cpr - cédula de produto rural

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CPR - Cédula de Produto Rural - Gustavo Ribeiro Rocha

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  • FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Programa de Ps-Graduao em Direito

    CDULA DE PRODUTO RURAL

    Gustavo Ribeiro Rocha

    Nova Lima 2008

  • 2

    GUSTAVO RIBEIRO ROCHA

    CDULA DE PRODUTO RURAL

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Direito Empresarial, da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito.

    Orientador: Prof. Dr. Wille Duarte Costa

    Nova Lima 2008

  • 3

    Gustavo Ribeiro Rocha Cdula de Produto Rural

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Direito, da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito. Nova Lima, 2008.

    Prof.

    Prof.

    Prof.

  • 4

    Aos meus pais, pela orientao na caminhada da vida, pelo exemplo de luta e apoio incondicional.

    Anita, leal esposa que, pacientemente, compreendeu as horas dedicadas a esse estudo, durante nosso noivado e logo nos primeiros meses de nosso casamento, estimulando-me com palavras e gestos de carinho.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Ao Professor Wille Duarte Costa, pela valiosa orientao.

    A todos que colaboraram, das mais variadas formas, para a realizao do presente trabalho.

  • 6

    A livre exposio das idias sinal inconfundvel de progresso e civilizao, quando tendam para o bem e constituem um sustentculo para a soluo dos problemas ou para o aperfeioamento das leis e das normas vigentes na sociedade.

    Carlos Bernardo Gonzlez Pecotche - Raumsol

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    RESUMO

    Na presente dissertao realizou-se um estudo detido acerca da Cdula de Produto Rural, importante instrumento para o financiamento do setor produtivo primrio brasileiro. Tem-se como objetivo analisar esse ttulo de crdito, considerando a evoluo de nosso ordenamento jurdico, as mudanas do Direito Comercial, desde a teoria dos atos de comrcio at a teoria da empresa, o entendimento dos tribunais ptrios, bem como a doutrina sobre a questo. A pesquisa investigou a feio cambiria da Cdula de Produto Rural, diferenciando-a dos contratos e dos demais ttulos rurais, e as conseqncias da advindas, alm da anlise das particularidades desta Cdula, especialmente no tocante s garantias, forma de circulao e de cobrana. O resultado do trabalho demonstra o grande potencial da Cdula de Produto Rural e a necessidade de um melhor entendimento sobre o tema, para que a Cdula cumpra os objetivos almejados pelo legislador, contribuindo para o fortalecimento do agronegcio no Pas.

    Palavras-chave: Cdula de Produto Rural; Agronegcio; Produtor Rural.

    ABSTRACT

    This dissertation presents a detailed study that was carried out about the Rural Product Note, which is an important financing device used by the primary productive sector of Brazil. The goal of the study was to analyse this new kind of bond in view of the evolution of the Brazilian legal system, considering the changes in Commercial Law, from the theory of commerce acts to the enterprise theory, as well as the understanding of the countrys courts and the doctrine regarding this issue. The research has investigated the exchange aspect of the Rural Product Note, distinguishing it from contracts and other kinds of rural securities, and also analysing the particularities of this Note, especially in what regards the guarantees, and the methods of circulation and charging. The results of this work demonstrate the potential of the Rural Product Note and the need for a better understanding of the issue, so that the Note may fulfil the goals intended by lawmakers, contributing to strengthen agribusiness in Brazil.

    Keywords: Rural Product Note; Agribusiness; rural producer.

  • 8

    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 MODELO DE CDULA DE PRODUTO RURAL, 67

    FIGURA 2 ORGANOGRAMA SOBRE ENDOSSO-CAUO, 92

    FIGURA 3 ORGANOGRAMA SOBRE INTERVENIENTES, 109

    FIGURA 4 ORGANOGRAMA SOBRE CPR VENCIDA E NO PROTESTADA, 109

    FIGURA 5 ORGANOGRAMA SOBRE CPR VENCIDA E NO PROTESTADA, 110

    FIGURA 6 ORGANOGRAMA SOBRE DIREITOS CAMBIRIOS, 112

  • 9

    LISTA DE ABREVIATURAS

    ADCOAS Boletim de Jurisprudncia da ADCOAS AI Agravo de Instrumento Ap. Cv. Apelao Cvel Ap. Crim. Apelao Criminal Art. Artigo Atual. Atualizada BACEN Banco Central BM&F Bolsa de Mercadorias e Futuro Cm. Cv. Cmara Cvel Cm. Esp. Cv. Cmara Especial Cvel CC Cdigo Civil CCom. Cdigo Comercial CETIP Cmara de Custdia e Liquidao CMN Conselho Monetrio Nacional CPR Cdula de Produto Rural CP Cdigo Penal CPC Cdigo de Processo Civil CR/88 Constituio da Repblica de 1988 CVM Comisso de Valores Mobilirios D. Decreto Ds. Desembargador Ds. Desembargadora DJ Dirio da Justia DJU Dirio da Justia da Unio DL Decreto-lei E. Decl. Embargos de declarao j. Julgamento L. Lei LUG Lei Uniforme de Genebra Min. Ministro Prof. Professor RDM Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro rel. Relator Resp Recurso Especial RExt Recurso Extraordinrio Rev. Revista STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justia Sm. Smula T. Turma TAMG Tribunal de Alada de Minas Gerais TAPR Tribunal de Alada do Paran T.Crim. Turma Criminal TJGO Tribunal de Justia de Gois TJMG Tribunal de Justia de Minas Gerais TJMS Tribunal de Justia do Mato Grosso do Sul TJMT Tribunal de Justia do Mato Grosso TJPR Tribunal de Justia do Paran TJRS Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul Trad. Traduo UFMG Universidade Federal de Minas Gerais v.g. verbi gratia

  • 10

    SUMRIO

    RESUMO, 7 LISTA DE FIGURAS, 8 LISTA DE ABREVIATURAS, 9

    INTRODUO, 11

    1 DA CDULA DE PRODUTO RURAL, 13 1.1 Da Natureza da Cdula de Produto Rural, 15

    1.1.1 Dos Princpios dos Contratos - Breve Recordao, 16 1.1.2 Das Normas Gerais de Direito Cambial - Breve Recordao, 17 1.1.3 Natureza Civil x Natureza Cambiria, 20

    1.2 Dos Requisitos da Cdula de Produto Rural, 39

    2 DOS BENS VINCULADOS EM GARANTIA, 54 2.1 Hipoteca, 56 2.2 Penhor, 57 2.3 Alienao Fiduciria, 64

    3 MODELO DE CDULA DE PRODUTO RURAL, 67

    4 DA CDULA DE PRODUTO RURAL FINANCEIRA, 71

    5 DIREITOS E DEVERES DECORRENTES DA CPR, 74 5.1 Da Evico, 74 5.2 Do Caso Fortuito e da Fora Maior, 75 5.3 Do Registro da CPR perante o Cartrio de Registro de Imveis, 77 5.4 Da Entrega Antecipada do Produto Rural, 78 5.5 Do Pagamento Parcial da CPR, 79

    6 PARTICULARIDADES DA CDULA DE PRODUTO RURAL, 81 6.1 Quanto ao Endosso, 81 6.2 Quanto aos Endossantes, 94 6.3 Quanto Dispensa do Protesto em Face dos Avalistas, 103

    7 DO VENCIMENTO E PAGAMENTO DA CDULA DE PRODUTO RURAL, 113 7.1 Da Ao Cambiria, 117

    8 DO PEDIDO DE FALNCIA FUNDADO EM CDULA DE PRODUTO RURAL, 124

    9 DA NEGOCIAO DA CDULA DE PRODUTO RURAL NA BOLSA DE VALORES E NO MERCADO DE BALCO, 127

    CONCLUSO, 132 REFERNCIAS, 134

  • 11

    INTRODUO

    O Brasil um Pas de grande extenso territorial, e tem grande parcela de sua economia voltada ao setor produtivo primrio, o que causa uma situao de dependncia recproca entre o Pas e o sucesso de sua agricultura e pecuria.

    Desde o sculo passado, a crise financeira que afetou o Estado no lhe tem permitido apoiar e financiar adequadamente aquele setor, importante para o crescimento nacional, apesar da institucionalizao do crdito rural pela Lei n. 4.829, de 5 de novembro de 1965, que tinha por escopo o desenvolvimento da produo rural e o bem-estar do povo brasileiro.

    Com esse quadro adverso, no s ao produtor rural, mas tambm a outros setores, o Estado desenvolveu novas formas de cumprimento do seu papel na economia, tais como privatizaes e reduo de gastos pblicos, o que repercutiu intensamente sobre a agropecuria, deixando os produtores rurais, em muitos momentos, em situao calamitosa e beira do abandono. O Estado j no tinha condies de manter o crdito como em anos anteriores, menos ainda de estimular investimentos rurais, favorecer o custeio oportuno e adequado da produo, sua comercializao, o que, se existisse, ensejaria o fortalecimento econmico dos produtores rurais, do pequeno ao grande produtor.

    Visando alterao desse quadro e, face reduo dos sistemas oficiais de financiamento, a esperana foi depositada no setor privado, com a criao de um ttulo especfico, que no busca os recursos em um fundo de crdito oficial.

    Trata-se da Cdula de Produto Rural (CPR), regulada pela Lei n. 8.929/94, criada com o objetivo de minimizar as dificuldades do produtor rural no mercado e simplificar o agronegcio, tendo-se destacado por sua grande aceitao, como um instrumento que atende muito bem s necessidades de gerenciamento de risco no setor agrcola, revelando seu grande potencial.

    Isso, porque foi criada como forma de o produtor rural, com menores custos, ter acesso aos recursos do mercado. E, em aproximadamente quinze anos de existncia, destacou-se por sua descomplicada negociao e aquisio, tornando-se

  • 12

    uma excelente ferramenta na poltica agrcola, por facilitar, v.g., as compras antecipadas das safras.

    Mas, a CPR se presta a muito mais, sendo utilizada por produtores de pequeno, mdio e grande porte, e em diversas modalidades.

    Em 2004, com dez anos de existncia da CPR, estimava-se que ela movimentasse 15 (quinze) bilhes de reais1 a cada safra. Muito desse sucesso se deve participao de vrias instituies financeiras como avalistas na CPR.

    Nesse cenrio, nota-se que a compra e venda de produtos agropecurios indica, freqentemente, a idia empresarial, pressupondo a figura do empresrio.

    O Prof. WILLE DUARTE COSTA expe muito bem essa evoluo:

    Hoje, deixando de lado o ponto de vista de que s a terra produz, sabe-se que um s fazendeiro capaz de produzir e negociar toneladas de gros, ele prprio, com ou sem a interferncia de terceiros. A criao de gado desenvolveu-se espantosamente, sendo comum encontrar-se homens do campo capazes de criar milhares de cabeas de gado, diversificando e aprimorando raas, como nunca antes foi visto. Aves como a galinha, a codorna, a perdiz, o faiso e outras so criadas em escala industrial, abatidas, e suas carnes so fornecidas diretamente para consumo em restaurantes sofisticados.2

    Tal mudana tem levado, cada vez mais, ao aumento das somas envolvidas, especializao da mo-de-obra no campo, que, indubitavelmente, exprimem o carter empresarial produo rural em larga escala.

    RUY DE SOUZA expe que ao se focar o Direito das Empresas, muito mais abrangente do que o antigo Direito Comercial, no h como se expulsar a atividade agrcola ou a pecuria do campo desse novo Direito.3

    Por tudo isso, mister um estudo, tanto quanto possvel, minucioso dessa Cdula. Essa a proposta deste trabalho.

    1 CONCEIO, Ricardo Alves. BB CPR Marco de sucesso do agronegcio brasileiro. Disponvel em:

    . Acesso em 2/11/2004. 2 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural.

    Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 34. 3 SOUZA, Ruy de. Direito das Empresas Atualizao do Direito Comercial. Belo Horizonte: Bernardo

    lvares, 1959, p. 252 apud COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 34.

  • 13

    1 DA CDULA DE PRODUTO RURAL

    A CPR uma cdula diferente das demais. Trata-se de um documento emitido pelo produtor rural ou por suas associaes, includas as cooperativas, e corresponde a uma promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituda.

    Assim, a prpria cdula, ao ser emitida, especifica os bens oferecidos em garantia, dispensando-se a constituio da garantia por documento separado, como usualmente ocorre com os direitos reais de garantia. Por isso, a meno s garantias cedularmente constitudas, significando que na prpria CPR esto mencionadas as garantias para o cumprimento da obrigao.

    Sua principal funo o recebimento imediato de seu valor, que implica na utilizao daquela prestao futura para a realizao negcios atuais. Por meio da CPR, o produtor rural tem condies de captar recursos de forma clere, atravs da venda antecipada de determinado produto, a fim de obter recursos financeiros, o que estimula o crescimento do setor produtivo primrio brasileiro.

    Trata-se de um ttulo lqido e certo, exigvel pela quantidade e qualidade de produto nele previsto, regulado pela Lei n. 8.929, de 22 de agosto de 1994.

    Por englobar uma promessa de entrega de produtos rurais, PAIVA PEREIRA4 alerta que a CPR no ttulo hbil a sustentar uma compra e venda de insumos agrcolas, ou de mquinas voltadas agricultura, sustentando apenas e to-somente a promessa de entrega de produtos rurais, podendo ser acompanhada de garantia nesse sentido.

    Essa garantia deve ser de cunho real, significando ser perfeitamente possvel pactuar-se uma garantia real de que o produto descrito na CPR ser efetivamente transferido ao credor, conforme disposto no art. 1 da Lei5.

    FRONTINI assim conceitua a CPR:

    4 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentrios Lei de Cdula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juru, 2003,

    p.16. 5 L. n. 8.929/94, art. 1: Fica instituda a Cdula de Produto Rural CPR, representativa de promessa de

    entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituda.

  • 14

    De fato, o ponto mais significativo da cdula de produto rural est na circunstncia de que, ao cri-la, o emitente formula promessa pura e simples de entregar o produto nela mencionado no local combinado e nas condies de entrega estabelecidas, dentro das especificaes de quantidade e qualidade tambm indicadas no ttulo. Na verdade a Cdula de Produto Rural CPR ttulo representativo da promessa de entregar, em data futura (ou seja, no vencimento da crtula), o produto rural indicado, na quantidade e qualidade especificadas.6

    V-se, portanto, que a CPR representa um compromisso de entregar uma mercadoria, existente ou no ao tempo da conformao do compromisso, a partir da cultura a que se dedica o produtor rural. Essa operao se identifica com a venda futura, com pagamento antecipado, em que o valor adiantado ao produtor rural, que se compromete a entregar a mercadoria que produzir.

    Dessa maneira, no se trata, originariamente, de uma promessa de pagamento em dinheiro. A CPR no constitui um documento de dvida a ser pago mediante a entrega de certa quantia em pecnia. Ao contrrio, representa obrigao de entregar o produto rural, objeto da obrigao, na quantidade e qualidade indicadas. Por isso, sua cobrana se d por meio de ao de execuo para entrega de coisa incerta, conforme dispe o art. 15 da Lei7, cumulado com os arts. 629 a 631, do Cdigo de Processo Civil.

    Por esse fato, a CPR se diferencia da Nota Promissria Rural (DL. n. 167, art. 42)8, pois esta uma promessa de pagamento em dinheiro. No se pode confundi-las, portanto.

    possvel perceber, j no limiar deste trabalho, que a CPR se diferencia das demais cdulas de crdito, por representar, justamente, a promessa de entrega de

    6 FRONTINI, Paulo Salvador apud RIZZARDO, Arnaldo. Cdula de produto rural, in RDM 99/122.

    Contratos de Crdito Bancrio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 6. ed., 2003, p. 242. 7 L. n. 8.929/94, art. 15: Para a cobrana da CPR, cabe a ao de execuo para entrega de coisa

    incerta. 8 DL n. 167/67, art 42: Nas vendas a prazo de bens de natureza agrcola, extrativa ou pastoril, quando

    efetuadas diretamente por produtores rurais ou por suas cooperativas; nos recebimentos, pelas cooperativas, de produtos da mesma natureza entregues pelos seus cooperados, e nas entregas de bens de produo ou de consumo, feitas pelas cooperativas aos seus associados poder ser utilizada, como ttulo de crdito, a nota promissria rural, nos trmos deste Decreto-lei. Pargrafo nico. A nota promissria rural emitida pelas cooperativas a favor de seus cooperados, ao receberem produtos entregues por stes, constitui promessa de pagamento representativa de adiantamento por conta do preo dos produtos recebidos para venda (sic).

  • 15

    produtos rurais e, no, uma promessa de pagamento em dinheiro, v.g., a Cdula de Crdito Rural9.

    Isso foi regra at o incio de 2001. Com o advento da Lei n. 10.200, de 14 de fevereiro de 2001, que alterou a Lei n. 8.929/94, tornou-se possvel a liqidao da CPR em moeda corrente, com a criao da chamada CPR Financeira. Seu funcionamento similar ao da CPR criada em 1994, mas diferencia-se substancialmente desta no momento de sua liqidao, pois, no vencimento, no se dar a entrega de nenhum produto, mas, sim, a do valor equivalente, em dinheiro.

    Dessa forma, no caso da CPR Financeira, devem nela constar, necessariamente, o preo, ou os referenciais eleitos para seu estabelecimento, ou do ndice de preos a ser adotado na liqidao financeira. A criao dessa nova CPR facilitou o acesso de instituies financeiras s negociaes, que como tomadoras (credoras), tm participao mais ativa, cumprindo importante papel no financiamento da agricultura brasileira.

    Frise-se que se trata de um ttulo voltado ao financiamento de atividades rurais, que se utiliza de princpios dos ttulos de crdito em geral, acrescido de outras caractersticas que lhe do uma configurao prpria, como ser abordado no presente trabalho.

    9.1 Da Natureza da Cdula de Produto Rural

    Viu-se que a CPR um documento que tem por origem a compra e venda de produto rural, em que o preo pago imediatamente, mas a entrega do produto ocorre em data futura. Mas, como entender sua natureza?

    9 DL n. 167/67, art 9: A cdula de crdito rural promessa de pagamento em dinheiro, sem ou com

    garantia real cedularmente constituda, sob as seguintes denominaes e modalidades: Omissis.

  • 16

    A Lei n. 8.929/94 se omite, sem determinar a CPR como ttulo civil ou comercial, diferentemente da Cdula de Crdito Rural, nomeada crtula civil10.

    Sabe-se que a distino entre o carter civil e comercial de grande interesse, pois, caso seja considerado comercial, poder o ttulo se submeter s regras cambirias, especialmente no tocante solidariedade das pessoas que apem suas assinaturas no documento e s condies para execuo, como ensinado por RIPERT11.

    Em face dessa omisso, e, na busca do melhor entendimento sobre a CPR, imperiosa uma breve recordao das regras contratuais e das normas de direito cambial, para que seja possvel uma melhor e mais acurada compreenso do assunto.

    Afinal, conforme alerta de ASCARELLI, o direito incerto revela-se ineficaz, uma vez que perturba as relaes jurdicas12. Dessa forma, so valiosos e bem-vindos os esforos no sentido de torn-lo certo e eficaz.

    1.1.1 Dos Princpios dos Contratos - Breve Recordao

    Recordando-se, sinteticamente, a teoria contratual, cumpre notar o conceito de contrato, como sendo um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos.13, que obriga os contratantes e produz efeitos jurdicos.

    Tem-se a faculdade de contratar ou no; a escolha da pessoa com quem se vai contratar e o negcio que se quer; a fixao do contedo do contrato; a constituio de fonte formal de direito, com o escopo de garantir sua execuo, segundo a vontade das partes, que presidiu sua constituio.

    10 DL n. 167/67, art. 10: A cdula de crdito rural ttulo civil, lquido e certo, exigvel pela soma dela

    constante ou do endosso, alm dos juros, da comisso de fiscalizao, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurana, regularidade e realizao de seu direito creditrio. 11

    RIPERT, George. Tratado Elemental de Derecho Comercial. Vol. III, trad. Felipe de Sola Caizares, com colaborao de Pedro G. San Martin, Buenos Aires: Tipogrfica Editora Argentina, 1954, p. 252. 12

    ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943, p. 5. 13

    PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil. 10 ed., vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 2.

  • 17

    Os contratos devem respeitar certos requisitos, para que sejam eficazes, contemplando aspecto subjetivo, que se refere capacidade das partes, no se tratando, simplesmente, da capacidade genrica, mas da aptido para consentir; e aspectos objetivos, que envolvem a possibilidade de realizao, material e jurdica. Ressalta-se que a impossibilidade no significa inexistncia do objeto, vez que admissvel um contrato que verse sobre coisa futura, com o desfazimento do contrato em havendo a frustrao; liceidade, referente ao respeito ordem pblica e aos bons costumes; determinao, para que a obrigao do devedor tenha sobre que incidir, podendo a determinao ser posterior ao ajuste; e economicidade, uma vez que a prestao deve ser aprecivel economicamente.

    Alm disso, deve-se considerar os aspectos formais, apesar de o direito moderno no se prender demasiadamente na forma, que tida como exceo. Concede-se declarao de vontade o poder de gerar efeitos diretamente e de ligar os sujeitos juridicamente, como ensina CAIO MRIO DA SILVA PEREIRA14. Assim, salvo em determinadas situaes elencadas pela lei15, os contratos so celebrados pelo livre consentimento das partes, sem obedincia forma.

    A declarao originria do contrato pode emanar de diversas formas: explcita, expressa por escrito; ou at mesmo tacitamente, pelo silncio.

    Alm disso, aos contratos cabe a interpretao, buscando-se sempre qual ter sido a inteno comum das partes16. A hermenutica da vontade contratual subordina-se inteno das partes e ao sentido da linguagem.

    1.1.2 Das Normas Gerais de Direito Cambial - Breve Recordao

    14 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil. 10 ed., vol. III, Rio de Janeiro: Forense,

    1999, p. 17. 15

    Como exemplo de contratos que devem obedecer forma, tm-se os contratos translativos de direitos reais sobre imveis. 16

    CC, art. 423: Quando houver no contrato de adeso clusulas ambguas ou contraditrias, dever-se- adotar a interpretao mais favorvel ao aderente.

  • 18

    Para uma breve recordao do que um ttulo de crdito, boa de ver a seguinte conceituao de CARVALHO DE MENDONA:

    Se o credito ou o direito de credito assume frma material, transfundindo-se em um documento, certificante da sua existencia, este documento, redigido em frmulas simples, breves e claras, transfervel facilmente a terceiros, podendo se juntar ou subrogar outras pessoas ao primitivo credor ou ao primitivo devedor ou a ambos, e cercado de systema especial de garantias, denomina-se titulo de credito ou fiduciario. Elle no commercio maravilhoso instrumento de circulao, tendo-se irradiado pela vida civil.17 (sic)

    Os ttulos de crdito, na palavra do mestre JOO EUNPIO BORGES, constituem o instrumento mais perfeito e eficaz da mobilizao da riqueza e da circulao do crdito18, lembrando-se que, na noo de crdito, implcitos esto: a) a confiana no devedor e, tambm em garantias pessoais, como o aval, ou reais, como a hipoteca que, como ensina CARVALHO DE MENDONA, a me do crdito19; b) o tempo prazo que medeia a prestao atual e a futura. Operao de crdito , justamente, a operao por meio da qual uma pessoa realiza uma prestao atual, contra a promessa de uma prestao futura. Esse intervalo de tempo o elemento essencial do crdito.

    O crdito corresponde tanto confiana quanto ao tempo. a troca de uma prestao presente por uma futura. Atravs dos ttulos de crdito, o direito transpe o tempo, transportando bens distantes e materializando, no presente, possveis riquezas futuras20, no dizer de ASCARELLI.

    Os ttulos de crdito constituem, antes de tudo, um documento de legitimao em que se registra a obrigao futura a ser cumprida pelo devedor em favor do possuidor do ttulo, titular do direito. E, em funo disso, o direito se materializa no documento e, no, na pessoa possuidora do papel.

    17 MENDONA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas

    Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 457, p. 47. 18

    BORGES, Joo Eunpio. Ttulos de Crdito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 7. 19

    MENDONA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 458, p. 49. 20

    ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943, p. 3.

  • 19

    Segundo a clssica definio de VIVANTE, ttulo de crdito o documento necessrio para o exerccio do direito, literal e autnomo, nele mencionado21. o documento no qual se materializa, incorpora-se a promessa da prestao futura a ser realizada pelo devedor, em pagamento da prestao atual, realizada pelo credor.

    As disposies do Cdigo Civil de 200222 reproduzem essa clssica definio, apesar de ser tecnicamente inapropriado constar definies em lei, vez que isso deve ficar a cargo da doutrina e da jurisprudncia. Ademais, o legislador ptrio substituiu a palavra mencionado por contido, o que parece ter sido uma impropriedade, vez que tais palavras no so sinnimas. Conter23 significa encerrar em si, ao passo que mencionar24 significa fazer referncia a, expor. Por isso, entende-se que a palavra mencionado, tal como ensinado por VIVANTE, mais adequada definio. Afinal, o ttulo se refere ao direito, este est exposto no ttulo, est mencionado e, no, guardado, contido dentro do ttulo.

    Da definio de VIVANTE, pode-se extrair os elementos comuns aos ttulos de crditos: cartularidade (materializao do direito no documento, na crtula, de tal forma que o direito no poder ser exercido sem a exibio do documento), literalidade (a existncia do ttulo regulada por seu teor e somente o que nele est escrito que deve ser levado em considerao), e autonomia (o direito do legtimo possuidor do ttulo independente em relao aos possveis direitos dos possuidores anteriores. O possuidor exerce um direito prprio, no derivado do direito de quem quer que seja, e as diversas obrigaes existentes no ttulo so independentes, no se vinculando uma outra, de forma que uma obrigao nula no afeta as demais, vlidas).

    Com esses princpios, protege-se o crdito, possibilitando sua gil e segura circulao, favorecendo sobremaneira o desenvolvimento do comrcio.

    21 VIVANTE, Cesare apud MARTINS, Fran. Ttulos de Crdito. Vol. I, 13. ed., Rio de Janeiro: Forense,

    1998, p. 5. 22

    CC, art. 887: O ttulo de crdito, documento necessrio ao exerccio do direito literal e autnomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. 23

    FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Pequeno Dicionrio Brasileiro da Lngua Portuguesa. 11 ed., So Paulo: Civilizao Brasileira S/A, 1969, p. 319. 24

    FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Pequeno Dicionrio Brasileiro da Lngua Portuguesa. 11 ed., So Paulo: Civilizao Brasileira S/A, 1969, p. 796.

  • 20

    ASCARELLI25 explica que o ttulo de crdito tem como carter constante ser um documento escrito, submetido a condies de forma, que indique o devedor e sua assinatura, o credor e a maneira de circulao.

    Aps essa breve recordao sobre os elementos comuns aos ttulos de crdito, hora de voltar-se ateno CPR, importante criao legislativa, destinada ao setor produtivo primrio brasileiro. Nesse ponto, releva notar que esse documento tem particularidades e complexidades que requerem um exame detido, no se podendo analis-lo superficialmente, sob pena de no se ver a realidade, reforando o castelo de mitologias jurdicas da modernidade26.

    1.1.3 Natureza Civil x Natureza Cambiria

    H autores e juzes que entendem ter a CPR natureza civil, submetendo-se s normas do direito obrigacional comum e que, somente subsidiariamente, as normas cambirias devem ser aplicadas quela cdula.

    Parece que tal entendimento deriva da tradio, da estagnao do estudo sobre o tema, formando o mito jurdico de que o produtor rural no pode ser considerado comerciante.

    PAIVA PEREIRA27 afirma que a crtula no se caracteriza como um ttulo eminentemente comercial, acrescentando que, ainda que omissa a Lei no tocante a sua perfeita caracterizao como sendo de natureza civil, foroso reconhecer sua total adstrio a este campo do direito. Por fim, conclui que a CPR reger-se- pelas regras que norteiam a compra e venda civil, somente aplicando-se-lhe as normas de direito cambial como norma subsidiria.

    25 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Traduo Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva,

    1943, p. 29. 26

    GROSSI, Paolo. Mitologias Jurdicas da Modernidade. 2 ed., rev. e ampl., trad. Arno Dal Ri Jnior, Florianpolis: Boiteux, 2007, p. 14. 27

    PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentrios Lei de Cdula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juru, 2003, p. 83-84.

  • 21

    Apesar dessas opinies, que merecem todo respeito, parece ser diferente o entendimento mais preciso. Bem se sabe que a compra e venda civil que tem como objeto imediato a compra para uso e consumo do adquirente , difere da mercantil, em que o objeto a obteno de ganho, a partir da venda ou aluguel da coisa adquirida.

    Pode-se intuir que a CPR estar, se no sempre, em quase todos os casos, envolvida numa compra e venda mercantil, pois o produtor rural ter o intuito de produzir para vender, obtendo ganho.

    A CPR pode, dessa maneira, ser entendida como um ttulo de crdito imprprio, assemelhada aos ttulos representativos, v.g., o conhecimento de depsito e o warrant (D. n. 1.102/190328), que, apesar de no regulados inteiramente pelas regras cambirias, so considerados ttulos de crdito, regidos, portanto, pelas regras do direito cambirio, ou com os chamados ttulos de financiamento, v.g., Cdula e Nota de Crdito Rural (DL. n. 167/67), que no se enquadram perfeitamente no regime cambirio, por fora de algumas particularidades.

    No se pode dizer, outrossim, que o bem objeto do negcio e prometido entrega, no pode ser considerado oriundo de atividade comercial. Tendo-se em conta que a compra e venda de produtos agropecurios envolve, freqentemente e, cada vez mais, dois empresrios, fcil ser perceber que se trata de uma operao mercantil. Desde o vetusto Cdigo Comercial Brasileiro, de 1850, v-se que, havendo um comerciante na relao de compra e venda, esta era tida por mercantil29.

    BARBI FILHO explica que a venda mercantil aquela em que o vendedor comerciante regular e aliena com efeito comercial30. Vale dizer: trata-se de empresrio registrado e com escriturao contbil, que vende o bem profissionalmente, com o objetivo de lucro.

    28 D. n. 1.102, de 21 de novembro de 1903: Institui regras para o estabelecimento de empresas de

    armazns-gerais, determinando os direitos e obrigaes dessas empresas. 29

    CCom., art. 191, segunda parte: unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos mveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espcie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso [...] contanto que nas referidas transaes o comprador ou vendedor seja comerciante. 30

    BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juzo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 8.

  • 22

    E, como manifestado por PAIVA PEREIRA, assim como a duplicata mercantil est para o comerciante, a Cdula de Produto Rural est para o produtor rural, suas associaes e cooperativas31.

    Ademais, o fato de o objeto ser ou no considerado oriundo de atividade comercial no bice a que se entenda a CPR como um ttulo de crdito. Outros ttulos cambirios, como o cheque e a nota promissria, podem ter objeto no oriundo de atividade comercial, sem, por isso, perderem a sua natureza cambiria. Na verdade, a diferena entre a compra e venda mercantil e a civil est na delimitao dos direitos e obrigaes dos contratantes na execuo concursal, que variar conforme a situao apresentada seja de falncia ou de insolvncia.

    Mesmo que se fique adstrito idia contratual, as semelhanas entre os contratos comerciais e civis so maiores que suas diferenas, conforme ensina WALDEMAR FERREIRA32.

    Outro aspecto a ser considerado o fato de o conceito econmico de comrcio no se assemelhar ao jurdico. Atividades artesanais e imobilirias, v.g., embora promovam a circulao da riqueza e se compreendam no conceito econmico de comrcio, escapam ao conceito jurdico. Outras atividades escapam ao conceito econmico, tais como ttulos de crdito emitidos por no-comerciantes, para fins civis, mas que integram o conceito jurdico de comrcio, o que pode ser o caso, na pior das hipteses e, eventualmente, de uma CPR.

    Fazendo-se uma leitura superficial do art. 53, 8, da Lei n. 4.504/64, mais conhecida como Estatuto da Terra, que dispe que s empresas rurais, organizadas sob a forma de sociedade civil, pode-se precipitadamente concluir que a atividade rural no pode ser considerada empresria.

    Mas, desconsiderar a complexidade do tema e ignorar certas indagaes contemporneas pode induzir ao preconceito de que a atividade agrcola no pode ser considerada mercantil, mantendo-se preso ao passado histrico e tradio, ao mito jurdico que vem desde antes dos tempos dos romanos, conhecidos por terem averso aos comerciantes e por buscarem no Direito Civil a tutela para qualquer atividade.

    31 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentrios Lei de Cdula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juru,

    2003, p. 21. 32

    FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, So Paulo: Saraiva, 1962, p. 5.

  • 23

    Com a evoluo da agricultura de mera subsistncia para a de mercado, exige-se uma reviso de conceitos, um aprofundamento sobre o tema, a fim de se atualizar o Direito, que vai alm da norma legal, vez que o saber jurdico mais amplo que o saber dogmtico.33

    Muito j se debateu sobre a possibilidade de se considerar o produtor rural um comerciante. O Prof. WILLE DUARTE COSTA, com propriedade, alerta:

    O que no se pode negar que nos acostumamos a uma afirmao, desde os tempos dos bancos escolares, de que a atividade agrcola est excluda do Direito Comercial34.

    Sendo atividade econmica, dirigida para a economia de mercado, a comercialidade da empresa rural desponta, a ela se aplicando as regras do direito comercial, pouco importando tratar-se de pessoa fsica ou jurdica seu titular. Em verdade, no pode ser de outra forma o entendimento, j que sua estrutura pouco ou nada difere das demais empresas, sendo certo que todos os demais elementos so a ela atribudos35.

    E, com o advento do Cdigo Civil de 2002, o produtor rural pode inscrever-se no Registro Pblico de Empresas Mercantis, sendo declarado empresrio para todos os fins de Direito. O Prof. JOS MARIA ROCHA FILHO explica que, ao produtor rural, pessoa fsica ou jurdica, foi aberta a possibilidade de ele se tornar empresrio ou sociedade empresria (Lei n. 10.406, arts. 971 e 984). Qual deles no aproveitar a oportunidade?36

    Essa deve ser a opo natural do agronegcio, que investe na utilizao de tecnologia avanada, que contrata mo-de-obra assalariada, que possui grandes reas de cultivo e especializao de culturas, que recorre ao crdito organizado, atravs, v.g., de uma CPR.

    33 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 5 ed., rev. e ampl., So Paulo: Atlas, p.

    83. 34

    COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 15. 35

    COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 174. 36

    ROCHA FILHO, Jos Maria. Curso de Direito Comercial, Parte Geral. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 34.

  • 24

    O Prof. WILLE DUARTE COSTA 37 pondera que, ao se ter em mente que o conceito de comerciante no se limita intermediao, estendendo-se a outras atividades, possvel a incluso da agropecuria entre as atividades mercantis, especialmente no que toca ao produtor rural que habitualmente aplica expressivo capital na produo de grandes quantidades, de acordo com as necessidades e exigncias do mercado, excetuando-se apenas a atividade exercida como forma de lazer, descanso mental ou subsistncia prpria.

    Impedir tal opo tolher o produtor rural da sua recuperao, judicial ou extrajudicial, ou da decretao de sua falncia. manter-se inerte, frente evoluo do Direito, estagnando-se em conceitos ultrapassados.

    Brilhantemente, o Prof. WILLE DUARTE COSTA critica os que ainda mantm o entendimento de autores do passado, que sua poca, no tinham meios de prever a evoluo da atividade rural at os atuais tempos do chamado agronegcio:

    Nos casos da atividade agropecuria, o titular pratica tambm atos em massa, com habitualidade, visando o mercado, para manuteno e crescimento de seu negcio. ele quem produz, e no a terra, pois desta apenas se serve, como instrumento, para atingir seus fins. A produo pode chegar a ser extraordinria, com grande influncia no mercado. Dessa forma, s a tradio pode explicar a excluso de tal atividade do conceito de comerciante gnero.38

    preciso superar a inrcia mental, os dogmas, as certezas absolutas, prtica que leva s chamadas mitologias jurdicas da modernidade39. Aos que se prendem idia de que quem produz a terra, considerando que, na atividade agropecuria, no h intermediao, indaga-se: no existem atividades mercantis sem intermediao? Ademais, como manter tal posio, ao se evidenciar que o produtor rural busca emprstimos, insumos para desenvolver sua atividade com profissionalismo, plantando extensas culturas ou criando milhares de semoventes, para entrega ao consumo, intermediando como qualquer outro empresrio?

    37 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural.

    Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 52 e 81. 38

    COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 88. 39

    GROSSI, Paolo. Mitologias Jurdicas da Modernidade. 2 ed., rev. e ampl., trad. Arno Dal Ri Jnior, Florianpolis: Boiteux, 2007, p. 14.

  • 25

    O Cdigo Comercial Alemo (HGB), de 1897, j dispunha sobre a faculdade concedida ao produtor rural de optar, em certos casos, pela qualidade de comerciante. Conforme art. 1, desse diploma, agricultores e silvicultores no eram entendidos como comerciantes, salvo se exercessem uma atividade acessria, respeitando-se alguns requisitos, abrindo a opo do registro facultativo. Explica GIERKE:

    Se se preencheu os mencionados requisitos, o agricultor ou silvicultor est facultado, mas no obrigado, a inscrever sua empresa no Registro do Comrcio, adquirindo assim a qualidade de comerciante para a atividade acessria. Por isso, ele denominado comerciante facultativo (Kannkaufmann).40 (Traduo nossa).

    Por esse raciocnio, o simples produtor de uva no ser considerado comerciante, mas, se tambm possuir uma fbrica de vinhos, essa segunda atividade, acessria, possibilitaria a inscrio do produtor perante o Registro do Comrcio, adquirindo-se a qualidade de comerciante a partir da inscrio.

    V-se a a utilizao da chamada teoria do ato acessrio, que no pacifica a questo da caracterizao do empresrio.

    Em grande parte por influncia do Cdigo Civil Francs, de 1807, e Espanhol, de 1829, em nossos vizinhos sul-americanos (Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile), v-se certa dificuldade na caracterizao do produtor rural como empresrio. Os uruguaios e paraguaios tm sua legislao sobre o tema bastante semelhante ao Cdigo Comercial Argentino, que dispe que no so consideradas mercantis as vendas dos frutos de colheitas e gados de seus agricultores e fazendeiros 41. No Chile, o legislador procura afastar a comercialidade do produtor rural, por critrios polticos e, no, cientficos.

    Contudo, segundo a doutrina e jurisprudncia de nossos vizinhos argentinos, se a produo rural agrcola e pecuria , for de considervel tamanho e

    40 Si se han llenado los mencionados requisitos, el agricultor o silvicultor est facultado, pero no

    obligado, a inscribir su empresa (firma) en el Registro de Comercio, adquiriendo as la cualidad de comerciante para la actividad accesoria. Por ello, se le denomina comerciante facultativo. GIERKE, Julius von. Derecho Comercial y de la Navegacin. Trad. Juan M. Semon. Buenos Aires: Tipogrfica Editora Argentina S/A, 1957, p. 81. 41

    Cdigo Comercial argentino, art. 452, 3: las ventas que hacen los labradores y hacendados de los frutos de sus cosechas y ganados. In: COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais.

  • 26

    especializao, com organizao do capital e do trabalho, no intuito de atender s necessidades do mercado, essa deve ser elencada no rol das atividades empresrias. Nada mais lgico, pois o capital, o trabalho e a organizao resumem os elementos do chamado estabelecimento comercial42.

    De maneira mais clara, a Legislao Mexicana conceitua o comrcio de forma aproximada ao conceito econmico, considerando-se mercantil a venda, pelo proprietrio ou agricultor, dos produtos de sua propriedade rural ou de seu cultivo, a demonstrar que o legislador mexicano, considerando a experincia de outros povos, corretamente reviu a classificao das atividades rurais, exaltando, com isso, sua comercialidade. O Prof. WILLE DUARTE COSTA explica que para o legislador mexicano, a figura da intermediao na atividade agrcola ficou ultrapassada, o que demonstra no ser ela importante para configurao do produtor rural.43

    Analisando-se o contexto social, v-se que a intensa evoluo humana no campo material e tecnolgico desatualizou os Cdigos em todo o mundo, o que exigiu a criao de leis complementares, por ser a grande maioria dos Cdigos datada do sculo XIX, momento de nossa histria em que no se verificavam grandes desenvolvimentos no comrcio e na indstria, como ocorre nas ltimas dcadas, especialmente na questo rural.

    Ainda sobre a feio empresarial do produtor rural, RACHEL SZTAJN explica:

    Atividades agrcolas ou rurais, aqui englobadas tanto a plantao e/ou extrao agrcola, quanto a criao de animais, tradicionalmente so consideradas no mercantis em virtude da estreita ligao com a propriedade imobiliria. Essa concepo vem sendo posta em cheque por vrias razes. De um lado a importncia da propriedade imobiliria rural como representao da riqueza se esmaece diante da explorao econmica das reas rurais em que a produtividade tem grande importncia (a funo social da propriedade aparece, nesse aspecto, como elemento fundante de ordens de desapropriao); de outro lado, a crescente integrao de procedimentos de transformao da produo agrcola s unidades rurais, a fim de agregar valor aos produtos, com

    42 ROCHA FILHO, Jos Maria. Curso de Direito Comercial, Parte Geral. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

    2004, p. 211. 43

    COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 251.

  • 27

    reflexos na organizao econmica da atividade, torna mais tnue a distino entre produtor rural e empresrio.44

    Do disposto nos arts. 966, caput, e 967, ambos do Cdigo Civil de 200245, considera-se empresrio quem exerce atividade econmica organizada para a produo ou a circulao de bens ou de servios, de forma profissional, e que tenha registro prvio perante a Junta Comercial.

    So trs os requisitos: atividade econmica organizada para a produo ou a circulao de bens ou de servios; profissionalidade; registro prvio.

    No aspecto subjetivo de quem exerce a empresa, tal como traado pelo art. 2.082, do Cdigo Civil Italiano46, percebe-se que, freqentemente, o produtor rural exerce sua atividade profissionalmente, assumindo os riscos da empresa, dedicando a ela todo o tempo necessrio para que obtenha o mximo de resultado, buscando maior produtividade. No se trata de produo ocasional e/ou para consumo prprio.

    Amide, o produtor exerce sua atividade rural, destinada produo e circulao de bens, de forma organizada, tcnica e economicamente, com empregados contratados por tempo indeterminado, outros contratados sazonalmente, ou at mesmo tendo familiares inseridos na atividade. Isso, sem se olvidar o concurso de contadores, para os registros e formalidades, que, com aqueles outros, formam um ncleo organizado, unindo os objetivos individuais do produtor rural e os de seus colaboradores.

    Considerando-se a enorme influncia do Cdigo Italiano de 1942 em nossa atual legislao, vale recordar o que ensina o Prof. WILLE DUARTE COSTA: na Itlia, o empresrio agrcola empresrio como os demais, com a diferena de que a ele no

    44 SZTAJN, Rachel. Teoria Jurdica da Empresa: atividade empresria e mercados. So Paulo: Atlas,

    2004, p. 24. 45

    CC, art. 966: Considera-se empresrio quem exerce profissionalmente atividade econmica organizada para a produo ou circulao de bens ou servios. Art. 967: obrigatria a inscrio do empresrio no Registro Pblico de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do incio de sua atividade. 46

    Cdigo Civil italiano, art. 2.082: E imprenditore chi esercita professionalmente un attivit economica organizzata (2555, 2565) al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi (2135, 2195). In: COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994.

  • 28

    se impe a inscrio no Registro de Empresas, salvo se se tratar de sociedade mercantil.47

    Conclui-se que o que qualifica uma pessoa, natural ou jurdica, como empresria, a natureza de sua atividade. Por isso, realmente cada vez mais tnue a diferena entre o produtor rural e o empresrio.

    Outro ponto a ser considerado pertine ao registro. Nos primrdios do Direito Comercial, o exerccio da mercancia dependia da prtica de atos de comrcio e do registro na corporao de ofcio.

    Posteriormente, a Legislao Francesa suprimiu o registro corporativo, ao adotar o critrio objetivo para identificao do comerciante. Com o Cdigo Napolenico, que adotou o conceito objetivista, da teoria dos atos de comrcio, todos os cidados estavam sujeitos a ele, reafirmando o conceito de igualdade perante a Lei, da Revoluo Francesa.

    No Brasil, desde 1808 vem sendo regulamentado o registro do comrcio, que teve incio com o ato de D. Joo VI, que criou o Tribunal da Real Junta do Comrcio, Agricultura, Fbrica e Navegao do Estado do Brasil e Domnios Ultramarinos, sendo sucedido pelos Decretos ns. 2.672 de 1875, e 6.384, de 1876, bem como o Decreto n. 916, de 1890, Lei n. 4.726, de 1965, Lei n. 8.934, de 1994 e o nosso atual Cdigo Civil.

    Nos termos da Lei n. 8.934/94, o registro tem por escopo dar garantia, publicidade, autenticidade, segurana e eficcia aos atos jurdicos dos empresrios, mantendo atualizadas suas informaes pertinentes.

    A partir do registro, a pessoa passa a gozar das prerrogativas prprias do empresrio, devendo ser implementado antes do incio da atividade, como dispe o art. 967, j transcrito.

    Caso a pessoa no proceda ao registro, no haver nenhuma sano especfica a ser-lhe imposta, mas esta arcar com restries legais tais como impedimento ao requerimento de falncia de outrem ou sua prpria recuperao judicial, confuso entre a pessoa do scio com a da sociedade , e ter a pecha de irregular.

    47 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural.

    Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 261.

  • 29

    Ao tempo do vetusto Cdigo Civil Brasileiro, de 1916, o Mestre JOO EUNPIO BORGES48 j ensinava que o registro era teoricamente facultativo, mas praticamente obrigatrio.

    Veja-se o que dispem os arts. 971 e o 984, caput, do Cdigo Civil brasileiro, in verbis:

    Art. 971. O empresrio, cuja atividade rural constitua sua principal profisso, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus pargrafos, requerer inscrio no Registro Pblico de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficar equiparado, para todos os efeitos, ao empresrio sujeito a registro.

    Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exerccio de atividade prpria de empresrio rural e seja constituda, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresria, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrio no Registro Pblico de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficar equiparada, para todos os efeitos, sociedade empresria.

    Por sua redao, o produtor rural ou pode ser considerado empresrio, mesmo sem o registro na Junta Comercial. Afinal, j tido pelo legislador como empresrio, como pessoa que exerce atividade empresria, mesmo sem registro prprio, como se infere da leitura do art. 971.

    O Cdigo Comercial Brasileiro, de 1850, estabelecia que o registro do comerciante era facultativo, e sua falta implicava em restries ao pleno exerccio de prerrogativas do comerciante regular. Isso demonstra, pois, que no era o registro que conferia o status de comerciante a algum, vez que era entendido por comerciante aquele que habitualmente praticasse atos de comrcio.

    Com isso em mente, conclui-se que o registro, alm de facultativo, apenas declarava a condio de comerciante. O Prof. WILLE DUARTE COSTA taxativo ao ensinar que o registro no constitutivo de direito entre ns e, quando muito, pode servir como princpio de prova da qualidade de comerciante.49

    A partir do Cdigo Civil de 2002, voltou-se idia do registro obrigatrio, como nos tempos das corporaes de ofcio, mas sem prever sanes diretas sua

    48 BORGES, Joo Eunpio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 5 ed., 4 tiragem, Rio de Janeiro:

    Forense, 1991, p. 174. 49

    COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicao do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 71.

  • 30

    ausncia, permanecendo a postura de obstculos a prerrogativas conferidas aos empresrios regularmente registrados.

    No obstante, apesar de obrigatrio o registro, quanto aos efeitos nada foi mudado, permanecendo este to somente declaratrio50 da condio de empresrio. Por isso, sem o registro, a pessoa atuar margem da Lei.

    Ainda sobre os efeitos desse registro, assim pondera o Prof. JOS MARIA ROCHA FILHO:

    O registro na Junta Comercial, embora obrigatrio (Lei n. 10.406, art. 967), no constitutivo, mas simplesmente declaratrio da qualidade de empresrio. Pelo menos por enquanto. [...] Mas, considerando nosso Direito Positivo atual, se houver prova de que o inscrito no Registro Pblico de Empresas Mercantis (Junta Comercial) no exercita, profissionalmente, atividade prpria de empresrio, no adquire ele a condio de empresrio.51

    Em sentido semelhante se pronunciou o, quele tempo, Min. VICENTE CERNICCHIARO, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA:

    A natureza da sociedade, ento, definida pelo objetivo social. O registro no rgo competente meramente declaratrio. Faltando-lhe o efeito constitutivo, decisiva a atividade final.52

    Nesse ponto, imperiosa a recordao de VALVERDE, ao ensinar sobre o sujeito passivo em ao de falncia:

    As formalidades legais prescritas para o exerccio do comrcio tendem a regulariz-lo ou a conceder direitos e prerrogativas ao comerciante. Haja ou no

    50 Sustenta-se a opinio, porque apenas o registro perante a Junta Comercial no confere ao produtor

    rural, pelo que exige o Cdigo Civil, a condio de empresrio; e, porque o art. 971, do CC, chama o produtor rural de empresrio antes mesmo de ele ter aquele registro. Corroborando essa opinio, explica Maximilianus Cludio Amrico Fhrer, ao tratar do sujeito passivo no processo de falncia, no caso do art. 4, VII, do revogado DL n. 7.661/45 (devedor que cessou o exerccio do comrcio h mais de dois anos): a falta de cancelamento do registro na Junta Comercial irrelevante, se ficar provada a cessao das atividades comerciais h mais de dois anos (RT 388/176, 452/87, 476/97; RF 253/311). Assim como a baixa na Junta no prevalece contra prova de exerccio posterior ao ato registrado (art. 4, VII, LF), in: Roteiro das falncias e concordatas. 17. ed., So Paulo: RT, 2000, p. 27-28 e Luiz Tzirulnik, ao explicar que o empresrio rural s ter a qualidade efetiva de empresrio mediante o exerccio da atividade, j que o registro, embora seja obrigao legal, no pressuposto para a confirmao da qualidade de empresrio, in: Empresas e Empresrios, 2. ed., So Paulo: RT, 2005, p. 34. 51

    ROCHA FILHO, Jos Maria. Curso de Direito Comercial, Parte Geral. 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 87. 52

    STJ, 2 T., Resp n. 3.664, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 9/10/1990.

  • 31

    cumprido essas formalidades e no se modificar a sua qualidade, que deflui dos atos de mercancia, praticados, habitualmente, por profisso. Conclui-se, portanto, que nem a matrcula, nem a inscrio da firma, ou razo social, nem o arquivamento do instrumento do contrato ou dos estatutos, no Registro do Comrcio do, por si s, pessoa fsica, ou jurdica, a qualidade de comerciante. So simples presunes do exerccio regular do comrcio.53

    O produtor rural que assim chamado em funo de sua atividade e, no, por causa da localizao onde se exerce a empresa , antes mesmo de sua inscrio no Registro Pblico de Empresas Mercantis, j foi considerado empresrio. O registro serve para confirm-lo, declar-lo empresrio, submetendo-o s normas do Direito Comercial, no cabendo dizer que, no tocante ao empresrio rural, o registro teria o efeito constitutivo.54

    Conclui-se que no h dispensa do registro. Mas, o s fato de se ter o registro na Junta Comercial no confere ao produtor rural a condio de empresrio, pois deve ele, alm do registro, desempenhar atividade rural com carter empresarial.

    LUIZ TZIRULNIK alerta: o empresrio rural s ter a qualidade efetiva de empresrio mediante o exerccio da atividade, j que o registro, embora seja obrigao legal, no pressuposto para a confirmao da qualidade de empresrio.55

    V-se, pois, que o trao empresarial da venda surge das caractersticas do vendedor e, no, do comprador, como ocorre tambm com as duplicatas, no dizer de BARBI FILHO56.

    Pensando assim, facilmente se percebe que o objeto da CPR pode ser oriundo de uma atividade empresarial, apesar disso no ser a ela imprescindvel.

    Outro ponto: o fato de a CPR ter origem, necessariamente, em uma venda futura de produto rural no impede de consider-la um ttulo de crdito, pois este pode, perfeitamente, constituir objeto de uma compra e venda. WALDEMAR FERREIRA j ensinava, dcadas antes da criao da CPR, que o ttulo de crdito pode ser

    53 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentrios Lei de Falncias. Vol. I, 4 ed., revista e atualizada. Rio

    de Janeiro: Forense, 1999, p. 15. 54

    CASTRO, Moema Augusta Soares de. Manual de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.51. 55

    TZIRULNIK, Luiz. Empresas e Empresrios, 2. ed., So Paulo: RT, 2005, p. 34. 56

    BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juzo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 8.

  • 32

    representativo de bens, de tda natureza, mveis ou imveis, produtos agrcolas, mesmo ainda pendentes.57 (sic).

    Ademais, sabe-se que a duplicata, como ttulo causal, s pode ser emitida em decorrncia de uma compra e venda mercantil ou de uma prestao de servios, sem, por isso, perder sua condio de ttulo cambiariforme. ASCARELLI ensina que os ttulos se prendem relao fundamental e exemplifica: o conhecimento pressupe o contrato de fretamento ou de transporte, o conhecimento de depsito pressupe o contrato de depsito, esclarecendo que so nessas hipteses que a doutrina se refere a ttulos causais, em decorrncia da ntima conexo entre o ttulo de crdito e sua relao fundamental58.

    A bem da verdade, na grande maioria dos casos, o ttulo de crdito estar vinculado a um negcio que lhe deu origem, podendo as partes que o entabularam discuti-lo. Mas, pode ocorrer a emisso e circulao de uma cambial sem a cincia, ou at mesmo contra a vontade do devedor ou endossatrio, e, ainda assim, o terceiro possuidor de boa-f ter garantido o seu direito, vez que o vnculo cambial deriva da assinatura59, o que evidencia que no se trata, simplesmente, de se falar em doutrina contratual. Afinal, a partir do primeiro endosso efetivado, o devedor no ter mais o direito de opor excees pessoais ao endossatrio, como poderia fazer com o primeiro beneficirio. Como ensina SARAIVA, tolhido ao devedor este direito por causa da autonomia do crdito, desaparece a base do vnculo contratual entre o emitente e cada um dos sucessivos endossatrios60.

    Pensa-se, pois, que a CPR deve ser encarada como um ttulo causal, vez que, necessariamente, deve respeitar os motivos que autorizam sua emisso. No pode ela ser emitida com base em motivo diverso do previsto em lei, que a compra e venda de produto rural. Mas, no perde sua autonomia por isso, vez que no se pode confundir a declarao cartular e a declarao fundamental. Conforme lio de

    57 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, So Paulo: Saraiva, 1962, p. 79.

    58 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943,

    p. 39. 59

    SARAIVA, Jos A. A Cambial. Vol. 1, Rio de Janeiro: Jos Konfino, 1947, p. 139. 60

    SARAIVA, Jos A. A Cambial. Vol. 1, Rio de Janeiro: Jos Konfino, 1947, p. 101.

  • 33

    ASCARELLI, so justamente os ttulos de crdito causais aqules em que a prtica mercantil se mostra mais fecunda, multiplicando-os continuamente.61 (sic).

    Se a CPR, como ttulo causal, for perfeita na forma e na substncia, observando-se os requisitos da Lei n. 8.929/94, ela poder circular como qualquer outro ttulo abstrato, com idntica eficcia, desaparecendo o vnculo contratual.

    Nesse ponto, nota-se semelhana da CPR com os conhecidos ttulos representativos. Esses, explica FRAN MARTINS62, so ttulos causais que, apesar de visarem a circulao do direito, a circulao da mercadoria, no exprimem verdadeira operao de crdito, mas representam mercadorias ou bens que fundamentam sua existncia.

    Pode-se entend-los como sendo ttulos que incorporam o direito de crdito ao recebimento de determinadas mercadorias, atribuindo-o ao possuidor do ttulo, conforme lio de FIORENTINO63, com base no disposto no art. 1.996, do Cdigo Civil Italiano de 194264, que trata dos ttulos representativos. Caracterizam-se, pois, por representarem mercadorias ou bens e darem ao possuidor o poder de exercer certos direitos sobre aqueles, v.g., transferindo-os a terceiros, com o documento que os representa, ou constituindo direitos reais sobre os bens e, tambm, por obedecerem, em certos aspectos, aos princpios norteadores dos ttulos de crdito em geral. Os ttulos representativos, ensina FRAN MARTINS, se beneficiam desses princpios para mobilizar o crdito tendo por base mercadorias ou bens de que os portadores dos ttulos em regra podem dispor.65

    Alm disso, certo que a CPR, como outros ttulos representativos, v.g., o conhecimento de depsito e o warrant, reveste-se de certos requisitos dos ttulos de crdito prprios, encerrando direitos de crdito e utilizando as normas cambirias para circular, com as garantias que caracterizam aqueles.

    61 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943,

    p. 159. 62

    MARTINS, Fran. Ttulos de Crdito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 253. 63

    FIORENTINO, Adriano apud MARTINS, Fran. Ttulos de Crdito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 253. 64

    Cdigo Civil Italiano: Art 1996 Titoli rappresentativi. [I]. I titoli rappresentativi di merci attribuiscono al possessore il diritto alla consegna delle merci che sono in essi specificate, il possesso delle medesime e il potere di disporne mediante trasferimento del titolo.. In: MARTINS, Fran. Ttulos de Crdito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 253. 65

    MARTINS, Fran. Ttulos de Crdito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 254.

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    Essas consideraes, sobre os chamados ttulos representativos, guardam ntima relao com a CPR. No que tange CPR Financeira, criada a partir da modificao implementada pela Lei n. 10.200/2001, modalidade em que no se obriga entrega de produtos, mas, sim, do valor equivalente em dinheiro, entende-se ser ela um ttulo de crdito prprio, por encerrar verdadeira operao de crdito, conforme lio de CARVALHO DE MENDONA: a operao de credito por excellencia a em que a prestao se faz e a contraprestao se promette em dinheiro.66(sic).

    Alm de todos esses aspectos, vale recordar que as pessoas autorizadas a emitir CPR no so impedidas de emitir outros ttulos de crdito. Exemplo disso o fato de um produtor rural, sua associao ou cooperativa poder emitir letras de cmbio, cheques, notas promissrias etc..

    Tendo-se em conta que a CPR surgiu no direito ptrio pela necessidade de se agilizar a venda do produto rural, evidencia-se mais uma semelhana entre ela e os ttulos de crdito, que tm por objetivo, precisamente, a circulao do crdito e a mobilizao da riqueza. Ensina o festejado ASCARELLI, logo na Advertncia de sua obra67, que os ttulos de crdito formam um instituto jurdico destinado a facilitar a circulao dos direitos, concluindo, por fim, ser impossvel, com as normas do direito comum, conseguir a circulao dos direitos de crdito.

    Seguindo essa lio, COELHO68 pondera que a diferena basilar entre o regime cambirio e as regras dos demais documentos representativos de obrigaes est nos preceitos que facilitam ao credor encontrar pessoas interessadas em antecipar o valor da obrigao, em troca da titularidade do crdito, sendo que as regras cambirias conferem a essa pessoa maiores garantias que as regras do direito comum.

    Ainda sobre tal diferenciao, WHITAKER ensina:

    O credito declarado num documento commum de divida pde ser exigido, modificado ou transferido, independentemente do respectivo titulo, que prova mas no condio de sua existncia; nos ttulos de credito, porm, o titulo a prova indispensvel do credito , por assim dizer, o prprio credito reduzido a uma forma sensvel(8), - e exerce sobre este uma tal influencia que, sem elle

    66 MENDONA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas

    Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 458, p. 51. 67

    ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. de Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943. 68

    COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1, So Paulo: Saraiva, 1998, p. 365.

  • 35

    ou fora delle, o credito no se pde nem exigir, nem modificar ou transferir69 (sic).

    WALDEMAR FERREIRA pe a p de cal sobre o tema:

    As diferenas assinaladoras da obrigao comercial obedecem simplicidade das frmulas, levadas a cabo pelos mercadores em labor de sculos, derrogando e modificando certos princpios dos contratos civis, que entorpeciam e dificultavam a vida comercial; ou criando outros contratos que o trfico mercantil tornou necessrios. Onde elas principalmente se fizeram sentir foi no Direito Martimo e no Cambirio. Destinada a obrigao mercantil a facilitar o problema circulatrio da riqueza, no podia, em geral, acomodar-se s formas hierticas e solenes dos contratos civis. Nem o processo, para torn-los eficazes, poderia ser amplo e severo como o civil. Se quanto primeira, impera a frmula da verdade sabida e da boa-f guardada, quanto ao segundo, interessa encontrar modo e maneira de tornar a realidade o lema do comrcio: o tempo dinheiro70.

    Recordando, uma vez mais, os elementos essenciais do crdito, evidencia-se a proximidade entre a CPR e um ttulo cambirio. Naquela, a confiana est presente, medida que h promessa de pagamento futuro, assim como a confiana do credor no devedor, que pode repousar em garantias reais. Est presente o tempo, que o intervalo entre a prestao atual e a futura.

    Pela breve recordao sobre os elementos comuns dos ttulos de crdito, viu-se que so eles a cartularidade, a literalidade e a autonomia, tambm presentes na CPR. E, conforme ensina CARVALHO DE MENDONA, os documentos das obrigaes, desde que se apresentam literal e autonomamente, alistam-se, no direito commercial, entre os titulos de crdito.71(sic).

    A negociabilidade, evidenciada na facilidade da circulao do crdito documentado, pode ser entendida como o elemento que mais diferencia as cambiais dos demais documentos representativos de obrigaes. WHITAKER ensina que a existncia de clusula ordem o antecipado consentimento a essa circulao72.

    69 WHITAKER, Jos Maria. Letra de Cmbio. 2 ed., rev. e augmentada. So Paulo: Livraria Acadmica,

    1932, p. 15. 70

    FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, So Paulo: Saraiva, 1962, p. 9. 71

    MENDONA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 459, p. 52. 72

    WHITAKER, Jos Maria. Letra de Cmbio. 2 ed., rev. e augmentada. So Paulo: Livraria Acadmica, 1932, p. 18.

  • 36

    Outro elemento que referenda essa posio e que no pode ser desconsiderado a existncia da possibilidade do aval na CPR, vez que, indubitavelmente, o aval instituto de direito cambial.

    Ensina o festejado civilista CAIO MRIO DA SILVA PEREIRA:

    No h confundir fiana e aval. Ambos so tipos de garantia pessoal, mas, enquanto a fiana uma garantia fidejussria ampla, e hbil a aceder a qualquer espcie de obrigao, convencional, legal ou judicial, o aval restrito aos dbitos submetidos aos princpios cambirios.73

    Alerta o Prof. WILLE DUARTE COSTA que o aval uma garantia tpica cambiria que no existe fora do ttulo de crdito74, posio bem definida tambm por AZEREDO SANTOS, ao afirmar que aval e fiana no so sinnimos. O aval est sempre vinculado a ttulo de crdito.75

    Situaes h em que se recorre a institutos do direito comum, mas deve-se reconhecer que tais institutos, por mais valiosos e teis que sejam, so imperfeitos, quando o objetivo a circulao do crdito.

    E, no pelo fato de constar no art. 10, da Lei n. 8.929/9476, que as normas de direito cambial se aplicam CPR no que forem cabveis, que esta no um ttulo de crdito.

    Nesse aspecto, oportuna a explicao de ROSA JNIOR, ao tratar de tema semelhante, no que tange duplicata:

    [...] as normas da LUG e do Decreto n. 2.044/1908 s podem ser aplicadas duplicata e triplicata no que couber (LD, art. 25). Disso resulta que as normas dos mencionados diplomas legais s se aplicam duplicata e triplicata no caso de lacuna da Lei n. 5.474/68 e se no contrariarem a feio caracterstica da duplicata [...]77.

    E continua, mais frente:

    73 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil. Vol. III, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense,

    1978, p. 457. 74

    COSTA, Wille Duarte. Ttulos de Crdito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 199. 75

    SANTOS, Thephilo de Azeredo. Manual dos Ttulos de Crdito. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1971, p. 174. 76

    L. n. 8.929/94, art. 10: Aplicam-se CPR, no que forem cabveis, as normas de direito cambial, com as seguintes modificaes: grifo nosso. 77

    ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Ttulos de Crdito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 640.

  • 37

    A legislao sobre emisso, circulao e pagamento das letras de cmbio s se aplica, subsidiariamente, duplicata no que couber (LD, art. 25), isto , na parte em que no afetar o seu trao marcante, qual seja, documentar o saque pelo vendedor da mercadoria ou pelo prestador de servios da importncia faturada ao comprador ou beneficirio do servio78.

    Expresso semelhante consta do art. 29, da Lei n. 10.931/200479, que dispe sobre a Cdula de Crdito Bancrio, sem que, com isso, essa Cdula perca sua condio de ttulo de crdito. Na Lei de CPR consta no que forem cabveis; na de Cdula de Crdito Bancrio, no que couberem.

    O raciocnio deve ser o mesmo quanto CPR. O que se extrai daquele dispositivo justamente que as normas de Direito Cambirio so aplicveis CPR, na parte em que no afetar seus traos marcantes, que so a compra e venda de produto rural, alm das alteraes constantes daqueles incisos, do art. 10, relativas ao endosso, aos endossantes, aos avalistas e ao protesto.

    Veja-se a afirmao de ASCARELLI, ao se referir ao ttulo de crdito como o documento em que se incorpora o direito nele mencionado:

    Carter constante, porm, de todos, que constituem um documento; escrito; assinado pelo devedor; formal, no sentido de que submetido a condies de forma, estabelecidas justamente para identificar com exatido o direito nele mencionado e as suas modalidades, a especie do titulo de credito (da nos ttulos cambirios at o requisito da denominao), a pessoa do credor, a forma de circulao do ttulo e a pessoa do devedor.80 (sic).

    Do exposto, conclui-se que a CPR um ttulo representativo ttulo de crdito, portanto , por ser documento escrito, com denominao prpria, submetido certa forma, a identificar o direito nele mencionado e as pessoas do credor e do devedor, prevendo a forma de circulao.

    Trata-se, pois, de ttulo de crdito previsto em lei especfica e, em funo de determinadas particularidades, possui regras prprias em alguns momentos, tais como os seus requisitos essenciais e as diferenas entre ela e os demais ttulos de crditos, expostas, especialmente, nos incisos I, II e III, do art. 10, da Lei n. 8.929/94.

    78 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Ttulos de Crdito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 651.

    79 L. n. 10.931/2004, art. 29, 1: A Cdula de Crdito Bancrio ser transfervel mediante endosso em

    preto, ao qual se aplicaro, no que couberem, as normas do direito cambirio [...] grifo nosso. 80

    ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943, p. 29.

  • 38

    O Prof. WILLE DUARTE COSTA81 ensina que, em se tratando de ttulo de crdito tpico existente no Direito brasileiro, este se filia, por referncia expressa, disciplina da legislao cambiria e, por isso, denominado ttulo cambiariforme.

    Tais consideraes acerca da natureza jurdica convidam reflexo. Afinal, como manifestado por ASCARELLI:

    O problema dos ttulos de crdito , mais que qualquer outro, um problema de tecnica juridica, pois com frequencia, a dificuldade no reside na interpretao da norma ou na individuao do fim visado pelo legislador, mas na coordenao da norma no sistema geral. E justamente por isso lembramos que o problema dos titulos de credito tem origem no contraste entre as exigencias da circulao e as regras do direito comum.

    , portanto, essa coordenao das normas relativas aos titulos de credito no ambito do sistema geral, o unico caminho que pode conduzir soluo dos problemas no resolvidos expressamente pelo legislador e ao aperfeioamento do instituto atravs da formulao dos seus principios gerais (sic).82

    Nesse sentido, o referido Autor explica que preciso ter em conta tanto as exigncias econmicas a que o instituto jurdico deve corresponder, como tambm a necessidade de se satisfazer tais exigncias com princpios jurdicos precisos. Assim, obedecendo ao primeiro preceito, ser alcanado um direito vivo e justo; obedecendo ao segundo, ser possvel torn-lo certo.

    Conforme asseverado por WALDEMAR FERREIRA:

    Para o homem de negcios, nada de maior utilidade haveria do que obter certificado ou ttulo que pudesse transferir, com a mesma facilidade que qualquer bem mvel, e lhe conferisse direito prprio, justificado pela exibio do ttulo, prestao, nle de qualquer maneira includa, sem necessidade de fazer descer sua perquirio at o credor primitivo, em cujos direitos se houvesse investido. Transmissibilidade rpida, penetrao do direito no ttulo e, por isso mesmo, independncia respectiva de todo portador, doutrinou Edmond Thaller, eis os atributos dos ttulos de crdito, eis o que lhes fez a fortuna83 (sic).

    Tal observao, datada de 1962, atualssima. Tendo-se isso em conta e, vencida a questo da natureza da CPR, o propsito , pois, de se chegar a um direito vivo, justo e certo, no que toca cambial analisada.

    81 COSTA, Wille Duarte. Ttulo de Crdito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 36.

    82 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943,

    p. 18. 83

    FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, So Paulo: Saraiva, 1962, p. 78.

  • 39

    WALDEMAR FERREIRA, na obra acima citada, compara os ttulos de crdito, por terem reformado o mundo dos negcios, alavanca de Arquimedes84. Por qu, ento, no lanar mo de to importante ferramenta?

    Por ltimo, de recordar o parecer do SENADO FEDERAL em relao ao ento Projeto de Lei da Cdula de Produto Rural, que trouxe a seguinte definio:

    A Cdula de Produto Rural uma cambial pela qual o emitente vende antecipadamente a sua produo agropecuria, recebe o valor da venda no ato da formalizao do negcio e se compromete a entregar o produto vendido no local e data estipulados no ttulo (Senado Federal Parecer de Plenrio, publicado no DCN, Seo II, de 11/8/1994).85

    Feitas essas consideraes relativas natureza da CPR, quanto sua classificao, esse ttulo pode ser assim entendido: ttulo de crdito imprprio ou cambiariforme assemelhado por lei aos ttulos de crdito, para fins de circulao; privado em regra, emitido por pessoas privadas, naturais ou jurdicas, mas possvel a sua emisso por ente pblico; singular emitido para um caso concreto; causal nasce de uma causa determinada, de um negcio tpico fundamental, que a compra e venda de produto rural e est legalmente vinculado sua origem86; ordem ou endossvel o signatrio se obriga a entregar ou mandar entregar pessoa indicada, ou sua ordem, certa quantidade de coisas fungveis. Sua transferncia se opera atravs da tradio documentada com a assinatura lanada no ttulo.

    9.2 Dos Requisitos da Cdula de Produto Rural

    Aps essas consideraes, acerca da aplicabilidade das regras cambirias CPR, passa-se anlise de seus requisitos.

    84 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, So Paulo: Saraiva, 1962, p. 79.

    85 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentrios Lei de Cdula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juru,

    2003, p. 198. 86

    Tal caracterstica relevante, pois se a CPR fosse ttulo abstrato, o devedor poderia dispor dos privilgios dessa cambial, mas sem atender aos seus fins particulares. In: ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. Trad. Nicolau Nazo, So Paulo: Saraiva, 1943, p. 194/195.

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    Conforme ensinado por DE SEMO, por requisitos cambirios devem entender-se aqueles elementos de fundo e de forma para que, segundo a teoria geral do direito e a lei, nasa uma declarao de vontade vlida.87

    Por ser documento formal, a validade da CPR depende da existncia de determinados requisitos intrnsecos, relacionados obrigao mencionada na crtula, v.g., a capacidade e o consentimento, que, por serem comuns a todas as espcies de obrigaes, no constituem matria cambiria; e extrnsecos, relativos Cdula, que a Lei n. 8.929/94 indica para formalizao de sua validade.

    Conforme disposto no art. 4, da Lei n. 8.929/94, a CPR deve conter as seguintes indicaes, lanadas em seu contexto:

    I) Denominao Cdula de Produto Rural: a denominao dada ao ttulo cumpre o importante papel de caracteriz-lo como ttulo de crdito e determinar a sua espcie, conforme explicao de ROSA JNIOR88. Deve a denominao estar inserida no ttulo, a fim de que seus subscritores possam identificar o documento como uma CPR, estando cientes da obrigao que assumiram.

    Por se exigir a denominao inserida no ttulo, no basta intitular o documento como Cdula de Produto Rural; tal denominao deve estar inserida no texto. Caso contrrio, o documento no poder ser usado na via executiva. WHITAKER ensina que o uso da denominao no ttulo implica uma renuncia aos favores do direito commum, uma acquiescencia formal e solemne s normas excepcionaes do direito cambirio.89 (sic);

    II) Data da entrega: a data fixada no deve impossibilitar o cumprimento da obrigao pactuada, v.g., data anterior poca da colheita do produto, o que obrigaria o devedor a entregar um bem ainda inexistente.

    No constando a data da entrega do produto na CPR, o portador de boa-f pode complet-la. Pelo mesmo motivo exposto no exemplo da fixao de data anterior

    87 DE SEMO Apud ROSA JR.. Ttulos de Crdito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 114.

    88 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Ttulos de Crdito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 477.

    89 WHITAKER, Jos Maria. Letra de Cmbio. 2 ed., rev. e aumentada. So Paulo: Livraria Acadmica,

    1932, p. 49.

  • 41

    colheita, entende-se que no se pode considerar a CPR pagvel vista, como ocorre com a nota promissria, caso falte a data de entrega do produto, principalmente ao se considerar que a CPR foi criada para que o produtor rural venda sua produo antes mesmo que essa exista efetivamente.

    Outra considerao pertine ao erro na estipulao do vencimento. Caso se evidencie esse equvoco na cdula, as partes podero alter-la, firmando um aditivo, conforme autorizao constante no art. 9, da Lei n. 8.929/9490;

    III) Nome do credor e clusula ordem: o nome do credor importante para identificar o comprador do produto e para que o vendedor saiba a quem deve entregar o bem, evidenciando que no se admite CPR emitida ao portador. Freqentemente, v-se como credor os exportadores de produtos primrios e as prprias cooperativas de produtores rurais, mas qualquer interessado poder figurar como credor, originariamente ou a partir de um endosso.

    Mas, a CPR pode ser emitida ordem do beneficirio, o que assegura ao ttulo seu carter circulatrio. CARVALHO DE MENDONA91 conceitua os ttulos ordem como sendo aqueles nos quais o signatrio se compromete a entregar ou mandar entregar a uma pessoa indicada, ou sua ordem, certa quantia em dinheiro ou certa quantidade de coisas fungveis, no lugar e no tempo determinados.

    A clusula ordem, sabe-se, implcita nos ttulos de crdito, vez que, a partir de sua, o emitente autoriza a circulao da cambial por endosso, mesmo que isso no esteja explcito. Afinal, para que o documento no tenha essa prerrogativa de circulao sob o regime cambirio, preciso que haja meno expressa clusula no ordem.

    A CPR, como ttulo de crdito que , tem em si a possibilidade de circulao. Dessa maneira, a promessa feita pelo emitente se dirige a quem seja o legtimo portador da CPR no vencimento.

    90 L. n. 8.929/94, art. 9: A CPR poder ser aditada, ratificada e retificada por aditivos, que a integram,

    datados e assinados pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cdula, meno a essa circunstncia. 91

    MENDONA, J.X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. Vol. V, 2 parte. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, n. 489, p. 95.

  • 42

    IV) Promessa pura e simples de entregar o produto, sua indicao e as especificaes de qualidade e quantidade: essa promessa no pode estar subordinada condio. Se houver clusula condicional constante do ttulo, deve-se consider-la no-escrita. O bem prometido deve ser discriminado, de forma a caracteriz-lo especificamente acerca da quantidade e qualidade. Essa caracterizao pode ser atingida pela descrio do tipo, teor de umidade, teor de impureza, quilo, arroba etc., variando conforme o produto. Quanto mais detalhada a indicao, maior segurana haver para as partes envolvidas.

    Tendo-se em conta o art. 3, 1, da Lei 8.929/9492, v-se que outras clusulas podem ser inseridas no ttulo, tal como a que expresse claramente o produto negociado. Caso a Cdula seja imprecisa quanto identificao do produto, entende-se que deve ela ser alterada oportunamente nesse ponto, sob pena de se revelar imprestvel ao credor, impossibilitando-o de exigir judicialmente do devedor a entrega de um bem que no se pode identificar com preciso.

    Pode acontecer, tambm, de a coisa identificada no mais existir, ou no ser mais possvel a escolha. Nesses casos, a execuo para entrega de coisa incerta fatalmente dever se converter em execuo por quantia certa, conforme explicitado nas seguintes decises:

    Apelao cvel. Entrega de coisa incerta, fungvel. Inexistncia da coisa, impossibilidade de escolha. Converso em execuo por quantia certa. Carncia de ao por procedimento incorreto repelida. Quando no mais existe a coisa ou j seja individuada pelo seu nmero, medida e peso, espcie, qualidade e quantidade, no h processo de escolha, por impossibilidade objetiva. [...] Havendo impossibilidade de escolha, a entrega da coisa s pode ser na quantidade, espcie e qualidade avenadas na CPR, por inexistir outra alternativa. Frustrada a busca e apreenso por inexistncia da coisa, a execuo se converte em execuo por quantia certa (CPC, art. 627, 1). O valor da coisa o do dia do pagamento.93

    Apelao cvel. Direito privado no especificado. Embargos execuo de ttulo extrajudicial. Cdula de Produto Rural. Entrega de coisa incerta. Converso. Pagamento de quantia certa. Deixando os executados de atender a determinao judicial para entrega da coisa reclamada, admite-se a converso da execuo para entrega de coisa incerta em procedimento voltado ao pagamento de quantia certa contra devedor solvente. [...] O art. 4 da Lei

    92 L. n. 8.929/94, art. 3, 1: Sem carter de requisito essencial, a CPR poder conter outras clusulas

    lanadas em seu contexto, as quais podero constar de documento parte, com a assinatura do emitente, fazendo-se, na cdula, meno a essa circunstncia. 93

    TJGO, 2 Cm. Cv., Ap. Cv. n. 54.662-7/188, rel. Des. Aluzio Atades de Sousa, j. 8/5/2001.

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    8.929/1994 expresso quanto certeza, liquidez e exeqibilidade da Cdula de Produto Rural pela quantidade e qualidade de produto nela previsto, logo, a pretenso creditria deve ser balizada de acordo com os limites da conveno estabelecida entre as partes, segundo recomenda o princpio da adstrio ao ttulo executado.94

    Dessa forma, nos termos do Cdigo de Processo Civil, se no for possvel a entrega do produto mencionado na CPR, ainda resta ao credor converter a execuo para a modalidade por quantia certa.

    V) Local e condio da entrega: o local da entrega do produto deve ser bem descrito, com identificao precisa. Se as partes estabeleceram na CPR um local certo e determinado, nesse lugar onde deve ser satisfeita a obrigao.

    Ponto fundamental dar certeza do local de entrega do produto. No basta, v.g., informar que a entrega ser efetivada no porto de determinada cidade, mas, sim, indicar o terminal e/ou cais do referido porto.

    Em havendo dvida, o emitente poder notificar o credor caso saiba quem o legtimo portador , para que a incerteza no persista, precisando melhor o local j indicado na CPR. Se, apesar de notificado, o credor no prestar os esclarecimentos necessrios, ou se no se souber quem o legtimo portador da CPR, o emitente poder promover a consignao judicial do bem95, para que no seja constitudo em mora.

    Na data e no local em que efetivamente se der a entrega do produto, considerar-se- efetuada a transferncia da propriedade do produto ao credor. E, pelo fato de a CPR fundar-se em uma compra e venda, em que o objeto nem sempre existe ao tempo do negcio, v.g., safra futura, caso o devedor no tenha recebido o preo avenado, no estar obrigado a entregar o bem prometido ao credor, podendo opor-lhe essa exceo pessoal96, obviamente, se o ttulo no tiver circulado. Se a CPR tiver sado da mo do credor originrio, por endosso dele em favor de terceiro, o devedor no poder opor aquela exceo ao endossatrio, terceiro portador de boa-f.

    94 TJRS, 12 Cm. Cv., Ap. Cv. n. 70020028031, rel. Des. Cludio Baldino Maciel, j. 11/10/2007.

    95 Ver CPC, arts. 890 e seguintes.

    96 CC, art. 491: No sendo a venda a crdito, o vendedor no obrigado a entregar a coisa antes de

    receber o preo.

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    Outro ponto importante, sobre o local de entrega, relaciona-se sua inalterabilidade, mesmo em caso de circulao da CPR por endosso. O emitente da Cdula se obriga a entregar o bem prometido no local descrito no ttulo. A alterao do legtimo possuidor da CPR no suficiente a modificar o local onde deva ser satisfeita a obrigao pelo devedor, salvo com seu consentimento. Nesse caso, a alterao do local deve ser formalizada atravs de um aditivo97, especificando o novo local. Veja-se:

    Cdula de produto rural. Cesso. Falta de comunicao ao emitente. Entrega do produto cessionria. No razovel exigir que o agricultor emitente de cdula de produto rural entregue a mercadoria na sede da cessionria, localizada a mais de mil quilmetros do local da produo. falta de comunicao da cesso, eficaz a entrega na sede do estabelecimento da primitiva credora, que recebe o produto e d quitao. [...] Havendo o endosso, que deve ser completo, a natureza da cdula exige a prvia notificao do devedor, para confirmar ou alterar o local da entrega do produto. Sem isso, o emitente permanece sempre com a obrigao de efetuar a entrega do produto no local indicado, mesmo porque o agricultor no pode correr o pas para procurar o lugar possvel de entrega do objeto da sua prestao, no caso de endosso feito pelo credor [primitivo comprador do produto] s empresas que industrializam ou se atravessam no mercado de produtos agrcolas, localizados nos mais diversos pontos do pas.98

    Alm disso, no havendo estipulao expressa em contrrio, a clusula que indica o local de entrega do bem determina o foro competente para eventual ao fundada na CPR (art. 100, IV, d, do Cdigo de Processo Civil)99.

    VI) Descrio dos bens cedularmente vinculados em garantia: essa uma clusula no essencial, pois sua obedincia tem fundamento somente se a CPR for emitida com garantia real, cedularmente constituda, j que, conforme disposto no art. 1, da Lei n. 8.929/94, a Cdula pode ser emitida sem essa garantia.

    Faltando espao na CPR, para a descrio do bem conferido em garantia real, um documento parte poder ser usado para esse fim100.

    97 L. n. 8.929/94, art. 9: A CPR poder ser aditada, ratificada e retificada por aditivos, que a integram,

    datados e assinados pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cdula, meno a essa circunstncia. 98

    STJ, 4 T., Resp. n. 494.052-RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 1/9/2003. 99

    CPC, art. 100: competente o foro: omissis IV do lugar: omissis d) onde a obrigao deve ser satisfeita, para a ao em que se lhe exigir o cumprimento;

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    VII) Data e lugar da emisso: a meno data e ao lugar de em que a CPR foi emitida devem constar do ttulo. A data importante para que seja possvel auferir se o emitente era capaz juridicamente, para assumir obrigaes cambirias ao tempo da emisso da CPR. E, em havendo pessoa que assine a cambial como mandatrio do emitente, para se saber se aquele tinha mandato vlido ou poderes especiais101. Da mesma forma, a data serve como termo inicial da fluncia de juros compensatrios102.

    A fixao da data tambm pode ser relevante para verificao de emisso da CPR por empresrio rural dentro do termo legal da falncia103.

    Alm disso, como ensina RIPERT104, a indicao da data determina o vencimento, caso o ttulo faa meno a um lapso temporal a partir da data de emisso, para se averiguar o dia do pagamento.

    No que tange ao lugar da emisso, conforme o disposto no artigo ora analisado, se a CPR no o indicar, aquele ser considerado o do domiclio do emitente.

    Mutatis mutandis, da mesma forma que a nota promissria e a letra de cmbio devem conter a indicao da data de sua emisso, sob pena de no serem entendidas como ttulos de crdito, a CPR sem indicao da data de sua emisso pode sofrer o mesmo tratamento, no sendo passvel, pois, de ser executada judicialmente.

    VIII) Assinatura do emitente: aquele que assume diretamente a obrigao de entregar o produto rural descrito no ttulo deve apor sua assinatura em campo especfico da Cdula.

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