsáveis pela síntese ou conexão dos dados sensíveis.

Eis o problema que kant se propõe a resolver, primeiro no campo teórico, com a Crítica da razão pura e, logo depois, no cam-po prático dos valores, com a Crítica da razão prática. Iniciemos, então, nossa análise dessas importantes obras filosóficas.

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Não podemos nos esquecer de que, ainda nos Prolegômenos, Kant faz a famosa afirmação de que Hume o teria despertado do “seu sono dogmático”. No decorrer dos nossos estudos, todas as vezes que nos referirmos a Kant, recomendamos consultar a obra em questão que estará na bibliografia final.

A “primeira crítica” busca uma solução tão esperada para o problema do conhecimento teórico com o qual a ciência pudesse ganhar novo rumo: o da segurança.

Na primeira parte de nossa análise, vamos diferenciar os três tipos de juízos admitidos por kant no início da obra. Respeitare-mos a metodologia seguida por kant observando as respectivas divisões. Para melhor localizar os conceitos, resolvemos grifá-los, após o grifo encontra-se o que kant entende por cada um deles.

Análise dos Juízos na Introdução da crítica da razão pura

Para acompanhar essa análise é imprescindível a leitura da intro-dução da Crítica da razão pura. Recomendamos a tradução portu-guesa: KANT, I. Crítica da razão pura. 4. ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 680.

Antes de tratar da análise kantiana, definiremos um juízo, que para kant, não se trata de uma simples negação ou afirmação de algo, mas de uma relação entre conceitos pensados. Segundo Lalande (1993, p. 599), juízo é a “decisão mental pela qual retemos de uma maneira refletida o conteúdo de uma asserção (verdade) e a pomos a título de verdade”.

É na introdução da Crítica em questão que kant apresenta uma análise dos dois juízos que a Lógica clássica apresentava para ajudar a pensar corretamente, já que são necessários e universais (os conceitos de necessidade e universalidade são fundamentados no princípio de identidade aristotélico), mas negligenciavam a re-

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alidade dos fatos naturais. Por isso, ele propõe um novo juízo que, ao mesmo tempo, ajuda a pensar corretamente, mas também está carregado de conteúdo experimental. Vejamos quais são esses ju-ízos?

Juízos analíticos ou a priori

Os juízos analíticos ou a priori são aqueles cujo conceito fun-cionava como predicado ou dito de outro modo: são juízos em que o predicado está contido no sujeito, ou juízos nos quais o predica-do simplesmente reproduz o que contém no sujeito. Nesses juízos, um conceito que funciona como predicado (B) pode estar conti-do no conceito que funciona como sujeito (A) e, portanto, pode ser extraído por pura análise do sujeito (REALE; ANTISERI, 1990, p. 872).

Eis o que diz Kant na Introdução da Crítica da razão pura: “No que segue, portanto, conhecimento a prioria priori, entenderemos não os que ocorrem de modo independente desta ou daquela ex-periência, mas absolutamente independente de toda experiência”. Eis um exemplo: “Todo corpo é extenso”. A extensão, que é um predicado do corpo, já está contida na própria natureza do corpo, que é o sujeito; ou seja, a extensão é uma propriedade essencial do que é corpóreo.

Vejamos agora as principais características desses juízos uni-versais e necessários:

"O círculo é redondo"

Todo círculo é redondo (Universalidade).

Não se imagina um círculo que não seja redondo (Necessidade).

Tais juízos universais e necessários não necessitam de prova experimental (experimento).

Dos conhecimentos a priori, denominaremos puros aqueles aos quais nada de empírico está mesclado. Nesse sentido, pode-mos afirmar que, em tais juízos:

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• O predicado está implícito no sujeito.• Não amplia o conhecimento, por isso não fundamenta a

ciência.

Juízo sintético ou a posteriori

Os juízos sintéticos a posteriori são aqueles em que o pre-dicado (B) não se encontra implícito no sujeito (A), algo que não pode ser extraído do sujeito (A) por pura análise, por que o predi-cado (B) acrescenta novidade ao sujeito (A), como explica Reale e Antiseri (1990, p. 872). Por exemplo, quando afirmamos “todo cor-po é pesado”, estamos pronunciando um juízo sintético, porque o conceito de “pesado” não é extraído por pura análise do conceito de "corpo", uma vez que temos corpos que, embora tenham peso, podem ser pensados como corpos leves, como a pena ou o algo-dão. Dessa forma, temos corpos que possuem pesos diferentes e que só podem ser constatados com a experiência. Assim, é sobre a experiência que se funda a possibilidade da síntese ou conexão do predicado peso com o conceito corpo, afirma kant na introdução da Crítica da razão pura.

Sobre esses juízos Kant diz: “Aqueles, porém, em que essa cone-xão foi pensada sem identidade (predicado em relação ao sujeito) devem denominar-se juízos sintéticos [...] juízos de ampliação”.

Características desses juízos:• São juízos que exigem um contato empírico com o objeto,

por isso, as definições dele só poderão ser a posteriori, isto é, depois de experimentado.

• Por não estar implícito no sujeito, o predicado une a ele informações que ampliam o conhecimento.

• As informações desses juízos carecem de importância para a ciência (rigorosidade), pois são todos contingentes e particulares (a ciência deve ser universal e necessária) cujas experiências esgotam em si mesmas. Dele, se extrai

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apenas algumas generalizações, mas nunca a universali-dade e necessidade.

Juízos sintéticos a priori

Eis a grande originalidade da proposta kantiana para funda-mentar os juízos científicos. Para kant, estava claro que a ciência deveria se basear em um terceiro tipo de juízos, ou seja, "a um juízo que, a um só tempo, une a aprioridade, ou seja, a universali-dade e a necessidade, com a fecundidade, ou seja, a sinteticidade", lembram Reale e Antiseri (1990, p. 873). os juízos constitutivos da ciência só podem ser os "juízos sintéticos a priori". Com essa nova proposta epistemológica, o pensador alemão acreditava que a ciência estava salva dos ataques céticos do pensador inglês David Hume. Exemplos: “A linha reta é a distância mais curta entre dois pontos”; “A soma de 5 mais 7 é igual a 12”.

Para Kant, esses juízos são a priori porque são necessários e uni-versais, independem da experiência, mas são sintetizados pelo sujeito. A conclusão e a conexão dos conceitos é uma atividade subjetiva.

Assim, para o pensador de Königsberg, a ciência só poderia se basear em um terceiro tipo de juízo: aquele que, a um só tem-po, une a "aprioridade”, isto é, a universalidade e a necessidade, com a fecundidade, ou seja, a sinteticidade. Vejamos como ele apresentou esse juízo.

Os juízos sintéticos a priori não se baseiam no princípio de identidade, porque daquilo que eles conectam não é um predi-cado igual ao sujeito, mas diferente; também não se baseiam na experiência, porque são a priori.

A essa mudança de pensamento kant chamou de Revolução Copernicana: em vez de admitir que a faculdade de conhecer se regula pelo objeto, mostrar que o objeto se regula pela faculda-

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de de conhecer. Ou dito de outro modo: não seria o sujeito que se adequaria aos objetos do conhecimento, como queria a Lógica tradicional, mas os objetos se adequariam às condições formais do sujeito.

nas palavras do ilustre filósofo de Königsberg, no Prefácio da segunda edição da Crítica da razão pura:

Até hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelos objectos; porém, todas as tentativas para descobrir a prio-ri, mediante conceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento, malogravam-se com este pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica admitindo que os objectos se deveriam regular pelo nosso conhe-cimento, o que assim já concorda melhor com o que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses objec-tos, que estabeleça algo sobre eles antes de serem dados (1997, p. 19-20).

Depois da proposta da Revolução Copernicana, kant tem plena convicção de que o conhecimento humano se divide em "dois ramos", como dizem Reale e Antiseri (1990, p. 878): o conhe-cimento dos sentidos e o conhecimento do intelecto. Os objetos, que são os conteúdos do conhecimento, são dados pelo primei-ro tipo de conhecimento e pensados pelo intelecto. Ora, dessa constatação, fica claro que, para compreender como produzimos conhecimentos seguros dos objetos, será preciso investigar sepa-radamente as duas formas de conhecimento. A primeira investi-gação deve abordar a sensibilidade, ou seja, como os objetos são dados ao conhecimento, enquanto a segunda investigação deve abordar o intelecto, para se compreender como os dados sensíveis devem ser pensados, ou melhor, conectados para produzir um co-nhecimento rigoroso.

Para dar conta dessa nova tarefa epistemológica, o filósofo de Königsberg tinha plena convicção da necessidade de uma nova Lógica, já que a Lógica clássica, a Lógica aristotélica, era a Lógica do pensamento correto. Essa nova Lógica deveria ter como interesse não como as coisas seriam em si mesmas, mas como o intelecto as perceberia.

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O que equivale dizer: não seríamos mais razoáveis aceitar que são as nossas condições formais a priori do nosso entendi-mento que regulam o nosso conhecimento? Sendo assim, a função principal da filosofia seria a de investigar a possível existência de certos princípios a priori responsáveis pela síntese dos dados em-píricos. Se esses princípios existem, eles só poderiam ser encontra-dos nas duas fontes de conhecimento: a sensibilidade (a Estética) e o entendimento (Lógica).

A análise dessas duas faculdades teóricas constitui as duas primeiras partes da Crítica da razão pura, nas quais kant rejeita a metafísica tradicional e apresenta uma nova terminologia, diferen-te daquela comumente utilizada, com novos conceitos.

Vejamos as divisões que nos foram propostas.

Estética Transcendental

É a parte da Crítica da razão pura em que kant procura es-tudar as estruturas ou formas a priori da sensibilidade, ou seja, as formas a priori que permitem o sujeito cognoscente perceber e apreender os fatos fenomênicos. A Estética não aparece para kant com o sentido que conhecemos, mas sim como condição de ex-perimentar os fatos da natureza. Ela aparece como a doutrina do conhecimento sensível e de suas formas a priori – sensação ou percepção-sensorial.

Também o termo “transcendental” aparece com um sentido novo, isto é: seria “a condição da cognoscibilidade dos objetos (a condição da intuibilidade e da pensabilidade dos objetos)" expli-cam Reale e Antiseri (1990, p. 878), em que o sujeito põe as coi-sas no ato mesmo de conhecê-las. Nesse sentido, kant diverge dos antigos, isto é, os metafísicos clássicos, para quem os transcen-dentais "eram as condições do ser enquanto tal, ou seja, aquelas condições sem as quais deixa de existir o próprio objeto", escre-vem Reale e Antiseri (1990, p. 878). nesse sentido, os metafísicos clássicos viam o transcendental como o conjunto de atributos do

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próprio ser independentes da ação cognoscitiva do sujeito.

Para o pensador alemão, em oposição ao Realismo tradicio-nal, não são as coisas que possuem categorias que imprimem no sujeito o que elas são, mas é o sujeito que percebe as coisas como ele as vê. Assim, podemos dizer que a Estética Transcendental é a doutrina que estuda as estruturas da sensibilidade, o modo como o homem recebe as sensações e como se forma o conhecimento sensível.

Vejamos, agora, os principais termos e conceitos que apare-cem na Estética Transcendental.

Sensibilidade

A sensibilidade é, precisamente, essa faculdade que possui o nosso espírito de ser afetado por objetos; segundo kant, pela sensibilidade são nos dados os objetos e só ela nos fornece intui-ção. Ele diz, na Crítica da razão pura, na primeira parte, A estética transcendental:

A capacidade de receber representações (receptividade), graças à maneira como somos afectados pelos objetos, denomina-se sensi-bilidade. Por intermédio, pois, da sensibilidade são-nos dados ob-jectos e só ela fornece intuições; mas é o entendimento que pensa esses objectos e é dele que provêm os conceitos (1997, p. 61).

Assim, a sensibilidade é uma faculdade de intuições por meio das quais os objetos são apreendidos pelo sujeito cognoscente. Dois elementos constituem a sensibilidade, um material e um re-ceptivo. São duas as formas de sensibilidade: o espaço e o tempo.

Intuição

Por intuição, kant entende o conhecimento imediato dos ob-jetos. Para ele, o homem é dotado de um só tipo de intuição que nada mais é que intuição da própria sensibilidade. Toda a nossa intuição é a representação de um fenômeno não como ele é em si mesmo, o que é impossível aos olhos de kant, mas sim como aparece ao sujeito. Essa representação se dá graças às condições a priori do espaço e tempo, que são condições transcendentais.

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Para kant, se o sujeito fosse retirado do centro da ativida-de cognitiva, todas as relações dos objetos no espaço e no tempo desapareceriam, já que elas só existem no próprio sujeito; assim, sem o sujeito, nenhum objeto seria percebido, o que torna a razão humana condição para o conhecimento de tudo que natural. Já o que está para além do natural, esse homem racional deve se calar. Está determinado o campo do conhecimento científico: o mundo dos fenômenos naturais. Todos os homens racionais têm idênticas condições para apreendê-lo e conhecê-lo. Nas palavras de kant, na Crítica da razão pura, na primeira parte, A estética transcendental:

Sejam quais forem o modo e os meios pelos quais um conhecimen-to se possa referir aos objectos, é pela intuição que se relaciona imediatamente com estes e ela é o fim para o qual tende, como meio, todo pensamento. Essa intuição, porém, apenas se verifica na medida em que o objecto nos for dado; o que, por sua vez, só é possível, [pelo menos para nós homens,] se o objeto afetar o espí-rito de certa maneira (1997, p. 61).

kant fala de dois tipos de intuição: a intuição pura e a sensí-vel.

Intuição Pura

Antes de tudo, para kant a palavra "pura" quer dizer indepen-dente da experiência. Assim, ele entende por intuição pura a for-ma pura de sensibilidade que existe antes de existirem as intuições sensíveis. Por consequência, deverá encontrar-se absolutamente no espírito a forma pura das intuições sensíveis em geral, na qual todo o diverso do fenômeno se intui em determinadas condições.

Intuição Empírica

Conhecimento sensível em que estão concretamente as sen-sações.

Fenômeno

Objeto da intuição – manifestação, aparição que é captada pelo sujeito; segundo kant, o sujeito só percebe algo que for expe-rimentado, ou seja, a matéria que é dada pela simples sensação,

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tal como ele se manifesta aos sentidos, mas não o "ser em si" das coisas, o que ele chama de númeno (conceito analisado posterior-mente).

Forma

Não vem das sensações, mas sim do próprio sujeito. São modo e função próprios do sujeito que torna possível a sensibi-lidade, ordenando os dados sensoriais; são os modos de funcio-namento da nossa sensibilidade (organiza os dados sensoriais ao recebê-los). São elas: espaço e tempo. Para o pensador alemão, a sensibilidade humana funciona de tal forma que permite a capta-ção das coisas no tempo e no espaço.

A primeira forma é a do sentido externo; condição que deve satisfazer a representação sensível de objetos externos. A noção de espaço não surge porque o sujeito percebe as coisas como ex-terior a si mesmo, mas porque possui o espaço como uma estrutu-ra inerente à sua sensibilidade. Abarca todas as coisas que podem aparecer exteriormente. A segunda, o tempo, é forma do sentido interno, isto é, de todo dado sensível interno enquanto por nós conhecido.

Para kant, a simultaneidade das coisas e sua sucessão não poderiam ser percebidas se a representação do tempo não lhe ser-visse de fundamento. Em um exercício lógico de decomposição, tudo o que está no tempo pode desaparecer menos ele mesmo. Essa forma abarca todas as coisas que podem aparecer interior-mente. O mesmo exercício pode ser feito com o espaço e se obterá o mesmo resultado. Assim, tempo e espaço são duas condições, ao lado dos elementos a priori do entendimento, sem as quais se-ria impossível conhecer.

Desse modo, para kant, nenhum objeto pode ser dado aos nossos sentidos sem se submeter ao tempo, nenhum objeto pode ser dado aos nossos sentidos sem se submeter ao espaço. São es-sas formas que permitem a construção a priori da geometria e da

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matemática, ou os juízos sintéticos a priori, como lemos na Intro-dução da Crítica da razão pura. Nela, vemos que:

1) Os juízos matemáticos e geométricos fundam-se na for-ma (intuição pura do espaço-tempo) do conhecimento; por isso são universais e necessários.

2) Os juízos sintéticos a priori da geometria dependem do espaço.

3) Os juízos sintéticos a priori da matemática dependem do tempo.

Por causa dessas formas, a priori: 1) Não se conhece o "ser em si", mas tal como ele se ma-

nifesta.2) Só uma mente originária (Deus) pode captar a "coisa em

si", pois no ato da criação concebe o "ser em si".3) Nossa intuição não é originária, mas sensível – precisa

do objeto para conhecer.4) A forma do conhecimento depende do sujeito; o conte-

údo lhe é dado.

Analítica Transcendental É a parte da Crítica da razão pura, que está na Lógica Trans-

cendental, segunda parte da Doutrina transcendental dos elemen-tos, em que acontece a elaboração conceitual dos dados sensíveis, ou seja, o conhecimento intelectivo e suas formas a priori de con-ceituar os dados materiais apreendidos pelas formas de sensibili-dade.

Segundo kant, enquanto a Estética Transcendental percebe os fenômenos, a Analítica sintetiza esse conteúdo mediante as suas formas a priori ou categorias do entendimento. Ou dito de outro modo: enquanto a Estética Transcendental pode solucionar o problema da possibilidade de "uma matemática pura" pela aná-lise a priori da sensibilidade, do espaço e do tempo, a Analítica dis-cute a outra fonte de conhecimento: o entendimento. Na primeira, o objeto nos é dado na intuição, na segunda ele é pensado em conceitos. Uma depende da outra: "Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas” (KAnT, 1997, p. 89).

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Vejamos, agora, os principais termos e conceitos que apare-cem na Lógica transcendental, em especial, na Analítica Transcen-dental.

A Lógica e suas divisões

Do que foi dito anteriormente, concluiu-se, a Estética é a ci-ência da sensibilidade, a Lógica é, porém, a ciência do entendi-mento ou do intelecto. Por isso, torna-se necessário distinguir as partes da Lógica, segunda a discussão levada adiante pelo filósofo alemão. Para ele, a Lógica divide-se em:

Geral: prescinde dos conteúdos; estudo as leis e princípios gerais do pensamento. É a Lógica Formal inventada por Aristóteles. Para kant, é quase perfeita, mas, resume-se em analisar a forma lógica das proposições e as relações que dela decorreu. Daí resulta seu ponto de vista: não tanto o da verdade, mas o da identidade e da coerência nas formas silogísticas.

Transcendental: A Lógica transcendental não prescinde do conteúdo. Para explicar isso, kant distingue conceitos empíricos (contém elementos sensíveis) dos conceitos puros (conceitos que não estão vinculados à sensação). kant escreve na introdução da Lógica transcendental:

Assim, a parte da Lógica Transcendental que apresenta os elemen-tos do conhecimento puro do entendimento e os princípios sem os quais nenhum objeto pode de maneira alguma, em absoluto, ser absolutamente pensado é a Analítica Transcendental e, simultane-amente, uma lógica da verdade (1997, p. 96).

Por analítico, entende-se a decomposição da faculdade inte-lectiva para procurar conceitos a priori.

Por sua vez, a Lógica transcendental subdivide-se em:

Analítica dos conceitos

Se o entendimento ou o intelecto é discursivo e não intui-tivo, logo seus conceitos são funções que, por sua vez, consistem em unificar e ordenar um múltiplo sob sua representação comum.

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Por isso, para kant, o entendimento ou intelecto é a segunda fonte de conhecimento. Nas suas palavras, na Crítica da razão pura, no Livro primeiro da Analítica Transcendental:

Se chamarmos sensibilidade à receptividade do nosso espírito em receber representações na medida em que de algum modo é afeta-do, oentendimento é, em contrapartida, a capacidade de produzir representações ou espontaneidade do conhecimento. (...) Sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas (KAnT, 1997, p. 88-89).

É o intelecto (segundo grau de atividade cognitiva) que uni-fica em elos mais definidos as diversas intuições. A Lógica é a ci-ência do intelecto. Assim, pode-se dizer que o intelecto é a pró-pria faculdade julgar com elementos fornecidos pelas intuições. Enquanto a sensibilidade é intuitiva, ou seja, apresenta o conte-údo do conhecimento, o intelecto é discursivo, é o entendimento conceitual desse conteúdo mediante a formulação dos conceitos, cuja função é unificar e organizar (sintetizar) o múltiplo comum. Nesse sentido, a ordem e a regularidade da natureza é aquela que o próprio sujeito pensante introduz na natureza. Aqui temos o que kant denomina de percepção transcendental.

A Analítica dos conceitos seria uma análise da faculdade de formar conceitos e essa faculdade é o próprio entendimento. Es-ses conceitos só podem ser puros e, a partir deles, surgirão todos os demais. Para isso, possuir validade, kant necessitou encontrar um fio condutor capaz de mostrar toda a lógica posterior. Esse fio consistia nas diferentes maneiras pelas quais se realiza a unidade nos juízos, visto que todos os atos do entendimento se reduzem a juízos.

Assim, kant estabelece para cada um dos 12 juízos clássi-cos, 12 categorias que possuem a função de unificar esses mes-mos juízos, conforme as diferentes formas lógicas de quantidade, qualidade, relação e modalidade. As categorias são as formas de acordo com as quais os objetos de experiência são estruturados e ordenados, de modo que se determinam e que se compreendem

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uma determinada função intelectual. É a classificação dos juízos na lógica formal, em que as diferentes verdades podem se apresentar à realidade em diferentes formas dos juízos.

kant acredita ter encontrado tal fio condutor para concei-tuar categoria como “pensar” e “julgar” havendo tantas "formas" do pensamento puro ou conceitos das categorias quantas são as formas de dois juízos. Vejamos como kant apresenta as tábuas dos juízos e a correspondente tábua das categorias, na Crítica da ra-zão pura, Livro Primeiro da Analítica Transcendental, Segunda e Terceira Seção denominada Do fio condutor para a descoberta de todo conceito puro do entendimento.

TáBUA De jUízoS TÁBUAS DAS CATEGORIAS

Quantidade

Universais

Particulares

Singulares

Unidade

Pluralidade

Totalidade

Qualidade

Afirmativos

negativos

infinitos

Unidade

Pluralidade

Totalidade

Qualidade

Afirmativos

negativos

infinitos

Realidade

Negação

Limitação

Relação

Categorias

Hipotéticos

disjuntivos

Inerência e subsistência

Causalidade e dependência

Comunidade (recíproca)

Modalidade

Problemáticos

Assertóricos

Apodíticos

Possibilidade-impossibilidade

Existência-Não-existência

necessidade-Contingência

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Um exemplo ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––Todo homem é mortal – Juízo universal (todo); Categoria de unidade, pois unifica em uma mesma proposição todo sujeito.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Nesse sentido, pensar é estabelecer na multiplicidade dada pela intuição (os sentidos vêem os homens em sua multiplicida-de), certas relações que façam dessa multiplicidade uma unidade. Logo, só o intelecto é capaz de extrair do múltiplo, o uno.

Depois de apresentar a tábua das categorias, o próximo pro-blema que kant propõe resolução é o de fundamentar a validade dessas categorias e seu conhecimento, a isso ele chamou: dedu-ção transcendental. A solução do problema é semelhante ao já dado para a validade objetiva do espaço e tempo que são as for-mas a priori da sensibilidade. Se as coisas conhecidas adéquam-se às formas da sensibilidade, não há nada de estranho pensar que para serem pensadas devem se adequar às leis do intelecto e do pensamento. Assim, o sujeito, ao pensar a coisa, a ordena e con-ceitualiza conforme os modos do próprio pensamento.

Em kant, o fundamento do objeto está no sujeito. É o resul-tado da sua "Revolução Copernicana”. Como vimos, para a filoso-fia antiga, o objeto estava contra e se opunha ao sujeito, agora, para kant, a ordem e a regularidade dos objetos da natureza é a ordem que o sujeito, pensando, introduz nela. Com isso, o sujeito pode “determinar” ou “definir” o objeto.

Ainda dentro da Analítica dos conceitos, kant introduz outra terminologia: “A percepção Transcendental” ou o “eu Penso", que nada mais é que "Autoconsciência". Ao fazer isso, estabelece as categorias uma unidade suprema e originária que deve guiar tudo, ou seja, essa unidade é o próprio "Eu Penso" (a unidade da cons-ciência, que acompanha todas as minhas representações). O que quer que eu pense, sou eu que o penso, e não posso encontrar-me como sendo o mesmo em todas as minhas representações senão porque opero uma síntese que reduz a multiplicidade das minhas representações à unidade.

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Nesse sentido, kant, na Crítica da razão pura, no Capítulo II, Segunda Seção da Analítica Transcendental, afirma que:

O eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representa-ções, se assim não fosse, algo se representaria em mim, que não poderia, de modo algum, ser pensado, que o mesmo é dizer, que a representação ou seria impossível ou pelo menos nada seria para mim (1997, p. 131).

Diz ainda que, a unidade sintética do múltiplo das intuições, enquanto dada a priori, é, pois, o principio da identidade da pró-pria apercepção, a qual precede a priori todo meu pensamento determinado.

Para que haja conhecimento universal, é necessário, é pre-ciso que esta unidade seja objetiva, ou seja, que a unidade trans-cendental da apercepção reúna, no conceito de um objeto, todo o múltiplo dado em uma intuição e isso é juízo. Não há, porém, objeto e sujeito senão pelo juízo e, nele, se dá o ato pelo qual as representações são ligadas e reduzidas à unidade da apercepção.

A Analítica dos Princípios, no Livro Segundo da Analítica Transcendental, é um novo tópico dentro da Lógica Transcenden-tal kantiana. Nesse tópico, kant discute o esquematismo transcen-dental, que é a mediação entre as intuições puras e os conceitos, que são heterogêneos, feitas por um elemento homogêneo entre ele, que é o tempo, e o sistema de todos os princípios do intelecto puro ou a fundamentação transcendental da física newtoniana.

Segundo essa concepção, kant apresenta o seguinte esque-matismo transcendental, ligando as categorias à forma a priori de tempo:

1) substância, ou seja, aquilo que permanece no tempo; 2) causa e efeito que é sucessão temporal do múltiplo; 3) ação recíproca que é a simultaneidade temporal; 4) realidade, isto é, a existência num determinado tempo; 5) necessidade que é a existência de um objeto em cada

tempo.

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O esquematismo transcendental é, nas palavras de kant: “ daremos o nome de esquema a esta condição formal e pura da sensibilidade a que o conceito do entendimento está restringido no seu uso e o de esquematismo do entendimento puro ao pro-cesso pelo qual o entendimento opera esse esquema” (1997, p. 183). Nesse sentido, o tempo é uma forma de intuição que conec-ta todas as representações sensíveis, feitas de modo a que cada categoria possa ser facilmente aplicada a ela, defendem Reale e Antiseri (1990, p. 889).

Esses mesmos autores, Giovanni Reale e Dário Antiseri, dão o seguinte exemplo para explicar o que kant chama de esquema transcendental:

Cinco pontos em fila são uma imagem do número cinco. Mas, se eu considero os cinco pontos (aos quais, pouco a pouco, podem ser acrescentados outros) como exemplificação metódica para representar uma multiplicidade (um número qualquer), então eu não tenho mais uma simples imagem, mas sim uma imagem que funciona como indicação de um método para que eu me represen-te o conceito de número- e, portanto, tenho um esquema (REALE, AnTiSERi, 1990, p. 890).

Nesse sentido, os autores citados ainda dizem: [...] analogamente, quando eu desenho um triângulo, tenho uma imagem; mas, quando considero aquela figura como exemplifica-ção de regra do intelecto para a realização do conceito de triângu-lo em geral, então tenho um esquema (REALE; ANTISERI, 1990, p. 890).

Sendo assim, o esquema não é a imagem, embora apresente certa afinidade com ela; ele é um esboço do intelecto sobre algo real. Podemos citar o seguinte exemplo: o esquema da categoria da substância é a "permanência no tempo", sem esse "permanecer no tempo", o conceito de substância não se aplicaria ao fenôme-no. Portanto, para kant, enquanto a imagem empírica é produzida pela imaginação empírica, o esquema transcendental é produzido pela imaginação transcendental. O esboço, nesse sentido, é mais abstrato.

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Outro termo criado para fundamentar essa teoria, que en-contramos na Terceira Seção do Sistema dos Princípios do Enten-dimento, no Livro Segundo da Analítica Transcendental, kant deu o nome de Analogias da experiência, que são três, como se segue abaixo:

• Primeiro temos a analogia da categoria da substância: “Em toda a mudança dos fenômenos, a substância per-manece e sua quantidade não aumenta e nem diminui na natureza” (1997, p. 212).

• Depois temos a analogia da categoria da causalidade: “Todas as mudanças acontecem de acordo com a lei da causalidade” (1997, p. 217).

• Por fim, encontramos a analogia à categoria da ação re-cíproca: “Todas as substâncias, enquanto susceptíveis de ser percebidas como simultâneas no espaço, estão em ação recíproca universal" (1997, p. 232).

Depois de toda essa discussão em torno das categorias e do esquema transcendental, kant encerra sua discussão sobre a Ana-lítica distinguindo fenômeno e número. Essa distinção tem a ver com a conclusão apresentada no final da Analítica: o conhecimen-to científico é universal e necessário, mas está restrito ao campo da natureza, ou seja, ao mundo fenomênico.

A analítica transcendental alcançou, pois, o importante resultado de mostrar que o entendimento nunca pode a priori conceder mais que a antecipação da forma de uma experiência possível em geral e que, não podendo ser objeto da experiência o que não é fenô-meno, o entendimento nunca pode ultrapassar os limites da sen-sibilidade, no interior dos quais unicamente nos podem ser dados objectos (kANT, 1997, p. 263-264).

Como vimos, para kant o fenômeno nada mais é do que um estrito âmbito da manifestação dos fenômenos da natureza, ou “seres dos sentidos (phaenomena)” (1997, p. 268) que são perce-bidos pela formas puras da sensibilidade e conceituados segundo as categorias do entendimento, o que torna possível o conheci-mento científico. Por isso, a sensibilidade e o entendimento só po-

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dem dizer algo com segurança das coisas experimentadas, perce-bidas no espaço e tempo. Porém, os fenômenos são circundados por um âmbito bem mais vasto que nos separa. Esse vasto âmbito seria o númeno ou as coisas em si.

Nas palavras de kant, na Crítica da razão pura, Seção Tercei-ra da Doutrina Transcendental da Capacidade de Julgar:

No entanto, quando denominamos certos objetos, enquanto fenô-menos, seres dos sentidos (phaenomena), distinguindo a maneira pela qual os intuímos, da sua natureza em si, já na nossa mente contrapomos a estes seres dos sentidos, quer os mesmos objetos, considerados na sua natureza em si, embora não os intuamos nela, quer outras coisas possíveis, que não são objetos dos nossos senti-dos (enquanto objetos pensados simplesmente pelo entendimen-to) e designamo-los por seres do entendimento (noumena) (1997, p. 268).

Ao refletir sobre o sentido de númeno apresentado por kant, Reale e Antiseri (1990, p. 893) fazem a seguinte afirmação:

Entretanto, em nossa concepção, quando denominamos certos ob-jetos como fenômenos, seres sensíveis (phaenomena), distinguin-do o nosso modo de intuí-los de sua natureza em si, já ocorre que, por assim dizer, contrapomos a eles os próprios objetos em sua natureza em si (ainda que nós os intuamos nessa sua natureza) ou até outras coisas possíveis, mas que não são precisamente objetos dos nossos sentidos, como objetos pensados simplesmente pelo intelecto, chamando-os de seres inteligíveis (noumena).

Segundo os autores citados anteriormente, a essa realida-de diferente da realidade sensível, o pensador alemão, chama de “coisa-em-si”. Assim, para kant, nós devemos nos contentar com o conhecimento fenomênico porque ele é o único conhecimento seguro, já que o nosso intelecto jamais conseguirá ultrapassar os limites da sensibilidade, a única faculdade que nos dá o material do conhecimento. Desse modo, para nosso filósofo, intelecto e sensibilidade se unem para proporcionar o conhecimento possí-vel, mostrar a relação possível entre os fenômenos. Tudo que es-tiver além do fenômeno pertence á outra dimensão: o númeno.

Ao refletir sobre o sentido de númeno apresentado por kant, Reale e Antiseri fazem a seguinte afirmação. A essa realidade dife-

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rente, o pensador alemão, também chama de "coisa-em-si". Para ele, nós devemos nos contentar com o conhecimento fenomênico porque ele é o único conhecimento seguro, já que o nosso inte-lecto jamais conseguirá ultrapassar os limites da sensibilidade, a única faculdade que nos dá o material do conhecimento. Desse modo, para nosso filósofo, intelecto e sensibilidade se unem para proporcionar o conhecimento possível, mostrar a relação possível entre os fenômenos. Tudo que estiver além do fenômeno perten-ce á outra dimensão: o númeno. É PRA TiRAR eSSe TReCHo?

O conceito de númeno é problemático, visto que, por ser um objeto da razão, podemos pensá-lo, mas não conhecê-lo. Se de um lado o que conhecemos é o fenômeno – as coisas tais como elas se manifestam; o que ela esconde, por outro, o númeno só podemos intuí-lo.

A dialética transcendental

Terceira e última parte a ser discutida sobre a Crítica da razão pura em que o pensador de Königsberg analisa a possibilidade da metafísica como ciência, tal como pretendia os clássicos. A discus-são já aparece na Parte Segunda, a Lógica Transcendental, quando kant divide a Lógica Geral em Analítica e Dialética e, em seguida, diferencia a Analítica Transcendental e a Dialética Transcenden-tal. Entretanto, a discussão detalhada da Dialética Transcendental com relação às ideias da razão, se encontra na Divisão Segunda da Lógica Transcendental, quando kant trata dos Conceitos da Razão Pura, no Livro Primeiro, e das Inferências Dialéticas da Razão Pura, no Livro Segundo.

É evidente que, com tudo o que foi analisado até aqui, a me-tafísica não passa de um conhecimento permeado por equívocos. Ao dedicar essa subdivisão da obra a esse estudo, kant não preten-de provar a validade da metafísica, mas, por meio de suas próprias contradições, mostrar sua impossibilidade como ciência teórica e tentar dar conta de explicar a própria existência da metafísica

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(tema específico da Crítica da razão prática).

Iniciaremos por apresentar o que kant entendia por Dialéti-ca.

kant entende por dialética a todos os raciocínios ilusórios que a razão produz ao tentar explicar aquilo que está para além da experiência possível. Segundo o filósofo de Königsberg, a razão, ao querer ultrapassar os limites do conhecimento experimental, produz uma série de erros e uma série de ilusões que são volun-tárias, mas involuntárias, sendo, portanto, ilusões estruturais. Daí a nova definição de dialética em geral, apresentada por ele, como uma “lógica das aparências” (kANT, 1997, p. 295), em oposição à Analítica que é "uma lógica da verdade" (Pascal, 1992, p. 86). Seria necessária uma crítica a essa pretensão da razão e do intelecto.

Por isso ele propõe, na Segunda parte da Doutrina Transcen-dental dos Elementos, na Lógica Transcendental, a Dialética Trans-cendental como:

[...] uma crítica do intelecto e da razão em relação ao seu uso hiper-físico, a fim de desvendar a aparência falaz de suas infundadas pre-sunções e reduzir as suas pretensões de descobertas e ampliação de conhecimento, que ele se ilude de obter graças aos princípios transcendentais, ao simples julgamento do intelecto puro e à sua preservação das ilusões sofísticas (kANT, 1997, p. 299).

Por conseguinte, essa palavra é utilizada por kant não ape-nas para designar a própria ilusão, mas também para designar o estudo e a crítica dessa ilusão. Segundo kant, essas ilusões são na-turais. Delas, podemos nos defender, mas jamais nos afastar. Mas quais são essas ilusões? Vejamos, então.

As aparências são: • lógicas (sofisma da petição de princípio); • empíricas (o crescimento da Lua no horizonte); • transcendentais, quer dizer, resultantes da própria natu-

reza do nosso espírito enquanto ele acredita poder ultra-passar, pelos seus princípios a priori, os limites de toda

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a experiência possível e determinar, por meio dos seus raciocínios teóricos, a Natureza da Alma, do Mundo e de Deus.

Assim, kant deixa claro que a metafísica pode pensar, mas não conhecer, no sentido que agora ele atribuía a juízos científicos.

Para melhor exemplificar e fundamentar sua tese, kant abor-dará três temas fundamentais estudados pela metafísica clássica que ainda persistiam até meados do século 18: a Natureza da Alma, do Mundo e de Deus, estudados pelas três subdivisões da metafísica: a Psicologia Racional, a Cosmologia Racional e a Teolo-gia Racional.

Nessa nossa análise, abordaremos cada tema discutido as características relevantes presente em cada um.

A Psicologia Racional é a disciplina metafísica que tem como objetivo analisar a existência da alma e sua imortalidade de modo racional.

Para kant, ela repousa, desde Descartes, na proposição "Eu Penso", cuja verdade é incontestável. O problema é querer tirar dela a consequência de que o eu exista como objeto real. Partindo do pensamento que só se pode conhecer mediante uma institui-ção, e essa, por sua vez, só se dá no nível da sensibilidade, não se pode dizer que haja algo no tempo e no espaço que possa ser con-siderado alma, visto que não há nenhuma percepção sensível para afirmá-la; sem isso, o seu conhecimento está comprometido, visto que isso é uma das condições fundamentais do conhecimento. A alma não é um ser sensível-objeto. A esse respeito, afirma Lalande (1993, p. 886) :

quando a observação do espírito por si próprio tem por objeto descobrir para além dos fenômenos, uma realidade substancial e permanente de que estes são apenas manifestações, ela constitui a psicologia ontológica, ou ainda, a psicologia racional.

A Cosmologia Racional é a parte da metafísica que discute os problemas relativos à origem e à natureza do mundo, conside-

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rado como uma realidade. São esses os problemas que engendram as antinomias, entendidas por kant como “conflito entre as leis da razão pura”.

Nessas antinomias, as teses e as antíteses têm o mesmo va-lor lógico, ou seja, contradições em que a razão pura se envolve necessariamente, enquanto se preocupa com origem do mundo, quando provoca o incondicionado no fenômeno (quer na série to-tal e infinita das condições, quer em um primeiro termo absoluto) e quando, em consequência, ela trata o mundo submetido às con-dições da experiência possível, como se ele tivesse uma realidade em si, teoricamente determinável. Essas contradições ou oposi-ções traduzem-se em quatro pares de proposições cosmológicas, as quais se restringem, porém, ao plano gnosiológico ou cognitivo, dizendo respeito à cosmologia.

No quadro a seguir, analisaremos as quatro antinomias pre-sentes na Crítica da razão pura:

TESE AnTíTeSe

Primeira antinomia

O mundo tem um começo e ademais, no que se refere ao espaço, está encerrado em limites.

O mundo não tem começo nem limites espaciais, mas é infinito tanto em relação ao tempo como em relação ao espaço.

Segunda antinomia

Toda substância composta que se encontra no mundo consta de partes simples, não existindo em nenhum lugar senão o simples ou aquilo que dele é composto.

Nenhuma coisa composta que se encontra no mundo consta de partes simples e nele não existe, em lugar nenhum, nada de simples.

Terceira antinomia

A causalidade, segundo as leis da natureza, não é a única da qual podem derivar todos os fenômenos do mundo, para a sua explicação, é necessário admitir também uma causalidade livre.

Não há nenhuma liberdade, pois tudo no mundo ocorre unicamente segundo as leis da natureza.

Quarta antinomia

No mundo há algo que, como sua parte ou como sua causa, é um ser absolutamente necessário.

Em nenhum lugar existe um ser absolutamente necessário, bem como sua causa.

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Essas substâncias são estruturais e insolúveis, porque, quan-do a razão ultrapassa os limites da experiência, não pode deixar de perder e oscilar de um oposto a outro, já que, segundo kant, fora da experiência, os conceitos trabalham no vazio. Logicamente falando, conforme os padrões clássicos, tese e antítese são possí-veis, mas cria-se um abismo para a razão quando se pretende cor-roborar uma ou outra. O mundo real não permite à razão provar a validade de tais proposições. Para o conhecimento científico, tais proposições são desprovidas de significado.

A Teologia Racional é a parte da metafísica que analisa as provas da existência de Deus no decorrer da história, partindo de pressupostos racionais e não teológicos. kant agrupa-as em três argumentos principais e mostra as suas fragilidades.

O Argumento ontológico, cujos defensores mais famosos foram Santo Anselmo e Descartes. Segundo essa prova, o homem tem a ideia de um ser perfeito; por isso, esse ser necessariamente deve existir, caso contrário não seria perfeito, uma vez que não há maior perfeição que a própria existência. Para kant, esse ar-gumento é absurdo. A existência é uma das categorias a priori do entendimento, só podendo ser percebida pela intuição (sensível) tempo-espaço. Não é o caso de Deus. As categorias não podem experimentar tal existência, já que foge dos seus domínios.

O Argumento Cosmológico em que pretende provar a exis-tência de Deus por meio da relação causa-efeito (teoria defendida por Aristóteles e Tomás de Aquino) até chegar a uma causa não causada (motor imóvel) que seria Deus. Para kant, não há motivo para se cessar a aplicação da categoria de causalidade.

Por fim, o Argumento Físico-teleológico que afirma que to-dos os seres da natureza cumprem algum fim, servem para alguma coisa, logo deve haver um fim último: Deus. kant não vê nesse ar-gumento as bases para afirmar Deus. Para o filósofo alemão, não é lícito, sem se sair dos limites da experiência, tirar da adequação a finalidade quaisquer conclusões referentes a um ser superior.

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De tudo, conclui-se que a metafísica, por perpassar os limi-tes da intuição sensível, aplicando-se as categorias a priori do en-tendimento, é impossível como ciência, já que “a síntese a priori metafísica suportaria um intelecto intuitivo, isto é, diferente do in-telecto humano” (REALE, ANTISERI, 1990, p. 904). Os juízos sinté-ticos, sobre os temas metafísicos, como se apresentam, só podem ser falsos, porque sintetizam o vazio. Conhecer a coisa em si, o númeno, é contraditório e absurdo, visto que o fato de ao preten-der conhecer, transformaria o "ser em si" em fenômeno, ou seja, aparência, o que é impossível.

Depois de demonstrar a impossibilidade da metafísica como ciência, a questão a ser discutida por kant é a finalidade das Ideias da Razão, ou seja, a Ideia de alma, de mundo e Deus enquanto tais. Elas têm algum valor? Seriam elas ilusões transcendentais e dialéticas? A resposta do filósofo é clara: elas não são ilusões. Elas tornam-se ilusões “quando mal interpretadas, isto é, quando são confundidas com princípios constitutivos de conhecimento trans-cendentes, como ocorreu precisamente na metafísica tradicional” (REALE, ANTISERI, 1990, p. 904-905).

Para o nosso filósofo, as Ideias da razão não têm o mesmo uso das categorias, já que não são matérias de experiências, ou seja, elas não têm o mesmo uso constitutivo das categorias. quan-do elas são usadas nesse sentido é que produzem erros e ilusões. Mas então, qual a função dessas ideias, se elas não são ilusões ou erros da Razão?

A resposta dada por kant é a seguinte: as ideias têm uso nor-mativo, ou seja, valem como esquemas para ordenar a experiência e para dar-lhe a maior unidade possível e valem como regras para organizar os fenômenos relativos de maneira orgânica: “como se" todos os fenômenos relativos ao homem dependessem da alma; “como se" todos os fenômenos da natureza dependessem unita-riamente de princípios inteligíveis; e “como se" a totalidade das coisas dependesse de uma inteligência suprema a que os homens

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chamam Deus.

Como se pode ver, os juízos formulados com relação às Ideias da razão são todos de probabilidade.

Assim, lembram-nos Reale e Antiseri, as Ideias valem como “princípios heurísticos” que servem, “não para ampliar o conhe-cimento dos fenômenos”, mas sim para “unificá-lo, regulando de modo constitutivo” (1990, p. 906). Essa unidade sistemática serve para promover e fortalecer o intelecto, bem como para estimular a busca ao infinito. Aqui temos, segundo a reflexão de Reale e Antiseri (1990, p. 906), o uso positivo da razão e das suas Ideias, para kant.

Temos, então, a conclusão da Crítica da razão pura, reafir-mando que, do ponto de vista científico, os limites da experiência são intransponíveis. Mas, na mesma conclusão, não exclui a possi-bilidade do númeno como realidade normativa e ordenadora dos fenômenos. Se isso for verdade, qual seria então, já que a experi-ência não o é, o caminho para esse outro domínio da razão que é o númeno? A resposta dada por kant é que esse caminho existe: é o caminho da ética. A apresentação e a análise desse tema torna-se o assunto da segunda Crítica, que passamos a analisar a partir de agora.

8. ALgUnS eLeMenToS DA ÉTiCA kATiAnA: críticA dA rAzão práticA

Recomendamos a leitura da obra em questão. Há boas traduções em português, tanto de editoras brasileiras quanto de editoras por-tuguesas.

Para começar, segundo o que escrevem Reale e Antiseri (1990, p. 906), kant deixa claro na introdução da segunda Crítica que a razão não é só "teórica”, ou seja, capaz de conhecer, assunto tratado na primeira Crítica, mas também é "prática", ou seja, "ca-

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paz de determinar também a vontade e a ação moral".

É justamente dessa faculdade humana de determinação da vontade que trata a Crítica da razão prática. Porém, o caminho dessa nova crítica diverge da primeira; na primeira, kant viu a ne-cessidade de criticar a tendência do intelecto para ultrapassar os limites da experiência, correndo o risco de cair no erro e na ilusão. Essa crítica não é necessária porque a razão prática tem o objetivo de determinar a vontade, ou seja, de mover a vontade humana que é uma realidade objetiva presente em todo ser humano: todo ser humano tende a agir segundo a sua vontade e desejo.

O objetivo do nosso filósofo é "provar a existência de uma razão prática que não mistura com os motivos ou impulsos da sen-sibilidade", isto é, da experiência, que pode "mover e determinar a vontade para eliminar todo problema ulterior acerca da sua le-gitimidade e das suas pretensões", como se lê em Reale e Antiseri (1990, p. 907).

Ainda segundo os mesmos autores, na Crítica da Razão Pura, kant critica as pretensões da razão teórica de querer transcender a experiência e conhecer um domínio que não lhe cabe, em quanto na Crítica da razão prática ele critica a pretensão da razão per-manecer sempre ligada à experiência. Segundo kant, no domínio prático, a razão deve transcender e buscar os princípios universais da moralidade ou dos móbeis da ação moral.

Nesse sentido, o que kant se propõe a mostrar é que a crítica de uma razão prática "tem a obrigação de afastar a razão empirica-mente condicionada da pretensão de fornecer, por si só, o funda-mento exclusivo de determinação da vontade" , afirmam Reale e Antiseri (1990, p. 907), citando as próprias palavras de kant na Crí-tica da razão prática. Isso equivale dizer que, para nosso filósofo, há princípios a priori na razão que determinam a nossa vontade, tornando-a uma vontade universal, isto é, uma vontade moral, já que, para ele, a vontade fundamentada na experiência é sempre particular e segunda a vontade individual.

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Se na razão teórica o problema era a tendência para ultra-passar os limites da experiência, na razão prática, o problema é o apegar-se demasiadamente a essa experiência que é particular e baseada na vontade do indivíduo. Nesse sentido, se a razão teó-rica deve calar-se diante do domínio numênico, mantendo-se aos limites do fenomênico, a razão prática deve elevar-se do domínio fenomênico e penetrar no numênico em buscar de princípios uni-versais que movam a ação de todo ser racional.

O que se conclui que, enquanto a esfera numênica é ina-cessível à razão teórica, ela se torna totalmente acessível á razão prática; isso torna o ser humano uma consequência, enquanto ser dotado de vontade, do mundo numênico. É isso que passaremos a discutir a partir de agora.

A nossa intenção, nessa parte do estudo sobre a filosofia kantiana, não é esgotar a discussão sobre as questões morais pre-sentes na segunda crítica, mas a de apresentar alguns elementos que nos permitam conhecer as posições principais da obra, de modo que nos ajudem na sua leitura e na compreensão.

A obra em questão está dividida numa Analítica e numa Dia-lética. Vamos nos deter na análise dessas duas partes, levantando as principais discussões e temas nelas contidas.

Da Analítica - i Parte

A preocupação inicial é diferenciar "máximas morais” das “leis livres” ou as “máximas subjetivas”. Essas máximas subjetivas conteriam apenas as condições consideradas pelo sujeito como valida somente para sua vontade, ou sido de outro modo: são má-ximas que valem somente para que as proponham. Já as leis mo-rais, ao contrário, seriam objetivas, contendo uma condição básica válida para vontade de qualquer ser racional.

Daí, conclui-se que tudo o que é subjetivo não pode propor-cionar leis morais.

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A lei moral é o enunciado do princípio ou postulado da ação universal e obrigatória, ao qual o ser racional deve conformar os seus atos para realizar a sua autonomia. A esses postulados univer-sais, kant chama de imperativos, proposição que possui a forma de uma ordem (em particular de uma ordem que o espírito se dá a si mesmo), que é válida para todos os homens. Esses imperativos se dividem em dois: os hipotéticos e os categóricos. Os primeiros representam as máximas validas se quer atingir algum objetivo, o que pode ser representado pelo seguinte postulado: "se queres, tu dever".

Segundo kant, esses postulados são condicionas pelas ha-bilidades e pelos conselhos de prudência, por exemplo: "se tu queres vencer, tu deves lutar" ou "se não queres ser preso, não cometas nenhum crime", ou ainda "come sobriamente se quiseres conservar a saúde".

Como você pode notar, o imperativo é hipotético se a ordem enunciada estiver subordinada, como meio, a algum fim que se pretenda atingir, ou pelo menos que se pretenderia poder atingir.

Os imperativos categóricos são máximas que valem para todo ser racional incondicionalmente, isto é, independentes de vontade, preferências ou desejos pessoais. "Se justo", onde se or-dena sem condição. Por ser esse imperativo, fruto da razão, para tornar-se assim, uma lei universal de conduta que se chama Lei Moral.

A vontade é autônoma e princípio de todas as leis morais; ela é independente de toda matéria da lei e determina o livre-arbítrio, a partir de uma máxima categórica. Nesse sentido, os imperativos categóricos revelam uma lei necessária, tal qual uma lei física; só que as leis da natureza não podem nunca deixar de se concretizar; elas são sempre necessárias (dever = müssen), elas devem sempre se realizar da mesma forma; por outro lado, as leis morais também são leis necessárias (dever = sollen), mas elas podem não se con-cretizar pela liberdade humana que não se guia apenas pela razão,

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mas também pelas inclinações sensíveis (REALE; ANTISERI, 1990, p. 910).

Assim, a lei moral em kant, ou seja, a ação moral não pode guiar-se pelo objeto querido (o conteúdo), mas somente pelo modo de querer (a forma), o que leva o filósofo alemão a propor que, na ação moral, a vontade deve adequar-se à forma da lei, a uma intenção universal que se expressa na seguinte forma: "de-ves, porque deves". Essa submissão se dá porque, segundo kant, se a lei moral dependesse do seu conteúdo, ela seria empírica e visaria sempre uma utilidade sendo, portanto, particular. Mas qual a matéria desse querer? kant passa a analisá-lo em seguida.

O objetivo material do querer é a felicidade e ela depende da natureza empírica de cada sujeito particular.

Aquilo que gera gozo e prazer requer a multiplicidade, ou seja, a continuação perene, ao mesmo tempo em que está em bus-ca do mais alto grau e da maior durabilidade possível.

Ainda nessa discussão, kant aborda a temática da liberdade. Segundo ele, é livre toda vontade determinada apenas pela forma da lei e, por consequência independente de todo estímulo empí-rico. Por isso, a liberdade e a lei prática incondicionada mantêm entre si uma correspondência recíproca. Nessa relação, a razão prática é totalmente independente da lei natural dos fenômenos, atingindo total autonomia para se autodeterminar segundo a pura forma da lei, sem necessidade de conteúdo fenomênico.

A verdadeira ação moral não se conduz por nenhum motivo material, mas sim pelo puro dever. Por isso, kant propõe que a lei moral só existe com a forma de um imperativo categórico: “Age apenas segunda a uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal" (1960, p. 58).

Aqui, uma vontade subjetiva torna-se lei moral objetiva, ou seja: o sujeito racional age segundo deve agir todo sujeito racional. Mas o que leva o sujeito a agir segundo uma lei universal. Vejamos

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algumas partes da obra e a discussão que ela propõe.

ii Parte

Nesse ponto, kant procura estabelecer o conceito da razão pura enquanto prática: o objeto que seja um efeito possível da li-berdade do ponto de vista da moral. Aqui, kant discute o bem, dis-tinguindo-o do agradável. Assim, ele define o bom: “O soberano bem é o objeto que satisfaria toda a faculdade de desejar de seres razoáveis finitos”. Essa satisfação deve se dar inteiramente tanto em relação à razão como em relação à sensibilidade e à atividade. Nesse sentido, não são os conceitos de bem e mal que determi-nam a lei moral, mas é o contrário: é a lei moral que determina os conceitos de bem e mal; é a lei moral que deve dar conformidade ao mundo. Mas qual seria esse sentimento moral que formaria e daria sentido a todas as ações morais? qual seria o sentimento da vontade moral? kant discute esse sentimento na última parte da Analítica.

iii Parte

Para encerrar a parte da Analítica, kant discute a noção de motivos morais e o respeito. Os motivos são subjetivos, logo, em-píricos, mas não devem ter origens empírica e natural. O motivo fundamental da moralidade é o respeito: um sentimento interno especial provocado pelo conhecimento de um valor moral numa pessoa ou num ideal. Segundo Reale e Antiseri (1990, p. 920), "tra-ta-se, porém, de um sentimento suscitado pela própria lei moral e, portanto, de um sentimento diferente dos outros". Para os mesmo autores, o respeito, para kant, "é um sentimento que nasce com base em um funcionamento intelectual e racional, enquanto é sus-citado pela própria razão". Além disso, lembrando kant, os autores afirmam, ainda, que o respeito é o único sentimento que podemos conhecer inteiramente a priori e do qual podemos conhecer a ne-cessidade (REALE; ANTISERI, 1990, p. 920).

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Concluindo essa parte do estudo, devemos atentar para o fato de que, para kant, não basta que uma ação seja feita segundo a lei, ou seja, em conformidade com a lei. Nesse caso, a ação sim-plesmente seria legal, mas não moral.

A ação moral deve ter como princípio o puro dever: se obe-deço à lei não é para não sofrer punições, mas porque a lei deve ser cumprida; se faço caridade não é para ser reconhecido e ad-mirado, mas porque a caridade é um dever do ser humano. Se agirmos dessa forma, agimos moralmente. Caso contrário, a ação pode ser legal ou hipócrita. Pensando dessa forma, kant não está dizendo que o homem, para ser moral, deva prescindir dos senti-mentos e das emoções; o que ele diz é que se esses sentimentos estão na base da ação moral, eles podem macular a ação moral (REALE; ANTISERI, 1990, p. 920).

Para prevalecer a moralidade, o único sentimento que deve mover a ação é o sentimento de respeito. Onde prepondera o res-peito, as inclinações e as paixões serão sempre superadas e con-troladas no que tange à vontade como móvel da ação. O respeito é a condição interna para que possa preponderar a lei moral. Onde não há respeito, e prepondera o medo, a paixão, o terror, etc., não pode haver verdadeira lei moral. Segundo Reale e Antiseri:

[...] à medida que exclui a influência de todas as inclinações sobre a vontade, a lei moral expressa uma “coerção prática” das inclina-ções, a sua submissão (e, portanto, respeito) e, por conseguinte, se manifesta côo “obrigatoriedade”. Em um ser perfeito a lei moral é lei de “santidade”; em um ser finito, é de “dever” (1990, p. 921).

Aqui, encontramos o famoso “rigorismo kantiano”: para ser moral, não basta que a ação seja em conformidade com a lei, mas sim realizada sempre só pelo dever, sem nenhum intermediário de sentimento que não o respeito.

dialética

O "sumo bem" é o sujeito completo e absoluto da "razão pura prática". É o acordo entre a felicidade e a virtude.

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kant estabelece outra antinomia:• Por um lado, a felicidade deve ser a causa motora para a

máxima da virtude – isso é impossível.• Por outro lado, a máxima da virtude deve ser a causa efi-

ciente da felicidade, também impossível.A solução provém da admissão da fé na imortalidade da alma e a existência de Deus, surgindo assim, no sistema kantiano dentro do postulado da Razão Prática. O prêmio da virtude é a vida supras-sensível. A existência de Deus permite, assim, a relação entre o real e o Idea, entre o que é e o que deve ser.

Para concluir nossos estudos sobre kant, relembremos o que ele diz ser as duas coisas mais importantes que o enchia de admi-ração: "o céu estrelado sobre mim e lei moral em mim”, como se lê nas ultimas linhas da Crítica da Razão Prática. Para esse extraor-dinário pensador moderno, nas palavras de Reale e Antiseri (1990, p. 932):

[...] o homem, que na Crítica da razão pura revelou-se como feno-mênico, finito, mas dotado (com Razão) de estrutural abertura para o infinito (as Idéias) e de uma necessidade irrefreável de infinito, agora na Razão prática [...] revela-se também efetivamente desti-nado ao infinito.

Com essas posições, kant estava preparando o ambiente para a passagem do Iluminismo, com toda a sua aridez, abrindo caminho para o Romantismo que, com a sua poesia filosófica, co-loca o homem definitivamente rumo ao infinito.

Desse modo, kant revigorou a visão sobre o homem o que modificou toda a reflexão filosófica nos anos que se seguiram. Se não todo, com certeza a maioria dos grandes pensadores dos sé-culos 19 e 20 retomaram as reflexões kantianas ou para refutá-las ou para complementá-las.

9. QUeSTõeS AUToAVALiATiVAS

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

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1) Como a historiografia divide a formação do pensamento kantiano?

2) Por que kant, no período crítico, vê a necessidade de “submeter a razão ao crivo da razão”?

3) Por que se pode falar que o período crítico é o período da maturidade e da originalidade do pensamento de kant?

4) quais as duas correntes filosóficas que predominavam na Europa, no perío-do em que kant escreve sua primeira Crítica. Por que essas duas correntes são opostas?

5) qual a intenção de kant ao criticar o Ceticismo de Hume?

6) Por que kant propõe uma nova definição de juízos?

7) Depois de ler a Introdução da Crítica da razão pura, procure diferenciar os tipos de juízos propostos por kant, apontando as suas características.

8) qual a novidade proposta por kant com os juízos sintéticos a priori?

9) Por que kant comparou sua proposta epistemológica ao heliocentrismo de Copérnico?

10) qual a justificativa dada por kant para a aceitação dessa mudança episte-mológica?

11) Com essa novidade, qual seria a função da filosofia, segundo a proposta kan-tiana?

12) Depois de pesquisar, ler e refletir, procure escrever em poucas linhas o que transcendente e o que é transcendental.

13) Como kant apresenta a sua Estética Transcendental?

14) Como kant define Intuição? qual a função da intuição?

15) Procure diferenciar, segundo a proposta kantiana, a intuição pura da intui-ção sensível.

16) Depois de ler e refletir, explique o que são, segundo a proposta kantiana, as formas puras de espaço e tempo e mostrando a função de cada uma delas.

17) qual a diferença fundamental entre a Estética Transcendental e a Analítica Transcendental?

18) Como kant completa a Lógica aristotélica com a sua proposta de uma Lógica transcendental?

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19) qual a função do intelecto ou da faculdade do entendimento para kant?

20) quais são as funções de cada uma das categorias do entendimento apresen-tadas por kant?

21) Por que kant afirma que só o intelecto é capaz de pensar?

22) Explique o que são e qual a função das categorias a priori do entendimento.

23) Com a apresentação das categorias do entendimento, como kant entende o que pensar?

24) O que kant entende por dedução transcendental? Por que ele propõe essa discussão?

25) Em que essa nova posição defendida por kant, com relação à conceituação, difere da posição antiga?

26) O que kant entende por apercepção transcendental? qual sua função?

27) O que kant chama de esquematismo transcendental? qual sua função?

28) Depois de ler e refletir, procure diferenciar, segundo a proposta kantiana, o fenomêncio do numênico apontando os motivos pelos quais kant fez essa diferenciação.

29) qual é o tema discutido na terceira parte da Crítica da razão pura, chamada Dialética Transcendental? Por que kant vê essa discussão como importante?

30) quais são as críticas feitas por kant à dialética como conhecimento?

31) quais são os objetos que a metafísica quer discutir, mas acaba, devido à deficiência natural do intelecto, cometendo equívocos ao tentar defini-los? qual parte da metafísica era dedicada ao estudo desses objetos?

32) O que kant chama de antinomias? quando elas surgem? qual são os proble-mas que as envolvem?

33) Por que kant critica os argumentos que tentam provar a existência de Deus? Como kant os supera?

34) Por que kant afirma que construir juízos sintéticos sobre temas metafísicos é absurdo?

35) qual a resposta de kant para as Ideias de Razão, Deus, Alma e Mundo? Elas são ou não são ilusões transcendentais? Como kant explica sua posição?

36) qual a finalidade, segundo a proposta de kant, dessas ideias da razão?

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37) Como kant justifica a discussão metafísica nas questões práticas?

38) Como podemos diferenciar, segundo a proposta de kant, uma “razão teóri-ca” e uma “razão prática”?

39) quais são as críticas que kant faz a uma e a outra razão?

40) Para kant, por que a razão prática deve penetrar no mundo numênico?

41) Diferencie, segundo a proposta kantiana, leis morais de leis livres ou subje-tivas.

42) Para kant, o que são os imperativos? quais são os imperativos e qual a di-ferença entre eles?

43) qual a diferença entre a necessidade das leis na natureza e a necessidade das leis morais de uma sociedade?

44) Por que, segundo kant, a lei moral não pode ser guiada pelo objeto queri-do, mas sim pelo modo de querer? qual a justificativa do filósofo para essa afirmação?

45) Como podemos diferenciar, a partir da leitura da introdução da Crítica da razão prática, a “razão teórica” da “razão prática”?

46) Na Crítica da razão prática, qual o grande objetivo da razão, no domínio prático?

47) Como é possível diferenciar a “vontade geral” da “vontade particular” em kant?

48) Por que kant afirma que se a razão teórica deve calar-se diante do domí-nio numênico, mantendo-se aos limites do fenomênico, a razão prática deve elevar-se do domínio fenomênico e penetrar no numênico?

49) Procure diferenciar máximas subjetivas das máximas morais ou objetivas, segundo a proposta kantiana, apontando os seus fundamentos.

50) O que são, como estão divididos e como se diferenciam os Imperativos, se-gundo kant?

51) O que kant chama de “lei moral”?

52) O tratar do tema da liberdade, kant a vincula à lei moral. quando, para kant, a vontade é livre?

53) Por que kant propõe que a lei moral só existe na forma de um imperativo categórico: “Age sempre de modo que a máxima da tua vontade possa ser ao mesmo tempo um princípio válido de legislação universal”?

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54) Procure explicar, segundo as discussões de kant, o lugar do “sentimento de respeito” na construção da moral kantiana.

55) Como podemos diferenciar, segundo a proposta moral kantiana, a “ação le-gal” de uma “ação moral”?

10. ConSiDeRAçõeS

Ao longo dos nossos estudos procuramos mostrar que toda a obra filosófica de Immanuel kant tinha como objetivo principal responder a uma grande questão, amplamente discutida ao longo do século 18: até que ponto o nosso conhecimento pode avançar com segurança e proporcionar uma apreensão segura da nature-za? Com essa questão, kant, como homem inserido na discussão epistemológica do seu tempo, queria saber qual o alcance da nos-sa razão e o que legitimava seu uso.

Essa pergunta suscitou o aparecimento de três outras ques-tões que orientaram toda a produção filosófica madura do pensa-dor de Königsberg, proporcionando a divisão do seu pensamento em dois campos, um campo teórico e outro prático. As novas ques-tões são:

• O que posso saber? • O que deve fazer?• O que me é permitido esperar?

Essas questões são investigadas e respondidas pelo filóso-fo alemão com o intuito de esclarecer o ponto fundamental que orientava toda a reflexão filosófica da modernidade, sobre a qual muitos filósofos já tinham se debruçado. Esse ponto pode ser re-sumido na seguinte pergunta: o homem, que é ele?

Foram essas questões e a necessidade de uma resposta se-gura para cada uma delas que levaram Immanuel kant a escrever um conjunto de obras, fruto de pesquisas, reflexões, ensino, ao longo de mais de 20 anos, que reorientaram os rumos da filosofia ocidental. Com ele, além de novos temas e novos conceitos filo-

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sóficos, ficou clara a necessidade de rever toda a metafísica tradi-cional, no que se refere à confiança que ela, e seus formuladores, tinham na capacidade cognitiva da razão, que se estendia desde as conclusões cartesianas.

imbuído dessa necessidade, o filósofo de Königsberg promo-veu uma grande reviravolta no processo tradicional do conheci-mento, ou seja, na relação sujeito-objeto. Nessa reviravolta, são revisadas radicalmente as tarefas, as competências do método e o próprio valor do conhecimento humano. Ao proceder essa revisão e reforma, kant tinha um grande objetivo: garantir a possibilidade da ciência como conhecimento seguro da natureza contra os ata-ques e conclusões céticas levantadas pelo pensador inglês David Hume.

Essa tarefa teve início com a defesa no concurso para profes-sor titular da Universidade da sua cidade. A partir desse momento teve início a fase inovadora da reflexão filosófica kantiana, a fase do amadurecimento e originalidade de seu pensamento. Na defe-sa da cátedra, kant apresentou uma tese intitulada Sobre a forma e os princípios do mundo sensível e do mundo inteligível, a famosa Dissertação de 70, e estabeleceu pela primeira vez a distinção en-tre mundo fenomênico e mundo numênico, concebendo de uma forma totalmente nova e original os conceitos de espaço e tempo. Como ele próprio escreveu, "despertado" do seu sono dogmático pela leitura de David Hume, era ora de submeter à razão ao tri-bunal da razão para investigar seu alcance e seus limites. Foi com novidade teórica que o filósofo alemão preparou e levou adiante a sua "revolução copernicana" no que tange a nova concepção do conhecimento humano.

Com essa "revolução", kant superava tanto o Racionalismo dogmático como o Empirismo cético, as duas correntes filosóficas predominantes no período em que construía seu pensamento. Por isso, o filósofo assumiu a tarefa de reavaliar de maneira radical

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todos os problemas investigados até aquele momento na questão do conhecimento humano.

Era necessário criticar o intelecto e a razão humana na bus-ca dos verdadeiros princípios e os limites do conhecimento. Era a hora de submeter a razão ao crivo da razão. O resultado, como se viu, foi o aparecimento da diferença entre o conhecimento sen-sível e inteligível, problema amplamente discutido pela tradição filosófica, que assumiu uma nova perspectiva com kant. Essa nova concepção levou nosso filósofo a propor um conjunto de novos conceitos e nova interpretação filosófica, tanto no que se refere ao conhecimento como no que se refere à moral.

Dessa discussão, apareceram as duas grandes Críticas kan-tianas: A Crítica da razão pura e a Crítica da razão prática. A pri-meira discute a razão teórica e seus limites, a segunda discute a ra-zão prática e os fundamentos da moral. Nessas obras encontramos o itinerário do sistema kantiano, sua construção, suas preocupa-ções, seus temas e sua nova terminologia. Por isso, ainda hoje, es-sas obras despertam tanto interesse em inúmeros comentadores.

Nos últimos anos de vida, kant foi assolado por dois acon-tecimentos. Em 1794, foi intimado, pelo novo imperador, a não discutir sobre suas ideias religiosas, apresentadas na sua obra A religião nos limites da simples razão, publicada um ano antes. kant obedeceu: não se retratou de suas ideias, mas calou-se, sustentan-do ser esse o seu dever de súdito, coerente que era no seu com-portamento. O outro acontecimento foi o seu envolvimento com o Idealismo absoluto que apontava uma nova interpretação para o Criticismo transcendental kantiano, principalmente com as obras de Johann Gottlieb Fichte (1762 – 1814), aluno de Kant por algum tempo em Königsberg e sucessor de Karl Leonard Reinhold (1757 – 1823), primeiro grande interprete da obra Kantiana, na Univer-sidade de Jena, naquela época o grande centro de interpretação e complementação do pensamento kantiano. Como as ideias ilu-ministas pareciam já esgotadas e com o aparecimento do Roman-

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175© A Filosofia Crítica de Immanuel Kant

tismo, o ambiente filosófico parecia mesmo de revisão do Criti-cismo e o desenvolvimento de um Idealismo espiritualista. kant até tentou se posicionar contra a nova tendência filosófica, mas, percebendo que o desenvolvimento daquela nova interpretação era indiscutível, prefere se recolher.

Com a saúde fragilizada, kant foi obrigado a renunciar à cáte-dra que ocupou durante 26 anos ininterruptos. Em 1796, o grande filósofo da pequena Königsberg se aposenta dos trabalhos acadê-micos. Os últimos anos de vida não foram de tranquilidade para ao nosso filósofo, pelo contrário, foram anos de muito sofrimento: suas forças começaram a declinar, ficou quase cego, renunciou à cátedra em 1796, perdeu a memória e a lucidez, ficando quase senil. Morreu em 12 de fevereiro de 1804.

11. e-ReFeRÊnCiAS

Figura 1 Immanuel Kant. Disponível em: <http://www.acus.org/content/immanuel-kant-democratic-peace>. Acesso em: 1º Jun. 2012.

12. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELEUZE, G. Para ler Kant. Tradução de Sonia Dantas Pinto Guimarães. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. GIL, F. (Org.). Recepção da Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. kANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo quintela. Lisboa: Edições 70, 1960. ______. Resposta à pergunta: que é esclarecimento? In: kANT, I. Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 1974.______. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção os Pensadores).______. A Crítica da razão prática. Lisboa: Edições 70, 1986. ______. Crítica da razão pura. 3. ed. São Paulo: nova Cultural, 1987. v. 2.______. Crítica da razão pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. LACROIX, J. Kant e o kantismo. Lisboa: Rés, 1979. LALANDE, A. Vocabulário Técnico e crítico de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1996.LABRUNE, M.; JAFRO, L. A construção da filosófica ocidental. São Paulo: Mandarim, 1996.

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LEBRUN. G. Sobre Kant. São Paulo: Iluminuras/EDUSP, 1993. MOLINARO, A. Léxico de Metafísica. São Paulo: Paulus, 2000.PASCAL, G. O Pensamento de Kant. Rio de Janeiro: Vozes, 1992.REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a kant. 3. ed. São Paulo: Paulus: 1990. v. 2.

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EAD

Dos Kantianos ao Idealismo Alemão

4

1. OBJETIVOS

• Analisar a gênese ocorrida no pensamento filosófico de kant ao Idealismo alemão.

• Descrever tal gênese à luz da História do Pensamento oci-dental.

• Conhecer e analisar as críticas positivas e negativas de-correntes do argumento transcendental.

• Analisar as mudanças que ocorrem na concepção do su-jeito cognoscente.

2. CONTEúDOS

• Problematização da dualidade fenômeno coisa-em-si. • Gênese do sujeito e o rompimento da prisão transcen-

dental.• Razão em busca do absoluto.

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3. oRienTAçõeS PARA o eSTUDo DA UniDADe

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

1) Ao iniciar o estudo desta unidade, acreditamos que seja importante que você conheça o significado de alguns termos e expressões:• Bildung: palavra alemã que significa formação; pro-

cesso explicitamente descrito por Hegel na dialética do senhor e servo que veremos adiante.

• Revolução Copernicana: noção mediante a qual kant queria assinalar a revolução (semelhante ao Copér-nico) promovida por ele no conhecimento, que con-siste na inversão da relação cognitiva entre sujeito e objeto. Antes de kant, pensava-se o objeto como de-terminante ao sujeito, a partir dele, pelo contrário, o sujeito é que determina o objeto.

• gegenstand: palavra alemã utilizada para designar uma contraposição, ou oposição, ou ainda contrapo-sição, no caso entre um sujeito e um objeto. A rela-ção: sujeito / objeto é uma contraposição.

2) Caso esteja com dificuldades para compreender os con-teúdos entre em contato com seu tutor por meio das di-versas ferramentas disponíveis. Não fique com dúvidas!

3) A leitura das obras de Fichte, Schelling e Hegel é funda-mental para sua formação, portanto, não deixe de fazê--la.

4) Não se contente com o conteúdo apresentado neste Ca-derno de Referência de Conteúdo. Pesquise, leia, enfim, amplie seus horizontes de conhecimento sobre este as-sunto!

5) quer saber mais sobre esse assunto? Procure informa-ções complementares nas diversas fontes de pesquisa disponíveis, e não se esqueça: anote tudo o que pesqui-

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179© Dos Kantianos ao Idealismo Alemão

sar, pois este material poderá ser útil em seu Trabalho de Conclusão de Curso.

4. inTRoDUção à UniDADe

Toda a empresa kantiana exerce enorme influência sobre o pensamento filosófico contemporâneo, suscitando discussões e gerando problemas que, de fato, permanecem insolúveis, mas que criam condições para o desenvolvimento da especulação idealista.

Apesar de o pensamento kantiano ser norteado pelo crité-rio da unidade da diversidade, obviamente as oposições centrais continuam existindo insuperáveis. Mas, justamente estas: a rela-ção entre a intuição sensível e o entendimento (Reinhold), entre a Razão Teórica e a Razão Prática (Fichte) e, antes de tudo, a relação entre o sujeito e o objeto, ou seja, por um lado o subjetivo (Eu em-pírico e transcendental), e por outro o objetivo (a dualidade fenô-meno e coisa-em-si) tornam-se motores para o desenvolvimento do pensamento pós-kantiano.

Antes do desenvolvimento do Idealismo alemão, a filosofia kantiana estava sujeita a uma discussão bipolar que vai de sua ple-na aceitação à plena recusa. Tal discussão é suscitada não só pela influência escolástica, mas também pelo Romantismo que se ins-taura como reação ao Iluminismo.

Assim, a filosofia kantiana é uma fonte de inspiração do pen-samento filosófico posterior, que vai retomando sempre certos as-pectos da sua riqueza inesgotável, embora se note uma tendência de alcançar, além da dualidade sujeito-objeto, um ponto (absolu-to) de unidade e síntese (Fichte, Schelling, Hegel).

5. oS PÓS-kAnTiAnoS: CRíTiCAS e CoMPLeMenToS

Inicialmente, a empresa kantiana não encontra muita com-preensão; para a sua popularização a figura de karl Reinhold (1757-1823) foi de importância decisiva.

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Em 1878, Reinhold é convidado para lecionar filosofia na Universidade de Jena, transformando rapidamente essa cidade no centro de kantismo e, posteriormente, com seus sucessores, no centro do Idealismo alemão com o advento dos seus três ilustres representantes, a saber: Fichte, sucessor de Reinhold em 1794; Schelling, de Fichte, em 1798; e Hegel, de Schelling, em 1801.

Justamente ali ocorre o desenvolvimento da filosofia kantia-na e sua posterior transição para o Idealismo alemão. Podemos dizer que, nessa versão, o Idealismo alemão retoma e problemati-za muitos aspectos da filosofia kantiana, tentando levar ao ponto absoluto o sujeito transcendental, antes aprisionado nas suas pró-prias faculdades cognitivas.

Justamente as próprias faculdades cognitivas (sensibilidade e entendimento) limitam o conhecimento humano. Isso se torna mais claro se compararmos o conhecimento infinito (não limitado) de Deus e o conhecimento limitado humano. Limitado por quê? Pelas próprias faculdades cognitivas: sensibilidade (espaço e tem-po) e entendimento (as categorias). Se apenas pensarmos, em ter-mos do tempo, que o conhecimento de Deus é atemporal, torna--se claro porque o conhecimento humano é limitado (no tempo).

A transição de kant ao Idealismo alemão se dá com a aber-tura do sujeito transcendental para o absoluto: com a inserção da história, operada pelo Idealismo, no antes sujeito dogmático (e, portanto, fechado e a-histórico de kant) criam-se condições da marcha negativa da dialética do Eu, da Razão, da Consciência, e sua formação (bildung), que passo a passo deve alcançar a absolu-ta realização (Hegel).

Devemos notar que a popularização da filosofia kantiana ocor-re também graças às críticas dirigidas a ela, como as que fizeram Jacobi, Schulze, Beck e outros. Um dos primeiros críticos de kant é Jacobi (1743-1819), que descobre a contradição da coisa-em-sí em Kant. nesta crítica o acompanhará Schulze (1761-1833) que lança uma visão cética a respeito da filosofia kantiana.

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Entre os opositores de kant, podemos destacar pensadores como Haman e Herder, que indicam, a partir daí, a direção do pen-samento romântico. Podemos, portanto, traçar as principais dife-renças que vão se delineando ao longo da relação kant – Idealismo alemão, utilizando-nos do comentário de Sciacca sobre a questão:

[...] em kant o sujeito é construtor do mundo da experiência; no idealismo romântico e transcendental, ao contrário, o Eu é criador da realidade; para kant a atividade do próprio sujeito tem os seus limites no conteúdo sensível que o próprio sujeito recebe passiva-mente e no mundo noumênico do supra-sensível; para o idealismo transcendental, ao contrário, o Eu é criador não somente da forma, mas também do conteúdo da experiência e não há nenhuma reali-dade fenomênica fora dele. Autoconsciência é o princípio absoluto do real. Todo limite do pensamento é posto pelo próprio pensa-mento (o pensamento põe a si mesmo e o outro) e por ele supe-rado. O Eu é o mundo de Deus (monismo e imanentismo). O Eu penso, que em kant é ainda função suprema, no idealismo se torna Ente metafísico criador (Ente não como substância, mas como ati-vidade). Conseqüentemente o idealismo tende a eliminar a coisa--em-si e dualismo de apriori e aposteriori. É este o traço fundamen-tal que distingui o Criticismo de kant do Idealismo transcendental de Fichte, Schelling e Hegel (1968, p. 13).

Para compreender ao certo a dimensão da mudança do kan-tismo ao Idealismo, vamos analisar melhor o que pensou Reinhold.

Reinhold (1757-1823)

karl Leonard Reinhold nasceu em ano 1757, em Viena. Aos 14 anos, começa seus estudos de filosofia e teologia no Colégio Jesuíta de Santana, e aos 23 anos, já é professor de filosofia. Em 1785, conhece a obra fundamental de Kant: Crítica da razão pura.

Um ano mais tarde, Reinhold já edita suas Cartas sobre a filosofia kantiana (1786) que o tornam o primeiro intérprete de Kant, passando a ganhar a admiração deste. Em 1786, Reinhold, já bastante conhecido, é convidado a lecionar filosofia na Universida-de de Jena, e graças a ele, tal universidade se transforma no centro da filosofia kantiana. Lá, ele escreve suas três obras fundamentais unidos sob o título Filosofia elementar: Ensaio de uma nova teoria

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faculdade humana de representação (1790); Contribuições para a retificação dos erros até hoje cometidos pela filosofia (1789) e Fun-damento do saber filosófico (1790 -1793).

Tese da Consciência

Como já havíamos dito, Reinhold é o primeiro intérprete de kant, e graças a ele a empresa kantiana fora popularizada. A intenção inicial reinholdiana é transformar a crítica de kant num sistema global, visto que, em sua parte teórica, a crítica tem como base a experiência, ao passo que na sua dimensão prática a base é a moral.

Portanto, faltava um princípio que as sintetizasse, o que pos-sibilitaria, também, que tudo derivasse dele. Esse princípio Reinhold encontra na tese da consciência.

Tese da Consciência –––––––––––––––––––––––––––––––––Com essa noção Reinhold quer fundamentar o fator consciência como um prin-cípio a partir do qual se possa derivar toda representação. Tal princípio, porém, é entendido como coisa ou fato, e não como atividade (Fichte). Mais adiante a questão será detalhadamente tratada.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Justamente na consciência, o filosofo vê a condição de uma união, pois nela, a representação é diferente do representado (ob-jeto) e do representante (sujeito), embora se refira aos dois; com efeito, a consciência contém como fatores tanto o representado, como o representante.

Desse modo, por um lado a representação deve conter um elemento com o qual se enraíza no sujeito, e, por outro, um ele-mento com o qual se enraíza no objeto.

O elemento que se enraíza no sujeito, Reinhold chama de forma, e o que se enraíza no objeto, matéria. Assim, o intérprete kantiano está de acordo com seu inspirador: toda representação consiste na união de ambos (matéria e forma). Temos de frisar que a forma é produzida pela consciência, ao passo que a matéria

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é dada à consciência, portanto, a consciência deve ter a faculdade de produzir forma e de receber matéria. Desse modo, fica claro que a representação é produzida na consciência, mas não é total-mente criada por ela.

Essa ideia da representação prepara o solo de uma mudança do curso kantiano, pois a receptividade, como faculdade da consci-ência, deve ser entendida em termos de espontaneidade.

Razão teórica, razão prática.

A grande novidade de Reinhold frente ao pensamento de kant é a afirmação de que a razão prática é a condição da razão teórica.

Sabemos que a descoberta das condições transcendentais do conhecimento segue na direção do fato para o direito. Utili-zando-se do mesmo procedimento, Reinhold encontra o direito da faculdade de representação, na faculdade apetitiva, com efeito, deduzindo da faculdade de representação a faculdade apetitiva, sendo esta direito daquela. Partindo da ideia da liberdade como primado da razão prática, Reinhold busca o fundamento da razão teórica.

O direito ou a condição do conhecimento ––––––––––––––––Pela primeira vez, praticamente, Kant pergunta sobre o direito do nosso conhe-cimento deduzindo-o do fato. A metafísica tradicional se ocupava antes de Kant, sobretudo, com o fato (objeto) do nosso conhecimento. Kant coloca a pergunta sobre o direito, a condição do nosso conhecimento e o descobre radicado no sujeito. Só assim a filosofia transcendental vem à luz. O procedimento que vai do fato para o direito é conhecido como dedução transcendental (Cf.: Crítica da Razão Pura, seção: dedução transcendental).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

N. Hartmann conclui: Segui nisso o método kantiano que ascende do “fato da experiên-cia” para as “condições da sua possibilidade”. Mas no sentido duma tal ascensão, é bem possível deduzir a “faculdade apetitiva” da “fa-culdade de representação” e tornar compreensível e inteligível a razão prática partindo da razão teórica (1960, p. 21).

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Faculdade Apetitiva

A faculdade apetitiva, no entendimento reinholdiano, pode ser compreendida como impulso original, capaz de produzir um querer conhecer, originando, desse modo, a representação da ra-zão teórica. Assim, "o desejo não seria conseqüência, mas pressu-posto" (HARTMANN, 1960, p. 22).

Conforme a divisão conceitual de matéria e forma, Reinhold admite a possibilidade do impulso ser dividido em material e for-mal; o primeiro reduz-se em necessidade de receber, e o segundo em necessidade de dar. O impulso material está ligado à sensibi-lidade, ao passo que o formal liga-se ao intelectual. O primeiro é interessado e o segundo é desinteressado e livre, e fundamenta a ação moral.

Sem dúvida, o mérito de Reinhold não se reduz somente em popularizar a filosofia kantiana, mas também em preparar o solo para a chegada dos marcantes idealistas, que vão fertilizar, poste-riormente, o chão da especulação filosófica com os novos proble-mas e propostas.

Seguramente, Fichte é o primeiro pensador do Idealismo que vai retomar o caminho trilhado por Reinhold. Porém, outro grande pensador desta época é Schulze.

Schulze (1761-1833)

Gottlob Ernst Schulze nasceu em 1788, em Heldrungen. Estu-dou na Universidade de Wittenberg onde se titulou como doutor. Em 1788, Schulze é convidado como professor pela Universidade de Helmstädt, e, no mesmo ano, publica sua obra Enecidemo em que desenvolve uma visão cética sobre a filosofia kantiana, ata-cando diretamente Reinhold.

O argumento cético

Schulze tem uma posição crítico-cética a respeito da filosofia kantiana. Tal posição se expressa em dois pontos: a existência da

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representação e a irrefutabilidade da lógica. Concordando plena-mente com Hume, para o qual o conceito de causalidade deriva do hábito da experiência, e retomando o argumento cético, Schulze nega a possibilidade de fundamento da relação entre as represen-tações (fenômenos) e as suas causas (coisas-em-si). Do mesmo jeito, o Ceticismo de Schulze nega a existência de a priori por ser induzida de uma relação causal.

Essa crítica de cunho cético dirige-se, sobretudo, contra a te-oria reinholdiana da representação, que foi exposta anteriormen-te.

O argumento cético de Schulze pode ser resumido nos se-guintes termos: se o conhecimento não acessa as coisas em si e elas permanecem totalmente incognoscíveis, não se pode garantir que elas são ou não causas do conhecimento; caso elas possam ser conhecidas, a tarefa crítica perderia seu sentido, ou seja, volta-se ao leito da metafísica tradicional.

O mesmo argumento Schulze dirige às condições formais do conhecimento, enquanto estas são instauradas por um procedi-mento causal que vai do fato da experiência ao seu direito radica-do no sujeito transcendental.

Os argumentos críticos de Schulze, contidos na sua obra Novo Enesidemo (1788), colocam um novo desafio à problemática kantiana, forçando as portas para o Idealismo alemão.

Jacobi é outro grande representante desse movimento, va-mos conhecê-lo.

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jacobi (1743-1819)

Friedrich Heinrich Jacobi nasceu em 1743 em düsseldorf. Estudou em Genebra. Em 1804, assume o cargo de presidente da Academia das Ciências de Munique onde permanece até a sua morte, em 1819.

Suas obras mais importantes foram: Sobre a teoria de Spinoza em cartas dirigidas a Moses Men-

delssohn, (1785); David Hume sobre a fé, ou Idealismo e Realismo (1787); Massiva dirigida a Fichte (1799) e Sobre o Empreendimen-to do Criticismo de intelectualizar a Razão e de dar uma nova fina-lidade a Filosofia em geral (1802).

Idealismo transcendental ou Realismo empírico

Na sua discussão sobre a filosofia kantiana, Jacobi chama a atenção para dois pontos fundamentais e inconciliáveis: o Idealis-mo transcendental e o Realismo empírico. A incompreensão desta dualidade leva ao equívoco a empresa kantiana e suscita, por sua vez, o conflito da filosofia pós-kantiana. Praticamente, podemos afirmar que o desenvolvimento do Idealismo alemão deve-se a es-ses dois pontos fundamentais.

A posição crítica de Jacobi diante da filosofia kantiana pode ser resumida em dois pontos cruciais:

• Considera que o mérito de kant consiste na tarefa crítica, que deve traçar os limites do conhecimento humano.

• Julga como inconsistente o conceito da coisa em si.

Conforme o entendimento do filósofo, a tarefa crítica de kant entra em contradição, pois se funda a dualidade da espon-taneidade e receptividade, esta última baseando-se num objeto existente fora do sujeito:

Figura 1 Jacobi.

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Assim, Hartmann nota que:

"[...] o ponto de vista crítico não se pode obter sem a coisa em si, mas com ela não se pode manter. Visto que o idealismo e a coisa em si não se podem unir, deve um deles ser sacrificado " (1960, p. 39). Jacobi assume uma posição realista, considerando que a posição do Idealismo é uma das muitas cognoscíveis e, que, portanto, pode ser sacrificada, ao passo que a coisa-em-si é o cor-relato do conhecimento e como tal deve-se manter.

Fé: condição da experiência

Para solucionar o problema que a dualidade fenômeno e coisa-em-si envolve, Jacobi lança mão da fé, objetando kant de conceber a razão pura mais no sentido prático (moral), ao passo que ela pode ser o suporte da razão teórica, justamente pela fé à qual Jacobi concede o papel de constituinte da realidade e condi-ção necessária da experiência dos fatos.

A fé, na realidade percebida, funda-se a um ato incompreen-sível, de revelação imediata. Isso dá razão a Jacobi de romper com o subjetivismo e o racionalismo da filosofia crítica, descobrindo no conhecimento um aspecto irracional. Portanto, a fé, na versão de Jacobi, possui uma dimensão teórica e é condição do conhe-cimento do real, ao passo que para kant, ela tem um significado extremamente prático.

A fé de Kant radica-se no sujeito, ao passo que a de Jacobi radica--se no objeto.

Tudo isso torna claro que para Jacobi o pensar filosófico deve abandonar o racionalismo e instaurar-se no leito da fé, sendo esta a condição de toda experiência possível.

Jacobi critica kant por não ter concedido à razão teórica o devido papel, com efeito:

Toda filosofia que nega ao homem uma faculdade superior de per-cepção não condicionada pela intuição sensível e se propõe elevar-

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-se do sensível ao supra sensível, do finito ao infinito, apenas com uma incessante obra de reflexão sobre o que é dado a intuição sensível e sobre as leis da sua incrersão no intelecto por meio da imaginação, toda filosofia desse tipo deve necessariamente termi-nar numa anulação pura e completa da consciência (JACOBI, 1966, p. 97).

Com o exame do pensamento de Jacobi, podemos avançar para a análise específica do Romantismo.

6. O ROMANTISMO

A tentativa kantiana de preencher as lacunas deixadas pela metafísica tradicional a partir do criticismo abriu caminho a novos problemas e dificuldades, expressos em dualismos, como:

1) determinismo natural/liberdade moral; 2) matéria/forma; 3) fenômeno/coisa em si; 4) finito/infinito; 5) homem/Deus.

Justamente essa divisão de pares gera as condições que tor-nam possível o movimento do Romantismo alemão. A filosofia transcendental de kant acentua fortemente ao caráter determi-nante do próprio sujeito, que, a partir da revolução copernicana, ocupou seu lugar devido e ativo. O homem se torna construtor e ordenador do mundo (conhecimento, ciência); expressa a sua vontade moral (ética); e por fim desenvolve a própria humanidade (história).

A visão nova do mundo determinada pela subjetividade hu-mana, acentuada por kant, ainda é, porém, demasiado marcada pelo racionalismo da era das luzes e pela visão mecanicista, intro-duzida por Galileu e Newton.

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189© Dos Kantianos ao Idealismo Alemão

Com Romantismo, a história entra no jogo junto com a ativida-de criadora do Espírito – dois elementos que se completam na caminhada gloriosa que levará o sujeito para a visão absoluta do mundo. Sem dúvida, é pelo Romantismo que a história e a arte entram como elementos constituintes da realidade.

Ao compararmos kant e o Romantismo, devemos notar que o sujeito kantiano é ordenador do mundo da experiência, ao passo que o Eu, no ideal romântico, é criador da realidade.

Para compreender bem o significado pleno do Romantismo, faz-se necessário estabelecer a distinção entre Iluminismo e o Ro-mantismo. O primeiro pretende, soberanamente, dominar e orde-nar o mundo conforme as regras racionais. O segundo, ao contrá-rio, opõe à razão e cultua o coração e a paixão.

Arte, filosofia, poesia, e história tornam-se grandes aliadas nessa cruzada antirracional, ou ainda:

Mais que um impulso de nova vitalidade, parece uma espécie de beleza de decadência. Ecos do mundo do pensamento percorrem a consciência estética e voltam coloridos e agitados. Sob o signo da espontaneidade, da genialidade, um ou outro filósofo abandona as severas armas da reflexão metódica e dialoga com a imaginação do artista; um diálogo que acaba em silêncio ou se perde na ficção (ROVIGHI, 1999, p. 622).

Mas o que significa Romantismo?

Geralmente, podemos denominar com esse nome o movi-mento que valoriza o sentimental. Considerado como fenômeno cultural, o Romantismo surge, grosso modo, como contra-discurso ao Iluminismo, como crítica ao culto à razão.

Eis porque o Romantismo é distante a todo caráter sistemá-tico do conhecimento científico. Para Novalis (pseudônimo do po-eta Georg Philipp Friedrich Von Hardenberg), por exemplo, a ple-nitude do pensamento não necessita de extensos tratados, mas pode muito bem ser expressa por meio de pensamentos individu-

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ais, com aforismos ou fragmentos.

Assim, brota o culto à originalidade e à criatividade do pen-samento, e é por isso que a poesia se contrapõe à razão, já que ela traduz autenticamente o mundo individual do poeta e o gênio criador.

Os filósofos, os poetas, os gênios do Romantismo se utilizam de intuições, de milagres, de uma interligação irracional dos fenô-menos no mundo. O panteísmo torna-se credo aos romantistas.

O mundo e a natureza são concebidos como organismos vi-vos, como um enigma sagrado. E se a ciência não pode desvelar os seus segredos, é porque ela se norteia por princípios racionais e mecânicos inspirados pelo Iluminismo. Em contraponto dessa racionalidade geral, o Romantismo inspira-se no sentimento má-gico da vida. Ele é distante ao conhecimento e a previsibilidade do mundo; ele adora o desconhecido.

A poesia é considerada o conhecimento sublime, pois concilia o conhecido e o desconhecido, o finito e o infinito, o superior e o inferior. Na psicologia do Romantismo não há hierarquia: esta é a nova forma da igualdade entre os homens; não igualdade pelo fato de que todos os homens possuem natureza racional (Iluminismo), mas, por todos serem individualidades únicas.

Entre os representantes do Romantismo, podemos destacar os nomes de Goethe, Hölderlin, Herder, Schiller, novalis, entre ou-tros, vamos conhecê-los no quadro a seguir:

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191© Dos Kantianos ao Idealismo Alemão

Quadro 1 Principais representantes do Romantismo.

Figura 2 Gottfried Herder.

gottfried Herder (1744-1803) foi o primeiro a enunciar cruzada contra a razão poderosa do Iluminismo. Aluno de kant, ele não tinha receio de se virar contra o seu mestre tentando recompor a unidade entre o espírito e a natureza que seu mestre tinha separado. A Herder cabe o mérito de preparar, mas do que qualquer outro, o solo do Romantismo alemão. Ele o define como o retorno às fontes da civilização moderna (Idade Média). Conforme a concepção antropológica de Herder, o homem provém da natureza, mas nele a natureza se manifestou como racional. Esse poder racional do homem se expressa na linguagem, na arte e na religião. A história também se manifesta como uma ordem necessária e infalível, que garante o processo contínuo.

Figura 3 Friedrich Schiller.

Friedrich Schiller (1759-1805) foi um dos mentores mais marcantes do Romantismo. Suas ideias inspiram uma unidade da vida espiritual. Partindo da Crítica da Razão Prática e a Crítica do Juízo de kant, Schiller elabora seu Idealismo estético, considerando a arte como a expressão mais sublime da vida espiritual. Ele insiste na relação harmoniosa entre a natureza e o espírito que no homem alcança a sua realização plena.

Figura 4 Novalis.

novalis (1772-1801) é o fundador do Idealismo mágico, que concebe a ideia de que cada coisa é velada por um segredo, uma magia, um enigma, e por isso, não pode ser desvelada por meios racionais. A poesia, o conto, o romance são as formas de descrever as coisas de maneira mais autêntica do que os extensos tratados filosóficos. O homem, conforme Novalis é a fonte de analogias para o Universo. Em cada homem, o poeta descobre algo genial, pois cada homem é único. A natureza não é um conjunto de coisas, átomos, seja o que for, mas é uma linguagem oculta que só se pode compreender pela poesia e pela arte.

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Figura 5 Goethe.

johann Wolfgang von goethe (1749-1832), foi um dos principais lideres do movimento literário que se denomina Romantismo alemão. Juntamente com Schiller foi um dos fundadores do movimento chamado Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto). Goethe fez incursões também no campo das ciências e influenciou profundamente os filósofos alemães contemporâneos à ele bem como que o sucederam. Suas principais obras são:

Dramas: Clavigo (1774); Egmont (1775); Torquato Tasso (1780) e Fausto (1806).

Romances e novelas: Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774); Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister (1795) e As Afinidades Eletivas (1809).

Épicas: Hermann e Dorotéia (1796-1797).

Poemas: Prometheus (1774) e O Aprendiz de Feiticeiro (poema) (1797).

Escritos científicos: Teoria das Cores (1810).

Após conhecer estes pensadores que possibilitaram e fundamentaram as bases do Romantismo, podemos avançar para o exame da obra dos três principais pensadores do movimento Idealista, a iniciar por Fichte.

7. FICHTE

Johann Gottlieb Fichte nasceu em 1762, em Rammenau, numa família modes-ta e sem condições de pagar um bom estu-do. Barão Von Miltitz, um rico proprietário, que por acaso descobriu as capacidades mentais extraordinárias de Fichte, resolveu investir em seus estudos.

Em 1774, Fichte ingressou no colégio de Schulpforta, mas, no mesmo ano, seu

benfeitor morre e o jovem passa por inúmeras dificuldades para terminar o estudo secundário. Anos mais tarde, Fichte foi estudar teologia em Jena e depois em Leipzig.

Figura 6 Fichte.

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Em 1790, o filósofo começa a estudar a filosofia kantiana que o inspira a se dedicar à criação de um novo sistema filosófico. Em 1794, o filósofo recebe convite para suceder Reinhold em Jena como professor titular: esse é o momento mais fértil da sua vida intelectual.

Durante cinco anos, como professor titular em Jena, Fichte escreve as seguintes obras: Sobre o Conceito da Teoria das Ciên-cias ou da chamada Filosofia; Fundamento da teoria total da ciên-cia apresentada como manual para os seus ouvintes e Compêndio do peculiar da Teoria da Ciência com respeito à faculdade teórica, todas de 1794. Em 1796 escreve Fundamento do direito natural segundo princípios da Teoria da Ciência, e, em 1798, Sistema da doutrina moral segundo princípios da Teoria da Ciência.

Em 1799, Fichte se viu obrigado a abandonar Jena em virtu-de dos escândalos que envolveram o seu nome, acusando-o de en-sinar o ateísmo. Mudou-se para Berlim. Justamente ali, em 1808, pronunciou os famosos Discursos à nação alemã a fim de desper-tar a consciência nacional. Em 1810, na fundação da Universidade de Berlin, Fichte obteve o lugar de professor e foi o primeiro reitor eleito da Universidade. Desse período, pertencem as obras: Os Fa-tos da Consciência (1810-1811); A Teoria da Ciência (1810-1813) e Sobre a relação da Lógica com a Filosofia ou Lógica Transcendental (1812). Em 1814, Fichte morre vítima de uma doença contagiosa.

Fichte foi um dos representantes mais marcantes do Idealis-mo alemão. Praticamente com ele se inaugurou uma visão filosó-fica nova, que tinha a pretensão de romper os limites do sujeito transcendental, antes impostos por kant na filosofia crítica, e al-cançar a visão do Absoluto.

Teoria das ciências

Partindo da ideia reinholdiana de que kant teria produzido as críticas, tanto teórica, como a prática, mas não produziu um sis-tema completo e acabado da razão, Fichte se vê diante do desafio de levar ao fim a empresa kantiana.

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Como tem notado Hartmann:Para ele (Fichte) a obra do criticismo como tal já não é essencial, mas sim somente a idéia da ativa originalidade moral do ser huma-no, com a qual se deparam ao homem todas as barreiras e grilhões metafísicos próprios de um ser natural deterministicamente vincu-lado e se abre a perspectiva do absoluto (1960, p. 52).

Para que isso se torne possível, a saber, que a atividade hu-mana abra perspectiva para o absoluto, faz-se necessário uma mu-dança genética no entendimento do Eu, dando um passo adiante.

Fichte, ao adotar a visão reinholdiana de que na passagem da filosofia teórica para a prática já se vê a sobreposição da fa-culdade apetitiva à representativa, afirma que a razão teórica (co-nhecimento) geneticamente deriva da razão prática, mas Reinhold seria rigorosamente criticado por Fichte ao ponto de conceber a consciência como um fato que é o princípio supremo.

A respeito disso, Hartmann esclarece que:Um princípio supremo da dedução de um sistema nunca pode ser um fato no sentido da tese da consciência de Reinhold. Todos os fatos são primeiramente qualquer coisa para a consciência [...]. Há na consciência qualquer coisa de mais original do que o fato: a ação produtora. Pois, a consciência é no fundo ativa – a 'razão é prática' -, a sua essência particular não se esgota, portanto, no caráter de ser um fato (1960, p. 59).

Para o Eu fichteano, não há limites impostos de fora.

kant concebeu a faculdade cognitiva (razão teórica) em sua dualidade: sujeito/objeto, sendo este último imposto de fora e, por isso, impossível de ser compreendido em sua totalidade (coi-sa-em-si), mas somente na sua aparência (fenômeno), justamente pelos limites fixados pela sensibilidade do sujeito transcendental, que não lhe permite ultrapassar os limites do fenomenal (lembre-mos que o sujeito kantiano é um sujeito dogmático e a-histórico e, como tal, não é sujeito de evolução).

Para o Eu de Fichte, ao contrário, não há nada imposto por fora, pois todos os obstáculos, "não-Eus" (objetos) são produzidos e impostos pelo próprio Eu e, portanto, superáveis pela sua ati-

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vidade. É como se o Eu impusesse a si mesmo o não-Eu, que é produzido por ele, a fim de superá-lo e assim conquistar maior plenitude na direção ao Absoluto. Em outras palavras: a relação Eu (sujeito) e não-Eu (objeto) é imposta pelo próprio Eu que, superan-do o não-Eu, adquire uma visão cada vez mais completa e plena na direção ao Absoluto.

Eu finito e Eu infinito

O princípio originador (Eu) deve ser compreendido em sua bi-dimensionalidade, com efeito: como Eu finito e Eu infinito; o pri-meiro é finito, enquanto impõe a si mesmo, como contraposição (gegenstand) um não-Eu. O segundo é infinito, enquanto o não-Eu é seu produto. No primeiro caso, o Eu é finito por se deparar com o seu limite: o não-Eu; no segundo caso é infinito, por ser princípio originador deste não-Eu, este em última análise é ou virá-a-ser Eu.

Toda experiência, para Fichte, se reduz a duas modalidades: ser e consciência. Entre eles, não há uma verdadeira oposição, mas uma relação imanente: a própria atividade do Eu puro infinito.

Torna-se, assim, compreensível que a existência do objeto (ser) só é possível por um sujeito (Eu), e fora dele é impensável. Neste sentido Sciacca ressalta: "Não existe ser sem consciência: a consciência é o fundamento do ser, isto é, do ser para nós, diverso do ser-em-si do dogmatismo" (SCiACCA, 1968, p. 27).

Produção e Reflexão

Para compreender melhor o sistema fichteano, temos que ter sempre em mente a distinção entre o Eu que produz (prático) e o Eu que reflete (teórico).

O Eu que produz, produz espontaneamente e inconsciente o não-Eu (o objeto, a realidade). O Eu que reflete se vê diante de um não-Eu, posto pelo Eu que o produziu inconscientemente. Deve-mos ressaltar que o não-Eu se opõe somente ao Eu que o reflete e não ao Eu que o produziu.

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Sciacca esclarece:O Eu enquanto absoluto e infinito é a fonte de toda realidade; en-quanto finito empírico se encontra diante (oposto) ao não Eu com o qual está em reciprocidade de ação. Este limite é captado pelo Eu empírico, que assim se torna consciência (com-ciência) individual. Explica-se assim o mundo, ainda que produzido pela atividade do Eu, apareça externo ao próprio Eu (1968, p. 28).

A ação produtiva e a ação cognitiva do Eu se resolvem da se-guinte maneira: o Eu produz o não-Eu inconscientemente, pondo--o como objeto (obstáculo, limite) que tem de ser superado, isto é, desvelado pelo conhecimento, promovendo, assim, uma expansão do Eu em detrimento do não-Eu.

O processo cognitivo tende a contínua superação do não-Eu. Esta empreitada teórica tem sua raiz na ação moral. A diferença é que enquanto na ação teórica temos um obstáculo a superar, na ação moral o Eu não põe a si mesmo um não-Eu que depois tem de ser superado, mas retorna a si mesmo.

Contudo, a atividade moral, para se realizar no seu sentido pleno em que retorna a si mesmo, necessita superar antes os limi-tes do não-Eu, em cujo esforço se origina uma ação, pois esta só ocorre se encontrar a resistência do outro (não-Eu).

O movimento de superação já de antemão supõe uma resis-

tência. O próprio movimento é uma superação de resistência. A resistência existe quando temos duas forças que brigam entre si: no caso Eu e não-Eu.

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8. SCHELLING

Friedrich Wilhelm Joseph Schelling nas-ceu em 1775, em Leonberg. Estudou teologia em Tübingen, junto com Hegel e Hölderlin, e neste período escreve obras como Sobre a possibilidade de uma forma da filosofia em geral (1794) e Sobre o Eu como princípio da fi-losofia (1795), claramente influenciadas pelo pensamento de Fichte.

Schelling aprofunda-se no estudo das ciências naturais a fim de adquirir base para uma reflexão filosófica da natureza. Escreve, então, em 1797, as Idéias para uma filosofia da natureza e, em 1798, A alma do mundo.

Em 1798, Schelling foi convidado para suceder Fichte na Uni-versidade de Jena. Deste período datam obras importantes como: Primeiro esboço de um sistema de filosofia da natureza e Sistema do idealismo transcendental (1800).

de 1802 a 1803, o pensador escreve a sua Filosofia da arte, e, em 1803, o clima acadêmico se torna insuportável para o filóso-fo, levando-o a pedir demissão da Universidade de Jena. Schelling começa a se aprofundar nas questões religiosas, redige sua Filo-sofia e religião, e, em 1841, é chamado a assumir a cátedra de filosofia na Universidade de Berlim. Nesses anos, o filósofo não publica, mas se ocupa intensamente com problemas de religião e mitologia até 1847, ano em que desanima de lecionar e termina a sua carreira acadêmica.

Em 1854, Schelling morre na Suíça.

idealismo estético de Schelling

Devemos compreender Schelling como um dos mais ilustres representantes do Romantismo filosófico. Tal compreensão deve partir, sobretudo, das condições históricas e do fato de o Roman-tismo ter sido uma das versões dominantes da época.

Figura 7 Schelling.

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Além de introduzir elementos importantes do Romantismo na sua filosofia, Schelling enriquece em muito o quadro do Idealismo ale-mão e contribui bastante para a nova versão idealista carregada de Estética. Não é por coincidência que seu sistema filosófico re-cebe a denominação de Idealismo estético.

Schelling e Fichte

A passagem de Fichte a Schelling deve ser compreendida, antes de tudo, como um retorno à realidade objetiva da natureza que o primeiro tinha negado em prol de uma atividade produtiva do Eu. Se para Fichte o mundo e toda a realidade objetiva derivam do Eu, ficando a natureza reduzida à mera representação da cons-ciência (uma visão pouco positiva sobre a natureza), Schelling se propõe a elaborar uma visão mais positiva da natureza, atribuindo a ela uma realidade objetiva.

Segundo Schelling, a natureza é o próprio Espírito que, por meio de um desenvolvimento gradativo (no início uma inteligência adormecida e alienada de si mesmo – “inteligência petrificada”), vai evoluindo até chegar ao homem em que adquirirá consciência de si.

Em outras palavras, a natureza apresenta uma multiplici-dade de formas, que se desenvolvem, do início ao fim, norteadas pela razão. Trata-se, portanto, de um desenvolvimento orgânico e racional.

Para Schelling, a natureza é o próprio Eu que ainda não se reco-nheceu como tal.

Atividade real e atividade ideal

Semelhante a Fichte, no Eu absoluto de Schelling podemos distinguir duas funções:

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• Atividade real (inconsciente): resolve-se numa incons-ciente produção de realidade (objetos).

• Atividade ideal: reflexão por meio da qual se adquire consciência do objeto, produzido antes inconscientemen-te, que o sente como algo diferente de si (sensação). Sen-tir algo que não é Eu mesmo faz com que Eu me perceba como outro. Justamente esse outro que não é Eu mesmo, faz com que, ao mesmo tempo, a consciência retorne a mim mesmo.

Portanto, o outro que Eu sinto afetando-me é a causa da mi-nha própria percepção, que me faz ativo. Instaura-se assim uma relação entre finito e infinito que, no final se identificam.

O Eu enquanto limitado pelo outro objeto é finito. Enquanto atividade que vai além do limite (objeto que me limita) é infinito. Essas duas dimensões do Eu se resolvem numa identidade, visto que o Eu é o sujeito das duas.

Filosofia da natureza

A filosofia da natureza de Schelling deve ser considerada à luz de dois movimentos inversos:

• Despertar da consciência com a sensação, que é o pon-to de partida da reflexão, a produção inconsciente sai da sombra do inconsciente e se torna objeto da reflexão da consciência; este é o primeiro movimento.

• O movimento inverso se dá na medida em que a reflexão quer conquistar a plena posse do conhecimento da pro-dução inconsciente, que no fundo expressa uma unidade absoluta do subjetivo e do objetivo, com efeito, o Uno--todo.

Na filosofia da natureza, a natureza é concebida como um organismo vivo que para crescer e expandir deve produzir de si mesmo a sua própria oposição. Essa oposição deve ser compreen-

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dida à luz de uma dialética natural, em que a síntese não se deve procurar na consciência, como é em Fichte, para o qual a nature-za não possui realidade objetiva, mas na inteligência inconsciente que é o princípio unitário da natureza.

A dialética schellinguiana não é o desenvolvimento ideal da razão, mas o desenvolvimento real da natureza. A natureza, na sua oposição dialética, tem de alcançar a síntese num grau mais eleva-do em que se abre nova oposição, sempre na direção de alcançar, no final, a unidade original do todo.

Idealismo transcendental

Ao Idealismo transcendental de Schelling, cabe a tarefa de explicar como a inteligência reflete a natureza, com efeito, como a inteligência alcança um objeto fora de si. É aqui, nesse ponto, que entra a versão nova da filosofia da arte.

Se a filosofia da natureza se preocupava, antes de tudo, em fundamentar a produção inconsciente da natureza por parte da inteligência originária, o Idealismo transcendental deve mostrar como o objeto inconsciente da natureza pode derivar das condi-ções da inteligência.

Filosofia da arte

Para Schelling, nem atividade moral, nem a ciência ou o co-nhecimento podem expressar a identidade originária da natureza e do espírito. Há somente uma atividade (intermediária) que é ca-paz de unir tanto a natureza como o espírito.

Tal função cabe à atividade criadora da arte. Somos capazes de entender esse poder de síntese se pensarmos na criação do gênio-artista, criação que ocorre espontaneamente, num ato em que a consciência não participa, mas a forma de expressar a obra do gênio é conscientemente concebida e pensada.

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Na sua fundamentação da filosofia da arte, Schelling parte da Doutrina das ciências de Fichte, que via o conhecimento como produto da determinação do sujeito pelo objeto e a ação como de-rivada da determinação do objeto pelo sujeito, ou como Hartmann (1960, p. 143) nota: "As representações são ou cópias ou modelos do objeto; ou copiam ou prescrevem. A primeira coisa tem lugar no saber (conhecimento); a segunda no agir".

De acordo com Schelling, tanto consciência teórica, como também a prática, pertencem à mesma consciência. Então, como será possível que existam, ao mesmo tempo, modelos de ação e imitações?

A solução deste problema só é possível se pensarmos na in-trodução de uma atividade produtora que crie tanto o objeto do saber (teórico), como o objeto do querer (prático). Tal espírito cria-dor, Schelling encontra na arte. Assim, a filosofia da arte torna-se o “organon da filosofia”.

A obra de arte é infinita, pois ela não fecha o seu sentido, mas é condição de inúmeras interpretações, que vão além das in-tenções do próprio criador. A arte, para Schelling, ao contrário do que Platão afirmava, não é uma imitação da imitação, mas a essên-cia eterna do perecível.

Filosofia da identidade

A filosofia da natureza e o Idealismo transcendental apre-sentam os dois eixos fundamentais – o real e o ideal – da filosofia schellinguiana, que, contudo, para dar acabamento a esse sistema idealista necessita de um princípio que possa servir como a síntese das duas.

Schelling encontra tal princípio no chamado “princípio da identidade”. A síntese do real (filosofia da natureza) e do ideal (Ide-alismo transcendental) desempenha um papel extremo, racional e absoluto, enquanto considerar que fora da razão não há nada.

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Tanto o objeto como o sujeito são indiscerníveis no interior da razão. A razão é absoluta e ilimitada e, portanto, o finito não existe.

Para que a razão possa se conhecer absoluta e infinitamente, como ela é, deve cindir-se em sujeito e objeto, pois só assim temos uma relação cognitiva; assim é que surge a multiplicidade e a indi-vidualidade do mundo.

Sabendo que o conhecimento só é possível no sentido de contraposição entre um sujeito que conhece e um objeto que é conhecido, o Uno-todo, que contém o sujeito e o objeto de modo indiscernível, precisa produzir uma diferenciação. A respeito dessa diferenciação, Hartmann (1960, p. 159) nos diz: "A diferenciação é a passagem do Uno para o múltiplo, do ser-em-sí para o fenôme-no, do absoluto para o mundo".

O princípio da identidade de Schelling permanece idêntico apesar da toda diferenciação pelo fato de que tudo está em re-lação íntima com o seu oposto. Desse ponto de vista, podemos afirmar que o sujeito é ao mesmo tempo objeto; o que nos leva a apontá-lo como objeto é a momentânea preponderância de um em relação ao outro.

Hartmann esclarece:[...] na série das coisas, cada uma é um membro limitado que supõe já a série inteira, assim como supõe a identidade. É apenas a preponderância do sujeito ou do objeto que constituem a natureza da finitude (1960, p. 159).

A partir do trecho citado, podemos concluir que a própria diferenciação é que instaura o caráter finito das coisas, mas esse caráter logo se vê infinito, visto pelo prisma do todo (como identidade absoluta de sujeito e objeto).

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9. HegeL (1770-1831)

Hegel nasceu em Stuttgart, em 1770, fi-lho de uma família protestante bem organiza-da que pôde lhe proporcionar uma juventude sem preocupações. Aos dezoito anos, ingres-sa na Universidade de Tübingen, e depois de concluir os cursos de filosofia e teologia, pas-sa a trabalhar como preceptor particular até 1793.

Em 1796, muda-se para Frankfurt, prosseguindo seu trabalho como preceptor numa família de co-merciantes; nessa cidade reencontra Hölderlin, o colega e amigo dos anos universitários. Com a herança advinda da morte do pai em 1798, o filósofo abandona o trabalho como preceptor e passa a se dedicar exclusivamente à carreira acadêmica.

de 1801 até 1806, Hegel leciona diversas disciplinas de filo-sofia na Universidade de Jena. Justamente ali escreve a sua obra fundamental, A Fenomenologia do Espírito. Em 1816, o filósofo as-sume a cátedra de filosofia na Universidade de Heidelberg, e em 1818, muda-se para Berlim, sucedendo Fichte na cátedra de filoso-fia. Justamente ali ele alcança o apogeu da sua carreira acadêmica e se torna o filósofo do Estado prussiano.

Em 1831, Hegel morre a pleno vigor, vítima de cólera.

As obras mais relevantes de Hegel são: Fenomenologia do Espírito (1807); A Ciência Lógica (1812-1816); Enciclopédia das ci-ências filosóficas (1817) e Filosofia do Direito (1821).

Considerações gerais

Podemos considerar Hegel o filósofo da racionalidade abso-luta, uma vez que nele a filosofia do Idealismo encontra sua plena realização.

Figura 8 Hegel.

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Partindo do Idealismo ético de Fichte, e do estético de Schelling, o Idealismo alemão encontra a sua verdadeira realização no Idea-lismo lógico de Hegel.

Se na Doutrina das ciências de Fichte, o Eu, na sua emprei-tada para o infinito se preocupa única e exclusivamente consigo mesmo e, portanto, é incapaz de alcançar qualquer exterioridade, para Hegel, justamente na sua experiência para com objeto, o Eu se autointui, ou seja, toma consciência de si mesmo.

Hartmann (1960, p. 372) argumenta: "É um novum na filoso-fia, um método de auto-apreensão da consciência nas suas trans-formações a partir da apreensão das transformações do objeto".

Dito de outra maneira, na sua experiência com objeto o Eu atua sobre ele e assim o transforma. Mas, ao transformar o objeto, o Eu também se transforma, na medida em que o objeto trans-formado oferece novas condições ao Eu, por meio das quais este também se transforma. Por exemplo, a produção de ferramentas fornece novas condições para o desenvolvimento daquele que as produz, isto é, para o homem.

Torna-se, assim, clara a distinção entre o Eu de Fichte e o Eu de Hegel. Para o primeiro, o Eu tem experiência de si mesmo, pois só a si mesmo examina (lembremos que os fenômenos com os quais o Eu se depara são criações inconscientes do próprio Eu). Nesse sentido, o Eu de Fichte não possui uma plena consciência fenomenal, ao passo que, o Eu de Hegel, na sua relação inversa com o objeto, se reconhece, cada vez mais claro, e toma consci-ência de si.

O Idealismo hegeliano nos ensina que tudo é Razão (por isso Idealismo) desde as formas e figuras mais inferiores até as mais complexas e superiores. Mas se tudo é Razão, então é fácil reco-nhecer a filosofia hegeliana como um panteísmo, mas diferente da de Spinoza, em que o Absoluto (Causa Sui) é sempre igual à si mesmo.

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Hegel inspira a ideia de um panteísmo dinâmico que se realiza no decurso da história: “O absoluto só no final, dirá Hegel, será o que ele é na realidade”.

Dessa forma, podemos entender porque cada particular é somente um aspecto finito e limitado da infinidade do Espírito que encon-tra a sua realização no todo, um processo perfeitamente descrito por Hartmann:Toda a forma fenomenal do Espírito cujos graus se desenvolvem na fenomenologia é apenas um aspecto parcial do verdadeiro e encontra o seu complemento ou a realização to-tal fora, ou antes acima de si mesmo: em primeiro lugar no grau imediatamente superior, depois, visto que este também tende a elevar-se – em todos os graus superiores da cadeia e, finalmente, na autopenetração do Espírito Absoluto. Deste modo o Absoluto é infinito no finito. E cada grau do ser se penetra na sua verdadeira essência, volta a encontrar-se em todos os outros. Mais ainda: tem de encontrar-se, porque o simples ser-em-si necessita elevar-se até o ser-para-si. E o ser para si consiste na apreensão de si mesmo o qual não é inerente ao modo de manifestar-se mas à essência (1960, p. 319).

Periodização

A evolução das ideias filosóficas de Hegel se realiza em três períodos:

• Período juvenil.• Período de Jena.• Período maduro.

O período mais marcante em que o filósofo expõe a sua con-cepção filosófica conclusiva é o período maduro (período em que escreve a Fenomenologia do Espírito e a sua Lógica).

Para a melhor compreensão desses escritos fundamentais, faz-se necessário um conhecimento prévio dos escritos datados dos períodos anteriores, pois são neles que se esboçam algumas ideias que terão uma importância tamanha no pensamento hege-liano.

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Escritos juvenis

A exposição das elaborações intelectuais desse primeiro pe-ríodo de Hegel deve ser compreendida à base da sua concepção religiosa. Os temas e as obras datadas desta época carregam as marcas da religião e da teologia. Entre as obras mais marcantes da juventude podemos destacar: A religião nacional e cristianismo e A vida de Jesus e a positividade da religião cristã, ambas de 1795.

No primeiro escrito, em linhas gerais, Hegel contrapõe o cris-tianismo à cultura grega, dando preferência à última como fonte autêntica do humanismo, ao passo que o cristianismo, com seus dogmas, distancia demasiadamente o homem da sua vida autên-tica.

No segundo escrito, o filósofo desenvolve uma visão bastan-te incomum para a época, reduzindo o cristianismo a um fato his-tórico, que, contudo, merece ser estudado. Grosso modo, Hegel dessacraliza a religião cristã, frisando a incapacidade dos judeus de aceitar uma religião puramente racional, que os levou a adotar leis impostas de fora (Deus) que regulassem a experiência cotidiana.

Jesus, que foi rebelde contra tal imposição externa, queria substituí-la pela moral, mas para o sucesso dessa missão era ne-cessário passar-se de Messias, que por sua vez fundou a religião na autoridade do mestre e não da razão pura – conclui Hegel.

No geral, o escrito revela a crítica que o filósofo dirige contra a teologia positiva do cristianismo, que, para alcançar os seus ob-jetivos, tinha que amputar todas as faculdades humanas e, sobre-tudo, a mais sublime: a Razão.

Escritos de Jena

Os escritos de Jena marcam o segundo período da evolução do pensamento hegeliano. Parte dominante desses escritos ocupa problemáticas de ordem teórica, ética e política.

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A Construção da Alemanha (1801-1803) é uma obra escrita sob a influência da situação histórica (momento em que a Alema-nha era derrotada pelas tropas de Napoleão). A análise da história dos acontecimentos, passando pelo olho indiferente do historia-dor Hegel, aprova o que tem ocorrido, chegando assim à visão po-sitiva da guerra como necessária para a saúde de um Estado.

A causa da derrota Hegel vê no impulso da liberdade, que fez com que o Estado alemão se dividisse. Aqui temos uma valori-zação do Estado em detrimento da liberdade do indivíduo, que se torna causa do enfraquecimento do Estado.

Nesse período, a análise teórica de Hegel gira em torno dos problemas em que se enreda o Idealismo alemão. Dialogando com Fichte e Schelling, no seu escrito de 1801, sobre A diferença entre o sistema de Fichte e Shelling, Hegel prefere o sistema fichteano, pois postula a identidade entre sujeito e objeto.

Fichte, porém, não escapa das críticas do autor, na medida em que ele não chega à síntese dos opostos (Eu e não-Eu) e assim a tarefa de superação se torna uma tarefa sem fim (ao infinito).

Schelling, por sua vez, chega à ideia da unidade dos opostos, uma unidade que se atualiza em todo finito. Mais tarde, justamen-te na Fenomenologia do Espírito, Schelling seria criticado e inter-pretado de outra maneira: trata-se aí de uma identidade em que desaparecem todas as diferenças.

Período maduro: Fenomenologia do Espírito

A Fenomenologia do Espírito (1807), como literalmente o tí-tulo indica, consiste em descrever a manifestação do Espírito em suas fases sucessivas na direção do saber absoluto.

Trata-se, grosso modo, de uma formação (bildung) do Espí-rito atravessando toda história da humanidade, iniciando com o mundo inorgânico, orgânico, plantas, vegetais, animais, homens e a sua história, elevando-se gradativamente do inferior para o su-perior por meio da marcha negativa da dialética.

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A marcha negativa da dialética hegeliana se desenvolve em três momentos: tese, antítese e síntese. A tese e antítese formam uma relação de oposição. A anulação dessa oposição (e por isso negativa) leva à síntese, o grau mais alto do desenvolvimento do Espírito, a saber: trata-se de enriquecimento do Espírito, em que este se purifica e se despoja do inessencial. Neste sentido, a nega-ção que a dialética promove é uma condição de superação e ele-vação.

Por outro lado, a Fenomenologia pode ser concebida como uma introdução à filosofia, o saber absoluto, que, contudo, não é alcançado de uma vez só, mas é conquistada gradativamente ao longo da História.

Para a compreensão da lógica interna da Fenomenologia, faz-se necessária a análise das principais noções hegelianas: cons-ciência, autoconsciência e Espírito.

Consciência e Autoconsciência

A compreensão da noção hegeliana de consciência envolve a relação da consciência com um objeto (consciência é consciência sempre para um objeto; algo que está diante de um sujeito). Essa é a certeza sensível. à medida que a consciência percebe que o objeto diante dela não é algo estranho a ela, mas é ela mesma, torna-se autoconsciência, com efeito: "Autoconsciência é a des-coberta que o em-sí do objeto é a própria consciência, de que a consciência é a própria verdade" (HEGEL, 1973, p. 152).

Para que a consciência chegue à certeza de que a realidade é a própria consciência, ela deve atravessar um caminho tortuoso e cheio de contradições que a própria dialética impõe. Esta, por meio da sua marcha negativa que consiste em anular a oposição desenhada pela tese e antítese em prol de um grau mais elevado (a síntese), delineia, cada vez mais clara, a autoconsciência. Por-tanto, o estado de autoconsciência precisa ser conquistado.

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Espírito

A concepção hegeliana de autoconsciência deve ser entendi-da em um duplo sentido:

• Como Espírito subjetivo: o indivíduo.• Como Espírito objetivo: a sociedade organizada.

A realização na sociedade ocorre por meio da ética que, con-forme Hegel, é uma absoluta identidade espiritual. Assim, a au-toconsciência transforma-se em Espírito somente na comunidade organizada, isto é, na sociedade. Justamente ali ocorre a quebra do si-natural (o indivíduo com os seus direitos naturais) em prol do si-social (saída do estado natural e ingresso no Estado civil). O si-natural aponta, mais geralmente dito, para a existência pré-es-tatal do indivíduo, antes do seu ingresso na sociedade organizada.

Resumindo: o espírito em sua caminhada triádica (tese, antítese e síntese) se manifesta primeiramente como Espírito subjetivo percebendo a si mesmo (consciência individual) como liberdade, saber e querer de um si-natural. Em seguida transforma-se em Espírito objetivo encarnado nas instituições organizadas, deixando de ser um si-natural e passando a ser um si-social.

A sociabilidade do Espírito se expressa em três momentos: direito, moralidade e eticidade. O direito regula externamente sem acessar as intenções. Essas últimas cabem a ser reguladas pela moralidade, em que o indivíduo subordina a própria vontade à lei universal do dever.

Mas como superar as oposições entre a obrigação externa (direito, leis) e a obrigação interna (moral)? Tal função, como sínte-se da oposição cabe à ética. A eticidade não é uma ação particular do sujeito, mas, enquanto compreendida na sua relação intersub-jetiva de um fazer objetivo, de unidade dos sujeitos.

A eticidade, por sua vez, se resolve também em três momen-tos:

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• Família: em que os interesses dos indivíduos encontram--se fechados na própria família, portanto isolados;

• Sociedade civil: que tende a consolidar os interesses dos indivíduos;

• estado: imposição da vontade universal que anula como síntese a oposição entre a família e a sociedade civil.

O Estado, segundo Hegel, é o Deus terrestre, a plena realização do Espírito.

Mas como é possível compreender tal Espírito opressor? Conforme a concepção filosófica hegeliana, toda a diversidade fe-nomenal do mundo é o Espírito, porém no seu estado inacabado.

É por meio da história que o movimento dialético que des-creve as relações de oposição (tese, antítese) para anulá-las (sín-tese), tende a alcançar unidade consigo mesmo. A oposição tese, antítese e a sua anulação, a síntese, são os procedimentos dialéti-cos por meio do quais o Espírito se aliena de tudo que é aparente e inessencial, direcionando-se à sua verdadeira natureza: o Espírito Absoluto.

A passagem da vida natural ao Estado acompanha o mesmo processo histórico-dialético, que vai delineando todas as fases e graus de oposição, anulando-as.

Assim como tudo é o Absoluto e o Estado é o Absoluto ter-restre (Deus terrestre), é cabível pensar que todas as diferenças (oposições) dentro do Estado e a sua anulação necessária levam à unificação de toda individualidade e polaridade, no sentido de desaparecer toda diferença.

Essa ideia hegeliana evidentemente vai à contramão das ideias liberais, pois considera o indivíduo, não pela sua particulari-dade, mas em função do todo, do Estado, do Deus terrestre.

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Na história do Espírito Absoluto, representado pelo Estado, Hegel distinguiu quatro idades principais na sua formação:

1) Estado oriental: infância.2) estado grego: adolescência.3) Estado romano: virilidade.4) Estado alemão: maturidade.

Na maturidade, o Espírito Absoluto encontra a sua verdadei-ra essência que é ele mesmo; nesta idade toda a diferença está anulada.

Assim, cada idade representa uma etapa histórica do movi-mento do Espírito. quando uma idade determinada esgota o seu vigor ela entra em declínio e cria as condições para a outra que a sucede. O final, Hegel reserva para o Estado alemão, segundo ele, síntese necessária das idades anteriores.

Para melhor compreensão da lógica interna do desenvolvi-mento do Estado, utilizaremos uma metáfora (inspirada em Hegel) que traduz perfeitamente o significado de toda sucessão, a velhi-ce, idade de rememoração do sentido de toda vida.

Imaginemos o nascimento de um homem: a infância dura até dez anos. Nessa idade, ele possui significado apenas de dez anos da sua vida, mas não o que sucederá depois; na adolescência (12 a 17 anos), ele possui o significado apenas desses 12 a 17 anos, mas não o que virá depois; na idade de virilidade ele possui, diga-mos, o significado da metade da sua vida, mas não o significado da sua vida inteira; portanto, somente no final da vida ele terá a rememoração do todo.

Arte, religião, filosofia

O espírito Absoluto, na sua fase final, realiza-se em três graus:

• Arte. • Religião.• Filosofia.

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A arte é a realização do divino, mas numa versão sensível. Hegel subdivide a arte em três graus:

• Simbólica: típica para o oriente; caracterizada pela ar-quitetura e escultura. É expressa pela matéria e, por isso, predomina a sensibilidade.

• Clássica: é a arte sublime, expressa pela escultura da fi-gura humana.

• Romântica: expressa pela poesia, música, pintura. Essa arte abandona cada vez mais os meios materiais substi-tuindo-os com a linguagem, som e imagem.

Podemos dizer que a arte em geral expressa a subjetividade. Esta, por sua vez, encontra sua síntese na religião, a objetividade pura. A sua expressão é a representação do Absoluto.

A religião de Hegel divide-se, também, em três graus: • Religião natural: magia, fetichismo, simbolismo etc. • Religião da liberdade: o divino deixa de ser uma substan-

cialidade (animal, árvore etc., como na religião natural) e passa a ser compreendido como uma individualidade espiritual (o sublime dos judeus, o belo dos gregos, o fim dos romanos).

• Religião absoluta: a encarnação do Espírito Absoluto Hegel reserva para o cristianismo, que realiza a unidade do divino e humano. Assim, abandonando a toda trans-cendência do cristianismo (lembremos que a concepção filosófica de Hegel é imanentista), este realiza a síntese de todas as religiões anteriores.

Já filosofia é o saber absoluto, que realiza a síntese da arte (entendida como subjetiva e intuitiva) e da religião (entendida como objetiva e representativa).

A ideia, no campo da filosofia, não é nem intuitiva (como na arte), nem representativa (como na religião). Na filosofia, ela se torna conceito. A filosofia não se dá toda na sua forma acabada de

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uma vez só, mas também está no leito do movimento histórico: ela é uma história da filosofia que delineia pouco a pouco a formação do próprio conceito desde Tales de Mileto.

O conhecimento da História da Filosofia é o conhecimento do próprio vir-a-ser da Razão e da filosofia, em termos hegelianos, nada mais é do que uma história sagrada que manifesta a própria formação do Absoluto. Na filosofia de Hegel (assim ele pretende), a ideia alcança a plena posse de si mesma: "A última filosofia (a de Hegel) é o resultado de todas as filosofias anteriores" (SCIACCA, 1960, p. 45).

Lógica

Para poder descrever todo esse processo histórico como pro-cesso da formação do Espírito, Hegel necessita inventar uma nova lógica que possa dar conta de toda mudança e transformação.

Sabemos que a lógica formal é uma lógica do imutável, por-tanto, incapaz de dar conta e compreender a vida concreta, pois a essência da vida é o devir e não a imutabilidade. A compreensão do Absoluto, em suas figuras fenomenais, necessita de uma lógica apta a pensar toda contrariedade do real.

Essa lógica nova tem a seguinte forma:É esse o objetivo da nova lógica do concreto, que afirma que A (tese) e não-A (antítese), não se excluem, mas se encontram como momentos concretos de síntese. Um ponto de vista (tese) se inte-gra com o ponto de vista oposto (antítese) para atingir um outro (síntese) que se engloba na unidade. É este o processo dialético do pensamento, que se identifica com o processo da realidade [...]. O conceito da nova lógica é o universal concreto como princípio da unificação entre a tese e a antítese conservadas e superadas na sín-tese, onde precisamente vivem incluídos numa unidade superior (SCiACCA, 1968, p. 37).

A lógica, para Hegel, é a ciência do Absoluto, da Razão.

A história, por sua vez, é o reino da mutabilidade, do cons-tante devir dos acontecimentos. Mas como é possível tal identifi-cação, com efeito, entre a Razão e a história?

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De acordo com Hegel, tal identificação é possível pelo pro-cedimento dialético que é próprio motor do pensamento. O pen-samento não é mais estático e não contraditório, como inspirava a lógica clássica, mas dialético, isto é, dinâmico.

Dinamismo no pensamento vai à direção de superação das contradições suscitadas pelo próprio pensamento, por meio de tese, antítese e, finalmente, síntese.

Dialética

Para melhor compreensão dessa lógica dialética, que é a ló-gica do ser e do pensamento, isto é, a lógica do próprio devir e, portanto, ontologia, recorramos a um exemplo célebre da dialética hegeliana conhecida como a dialética do senhor e do servo:

1) Dois homens se enfrentam numa luta de reconheci-mento. O primeiro arrisca a sua vida em prol do reco-nhecimento, o outro, por medo de perder a sua vida, se submete. Instaura-se assim uma relação entre senhor e servo. Senhor é senhor pelo seu servo e o servo é servo pelo seu senhor. Nenhum deles é o que é sem o outro. Esse é o reconhecimento. O vencedor (o senhor) não mata seu adversário vencido (o servo), mas o conserva, pois é pelo servo que o senhor é reconhecido como se-nhor. Conservar, literalmente, significa com-servo, isto é, produzir um servo, que é resultado imediato da luta pelo reconhecimento.

2) Pela obrigação imposta pelo senhor, o servo produz coi-sas que são posse do senhor, mas não dele, mesmo que as produz. Com efeito, o servo está alienado dos produ-tos que produz para o senhor (desejo refreado).

3) O senhor, ao depender dos produtos que o servo pro-duz, depende também do servo; torna-se uma espécie de servo do seu servo, por depender dele.

4) Ao mesmo tempo, o servo (mesmo que alienado do gozo dos produtos produzidos por ele) aprende a fazer coisas pela impossibilidade de não as ter, e, com isso, ele se forma, ou seja, ele apreende a ter disciplina, a se

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superar e a sobreviver. Assim, ocorre a verdadeira inver-são dialética, em que pelo trabalho o servo aprende ven-cer as necessidades da vida, o que o torna livre. O servo transformado pelas provações ganha mais liberdade do que o seu senhor, pois este depende dele (desvanecer contido).

A dialética do senhor e do escravo, de maneira geral, apre-senta a gênese do próprio processo histórico subordinado a uma lógica dialética capaz de dar conta a toda realidade, pois é uma lógica do ser e do pensamento, outrora pensados como incompa-tíveis.

Por meio dessa lógica, que é a própria da Razão Absoluta, é possível compreender toda a realidade com sua contrariedade, como um sistema unitário do desenvolvimento da Razão.

Com essas considerações, encerramos nossa análise sobre a filosofia hegeliana e suas principais temáticas.

10. QUeSTõeS AUToAVALiATiVAS

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

1) qual a importância da Universidade de Jena para o desenvolvimento da fi-losofia pós-kantiana?

2) que tratamento a primeira versão do Idealismo dá ao sujeito transcendetal kantiano?

3) Como seu deu a transposição do kantismo para o Idealismo, tomando como referência o sujeito transcendental?

4) Aponte, a partir dos comentários de Sciacca, encontrados na apostila, as principais diferenças entre a proposta kantiana e o Idealismo alemão.

5) Reinhold foi o primeiro interprete de kant. Graças a ele a filosofia kantiana se popularizou na Alemanha do final do século 17 e início do século 19. qual a intenção de Rainhold ao analisar a filosofia kantiana?

6) O que vem a ser “a tese de consciência” no pensamento de Reinhold?

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7) Em que a concepção de consciência em Reinhold difere da concepção kan-tiana?

8) Como Reinhold discute os termos forma e matéria, termos estes tão presen-tes na filosofia kantiana?

9) qual a grande novidade frente ao pensamento kantiano? Explique-a.

10) O que, para Reinhold, é a faculdade apetitiva? Explique sua função.

11) Na discussão sobre a faculdade apetitiva, como Reinhold apresenta a possi-bilidade do impulso ser dividido em matéria e forma?

12) qual a posição de Schulze com relação ao pensamento de kant e Reinhold?

13) quais são os dois pontos em que Schulze critica a filosofia de kant? Como ele apresenta esses dois pontos?

14) Como pode ser resumido o argumento cético de Schulze?

15) quais são os dois pontos cruciais da posição crítica de Jacobi frente à filoso-fia kantiana? que contradição na filosofia kantiana esses pontos mostram?

16) Como Jacobi se posiciona para superar a dualidade entre fenômeno e coisa--em-si da filosofia kantiana?

17) quais os problemas levantados por kant proporcionaram a formulação do Romantismo alemão?

18) qual a diferença entre o “Eu” kantiano e o “Eu” romântico?

19) Depois de pesquisar e refletir, apresente as principais características do mo-vimento romântico, mostrando as suas oposições ao Iluminismo.

20) Por que Fichte afirma se necessária uma “genérica” na compreensão do Eu?

21) Como o “Eu” Ficheano se opõe ao “Eu” kantiano?

22) Como o “Eu”, para Fichte, supera o “não-Eu”?

23) Como Fichte explica a bi-dimensionalidade do “Eu”, ou seja, um “Eu finito” e um “Eu infinito”?

24) Para Fichte, toda experiência se reduz a duas modalidades: o ser e a cons-ciência. Explique, segundo Fichte, como se dá a relação ser e consciência?

25) Como podemos comprender, na filosofia de Fichte, o “Eu teórico” e o “Eu prático”?

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26) Como a ação produtiva e a ação cognitiva do Eu se resolvem, segundo as reflexões de Fichte?

27) qual a diferença entre a ação do Eu na teórica e na ação moral, no que se refere aos obstáculos a serem superados?

28) Como a atividade moral pode se realizar no sentido pleno, segundo Fichte?

29) Por que o Idealismo formulado por Schelling é chamado de “Idealismo es-tético”?

30) quais são as oposições de Schellig às concepções do “Eu” e da natureza (não-Eu) em Fichte?

31) Como Schelling concebe a natureza?

32) Por que Schelling identifica o “Eu” e a natureza?

33) Faça uma apresentação sintética da filosofia da natureza de Schelling.

34) Para Schelling, o que vem a ser o Idealismo transcendental e qual a sua ta-refa?

35) qual a importância da arte na filosofia de Schelling?

36) O que Schelling chama de filosofia da identidade?

37) qual a diferença entre o “Eu” exposto por Fichte em sua filosofia e o “Eu” exporto pelo Idealismo hegeliano?

38) O que vem a ser, na filosofia de Hegel, o “Eu ter uma consciência fenome-nal”?

39) Por que é possível reconhecer na filosofia de Hegel um certo panteísmo?

40) qual a diferença entre o panteísmo hegeliano e o proposto por Spinoza?

41) quais são os temas presentes nas obras do período juvenil de Hegel?

42) Com relação ao período de Jena, quais são as principais preocupações de Hegel?

43) Com relação ao período maduro, quais pontos filosóficos sobressaem na obra de Hegel?

44) quais são as três fases da dialética hegeliana? Explique cada uma delas.

45) Por que Hegel afirma que, ao fim do processo dialético, o Espírito sai enri-quecido?

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46) Por que, para Hegel, o saber absoluto não acontece de uma vez, mas ao longo da História?

47) Explique, segundo a proposta hegeliana, o que vem a ser a consciência, a autoconsciência e o espírito.

48) Explique, ainda a partir de Hegel, as fases do espírito, a saber: o espírito subjetivo e o espírito objetivo.

49) Explique os três momentos do espírito objetivo: o direito, a moralidade e a eticidade.

50) quais são os três momentos da eticidade?

51) Por que, em Hegel, o estado é a plena manifestação do Absoluto?

52) Como o espírito torna-se Absoluto, para Hegel?

53) quais são as etapas ou fases históricas do movimento do Espírito e qual a sua manifestação máxima?

54) Explique cada um dos graus da manifestação final do Espírito Absoluto apre-sentado por Hegel, explicando cada um dos seus desdobramentos.

11. ConSiDeRAçõeS

Como vimos, a filosofia kantiana, inicialmente, foi compre-endida de maneiras diferentes, e até mesmo oposta, pela primei-ra geração de kantianos. O primeiro grande responsável para a sua interpretação e população foi Karl Reinhold (1757-1823) que, assumindo a cadeira de filosofia na Universidade de Jena, torna essa universidade o centro do kantismo. Além dele, contribuíram também para o desenvolvimento do kantismo as críticas feitas por Friedrich Heinrich Jacobi (1743-1819), que descobre a contradição da coisa-em-sí em Kant, e por Gottlob Ernst Schulze (1761-1833) que lança uma visão cética a respeito da filosofia kantiana.

Além das contribuições desses três interpretes de kant, apa-rece outro movimento que teve grande influência para a supera-ção das teses kantianas: o Romantismo.

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O Romantismo foi movimento iniciado por jovens poetas alemães, também na cidade de Jena, nas últimas décadas do sé-culo 18, como reação às amarras do racionalismo iluministas (Aufklärung) que impedia a manifestação dos mais sublimes sen-timentos do homem.

Enquanto o Iluminismo tenta dominar o mundo segundo re-gras racionais (mecanicismo); Romantismo opõe-se à razão e cul-tua o sentimento, o desejo, a paixão (forças irracionais e vivas), valorizando a arte, da filosofia, da poesia, da religião e da história.

Pelo que vimos, mesmo que a filosofia kantiana tenha pro-porcionada uma visão do mundo determinada pela subjetividade, ela ainda continuava marcada pelo racionalismo iluminista e pelo mecanicismo introduzido por Galileu e Newton. Se em kant, por influências do Iluminismo, o sujeito é ordenador do mundo da ex-periência, no Romantismo o sujeito, o Eu romântico, é criador de toda a realidade. Por isso o movimento romântico assume caracte-rísticas místicas, de culto à originalidade e à criatividade humana, de exaltação das forças vivas da natureza e da vida, de valorização dos sentimentos e das paixões, em detrimento da razão.

Assim, enquanto a proposta iluminista pretende dominar e ordenar o mundo conforme as regras racionais, o Romantismo, ao contrário, opõe à razão e cultua o coração e as paixões avaçalado-ras.

Assim, o movimento romântico reivindicou a liberdade ab-soluta do Eu (em oposição ao Eu racional dos iluministas), criando um Idealismo estético, no qual o sujeito apresenta o mundo como ele gostaria que fosse, um mundo sem a aridez do Iluminismo.

Com essa proposta estética, a linguagem aparece como a es-fera intermediária entre a subjetividade do Eu e a objetividade do mundo, lugar onde o absoluto pode ser percebido em sua mani-festação concreta, sendo a poesia a única forma de captar e inter-pretar a manifestação do absoluto. A poesia torna a linguagem do absoluto.

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Essa proposta romântica de liberdade do Eu, com uma lin-guagem capaz de perceber e interpretar a manifestação do Ab-soluto, juntamente com o descontentamento e com a dificuldade em aceitar a impossibilidade de conhecer a essência da realidade imposta pelo conceito de coisa-em-si proposto por kant, levou os três sucessores de Reinhold na Universidade de Jena a iniciarem a leitura, a revisão, a complementação e superação do Idealismo transcendental kantiano e a apresentar o Idealismo absoluto. Es-tamos falando de Johann Gotlieb Fichte (1762–1814), Friedrich Wilhelm Schelling (1775–1854) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770–1831).

A transição do Idealismo transcendental ao Idealismo abso-luto se dá com a abertura do sujeito transcendental (sujeito limi-tado ao mundo fenomênico pelas suas formas cognitivas) para o absoluto com a inserção do sujeito na história, operada pelo Ide-alismo, no antes sujeito dogmático, e, portanto, fechado e a-his-tórico, criando-se condições da marcha dialética do Eu, da razão, da consciência e sua formação (Bildung), que passo a passo deve alcançar a realização absoluta, como proporá Hegel.

Portanto, com Fichte, Schelling e Hegel surge o Idealismo absoluto, com o qual o sujeito põe toda a realidade e não só a or-ganização do mundo, como defendia o Idealismo transcendental kantiano. Esses pensadores põem o pensamento como suprema realidade e vêem em todos os fenômenos uma irradiação do pró-prio pensamento.

Para esses pensadores, kant já trazia o germe do Idealismo absoluto, só que o bloqueou com a concepção da coisa-em-si, uma realidade independente do sujeito que é inatingível e incognoscí-vel. Em kant, a coisa-em-si é responsável pelo estímulo das sensa-ções, ou seja, ela causa o fenômeno, aquilo que o sujeito conhece, mas ela própria nunca seria conhecida pelo sujeito. Os idealistas absolutos vêem uma contradição: como seria possível conhecer a manifestação sem conhecer o que a manifestou?

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Assim, para esses pensadores, para chegar ao Idealismo ab-soluto bastaria omitir a coisa-em-si e levar até as últimas conse-quências o conceito kantiano de Eu: atividade ordenadora e uni-ficadora de toda a experiência, externa e interna. Desse modo, o Eu passaria a ser o criador e unificador de todo o real. Ele não en-contraria limites nem no mundo sensível nem no mundo noumê-nico, mundo supra-sensível. Este Eu criador é criador da forma, do conceito e do conteúdo da experiência; não existe realidade fora dele. O Eu é ao mesmo tempo: o mundo de Deus, o fenômeno, o númeno, o sujeito e o objeto.

Portanto, podemos afirmar que o Idealismo absoluto ale-mão se originou e se desenvolveu sob profundas influências kan-tianas, a partir da revisão dos problemas deixados por kant nas suas três Críticas e que foram objetos específicos de análise dos seus três representantes: o problema do agir moral, na Critica da razão prática, revisto por Fichte; o problema do prazer, na Critica do juízo, revisado por Schelling; e o problema do saber, na Crítica da razão pura, revisado por Hegel. Com cada autor se dedica a um problema, podemos falar de três abordagens diferentes: um Ide-alismo ético, com Fichte, um Idealismo estético, com Schelling, e um Idealismo lógico, com Hegel.

São esses os grandes temas que nortearão as discussões filo-sóficas nos séculos seguintes, tanto para complementá-los quanto para refutá-los. Veremos na unidade seguinte, os chamados mate-rialistas da esquerda hegeliana e os socialistas utópicos, os primei-ros a fazerem essa refutação.

12. e-ReFeRÊnCiAS

Lista de figurasFigura 1 Jacob. Disponível em: <http://www.tetti.de/SOLINGEN/WIPPERkOTTEN/jacobi-1774.html>. Acesso em: 15 maio 2012.

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Figura 2 Gottfried Herder. Disponível em: <http://www.marxists.org/archive/herder/index.htm>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 3 Friedrich Schiler. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/9/90/Friedrich_schiller.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 4 Novalis. disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/8/82/novalis.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 5 Goethe. Disponível em: <http://www.cyberhymnal.org/htm/p/u/pureryet.htm>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 6 Fichte. disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/8/8d/Johann_Gottlieb_Fichte.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012.Figura 7 Schelling. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/b/b1/Friedrich_Wilhelm_Joseph_von_Schelling.png> Acesso em: 15 maio 2012.Figura 8 Hegel. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/9/97/Hegel.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012.

13. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIL, F. (Org.). Recepção da Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. HARTMANN, N. A Filosofia do Idealismo Alemão. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1960.HEGEL, G. Fenomenologia do Espírito. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores).LACROIX, J. Kant e o kantismo. Lisboa: Rés, 1979. LEBRUN, G. O avesso da dialética: Hegel a luz de Nietzsche. Tradução de Renato Janine Ribeiro Companhia das Letras, 1988.______. Sobre Kant. São Paulo: Iluminuras/EDUSP, 1993. REALE, G. ; ANTISSERI, D. História da filosofia: do romantismo até os nossos dias. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1991. v. 3.ROVIGHI, V. História da Filosofia Moderna. São Paulo: Loyola, 1999.SCIACCA, M. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1968. SCHILLER, F. A educação estética do homem: numa série de cartas. São Paulo: Iluminuras, 1990. ______. Cartas sobre a educação estética da humanidade. São Paulo: EPU, 1991.

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EAD

Esquerda Hegeliana e Socialismo Utópico

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1. OBJETIVOS

• Conhecer e analisar as vertentes contrárias ao pensamen-to hegeliano.

• Descrever os principais representantes da esquerda hege-liana, entre eles, Feuerbach e Marx.

• Analisar as críticas positivas e negativas decorrentes do contexto social e político do século 19.

2. CONTEúDOS

• Esquerda hegeliana.• Feuerbach.• karl Marx.

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3. oRienTAçõeS PARA o eSTUDo DA UniDADe1) Leia os livros citados nas referencias bibliográficas. Pes-

quise em sites confiáveis. Lembre-se de que este mate-rial é apenas um referencial de conteúdo.

2) Antes de iniciar seus estudos, conheça um pouco da bio-grafia de Friedrich Engels.

Friedrich EngelsA vida de Engels abrange três quartos do século 19. A sua atividade, como dirigente do movimento operário internacional, se estende àquele período do século pas-sado em que se desenvolveram violentamente as lutas políticas, nacionais e de classes, e a grande parte do período ulterior do desenvolvimento pacífico. Desde a Revolução de fevereiro de 1848, quando a classe operá-ria surgiu pela primeira vez na arena da História com as suas reivindicações específicas, até a Comuna de Paris, onde se levantou a bandeira da ditadura do proletariado diante da Europa capitalista cheia de espanto; desde a Revolução, burguesa alemã, que estava condenada ao

fracasso pela traição da burguesia e pela indecisão política e a morosidade da pequena burguesia democrática, até o levante espanhol de 1873, caracterizado pelo ignominioso massacre dos anarquistas, pseudo-revolucionários pequeno--burgueses; desde os primeiros esforços para criar uma organização da II In-ternacional e os primeiros êxitos do partido legal de massas do proletariado, em todos os grandes acontecimentos revolucionários deste período, tomou parte este grande lutador de vanguarda da classe trabalhadora e do comunismo (Ima-gem disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/0/0f/Engelss56fe1.jpg>. Acesso em: 15 maio 2012. Texto disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/togliatti/ano/mes/engels.htm>. Acesso em: 15 maio 2012).

4. inTRoDUção à UniDADe

A história da filosofia mostra-nos sempre que o pensamento não é estático, mas plenamente dinâmico. Assim, cada pensador apreende pensamentos anteriores e, enxergando falhas ou insufi-ciências, estabelece novas maneiras de entender o real. Isso acon-tece em um perene movimento, você já percebeu?

É muito importante, então, "degustar" cada ideia nova, sa-bendo que ela será questionada e também será a oportunidade do surgimento do novo. Dessa maneira, é muito importante que se

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tenha entendido o pensar hegeliano, pois o que veremos a partir de agora é o questionamento gerado a partir de suas ideias, que dará origem a vários outros pensamentos.

depois da morte de Hegel, em 1831, seus discípulos se divi-diram em dois grupos: um de apoio, os chamados velhos hegelia-nos ou hegelianos de direita, e outro de critica à sua obra, os cha-mados jovens hegelianos ou hegelianos de esquerda. São alunos diretos de Hegel, ou alunos de alunos de Hegel, ou ainda desafetos catedráticos que vão analisar a obra hegeliana. São esses pensa-dores que vão dominar, durante os anos seguintes, a filosofia e a cultura na Alemanha.

O ponto de desencontro e provocador da decomposição dos hegelianos está na discussão e aceitação do sistema e do méto-do hegeliano, principalmente pelos posicionamentos dos filósofos com relação à política e à religião (mais por esta última).

Para defender o sistema do mestre, os hegelianos de direita passam a defender a posição religiosa de Hegel e justificam a ver-dade religiosa, já que Hegel afirmava que tanto a religião quanto a filosofia tratavam do mesmo conteúdo: a apresentação da verda-de absoluta. Para o pensador alemão, a diferença entre a religião e a filosofia consiste no fato de que a primeira expressa seu con-teúdo em forma de representação, enquanto a segunda, expressa em forma de conceito. Assim, seus defensores adotam o conteúdo doutrinário de Hegel, sobretudo a tese política de que o estado é a mais alta realização do Espírito Absoluto. Assim, estado prussiano passa a ser, na visão dos velhos hegelianos, a encarnação do Deus cristão. Eles ainda defendem a fé tradicional, a imortalidade da alma, a união da natureza divina e a natureza humana na pessoa de Cristo.

Os jovens hegelianos ou hegelianos de esquerda, que eram contra o estado prussiano e não podiam falar de política devido à perseguição, escolhem atingir o estado criticando justamente aquilo que dava sustentação a ele: a filosofia hegeliana, especial-

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mente suas posições religiosa. Todos os jovens hegelianos criticam asperamente a religião e apresentaram uma nova dialética. Eles tentavam reformular a filosofia hegeliana negando os fenômenos sobrenaturais da vida religiosa. O ponto de partida foi a obra de david Straus (1808–1874) A vida de Jesus, na qual se faz um estu-do histórico e não místico de Jesus.

Portanto, segundo Hegel, tanto a religião quanto a Filosofia tratam do mesmo conteúdo, mas esse é expresso de maneira di-ferente por elas: enquanto a religião se utiliza da representação, a Filosofia se utiliza da conceituação. Daí que a verdade religiosa deve desaparecer, sendo tomada pela Filosofia e transformada em razão filosófica.

Aqui, encontramos um marco na separação:• A direita acredita serem compatíveis o Cristianismo e a

filosofia de Hegel, pois esta filosofia seria a única justifi-cação da fé cristã para a razão.

• A esquerda não vê tal compatibilidade, acreditando que essa é fato humano e não divino.

Como representantes da direita, temos:1) Karl F. Göschel (1781–1861).2) Kasimir Conradi (1784–1849).3) Georg A. Gabler (1786–1853).4) Johann E. Erdmann (1805–1892).5) Kuno Fischer (1824–1907).6) Karl F. Rosenkranz (1805–1879).

Entretanto, será enfocada, nesta unidade, apenas esquerda hegeliana, chegando à Feuerbach e Marx.

5. ESQUERDA HEGELIANA

Para os pensadores da esquerda hegeliana, a religião é o grande problema filosófico. Na verdade, de acordo com eles, o ser

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humano deve ultrapassar a consciência religiosa, chegando à ra-cional.

Vamos conhecer, no quadro a seguir, algumas teses dos pen-sadores que compõem esse grupo:

Quadro 1 Principais representantes da esquerda hegeliana.

Figura 1 David Strauss.

David Strauss (1808-1874) acredita que a grande questão a ser pensada é a relação entre o finito e o infinito. Segundo ele, é preciso pensar no Evangelho, visto que Cristo é entendido como a união entre finito e infinito; neste cenário, o relato evangélico seria apenas mito, uma vez que apresenta um Cristo já aguardado pela fé.

Strauss concebe ainda que Jesus Cristo representa a primeira vez na qual se entendeu uma possível união entre finito e infinito. A humanidade é Deus que se torna homem; é o infinito que se aliena na finitude.

Figura 2 Bruno Bauer.

De acordo com Bruno Bauer (1809-1882), religião é "desventura do mundo", por isso, o ser humano deve resgatar seu potencial, enxergar aquilo que ele e o mundo têm de bom, fora da visão da religião.

Segundo ele, a religião significa a passividade e a incapacidade humanas transformadas em essências. Assim, diferente do que faz o homem religioso (egoísta, que pensa unicamente na salvação de sua alma), o homem deve se lançar no mundo, e não se distanciar dele; libertar-se da religião significa acreditar na humanidade.

Max Stirner (1806-1856) concebe que a religião precisa ser negada; na verdade, não somente a religião, mas todo valor que não seja o indivíduo. Ser ateu significa negar Deus e a humanidade; valor é o eu, o indivíduo, o único. O homem apenas se associa a outros homens (sociedade) buscando o bem para si, para tornar-se mais forte. Para ele, o Deus representado na religião é o homem colocado no céu.

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Figura 3 Arnold Ruge.

Arnold Ruge (1802-1880) é outro pensador que questiona a filosofia hegeliana. Segundo ele, o pensar de Hegel (que entendia ser possível elevar toda a existência a determinações lógicas) não poderia ser considerado como fim último da razão. Hegel, com seu pensamento, abre novas possibilidades para que outros desenvolvam outros raciocínios. Segundo ele, os filósofos devem determinar os movimentos da história.

Como você pôde notar, a religião é a temática central das discussões da esquerda hegeliana. Cada filósofo, de acordo com sua leitura da obra de Hegel, salientava um ponto e passava a dis-cuti-lo, construindo assim a sua teoria.

Cabe dizer que, muitas vezes, a crítica à religião leva à crítica política, o que também aconteceu nesta época. Essa foi a razão pela qual alguns desses pensadores que até agora estudamos tive-ram problemas em sua vida social, quase todos ficando sem em-prego, alguns presos, e outros acabando na miséria.

Conhecidos esses pensadores de menor repercussão, pode-mos avançar nossa análise e discutir a obra daqueles que foram considerados os principais representantes da esquerda hegeliana. Vamos lá!

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Ludwig Andreas von Feuerbach (1804-1872)

Feuerbach estudou teologia em Heidelberg, mas, já conhecendo o pensa-mento hegeliano, decide ir para Berlim e estudar com o próprio Hegel. Muito impor-tante foi o tempo com o mestre, afirmando que nunca aprendeu tanto quanto naquele tempo.

Em 1830, escreve um texto que aca-bou marcando sua história, deixando-o fora da possibilidade de uma vida acadêmica. O texto era dirigido à direita hegeliana, dire-

tamente contra ela, sob o título Pensamentos sobre a morte e a imortalidade, no qual afirmava a imortalidade apenas para a hu-manidade, e não para o indivíduo.

no ano de 1841, foi publicada sua mais importante obra: A essência do cristianismo. Nessa obra, encontramos a redução da religião e da teologia à antropologia.

Apenas em 1848, a pedido de um grupo de estudantes, Feuerbach prepara um curso. Assim, aparece mais uma obra do autor para o desenvolvimento do curso Lições sobre a essência da religião, que foi publicado em 1851.

Sem mais oportunidades, ele se distancia cada vez mais do cenário acadêmico, sua vida fica cada vez mais miserável, até que acaba por morrer, em 1872, praticamente esquecido e sem ami-gos.

Suas obras são: Pensamento sobre a morte e a imortalidade; Lições sobre a essência da religião; Crítica à filosofia hegeliana; Teses provisórias para a reforma da filosofia; Princípios da filoso-fia do futuro; A essência do cristianismo; A essência da religião; Teologia segundo as fontes da antiguidade clássica judaico-cristã; Divindade, liberdade e imortalidade do ponto de vista da antropo-

Figura 4 Ludwig Andreas von Feuerbach .

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logia; Espiritualismo e materialismo e O eudemonismo (póstuma).

Pensamento

Todo o pensamento feuerbachiano, em qualquer fase, tem como problema central a crítica à religião; é dele o pensamento que afirma ser a teologia nada mais que uma simples antropologia.

Feuerbach constrói uma das mais expressivas críticas em re-lação ao pensamento de Hegel, mesmo sendo um hegeliano fer-voroso.

De início, é preciso ter claro que o filósofo dá muito valor ao real existente, porém, o real não é o racional-conceitual; ele busca nas coisas naturais as bases para seu filosofar, pois nessas coisas é que podem estar escondidos os segredos profundos.

O filósofo pretendia que sua filosofia não fosse uma vã ou simples especulação (como chegou a classificar a filosofia de Hegel), pois para ele o que importa é o homem real e concreto, e é nesse sentido que ele substituirá o Deus transcendente pelo Espírito.

O que vem a ser o Espírito? Simplesmente a realidade huma-na em sua máxima abstração, responde nosso pensador.

Para você refletir: “Deus é uma criação humana e, por isso, a reli-gião é um fato puramente humano”. Esta ideia de Feuerbach cau-sou e ainda causa grande impacto na forma de pensar Deus e a religião. Qual sua opinião a respeito dela?

O que Feuerbach afirma é que o homem põe toda sua huma-nidade fora de si, afastando-se e alienando-se, ou seja, a essência humana acaba sendo separada do homem e divinizada: eis a cons-trução de Deus.

Deus é o máximo da potencialidade humana, é o ser do ho-mem quando libertado de seus limites. Dessa maneira, podemos entender que o autor situa a divindade no próprio homem e a per-

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feição divina nada mais é do que o desejo de perfeição que o ho-mem tem.

Aqui, entendemos, também, a Alienação religiosa segundo Feuerbach. Deus não existe em si, ou seja, não é um sujeito, mas sim um objeto, um predicado humano, e o homem entrega-se a esse objeto que é ele mesmo (seu produto).

Deus é a essência do homem, idealizada, posta fora do ho-mem e que o domina. Em Deus, o autor vê o homem, pois a di-vindade é a consciência que o homem tem de si mesmo. Cada vez mais o homem se empobrece como ser humano, na medida em que seu objeto se enriquece com as perfeições conferidas.

A oposição entre o humano e o divino é algo ilusório.

Feuerbach argumenta: quanto mais subjetivo, quanto mais humano for o Deus, tanto mais se despoja o homem da sua subjetividade, da sua humanidade, porque Deus é em e por si o seu ser exteriorizado, mas do qual ele se apropria novamente (1988, p. 72).

qual será, então, o motivo pelo qual o homem se liga à reli-gião? Simplesmente porque é na religião que ele se sente acolhi-do, e adorar o ser divino, que é o próprio ser do homem libertado, conforta seu coração.

Feuerbach afirma que Deus se dá em uma existência for-mal, que é a imaginação pela fantasia. Somente a fantasia pode amparar o homem diante do ateísmo, e, por essa razão, o autor considera o homem religioso como infantil, vivendo pela fantasia e imaginação.

“O homem sacrifica o homem a Deus” (FEUERBACH, 1988, p. 72).

O homem religioso objetiva um mundo a partir do mundo que é subjetivo e acaba se transformando em objeto de seu pró-

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prio objeto. O que mascara toda essa realidade é a ideologia, fa-zendo o ser humano se ver como necessitado da religião. Nesse sentido, Reale complementa:

Eis, portanto, revelado o mistério da religião: Feuerbach substitui o Deus do céu por outra divindade, o homem “de carne e de sangue”. E, assim, pretende substituir a moral que recomenda o amor a Deus pela moral que recomenda o amor ao homem em nome do homem. Essa é a intenção do humanismo de Feuerbach: a de transformar os homens de amigos de Deus em amigos dos homens [...] (1991, p. 174).

Conhecidas as principais posições de Feuerbach, podemos avançar para o exame da obra de outro pensador da esquerda hegeliana, certamente um dos filósofos mais conhecidos de toda a história da filosofia: Marx.

karl Heinrich Marx (1818-1883)

karl Marx nasceu em Tréveris, em 5 de maio de 1818. impelido pelo desejo do pai, que era advogado, o jovem karl se dedica ao estudo do Direito em Bonn; po-rém, depois de concluir que aquela não era sua vocação, ele parte para Berlim, onde se apaixona verdadeiramente por Filoso-fia e História. Marx estuda principalmente Aristóteles, Spinoza, Leibniz, Hume, kant e Hegel, e com conhecimento em Filosofia, passa a fazer parte da esquerda hegeliana.

O pensamento de Marx recebeu influências não somente alemãs (Hegel e Feuerbach), mas também do movimento socialis-ta francês (Saint-Simon, Fourier e Proudhon) e da Economia Políti-ca inglesa (Adam Smith e David Ricardo).

Marx defende sua tese de doutorado em 1841, intitulada Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicuro, porém com suas tendências radicais não pôde seguir carreira aca-

Figura 5 Karl Marx.

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dêmica.

obrigado a ir para Paris, em 1843, por conta da censura, de-pois de ter dirigido o jornal Gazeta Renana, na cidade de Colô-nia, o pensador continua sua crítica social junto de seus amigos da esquerda hegeliana, sempre participando de círculos socialistas e comunistas. Dessa época, datam-se dois importantes trabalhos: Introdução a uma crítica da filosofia do direito de Hegel e A ques-tão judaica.

É do ano de 1844 o início dos trabalhos junto com Friedrich engels. Nesse ano, Marx escreve os Manuscritos Econômicos e Fi-losóficos, nos quais tratará da crítica à Economia Política, principal-mente o problema da Alienação.

Extraditado da França, Marx vai para Bruxelas. No período em que permaneceu na Bélgica, entre 1845 e1848, Marx produz duas obras, agora sempre tendo o amigo Engels como co-autor: A Ideologia Alemã e A Sagrada Família. O pensador participa da Liga dos Comunistas e, com Engels, prepara o Manifesto Comunis-ta (1848); perseguido e expulso, volta, então, para a Alemanha.

Em Colônia, a partir de 1848, junto com Engels, funda a nova Gazeta Renana, para continuar a defesa do proletariado, incenti-vando o povo à resistência armada; já vivia nessa época, em extre-ma pobreza, quando foi expulso mais uma vez da Alemanha, em 1849.

Nesse mesmo ano, com extrema dificuldade, Marx e a famí-lia conseguem ajuda para chegar a Paris, onde ficam pouco tempo já que são impedidos pelo governo francês de fixarem residência na França. Expulso da França, mas, ainda com a ajuda de um ami-go, segue para Londres, onde viverá de 1849 até sua morte. Em 1859, é publicada a obra Para a Crítica da Economia Política. No decorrer desse período, o autor se engaja nas lutas sociais, até que, em 1867, publica o primeiro volume da obra O Capital.

Aos poucos, Marx vai se debilitando fisicamente e sua ca-

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pacidade de trabalho diminui. Embora recebesse ajuda financeira de Engels, Marx não consegue terminar seu grande empreendi-mento, a obra O Capital, sendo os dos últimos volumes publicados por Engels, em 1885 e 1894. Após a morte da esposa, ocorrida em 1881, o estado de saúde de Marx se degenera. deprimido e doen-te, ele morre em 1883.

Pensamento

O pensamento de karl Marx sempre influenciou, e continua a influenciar, grandes acontecimentos históricos. Ele mesmo ques-tionou as bases de tal pensar e suas críticas são dirigidas direta-mente a tais bases: crítica ao Idealismo hegeliano, ao Socialismo utópico e à Economia Política.

Para Hegel, o Estado é alienado do ser humano, ou seja, é algo ligado ao Espírito, puramente abstrato, "o real é o racional", diz ele. Dessa maneira, o Estado deve ser considerado antes mes-mo que o ser humano.

Isso é inconcebível para Marx, pois ele acredita que somente o ser humano concreto é base e fundamento da realidade; o Esta-do deve ser pensado a partir da sociedade real e existente, e não o contrário. Aquilo que Hegel acreditava ser “a realidade”, para Marx era apenas “uma realidade”.

Marx parte sempre do homem concreto:Não iniciemos nossa exposição, como o faz o economista, por uma legendária situação primitiva. Uma tal situação arcaica nada expli-ca; simplesmente afasta a pergunta para uma distância turva e ene-voada. Ela afirma como fato ou acontecimento o que deveria de-duzir, ou seja, a relação necessária entre duas coisas; por exemplo, entre a divisão do trabalho e a troca. Da mesma maneira, a teologia explica a origem do mal pela queda do homem: isto é, ela assegura como fato histórico aquilo que deveria elucidar (1975, p. 90).

Notamos uma grande diferença se pensarmos num tema muito caro a Marx: o trabalho. Enquanto Hegel concebe o traba-lho como essência, ele se atenta apenas para seu lado bom, com efeito, trabalho é apenas "trabalho mental abstrato". Já para Marx,

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o trabalho é a ação que distingue os homens dos outros animais, considerando que no fazer, já se tem o objeto pronto na mente.

Mas não só o pensamento hegeliano é alvo de críticas:

Para Marx e Engels, estes últimos [socialistas utópicos] têm méritos indubitáveis: viram “o antagonismo das classes e também a eficá-cia dos elementos dissolventes no seio da própria sociedade domi-nante”. Ademais, eles “forneceram material muito precioso para a iluminação dos operários”. Entretanto, e aí está o seu mais grave defeito, “não viram nenhuma atividade histórica autônoma do pro-letariado” (REALE, 1991, p. 189).

Assim, o Socialismo utópico reconheceria verdadeiramente os problemas da sociedade, mas acaba corroborando o sistema quando não aponta saída para os problemas. Observe que Marx tem a preocupação com a práxis: O que fazer? Como agir para que os problemas sejam resolvidos?

Pensando dessa maneira é que também será feita a crítica sobre Feuerbach e a Alienação religiosa. Em 1845, o pensador es-creve as Teses sobre Feuerbach, querendo mostrar que o pensa-mento feuerbachiano estabelece perfeitamente o problema, mas o deixa sem solução.

O homem cria a religião a partir do Deus também criado por ele; atribui suas potencialidades e desejos de perfeição ao ser divi-no, tornando a si próprio cada vez menos humano. Mas o ser hu-mano apenas projeta sua máxima realização, seu poder-ser total, no céu, em Deus, porque não consegue vislumbrar tal realização na vida concreta. Ou seja, há uma situação que leva o homem a criar Deus e seguir uma religião. Essa projeção do ser humano em um Deus, na busca de sua máxima realização no céu, em Deus, é que Feuerbach chama de Alienação. O homem aliena aquilo que ele tem de melhor, de essencial em um Deus, um outro de si. Deus é, assim, uma projeção, uma alienação do homem em Um-outro--de-si, uma cópia do próprio homem.

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Para você refletir: “A religião é o ópio do povo”, no sentido de não deixar o homem enxergar a realidade. Você concorda com esta afirmação. Por quê?

Vejamos, então, o pensamento de Marx: se não for muda-da a situação social, a realidade concreta, não há possibilidade de acabar com a Alienação.

Assim, vemos que sua crítica à religião incide sobre sua base profana; isso porque ele quer conduzir todas as formas da Aliena-ção humana a uma única raiz: o trabalho alienado com relações sociais alienadas da sociedade produtora de bens.

É a Alienação do trabalho que faz com que o homem tenha seu mundo desvalorizado, em contraposição à supervalorização do mundo das mercadorias. O autor parte da própria Economia Política (capitalismo) para mostrar que o trabalho e o trabalhador foram transformados em mercadoria e, a partir daí, ele vai explicar a causa da propriedade privada, que se funda no trabalho aliena-do.

quanto mais o trabalhador produz, menos ele possui, quan-to mais gera a riqueza de alguns, mais fica na miséria.

Marx divide a Alienação em três níveis:• Alienação do produto do trabalho: o trabalho exercido

pelo ser humano em determinada atividade é incorpora-do a um objeto e convertido em uma coisa física, chama-da “objetificação do trabalho”. Esse objeto não pertence a quem o fez e se opõe como ser alienado, com força in-dependente do produtor, "A vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil" (MARX, 1975, p. 91). Assim, o objeto torna-se maravilha para o rico e privação para o pobre produtor, e desta ma-neira, cada vez mais o objeto possui mais qualidades (es-tas, que pertenciam a quem o fez) e o trabalhador mais e mais "defeitos" (resquícios daquilo que lhe fora tirado).

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• Alienação da atividade do trabalho: quando o trabalha-dor se aliena no produto de seu trabalho, percebemos, então, que ele é despojado das coisas mais essenciais que possui; sua vida interior é reduzida e cada vez menos ele pertence a si próprio. O produto do trabalho é fruto de uma atividade, a atividade do trabalho. Logo, podemos concluir que a atividade do trabalho é uma alienação ati-va; é a alienação da atividade da alienação.

• Alienação do ente-espécie: o homem é um ente-espécie. Os animais irracionais têm consciência apenas de si, são individuais. Diferente desses, o homem é o único que tem a consciência de sua espécie, ele é universal. O trabalha-dor, pelo trabalho alienado, "só se sente livremente ativo em suas funções animais (...), enquanto em suas funções humanas, reduz-se a um animal" (MARX, 1975, p. 94), ou seja, vai se tornando alienado da espécie, acabando por tornar a vida da espécie em vida individual.

A partir desse pensamento, Marx medita sobre como esse conceito de trabalho alienado reflete na realidade. Se o produto do trabalho e a própria atividade do trabalho não pertencem ao trabalhador, a quem pertencem então? “O ser estranho a quem pertencem (...) só pode ser o próprio homem (...), a um outro ho-mem que não o trabalhador (...), [para quem é] fonte de satisfação e prazer" (MARX, 1975, p. 98).

Assim, o homem é alienado pelo próprio homem (que se apresenta como uma força hostil). Com o trabalho, o trabalhador provoca a relação do homem que não trabalha (capitalista); ele passa a possuir cada vez mais, surgindo, assim, a propriedade pri-vada (que passa a ser consequência, e não causa do trabalho alie-nado).

A propriedade privada é produto do trabalho alienado e meio para que o trabalho seja alienado. Marx ainda afirma que o salário é apenas uma segunda consequência do trabalho aliena-

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do; aumentar os salários seria apenas pagar mais aos escravos, e igualar os salários seria somente transferir a questão do particular (cada um recebe um valor) para o universal (todos recebendo o mesmo).

Enfim, tenhamos claro que toda essa problemática se dá em uma sociedade real e concreta. Marx é criador (junto de Engels) do chamado Materialismo histórico, entendendo que as ideias, as "representações e os pensamentos, bem como o intercâmbio espiritual dos homens, ainda aparecem aqui como emanação direta do seu comportamento material" (REALE, 1991, p. 194). Ou seja, é somente o comportamento humano, na busca das suas condições materiais de existência, que determina as dimensões social, política e espiritual da vida.

A única história que existe é a história real, material.

Seu Materialismo é dialético, entendendo que tudo se dá pelo movimento das situações e a negação delas. A própria his-tória das sociedades é totalmente a história da luta de classes, de opressores e oprimidos, senhores e servos, e, em sua época, de burguesia e proletariado, daí sua grande certeza: seguindo a lei da dialética, a burguesia gera sua negação em seu seio, o proletaria-do, e, assim, não há outra possibilidade a não ser o momento em que o proletariado assumirá o poder; é o advento do Comunismo!

Após conhecer o pensamento de Marx, podemos avançar para o último assunto desta unidade: o Socialismo utópico.

6. SoCiALiSMo UTÓPiCo

O Socialismo iniciou-se com o chamado “Socialismo utópi-co”; a denominação "utópico" deve-se à obra Utopia, de Tomas Morus, e também ao fato de que os autores desta corrente esta-belecem os parâmetros e princípios do que seja uma sociedade

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ideal, mas não indicam os caminhos ou meios para se chegar nela.

Esse Socialismo também é conhecido como "socialismo fran-cês" e apresenta as características comuns a todo Socialismo, a sa-ber: buscar a participação de todas as pessoas para que se consiga a transformação da sociedade, trazendo melhorias para as con-dições de vida com mais qualidade (moradia, trabalho, educação etc.).

O primeiro a formular esse pensamento utópico foi Saint-Simon (1760-1825).

Saint-Simon (1760-1825)

De maneira breve, podemos dizer que sua ideia principal é que apenas o progresso rege a história. Essa história humana se dá em dois momentos (forças) opostos: orgânicos, que são estáveis, e críticos, que são os de transformação da história. Segundo ele, a sociedade industrial seria o momento orgânico que estabilizaria o

caos das transformações pelas quais a sociedade passava.

Para ele, a ciência, em seu desenvolvimento, determina qualquer mudança, seja social, religiosa ou moral, tanto que suas ideias estabelecem uma sociedade regida pelos cientistas e indus-triais; a sociedade é imaginada como uma grande fábrica.

Ele entende que o futuro está nas mãos dos trabalhadores, sempre guiados por alguém com um objetivo comum, numa situ-ação em que toda ação deve buscar mais vantagem para o maior número de pessoas.

O critério característico do Estado é: "de cada qual segun-do sua capacidade, a cada qual segundo as suas obras. A primeira norma deveria ser a da produção, a segunda a regra da distribui-ção" (REALE, 1991, p. 178).

Outro pensador deste segmento é François Marie Charles

Figura 6 Saint-Simon.

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Fourier (1772-1837).

François Marie Charles Fourier (1772-1837)

Discípulo de Saint-Simon, para Fourier a or-ganização de uma sociedade deve se atentar tam-bém às paixões humanas, pois são estas que mo-vem o ser humano. Nesse sentido, ele faz alusão ao trabalho, que deve ser atrativo ao trabalhador, ou seja, o trabalho deve ser uma paixão.

A moral, barrando as paixões, leva à mentira e à hipocrisia da so-ciedade.

Mas qual seria a causa da miséria social? De acordo com o pensador, os males da sociedade são fruto da civilização, que en-sina o lucro passando por cima de qualquer pessoa; por causa do lucro, o homem não desenvolve suas capacidades.

Para a solução dos problemas sociais, Fourier pensa um novo mundo societário, no qual a sociedade se chamará Harmonia. As pessoas viverão em falanstérios, que seriam comunidades de cer-ca de 1.600 pessoas, nas quais haveria:

• variedade de trabalhos (e rotativos) para a paixão e qua-lidade de todos;

• comunidades agroindustriais onde há igualdade de gêne-ro e total liberdade sexual;

• educação das crianças por conta de toda comunidade.

Outro socialista utópico de destaque é Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865).

Figura 7 Fourier.

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241© Esquerda Hegeliana e Socialismo Utópico

Pierre-joseph Proudhon (1809-1865)

Proudhon é ainda hoje muito lembrado e estudado por suas propostas. Vemos em seu pensar uma grande importância dada à justiça, que significa o respeito entre qualquer pessoa em qualquer situação.

Toda a sociedade deve ser transformada a partir da justiça: a justi-ça deve ser o princípio de tudo.

Reale (1991, p. 183) afirma que o pensamento de Proudhon "caracteriza-se por aguda sensibilidade pela justiça, pela análise séria da economia capitalista e pela fé inquebrantável na liberdade do indivíduo e na força dessa liberdade".

Uma importante obra sua é Sistemas das contradições eco-nômicas ou filosofia da miséria, de 1846, que será respondida por Marx pouco tempo depois com A miséria da filosofia.

Com a breve análise do pensamento de Proudhon, encer-ramos esta unidade. É importante que você aprofunde seus co-nhecimentos sobre o pensamento de cada autor e corrente de pensamento, sempre tentando entender seus fundamentos e con-sequências.

Relacione sempre os conteúdos com o que você já estudou e lembre-se: todo pensamento gera seu contrário, abrindo novos horizontes de visão da realidade.

7. QUeSTõeS AUToAVALiATiVAS

Figura 8 Proudhon.

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Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

1) qual é a origem dos movimentos chamados de esquerda e direita Hegelia-na?

2) qual a diferença da proposta filosóficas desses dois movimentos pós-hege-lianos?

3) Depois de pesquisar, ler e refletir aponte a principal tese dos seguintes membros da esquerda Hegeliana: David Strauss, Bruno Bauer, Max Stirner e Arnoud Ruge.

4) qual é a principal problemática apresentada por Feuerbach em todas as suas obras?

5) qual a base da reflexão filosofia de Feuerbach?

6) Por que Feuerbach não quis que sua filosofia fosse uma vã especulação?

7) qual a tese de Feuerbach para explicar a existência de Deus e a origem da religião?

8) Por que Feuerbach fala que Deus é essência do homem?

9) Por que, na visão de Feuerbach, o homem religioso é um homem pobre?

10) que atitude deve tomar o homem diante da religião para se tornar nova-mente homem?

11) quais são as correntes teóricas e os autores que influenciaram o pensamen-to de Marx?

12) quais são as correntes e os autores que Marx critica?

13) Por que Marx critica o sentido da Alienação em Hegel?

14) Para Marx, qual é a base fundamental da realidade? qual a consequência política dessa proposta?

15) Como Marx concebe o trabalho, em oposição à concepção hegeliana?

16) quais as críticas feitas por Marx sobre o Socialismo utópico?

17) O que Marx chama de “práxis” no seu pensamento?

18) quais as críticas feitas por Marx ao pensamento da esquerda hegeliana, principalmente sobre Feuerbach?

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243© Esquerda Hegeliana e Socialismo Utópico

19) Pesquise, reflita e, depois, responda à seguinte questão: o que Marx quis dizer ao afirmar que “a religião é o ópio do povo”?

20) Para Marx, qual o caminho para mudar a realidade?

21) O que Marx chama de Alienação?

22) No que diz respeito ao trabalho, em que sentido Marx vê a Alienação como algo negativo?

23) Cite e explique as características de cada tipo de Alienação apresentada por Marx.

24) quais as críticas de Marx à propriedade privada?

25) Como se pode definir Materialismo histórico, teoria criada por Marx e Engels para explicar os fundamentos da realidade social?

26) Por que o Materialismo marxista pode ser chamado também de Materialis-mo dialético?

27) Por que dá a denominação Socialismo utópico para caracterizar os primeiros socialistas franceses?

28) quais são e qual o principal tema desses socialistas utópicos?

8. ConSiDeRAção FinAL

Como vimos no início da unidade, após a morte de Hegel os seus discípulos se dividiram em dois grupos: um de apoio, os chamados velhos hegelianos ou hegelianos de direita, e outro de critica à sua obra, os chamados jovens hegelianos ou hegelianos de esquerda. São alunos diretos de Hegel, ou alunos de alunos de Hegel, ou ainda desafetos catedráticos que vão analisar a obra he-geliana. São esses pensadores que vão dominar, durante os anos seguintes, a filosofia e a cultura na Alemanha.

O ponto de desencontro e provocador da decomposição dos hegelianos está na discussão e aceitação do sistema e do método hegeliano.

O sistema hegeliano se apresentava como um conjunto de verdades absolutas e invariáveis que se manifestavam na arte (Ro-

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mantismo), na política (estado prussiano), na religião (Protestan-tismo luterano) e na filosofia (Idealismo absoluto). Essas formas de pensar passavam a ser a automanifestação do absoluto na re-alidade de forma dialética e que se tornavam modelos absolutos para toda a sociedade. Essa concepção permitia que os defensores da filosofia hegeliana sustentassem que o estado prussiano, com todas as suas instituições e suas ações no campo social e econômi-co, era a máxima realização da racionalidade do espírito. Isso dava margem para a defesa do despotismo absoluto prussiano e todas as suas ações.

Por outro lado, o método dialético hegeliano afirmava que a filosofia não é um conjunto de princípios dogmáticos fixos, mas um processo que interdita a toda verdade e que pode entender to-das as etapas da transformação social de ser definida. Isso permite afirmar que a realidade está em constante transformação.

Nessas concepções, o sistema é profundamente conserva-dor e reacionário, pois identifica real e racional com o espírito, jus-tificando a realidade política de opressão e intolerância, enquanto o método é revolucionário, apontando a estrutura da realidade como sempre se desenvolvendo a partir de confrontos dialéticos. Por isso, os jovens hegelianos pretendiam negar o estado prussia-no e todas as suas realização como algo perfeito, reinterpretando o sentido do método hegeliano.

A briga se dá, então, em torno da defesa do sistema, pelos hegelianos de direita, e no ataque ao sistema e na reinterpretação do método dialético pelos hegelianos de esquerda.

Para defender o sistema do mestre, os hegelianos de direita passam a defender a posição religiosa de Hegel e justificam a ver-dade religiosa, já que Hegel afirmava que tanto a religião quanto a filosofia tratavam do mesmo conteúdo: a apresentação da verda-de absoluta. Para o pensador alemão, a diferença entre a religião e a filosofia consiste no fato de que a primeira expressa seu con-teúdo em formo de representação, enquanto a segunda, expressa

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em forma de conceito. Assim, seus defensores adotam o conteúdo doutrinário do mestre, sobretudo a tese política de que o estado é a mais alta realização do Espírito Absoluto. Desse modo, o estado prussiano passa a ser, na visão dos velhos hegelianos, a encarna-ção do Deus cristão. Eles defendem ainda a fé tradicional, a imor-talidade da alma, a união da natureza divina e a natureza humana na pessoa de Cristo.

Os hegelianos de esquerda, que eram contra o estado prus-siano e não podiam falar de política devido à perseguição, esco-lhem atingir o estado criticando justamente aquilo que dava sus-tentação a ele: a filosofia hegeliana, especialmente suas posições religiosa. Todos os jovens hegelianos criticam asperamente a reli-gião e apresentam uma nova dialética. Eles tentavam reformular a filosofia hegeliana negando os fenômenos sobrenaturais e natu-rais da vida religiosa. O ponto de partida foi a obra de David Straus (1808 – 1874) A vida de Jesus, na qual o autor faz um estudo his-tórico e não místico de Jesus. Eles querem libertar o hegelianismo da sua religiosidade e defender os aspectos políticos de sua obra.

Dentre os pensadores da esquerda hegeliana, destacam-se: Devid Friedrich Strauss, Edgar Bauer, Bruno Bauer, Max Stirner, Arnold Ruge, Ludwig Feuerbach e karl Marx.

Os dois últimos foram os grandes representantes do movi-mento.

Ludwig Feuerbarch (1804 – 1872) tem como problema cen-tral a crítica à religião, afirmando que a teologia nada mais é que uma simples antropologia, que o homem põe toda sua humanida-de fora de si, afastando-se e alienando-se, dando origem a um ser divino, de um Deus que não passa de potencialidade humana, do homem tentando libertar-se de seus limites.

Desse modo, Feuerbach situa a divindade no próprio ho-mem e diz que perfeição divina nada mais é do que o desejo de perfeição que o homem tem. Assim, Deus é a essência do homem, idealizada, posta fora do homem e que o domina: a divindade é a consciência que o homem tem de si mesmo. O homem religioso se

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empobrece como ser humano, na medida em que ele enriquece a Deus com as perfeições conferidas.

Desse modo, o homem religioso é infantil e, vivendo pela fantasia e imaginação, mascara a realidade se fazendo necessitado da religião.

Por isso, para Feuerbach, para o homem retomar para si a condição humana, perdida com a religião, ele deve tornar-se ateu.

As reflexões de Feuebarch criaram muita repercussão entre seus contemporâneos, entre eles estava Karl Marx (1818 – 1883) que, também querendo rever as teses hegelianas, começou a buscar os fundamentos para compreender as mudanças sociais. Nessa tarefa, o jovem Marx também sofreu influencias, não só de Hegel e Feuerbach, mas também do movimento socialista francês (Saint-Simon, Fourier e Proudhon) e do pensamento da Economia Política inglesa (Adam Smith e David Ricardo). Nessa tarefa, Marx foi, desde 1844, sempre acompanhado por Friedrich Engels (1820 – 1895).

Como vimos, o pensamento de Marx sempre influenciou, e continua a influenciar, grandes acontecimentos históricos. Ele mesmo questionou as bases de tal pensar e suas críticas são diri-gidas diretamente a tais bases: crítica ao Idealismo hegeliano, ao Socialismo utópico e à Economia Política.

De Hegel, Marx critica a concepção de estado, um estado alienado do ser humano, algo ligado ao Espírito, puramente abs-trato, considerado antes do ser humano. Para Marx, essa con-cepção é inconcebível. Para ele, o ser humano concreto é base e fundamento da realidade e o estado deve ser pensado a partir da sociedade real e existente, e não o contrário.

Além da concepção do estado, Marx ainda critica a forma com Hegel concebe o trabalho. Enquanto Hegel vê o trabalho como essência, apenas seu lado bom, como "trabalho mental abs-trato", Marx vê o trabalho como a ação que distingue os homens

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dos outros animais, considerando que no fazer, já se tem o objeto pronto na mente.

A crítica que Marx faz à concepção hegeliana de trabalho é complementada com a crítica que ele faz à concepção de Aliena-ção proposta for Feuerbach, outro alvo das críticas de Marx.

Na sua crítica à Alienação, Marx revê o sentido dado por Feuerbach e a Alienação religiosa, mostrando que o pensamento feuerbachiano estabelece perfeitamente o problema, mas o deixa sem solução.

Revendo o pensamento de Feuerbach, Marx afirma que o homem cria a religião a partir do Deus também criado por ele, atri-buindo a esse Deus suas potencialidades e desejos de perfeição, tornando a si próprio cada vez menos humano. Essa projeção do ser humano, de sua máxima realização no céu, em Deus, se dá por-que não consegue vislumbrar tal realização na vida concreta. Ou seja, há uma situação que leva o homem a criar um Deus e seguir uma religião. Isso é que, para Marx, Feuerbach chama de “Aliena-ção”. O homem aliena aquilo que ele tem de melhor, de essencial em um Deus, um outro de si.

Como para Marx o que interessa é mudança da situação so-cial, da realidade concreta, não basta mostrar a causa e o tipo de Alienação, mas apontar como acabar com ela. Nesse ponto ele crí-tica o sentido dado por Feuerbach à Alienação e propõe um senti-do novo: a Alienação econômica e seus desdobramentos políticos e sociais, chegando ao conceito de ideologia.

Com essa intenção, a crítica de Marx à religião incide sobre sua base profana; isso porque ele quer conduzir todas as formas da Alienação humana a uma única raiz: o trabalho alienado com relações sociais alienadas da sociedade produtora de bens.

É a Alienação do trabalho que faz com que o homem tenha seu mundo desvalorizado, em contraposição à supervalorização do mundo das mercadorias. Marx parte da crítica à Economia

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Política inglesa, mostrando que o trabalho e o trabalhador foram transformados em mercadoria. Em seguida, ele explica a causa da propriedade privada: o trabalho alienado, isto é, na apropriação por parte do patrão daquilo que o proletário produziu, gerando a mais-valia ou mais-valor.

quanto mais o trabalhador produz, menos ele possui, quan-to mais gera a riqueza de alguns, mais fica na miséria.

Toda essa problemática deu origem ao chamado “Materialis-mo histórico”, fundado por Marx e Engels, propondo que as ideias, as representações e intercâmbio espiritual dos homens emanam diretamente do seu comportamento material, ou dito de outro modo: é a realidade material que determina toda a vida humana e as dimensões sociais, políticas e espirituais da vida.

O Materialismo também é chamado de dialético, isto é, acei-ta que toda a realidade se dá pelo movimento das situações e a negação delas. Nesse sentido, a própria história das sociedades se explica pela história da luta de classes: de opressores e oprimi-dos, senhores e servos e de burguesia e proletariado. Sendo assim, chega-se a uma certeza: seguindo a lei da dialética, a burguesia gera sua negação em seu seio, o proletariado, e, assim, não há outra possibilidade a não ser o momento em que o proletariado assumirá o poder; é o advento do Comunismo e a certeza da supe-ração da desigualdade entre os homens.

Por fim, vimos que o Socialismo teve início com o surgimen-to do chamado Socialismo utópico francês. Esse movimento foi denominado de "utópico" porque a sua proposta de sociedade as-semelha à proposta da obra Utopia, de Tomas Morus, além de que os autores dessa corrente estabelecem os parâmetros e princípios de uma sociedade ideal sem indicarem os caminhos ou meios para se chegar nela.

As propostas desse movimento utópico apresentam as ca-racterísticas comuns a todo Socialismo, a saber: buscar a partici-pação de todas as pessoas para que se consiga a transformação

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da sociedade, trazendo melhorias para as condições de vida com mais qualidade (moradia, trabalho, educação etc.). Seus princi-pais representantes são Saint-Simon (1760 -1825), François Marie Charles Fourrier (1772 – 1837) e Pierre-Joseph Proudhon (1809 – 1865).

As propostas desse movimento, tais como, a crença de que o futuro está nas mãos dos trabalhadores (Saint-Simon), a criação de sociedade harmoniosa vivendo em comunidades como os falans-térios (Fourrier) e proposta de que a justiça e o respeito devem existir entre todas as pessoas, em qualquer situação (Proudhon), foram amplamente aceitas por vários autores e movimentos pos-teriores, dando origem a outras correntes, grupos e partidos revo-lucionários que foram muito influentes e que contribuíram para mudar os rumos das reflexões políticas e filosóficas nos anos se-guintes. É o que estudaremos na próxima disciplina de História da Filosofia!

9. e-ReFeRÊnCiAS

Lista de figurasFigura 1 David Strauss. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/9/91/david_Friedrich_Strauss.gif>. Acesso em: 28 maio 2012.Figura 2 Bruno Bauer. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/b/bauer-b.htm>. Acesso em: 28 maio 2012.Figura 3 Arnold Ruge. Disponível em: <http://www.marxists.org/archive/marx/works/1842/letters/index.htm>. Acesso em: 28 maio 2012.Figura 4 Ludwig Andreas von Feuerbach. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/f/f6/Feuerbach_Ludwig.jpg>. Acesso em: 28 maio 2012.Figura 5 Karl Marx. Disponível em: <http://static.newworldencyclopedia.org/f/f9/kmarx.jpg>. Acesso em: 28 maio 2012. Figura 6 Saint-Simon. Disponível em: <http://www.kingsacademy.com/mhodges/09_Biography/09b_Thinkers/19th-cen2.htm#saint-simon>. Acesso em: 28 maio 2012.Figura 7 Fourier. Disponível em: <http://ecalculo.if.usp.br/historia/fourier.htm>. Acesso em: 28 maio 2012.Figura 8 Proudhon. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/p/proudhon.htm>. Acesso em: 28 maio 2012.

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10. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUI, M. O que é ideologia. 12. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. FEUERBACH, L. A essência do cristianismo. Campinas: Papirus, 1988. ______. Preleções sobre a essência da religião. Campinas: Papirus, 1989. MARX, k. Manuscritos econômicos e filosóficos. In: FROMM, E. Conceito marxista de homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.______. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989.______. Manifesto do partido comunista. Petrópolis: Vozes, 1996.______. Para a crítica da economia política; Do capital; O rendimento e suas fontes. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).REALE, G; ANTISERI, D. História da filosofia: do Romantismo até os nossos dias. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1991. v. 3.SCIACCA, M. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1968.