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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Programa de Pós-Graduação em Direito CÉDULA DE PRODUTO RURAL Gustavo Ribeiro Rocha Nova Lima 2008

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Programa de Pós-Graduação em Direito

CÉDULA DE PRODUTO RURAL

Gustavo Ribeiro Rocha

Nova Lima

2008

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GUSTAVO RIBEIRO ROCHA

CÉDULA DE PRODUTO RURAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial, da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Wille Duarte Costa

Nova Lima 2008

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Gustavo Ribeiro Rocha Cédula de Produto Rural

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Nova Lima, 2008. Prof.

Prof.

Prof.

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Aos meus pais, pela orientação na caminhada da vida, pelo exemplo de luta e apoio incondicional. À Anita, leal esposa que, pacientemente, compreendeu as horas dedicadas a esse estudo, durante nosso noivado e logo nos primeiros meses de nosso casamento, estimulando-me com palavras e gestos de carinho.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Wille Duarte Costa, pela valiosa orientação.

A todos que colaboraram, das mais variadas formas, para a realização do presente

trabalho.

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“A livre exposição das idéias é sinal inconfundível de progresso e civilização, quando tendam para o bem e constituem um sustentáculo para a solução dos problemas ou para o aperfeiçoamento das leis e das normas vigentes na sociedade.” Carlos Bernardo González Pecotche - Raumsol

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RESUMO

Na presente dissertação realizou-se um estudo detido acerca da Cédula de Produto Rural, importante instrumento para o financiamento do setor produtivo primário brasileiro. Tem-se como objetivo analisar esse título de crédito, considerando a evolução de nosso ordenamento jurídico, as mudanças do Direito Comercial, desde a teoria dos atos de comércio até a teoria da empresa, o entendimento dos tribunais pátrios, bem como a doutrina sobre a questão. A pesquisa investigou a feição cambiária da Cédula de Produto Rural, diferenciando-a dos contratos e dos demais títulos rurais, e as conseqüências daí advindas, além da análise das particularidades desta Cédula, especialmente no tocante às garantias, forma de circulação e de cobrança. O resultado do trabalho demonstra o grande potencial da Cédula de Produto Rural e a necessidade de um melhor entendimento sobre o tema, para que a Cédula cumpra os objetivos almejados pelo legislador, contribuindo para o fortalecimento do agronegócio no País. Palavras-chave: Cédula de Produto Rural; Agronegócio; Produtor Rural.

ABSTRACT This dissertation presents a detailed study that was carried out about the Rural Product Note, which is an important financing device used by the primary productive sector of Brazil. The goal of the study was to analyse this new kind of bond in view of the evolution of the Brazilian legal system, considering the changes in Commercial Law, from the theory of commerce acts to the enterprise theory, as well as the understanding of the country´s courts and the doctrine regarding this issue. The research has investigated the exchange aspect of the Rural Product Note, distinguishing it from contracts and other kinds of rural securities, and also analysing the particularities of this Note, especially in what regards the guarantees, and the methods of circulation and charging. The results of this work demonstrate the potential of the Rural Product Note and the need for a better understanding of the issue, so that the Note may fulfil the goals intended by lawmakers, contributing to strengthen agribusiness in Brazil. Keywords: Rural Product Note; Agribusiness; rural producer.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 MODELO DE CÉDULA DE PRODUTO RURAL, 67

FIGURA 2 ORGANOGRAMA SOBRE ENDOSSO-CAUÇÃO, 92

FIGURA 3 ORGANOGRAMA SOBRE INTERVENIENTES, 109

FIGURA 4 ORGANOGRAMA SOBRE CPR VENCIDA E NÃO PROTESTADA, 109

FIGURA 5 ORGANOGRAMA SOBRE CPR VENCIDA E NÃO PROTESTADA, 110

FIGURA 6 ORGANOGRAMA SOBRE DIREITOS CAMBIÁRIOS, 112

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADCOAS Boletim de Jurisprudência da ADCOAS AI Agravo de Instrumento Ap. Cív. Apelação Cível Ap. Crim. Apelação Criminal Art. Artigo Atual. Atualizada BACEN Banco Central BM&F Bolsa de Mercadorias e Futuro Câm. Cív. Câmara Cível Câm. Esp. Cív. Câmara Especial Cível CC Código Civil CCom. Código Comercial CETIP Câmara de Custódia e Liquidação CMN Conselho Monetário Nacional CPR Cédula de Produto Rural CP Código Penal CPC Código de Processo Civil CR/88 Constituição da República de 1988 CVM Comissão de Valores Mobiliários D. Decreto Dês. Desembargador Dêsª. Desembargadora DJ Diário da Justiça DJU Diário da Justiça da União DL Decreto-lei E. Decl. Embargos de declaração j. Julgamento L. Lei LUG Lei Uniforme de Genebra Min. Ministro Prof. Professor RDM Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro rel. Relator Resp Recurso Especial RExt Recurso Extraordinário Rev. Revista STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça Súm. Súmula T. Turma TAMG Tribunal de Alçada de Minas Gerais TAPR Tribunal de Alçada do Paraná T.Crim. Turma Criminal TJGO Tribunal de Justiça de Goiás TJMG Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJMS Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul TJMT Tribunal de Justiça do Mato Grosso TJPR Tribunal de Justiça do Paraná TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Trad. Tradução UFMG Universidade Federal de Minas Gerais v.g. verbi gratia

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SUMÁRIO

RESUMO, 7 LISTA DE FIGURAS, 8 LISTA DE ABREVIATURAS, 9 INTRODUÇÃO, 11 1 DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL, 13

1.1 Da Natureza da Cédula de Produto Rural, 15 1.1.1 Dos Princípios dos Contratos - Breve Recordaç ão, 16 1.1.2 Das Normas Gerais de Direito Cambial - Breve Recordação, 17 1.1.3 Natureza Civil x Natureza Cambiária, 20

1.2 Dos Requisitos da Cédula de Produto Rural, 39

2 DOS BENS VINCULADOS EM GARANTIA, 54

2.1 Hipoteca, 56 2.2 Penhor, 57 2.3 Alienação Fiduciária, 64

3 MODELO DE CÉDULA DE PRODUTO RURAL, 67 4 DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL FINANCEIRA, 71 5 DIREITOS E DEVERES DECORRENTES DA CPR, 74

5.1 Da Evicção, 74 5.2 Do Caso Fortuito e da Força Maior, 75 5.3 Do Registro da CPR perante o Cartório de Regist ro de Imóveis, 77 5.4 Da Entrega Antecipada do Produto Rural, 78 5.5 Do Pagamento Parcial da CPR, 79

6 PARTICULARIDADES DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL, 81 6.1 Quanto ao Endosso, 81 6.2 Quanto aos Endossantes, 94 6.3 Quanto à Dispensa do Protesto em Face dos Avali stas, 103

7 DO VENCIMENTO E PAGAMENTO DA CÉDULA DE PRODUTO RU RAL, 113

7.1 Da Ação Cambiária, 117

8 DO PEDIDO DE FALÊNCIA FUNDADO EM CÉDULA DE PRODUT O RURAL, 124 9 DA NEGOCIAÇÃO DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL NA BOLSA DE VALORES E NO

MERCADO DE BALCÃO, 127 CONCLUSÃO, 132 REFERÊNCIAS, 134

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INTRODUÇÃO

O Brasil é um País de grande extensão territorial, e tem grande parcela de

sua economia voltada ao setor produtivo primário, o que causa uma situação de

dependência recíproca entre o País e o sucesso de sua agricultura e pecuária.

Desde o século passado, a crise financeira que afetou o Estado não lhe tem

permitido apoiar e financiar adequadamente aquele setor, importante para o

crescimento nacional, apesar da institucionalização do crédito rural pela Lei n. 4.829, de

5 de novembro de 1965, que tinha por escopo o desenvolvimento da produção rural e o

bem-estar do povo brasileiro.

Com esse quadro adverso, não só ao produtor rural, mas também a outros

setores, o Estado desenvolveu novas formas de cumprimento do seu papel na

economia, tais como privatizações e redução de gastos públicos, o que repercutiu

intensamente sobre a agropecuária, deixando os produtores rurais, em muitos

momentos, em situação calamitosa e à beira do abandono. O Estado já não tinha

condições de manter o crédito como em anos anteriores, menos ainda de estimular

investimentos rurais, favorecer o custeio oportuno e adequado da produção, sua

comercialização, o que, se existisse, ensejaria o fortalecimento econômico dos

produtores rurais, do pequeno ao grande produtor.

Visando à alteração desse quadro e, face à redução dos sistemas oficiais de

financiamento, a esperança foi depositada no setor privado, com a criação de um título

específico, que não busca os recursos em um fundo de crédito oficial.

Trata-se da Cédula de Produto Rural (CPR), regulada pela Lei n. 8.929/94,

criada com o objetivo de minimizar as dificuldades do produtor rural no mercado e

simplificar o agronegócio, tendo-se destacado por sua grande aceitação, como um

instrumento que atende muito bem às necessidades de gerenciamento de risco no setor

agrícola, revelando seu grande potencial.

Isso, porque foi criada como forma de o produtor rural, com menores custos,

ter acesso aos recursos do mercado. E, em aproximadamente quinze anos de

existência, destacou-se por sua descomplicada negociação e aquisição, tornando-se

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uma excelente ferramenta na política agrícola, por facilitar, v.g., as compras

antecipadas das safras.

Mas, a CPR se presta a muito mais, sendo utilizada por produtores de

pequeno, médio e grande porte, e em diversas modalidades.

Em 2004, com dez anos de existência da CPR, estimava-se que ela

movimentasse 15 (quinze) bilhões de reais1 a cada safra. Muito desse sucesso se deve

à participação de várias instituições financeiras como avalistas na CPR.

Nesse cenário, nota-se que a compra e venda de produtos agropecuários

indica, freqüentemente, a idéia empresarial, pressupondo a figura do empresário.

O Prof. WILLE DUARTE COSTA expõe muito bem essa evolução:

Hoje, deixando de lado o ponto de vista de que só a terra produz, sabe-se que um só fazendeiro é capaz de produzir e negociar toneladas de grãos, ele próprio, com ou sem a interferência de terceiros. A criação de gado desenvolveu-se espantosamente, sendo comum encontrar-se homens do campo capazes de criar milhares de cabeças de gado, diversificando e aprimorando raças, como nunca antes foi visto. Aves como a galinha, a codorna, a perdiz, o faisão e outras são criadas em escala industrial, abatidas, e suas carnes são fornecidas diretamente para consumo em restaurantes sofisticados.2

Tal mudança tem levado, cada vez mais, ao aumento das somas envolvidas,

à especialização da mão-de-obra no campo, que, indubitavelmente, exprimem o caráter

empresarial à produção rural em larga escala.

RUY DE SOUZA expõe que ao se focar o “Direito das Empresas, muito mais

abrangente do que o antigo Direito Comercial, não há como se expulsar a atividade

agrícola ou a pecuária do campo desse novo Direito.”3

Por tudo isso, mister um estudo, tanto quanto possível, minucioso dessa

Cédula. Essa é a proposta deste trabalho.

1 CONCEIÇÃO, Ricardo Alves. BB CPR – Marco de sucesso do agronegócio brasileiro. Disponível em: <www.agronegocios-e.com.br>. Acesso em 2/11/2004. 2 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 34. 3 SOUZA, Ruy de. Direito das Empresas – Atualização do Direito Comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959, p. 252 apud COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 34.

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1 DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL

A CPR é uma cédula diferente das demais. Trata-se de um documento

emitido pelo produtor rural ou por suas associações, incluídas as cooperativas, e

corresponde a uma promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia

cedularmente constituída.

Assim, a própria cédula, ao ser emitida, especifica os bens oferecidos em

garantia, dispensando-se a constituição da garantia por documento separado, como

usualmente ocorre com os direitos reais de garantia. Por isso, a menção às garantias

cedularmente constituídas, significando que na própria CPR estão mencionadas as

garantias para o cumprimento da obrigação.

Sua principal função é o recebimento imediato de seu valor, que implica na

utilização daquela prestação futura para a realização negócios atuais. Por meio da

CPR, o produtor rural tem condições de captar recursos de forma célere, através da

venda antecipada de determinado produto, a fim de obter recursos financeiros, o que

estimula o crescimento do setor produtivo primário brasileiro.

Trata-se de um título líqüido e certo, exigível pela quantidade e qualidade de

produto nele previsto, regulado pela Lei n. 8.929, de 22 de agosto de 1994.

Por englobar uma promessa de entrega de produtos rurais, PAIVA PEREIRA4

alerta que a CPR não é título hábil a sustentar uma compra e venda de insumos

agrícolas, ou de máquinas voltadas à agricultura, sustentando apenas e tão-somente a

promessa de entrega de produtos rurais, podendo ser acompanhada de garantia nesse

sentido.

Essa garantia deve ser de cunho real, significando ser perfeitamente possível

pactuar-se uma garantia real de que o produto descrito na CPR será efetivamente

transferido ao credor, conforme disposto no art. 1º da Lei5.

FRONTINI assim conceitua a CPR:

4 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p.16. 5 L. n. 8.929/94, art. 1º: “Fica instituída a Cédula de Produto Rural – CPR, representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituída.”

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De fato, o ponto mais significativo da cédula de produto rural está na circunstância de que, ao criá-la, o emitente formula promessa pura e simples de entregar o produto nela mencionado no local combinado e nas condições de entrega estabelecidas, dentro das especificações de quantidade e qualidade também indicadas no título. Na verdade a Cédula de Produto Rural – CPR – é título representativo da promessa de entregar, em data futura (ou seja, no vencimento da cártula), o produto rural indicado, na quantidade e qualidade especificadas.6

Vê-se, portanto, que a CPR representa um compromisso de entregar uma

mercadoria, existente ou não ao tempo da conformação do compromisso, a partir da

cultura a que se dedica o produtor rural. Essa operação se identifica com a venda

futura, com pagamento antecipado, em que o valor é adiantado ao produtor rural, que

se compromete a entregar a mercadoria que produzirá.

Dessa maneira, não se trata, originariamente, de uma promessa de

pagamento em dinheiro. A CPR não constitui um documento de dívida a ser pago

mediante a entrega de certa quantia em pecúnia. Ao contrário, representa obrigação de

entregar o produto rural, objeto da obrigação, na quantidade e qualidade indicadas. Por

isso, sua cobrança se dá por meio de ação de execução para entrega de coisa incerta,

conforme dispõe o art. 15 da Lei7, cumulado com os arts. 629 a 631, do Código de

Processo Civil.

Por esse fato, a CPR se diferencia da Nota Promissória Rural (DL. n. 167, art.

42)8, pois esta é uma promessa de pagamento em dinheiro. Não se pode confundi-las,

portanto.

É possível perceber, já no limiar deste trabalho, que a CPR se diferencia das

demais cédulas de crédito, por representar, justamente, a promessa de entrega de

6 FRONTINI, Paulo Salvador apud RIZZARDO, Arnaldo. Cédula de produto rural, in RDM 99/122. Contratos de Crédito Bancário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 6. ed., 2003, p. 242. 7 L. n. 8.929/94, art. 15: “Para a cobrança da CPR, cabe a ação de execução para entrega de coisa incerta.” 8 DL n. 167/67, art 42: “Nas vendas a prazo de bens de natureza agrícola, extrativa ou pastoril, quando efetuadas diretamente por produtores rurais ou por suas cooperativas; nos recebimentos, pelas cooperativas, de produtos da mesma natureza entregues pelos seus cooperados, e nas entregas de bens de produção ou de consumo, feitas pelas cooperativas aos seus associados poderá ser utilizada, como título de crédito, a nota promissória rural, nos têrmos deste Decreto-lei. Parágrafo único. A nota promissória rural emitida pelas cooperativas a favor de seus cooperados, ao receberem produtos entregues por êstes, constitui promessa de pagamento representativa de adiantamento por conta do preço dos produtos recebidos para venda” (sic).

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produtos rurais e, não, uma promessa de pagamento em dinheiro, v.g., a Cédula de

Crédito Rural9.

Isso foi regra até o início de 2001. Com o advento da Lei n. 10.200, de 14 de

fevereiro de 2001, que alterou a Lei n. 8.929/94, tornou-se possível a liqüidação da

CPR em moeda corrente, com a criação da chamada CPR Financeira. Seu

funcionamento é similar ao da CPR criada em 1994, mas diferencia-se

substancialmente desta no momento de sua liqüidação, pois, no vencimento, não se

dará a entrega de nenhum produto, mas, sim, a do valor equivalente, em dinheiro.

Dessa forma, no caso da CPR Financeira, devem nela constar,

necessariamente, o preço, ou os referenciais eleitos para seu estabelecimento, ou do

índice de preços a ser adotado na liqüidação financeira. A criação dessa nova CPR

facilitou o acesso de instituições financeiras às negociações, que como tomadoras

(credoras), têm participação mais ativa, cumprindo importante papel no financiamento

da agricultura brasileira.

Frise-se que se trata de um título voltado ao financiamento de atividades

rurais, que se utiliza de princípios dos títulos de crédito em geral, acrescido de outras

características que lhe dão uma configuração própria, como será abordado no presente

trabalho.

9.1 Da Natureza da Cédula de Produto Rural

Viu-se que a CPR é um documento que tem por origem a compra e venda de

produto rural, em que o preço é pago imediatamente, mas a entrega do produto ocorre

em data futura. Mas, como entender sua natureza?

9 DL n. 167/67, art 9º: “A cédula de crédito rural é promessa de pagamento em dinheiro, sem ou com garantia real cedularmente constituída, sob as seguintes denominações e modalidades:” Omissis.

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A Lei n. 8.929/94 se omite, sem determinar a CPR como título civil ou

comercial, diferentemente da Cédula de Crédito Rural, nomeada cártula civil10.

Sabe-se que a distinção entre o caráter civil e comercial é de grande

interesse, pois, caso seja considerado comercial, poderá o título se submeter às regras

cambiárias, especialmente no tocante à solidariedade das pessoas que apõem suas

assinaturas no documento e às condições para execução, como ensinado por

RIPERT11.

Em face dessa omissão, e, na busca do melhor entendimento sobre a CPR,

imperiosa uma breve recordação das regras contratuais e das normas de direito

cambial, para que seja possível uma melhor e mais acurada compreensão do assunto.

Afinal, conforme alerta de ASCARELLI, o direito incerto revela-se ineficaz,

uma vez que perturba as relações jurídicas12. Dessa forma, são valiosos e bem-vindos

os esforços no sentido de torná-lo certo e eficaz.

1.1.1 Dos Princípios dos Contratos - Breve Recordaç ão

Recordando-se, sinteticamente, a teoria contratual, cumpre notar o conceito

de contrato, como sendo “um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a

finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir

direitos.”13, que obriga os contratantes e produz efeitos jurídicos.

Tem-se a faculdade de contratar ou não; a escolha da pessoa com quem se

vai contratar e o negócio que se quer; a fixação do conteúdo do contrato; a constituição

de fonte formal de direito, com o escopo de garantir sua execução, segundo a vontade

das partes, que presidiu sua constituição. 10 DL n. 167/67, art. 10: “A cédula de crédito rural é título civil, líquido e certo, exigível pela soma dela constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização de seu direito creditório.” 11 RIPERT, George. Tratado Elemental de Derecho Comercial. Vol. III, trad. Felipe de Sola Cañizares, com colaboração de Pedro G. San Martin, Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1954, p. 252. 12 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 5. 13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10 ed., vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 2.

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Os contratos devem respeitar certos requisitos, para que sejam eficazes,

contemplando aspecto subjetivo, que se refere à capacidade das partes, não se

tratando, simplesmente, da capacidade genérica, mas da aptidão para consentir; e

aspectos objetivos, que envolvem a possibilidade de realização, material e jurídica.

Ressalta-se que a impossibilidade não significa inexistência do objeto, vez que é

admissível um contrato que verse sobre coisa futura, com o desfazimento do contrato

em havendo a frustração; liceidade, referente ao respeito à ordem pública e aos bons

costumes; determinação, para que a obrigação do devedor tenha sobre que incidir,

podendo a determinação ser posterior ao ajuste; e economicidade, uma vez que a

prestação deve ser apreciável economicamente.

Além disso, deve-se considerar os aspectos formais, apesar de o direito

moderno não se prender demasiadamente na forma, que é tida como exceção.

Concede-se à declaração de vontade o poder de gerar efeitos diretamente e de ligar os

sujeitos juridicamente, como ensina CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA14. Assim, salvo

em determinadas situações elencadas pela lei15, os contratos são celebrados pelo livre

consentimento das partes, sem obediência à forma.

A declaração originária do contrato pode emanar de diversas formas:

explícita, expressa por escrito; ou até mesmo tacitamente, pelo silêncio.

Além disso, aos contratos cabe a interpretação, buscando-se sempre qual

terá sido a intenção comum das partes16. A hermenêutica da vontade contratual

subordina-se à intenção das partes e ao sentido da linguagem.

1.1.2 Das Normas Gerais de Direito Cambial - Breve Recordação

14 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10 ed., vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 17. 15 Como exemplo de contratos que devem obedecer à forma, têm-se os contratos translativos de direitos reais sobre imóveis. 16 CC, art. 423: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”

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Para uma breve recordação do que é um título de crédito, boa de ver a

seguinte conceituação de CARVALHO DE MENDONÇA:

Se o credito ou o direito de credito assume fórma material, transfundindo-se em um documento, certificante da sua existencia, este documento, redigido em fórmulas simples, breves e claras, transferível facilmente a terceiros, podendo se juntar ou subrogar outras pessoas ao primitivo credor ou ao primitivo devedor ou a ambos, e cercado de systema especial de garantias, denomina-se titulo de credito ou fiduciario. Elle é no commercio maravilhoso instrumento de circulação, tendo-se irradiado pela vida civil.17 (sic)

Os títulos de crédito, na palavra do mestre JOÃO EUNÁPIO BORGES,

“constituem o instrumento mais perfeito e eficaz da mobilização da riqueza e da

circulação do crédito”18, lembrando-se que, na noção de crédito, implícitos estão: a) a

confiança – no devedor e, também em garantias pessoais, como o aval, ou reais, como

a hipoteca – que, como ensina CARVALHO DE MENDONÇA, é a mãe do crédito19; b) o

tempo – prazo que medeia a prestação atual e a futura. Operação de crédito é,

justamente, a operação por meio da qual uma pessoa realiza uma prestação atual,

contra a promessa de uma prestação futura. Esse intervalo de tempo é o elemento

essencial do crédito.

O crédito corresponde tanto à confiança quanto ao tempo. É a troca de uma

prestação presente por uma futura. Através dos títulos de crédito, o direito transpõe o

tempo, “transportando bens distantes e materializando, no presente, possíveis riquezas

futuras”20, no dizer de ASCARELLI.

Os títulos de crédito constituem, antes de tudo, um documento de legitimação

em que se registra a obrigação futura a ser cumprida pelo devedor em favor do

possuidor do título, titular do direito. E, em função disso, o direito se materializa no

documento e, não, na pessoa possuidora do papel.

17 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 457, p. 47. 18 BORGES, João Eunápio. Títulos de Crédito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 7. 19 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 458, p. 49. 20 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 3.

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Segundo a clássica definição de VIVANTE, “título de crédito é o documento

necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”21. É o

documento no qual se materializa, incorpora-se a promessa da prestação futura a ser

realizada pelo devedor, em pagamento da prestação atual, realizada pelo credor.

As disposições do Código Civil de 200222 reproduzem essa clássica

definição, apesar de ser tecnicamente inapropriado constar definições em lei, vez que

isso deve ficar a cargo da doutrina e da jurisprudência. Ademais, o legislador pátrio

substituiu a palavra “mencionado” por “contido”, o que parece ter sido uma

impropriedade, vez que tais palavras não são sinônimas. Conter23 significa encerrar em

si, ao passo que mencionar24 significa fazer referência a, expor. Por isso, entende-se

que a palavra mencionado, tal como ensinado por VIVANTE, é mais adequada à

definição. Afinal, o título se refere ao direito, este está exposto no título, está

mencionado e, não, guardado, contido dentro do título.

Da definição de VIVANTE, pode-se extrair os elementos comuns aos títulos

de créditos: cartularidade (materialização do direito no documento, na cártula, de tal

forma que o direito não poderá ser exercido sem a exibição do documento), literalidade

(a existência do título é regulada por seu teor e somente o que nele está escrito é que

deve ser levado em consideração), e autonomia (o direito do legítimo possuidor do título

é independente em relação aos possíveis direitos dos possuidores anteriores. O

possuidor exerce um direito próprio, não derivado do direito de quem quer que seja, e

as diversas obrigações existentes no título são independentes, não se vinculando uma

à outra, de forma que uma obrigação nula não afeta as demais, válidas).

Com esses princípios, protege-se o crédito, possibilitando sua ágil e segura

circulação, favorecendo sobremaneira o desenvolvimento do comércio.

21 VIVANTE, Cesare apud MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. Vol. I, 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 5. 22 CC, art. 887: “O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.” 23 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 11 ed., São Paulo: Civilização Brasileira S/A, 1969, p. 319. 24 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 11 ed., São Paulo: Civilização Brasileira S/A, 1969, p. 796.

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ASCARELLI25 explica que o título de crédito tem como caráter constante ser

um documento escrito, submetido a condições de forma, que indique o devedor e sua

assinatura, o credor e a maneira de circulação.

Após essa breve recordação sobre os elementos comuns aos títulos de

crédito, é hora de voltar-se atenção à CPR, importante criação legislativa, destinada ao

setor produtivo primário brasileiro. Nesse ponto, releva notar que esse documento tem

particularidades e complexidades que requerem um exame detido, não se podendo

analisá-lo superficialmente, sob pena de não se ver a realidade, reforçando o castelo de

mitologias jurídicas da modernidade26.

1.1.3 Natureza Civil x Natureza Cambiária

Há autores e juízes que entendem ter a CPR natureza civil, submetendo-se

às normas do direito obrigacional comum e que, somente subsidiariamente, as normas

cambiárias devem ser aplicadas àquela cédula.

Parece que tal entendimento deriva da tradição, da estagnação do estudo

sobre o tema, formando o mito jurídico de que o produtor rural não pode ser

considerado comerciante.

PAIVA PEREIRA27 afirma que “a cártula não se caracteriza como um título

eminentemente comercial”, acrescentando que, “ainda que omissa a Lei no tocante a

sua perfeita caracterização como sendo de natureza civil, é forçoso reconhecer sua

total adstrição a este campo do direito”. Por fim, conclui que “a CPR reger-se-á pelas

regras que norteiam a compra e venda civil, somente aplicando-se-lhe as normas de

direito cambial como norma subsidiária.”

25 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Tradução Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 29. 26 GROSSI, Paolo. Mitologias Jurídicas da Modernidade. 2 ed., rev. e ampl., trad. Arno Dal Ri Júnior, Florianópolis: Boiteux, 2007, p. 14. 27 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 83-84.

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Apesar dessas opiniões, que merecem todo respeito, parece ser diferente o

entendimento mais preciso. Bem se sabe que a compra e venda civil – que tem como

objeto imediato a compra para uso e consumo do adquirente –, difere da mercantil, em

que o objeto é a obtenção de ganho, a partir da venda ou aluguel da coisa adquirida.

Pode-se intuir que a CPR estará, se não sempre, em quase todos os casos,

envolvida numa compra e venda mercantil, pois o produtor rural terá o intuito de

produzir para vender, obtendo ganho.

A CPR pode, dessa maneira, ser entendida como um título de crédito

impróprio, assemelhada aos títulos representativos, v.g., o conhecimento de depósito e

o warrant (D. n. 1.102/190328), que, apesar de não regulados inteiramente pelas regras

cambiárias, são considerados títulos de crédito, regidos, portanto, pelas regras do

direito cambiário, ou com os chamados títulos de financiamento, v.g., Cédula e Nota de

Crédito Rural (DL. n. 167/67), que não se enquadram perfeitamente no regime

cambiário, por força de algumas particularidades.

Não se pode dizer, outrossim, que o bem objeto do negócio e prometido à

entrega, não pode ser considerado oriundo de atividade comercial. Tendo-se em conta

que a compra e venda de produtos agropecuários envolve, freqüentemente e, cada vez

mais, dois empresários, fácil será perceber que se trata de uma operação mercantil.

Desde o vetusto Código Comercial Brasileiro, de 1850, vê-se que, havendo um

comerciante na relação de compra e venda, esta era tida por mercantil29.

BARBI FILHO explica que a venda mercantil “é aquela em que o vendedor é

comerciante regular e aliena com efeito comercial”30. Vale dizer: trata-se de empresário

registrado e com escrituração contábil, que vende o bem profissionalmente, com o

objetivo de lucro.

28 D. n. 1.102, de 21 de novembro de 1903: “Institui regras para o estabelecimento de empresas de armazéns-gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas.” 29 CCom., art. 191, segunda parte: “É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso [...] contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante.” 30 BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 8.

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E, como manifestado por PAIVA PEREIRA, “assim como a duplicata mercantil

está para o comerciante, a Cédula de Produto Rural está para o produtor rural, suas

associações e cooperativas”31.

Ademais, o fato de o objeto ser ou não considerado oriundo de atividade

comercial não é óbice a que se entenda a CPR como um título de crédito. Outros títulos

cambiários, como o cheque e a nota promissória, podem ter objeto não oriundo de

atividade comercial, sem, por isso, perderem a sua natureza cambiária. Na verdade, a

diferença entre a compra e venda mercantil e a civil está na delimitação dos direitos e

obrigações dos contratantes na execução concursal, que variará conforme a situação

apresentada seja de falência ou de insolvência.

Mesmo que se fique adstrito à idéia contratual, as semelhanças entre os

contratos comerciais e civis são maiores que suas diferenças, conforme ensina

WALDEMAR FERREIRA32.

Outro aspecto a ser considerado é o fato de o conceito econômico de

comércio não se assemelhar ao jurídico. Atividades artesanais e imobiliárias, v.g.,

embora promovam a circulação da riqueza e se compreendam no conceito econômico

de comércio, escapam ao conceito jurídico. Outras atividades escapam ao conceito

econômico, tais como títulos de crédito emitidos por não-comerciantes, para fins civis,

mas que integram o conceito jurídico de comércio, o que pode ser o caso, na pior das

hipóteses e, eventualmente, de uma CPR.

Fazendo-se uma leitura superficial do art. 53, § 8º, da Lei n. 4.504/64, mais

conhecida como Estatuto da Terra, que dispõe que “às empresas rurais, organizadas

sob a forma de sociedade civil”, pode-se precipitadamente concluir que a atividade rural

não pode ser considerada empresária.

Mas, desconsiderar a complexidade do tema e ignorar certas indagações

contemporâneas pode induzir ao preconceito de que a atividade agrícola não pode ser

considerada mercantil, mantendo-se preso ao passado histórico e à tradição, ao mito

jurídico que vem desde antes dos tempos dos romanos, conhecidos por terem aversão

aos comerciantes e por buscarem no Direito Civil a tutela para qualquer atividade.

31 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 21. 32 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 5.

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Com a evolução da agricultura de mera subsistência para a de mercado,

exige-se uma revisão de conceitos, um aprofundamento sobre o tema, a fim de se

atualizar o Direito, que vai além da norma legal, vez que “o saber jurídico é mais amplo

que o saber dogmático.”33

Muito já se debateu sobre a possibilidade de se considerar o produtor rural

um comerciante. O Prof. WILLE DUARTE COSTA, com propriedade, alerta:

O que não se pode negar é que nos acostumamos a uma afirmação, desde os tempos dos bancos escolares, de que a atividade agrícola está excluída do Direito Comercial34. Sendo atividade econômica, dirigida para a economia de mercado, a comercialidade da empresa rural desponta, a ela se aplicando as regras do direito comercial, pouco importando tratar-se de pessoa física ou jurídica seu titular. Em verdade, não pode ser de outra forma o entendimento, já que sua estrutura pouco ou nada difere das demais empresas, sendo certo que todos os demais elementos são a ela atribuídos35.

E, com o advento do Código Civil de 2002, o produtor rural pode inscrever-se

no Registro Público de Empresas Mercantis, sendo declarado empresário para todos os

fins de Direito. O Prof. JOSÉ MARIA ROCHA FILHO explica que, ao produtor rural,

pessoa física ou jurídica, “foi aberta a possibilidade de ele se tornar empresário ou

sociedade empresária (Lei n. 10.406, arts. 971 e 984). Qual deles não aproveitará a

oportunidade?”36

Essa deve ser a opção natural do agronegócio, que investe na utilização de

tecnologia avançada, que contrata mão-de-obra assalariada, que possui grandes áreas

de cultivo e especialização de culturas, que recorre ao crédito organizado, através, v.g.,

de uma CPR.

33 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 5 ed., rev. e ampl., São Paulo: Atlas, p. 83. 34 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 15. 35 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 174. 36 ROCHA FILHO, José Maria. Curso de Direito Comercial, Parte Geral. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 34.

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O Prof. WILLE DUARTE COSTA 37 pondera que, ao se ter em mente que o

conceito de comerciante não se limita à intermediação, estendendo-se a outras

atividades, é possível a inclusão da agropecuária entre as atividades mercantis,

especialmente no que toca ao produtor rural que habitualmente aplica expressivo

capital na produção de grandes quantidades, de acordo com as necessidades e

exigências do mercado, excetuando-se apenas a atividade exercida como forma de

lazer, descanso mental ou subsistência própria.

Impedir tal opção é tolher o produtor rural da sua recuperação, judicial ou

extrajudicial, ou da decretação de sua falência. É manter-se inerte, frente à evolução do

Direito, estagnando-se em conceitos ultrapassados.

Brilhantemente, o Prof. WILLE DUARTE COSTA critica os que ainda mantêm

o entendimento de autores do passado, que à sua época, não tinham meios de prever a

evolução da atividade rural até os atuais tempos do chamado agronegócio:

Nos casos da atividade agropecuária, o titular pratica também atos em massa, com habitualidade, visando o mercado, para manutenção e crescimento de seu negócio. É ele quem produz, e não a terra, pois desta apenas se serve, como instrumento, para atingir seus fins. A produção pode chegar a ser extraordinária, com grande influência no mercado. Dessa forma, só a tradição pode explicar a exclusão de tal atividade do conceito de comerciante gênero.38

É preciso superar a inércia mental, os dogmas, as “certezas absolutas”,

prática que leva às chamadas mitologias jurídicas da modernidade39. Aos que se

prendem à idéia de que quem produz é a terra, considerando que, na atividade

agropecuária, não há intermediação, indaga-se: não existem atividades mercantis sem

intermediação? Ademais, como manter tal posição, ao se evidenciar que o produtor

rural busca empréstimos, insumos para desenvolver sua atividade com

profissionalismo, plantando extensas culturas ou criando milhares de semoventes, para

entrega ao consumo, intermediando como qualquer outro empresário?

37 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 52 e 81. 38 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 88. 39 GROSSI, Paolo. Mitologias Jurídicas da Modernidade. 2 ed., rev. e ampl., trad. Arno Dal Ri Júnior, Florianópolis: Boiteux, 2007, p. 14.

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O Código Comercial Alemão (HGB), de 1897, já dispunha sobre a faculdade

concedida ao produtor rural de optar, em certos casos, pela qualidade de comerciante.

Conforme art. 1º, desse diploma, agricultores e silvicultores não eram entendidos como

comerciantes, salvo se exercessem uma atividade acessória, respeitando-se alguns

requisitos, abrindo a opção do registro facultativo. Explica GIERKE:

Se se preencheu os mencionados requisitos, o agricultor ou silvicultor está facultado, mas não obrigado, a inscrever sua empresa no Registro do Comércio, adquirindo assim a qualidade de comerciante para a atividade acessória. Por isso, ele é denominado comerciante facultativo (Kannkaufmann).40 (Tradução nossa).

Por esse raciocínio, o simples produtor de uva não será considerado

comerciante, mas, se também possuir uma fábrica de vinhos, essa segunda atividade,

acessória, possibilitaria a inscrição do produtor perante o Registro do Comércio,

adquirindo-se a qualidade de comerciante a partir da inscrição.

Vê-se aí a utilização da chamada teoria do ato acessório, que não pacifica a

questão da caracterização do empresário.

Em grande parte por influência do Código Civil Francês, de 1807, e Espanhol,

de 1829, em nossos vizinhos sul-americanos (Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile), vê-

se certa dificuldade na caracterização do produtor rural como empresário. Os uruguaios

e paraguaios têm sua legislação sobre o tema bastante semelhante ao Código

Comercial Argentino, que dispõe que não são consideradas mercantis as vendas dos

frutos de colheitas e gados de seus agricultores e fazendeiros 41. No Chile, o legislador

procura afastar a comercialidade do produtor rural, por critérios políticos e, não,

científicos.

Contudo, segundo a doutrina e jurisprudência de nossos vizinhos argentinos,

se a produção rural – agrícola e pecuária –, for de considerável tamanho e

40 “Si se han llenado los mencionados requisitos, el agricultor o silvicultor está facultado, pero no obligado, a inscribir su empresa (firma) en el Registro de Comercio, adquiriendo así la cualidad de comerciante para la actividad accesoria. Por ello, se le denomina comerciante facultativo”. GIERKE, Julius von. Derecho Comercial y de la Navegación. Trad. Juan M. Semon. Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina S/A, 1957, p. 81. 41 Código Comercial argentino, art. 452, 3º: “las ventas que hacen los labradores y hacendados de los frutos de sus cosechas y ganados”. In: COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais.

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especialização, com organização do capital e do trabalho, no intuito de atender às

necessidades do mercado, essa deve ser elencada no rol das atividades empresárias.

Nada mais lógico, pois o capital, o trabalho e a organização resumem os elementos do

chamado estabelecimento comercial42.

De maneira mais clara, a Legislação Mexicana conceitua o comércio de forma

aproximada ao conceito econômico, considerando-se mercantil a venda, pelo

proprietário ou agricultor, dos produtos de sua propriedade rural ou de seu cultivo, a

demonstrar que o legislador mexicano, considerando a experiência de outros povos,

corretamente reviu a classificação das atividades rurais, exaltando, com isso, sua

comercialidade. O Prof. WILLE DUARTE COSTA explica que “para o legislador

mexicano, a figura da intermediação na atividade agrícola ficou ultrapassada, o que

demonstra não ser ela importante para configuração do produtor rural.”43

Analisando-se o contexto social, vê-se que a intensa evolução humana no

campo material e tecnológico desatualizou os Códigos em todo o mundo, o que exigiu a

criação de leis complementares, por ser a grande maioria dos Códigos datada do

século XIX, momento de nossa história em que não se verificavam grandes

desenvolvimentos no comércio e na indústria, como ocorre nas últimas décadas,

especialmente na questão rural.

Ainda sobre a feição empresarial do produtor rural, RACHEL SZTAJN

explica:

Atividades agrícolas ou rurais, aqui englobadas tanto a plantação e/ou extração agrícola, quanto a criação de animais, tradicionalmente são consideradas não mercantis em virtude da estreita ligação com a propriedade imobiliária. Essa concepção vem sendo posta em cheque por várias razões. De um lado a importância da propriedade imobiliária rural como representação da riqueza se esmaece diante da exploração econômica das áreas rurais em que a produtividade tem grande importância (a função social da propriedade aparece, nesse aspecto, como elemento fundante de ordens de desapropriação); de outro lado, a crescente integração de procedimentos de transformação da produção agrícola às unidades rurais, a fim de agregar valor aos produtos, com

42 ROCHA FILHO, José Maria. Curso de Direito Comercial, Parte Geral. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 211. 43 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 251.

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reflexos na organização econômica da atividade, torna mais tênue a distinção entre produtor rural e empresário.44

Do disposto nos arts. 966, caput, e 967, ambos do Código Civil de 200245,

considera-se empresário quem exerce atividade econômica organizada para a

produção ou a circulação de bens ou de serviços, de forma profissional, e que tenha

registro prévio perante a Junta Comercial.

São três os requisitos: atividade econômica organizada para a produção ou a

circulação de bens ou de serviços; profissionalidade; registro prévio.

No aspecto subjetivo de quem exerce a empresa, tal como traçado pelo art.

2.082, do Código Civil Italiano46, percebe-se que, freqüentemente, o produtor rural

exerce sua atividade profissionalmente, assumindo os riscos da empresa, dedicando a

ela todo o tempo necessário para que obtenha o máximo de resultado, buscando maior

produtividade. Não se trata de produção ocasional e/ou para consumo próprio.

Amiúde, o produtor exerce sua atividade rural, destinada à produção e

circulação de bens, de forma organizada, técnica e economicamente, com empregados

contratados por tempo indeterminado, outros contratados sazonalmente, ou até mesmo

tendo familiares inseridos na atividade. Isso, sem se olvidar o concurso de contadores,

para os registros e formalidades, que, com aqueles outros, formam um núcleo

organizado, unindo os objetivos individuais do produtor rural e os de seus

colaboradores.

Considerando-se a enorme influência do Código Italiano de 1942 em nossa

atual legislação, vale recordar o que ensina o Prof. WILLE DUARTE COSTA: “na Itália,

o empresário agrícola é empresário como os demais, com a diferença de que a ele não

44 SZTAJN, Rachel. Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, p. 24. 45 CC, art. 966: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.” Art. 967: “É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.” 46 Código Civil italiano, art. 2.082: “E´ imprenditore chi esercita professionalmente un´ attività economica organizzata (2555, 2565) al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi (2135, 2195)”. In: COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994.

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se impõe a inscrição no Registro de Empresas, salvo se se tratar de sociedade

mercantil.”47

Conclui-se que o que qualifica uma pessoa, natural ou jurídica, como

empresária, é a natureza de sua atividade. Por isso, realmente é cada vez mais tênue a

diferença entre o produtor rural e o empresário.

Outro ponto a ser considerado pertine ao registro. Nos primórdios do Direito

Comercial, o exercício da mercancia dependia da prática de atos de comércio e do

registro na corporação de ofício.

Posteriormente, a Legislação Francesa suprimiu o registro corporativo, ao

adotar o critério objetivo para identificação do comerciante. Com o Código Napoleônico,

que adotou o conceito objetivista, da teoria dos atos de comércio, todos os cidadãos

estavam sujeitos a ele, reafirmando o conceito de igualdade perante a Lei, da

Revolução Francesa.

No Brasil, desde 1808 vem sendo regulamentado o registro do comércio, que

teve início com o ato de D. João VI, que criou o Tribunal da Real Junta do Comércio,

Agricultura, Fábrica e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos, sendo

sucedido pelos Decretos ns. 2.672 de 1875, e 6.384, de 1876, bem como o Decreto n.

916, de 1890, Lei n. 4.726, de 1965, Lei n. 8.934, de 1994 e o nosso atual Código Civil.

Nos termos da Lei n. 8.934/94, o registro tem por escopo dar garantia,

publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos dos empresários,

mantendo atualizadas suas informações pertinentes.

A partir do registro, a pessoa passa a gozar das prerrogativas próprias do

empresário, devendo ser implementado antes do início da atividade, como dispõe o art.

967, já transcrito.

Caso a pessoa não proceda ao registro, não haverá nenhuma sanção

específica a ser-lhe imposta, mas esta arcará com restrições legais – tais como

impedimento ao requerimento de falência de outrem ou sua própria recuperação

judicial, confusão entre a pessoa do sócio com a da sociedade –, e terá a pecha de

irregular.

47 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 261.

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Ao tempo do vetusto Código Civil Brasileiro, de 1916, o Mestre JOÃO

EUNÁPIO BORGES48 já ensinava que o registro era teoricamente facultativo, mas

praticamente obrigatório.

Veja-se o que dispõem os arts. 971 e o 984, caput, do Código Civil brasileiro,

in verbis:

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.

Por sua redação, o produtor rural é ou pode ser considerado empresário,

mesmo sem o registro na Junta Comercial. Afinal, já é tido pelo legislador como

empresário, como pessoa que exerce atividade empresária, mesmo sem registro

próprio, como se infere da leitura do art. 971.

O Código Comercial Brasileiro, de 1850, estabelecia que o registro do

comerciante era facultativo, e sua falta implicava em restrições ao pleno exercício de

prerrogativas do comerciante regular. Isso demonstra, pois, que não era o registro que

conferia o status de comerciante a alguém, vez que era entendido por comerciante

aquele que habitualmente praticasse atos de comércio.

Com isso em mente, conclui-se que o registro, além de facultativo, apenas

declarava a condição de comerciante. O Prof. WILLE DUARTE COSTA é taxativo ao

ensinar que “o registro não é constitutivo de direito entre nós e, quando muito, pode

servir como princípio de prova da qualidade de comerciante.”49

A partir do Código Civil de 2002, voltou-se à idéia do registro obrigatório,

como nos tempos das corporações de ofício, mas sem prever sanções diretas à sua

48 BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 5 ed., 4 tiragem, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 174. 49 COSTA, Wille Duarte. A Possibilidade de Aplicação do Conceito de Comerciante ao Produtor Rural. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994, p. 71.

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ausência, permanecendo a postura de obstáculos a prerrogativas conferidas aos

empresários regularmente registrados.

Não obstante, apesar de obrigatório o registro, quanto aos efeitos nada foi

mudado, permanecendo este tão somente declaratório50 da condição de empresário.

Por isso, sem o registro, a pessoa atuará à margem da Lei.

Ainda sobre os efeitos desse registro, assim pondera o Prof. JOSÉ MARIA

ROCHA FILHO:

O registro na Junta Comercial, embora obrigatório (Lei n. 10.406, art. 967), não é constitutivo, mas simplesmente declaratório da qualidade de empresário. Pelo menos por enquanto. [...] Mas, considerando nosso Direito Positivo atual, se houver prova de que o inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) não exercita, profissionalmente, atividade própria de empresário, não adquire ele a condição de empresário.51

Em sentido semelhante se pronunciou o, àquele tempo, Min. VICENTE

CERNICCHIARO, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

A natureza da sociedade, então, é definida pelo objetivo social. O registro no órgão competente é meramente declaratório. Faltando-lhe o efeito constitutivo, decisiva é a atividade final.52

Nesse ponto, imperiosa a recordação de VALVERDE, ao ensinar sobre o

sujeito passivo em ação de falência:

As formalidades legais prescritas para o exercício do comércio tendem a regularizá-lo ou a conceder direitos e prerrogativas ao comerciante. Haja ou não

50 Sustenta-se a opinião, porque apenas o registro perante a Junta Comercial não confere ao produtor rural, pelo que exige o Código Civil, a condição de empresário; e, porque o art. 971, do CC, chama o produtor rural de empresário antes mesmo de ele ter aquele registro. Corroborando essa opinião, explica Maximilianus Cláudio Américo Führer, ao tratar do sujeito passivo no processo de falência, no caso do art. 4º, VII, do revogado DL n. 7.661/45 (devedor que cessou o exercício do comércio há mais de dois anos): “a falta de cancelamento do registro na Junta Comercial é irrelevante, se ficar provada a cessação das atividades comerciais há mais de dois anos (RT 388/176, 452/87, 476/97; RF 253/311). Assim como a baixa na Junta não prevalece contra prova de exercício posterior ao ato registrado (art. 4º, VII, LF)”, in: Roteiro das falências e concordatas. 17. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 27-28 e Luiz Tzirulnik, ao explicar que “o empresário rural só terá a qualidade efetiva de empresário mediante o exercício da atividade, já que o registro, embora seja obrigação legal, não é pressuposto para a confirmação da qualidade de empresário”, in: Empresas e Empresários, 2. ed., São Paulo: RT, 2005, p. 34. 51 ROCHA FILHO, José Maria. Curso de Direito Comercial, Parte Geral. 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 87. 52 STJ, 2ª T., Resp n. 3.664, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 9/10/1990.

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cumprido essas formalidades e não se modificará a sua qualidade, que deflui dos atos de mercancia, praticados, habitualmente, por profissão. Conclui-se, portanto, que nem a matrícula, nem a inscrição da firma, ou razão social, nem o arquivamento do instrumento do contrato ou dos estatutos, no Registro do Comércio dão, por si só, à pessoa física, ou jurídica, a qualidade de comerciante. São simples presunções do exercício regular do comércio.53

O produtor rural – que assim é chamado em função de sua atividade e, não,

por causa da localização onde se exerce a empresa –, antes mesmo de sua inscrição

no Registro Público de Empresas Mercantis, já foi considerado empresário. O registro

serve para confirmá-lo, declará-lo empresário, submetendo-o às normas do Direito

Comercial, não cabendo dizer que, no tocante ao empresário rural, o registro teria o

efeito constitutivo.54

Conclui-se que não há dispensa do registro. Mas, o só fato de se ter o

registro na Junta Comercial não confere ao produtor rural a condição de empresário,

pois deve ele, além do registro, desempenhar atividade rural com caráter empresarial.

LUIZ TZIRULNIK alerta: “o empresário rural só terá a qualidade efetiva de

empresário mediante o exercício da atividade, já que o registro, embora seja obrigação

legal, não é pressuposto para a confirmação da qualidade de empresário.”55

Vê-se, pois, que o traço empresarial da venda surge das características do

vendedor e, não, do comprador, como ocorre também com as duplicatas, no dizer de

BARBI FILHO56.

Pensando assim, facilmente se percebe que o objeto da CPR pode ser

oriundo de uma atividade empresarial, apesar disso não ser a ela imprescindível.

Outro ponto: o fato de a CPR ter origem, necessariamente, em uma venda

futura de produto rural não impede de considerá-la um título de crédito, pois este pode,

perfeitamente, constituir objeto de uma compra e venda. WALDEMAR FERREIRA já

ensinava, décadas antes da criação da CPR, que o título de crédito “pode ser

53 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. Vol. I, 4 ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 15. 54 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Manual de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.51. 55 TZIRULNIK, Luiz. Empresas e Empresários, 2. ed., São Paulo: RT, 2005, p. 34. 56 BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 8.

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representativo de bens, de tôda natureza, móveis ou imóveis, produtos agrícolas,

mesmo ainda pendentes.”57 (sic).

Ademais, sabe-se que a duplicata, como título causal, só pode ser emitida em

decorrência de uma compra e venda mercantil ou de uma prestação de serviços, sem,

por isso, perder sua condição de título cambiariforme. ASCARELLI ensina que os títulos

se prendem à relação fundamental e exemplifica: o conhecimento pressupõe o contrato

de fretamento ou de transporte, o conhecimento de depósito pressupõe o contrato de

depósito, esclarecendo que são nessas hipóteses que a doutrina se refere a títulos

causais, em decorrência da íntima conexão entre o título de crédito e sua relação

fundamental58.

A bem da verdade, na grande maioria dos casos, o título de crédito estará

vinculado a um negócio que lhe deu origem, podendo as partes que o entabularam

discuti-lo. Mas, pode ocorrer a emissão e circulação de uma cambial sem a ciência, ou

até mesmo contra a vontade do devedor ou endossatário, e, ainda assim, o terceiro

possuidor de boa-fé terá garantido o seu direito, vez que o vínculo cambial deriva da

assinatura59, o que evidencia que não se trata, simplesmente, de se falar em doutrina

contratual. Afinal, a partir do primeiro endosso efetivado, o devedor não terá mais o

direito de opor exceções pessoais ao endossatário, como poderia fazer com o primeiro

beneficiário. Como ensina SARAIVA, “tolhido ao devedor este direito por causa da

autonomia do crédito, desaparece a base do vínculo contratual entre o emitente e cada

um dos sucessivos endossatários”60.

Pensa-se, pois, que a CPR deve ser encarada como um título causal, vez

que, necessariamente, deve respeitar os motivos que autorizam sua emissão. Não

pode ela ser emitida com base em motivo diverso do previsto em lei, que é a compra e

venda de produto rural. Mas, não perde sua autonomia por isso, vez que não se pode

confundir a declaração cartular e a declaração fundamental. Conforme lição de

57 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 79. 58 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 39. 59 SARAIVA, José A. A Cambial. Vol. 1, Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, p. 139. 60 SARAIVA, José A. A Cambial. Vol. 1, Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, p. 101.

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ASCARELLI, “são justamente os títulos de crédito causais aquêles em que a prática

mercantil se mostra mais fecunda, multiplicando-os continuamente.”61 (sic).

Se a CPR, como título causal, for perfeita na forma e na substância,

observando-se os requisitos da Lei n. 8.929/94, ela poderá circular como qualquer outro

título abstrato, com idêntica eficácia, desaparecendo o vínculo contratual.

Nesse ponto, nota-se semelhança da CPR com os conhecidos títulos

representativos. Esses, explica FRAN MARTINS62, são títulos causais que, apesar de

visarem a circulação do direito, a circulação da mercadoria, não exprimem verdadeira

operação de crédito, mas representam mercadorias ou bens que fundamentam sua

existência.

Pode-se entendê-los como sendo títulos que incorporam o direito de crédito

ao recebimento de determinadas mercadorias, atribuindo-o ao possuidor do título,

conforme lição de FIORENTINO63, com base no disposto no art. 1.996, do Código Civil

Italiano de 194264, que trata dos títulos representativos. Caracterizam-se, pois, por

representarem mercadorias ou bens e darem ao possuidor o poder de exercer certos

direitos sobre aqueles, v.g., transferindo-os a terceiros, com o documento que os

representa, ou constituindo direitos reais sobre os bens e, também, por obedecerem,

em certos aspectos, aos princípios norteadores dos títulos de crédito em geral. Os

títulos representativos, ensina FRAN MARTINS, “se beneficiam desses princípios para

mobilizar o crédito tendo por base mercadorias ou bens de que os portadores dos

títulos em regra podem dispor.”65

Além disso, é certo que a CPR, como outros títulos representativos, v.g., o

conhecimento de depósito e o warrant, reveste-se de certos requisitos dos títulos de

crédito próprios, encerrando direitos de crédito e utilizando as normas cambiárias para

circular, com as garantias que caracterizam aqueles.

61 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 159. 62 MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 253. 63 FIORENTINO, Adriano apud MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 253. 64 Código Civil Italiano: “Art 1996 Titoli rappresentativi. [I]. I titoli rappresentativi di merci attribuiscono al possessore il diritto alla consegna delle merci che sono in essi specificate, il possesso delle medesime e il potere di disporne mediante trasferimento del titolo.”. In: MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 253. 65 MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. Vol. II. Rio de Janeiro; Forense, 1998, p. 254.

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Essas considerações, sobre os chamados títulos representativos, guardam

íntima relação com a CPR. No que tange à CPR Financeira, criada a partir da

modificação implementada pela Lei n. 10.200/2001, modalidade em que não se obriga à

entrega de produtos, mas, sim, do valor equivalente em dinheiro, entende-se ser ela um

título de crédito próprio, por encerrar verdadeira operação de crédito, conforme lição de

CARVALHO DE MENDONÇA: “a operação de credito por excellencia é a em que a

prestação se faz e a contraprestação se promette em dinheiro.”66(sic).

Além de todos esses aspectos, vale recordar que as pessoas autorizadas a

emitir CPR não são impedidas de emitir outros títulos de crédito. Exemplo disso é o fato

de um produtor rural, sua associação ou cooperativa poder emitir letras de câmbio,

cheques, notas promissórias etc..

Tendo-se em conta que a CPR surgiu no direito pátrio pela necessidade de

se agilizar a venda do produto rural, evidencia-se mais uma semelhança entre ela e os

títulos de crédito, que têm por objetivo, precisamente, a circulação do crédito e a

mobilização da riqueza. Ensina o festejado ASCARELLI, logo na Advertência de sua

obra67, que “os títulos de crédito formam um instituto jurídico destinado a facilitar a

“circulação” dos direitos”, concluindo, por fim, “ser impossível, com as normas do direito

comum, conseguir a “circulação” dos direitos de crédito”.

Seguindo essa lição, COELHO68 pondera que a diferença basilar entre o

regime cambiário e as regras dos demais documentos representativos de obrigações

está nos preceitos que facilitam ao credor encontrar pessoas interessadas em antecipar

o valor da obrigação, em troca da titularidade do crédito, sendo que as regras

cambiárias conferem a essa pessoa maiores garantias que as regras do direito comum.

Ainda sobre tal diferenciação, WHITAKER ensina:

O credito declarado num documento commum de divida póde ser exigido, modificado ou transferido, independentemente do respectivo titulo, que é prova mas não condição de sua existência; nos títulos de credito, porém, o titulo é a prova indispensável do credito – “é, por assim dizer, o próprio credito reduzido a uma forma sensível”(8), - e exerce sobre este uma tal influencia que, sem elle

66 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 458, p. 51. 67 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. de Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943. 68 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 365.

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ou fora delle, o credito não se póde nem exigir, nem modificar ou transferir69 (sic).

WALDEMAR FERREIRA põe a pá de cal sobre o tema:

As diferenças assinaladoras da obrigação comercial obedecem à simplicidade das fórmulas, levadas a cabo pelos mercadores em labor de séculos, derrogando e modificando certos princípios dos contratos civis, que entorpeciam e dificultavam a vida comercial; ou criando outros contratos que o tráfico mercantil tornou necessários. Onde elas principalmente se fizeram sentir foi no Direito Marítimo e no Cambiário. Destinada a obrigação mercantil a facilitar o problema circulatório da riqueza, não podia, em geral, acomodar-se às formas hieráticas e solenes dos contratos civis. Nem o processo, para torná-los eficazes, poderia ser amplo e severo como o civil. Se quanto à primeira, impera a fórmula da verdade sabida e da boa-fé guardada, quanto ao segundo, interessa encontrar modo e maneira de tornar a realidade o lema do comércio: o tempo é dinheiro70.

Recordando, uma vez mais, os elementos essenciais do crédito, evidencia-se

a proximidade entre a CPR e um título cambiário. Naquela, a confiança está presente, à

medida que há promessa de pagamento futuro, assim como a confiança do credor no

devedor, que pode repousar em garantias reais. Está presente o tempo, que é o

intervalo entre a prestação atual e a futura.

Pela breve recordação sobre os elementos comuns dos títulos de crédito, viu-

se que são eles a cartularidade, a literalidade e a autonomia, também presentes na

CPR. E, conforme ensina CARVALHO DE MENDONÇA, “os documentos das

obrigações, desde que se apresentam literal e autonomamente, alistam-se, no direito

commercial, entre os titulos de crédito.”71(sic).

A negociabilidade, evidenciada na facilidade da circulação do crédito

documentado, pode ser entendida como o elemento que mais diferencia as cambiais

dos demais documentos representativos de obrigações. WHITAKER ensina que a

existência de cláusula “à ordem” é “o antecipado consentimento a essa circulação”72.

69 WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 2 ed., rev. e augmentada. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1932, p. 15. 70 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 9. 71 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro, v. V, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, 3. ed., 2 parte, n. 459, p. 52. 72 WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 2 ed., rev. e augmentada. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1932, p. 18.

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Outro elemento que referenda essa posição e que não pode ser

desconsiderado é a existência da possibilidade do aval na CPR, vez que,

indubitavelmente, o aval é instituto de direito cambial.

Ensina o festejado civilista CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

Não há confundir fiança e aval. Ambos são tipos de garantia pessoal, mas, enquanto a fiança é uma garantia fidejussória ampla, e hábil a aceder a qualquer espécie de obrigação, convencional, legal ou judicial, o aval é restrito aos débitos submetidos aos princípios cambiários.73

Alerta o Prof. WILLE DUARTE COSTA que o aval é “uma garantia típica

cambiária que não existe fora do título de crédito”74, posição bem definida também por

AZEREDO SANTOS, ao afirmar que “aval e fiança não são sinônimos. O aval está

sempre vinculado a título de crédito.”75

Situações há em que se recorre a institutos do direito comum, mas deve-se

reconhecer que tais institutos, por mais valiosos e úteis que sejam, são imperfeitos,

quando o objetivo é a circulação do crédito.

E, não é pelo fato de constar no art. 10, da Lei n. 8.929/9476, que as normas

de direito cambial se aplicam à CPR “no que forem cabíveis”, que esta não é um título

de crédito.

Nesse aspecto, oportuna a explicação de ROSA JÚNIOR, ao tratar de tema

semelhante, no que tange à duplicata:

[...] as normas da LUG e do Decreto n. 2.044/1908 só podem ser aplicadas à duplicata e à triplicata no que couber (LD, art. 25). Disso resulta que as normas dos mencionados diplomas legais só se aplicam à duplicata e à triplicata no caso de lacuna da Lei n. 5.474/68 e se não contrariarem a feição característica da duplicata [...]77.

E continua, mais à frente:

73 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 457. 74 COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 199. 75 SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Manual dos Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1971, p. 174. 76 L. n. 8.929/94, art. 10: “Aplicam-se à CPR, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, com as seguintes modificações:” – grifo nosso. 77 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 640.

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A legislação sobre emissão, circulação e pagamento das letras de câmbio só se aplica, subsidiariamente, à duplicata no que couber (LD, art. 25), isto é, na parte em que não afetar o seu traço marcante, qual seja, documentar o saque pelo vendedor da mercadoria ou pelo prestador de serviços da importância faturada ao comprador ou beneficiário do serviço78.

Expressão semelhante consta do art. 29, da Lei n. 10.931/200479, que dispõe

sobre a Cédula de Crédito Bancário, sem que, com isso, essa Cédula perca sua

condição de título de crédito. Na Lei de CPR consta “no que forem cabíveis”; na de

Cédula de Crédito Bancário, “no que couberem”.

O raciocínio deve ser o mesmo quanto à CPR. O que se extrai daquele

dispositivo é justamente que as normas de Direito Cambiário são aplicáveis à CPR, na

parte em que não afetar seus traços marcantes, que são a compra e venda de produto

rural, além das alterações constantes daqueles incisos, do art. 10, relativas ao endosso,

aos endossantes, aos avalistas e ao protesto.

Veja-se a afirmação de ASCARELLI, ao se referir ao título de crédito como o

documento em que se incorpora o direito nele mencionado:

Caráter constante, porém, de todos, é que constituem um documento; escrito; assinado pelo devedor; formal, no sentido de que é submetido a condições de forma, estabelecidas justamente para identificar com exatidão o direito nele mencionado e as suas modalidades, a especie do titulo de credito (daí nos títulos cambiários até o requisito da denominação), a pessoa do credor, a forma de circulação do título e a pessoa do devedor.80 (sic).

Do exposto, conclui-se que a CPR é um título representativo – título de

crédito, portanto –, por ser documento escrito, com denominação própria, submetido à

certa forma, a identificar o direito nele mencionado e as pessoas do credor e do

devedor, prevendo a forma de circulação.

Trata-se, pois, de título de crédito previsto em lei específica e, em função de

determinadas particularidades, possui regras próprias em alguns momentos, tais como

os seus requisitos essenciais e as diferenças entre ela e os demais títulos de créditos,

expostas, especialmente, nos incisos I, II e III, do art. 10, da Lei n. 8.929/94.

78 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 651. 79 L. n. 10.931/2004, art. 29, § 1º: “A Cédula de Crédito Bancário será transferível mediante endosso em preto, ao qual se aplicarão, no que couberem, as normas do direito cambiário [...]” – grifo nosso. 80 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 29.

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O Prof. WILLE DUARTE COSTA81 ensina que, em se tratando de título de

crédito típico existente no Direito brasileiro, este se filia, por referência expressa, à

disciplina da legislação cambiária e, por isso, é denominado título cambiariforme.

Tais considerações acerca da natureza jurídica convidam à reflexão. Afinal,

como manifestado por ASCARELLI:

O problema dos títulos de crédito é, mais que qualquer outro, um problema de tecnica juridica, pois com frequencia, a dificuldade não reside na interpretação da norma ou na individuação do fim visado pelo legislador, mas na coordenação da norma no sistema geral. E justamente por isso lembramos que o problema dos titulos de credito tem origem no contraste entre as exigencias da circulação e as regras do direito comum. É, portanto, essa coordenação das normas relativas aos titulos de credito no ambito do sistema geral, o unico caminho que pode conduzir à solução dos problemas não resolvidos expressamente pelo legislador e ao aperfeiçoamento do instituto através da formulação dos seus principios gerais (sic).82

Nesse sentido, o referido Autor explica que é preciso ter em conta tanto as

exigências econômicas a que o instituto jurídico deve corresponder, como também a

necessidade de se satisfazer tais exigências com princípios jurídicos precisos. Assim,

obedecendo ao primeiro preceito, será alcançado um direito vivo e justo; obedecendo

ao segundo, será possível torná-lo certo.

Conforme asseverado por WALDEMAR FERREIRA:

Para o homem de negócios, nada de maior utilidade haveria do que obter certificado ou título que pudesse transferir, com a mesma facilidade que qualquer bem móvel, e lhe conferisse direito próprio, justificado pela exibição do título, à prestação, nêle de qualquer maneira incluída, sem necessidade de fazer descer sua perquirição até o credor primitivo, em cujos direitos se houvesse investido. Transmissibilidade rápida, penetração do direito no título e, por isso mesmo, independência respectiva de todo portador, doutrinou Edmond Thaller, eis os atributos dos títulos de crédito, eis o que lhes fez a fortuna83 (sic).

Tal observação, datada de 1962, é atualíssima. Tendo-se isso em conta e,

vencida a questão da natureza da CPR, o propósito é, pois, de se chegar a um direito

vivo, justo e certo, no que toca à cambial analisada.

81 COSTA, Wille Duarte. Título de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 36. 82 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 18. 83 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 78.

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WALDEMAR FERREIRA, na obra acima citada, compara os títulos de crédito,

por terem reformado o mundo dos negócios, à alavanca de Arquimedes84. Por quê,

então, não lançar mão de tão importante ferramenta?

Por último, de recordar o parecer do SENADO FEDERAL em relação ao

então Projeto de Lei da Cédula de Produto Rural, que trouxe a seguinte definição:

A Cédula de Produto Rural é uma cambial pela qual o emitente vende antecipadamente a sua produção agropecuária, recebe o valor da venda no ato da formalização do negócio e se compromete a entregar o produto vendido no local e data estipulados no título (Senado Federal – Parecer de Plenário, publicado no DCN, Seção II, de 11/8/1994).85

Feitas essas considerações relativas à natureza da CPR, quanto à sua

classificação, esse título pode ser assim entendido: título de crédito impróprio ou

cambiariforme – assemelhado por lei aos títulos de crédito, para fins de circulação;

privado – em regra, é emitido por pessoas privadas, naturais ou jurídicas, mas é

possível a sua emissão por ente público; singular – é emitido para um caso concreto;

causal – nasce de uma causa determinada, de um negócio típico fundamental, que é a

compra e venda de produto rural e está legalmente vinculado à sua origem86; à ordem

ou endossável – o signatário se obriga a entregar ou mandar entregar à pessoa

indicada, ou à sua ordem, certa quantidade de coisas fungíveis. Sua transferência se

opera através da tradição documentada com a assinatura lançada no título.

9.2 Dos Requisitos da Cédula de Produto Rural

Após essas considerações, acerca da aplicabilidade das regras cambiárias à

CPR, passa-se à análise de seus requisitos.

84 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 79. 85 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 198. 86 Tal característica é relevante, pois se a CPR fosse título abstrato, o devedor poderia dispor dos privilégios dessa cambial, mas sem atender aos seus fins particulares. In: ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 194/195.

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Conforme ensinado por DE SEMO, “por requisitos cambiários devem

entender-se aqueles elementos de fundo e de forma para que, segundo a teoria geral

do direito e a lei, nasça uma declaração de vontade válida.”87

Por ser documento formal, a validade da CPR depende da existência de

determinados requisitos intrínsecos, relacionados à obrigação mencionada na cártula,

v.g., a capacidade e o consentimento, que, por serem comuns a todas as espécies de

obrigações, não constituem matéria cambiária; e extrínsecos, relativos à Cédula, que a

Lei n. 8.929/94 indica para formalização de sua validade.

Conforme disposto no art. 4º, da Lei n. 8.929/94, a CPR deve conter as

seguintes indicações, lançadas em seu contexto:

I) Denominação “C édula de Produto Rural ” : a denominação dada ao título

cumpre o importante papel de caracterizá-lo como título de crédito e determinar a sua

espécie, conforme explicação de ROSA JÚNIOR88. Deve a denominação estar inserida

no título, a fim de que seus subscritores possam identificar o documento como uma

CPR, estando cientes da obrigação que assumiram.

Por se exigir a denominação inserida no título, não basta intitular o

documento como Cédula de Produto Rural; tal denominação deve estar inserida no

texto. Caso contrário, o documento não poderá ser usado na via executiva. WHITAKER

ensina que o uso da denominação no título “implica uma renuncia aos favores do direito

commum, uma acquiescencia formal e solemne ás normas excepcionaes do direito

cambiário.”89 (sic);

II) Data da entrega : a data fixada não deve impossibilitar o cumprimento da

obrigação pactuada, v.g., data anterior à época da colheita do produto, o que obrigaria

o devedor a entregar um bem ainda inexistente.

Não constando a data da entrega do produto na CPR, o portador de boa-fé

pode completá-la. Pelo mesmo motivo exposto no exemplo da fixação de data anterior

87 DE SEMO Apud ROSA JR.. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 114. 88 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 477. 89 WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 2 ed., rev. e aumentada. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1932, p. 49.

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à colheita, entende-se que não se pode considerar a CPR pagável à vista, como ocorre

com a nota promissória, caso falte a data de entrega do produto, principalmente ao se

considerar que a CPR foi criada para que o produtor rural venda sua produção antes

mesmo que essa exista efetivamente.

Outra consideração pertine ao erro na estipulação do vencimento. Caso se

evidencie esse equívoco na cédula, as partes poderão alterá-la, firmando um aditivo,

conforme autorização constante no art. 9º, da Lei n. 8.929/9490;

III) Nome do credor e cláusula à ordem : o nome do credor é importante para

identificar o comprador do produto e para que o vendedor saiba a quem deve entregar o

bem, evidenciando que não se admite CPR emitida ao portador. Freqüentemente, vê-se

como credor os exportadores de produtos primários e as próprias cooperativas de

produtores rurais, mas qualquer interessado poderá figurar como credor,

originariamente ou a partir de um endosso.

Mas, a CPR pode ser emitida à ordem do beneficiário, o que assegura ao

título seu caráter circulatório. CARVALHO DE MENDONÇA91 conceitua os títulos à

ordem como sendo aqueles nos quais o signatário se compromete a entregar ou

mandar entregar a uma pessoa indicada, ou à sua ordem, certa quantia em dinheiro ou

certa quantidade de coisas fungíveis, no lugar e no tempo determinados.

A cláusula à ordem, sabe-se, é implícita nos títulos de crédito, vez que, a

partir de sua, o emitente autoriza a circulação da cambial por endosso, mesmo que isso

não esteja explícito. Afinal, para que o documento não tenha essa prerrogativa de

circulação sob o regime cambiário, é preciso que haja menção expressa à cláusula não

à ordem.

A CPR, como título de crédito que é, tem em si a possibilidade de circulação.

Dessa maneira, a promessa feita pelo emitente se dirige a quem seja o legítimo

portador da CPR no vencimento.

90 L. n. 8.929/94, art. 9º: “A CPR poderá ser aditada, ratificada e retificada por aditivos, que a integram, datados e assinados pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.” 91 MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. Vol. V, 2 parte. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, n. 489, p. 95.

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IV) Promessa pura e simples de entregar o produto, sua indicação e as

especificações de qualidade e quantidade : essa promessa não pode estar

subordinada à condição. Se houver cláusula condicional constante do título, deve-se

considerá-la não-escrita. O bem prometido deve ser discriminado, de forma a

caracterizá-lo especificamente acerca da quantidade e qualidade. Essa caracterização

pode ser atingida pela descrição do tipo, teor de umidade, teor de impureza, quilo,

arroba etc., variando conforme o produto. Quanto mais detalhada a indicação, maior

segurança haverá para as partes envolvidas.

Tendo-se em conta o art. 3º, § 1º, da Lei 8.929/9492, vê-se que outras

cláusulas podem ser inseridas no título, tal como a que expresse claramente o produto

negociado. Caso a Cédula seja imprecisa quanto à identificação do produto, entende-se

que deve ela ser alterada oportunamente nesse ponto, sob pena de se revelar

imprestável ao credor, impossibilitando-o de exigir judicialmente do devedor a entrega

de um bem que não se pode identificar com precisão.

Pode acontecer, também, de a coisa identificada não mais existir, ou não ser

mais possível a escolha. Nesses casos, a execução para entrega de coisa incerta

fatalmente deverá se converter em execução por quantia certa, conforme explicitado

nas seguintes decisões:

Apelação cível. Entrega de coisa incerta, fungível. Inexistência da coisa, impossibilidade de escolha. Conversão em execução p or quantia certa. Carência de ação por procedimento incorreto repelid a. Quando não mais existe a coisa ou já seja individuada pelo seu número, medida e peso, espécie, qualidade e quantidade, não há processo de escolha, por impossibilidade objetiva. [...] Havendo impossibilidade de escolha, a entrega da coisa só pode ser na quantidade, espécie e qualidade avençadas na CPR, por inexistir outra alternativa. Frustrada a busca e apreensão por inexistência da coisa, a execução se converte em execução por quantia certa (CPC, art. 627, § 1º). O valor da coisa é o do dia do pagamento.93 Apelação cível. Direito privado não especificado. E mbargos à execução de título extrajudicial. Cédula de Produto Rural. Entr ega de coisa incerta. Conversão. Pagamento de quantia certa. Deixando os executados de atender a determinação judicial para entrega da coisa reclamada, admite-se a conversão da execução para entrega de coisa incerta em procedimento voltado ao pagamento de quantia certa contra devedor solvente. [...] O art. 4º da Lei

92 L. n. 8.929/94, art. 3º, § 1º: “Sem caráter de requisito essencial, a CPR poderá conter outras cláusulas lançadas em seu contexto, as quais poderão constar de documento à parte, com a assinatura do emitente, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.” 93 TJGO, 2ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 54.662-7/188, rel. Des. Aluízio Ataídes de Sousa, j. 8/5/2001.

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8.929/1994 é expresso quanto à certeza, liquidez e exeqüibilidade da Cédula de Produto Rural pela quantidade e qualidade de produto nela previsto, logo, a pretensão creditória deve ser balizada de acordo com os limites da convenção estabelecida entre as partes, segundo recomenda o princípio da adstrição ao título executado.94

Dessa forma, nos termos do Código de Processo Civil, se não for possível a

entrega do produto mencionado na CPR, ainda resta ao credor converter a execução

para a modalidade por quantia certa.

V) Local e condição da entrega : o local da entrega do produto deve ser bem

descrito, com identificação precisa. Se as partes estabeleceram na CPR um local certo

e determinado, é nesse lugar onde deve ser satisfeita a obrigação.

Ponto fundamental é dar certeza do local de entrega do produto. Não basta,

v.g., informar que a entrega será efetivada no porto de determinada cidade, mas, sim,

indicar o terminal e/ou cais do referido porto.

Em havendo dúvida, o emitente poderá notificar o credor – caso saiba quem é

o legítimo portador –, para que a incerteza não persista, precisando melhor o local já

indicado na CPR. Se, apesar de notificado, o credor não prestar os esclarecimentos

necessários, ou se não se souber quem é o legítimo portador da CPR, o emitente

poderá promover a consignação judicial do bem95, para que não seja constituído em

mora.

Na data e no local em que efetivamente se der a entrega do produto,

considerar-se-á efetuada a transferência da propriedade do produto ao credor. E, pelo

fato de a CPR fundar-se em uma compra e venda, em que o objeto nem sempre existe

ao tempo do negócio, v.g., safra futura, caso o devedor não tenha recebido o preço

avençado, não estará obrigado a entregar o bem prometido ao credor, podendo opor-

lhe essa exceção pessoal96, obviamente, se o título não tiver circulado. Se a CPR tiver

saído da mão do credor originário, por endosso dele em favor de terceiro, o devedor

não poderá opor aquela exceção ao endossatário, terceiro portador de boa-fé.

94 TJRS, 12ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70020028031, rel. Des. Cláudio Baldino Maciel, j. 11/10/2007. 95 Ver CPC, arts. 890 e seguintes. 96 CC, art. 491: “Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço.”

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Outro ponto importante, sobre o local de entrega, relaciona-se à sua

inalterabilidade, mesmo em caso de circulação da CPR por endosso. O emitente da

Cédula se obriga a entregar o bem prometido no local descrito no título. A alteração do

legítimo possuidor da CPR não é suficiente a modificar o local onde deva ser satisfeita

a obrigação pelo devedor, salvo com seu consentimento. Nesse caso, a alteração do

local deve ser formalizada através de um aditivo97, especificando o novo local. Veja-se:

Cédula de produto rural. Cessão. Falta de comunicaç ão ao emitente. Entrega do produto à cessionária . Não é razoável exigir que o agricultor emitente de cédula de produto rural entregue a mercadoria na sede da cessionária, localizada a mais de mil quilômetros do local da produção. À falta de comunicação da cessão, é eficaz a entrega na sede do estabelecimento da primitiva credora, que recebe o produto e dá quitação. [...] Havendo o endosso, que deve ser completo, a natureza da cédula exige a prévia notificação do devedor, para confirmar ou alterar o local da entrega do produto. Sem isso, o emitente permanece sempre com a obrigação de efetuar a entrega do produto no local indicado, mesmo porque o agricultor não pode correr o país para procurar o lugar possível de entrega do objeto da sua prestação, no caso de endosso feito pelo credor [primitivo comprador do produto] às empresas que industrializam ou se atravessam no mercado de produtos agrícolas, localizados nos mais diversos pontos do país.98

Além disso, não havendo estipulação expressa em contrário, a cláusula que

indica o local de entrega do bem determina o foro competente para eventual ação

fundada na CPR (art. 100, IV, “d”, do Código de Processo Civil)99.

VI) Descrição dos bens cedularmente vinculados em g arantia : essa é uma

cláusula não essencial, pois sua obediência tem fundamento somente se a CPR for

emitida com garantia real, cedularmente constituída, já que, conforme disposto no art.

1º, da Lei n. 8.929/94, a Cédula pode ser emitida sem essa garantia.

Faltando espaço na CPR, para a descrição do bem conferido em garantia

real, um documento à parte poderá ser usado para esse fim100.

97 L. n. 8.929/94, art. 9º: “A CPR poderá ser aditada, ratificada e retificada por aditivos, que a integram, datados e assinados pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.” 98 STJ, 4ª T., Resp. n. 494.052-RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 1º/9/2003. 99 CPC, art. 100: “É competente o foro: omissis IV – do lugar: omissis d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;”

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VII) Data e lugar da emissão : a menção à data e ao lugar de em que a CPR foi

emitida devem constar do título. A data é importante para que seja possível auferir se o

emitente era capaz juridicamente, para assumir obrigações cambiárias ao tempo da

emissão da CPR. E, em havendo pessoa que assine a cambial como mandatário do

emitente, para se saber se aquele tinha mandato válido ou poderes especiais101. Da

mesma forma, a data serve como termo inicial da fluência de juros compensatórios102.

A fixação da data também pode ser relevante para verificação de emissão da

CPR por empresário rural dentro do termo legal da falência103.

Além disso, como ensina RIPERT104, a indicação da data determina o

vencimento, caso o título faça menção a um lapso temporal a partir da data de emissão,

para se averiguar o dia do pagamento.

No que tange ao lugar da emissão, conforme o disposto no artigo ora

analisado, se a CPR não o indicar, aquele será considerado o do domicílio do emitente.

Mutatis mutandis, da mesma forma que a nota promissória e a letra de

câmbio devem conter a indicação da data de sua emissão, sob pena de não serem

entendidas como títulos de crédito, a CPR sem indicação da data de sua emissão pode

sofrer o mesmo tratamento, não sendo passível, pois, de ser executada judicialmente.

VIII) Assinatura do emitente : aquele que assume diretamente a obrigação de

entregar o produto rural descrito no título deve apor sua assinatura em campo

específico da Cédula. 100 L. n. 8.929/94, art. 3º: Omissis. “§ 2º. A descrição dos bens vinculados em garantia pode ser feita em documento à parte, assinado pelo emitente, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.” 101 LUG, art. 8º: “Todo aquele que apuser a sua assinatura numa letra, como representante de uma pessoa, para representar a qual não tinha de fato poderes, fica obrigado em virtude da letra e, se a pagar, tem os mesmos direitos que o pretendido representado. A mesma regra se aplica ao representante que tenha excedido os seus poderes.” 102 LUG, art. 5º, 3ª alínea: “Os juros contam-se da data da letra, se outra data não for indicada.” 103 L. n. 11.101/2005, art. 99: “A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações: I – omissis; II – fixará o termo legal, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para essa finalidade, os protestos que tenham sido cancelados.” 104 RIPERT, George. Tratado Elemental de Derecho Comercial. Vol. III trad. de Felipe de Sola Cañizares, com colaboração de Pedro G. San Martin, Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1954, p. 162.

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De recordar que pode se obrigar, como emitente da CPR, quem tenha

capacidade civil ou comercial, sendo certo que o art. 2º, da Lei n. 8.929/94105, determina

que têm capacidade para emiti-la o produtor rural, suas associações e cooperativas.

Sabe-se que as cooperativas de produtores rurais, freqüentemente, não

produzem efetivamente o produto, o que permite a conclusão de que o emitente não

precisa produzir diretamente o produto negociado.

Dessa maneira, uma sociedade empresária que adote o tipo da sociedade

limitada – que não se confunde com a pessoa natural do produtor rural, nem com as

suas associações ou cooperativas, já que aquelas possuem natureza civil, enquanto

essas são consideradas sociedades simples –, constituída para desempenho de

atividade voltada ao agronegócio, dedicada à produção rural, pode emitir validamente

uma CPR.

Ultrapassada a questão da capacidade, entende-se por emissão a declaração

cambiária, originária e necessária, vez que é a primeira manifestação de vontade, na

ordem cronológica, constante da Cédula, e é essencial para que se produza efeito

como CPR.

A Lei n. 8.929/94 não estipula onde, na CPR, deve ser aposta a assinatura do

emitente, mas, sugere-se que seja lançada abaixo do texto do título, vez que, assim, o

emitente expressa sua anuência com o inteiro teor da Cambial.

E, apesar de a mencionada lei não tratar da hipótese de emissão de CPR

através de mandato, não significa que isso seja vedado. Se o mandatário tiver poderes

para tanto, poderá firmar a CPR em nome do vendedor, por aplicação da Lei Uniforme

de Genebra106.

Desses oito elementos, viu-se que o sexto não é essencial, pois a CPR

poderá ser emitida com ou sem garantia cedularmente constituída.

105 L. n. 8.929/94, art. 2º: “Têm legitimação para emitir CPR o produtor rural e suas associações, inclusive cooperativas.” 106 LUG, art. 8º: “Todo aquele que apuser a sua assinatura numa letra, como representante de uma pessoa, para representar a qual não tinha de fato poderes, fica obrigado em virtude da letra e, se a pagar, tem os mesmos direitos que o pretendido representado. A mesma regra se aplica ao representante que tenha excedido os seus poderes.”

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Mas, quanto aos demais elementos, a ausência de um poderá comprometer o

direito cambiário do credor, pois a omissão de qualquer requisito essencial torna o

documento ineficaz cambiariamente, inviabilizando a execução fundada em título

executivo extrajudicial.

Na falta de algum dos requisitos essenciais, a CPR não conferirá ao credor o

direito ao uso da ação cambial, não significando, porém, que a obrigação não exista, ou

seja ineficaz juridicamente. O que muda é que o documento valerá como prova de uma

obrigação comum, fora do direito cambiário. Conforme ensina RIPERT, “pode ser a

prova de uma operação jurídica de caráter civil ou comercial, mas não se aplicará o

direito cambiário às relações nascidas dessa operação.”107 (Tradução nossa).

Conseqüentemente, mesmo tendo circulado, o devedor poderá invocar

exceções pessoais contra o credor, pois será caso de cessão de crédito e, não, de

endosso, sendo que o cedente se responsabiliza para com o cessionário pela

existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu, na cessão a título oneroso108.

Afinal, para que um documento tenha a natureza cambiária, deve-se cumprir

as exigências impostas por lei, com o fim de assegurar ao portador os direitos

mencionados no papel.

Veja-se a lição de FRAN MARTINS, ao tratar sobre o formalismo dos títulos:

Cada espécie de título possui, assim, uma forma própria. Isso se obtém através do cumprimento de requisitos, expressamente enumerados na lei. Devem, desse modo, tais requisitos constar obrigatoriamente dos títulos, e do modo preconizado na lei. [...] Em regra, se faltar no documento ao menos um daqueles requisitos considerados essenciais, o escrito não terá valor de título de crédito, não se beneficiando, assim, do direito especial que ampara esses títulos109.

O direito vale tal como declarado no documento, sendo regulado, pois, pelo

título, que tem forma sujeita a regras rígidas. ASCARELLI ensina:

107 “Puede ser la prueba de una operación jurídica de carácter civil o comercial, pero no se aplicará el derecho cambiario a las relaciones nacidas de esta operación”. RIPERT, George. Tratado Elemental de Derecho Comercial. Vol. III Trad. de Felipe de Sola Cañizares, com colaboração de Pedro G. San Martin, Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1954, p. 163. 108 CC, art. 295: “Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.” 109 MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. Vol. I, 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 11.

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É dessa maneira que o direito declarado no título adquire autonomia; passa a ficar rigorosamente delimitado, distinguindo-se do complexo das relações havidas entre as partes, torna-se suscetível de circular, sem arrastar consigo aquêle complexo de relações, e pode proporcionar, ao que o adquire, a necessária segurança 110 (sic).

Sabe-se que o título pode circular em branco ou de forma incompleta. Em

qual momento a CPR deve, pois, revestir-se de todos os requisitos legais?

A CPR não precisa nascer completa. Deve assim estar, necessariamente, no

momento imediatamente anterior ao protesto ou à cobrança judicial, conforme disposto

no art. 3º, do D. n. 2.044/1908111, confirmado pela Súmula n. 387, do SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL112. ASCARELLI113 já ensinava que os requisitos devem coexistir

no momento em que se invoca o direito cartular, com base no próprio título. Assim, o

portador pode preencher a CPR até esse momento, desde que proceda com boa-fé.

Cumpridos esses requisitos, a CPR constitui título executivo extrajudicial,

como os demais títulos de crédito. Não obstante, há julgados em que se exigiu outras

informações na Cédula, como o lançamento de assinatura de duas testemunhas, para

que a CPR fosse entendida como título executivo extrajudicial, o que não se mostra

apropriado. Veja-se:

Cédula de Produto Rural – CPR – Exeqüibilidade – Re quisitos – Art. 4º da Lei n. 8.929 de 22.08.94 – Preço de mercado – Nome da instituição responsável pela apuração – Índice explicitado – Au sência – Título não exeqüível . A Cédula de Produto Rural – CPR, representativa de promessa de entrega de produtos rurais, emitida por produtor rural e suas associações, inclusive cooperativas, somente constitui título executivo, nos termos no art. 4º da Lei n. 8.929 de 22.08.94, se nela estiverem contidos os requisitos ali exigidos, que propiciem o levantamento do valor do produto, devendo constar na cédula o nome de índice de conhecimento público, bem como da instituição responsável por sua apuração ou divulgação explicitado em seu corpo, com os referenciais necessários à clara identificação do preço do mercado para multiplicação pela quantidade do produto especificado. Não se pode transformar a CPR sem tais requisitos, mesmo se nele constar preço certo, em

110 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, VIII. 111 Tratando dos requisitos da letra de câmbio, o art. 3º, do D. n. 2.044/1908, dispõe que “esses requisitos são considerados lançados ao tempo da emissão da letra. A prova em contrário será admitida no caso de má-fé do portador”. 112 STF, Súm. n. 387: “A cambial emitida ou aceita com omissões ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.” 113 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 34.

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título executivo previsto no art. 585 do CPC, se não houver lançamento de assinatura de duas testemunhas, conforme exige o inciso II do mesmo artigo.114 Agravo de instrumento - Exceção de pré-executividad e - Cópia de contrato - Ausência de assinatura dos contratantes e autenti cação na primeira página da cédula desvalidade do título - Extinção d o processo executivo - Honorários advocatícios. Excepcionalmente, poder-se-ia admitir a instrução da inicial da execução com cópia da Cédula de Produto Rural, por não se tratar de título que circula, sendo, entretanto, imprescindível a assinatura dos contratantes em todas as vias do título, bem como sua autenticação; ausentes tais pressupostos, não se pode considerá-la título executivo extrajudicial hábil ao manejo da execução. É de se acolher a exceção de pré-executividade, declarando-se a nulidade do feito executivo por falta de uma das condições da ação, extinguindo, por conseguinte, o processo, sem apreciação do mérito, nos termos do artigo 267, incisos IV e VI, do Código de Processo Civil. Acolhida a exceção de pré-executividade, extinguindo-se, assim, a execução intentada, cabível a condenação em honorários advocatícios, à luz do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil.115

Infere-se dos acórdãos que o entendimento era, pelo menos quanto a essas

ações, no sentido de entender a CPR como contrato e, não, como título de crédito, vez

que exigiu-se a assinatura de duas testemunhas, para que fosse entendida como título

executivo extrajudicial, ou até mesmo a instrução da execução com cópia da CPR, o

que não se coaduna com os títulos de crédito, que devem ser juntados aos autos,

obrigatoriamente, em original, para garantir sua retirada de circulação.

Com respeito aos que assim pensam, especialmente no que toca às

assinaturas de testemunhas, entende-se que a CPR não necessita disso para se tornar

um título executivo extrajudicial. Da mesma forma que a Cédula de Crédito Rural, a

Cédula de Crédito Bancário e a Cédula de Crédito Industrial são títulos executivos

extrajudiciais, independentemente da assinatura de duas testemunhas, apesar de não

estarem expressos no art. 585, do Código de Processo Civil, a CPR também o é, sem

sombra de dúvidas, mesmo sem assinatura de duas testemunhas116.

Felizmente, o entendimento dos julgados acima indicados não prevalece,

como se infere nas seguintes decisões, mais recentes, do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE

MINAS GERAIS:

114 TAMG, 1ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 335.392-8, rel. Juíza Vanessa Verdolim Andrade, j. 12/6/2001. 115 TJMG, 9ª Câm. Cív., AI n. 1.0115.05.007940-5/001, rel. Des. Osmando Almeida, j. 24/10/2006. 116 “Não é requisito da cédula de produto rural a presença de duas testemunhas” (TJGO, 3ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 51.518-1/188, rel. Des. Gercino Carlos Alves da Costa, j. 28/3/2000).

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Agravo de instrumento. Execução por quantia certa. Exceção de pré-executividade. Cédula de Produto Rural. Título que possui legislação específica. Desnecessidade da assinatura de duas te stemunhas. Nulidade do título afastada. É dispensável a assinatura de duas testemunhas para que a cédula de produto rural tenha eficácia de título executivo, a teor do disposto no artigo 3º da Lei nº 8.929/94.117 Processual civil. Apelação. Ação de execução. Cédul a de Produto Rural. Título de crédito em fotocópia. Impossibilidade. Ho norários advocatícios. Fixação. Valor da causa. Recurso não provido. A cédula de produto rural é título de crédito e tem circulação comercial, motivo pelo qual deve ser exibida em original, ao ajuizar a ação de execução, salvo situação excepcional. Ante a inexistência da excepcionalidade, torna-se inadmissível lastrear ação de execução com título de crédito em fotocópia. Os honorários advocatícios podem ser arbitrado por parâmetro do valor da causa, desde que guarde sintonia com o previsto no art. 20, § 4º, do CPC.118

Da análise dos requisitos essenciais da CPR, pode-se observar que a Lei não

contemplou a necessidade do estabelecimento do preço do produto rural negociado.

Insta perguntar, então: omitiu-se o legislador?

Não constando na CPR a fixação do preço do produto rural negociado, isso

não significa que aquele preço não foi estipulado e que tal fixação poderá ficar a bel

prazer do comprador ou do vendedor, mesmo porque a emissão da CPR tem como

origem a compra e venda de produto rural descrito no título, e este tem suas regras,

conforme determinação do Código Civil, in verbis:

Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.

Contudo, por ser título de crédito e, principalmente, pela possibilidade de

negociação em Bolsa de valores e mercado de balcão, deve-se analisar tal fato de

outra forma. Se a CPR for emitida sem o preço do produto, e o credor, preenchendo a

Cédula, limite-se ao que foi pactuado, não haverá vício. O que se veda é que o credor

preencha o título abusivamente, desrespeitando o acordado. Nesse caso, a argüição de

preenchimento abusivo poderá ser provada através de convenção prévia entre emitente

117 TJMG, 9ª Câm. Cív., AI, 1.0620.03.002284-7/001(1), rel. Des. Generoso Filho, j. 15/5/2007. 118 TJMG, 17ª Câm. Cív., Ap. Cív. 1.0003.06.016987-1/001, rel. Desª. Márcia de Paoli Balbino, j. 14/12/2006.

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e credor, sobre o conteúdo da CPR, incumbindo ao emitente produzir essa prova,

lembrando que a circunstância não poderá ser oposta a terceiro de boa-fé119.

Por se tratar de um título negociável em bolsa, não se pode condenar a

inexistência do preço na CPR. Afinal, esta pode ser emitida, com prévio ajuste, com

preço de liqüidação atrelado a um índice financeiro ou cotação em bolsa. Trata-se da

chamada CPR Financeira indexada, em que o preço será definido na data de

vencimento constante da Cédula.

Muito já se falou acerca da expressão “quantia determinada”, constante do

art. 1º, n. 2, da LUG, entendendo vedada a emissão de cambial indexada, salvo em

caso de cambial vinculada a contrato de aquisição de casa própria, por meio do

Sistema Financeiro de Habitação, pela existência, nesse caso, de norma autorizadora.

Mas, atualmente, entende-se possível a emissão de cambial indexada, desde que o

índice adotado seja oficial ou de amplo conhecimento no comércio, em que o valor do

crédito é encontrado por simples operação matemática. Sobre isso, pondera COELHO:

Negar a possibilidade de cambial indexada é pretender o impossível: que o comércio ignore um fato de tal importância e conseqüências que é a inflação. Trata-se de posição irrealista entender a expressão “determinada”, constante da lei, no sentido estreito de “inalterável”.120

Conclui-se que o legislador não se omitiu, vez que há casos em que a CPR é

emitida com preço de liqüidação acertado na emissão (CPR Financeira com preço

fechado) e há casos como o da CPR Financeira indexada. Veja-se:

Embargos de declaração. Erro material. Ocorrência. Cédula de Produto Rural. Conversão. Erro material no lançamento de valor de conversão do produto em pecúnia. Utilização de informação acerca do valor da saca de arroz de data diversa da conversão da CPR em pecúnia. Correção. Acolheram os embargos. [...] Como se viu do relatório, o embargante identifica a ocorrência de erro material no julgado embargado, haja vista ter definido a data de 09 de fevereiro de 2007 como a de conversão da obrigação contida na Cédula de Produto Rural em dinheiro, mas fixado o valor unitário da saca de arroz em R$ 31,62, quando este valor diria respeito ao valor da saca na data do vencimento da cédula, 15/04/2004.

119 LUG, art. 17: “As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.” 120 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16. ed. revista e atualizada de acordo com a nova Lei de Falências, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 246.

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Tem razão o embargante, pois se está efetivamente diante de erro material da Câmara – induzida pelo relator – ao utilizar a informação de fl. 79, que diz com o valor da saca de arroz no dia 15/04/2004 como se fosse o de comercialização na data da conversão (09/02/2007). Assim, corrigindo-se o julgado, se afasta o valor lançado desde logo no final do segundo parágrafo da fl. 141, devendo a saca ter seu valor apurado mediante consulta posterior a Cooperativas da região. Nessa linha, acolhe-se os embargos.121

Ressalte-se que a CPR poderá conter outras cláusulas, constantes nela ou

em documento à parte. Mas, para isso, esse documento deverá conter a assinatura do

emitente ou de seu procurador e, na CPR, deverá haver menção a essa

circunstância122. A CPR deve noticiar a existência de eventual documento separado,

pois, para que este se ligue à Cédula, é necessário que, além de conter a assinatura do

emitente ou de seu procurador, seja mencionado na CPR. Não constando na Cédula

menção a outro documento, este não formará, com aquela, um todo jurídico, salvo se

admitido pela parte contrária. Descumpridas tais condições, o credor não poderá

constranger o emitente, em juízo, a cumprir o disposto no documento.

Não é muito dizer que, apesar de o parágrafo segundo, do referido art. 3º,

mencionar apenas à assinatura do emitente da CPR123, se houver na CPR um terceiro

garantidor, a assinatura deste também deverá constar no documento à parte, pois as

estipulações constantes do documento podem afetar seu patrimônio além do

estabelecido na CPR e, também, para que o gravame se efetue. Faltando a assinatura

do terceiro no documento, as obrigações nele constantes não comprometerão seu

patrimônio além do ônus que deflui da CPR.

Obviamente, todas as cláusulas, essenciais e não essenciais, deverão

respeitar os princípios da legalidade, da licitude e dos bons costumes.

Sabendo-se que as estipulações constantes da CPR são determinadas,

freqüentemente, pelo credor, e que este procura resguardar-se ao máximo, podem

surgir exageros, v.g., existência de disposição a determinar que o credor apenas se

121 TJRS, 19ª Câm. Cív., E. Decl. n. 70021204755, rel. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, j. 18/9/2007. 122 L. n. 8.929/94, art. 3º, § 1º: “Sem caráter de requisito essencial, a CPR poderá conter outras cláusulas lançadas em seu contexto, as quais poderão constar de documento à parte, com a assinatura do emitente, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.” 123 L. n. 8.929/94, art. 3º, § 2º: “A descrição dos bens vinculados em garantia pode ser feita em documento à parte, assinado pelo emitente, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.”

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obriga ao pagamento do valor avençado depois da entrega do produto pelo devedor,

nas condições, data e local acertados, o que se choca com o próprio objetivo da Cédula

e não deve, pois, prevalecer. Afinal, a exigibilidade do crédito subordina-se ao

pagamento, que deve ser entendido como condição para o exercício do direito.

É no âmbito das cláusulas não essenciais que se deve ter maior atenção,

pois ali podem surgir ilegalidades, criadas, no mais das vezes, pelo credor, podendo

levar, inclusive, à desnaturação da CPR. Assim, a estipulação de que a CPR foi emitida,

v.g., como garantia de uma outra obrigação, não pode perdurar, vez que alterou a

finalidade do título, que se presta a uma compra e venda de produto rural.

Pode a CPR também ser aditada, ratificada e retificada. Tais alterações dar-

se-ão por meio de aditivos, que a integrarão e que deverão ser datados e assinados

pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância124.

124 L. n. 8.929/94, art. 9º: “A CPR poderá ser aditada, ratificada e retificada por aditivos, que a integram, datados e assinados pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.”

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2 DOS BENS VINCULADOS EM GARANTIA

Por se tratar de um título de crédito, na CPR pode haver a garantia

fidejussória do aval, que será abordado adiante. Mas, além do aval, existem as

garantias reais, dispostas no art. 5º, da Lei n. 8.929/94125, que são a hipoteca, o penhor

e a alienação fiduciária, conferindo ao titular da CPR o direito a uma garantia acessória

à obrigação principal (entrega do produto rural ou do equivalente em dinheiro), visando

à satisfação de seu crédito.

Cumpre notar, de início, que a CPR garantida por uma dessas três

modalidades, não tem seu nomen iuris alterado, tal como ocorre com a Cédula de

Crédito Rural. Assim, não há que se falar em CPR hipotecária, CPR pignoratícia, ou

CPR fiduciária.

A CPR deve ser formalizada como as demais cédulas, constando a descrição

dos bens, móveis ou imóveis, cedularmente vinculados em garantia, o que pode ser

feito em documento à parte, com menção, na Cédula, dessa garantia, conforme dispõe

o art. 3º, § 2º, já mencionado.

Da análise desses dispositivos, vê-se a intenção do legislador em fazer com

que a constituição da garantia seja formalizada, mas identificando o bem de forma

simplificada126. Contudo, o credor deve estar atento para que a simplificação não

implique em omissão, a ponto de a individualização do bem se tornar duvidosa, sob

pena de dificultar o exercício do seu direito.

Se o obrigado declarar falsamente ou de forma inexata o bem oferecido em

garantia da CPR, ou omitir declaração de já estar ele sujeito a outros ônus ou

responsabilidade de qualquer espécie, incluindo as fiscais, praticará ato tipificado como

125 L. n. 8.929/94, art. 5º: “A garantia cedular da obrigação poderá consistir em: I – hipoteca; II – penhor; III – alienação fiduciária.” 126 L. n. 8.929/94, art. 3º, § 3º: “A descrição do bem será feita de modo simplificado e, quando for o caso, este será identificado pela sua numeração própria, e pelos números de registro ou matrícula no registro oficial competente, dispensada, no caso de imóveis, a indicação das respectivas confrontações.”

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estelionato127, nos termos do art. 17, da Lei128, da mesma forma que a pessoa que

dispõe do bem oferecido em garantia, sem consentimento do credor:

Apelação criminal – Estelionato – Defraudação de pe nhor – Pretendida absolvição – Atipicidade da conduta – Alegação de q ue o Apelante não tinha a posse da coisa, que o produto dado em garan tia era referente à safra futura e que não ficou como fiel depositário do bem – Não-ocorrência – Garantia pignoratícia da Cédula de Pro duto Rural – Alienação do objeto empenhado sem o consentimento do credor – Alegada insuficiência de provas da colheita – Confissão do Réu e depoimentos testemunhais firmes – Conjunto probatório consisten te – Dolo comprovado – Condenação mantida – Pretendido reconh ecimento da excludente da ilicitude do estado de necessidade – Ausência dos requisitos – Impossibilidade – Pedido de aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade – Alegada ausênci a de prejuízo – Reconhecimento pelo magistrado na aplicação da pena – Recurso não provido. Não há falar em atipicidade da conduta se o réu, devedor pignoratício, tendo a posse do objeto empenhado, defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor, a garantia pignoratícia. Assim, restando comprovado nos autos, por meio da confissão do réu e dos firmes depoimentos testemunhais, que aquele deu destinação diversa ao bem empenhado daquela avençada na Cédula de Produto Rural, não há dúvidas de que está configurada a defraudação a garantia pignoratícia, figura tipificada 171, § 2º, III, do Código Penal. Ausentes os requisitos, não se pode reconhecer a excludente da ilicitude do estado de necessidade. A ausência de prejuízo não tem o condão de elidir a criminalidade do ato, porquanto o que se pune é a prática da alienação ou defraudação com a consciência de que se trata de objeto de penhor. [...] A cláusula de garantia da cédula confiava a entrega do produto a seu destinatário, sendo vedado ao devedor dispor do produto para fins alheios. Se o ora apelante deu destinação diversa àquela avençada no titulo, não há dúvidas que está configurada a defraudação da garantia pignoratícia, figura tipificada 171, § 2º, III, do Código Penal. [...] O dolo do apelante é evidente. Tinha ele pleno entendimento da ilicitude do ato que praticava, pois sabia que a colheita era objeto de garantia pignoratícia, tendo em vista que firmou sua assinatura (f. 10 e 11), de maneira voluntária e consciente, na cédula de produto rural.”129

Atente-se que, normalmente, é o credor quem redige a CPR. Por isso,

aconselha-se ao devedor ter atenção redobrada, para que não se dê margem a 127 CP, art. 171: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de 1 (um) ano a 5 (cinco) anos, e multa. I - omissis II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;” 128 L. n. 8.929/94, art. 17: “Pratica crime de estelionato aquele que fizer declarações falsas ou inexatas acerca de bens oferecidos em garantia da CPR, inclusive omitir declaração de já estarem eles sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, até mesmo de natureza fiscal.” 129TJMS, 2ª T. Crim., Ap. Crim. n. 2004.000472-9/0000-00 - Rio Brilhante, rel. Des. José Augusto de Souza, j. 5/5/2004.

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inexatidões em suas declarações, especialmente no que tange às garantias, afastando,

assim, qualquer atribuição de conduta tipificada como estelionato.

2.1 Hipoteca

Imóveis rurais e urbanos podem ser objeto da hipoteca celular, sem

necessidade de indicação das confrontações do imóvel objeto do gravame; basta a

informação do número de matrícula junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

À hipoteca cedular aplicam-se os preceitos da legislação sobre hipoteca, no

que não conflitarem com a Lei n. 8.929/94130.

Para ser eficaz contra terceiros, a CPR deve ser registrada perante o Cartório

de Registro de Imóveis do domicílio do emitente – para garantia de que ele não venda a

safra mais de uma vez –, e, em havendo a hipoteca, a CPR deve ser averbada na

matrícula do imóvel hipotecado131.

Veja-se o disposto no Código Civil, relativo a essa garantia, in verbis:

Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado. Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

Da leitura do artigo indicado, conclui-se que o vencimento antecipado do

crédito não é imperativo legal, devendo ser convencionada entre as partes.

Frise-se que os bens vinculados à CPR não podem ser penhorados ou

seqüestrados por outras dívidas do emitente ou terceiro que prestou a garantia real, em

conformidade com o art. 18132, da Lei n. 8.929/94. Veja-se:

130 L. n. 8.929/94, art. 6°, parágrafo único: “Aplicam -se à hipoteca cedular os preceitos da legislação sobre hipoteca, no que não colidirem com esta Lei.” 131 L. n. 8.929/94, art. 12, § 1º: “Em caso de hipoteca e penhor, a CPR deverá também ser averbada na matrícula do imóvel hipotecado e no Cartório de localização dos bens apenhados.” 132 L. n. 8.929/94, art. 18: “Os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.”

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Agravo de instrumento - Cédula de Produto Rural - I móvel hipotecado - Impenhorabilidade - Art. 18 da lei 8.929/1994 - Vot o vencido. O imóvel vinculado à cédula de produto rural não é passível de penhora por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, devendo ser desconstituída a constrição sobre ele efetivada. Inteligência do art. 18 da Lei 8.929/1994.133

2.2 Penhor

No tocante ao penhor, este pode ter como objeto bens suscetíveis de penhor

rural e mercantil, além dos passíveis de penhor cedular.

Conforme disposto no art. 1.442, do Código Civil, podem ser objeto de

penhor: máquinas e instrumentos de agricultura; colheitas pendentes, ou em via de

formação; frutos acondicionados ou armazenados; lenha cortada e carvão vegetal;

animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola.

Quanto ao penhor pecuário, o referido Código dispõe que podem ser objeto

os animais que integram a atividade pastoril, agrícola e de laticínios, nos termos de seu

art. 1.444.

Esse tipo de penhor merece atenção, por haver algumas particularidades.

Trata-se de uma subdivisão do penhor rural – que engloba também o penhor agrícola –,

disciplinado pela Lei n. 492/37, em que a indicação do bem gravado deve obedecer a

certas exigências.

O art. 10, parágrafo único, da Lei n. 492/37134, determina expressamente que

a descrição dos animais indicados em garantia deve ser feita com a maior precisão,

significando que se deve indicar a espécie, raça, grau de mestiçagem, marca, sinal e

nome, caso o tenha.

133 TJMG, 11ª Câm. Cív., AI n. 2.0000.00.518014-9/000, rel. Des. Afrânio Vilela, j. 17/11/2005. 134 L. n. 492/37, art. 10: “Podem ser objeto de penhor pecuário os animais que se criam pascendo para a indústria pastoril, agrícola e de laticínios, em qualquer de suas modalidades, ou de que sejam eles simples acessórios ou pertences de sua exploração. Parágrafo único. Deve a escritura, sob pena de nulidade, designar os animais com a maior precisão, indicando o lugar onde se encontrem e o destino que têm, mencionando de cada um a espécie, denominação comum ou científica, raça, grau de mestiçagem, marca, sinal, nome, se tiver, e todos os característicos por que se identifique.” – Nota: O parágrafo único menciona escritura, pois ao tempo da entrada em vigor da Lei n. 492/37, os financiamentos rurais eram feitos através daquele documento. Com o advento do DL. n. 167/67, surgiram as cédulas de crédito rural, que substituíram as escrituras.

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A simples descrição do bem empenhado na CPR, com a firma do devedor, é

suficiente para validar o penhor entre as partes. Mas, é prudente que a CPR seja

inscrita perante o Cartório de Registro de Imóveis do emitente e o Cartório de

localização dos bens empenhados, nos termos do art. 12, § 1º, da Lei n. 8.929/94,

cumulado com o art. 1.438, do Código Civil, in verbis:

Art. 12. a CPR, para ter eficácia contra terceiros, inscreve-se no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do emitente. § 1º. Em caso de hipoteca e penhor, a CPR deverá também ser averbada na matrícula do imóvel hipotecado e no Cartório de localização dos bens apenhados.

Art. 1.438. Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas.

Com exceção dos títulos de crédito, os bens empenhados continuam na

posse imediata do emitente ou do terceiro que prestou a garantia, que responde por

sua guarda e conservação. Se penhor constituído por terceiro, o emitente da CPR será

responsável solidário, juntamente ao terceiro empenhador, pela guarda e conservação

dos bens135.

Importante frisar que a solidariedade é do emitente em relação ao terceiro e

não o contrário. Diz-se isso, porque podem existir duas garantias na Cédula: uma

prestada pelo terceiro e outra pelo emitente. Neste último caso, o terceiro não é

responsável solidário em relação ao emitente, pois o mencionado art. 7º, § 2º, não

dispõe sobre essa solidariedade e, conforme regula o art. 265, do Código Civil136, a

solidariedade não se presume.

Em consulta à Lei Civil, vê-se que a regra é a efetivação da transferência do

bem ao credor pignoratício, que responderá por sua guarda e conservação. Mas,

quando se trata de penhor rural ou mercantil, a garantia é prestada sem a tradição do

bem. Veja-se o que dispõe o Código Civil, in verbis:

135 L. n. 8.929/94, art. 7º: “Podem ser objeto de penhor cedular, nas condições desta lei, os bens suscetíveis de penhor rural e de penhor mercantil, bem como os bens suscetíveis de penhor cedular. § 1º. Salvo se tratar de títulos de crédito, os bens apenhados continuam na posse imediata do emitente ou do terceiro prestador da garantia, que responde por sua guarda e conservação como fiel depositário. § 2º. Cuidando-se de penhor constituído por terceiro, o emitente da cédula responderá solidariamente com o empenhador pela guarda e conservação dos bens.” 136 CC, art. 265: “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”

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Art. 1.431 Omissis. Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

A ausência de tradição é explicada pelo fato de o prestador da garantia não

poder prescindir da posse do bem, por ser indispensável ao desenvolvimento de sua

atividade produtiva, v.g. maquinário, ou, também, pelo fato de o bem ainda não existir,

como no caso da safra.

O dono do bem empenhado, embora seja proprietário e possuidor direto,

passa à condição de depositário, respondendo nessa qualidade, em caso de

perecimento, deterioração ou desvio da coisa empenhada.

Contudo, pelo fato de o penhor especial (rural) não se enquadrar, a priori, nas

previsões de prisão civil (prestação alimentar e depósito ou penhor comum), é discutível

a possibilidade de deferimento de pedido de prisão contra o garantidor. Veja-se:

Processo civil. Depósito. Bens fungíveis . A infidelidade do depósito de coisas fungíveis não autoriza a prisão civil. Ressalva do ponto de vista pessoal do relator. Habeas Corpus concedido de ofício.137 Ação de depósito. Cédula de Produto Rural com garan tia pignoratícia. Entrega futura de soja. Penhor irregular de coisa f ungível. Impossibilidade de prisão por deposito infiel. Precedentes do STJ . Ausência de previsão legal expressa para configuração do pedido de prisão. Novação e descaracterização do depósito. Preliminar de carência de ação acolhida. Apelo provido.138

Penhor rural. Desvio dos bens apenhados. Prisão civ il – Não encontrados os bens objeto de penhor rural e depósito, somente há lugar para a decretação da prisão civil, após o trânsito em julgado de ação de depósito, que o tenha reconhecido como depositário infiel.139 Prisão civil. Penhor rural. Bens fungíveis. Prisão civil. 1. Não se acolhe a prisão civil em relação ao mútuo rural, garantido por bens fungíveis. 2. Recurso especial não conhecido.140 Penhor rural. Cédula rural pignoraticia. Ação de depósito. Questão da fungibilidade dos bens dados em garantia e não mais existentes em poder de depositário. Prisão civil vedada. Financiamento concedido para "estocagem de carne bovina". Penhor incidente sobre determinado estoque de carne, por cláusula expressa depositado em poder da devedora para ser

137 STJ, 3ª T. Resp. n. 46.017/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 26/3/2001. 138 TJRS, 2 Câm. Esp. Cív., Ap. Cív. n. 70000688382, Rel. Des. Breno Pereira da Costa Vasconcellos, j. 6/11/2001. 139 STJ, 4ª T., Resp 21.397-0 – ES, rel. Min. Dias Trindade, DJU 21/3/1994. 140 STJ, 3ª T., Resp n. 182923-GO, rel. Min. Carlos Alberto Menezes, j. 26/10/1999.

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guardado em câmara frigorífica, com vedação de sua retirada total ou parcial sem autorização escrita do banco financiador. caso em que a carne, bem fungível, ganha 'foros de infungibilidade', qualificação esta que não decorre apenas da natureza das coisas, mas igualmente pode resultar da livre vontade das partes. Prisão civil, não essencial a ação de depósito e somente admissível nos depósitos para guarda, e não nos depósitos em garantia de crédito, sob pena de retrocedermos aos tempos prístinos da prisão por dívidas, constitucionalmente defesa. Recurso especial conhecido e em parte provido, para afastar a carência da ação de depósito, excluída todavia a cominação de caráter pessoal.141

Obviamente, o garantidor – emitente da Cédula ou terceiro –, deve conservar

e guardar o bem gravado. Mas isso não impede, v.g., a constituição de novo gravame

sobre o bem, durante a vigência do penhor142.

Com relação ao terceiro garantidor, vale recordar o que, não havendo

cláusula expressa, o terceiro não se obriga a substitui ou reforçar a garantia, se essa se

perder, se deteriorar ou se desvalorizar sem culpa sua143.

Dessa forma, considerando a hipótese de o terceiro ter oferecido uma safra

pendente em penhor, caso haja frustração dela, em decorrência de eventos naturais,

tais como chuvas torrenciais, seca prolongada etc., aquele não será obrigado a oferecer

outro bem, em substituição ao anteriormente gravado, salvo se houver cláusula

expressa nesse sentido.

Da mesma forma que na hipoteca, aplicam-se ao penhor constituído pela

CPR os dispositivos da legislação sobre penhor (L. n. 492/37 e o DL n. 167/67, no que

não foi revogado pelo Código Civil de 2002; e o Código Civil, Título X, Capítulo II),

inclusive o mercantil, o rural e o efetuado através de cédulas, no que não conflitarem

com a Lei n. 8.929/94.

Assim, não se aplica à CPR o disposto no art. 1.443, do Código Civil144. Diz-

se isso porque, da leitura do referido artigo, com seu parágrafo único, vê-se que o

141 STJ, 4ª T., Resp n. 12.507-RS, rel. Min. Athos Carneiro, j. 1º/12/1992. 142 L. n. 492/37, art. 4º: “Independe o penhor rural do consentimento do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de prelação, nem restringe a extensão da hipoteca, ao ser executada. § 1º. Pode o devedor, independentemente de consentimento do credor, constituir novo penhor rural se o valor dos bens ou dos animais exceder ao da dívida anterior, ressalvada para esta a prioridade de pagamento.” 143 CC, art. 1.427: “Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.” 144 CC, art. 1.443: “O penhor agrícola que recai sobre colheita pendente, ou em via de formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a que se deu em garantia.

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legislador autorizou a extensão da garantia, em se tratando de penhor agrícola, apenas

e tão-somente para o contrato de mútuo. Ao se referir ao financiador, para indicar o

credor pignoratício – “se o credor não financiar” –, pode-se concluir que a extensão do

penhor à safra seguinte se aplica apenas ao contrato de mútuo, pois é nele em que há

a figura do financiador. E, uma vez que a CPR não se confunde com contrato de mútuo,

infere-se que esse dispositivo não se aplica a ela.

Aspecto interessante sobre a prática da garantia pignoratícia na CPR é

trazido por PAIVA PEREIRA145, ao explicar que o credor da CPR, pretendendo

resguardar ao máximo o seu direito, advindo da compra do produto mencionado no

título, tem feito com que a própria coisa vendida constitua-se em garantia cedular.

Apesar de aparentemente lícita, da leitura do art. 1.442, do Código Civil, vê-se que

nessa prática há, na verdade, um desvirtuamento, por duas razões: (i) se o produto

rural descrito na CPR foi vendido ao credor pelo emitente do título, é certo que o

emitente não poderá mais dá-lo em penhor ao credor, já que, pela compra e venda

realizada, está impossibilitado de gravar a coisa sem a anuência do seu novo

proprietário; (ii) se o credor da CPR é o novo proprietário da coisa que lhe foi alienada

pelo título, o bem gravado cedularmente não alcança o caráter de garantia real, visto

que o gravame incidiria sobre objeto que é de propriedade do próprio credor.

Segundo o referido autor, “tal confusão fático-jurídica no âmbito da garantia,

fará com que o penhor não se aperfeiçoe efetivamente em proveito do credor, deixando

o comprador do produto rural desvestido de tal garantia real.”146

Pensa-se que a hipótese do aludido artigo da Lei Civil é possível, caso a

garantia seja uma outra safra pendente, que não se confunda com a negociada na

CPR. Assim, em garantia à negociação envolvendo a entrega de sacas de café, o

emitente oferece, em penhor, v.g., a safra de milho ou outra de café.

Portanto, deve-se estar atento às particularidades do título, visando

comprovar a procedência da garantia pignoratícia, validando-a, ou, caso contrário,

Parágrafo único. Se o credor não financiar nova safra, poderá o devedor constituir com outrem novo penhor, em quantia máxima equivalente à do primeiro; o segundo penhor terá preferência sobre o primeiro, abrangendo este apenas o excesso apurado na colheita seguinte.” 145 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 37. 146 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 37.

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promovendo sua anulação. Alerta-se para a importância que pode ter a Lei n. 4.829/65,

que institucionalizou o crédito rural no País, vez que suas disposições podem ser

aplicadas a questões tratadas, genericamente, na Lei de CPR.

Outro aspecto importante pertine à execução de CPR garantida por penhor. A

execução da CPR se processa por entrega de coisa incerta, mas, sendo impossível a

entrega do produto convencionado e, havendo garantia pignoratícia, poderia o credor

intentar medida cautelar de seqüestro do bem conferido em garantia, vez que a ação

cautelar de seqüestro atua na tutela da execução para entrega de coisa certa, visando

um bem específico, litigioso, exatamente o bem sobre cuja posse e domínio se refere a

lide. Veja-se o seguinte julgado:

Embargos do devedor. Execução para entrega de coisa certa. Cédula de produto rural. - A cédula de produto rural é título de crédito hábil a instruir execução para entrega de coisa certa. [...] A cédula de produto rural firmada pelo agravante tem como modalidade de garantia o penhor cedular (f. 64-68, TJ), ou seja, penhor especial, espécie de direito real de garantia, que tem por finalidade garantir o pagamento de uma dívida. Destarte, conforme as doutas lições de Wille Duarte Costa, a cédula de produto rural de que se valeu a agravada para ajuizar ação cautelar de seqüestro é título líquido certo e exigível e o bem vinculado à garantia real, decerto que poderia ser perseguido pelo agravado, em face da inadimplência.” 147

Dessa forma, revelando-se inviável a entrega do bem objeto da CPR, a

execução seria para entrega de coisa certa – bem oferecido em garantia –, e, não, por

coisa incerta – produto rural –, não se podendo afirmar, contudo, que a CPR contempla

a execução para entrega de coisa certa, quando se refere ao produto rural em si. Dá-se

a execução visando ao bem indicado em garantia na CPR, mas a execução desta,

quanto ao produto rural, permanece na modalidade de entrega de coisa incerta, nos

termos do art. 15, da Lei n. 8.929/94, que determina que “para cobrança da CPR, cabe

a ação de execução para entrega de coisa incerta”.

Não se pode, diante das situações fáticas, confundir as garantias e a

extensão de sua proteção, sob pena de desrespeito ao direito de outrem, tal como se

deu na situação exposta abaixo:

147 TJMG, 12ª Câm. Cív., Ap. Cív. 1.0701.05.129191-5/001, rel. Des. Saldanha da Fonseca, j. 11/4/2007.

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Mandado de Segurança - Registro de escritura de imó vel - Oficial - Recusa - Cédula de Produto Rural averbada - Fundamento - I legalidade do ato - Sentença confirmada . A existência de penhor constante de Cédula de Produto Rural averbada no registro do imóvel, cuja propriedade foi adquirida por meio de compra e venda, não impede a lavratura do registro da respectiva escritura, vez que a garantia do penhor é o bem móvel mencionado no contrato correspondente, e não o imóvel objeto da transação. Em reexame necessário, confirma-se a sentença. [...] Trata-se de reexame necessário da r. sentença proferida pelo MM. Juiz da Comarca de Itamogi que, nos autos do mandado de segurança, manejado por Alicino Robuste, contra ato da Srª Oficial do Registro de Imóveis daquela comarca, que teria se recusado a lavrar o registro da escritura pública de uma propriedade rural adquirida pelo impetrante, ao argumento de que no registro do referido imóvel consta averbação relativa a cédula de produto rural. Em suas informações, a autoridade coatora alega que a existência de penhor, constante de cédula de produto rural averbada sobre o imóvel constitui óbice à lavratura do ato objetivado pelo impetrante. [...] De uma análise circunstanciada dos elementos constantes dos autos verifica-se que a autoridade tida como coatora, diante do documento que lhe fora apresentado para registro negou-se a fazê-lo, ao fundamento que a escritura "não poderá ser registrada antes da Autorização para Cancelamento do registro da Cédula de Produto Rural nº 00032325, emitida em 26/02/2002, vencida em 10/12/2002, conforme cópia anexa, registrada nesta Serventia sob o nº 4.255, livro 3-H, fls. 30". Ora, conforme bem observado na sentença, a garantia da referida Cédula, além de ser um bem móvel, portanto diverso daquele cuja propriedade foi objeto da transação constante do documento que se pretende registrar, seu registro se deu em livro distinto daquele onde deverá ser lavrado o registro objeto do mandamus. Verifica-se, ainda, que a garantia constante da CPR consiste no penhor cedular de primeiro grau sobre 30.000 Kg de café, correspondente a 500 sacas de 60 Kg do produto, sendo que a segunda garantia consiste em hipoteca incidente sobre imóvel diverso daquele constante da escritura a ser objeto de registro. Desta forma, não estando o imóvel transacionado pelo impetrante, servindo de garantia do negócio jurídico apontado como impedimento do ato registral, tem-se que a negativa de sua lavratura violou a direito líquido e certo do impetrante, conforme asseverado na sentença examinanda. Ademais, referindo-se o penhor a café já ensacado desde o ano de 2003, ainda que este bem se encontre no imóvel, o que parece pouco provável, cabe ao credor proceder a busca do mesmo, armazenando-o onde melhor lhe aprouver. [...] Com estas considerações, em reexame necessário, confirmo integralmente a sentença.148

Vê-se que, no caso em comento, foram confundidas as garantias – penhor

cedular, a garantir a CPR, e a hipoteca, relativa à venda do imóvel –, em que se

procedeu ao registro da CPR perante o registro imobiliário, sendo que o Oficial do

Cartório, por esse motivo, houve por bem não registrar a venda do imóvel, situação

totalmente distinta do penhor cedular registrado, por ocasião da emissão da CPR.

148 TJMG, 3ª Câm. Cív., Reexame necessário n. 1.0329.06.900001-9/001, rel. Des. Kildare Carvalho, j. 26/10/2006.

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64

2.3 Alienação Fiduciária

No que tange à alienação fiduciária – ato que tem por escopo transferir o

domínio da coisa de uma pessoa para outra, em garantia, com a restituição após o

adimplemento –, a não-identificação do bem objeto dela não torna ineficaz a garantia,

que poderá recair sobre outros bens do mesmo gênero, qualidade e quantidade, de

propriedade do garante, nos termos do art. 8º, da Lei de CPR149.

Quanto às formalidades a serem cumpridas, insta notar que o contrato de

alienação fiduciária deve ser registrado perante o Cartório de Títulos e Documentos do

domicílio do credor – se bem móvel –, ou perante o Cartório de Imóveis da localização

do imóvel – em sendo imóvel –, para que o contrato tenha eficácia erga omnes,

estendendo-se a terceiros.

Caso o credor da CPR tenha que invocar o referido art. 8º, visando buscar

outro bem em uma ação judicial, mas tendo apenas o gênero indicado na Cédula, o juiz

deverá examinar minuciosamente a base fático-jurídica apresentada, pois o autor da

ação tentará, em realidade, corrigir um erro, ocorrido no momento da emissão da CPR,

quando não se identificou adequadamente a coisa alienada fiduciariamente. Nesse

caso, a interpretação deve ser feita, no mais das vezes, em favor do prestador da

garantia, emitente da CPR, tendo em vista o disposto no art. 423, do Código Civil150, ao

dispor que, em contrato por adesão, cláusula ambígua ou contraditória deve ser

interpretada em favor do aderente.

Embora a hipoteca, o penhor e a alienação fiduciária sejam negócios jurídicos

em garantia, nos dois primeiros, o direito de propriedade continua na esfera jurídico-

patrimonial do devedor. Na alienação fiduciária, porém, o direito dominicial é alienado e

ingressa na esfera jurídico-patrimonial do credor.

Recorda-se que, a partir do Código Civil de 2002, a alienação ou gravame de

ônus real quanto a bens imóveis passou a sofrer a limitação da outorga do outro

149 L. n. 8.929/94, art. 8º: “A não identificação dos bens objeto de alienação fiduciária não retira a eficácia da garantia, que poderá incidir sobre outros do mesmo gênero, qualidade e quantidade, de propriedade do garante.” 150 CC, art. 423: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”

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cônjuge, caso o prestador da garantia seja casado, salvo no caso do regime do

casamento ser o da separação absoluta de bens151.

Aspecto processual relevante, quanto ao exercício do direito advindo dessas

garantias reais, é abordado no seguinte julgado:

Agravo interno. Decisão que nega seguimento a recur so de agravo de instrumento. Ação cautelar de arresto. Cédula de Pr oduto Rural garantida por penhor e por hipoteca. Decisão que indefere o p edido liminar formulado na inicial. I – a cautelar de busca e apreensão somente é cabível se a garantia da cédula de produto rural for alienação fiduciária. No caso de ser garantida por penhor e hipoteca, cabível o arresto. Aplicação do princípio da fungibilidade das cautelares; II - Em se tratando de medida cautelar de arresto, em face da excepcionalidade que a caracteriza e da extensão dos efeitos que produz, indispensável se faz, para o seu deferimento, o atendimento inequívoco aos requisitos elencados no art. 814 do CPC, e bem ainda que reste configurada uma das hipóteses descritas no art. 813 do mesmo diploma legal. Não se verificando, no caso concreto, o preenchimento integral de tais condições, a medida não se justifica, merecendo ser mantida a decisão agravada. Negaram provimento. Unânime.152

A situação envolve as formas de perseguição da garantia, indicando a ação

cautelar de busca e apreensão para o caso de CPR garantida por alienação fiduciária, e

a medida cautelar de arresto para os casos de penhor e hipoteca. Deve-se respeitar a

forma legal prevista para cada modalidade de garantia.

Por isso, o parágrafo único, do art. 6º, da Lei n. 8.929/94153, dispõe que

aplicar-se-á à hipoteca os preceitos de legislação de hipoteca, enquanto o § 3º do art.

7º, da mesma lei154, determina que, tratando-se de penhor, aplicam-se os preceitos da

legislação sobre penhor.

Dessa forma, havendo penhor e/ou hipoteca apenas, não se aplica a primeira

parte do art. 16, da Lei n. 8.929/94, que se refere à ação de busca e apreensão tão-

somente para a alienação fiduciária. Isso, porque, a ação de busca e apreensão tem

151 CC, art. 1.647: “Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.” 152 TJRS, 16ª Câm. Cív., Agravo Interno n. 7002008338, rel. Des. Ergio Roque Menine, j. 21/11/2007. 153 L. n. 8.929/94, art. 6º, parágrafo único: “Aplicam-se à hipoteca cedular os preceitos da legislação sobre hipoteca, no que não colidirem com esta lei.” 154 L. n. 8.929/94, art. 7º, § 3º: “Aplicam-se ao penhor constituído por CPR, conforme o caso, os preceitos da legislação sobre penhor, inclusive o mercantil, o rural e o constituído por meio de cédulas, no que não colidirem com os desta lei.”

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natureza satisfativa, esgotando em si mesma sua finalidade, e é típica da alienação

fiduciária, nos termos do art. 3º, do DL n. 911/67155.

No julgado examinado, as garantias prestadas foram o penhor e a hipoteca,

sendo certo, também, que a intenção da parte é assegurar a efetividade do processo de

execução para entrega de coisa. Realmente, não é cabível a cautelar de busca e

apreensão, que deve ser empregada se não for oportuno o arresto ou o seqüestro.

Ademais, a parte não atendeu aos requisitos do art. 814, nem demonstrou a

configuração das hipóteses do art. 813, ambos do Código de Processo Civil156, o que

não autorizaria o deferimento do arresto. A parte alega o risco de lesão, por ser credora

de safra de soja que já estaria sendo colhida, mas não entregue a ela, temendo, pois, a

perda do produto. Mas, conforme exposto no julgado, não alegou nem demonstrou a

dificuldade econômica que beire à insolvência, ou algum sinal de conduta no sentido de

fraude a credor. Não estava, nem sequer, evidenciada a mora do devedor, pois a dívida

ainda não estava vencida. Por isso, não fazia jus, também, ao arresto.

155 DL 911/67: “Art. 3º. O proprietário fiduciário ou credor poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.” 156 CPC, art. 813: “O arresto tem lugar: I – quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II – quando o devedor, que tem domicílio:

a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas

extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores;

III – quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV – nos demais casos expressos em lei.” Art. 814: “Para a concessão do arresto é essencial: I – prova literal da dívida líquida e certa; II – prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no artigo antecedente.”

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3 MODELO DE CÉDULA DE PRODUTO RURAL

Depois dessas considerações, relativas aos requisitos da CPR, já se pode

vislumbrar um formato para ela. Ressalta-se que, por ser um título livre quanto ao

modelo, não há padrão de utilização obrigatória estabelecido em lei. O emitente pode

dispor da forma como entenda mais adequada, desde que atendendo aos requisitos

estabelecidos pela Lei n. 8.929/94.

Assim, o modelo abaixo, referente à promessa de entrega de produto rural, é

apenas uma exemplificação, não sendo um padrão:

CÉDULA DE PRODUTO RURAL

PRODUTO: CAFÉ ARÁBICA VENCIMENTO: 20 de dezembro de 2007.

Aos vinte dias do mês de dezembro de 2007, entregarei, por meio desta Cédula de Produto Rural, a José Ribeiro, brasileiro, casado, comerciante, inscrito no CPF/MF sob o n.º xxx.xxx.xxx-xx, domiciliado na fazenda Abaeté, Rodovia MG-01, Km 75, no município de Café com Leite/MG, ou à sua ordem, o seguinte produto rural:

LOCAL E CONDIÇÕES DE ENTREGA - O produto rural será entregue ao Credor, mediante apresentação desta CPR, nos armazéns da ABC, situado na av. 7 de setembro n. 100, em Café com Leite/MG, em 20/12/2007, devendo o Credor dar quitação no verso. Caso o produto rural, na data da entrega, apresente características diferentes das acima estabelecidas, poderá ser recusado pelo Credor ou, a critério deste, recebido com descontos.

TRIBUTOS - Os tributos que incidam ou venham a incidir sobre esta CPR serão de responsabilidade exclusiva do Emitente, não podendo ser abatidos na quantidade do produto rural, ora descrita.

DESPESAS COM CONSERVAÇÃO - Até o vencimento e/ou entrega do produto rural descrito nesta CPR, as despesas com manutenção, conservação, armazenamento, transporte e outras que forem necessárias, correrão exclusivamente por conta do Emitente.

PRODUTO Café Arábica, em grãos, safra de 2007.

QUANTIDADE 1.000 (um mil) sacas de 60 Kg (sessenta quilos)

CARACTERÍSTICAS Café arábica, cru, beneficiado, tipo 06, bebida dura, peneira 15 acima.

LOCAL DE FORMAÇÃO DA LAVOURA

Fazenda Tupi, no Município de Canela/MG, imóvel registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Canela/MG, sob a matrícula n. 2905.

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HIPOTECA CEDULAR - Em garantia ao fiel cumprimento desta CPR, o Emitente indica ao Credor, em hipoteca cedular, sem concorrência de terceiros, o imóvel localizado no município de Canela/MG, registrado sob a matrícula n. 2081, no Cartório de Registro Imóveis de Canela/MG, autorizando a imediata averbação desta CPR junto à matrícula do imóvel mencionado.

CONDIÇÕES GERAIS:

a) Eu, Joaquim Campestre, brasileiro, casado, produtor rural, CI n.º xxxxxx, inscrito no CPF/MF sob o n.º xxx.xxx.xxx-xx, residente e domiciliado na rua xxxx n.º xxx, bairro xxx, na cidade de Canela/MG, declaro que permanecerei na posse imediata e propriedade do bem ora dado em hipoteca, considerando-se vencido o crédito expresso nesta CPR, nos termos do art. 1.475, do Código Civil, caso o referido bem seja alienado durante a vigência desta Cédula; b) Ao Credor, bem como a eventuais Intervenientes, garante-se o livre acesso à propriedade onde estiver formada a lavoura, armazenado o produto ou conservada a garantia, de forma a lhe(s) permitir averiguar o atendimento às condições estipuladas nesta CPR, desde que demonstre ser o legítimo possuidor dela, e, constatadas irregularidades, liberado(s) para adotar as medidas administrativas e/ou judiciais necessárias ao fiel cumprimento das obrigações assumidas nesta Cédula; c) Assina a CPR, na condição de avalista do Emitente, o Sr. Antônio Níquel, brasileiro, viúvo, comerciante, CI n.º xxxxxx,, inscrito no CPF/MF sob o n.º xxx.xxx.xxx-xx, domiciliado na rua Tiradentes n. 85, na cidade de Saíras/MG;

Canela/MG, 2 de abril de 2007.

EMITENTE

Nome: Joaquim Campestre

CI n.º:

CPF n.º:

AVALISTA

Nome: Antônio Níquel

CI n.º:

CPF n.º:

Figura 1: Modelo de Cédula de Produto Rural

Pela qualidade cambiária da CPR, mister se levar em conta o princípio quod

non est in titulo non est in mundo. Vale dizer: pela literalidade marcante dos títulos de

crédito, ele deve ser bem descrito, definindo corretamente o direito dele decorrente,

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fazendo-se uma declaração sintética, clara e precisa, em função do chamado rigor

cambiário157.

É da análise da CPR que se poderá verificar eventual falsidade,

incapacidade, deficiência formal, prescrição, dentre outros vícios.

Entregue a CPR ao seu beneficiário – que passará a ter a sua posse –, inicia-

se a obrigação decorrente da Cédula. Isso, porque ela não se confunde com um

contrato, como já exposto alhures, não gerando efeitos desde a sua feitura; o direito

cambiário do credor surge da posse do título, vez que a emissão da CPR pressupõe a

elaboração e tradição ao legítimo possuidor.

Acerca da garantia hipotecária conferida no exemplo acima, frise-se que o

eventual endossatário que receber a CPR, adquire as garantias, dentre elas a

hipotecária, desde que essa seja constituída em benefício de qualquer possuidor de

boa-fé. Isso, porque, se a hipoteca fosse conferida em favor unicamente de José

Ribeiro, não se poderia presumir a garantia em favor de qualquer credor, endossatário

da CPR, como muito bem elucidado por PONTES DE MIRANDA158, ao abordar as

garantias reais da duplicata endossada.

Muito se discute sobre a possibilidade de inserção da cláusula de juros nos

títulos de crédito. O art. 44, I, do D. n. 2.044/1908159 a proíbe, sendo considerada

incompatível com a cambial. Deve, pois, ser tida por não-escrita. E, O art. 10, da Lei n.

8.929/94, prevê a aplicação das normas de direito cambial à CPR, levando-se em

consideração, pois, do mencionado art. 44, I.

A indicação na Cédula de critérios para se calcular a atualização da soma

cambiária retiraria a liquidez da CPR? Pensa-se que não, pois a quantia não deixa de

ser determinada, por depender apenas de um simples cálculo aritmético.

Dessa forma, conforme ensinado por PONTES DE MIRANDA160, se consta

do título “pelo preço de cinqüenta mil reais, a prazo de seis meses, com os juros de um

157 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Vol. III, atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, p. 62. 158 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Vol. III, atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, p. 260. 159 D. n. 2.044/1908, art. 44: “Para os efeitos cambiais, são consideradas não escritas: I – a cláusula de juros;” 160 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Vol. III, atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, p. 231/232.

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por cento ao mês”, o preço estipulado na cambial foi, em verdade, cinqüenta e três mil

reais. O que a Lei veda é: “cinqüenta e três mil reais, mais os juros de um por cento ao

mês, se não pagar”.

O manifestado acerca dos juros é válido para a convenção de multa,

considerando-se esta não escrita. É certo que o DL n. 167/67 e o DL n. 413/69 prevêem

multa de 10% (dez por cento), em caso de inadimplemento, mas tais disposições se

referem à Cédula de Crédito Rural e à Cédula de Crédito Industrial, como apontado por

NEVES161, não se aplicando à CPR, vez que, quanto a essa, não há previsão naquele

sentido.

Assim, entende-se impossível a inserção de cláusula de juros e multa na

CPR, por expressa vedação legal.

161 NEVES, Rubia Carneiro. Cédula de Crédito: doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 87.

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4 DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL FINANCEIRA

Alguns anos após a instituição da CPR, o legislador criou a chamada CPR

Financeira, através da Lei n. 10.200, de 14 de fevereiro de 2001, dispondo que a

liqüidação dessa CPR dar-se-á com a entrega de certa quantia em dinheiro.

Com isso, abriu-se mais uma possibilidade de liqüidação da CPR: além da

entrega de produto rural, já prevista para a CPR, desde 1994, o legislador permitiu a

liqüidação financeira, para a denominada CPR Financeira.

Essa diferença tem grande relevância, pois a CPR Financeira possui

procedimento executório diferente, vez que, ao executá-la, o credor deverá adotar a

modalidade de execução por quantia certa162 e, não, para entrega de coisa incerta,

conforme se dá com a CPR, nos termos do art. 15, da Lei n. 8.929/94.

Ainda com base no exemplo de CPR, sugerido no capítulo anterior, caso se

tratasse de CPR Financeira, dever-se-ia observar, necessariamente, seu nomem iuris –

Cédula de Produto Rural Financeira, em lugar de Cédula de Produto Rural –, para que

os subscritores tivessem ciência das obrigações que assumiram. Afinal, ao contrário da

CPR, que dispõe sobre a promessa de entrega de produto rural, a CPR Financeira é

um título líqüido e certo, exigível pelo resultado da multiplicação do preço, apurado

segundo determinados critérios, com referenciais necessários à identificação precisa do

preço ou índice de preços adotado, pela quantidade do produto discriminado163.

A CPR Financeira apresenta-se de duas formas como título líqüido. Na

primeira, menciona a identificação exata do preço atribuído ao produto prometido.

Nesse caso, multiplicando-se a quantidade do produto prometido pelo valor a ele

atribuído, chegar-se-á ao valor do título. Assim, ao se fixar o preço desde a emissão,

nenhuma alteração no mercado promoverá qualquer modificação em benefício das

partes.

162 L. n. 8.929/94, art. 4º- A, § 2º: “Para cobrança da CPR com liquidação financeira, cabe ação de execução por quantia certa.” 163 L. n. 8.929/94, art. 4º-A, § 1º: “A CPR com liquidação financeira é um título líquido e certo, exigível, na data de seu vencimento, pelo resultado da multiplicação do preço, apurado segundo os critérios previstos neste artigo, pela quantidade do produto especificado.”

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Tendo-se por base o exemplo do capítulo anterior, caso se tratasse de CPR

Financeira com “preço fechado”, no momento da emissão da Cédula, José Ribeiro e

Joaquim Campestre poderiam ter combinado o preço de R$ 230,00 (duzentos e trinta

reais) a saca, que, multiplicado pela quantidade do produto – mil sacas – totalizaria R$

230.000,00 (duzentos e trinta mil reais).

Poderia ocorrer, também, que José Ribeiro tivesse ofertado R$ 200.000,00

(duzentos mil reais) a Joaquim Campestre, emitindo-se uma CPR Financeira de R$

230.000,00 (duzentos e trinta mil reais) em favor de José Ribeiro, gerando a obrigação

da entrega desse valor, por Joaquim Campestre, no vencimento do título. Assim, o

credor José Ribeiro teria aplicado recursos à taxa de 15% (quinze por cento) ao período

compreendido entre a data da emissão e o vencimento da CPR Financeira, com risco

minorado pela existência de um eventual avalista, a garantir o pagamento.

A segunda forma da CPR Financeira não menciona em seu corpo o preço do

produto prometido, mas há estipulação de um índice de preços a ser usado no

vencimento do título. Frise-se que tal prática não se relaciona ou se assemelha à

cláusula de juros ou de multa, vedadas, como mencionado anteriormente.

Entende-se perfeitamente possível a emissão de cambial indexada, desde

que o índice adotado seja oficial ou de amplo conhecimento no comércio, em que o

valor do crédito é encontrado por simples operação matemática.

Considerando-se essa CPR Financeira indexada, com preço de liqüidação

atrelado a um índice financeiro ou à cotação em bolsa de valores, e projetando-a ao

exemplo de CPR supra, José Ribeiro teria desembolsado R$ 200.000,00 (duzentos mil

reais) para receber, em 20 de dezembro de 2007, a quantia equivalente a 200

(duzentas) vezes o valor da cotação da saca naquela data, que poderá ser inferior ou

superior a R$ 200,00 (duzentos reais). Vê-se que, nessa segunda forma de CPR

Financeira, a alteração das condições no mercado implicará modificação em benefício a

uma das partes.

A aplicação de índice possibilita que o valor a ser pago pelo emitente seja

atualizado ao longo do tempo que medeia a emissão e o pagamento. Ressalte-se

apenas que, eleito um índice em lugar do preço, na CPR Financeira deverão constar a

instituição responsável pela apuração ou divulgação do índice, a praça ou o mercado

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de formação do preço e o nome do índice, nos termos do art. 4º-A, I164. É importante

que a instituição eleita tenha um bom conceito e credibilidade no mercado,

disponibilizando informações claras sobre o índice a ser aplicado, para se mensurar

precisamente o quantum debeatur.

Dispõe o art. 4º-A, II165, que os indicadores de preços devem ser divulgados

periodicamente e de forma ampla, possibilitando a aferição de um histórico da evolução

do preço. É insuficiente a simples informação disponibilizada em quadro de avisos

internos de entidades negociadoras de produtos agrícolas, pois isso restringiria a

divulgação do preço e indicadores, não preenchendo a exigência legal de facilidade de

acesso à informação.

Mas, o que ocorrerá se o indicador eleito na emissão da Cártula deixa,

posteriormente, de ser divulgado, conforme exigido pela Lei n. 8.929/94?

Entende-se que a CPR deverá ser adequada às exigências da Lei, por meio

de um aditivo, permitido pelo art. 9º da Lei, adotando-se novo critério, sob pena de o

título perder a liqüidez necessária à sua execução.

No caso da CPR Financeira indexada, o ônus da prova quanto ao índice para

apuração do valor da CPR, recai sobre o credor, e a ausência de tal prova poderá

determinar a frustração da execução, por falta de título líqüido, certo e exigível, com sua

conseqüente extinção166.

164 L. n. 8.929/94, Art. 4º-A, I: “que seja explicitado, em seu corpo, os referenciais necessários à clara identificação do preço ou do índice de preços a ser utilizado no resgate do título, a instituição responsável por sua apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de formação do preço e o nome do índice.” 165 Lei n. 8.929/94, art. 4º-A., II: “que os indicadores de preço de que trata o inciso anterior sejam apurados por instituições idôneas e de credibilidade junto às partes contratantes, tenham divulgação periódica, preferencialmente diária, a ampla divulgação ou facilidade de acesso, de forma a estarem facilmente disponíveis para as partes contratantes.” 166 CPC, art. 618: “É nula a execução: I – se o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;”

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5 DIREITOS E DEVERES DECORRENTES DA CPR

Após a análise dos requisitos formais da CPR, bem como sugestão de seu

modelo e a diferenciação entre a CPR e a CPR Financeira, há ainda algumas outras

considerações pertinentes aos direitos e deveres decorrentes da Cédula.

5.1 Da Evicção

O emitente da CPR, além de responder pela evicção167, não pode invocar

caso fortuito ou força maior em seu benefício, para eximir-se da obrigação de entregar o

bem no tempo, no local e nas condições pactuadas. Do contrário, facilmente se eximiria

de sua obrigação, tendo em vista a ocorrência de variações climáticas bruscas, tais

como chuvas torrenciais, secas prolongadas, geadas, que eventualmente castigam as

culturas rurais, o que tornaria a relação insegura para o credor.

Esses eventos naturais não podem ser invocados, por se tratar do próprio

risco da atividade, irrelevante para a relação cambiária. Afinal, a LUG admite

prorrogação do vencimento por motivo de força maior ou por determinação legal168, mas

isso não confere ao devedor a possibilidade de invocar as intempéries para o não

pagamento no vencimento. A forma do produtor rural se proteger desses eventos

naturais é contratar seguro ou tentar se proteger de outra forma, como será visto

adiante.

Pelo fato de a evicção não se fundar na culpa do emitente, será este

responsável, ainda que de boa-fé, salvo se houver convenção em contrário, por ser

167 Evicção é a perda da coisa, por força de uma sentença judicial, que a atribui a terceiro, por direito anterior ao contrato aquisitivo. A sentença se funda em causa anterior ao contrato pelo qual se operou a aquisição do direito do evicto. Tal responsabilidade é cabível não só na transmissão de direitos reais, mas, também, na de créditos. 168 LUG, art. 54: “Quando a apresentação da letra ou o seu protesto não puder fazer-se dentro dos prazos indicados por motivo insuperável (prescrição legal declarada por um Estado qualquer ou outro caso de força maior), esses prazos serão prorrogados.”

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admitida a exclusão expressa da responsabilidade pela evicção, concomitantemente

com o conhecimento do risco de evicção pelo evicto169.

Assim, infere-se que a obrigação do emitente difere da assumida pelo terceiro

garantidor. Conforme visto anteriormente, o terceiro que indica uma safra pendente em

penhor, não será obrigado a oferecer outro bem, em substituição ao anteriormente

gravado, salvo se tiver se obrigado por cláusula expressa, em havendo frustração da

safra, em decorrência de eventos naturais, enquanto o emitente responde pela evicção.

5.2 Do Caso Fortuito e da Força Maior

É notório que a atividade rural está sujeita a variações climáticas bruscas,

que castigam as culturas rurais, mesmo atualmente, com toda a tecnologia

meteorológica e de maquinário à disposição do produtor. E, considerando-se a

degradação ambiental e os efeitos, já sentidos, do superaquecimento global, as

calamidades impostas por secas intensas e chuvas fortes e/ou prolongadas devem ser

mais freqüentes nos próximos anos.

Casos há em que a força maior realmente impossibilita a colheita da safra

pelo devedor, v.g., como uma forte e prolongada geada, ou uma inundação, que leva ao

perecimento não só de sua lavoura, mas das vizinhas também. Nessa hipótese, como

deve ser entendida tratada essa situação?

A Lei n. 8.171/91170 dispõe que o setor primário nacional, voltado ao

abastecimento alimentar do País, é importante para a ordem pública e a paz social,

evidenciando-se que a agricultura merece tratamento diferenciado, sobretudo em

momentos adversos e calamitosos, em que os que trabalham nesse setor sofrem

169 CC, art. 448: “Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.” Art. 449: “Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.” 170 L. n. 8.171/91, art. 2º: “A política agrícola fundamenta-se nos seguintes pressupostos: omissis. IV – o adequado abastecimento alimentar é condição básica para garantir a tranqüilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico-social.”

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graves e iminentes riscos em seu patrimônio, podendo ocasionar a insolvência ou

falência, conforme o caso.

Tendo-se em mente tais considerações, poder-se-ia refletir – em havendo

caso fortuito ou força maior a comprometer a produção de uma determinada região,

restando patente que a perda da cultura não se deu por culpa ou dolo do devedor –,

sobre a possibilidade de alteração dos termos da CPR, a fim de preservar a própria

atividade rural, vez que o comprometimento financeiro do produtor rural de forma

desmedida, inviabilizando sua capacidade produtiva, é altamente prejudicial ao País.

Nesse sentido, importante a ressalva feita por nossos Constituintes, no art.

5º, XXVI, da CR/88, no que tange aos pequenos produtores rurais, in verbis:

Art. 5º. Omissis. XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

Mas, cambiariamente, esses riscos do negócio não eximem o devedor do

cumprimento de sua obrigação, não conferindo a ele, pois, a possibilidade de invocar as

intempéries para o não pagamento da CPR no vencimento.

Não obstante, considerando-se a importância do setor produtivo primário para

o País, apesar de o caso fortuito ou a força maior não eximirem o devedor do

cumprimento de suas obrigações, a CPR pode sofrer alguma alteração nesse caso,

excepcionalmente, como, v.g., a prorrogação do vencimento da Cédula para a safra

futura, para que o devedor tenha tempo suficiente para conseguir os bens a serem

entregues, ou a receita para pagamento da CPR Financeira.

Não tendo a CPR circulado, bastaria um aditivo171, ou mesmo a inutilização

da CPR, com criação de outra, em substituição à primeira.

Se a CPR tiver circulado antes de tais modificações, pensa-se que a cambial

deve ser inutilizada, criando-se uma nova, com as novas disposições, incluindo-se o

novo vencimento, vez que os credores anteriores não saberão, v.g., do novo

vencimento. Mas, tal medida implicará um problema diante do credor: ao inutilizar a

171 L. n. 8.929/94, art. 9º: “A CPR poderá ser aditada, ratificada e retificada por aditivos, que a integram, datados e assinados pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.”

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CPR, criando-se uma nova, ele perderá a cadeia de endossos e eventuais avalistas que

se obrigaram na Cédula destruída, diminuindo suas opções de cobrança do crédito,

caso o emitente não pague.

Por isso, ressalta-se que tais modificações somente serão possíveis por meio

de acordo entre o devedor e o credor. Se este não quiser a prorrogação, ele poderá

exigir o cumprimento da obrigação ou a garantia prestada na Cédula, em caso de

descumprimento.

5.3 Do Registro da CPR perante o Cartório de Regist ro de Imóveis

Para ser eficaz perante terceiros, a CPR deve ser inscrita no Cartório de

Registro de Imóveis do domicílio do emitente, nos termos do caput, do art. 12172, da lei

examinada. Além disso, esse cuidado serve de obstáculo ao produtor rural, para que

não venda sua safra mais de uma vez.

A inscrição da Cédula, ou dos respectivos aditivos, deve ser efetuada no

prazo de três dias, contados da apresentação do título, sob pena de responsabilidade

funcional do oficial encarregado de promover os atos necessários, e tem por escopo dar

ao conhecimento público que o produtor rural (devedor) vendeu ao credor o produto

indicado na Cédula, na quantidade determinada, para proteção do direito do comprador

contra terceiros que, eventualmente, exerçam qualquer tipo de ação envolvendo o bem

alienado.

PAIVA PEREIRA173 critica esse dispositivo, manifestando que pode acontecer

de o emitente da CPR não ser proprietário de nenhum imóvel no seu domicílio, ou ser

proprietário de imóveis na mesma circunscrição imobiliária, o que poderia deixar o

credor confuso quanto à realização do ato de publicização. Para o aludido autor, mais

apropriado seria se a lei estabelecesse o Registro de Títulos e Documentos como o

172 L. n. 8.929/94, art. 12: “A CPR, para ter eficácia contra terceiros, inscreve-se no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do emitente.” 173 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 91.

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competente, vez que o objetivo é tornar a venda de um bem fungível (produto rural), de

conhecimento público. Tal crítica parece razoável.

Ainda sobre o registro da CPR, esta pode também ser registrada em qualquer

instituição de registro autorizada pelo Banco Central, a fim de ser negociada em Bolsa

de valores ou mercado de balcão, como será abordado adiante.

5.4 Da Entrega Antecipada do Produto Rural

Da análise dos requisitos da CPR, viu-se que a Cédula deve mencionar a

data de entrega do produto. Mas, sem prejuízo disso, é possível a entrega do produto

antes da data prevista na cédula, desde que com a anuência do credor174.

A concordância do credor é importante, pois, tomando-se o exemplo de CPR,

sugerido no capítulo 3, pode não ser vantajoso ao credor receber as mil sacas de café

antes do vencimento (20/12/2007).

Considerando-se que o credor tenha negociado o produto com terceiro,

obrigando-se a entregar a mercadoria a este somente no dia 27/12/2007, caso as sacas

de café sejam entregues pelo emitente no dia 20/11/2007, ao credor da cédula seriam

impostos gastos com armazenamento, riscos de subtração ou dano, caso o terceiro não

queira ou possa receber a mercadoria antes do dia 27/12/2007.

Considerando a hipótese de que José Ribeiro comprou as sacas de café,

visando vendê-las para o mercado internacional, ele arcaria com os custos de

manutenção e de uma possível perda do bem, durante os dias 20/11/2007 a

27/12/2007. E isso pode ser desvantajoso para ele, pois pode ser impossível somar tais

gastos aos de transporte do bem até o porto, armazenagem, desembaraço aduaneiro

de exportação etc., estipulados no Incoterm175 a regular a negociação internacional, e o

174 L. n. 8.929/94, art. 13: “A entrega do produto antes da data prevista na cédula depende da anuência do credor.” 175 Os Incoterms são regras de interpretação de cláusulas comuns no comércio internacional, identificadas por siglas, tais como FOB (Free on Board), posto a bordo; CIF (Cost, Insurance and Freight), custo, seguro e frete; FAS (Free Along Side Ship), ao lado do navio, etc., dispondo sobre a repartição dos custos de tradição entre o vendedor e o comprador.

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exportador não terá condições de embutir aqueles gastos, oriundos da entrega

antecipada do produto pelo emitente da CPR, no preço do bem exportado.

Se, v.g., o contrato de exportação foi assinado na condição FOB, posto ou

livre a bordo, cabe ao vendedor (exportador) os custos da tradição, até que a

mercadoria, devidamente desembaraçada para exportação, tenha sido embarcada no

navio indicado pelo comprador. Assim, José Ribeiro arcaria com os custos dos dias

adicionais em que o produto ficou em seu poder, em função da entrega antecipada.

Outra alternativa seria pactuar, na CPR, sobre a responsabilidade pelos

gastos advindos da entrega antecipada do produto rural, ou, também, obter a anuência

do credor à entrega antes da data fixada na Cédula. Nesse último caso, a modificação

da data não requer formalismos. Um fac-símile, ou uma mensagem via correio

eletrônico, enviados pelo credor, elucidando a questão da entrega antecipada,

caracteriza sua anuência quanto ao recebimento antes da data inicialmente acertada.

5.5 Do Pagamento Parcial da CPR

A legislação cambiária não veda o pagamento parcial, por não acarretar

prejuízo ao beneficiário do título. Por isso, caso haja o cumprimento parcial da

obrigação – v.g., a entrega de 800 (oitocentas) sacas de café, ao invés de mil –, esse

pagamento deve ser anotado no verso da cártula, tornando-se exigível apenas o saldo

referente a duzentas sacas de café.

Deve-se notar que a CPR, como título líqüido, certo e exigível pela

quantidade e qualidade do produto, serve de base à propositura de ação de execução

para entrega de coisa incerta, mesmo em havendo pagamento parcial, pois a obrigação

assumida não se refere à entrega de dinheiro. Veja-se o julgado do TRIBUNAL DE

ALÇADA DO ESTADO DO PARANÁ:

Cédula de produto rural (CPR) não constitui documento de dívida a ser paga, no vencimento, mediante cumprimento de prestação de entregar certa soma em dinheiro. Representa obrigação de entregar, em data futura (a do vencimento do título) o produto objeto da obrigação, na qualidade e quantidade indicadas.

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Havendo o cumprimento parcial da obrigação, mesmo que através de medidas judiciais especiais ou cautelares, o saldo é exigível mediante ação de execução para entrega de coisa incerta176.

Dessa forma, ocorrendo pagamento parcial, eventual execução sobre o saldo

remanescente será na modalidade de entrega de coisa incerta.

Por óbvio, tratando-se de CPR Financeira, o pagamento parcial será em

pecúnia e o saldo remanescente será objeto de execução por quantia certa.

Veja-se o seguinte julgado, que muito bem diferencia as modalidades de

execução de CPR e de CPR Financeira:

Cédula de Produto Rural - Art.15 da Lei nº 8.929/94 - Execução para entrega de coisa incerta - Embargos acolhidos - Não sendo financeira a Cédula de Produto Rural, inadmissível a execução por quantia certa, por que a lei impõe que seja a execução para entrega de coisa incerta. [...] O art. 4°-A, da referida Lei n° 10.200/2001, admite, em seu §2°, a execução por quantia certa para a cobrança da CPR financeira. Na verdade, aquele dispositivo inserido pela Lei n° 10.200/2001 inseriu na Lei n° 8.929/94 novo tipo de Cédula de Produto Rural, que é a Cédula de Produto Rural Financeira. Este tipo de cédula Financeira admitiria a execução por quantia certa. Entretanto, a cédula em execução não é Financeira, porque não preenche os requisitos dos incisos do art. 4°-A, da Lei n° 8.929/94, com redação dada pel a Lei n° 10.200/2001. Não sendo cédula Financeira, mas cédula de produto rural comum, regida pela redação original da Lei n° 8.929/94, aplicável a re gra do art. 15, do referido diploma, que dispõe que "para a cobrança da CPR, cabe a ação de execução para entrega de coisa incerta".177

Distintos, pois, os meios de cobrança judicial, por meio de processo

executório, de uma CPR e de uma CPR Financeira, que serão da mesma forma

utilizados em caso de pagamento parcial da CPR.

176 TAPR , 5ª Câm. Cív., AI n. 194.100-0, Peabiru – AC. 13.898, Juiz Convocado Jurandyr Souza Júnior, j. 4/9/2002. 177 TJMG, 16ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 2.0000.00.516591-3/000, rel. Des. Batista de Abreu, j. 23/11/2005.

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6 PARTICULARIDADES DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL

Pelo que já foi exposto, sabe-se que a CPR é, em muitos aspectos,

semelhante aos títulos de crédito mais conhecidos, v.g., a letra de câmbio, o cheque, a

nota promissória e a duplicata. O próprio art. 10, da Lei n. 8.929/94, determina que,

quando cabíveis, as normas de direito cambial se aplicam à CPR:

Art. 10. Aplicam-se à CPR, no que forem cabíveis, as normas do direito cambial, com as seguintes modificações: I – os endossos devem ser completos; II – os endossantes não respondem pela entrega do produto, mas, tão-somente pela existência da obrigação; III – é dispensado protesto cambial para assegurar o direito de regresso contra avalistas.

Da leitura desse artigo, percebe-se que, além das características gerais dos

títulos de crédito, tais como as pessoas envolvidas, a emissão, o endosso, o aval etc.,

existem algumas particularidades quanto ao título analisado neste trabalho.

É importante ter em mente que, na busca por uma teoria dos títulos de

crédito, não se pode deixar seduzir pela ilusão, estendendo normas peculiares de

alguns títulos de crédito a todos eles, sem uma análise detida e criteriosa. Quanto à

CPR, o alerta é válido em ambos os sentidos: pretender aplicar normas que não se

estendem a ela e, também, aplicar suas peculiaridades em outros títulos cambiários.

Passa-se à análise desses pormenores, especialmente dispostos no aludido art. 10.

6.1 Quanto ao Endosso

“I - os endossos devem ser completos”

O título cambiário tem por escopo a circulação do crédito. Em decorrência

disso, há preocupação em se proteger o terceiro portador de boa-fé, o que contribui

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para a circulação do título. As sucessões hereditária ou testamentária também podem

operar a transferência lícita do título, mas a circulação é feita, no mais das vezes, pela

figura do endosso.

Conforme lição de ASCARELLI, entende-se por circulação dos créditos:

o maximo de rapidez e de simplicidade no transmiti-los a varios adquirentes sucessivos, com o minimo de insegurança para cada adquirente que deve ser posto, não só em condições de conhecer pronta e eficazmente aquilo que adquire, mas, tambem, a salvo das exceções cuja existencia não lhe fosse dado notar, facilmente, no ato da aquisição.178 (sic).

O endosso pode ser entendido como uma declaração cambial, sucessiva e

eventual, pela qual o portador do título transfere a terceiro o documento e o direito nele

mencionado, passando o antigo portador, agora endossante, a obrigado indireto,

também responsável pelo pagamento do título. ASCARELLI179 diferencia de forma sutil,

mas inquestionável, a contraposição existente entre a circulação do título e a cessão do

direito: nessa, o objeto é o direito, ao passo que, na circulação, o objeto é o título.

Assim, a aquisição do direito deriva da aquisição do título.

Sabe-se que é o beneficiário da cambial, ou seu procurador, quem tem

legitimidade para endossar. Caso feito pelo representante legal do beneficiário, esse

mandatário deve ser investido de poderes especiais para endossar, sob pena de se

obrigar de forma pessoal180.

O mero portador, que não possa dispor legitimamente do título e/ou não

tenha capacidade jurídica para assumir obrigações cambiárias, não pode prestar o

endosso. O portador legítimo é a pessoa que justifica o seu direito por uma cadeia

ininterrupta de endossos181.

178 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 10. 179 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, IX. 180 LUG, art. 8º: “Todo aquele que apuser a sua assinatura numa letra, como representante de uma pessoa, para representar a qual não tinha de fato poderes, fica obrigado em virtude da letra e, se a pagar, tem os mesmos direitos que o pretendido representado. A mesma regra se aplica ao representante que tenha excedido os seus poderes.” 181 LUG, art. 16: “O detentor de uma letra é considerado portador legítimo se justifica o seu direito por uma séria ininterrupta de endossos, mesmo se o último for em branco.”

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Ato unilateral e formal, o endosso não se confunde com cessão de crédito.

Dentre outras razões, porque aquele é ato de natureza cambiária, ao contrário da

cessão, que é instituto de direito comum. Deve o endosso ser puro e simples e qualquer

condição a que fique subordinado é considerada como não escrita no título182. Diz-se

formal, pois somente pode ser prestado no título, não sendo admitido o endosso em

separado183. A cessão não exige forma especial. Diz-se unilateral o endosso, pois não é

necessária a anuência do endossatário, ao contrário da cessão, que é contrato bilateral.

Outra diferença marcante é quanto ao direito transmitido. No endosso, o endossatário

recebe um direito que emerge do título, não o direito do endossante, ao contrário do

que se dá com a cessão, em que o cedente transfere o seu próprio direito ao

cessionário. Há outras diferenças, que não serão aqui elencadas, por não ser esse o

objetivo do presente trabalho.

Caso um título à ordem, como uma CPR, seja adquirido por meio diverso do

endosso, essa aquisição terá o efeito de cessão civil. Isso faz toda a diferença, como é

sabido.

O endosso se desvincula de sua causa e, por isso mesmo, ao endossatário

de boa-fé são inoponíveis a exceções extracartulares que o devedor possa invocar em

relação ao credor originário, vez que o terceiro adquirente do título recebe direito novo,

originário e autônomo184.

Quem assume a posição de endossante no título, torna-se obrigado indireto

pelo pagamento, como devedor solidário. Significa que sua obrigação poderá ser

exigida, caso o portador comprove ter apresentado o título à pessoa designada pela lei,

no vencimento, e que esta não efetuou o pagamento.

CARVALHO DE MENDONÇA185 explica que, inexistindo disposição expressa

de lei, aplicam-se ao endosso dos títulos à ordem as normas da lei cambial. No que

182 LUG, art. 12, 1ª alínea: “O endosso deve ser puro e simples. Qualquer condição a que ele seja subordinado considera-se como não escrita.” 183 LUG, art. 13, 2ª alínea: “O endosso pode não designar o benefício, ou consistir simplesmente na assinatura do endossante (endosso em branco). Neste último caso, o endosso para ser válido deve ser escrito no verso da letra ou na folha anexa.” 184 LUG, art. 17: ”As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”. 185 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro.Vol. V, 2 parte, 3. ed., n. 495, p. 100.

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toca à CPR, título à ordem, uma vez emitida, possível será o endosso. Mas, a Lei n.

8.929/94 possui algumas disposições particulares, que diferem das relativas a outros

títulos, sendo uma delas acerca do endosso.

A CPR pode circular por endosso, desde que completo, por expressa

determinação legal. Mas o que se entende por endosso completo?

Na busca por uma resposta a essa indagação, vê-se que a doutrina não tem

um entendimento acorde. Segundo CARVALHO DE MENDONÇA, há duas espécies de

endosso: em preto e em branco. Para esse autor, endosso completo é o mesmo que

pleno, que são sinônimos do endosso em preto, ao afirmar que “o endosso póde ser em

preto, também chamado nominativo, pleno ou completo e em branco”186 (sic).

WHITAKER também vê sinonímia entre os chamados endosso completo e

em preto, ao registrar que há “dois typos formaes de endosso: o endosso completo e o

endosso em branco. O primeiro é aquelle em que se declara o nome do beneficiário; o

segundo, aquelle em que esta declaração é omittida”187 (sic).

AZEREDO SANTOS adota o mesmo entendimento: “endosso completo ou

em preto, em que o nome do beneficiário (endossatário) vem especificado ou lançado

no título”188. Mas, pouco à frente, registra que o endosso impróprio é sinônimo de

endosso-mandato, de endosso incompleto189. Dessa última manifestação, poder-se-ia

desenvolver o seguinte raciocínio: se o endosso-mandato é incompleto, o completo não

seria o em preto, mas sim, o que transfere o direito mencionado no título.

BULGARELLI invoca diferenças entre o endosso completo e o pleno,

afirmando que o completo é o que não é prestado de forma parcial:

Não se confunda, outrossim, o endosso pleno com o endosso completo (no sentido de não ser parcial, isto é, de ter o endossante assumido integralmente a obrigação que se contém no título), já que o § 3º, do art. 8º, do Decreto 2.044/1908, veda o endosso parcial, e a Lei Uniforme, no seu art. 12, considera

186 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro.Vol. V, 2 parte, 3. ed., n. 495, p. 100. 187 WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 2 ed., revista e augmentada. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1932, p. 122. 188 SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Manual dos Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1971, p. 40. 189 SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Manual dos Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1971, p. 42.

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como “não escrita” qualquer condição a que ele seja subordinado e “nulo” o endosso parcial.190

Não obstante, o Prof. WILLE DUARTE COSTA191 ensina que o endosso

pleno é o também chamado de endosso completo, como afirmado por CARVALHO DE

MENDONÇA. Mas, para o festejado Professor mineiro, endosso pleno ou completo é o

que transfere o título e o direito nele mencionado por completo, podendo ser expresso

em preto, em branco ou ao portador, contrariamente ao entendimento de CARVALHO

DE MENDONÇA, que vê o endosso completo como sinônimo do endosso em preto.

Corroborando o raciocínio, PONTES DE MIRANDA ensina que o endosso

completo é o que transfere a propriedade, diferenciando-o dos endossos mandato e

pignoratício192, entendimento também defendido por SARAIVA193.

Acompanhando essa linha, ROSA JÚNIOR diferencia bem os chamados

endosso completo e incompleto:

O endosso próprio, pleno, completo ou translativo, é aquele que viabiliza a transferência dos direitos decorrentes do título de crédito, e o portador será legítimo se justificar o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja em branco (LUG, arts. 14, al. 1ª, e 16; LC, arts. 20 e 22). [...] Endosso impróprio, não translativo, incompleto ou não pleno, é o ato cambiário pelo qual o endossante transfere apenas o exercício dos direitos emergentes do título, sem ficar responsável cambiário pelo aceite e pagamento. O endosso denomina-se impróprio porque não cumpre a sua função precípua de operar a transferência dos direitos decorrentes do título. 194

Com essa diferenciação em mente, veja-se a seguinte decisão, do

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL:

Em que pese a simpatia pelas teses do apelante, em razão da comprovação da entrega do produto junto à Cooperativa, não vejo como prover o recurso. A sentença foi técnica, fez análise clara e objetiva da legislação que se aplica ao título objeto da lide, que é a Cédula de Produto Rural. Porque a Lei n. 8.929/94, que criou este novo título de crédito, admitiu apenas a possibilidade do endosso

190 BULGARELLI, Waldírio. Títulos de Crédito. 14. ed., São Paulo: Atlas, p. 166. 191 COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 179. 192 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Vol. III, atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, p. 254/255. 193 SARAIVA, José A. A Cambial. Vol. 1, Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, p. 242. 194 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da, Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, p. 251.

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completo, em preto, pleno, transmitindo a propriedade do título ao endossatário apontado, com a tradição, que ocorreu.195

Qual a intenção do legislador ao determinar que o endosso, na CPR, deve

ser completo? Significa que se permite apenas o endosso que transfere o título e o

direito nele mencionado? Ou que somente admite a modalidade em preto? Ou significa

que não pode ser parcial?

É certo que o endosso parcial – que transmitiria apenas parte da importância

mencionada no título –, é considerado nulo, desde antes da Lei n. 8.929/94, como se

pode ver do disposto na LUG196. O próprio parágrafo 3º, do art. 8º, do D. n. 2.044/1908,

apesar de não mais vigente, já proibia o endosso parcial197. Ilógico seria crer que o

legislador quis, novamente, tratar da vedação quanto ao endosso parcial.

Recordando-se o intuito cambiário de propiciar a circulação do título, também

não há lógica em se permitir apenas o endosso em preto, vedando-se o endosso em

branco e o ao portador. Por isso, o endosso completo não pode ser confundido com o

endosso em preto.

Entende-se por endosso completo, portanto, aquele que viabiliza a

transferência do título e dos direitos dele decorrentes, e o portador será legítimo se

justificar o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja

em branco.

Ver-se-á adiante que os tribunais pátrios têm afastado o endosso-caução na

CPR, exatamente por não promover a transferência dos direitos decorrentes do título de

crédito, sendo chamado, inclusive, endosso impróprio.198

A partir disso, conclui-se que, na CPR, é possível que se opere a

transferência da propriedade da cártula, por meio do endosso em preto, em branco, ou

ao portador.

Frise-se que, conforme diferenciado por WHITAKER, o endosso em branco

não transforma, precisamente, a cártula em título ao portador, vez que para legitimação

195 TJRS, 16ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70000333377, rel. Des. Helena Cunha Vieira, j. 7/6/2000. 196 LUG, art. 12, 2ª alínea: “O endosso parcial é nulo.” 197 D. n. 2.044/1908, art. 8°: “O endosso transmite a propriedade do título. Omissis. § 3°. É vedado o endosso parcial.” 198 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 250.

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do credor de título ao portador basta a posse, enquanto que, para legitimação do credor

de título endossado em branco, imperiosa a cadeia ininterrupta de endossos199. Veja-se

o alerta CARVALHO DE MENDONÇA:

o endosso em branco empresta á letra de cambio a similhança de um título ao portador [...] Note-se, porém, que a letra de cambio endossada em branco não é juridicamente um titulo ao portador; ao contrário, mantem o caracter de titulo á ordem.200 (sic).

Portanto, é inapropriado dizer que em havendo endosso em branco, a CPR

passará a ser um título ao portador. Trata-se apenas de uma semelhança quanto à

circulação, vez que, para legitimação de quem detenha o título ao portador, basta a sua

posse, ao passo que, para legitimação do portador do título endossado em branco, será

necessária a comprovação da cadeia ininterrupta de endossos, ainda que o último seja

em branco, pois o endosso em branco só é válido quando se liga à cadeia de endossos.

Após breve parêntesis, diferenciando-se endosso em branco e ao portador,

pergunta-se: o que representa o endosso na CPR? Pagar o quê? Onde e quando?

Viu-se que o objeto da CPR é a promessa de entrega de produto rural, ou de

dinheiro (CPR Financeira). Remetendo-se ao exemplo de CPR – capítulo 3 –, deve-se

entregar o produto rural descrito, o café indicado.

Acerca do local onde deve ser feita a entrega do produto, a resposta deve

defluir da própria Cédula endossada: “O produto rural será entregue ao Credor,

mediante apresentação desta CPR, nos armazéns da ABC, situado na av. 7 de

setembro n. 100, Café com Leite/MG, em 20/12/2007”.

Recorde-se que o endosso promove a alteração na titularidade do crédito

mencionado na Cédula, mas não altera as demais disposições constantes do título, tais

como a data e o local de entrega do produto. Frisa-se isso, porque o local de entrega,

estipulado no momento da emissão da CPR, pode ser inconveniente ao endossatário,

mas isso não lhe confere o direito de exigir que a entrega seja efetuada em local

199 WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 2 ed., rev. e aum.. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1932, p.127. 200 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. Vol. V, 2 parte, 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, n. 690, p. 281.

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diverso do que consta na Cédula. Somente através de aditivo e cumpridas as

formalidades é que o local de entrega pode ser alterado.

Mantido o local da entrega do produto, ajustado originariamente na CPR, v.g.,

o armazém do credor originário, ora endossante, e, sendo o produto entregue e

recebido naquele lugar, surge a presunção de que o endossante – primeiro credor

indicado na CPR –, é mandatário tácito do endossatário, com o que poder-se-ia

considerar cumprida a obrigação pelo emitente. Por isso, seria descabido o aponte da

Cédula a protesto extrajudicial, sob a alegação de que o produto não fora entregue ao

credor na data e local ajustados. Nesse diapasão, boa de ver a seguinte decisão:

Cédula de Produto Rural. Ação Ordinária. Julgamento Antecipado. Cerceamento de defesa inocorrente . [...] figurando na cártula obrigação de entrega do produto em local previamente determinado, essa circunstância, por si só, demandava notificação para a indicação de outro local. Caso em que, entregue o produto no local assinalado na cédula, pressupõe-se, no mínimo, outorga de mandato pelo endossatário a outro, no caso, o endossante, para o recebimento.201

Porém, tal entendimento não é pacífico:

Ação Ordinária de Nulidade. Preliminar de cerceamento de defesa. Inexiste quando o pretendido nada acrescenta para o mérito d a sentença. No endosso pleno dispensável a notificação do devedor-emitente por parte do credor-endossatário quando recebe a Cédula de Produto Rural (CPR) do endossante. Não é possível o emitente do título alegar oponibilidade quando não efetuou o pagamento ao endossatário e sim ao endossante. Prevalece o princípio do Direito Cambial que diz: “quem paga mal, paga duas vezes.202

A solução para essas situações deverá ser proferida caso a caso, após

análise dos argumentos e particularidades expostos pelas partes, especialmente em

exceção de pré-executividade ou embargos à execução.

Independentemente disso, insta perguntar: quem pode figurar, na prática,

como credor da CPR? Veja-se a lição de FRONTINI:

201 TJRS, 2ª Câm. Esp. Cív., Ap. Cív. n. 70000667758-Ijui, rel. Des. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 30/5/2000. 202 TJRS, 10ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70002201481, Rel. Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, j. 2/5/2002.

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Quem serão os tomadores-credores das cédulas de produto rural? Em primeiro lugar, as empresas da agroindústria (os assim chamados agro-business). Em segundo lugar, os exportadores de produtos primários. Em terceiro lugar, as próprias cooperativas de produtores rurais, que não se nos afiguram impedidas de assim agir. Por fim, outros intermediários que operam no ramo, alguns às vezes pejorativamente identificados como atravessadores. De qualquer forma, como a lei silencia a respeito, mostra-se aberta a possibilidade de qualquer interessado, presente e atuante no mercado, negociar o recebimento futuro de produto rural, contra a emissão da CPR.203

Uma vez que a pessoa pode adquirir a qualidade de credor por meio de

endosso, deve-se atentar para o chamado endosso-caução, em que o portador

transfere o título ao seu credor, como garantia do pagamento da dívida, não se

operando a transferência da titularidade do crédito mencionado na cambial. E, como

explica BARBI FILHO, “este credor, na condição de endossatário pignoratício, pode

praticar todos os atos necessários à defesa e conservação dos direitos emergentes do

título sob sua posse”204. Pode, pois, protestar o título e executá-lo, mas não pode

transferir a titularidade do crédito205.

Chama-se atenção para tal endosso, considerado impróprio, pois os tribunais

pátrios têm acertadamente considerado que, em seus efeitos, o endosso-caução se

diferencia do endosso completo e, por isso, é vedado pelo art. 10, da Lei n. 8.929/94.

Tal entendimento está correto, pois ante a falta da transmissão da

propriedade do título no endosso-caução, esse não pode, realmente, ser tido por

completo. E, para que não se confunda, vale lembrar que o endosso-caução, vedado na

CPR, não é o mesmo que o endosso-mandato206.

Em havendo endosso completo, o emitente da CPR deve efetuar o

pagamento em favor do endossatário, como se vê nas seguintes decisões:

203 FRONTINI, Paulo Salvador apud PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed., Curitiba: Juruá, p. 30. 204 BARBI FILHO, Celso. A duplicata mercantil em juízo. Atualizada por Otávio Vieira Barbi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 125. 205 LUG, art. 19: “Quando o endosso contém a menção “valor em garantia”. “valor em penhor” ou qualquer outra menção que implique uma caução, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas um endosso feito por ele só vale como endosso a título de procuração.” 206 Sobre essa distinção, ensina BARBI FILHO: “Pela regra prevista no art. 18, da LUG, para o endosso-mandato, os coobrigados só podem invocar contra o endossatário-mandatário exceções que eram oponíveis ao endossante mandante. No caso do endosso-caução, diferentemente, o art. 19 determina que os coobrigados não podem alegar contra o portador-endossatário as exceções oponíveis ao endossante caucionante, salvo se aquele tiver procedido de má-fé”. BARBI FILHO, Celso. A duplicata mercantil em juízo. Atualizada por Otávio Vieira Barbi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 127.

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Cédula de Produto Rural. Endosso do Título. Ação Or dinária de Nulidade do Aponte. Tendo o devedor efetuado pagamento do título, sem exigir a devolução da cédula, impróprio opor-se ao endossatário que é portador legítimo e de boa-fé. Sentença de improcedência de ação anulatória mantida.207

Processo Civil. Agravo. Endosso de Título de Crédit o. O endosso lançado em Cédula de Produto Rural não lhe retira o caráter de autonomia, certeza, liquidez e exigibilidade. O endossatário recebe o direito estampado no título como se fosse um credor originário, totalmente desvinculado do negócio subjacente. "Pagamento feito pelo devedor de título à ordem, sem que a cédula lhe seja devolvida, descabe oposição ao endossatário, portador legitimo e de boa-fé. "Quem paga mal, paga duas vezes.208

Cédula de Produto Rural. Endosso. Pagamento efetuad o ao Endossante. Ineficácia. Efeito quanto ao Credor. Preliminares. O pagamento feito pelo devedor diretamente ao endossante, embora ciente de que a CPR havia sido endossada a terceiro, não o desonera em face do novo credor. [...] Pelo que se vê, o emitente-devedor teve ciência da existência do endosso, aceitou o risco de ser compelido a pagar uma segunda vez, com o que tem inteira aplicação o brocardo “quem paga mal, paga duas vezes”. Ainda, em relação a tal quitação, tenho a asseverar que ciente o autor da transferência da titularidade do crédito, a quitação obtida diretamente do endossante é tida como ilícita, pois já não mais era credora do produto constante da CPR. [...] Com o endosso, a titularidade, o direito ao crédito passou a ser da ré, não podendo alegar o apelante, que desconhecia tal situação dada a publicidade do seu registro no Cartório de Registros Especiais, podendo, então, somente a ré receber e dar a quitação noticiada nos autos. [...] A declaração passada em nome do apelante, faz prova do alegado adimplemento. A certidão permite afirmar que o endosso precedera a entrega do produto, determinando, assim, a negligência com que agiu o devedor que não exigiu a apresentação da cédula na entrega do produto. O presente caso submete-se, portanto, à “regra da inoponibilidade ao endossatário das exceções pessoais do devedor contra o tomador e anteriores endossatários”, referida por João Eunápio Borges, entre “as normas que tornam segura e privilegiada a posição do terceiro de boa-fé que, na circulação regular do título tornou-se proprietário da letra de câmbio” (em “Títulos de Crédito”, Forense, Rio, 1971, p. 73).209

Mas, no que se refere ao endosso-caução – em que a CPR seria considerada

um bem móvel, onerada em favor de credor do endossante, por meio de penhor –, a

jurisprudência tem se posicionado de forma a rejeitá-lo:

Ação Ordinária. Decretação de nulidade de aponte e de Danos Morais e Materiais. Protesto de Cédula de Produto R ural. Cédula de Produto Rural-CPR. Trata-se de um título circulativo, ao qual se aplicam as normas de direito cambial, com algumas peculiaridades. A lei não autoriza a mera entrega do título ao endossatário como garantia de outro negócio, sem a transferência da propriedade do título (CPR). Logo, não

207 TJRS, 5ª Câm. Cív., Ap. Civ. n. 70000306647, rel. Des. Sérgio Pilla da Silva, j. 25/11/1999. 208 TJRS, 9ª Câm. Cív., AI n. 598300416, rel. Des. Tupinambá Pinto de Azevedo, j. 30/3/1999. 209 TJRS, 6ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70000310284, rel. Des. João Pedro Freire, j. 8/11/2000.

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comporta a CPR a espécie de endosso conhecido com endosso-caução.210

Na hipótese de endosso-caução, o crédito é transferido ao endossatário, que

fica apenas na condição de credor pignoratício do endossante. Cumprida a obrigação

do endossante, garantida pelo penhor, o endossatário devolverá o título ao endossante.

Não cumprida a obrigação garantida, o endossatário se apropriará do crédito constante

do título.

Sobre isso, veja-se as seguintes decisões do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, especificamente sobre a CPR, e as situações que

podem advir do endosso-caução:

Ao analisar o endosso a primeira impressão é de que se trata de endosso puro e simples, em preto, acompanhado da expressão “pague-se”, pois consignada como favorecida a apelada. E isso não só por assim dispor a lei, mas também pelo fato de não estar acompanhado das expressões “valor em garantia” ou “valor em penhor” (Rubens Requião, in “Curso de Direito Comercial”, 19ª ed., 2º Vol., p. 335). No entanto, análise mais apurada dos autos remete a conclusão de que o título foi, na verdade, dado em caução, nos termos dos arts. 789 e seguintes do CC, de maneira que aplicável ao caso não as normas de direito cambiário, mas sim as de Direito Civil.211

Cédula de Produto Rural. Ação Ordinária. Endosso-caução. Análise do conjunto que evidencia a efetiva ocorrência de endosso-caução, exigindo, pois, prévia notificação ao sacado. Além disso, figurando na cártula obrigação de entrega do produto em local previamente determinado, essa circunstância, por si só, demandava notificação para a indicação de outro local. Caso em que, entregue o produto no local assinalado na cédula, pressupõe-se, no mínimo, outorga de mandato pelo endossatário a outro, no caso, o endossante, para o recebimento.212

Da análise desses julgados infere-se que, não raras vezes, apesar de vedado

pela Lei n. 8.929/94, o beneficiário da CPR presta endosso-caução a um credor, sem

promover a notificação do emitente, o que, logo após o vencimento e pagamento da

CPR, faz com este seja surpreendido com um aponte de protesto, por suposto

descumprimento de sua obrigação cambiária.

210 TJRS, 12ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70001994367, rel. Des. Agathe Elsa Schmidt da Silva, j. 5/12/2002. 211 TJRS, 2ª Câm. Esp. Cív., Ap. Cív. n. 70000667675, rel. Des. Breno Pereira Da Costa Vasconcellos, j. 28/6/2001. 212 TJRS, 2ª Câm. Esp. Cív., Ap. Cív. n. 70 000 667 758, rel. Des. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 30/5/1999.

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C P R

No cotidiano dos produtores rurais, esses podem se tornar vítimas dessa

operação, pelo fato de o beneficiário endossar, em garantia, a CPR a terceiros, o que

poderia levar à impressão de que não houve o pagamento do título, apesar de a CPR

ter sido quitada junto ao endossante-caucionante, e este, sem promover a devolução da

CPR ao emitente – fato comum também em outros títulos de crédito –, acaba

possibilitando que o título ainda circule.

Essa situação pode ser assim ilustrada:

Pagamento

ENDOSSO-CAUÇÃO

Quitação “Pague-se a XYZ, valor

em garantia.

PROTESTO

Figura 2: Organograma sobre Endosso-Caução

Após a emissão da CPR pelo produtor rural, a cooperativa, beneficiária da

CPR, endossa a Cédula, em garantia, em favor de uma importadora, credora da

cooperativa. Ignorando o endosso-caução, o produtor rural efetua o pagamento da CPR

à cooperativa, que o recebe e dá quitação fora do título, sem devolvê-la ao emitente.

Posteriormente, o produtor rural é surpreendido com o aponte ou protesto do título,

vendo-se coagido a pagar um débito já quitado, ou rotulado como mau pagador.

Por ser vedado o endosso-caução na CPR, cumpre notar o disposto no caput

do art. 292, do Código Civil213, a dispor que o devedor que, antes de ter conhecimento

213 CC, art. 292: “Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.”

Produtor Rural

Cooperativa

Importadora XYZ

1

2

3

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da cessão, paga ao primitivo credor, fica desobrigado. Veja-se o seguinte julgado sobre

a questão:

Apelações Cíveis. Ação Ordinária. Ação Cautelar de Sustação de Protesto. Cédula de Produto Rural. Endosso em preto. Entrega do título em garantia de cumprimento de contrato entre a endossante e end ossatária. Notificação do devedor. Indispensabilidade. Se o endosso feito pela credora foi em cumprimento de cláusula contratual que previa a entrega dos títulos como garantia de cumprimento do pacto, era imprescindível a intimação do devedor, nos termos dos arts. 792, II, e 794, ambos do CCB. Além disso, prevendo o título o local e a quem o produto seria entregue, não tendo tal cláusula sido alterada e nem tendo sido notificado o devedor pela endossatária, é de se ter que a endossante recebeu o produto como mandatária e por conta da credora e endossatária. Assim, a quitação fornecida pela endossante é válida. O protesto feito pela endossatária é indevido e injusto. Dano moral reconhecido. Perdas e danos não especificadas que não se reconhece.214

Entende-se que a Lei n. 8.929/94 não autoriza a mera entrega do título ao

endossatário como garantia de outro negócio, sem a transferência da propriedade da

CPR. Isso porque, como visto, o endosso completo, ao qual a Lei de CPR faz menção,

transfere a propriedade da cédula, diferentemente do endosso-caução, que transfere

apenas a posse.

Havendo endosso em garantia, tem-se exigido a intimação do emitente

acerca da operação, ou o aditamento da CPR, com a alteração da pessoa que receberá

o pagamento e do local da entrega do produto, seguindo o que dispõe o art. 290, do

Código Civil de 2002215, por se tratar de cessão e, não, de endosso.

Conclui-se que o portador da CPR que a transfere por endosso-caução, na

verdade efetuou uma cessão de crédito, regida pelos arts. 286 a 298, do Código Civil

de 2002, pois a Lei n. 8.929/94 não permite o endosso incompleto.

Com isso em mente, veja-se o que o Prof. WILLE DUARTE COSTA ensina:

Nestas hipóteses {circulação de direito comum}, havendo transferência por outro modo diferente do endosso, o direito do adquirente não é autônomo, pois não nasce em decorrência do ato de transferência propriamente dito, qualquer que seja. O seu direito será sempre derivado do direito do último possuidor, de

214 TJRS, 1ª Câm. Esp. Cív., Ap. Cív. n. 70000653030 – Ijuí, rel. Des. Luis augusto Coelho Braga, j. 23/5/2001. 215 CC, art. 290: “A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.”

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tal forma que, quem tinha defesa contra o direito do possuidor anterior, continua tendo a mesma defesa contra o possuidor a quem o título foi transmitido nessas circunstâncias.216

Assim, a quitação prestada pela cooperativa ao produtor rural deve ser

considerada válida, não cabendo, portanto, o protesto feito pela importadora. E, como o

endosso-mandato também é considerado incompleto ou impróprio, deve-se entendê-lo

como não permitido, no que toca à CPR.

6.2 Quanto aos Endossantes

“II - os endossantes não respondem pela entrega do produto, mas, tão-

somente, pela existência da obrigação”

Segundo as normas cambiárias217, o endossante garante o pagamento do

título, salvo cláusula em contrário. Trata-se de uma promessa indireta de pagamento,

vez que o portador somente poderá exigir o crédito do endossante se comprovado o

protesto, indicando que o título fora apresentado à pessoa designada pela lei (devedor

principal) e este não efetuou o pagamento na data avençada.

O endosso faz com que o endossante passe à condição de obrigado indireto,

também responsável pelo pagamento do título. PONTES DE MIRANDA ensina que

“com a posse por outrem, o endosso, que se tornou irrevogável pelo endossante sem

posse, põe o endossante na situação de devedor de regresso.”218.

Nesse ponto, não se pode ignorar o antagonismo existente entre o disposto

no art. 914, caput, e seu § 1º, do Código Civil219, e o art. 15 da LUG.

216 COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.190. 217 LUG, art. 15: “O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra. O endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a quem a letra for posteriormente endossada.” 218 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Vol. I, atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000. p. 319. 219 CC, art. 914: “Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título. § 1º Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário.”

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O disposto no Código Civil o oposto ao que consta nas leis cambiárias, pois,

da leitura do art. 914, infere-se que o endossante não é responsável pelo pagamento do

título, salvo cláusula em contrário. O Prof. WILLE DUARTE COSTA220 recorda que, na

história dos títulos de crédito, desde as modificações ocorridas no chamado período

francês, no século XVII, a partir da cláusula à ordem, o endosso implica

responsabilidade solidária do endossante.

Mas, nem sempre essa é a regra, conforme ensinado por ASCARELLI:

É esse um efeito do endosso, que, por unânime consenso da doutrina, não é peculiar de todos os títulos à ordem, mas sòmente daqueles a cujo respeito a lei o admite, podendo na própria cambial, ser excluído, pelo endossador, com a aposição da cláusula “sem garantia”.221 (sic).

Ademais, não se olvide o art. 903, do Código Civil222, a esclarecer que os

títulos de crédito serão regidos pelo disposto no Código Civil, caso não haja disposição

diversa em lei especial. Vale dizer: o endosso sem garantia, constante do Código Civil

de 2002, não é regra para os títulos de crédito típicos.

Vale lembrar, outrossim, que o art. 2º, § 2º, da Lei de introdução ao Código

Civil, exaure qualquer dúvida, ao dispor que “a lei nova, que estabeleça disposições

gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”

Assim, as disposições do Código Civil não se aplicam aos títulos de crédito

típicos ou nominados, pois regulados por suas respectivas leis especiais.

Quanto à CPR, não há dúvidas de que esta é regida por lei especial. Assim, a

priori, não vale, quanto a ela, o disposto no art. 914, do Código Civil.

Na Lei de CPR há disposição específica acerca do endosso, no sentido de

que o endossante não é responsável pela entrega do produto descrito na cártula e

prometido pelo emitente, mas, sim, pela existência da obrigação mencionada no título,

qual seja, a de entregar determinado produto ou dinheiro, o que evidencia uma

aproximação entre as regras do endosso da CPR e as dispostas no Código Civil.

220 COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.192. 221 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943, p. 239. 222 CC, art. 903: “Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código.”

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Essa disposição impede, portanto, que o portador constranja o endossante a

entregar-lhe o produto ou o valor prometido pelo emitente. Sobre o endossante recai

apenas a responsabilidade de assegurar o endossatário acerca da existência da

obrigação constante da CPR, cujos direitos lhe foram transmitidos. Mas, o que isso

significa, na prática?

Inicialmente, pode-se crer que tal disposição cria obstáculo à circulação da

CPR, por diminuição da solidariedade cambial, das garantias do portador, ao se

equiparar o endosso da CPR a uma cessão civil.

Contudo, vale a pergunta: quantos possíveis endossantes deixariam de

celebrar contratos e operações comerciais, utilizando a CPR, pelo fato de terem que

garantir a entrega de um produto que eles não produzem? Se o portador da CPR, ao

negociá-la, tornando-se endossante, se obrigasse a entregar o café, v.g., talvez

desistisse do negócio e interrompesse a circulabilidade própria dos títulos de crédito,

que tanto favorecem a mobilização da riqueza, justamente por não ter como entregar o

produto rural, caso fosse compelido futuramente.

Sobre a CPR, especificamente, o Des. JOÃO PEDRO FREIRE assim

asseverou em seu voto:

O endossante responde somente pela existência da obrigação, e não pela entrega do produto, sendo que pela entrega do produto, um compromisso assumido pelo emitente da CPR, afastando-se, assim, a legislação em causa, inteiramente da regra de Direito Cambiário através da qual o favorecido pela emissão da cambial ou o portador desta, ao fazer o endosso e lançar no título a sua assinatura, torna-se, por esse ato, coobrigado cambiário, ou seja, responsável pelo pagamento da cártula, em regresso.223

Resta claro que o endossante não responde pela entrega de mil sacas de

café, nos termos da sugestão de CPR (Capítulo 3). Conforme manifestado no voto

acima destacado, essa disposição da Lei n. 8.929/94 se afasta das regras de direito

cambiário, vez que o endossante não é responsável pelo pagamento.

Portanto, apesar de a CPR ser um título típico, regido por lei especial, o

endossante, excepcionalmente, não é garante a solvabilidade do título. A regra do art.

223 TJRS, 6ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70000310284, rel. Des. João Pedro Freire, j. 8/11/2000.

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15, da LUG, não se aplica à CPR, face à disposição contrária na lei que a regula, o que

parece ser uma medida de favorecimento da circulação da CPR e, não, o contrário,

como poderia parecer.

Mas, como interveniente, deve o endossante responder por algo: pela

existência da obrigação de entregar o produto, na quantidade e qualidade

estabelecidas, ou determinada quantia. Resta saber o que isso significa. Será que a

única obrigação do endossante é a de assegurar que a CPR não é simulada e que

houve uma compra e venda de produto rural efetivamente?

Buscando melhor entendimento sobre o tema, recorreu-se aos artigos que

tratam da cessão de crédito, no Código Civil, e viu-se que a obrigação do endossatário

da CPR se aproxima da obrigação do cedente, na cessão civil. Veja-se o que dispõem

os arts. 295 e 296, do Código Civil, in verbis:

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

Assim, pode-se entender que, ao se afastar das regras cambiárias, a

obrigação do endossante da CPR se assemelha à de uma cessão civil. Conforme

elucidado por RIPERT, “se o endosso fosse somente uma maneira de ceder o crédito, o

endossante seria garante da existência do crédito, mas não da solvência do

devedor.”224 (tradução nossa).

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA explica que “o cedente responde apenas

pela realidade do crédito (veritas nominis) e não pela solvência do devedor (bonitas

nominis)”225. Nos termos do art. 295, do Código Civil226, o cedente é responsável,

224 “Si el endoso fuese solamente uma manera de ceder el crédito, el endosante sería garante de la existencia del crédito, pero no de la solvencia del deudor.” RIPERT, George. Tratado Elemental de Derecho Comercial. Vol. III Trad. Felipe de Sola Cañizares, com colaboração de Pedro G. San Martin, Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1954, p. 214. 225 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 492.

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perante o cessionário, apenas pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu.

Ademais, dispõe o art. 296, daquele Diploma legal227, que, salvo disposição em

contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. Com esse pensamento e,

conforme disposto na Lei de CPR, o endossante é responsável pela realidade da

dívida, pela existência do crédito ao tempo do endosso.

Isso não significa que um novo endossatário terá direito derivado, igual ao de

seu endossante, como ocorre com a cessão. Afinal, cessão de crédito não há. No

endosso há cessão do título e, não, do direito. Assim, o endossatário não sofrerá os

efeitos das exceções que o devedor tenha contra o endossante. Isso, porque o

endossatário tem direito próprio em face do devedor. Se o endossatário não tivesse

direito próprio, haveria uma infinidade de exceções, originadas nos endossos

efetivados, bastando ao devedor encontrar uma pessoa anterior a ele na relação, que

lhe possibilitasse alguma razão para não pagar.

Dessa forma, apesar da falta de solidariedade do endossante, não se pode

afirmar que, ao se alongar a cadeia de endossos na CPR, haverá diminuição da

segurança do adquirente do título, como ocorreria no caso de uma cessão comum. O

adquirente permanecerá imune às exceções pessoais dos portadores anteriores,

apenas não se ampliará o número de devedores solidários.

Para que não pairem dúvidas, se o endossante for o beneficiário originário,

aconselha-se que ele assegure ao endossatário, através de prova idônea do efetivo

cumprimento de sua obrigação junto ao emitente da CPR. Afinal, a CPR é título causal,

e tem como origem, justamente, a compra e venda de produto rural. Sobre isso, veja-se

o alerta de PAIVA PEREIRA:

Muito cuidado deverá o endossatário emprestar, relativamente à prova em questão, ou seja, da efetiva compra e venda, visto que muitas Cédulas têm circulado em desconformidade com sua própria juridicidade. Com efeito, ao invés de representar e materializar uma compra e venda de produto rural, tais títulos têm sido firmados somente com o objetivo de garantir uma outra operação, o que não é o seu propósito. Sendo o caso de ser emitida uma CPR simplesmente para garantir o cumprimento de uma outra obrigação do devedor para com o credor, obviamente que o credor da cártula nada pagou ao devedor

226 CC, art. 295: “Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.” 227 CC, art. 296: “Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.”

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pela promessa de entrega do bem nela descrito. E se nada pagou, nada também poderá exigir através da Cédula, menos ainda a entrega do produto rural ali informado, pois compra e venda efetivamente não ocorreu.228

Entretanto, não se pode olvidar que a CPR deve respeitar os princípios da

literalidade, da incorporação e da autonomia. Dessa forma, a existência do título é

regulada por seu teor e somente o que nele está escrito é que deve ser levado em

consideração. É certo, também, que quem adquire o documento por endosso é,

presumidamente, terceiro de boa-fé, tendo legitimidade para exigir a prestação

constante da cártula, pois nas relações entre o devedor e terceiros, nota-se claramente

a autonomia do direito cartular, em decorrência do princípio da inoponibilidade das

exceções pessoais. A relação fundamental só é fonte de exceções entre as partes que

participaram dela diretamente. Por isso, aquela consideração sobre a prova de

pagamento serve apenas como precaução, a ser considerada pelo endossatário.

Por isso, ressalta-se que, mesmo em caso de emissão de CPR em

conformidade com os requisitos do art. 3º, da Lei n. 8.929/94, mas divorciada dos

objetivos buscados pela lei, o terceiro tem direito de acionar o emitente, a fim de que

seja cumprida a obrigação que, afinal, este subscreveu na emissão da Cédula. A CPR é

título causal e, emitida, goza de liqüidez e certeza, tornando-se um título abstrato.

Conseqüentemente, desvincula-se do negócio que a originou. É o que se verifica, v.g.,

com a duplicata: a partir do momento em que é aceita, passa a representar obrigação

cambiária abstrata. Veja-se a seguinte decisão, do extinto TRIBUNAL DE ALÇADA DO

ESTADO DE MINAS GERAIS:

Agravo de Instrumento - Ação de execução de coisa i ncerta - Cédula de Produto Rural - Exceção de pré-executividade - Disc ussão de questões que exigem dilação probatória - Descabimento - Emba rgos do devedor - Multa aplicada ao devedor por ato atentatório a dig nidade da justiça - Ausência de advertência prévia.- Artigos 599, II, e 601 do Código de Processo Civil – [...] Nos termos do art. 4º, caput, da Lei 8.929/94, a Cédula de Produto Rural possui certeza, liquidez e exigibilidade pela quantidade e qualidade do produto nela previsto, desde que atendidos os requisitos do artigo 3º, desta mesma lei, podendo fundamentar uma execução para entrega de coisa incerta; Somente se justifica a aplicação da penalidade prevista no art. 601 do Código de Processo Civil, quando precedida da advertência ao devedor

228 PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários á Lei de Cédula de Produto Rural. 2. ed., Curitiba: Juruá, p. 88.

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de que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça. [...] Nota-se que o título acostado à f. 9 dos autos possui os requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade; além dos requisitos contidos no artigo 3º da Lei 8.929/94, que instituiu a Cédula de Produto Rural. [...] Aduz a agravante que a Cédula de Produto Rural executada é título frio, inexistente, uma vez que a dívida ali representada originou-se de empréstimo de dinheiro a juros, desvirtuada, portanto, dos objetivos da Lei 8.929/94, que instituiu a CPR para atender aos interesses do produtor rural, tratando-se de operação de compra e venda futura de produto agrícola e não de mútuo. Reitera que a origem do título está baseada em agiotagem e que a agravada não é produtora rural. Sustenta que a validade executiva da Cédula está condicionada à comprovação de pagamento do produto transacionado no título, em virtude da CPR se apresentar como título causal. Depreende-se dos autos que a agravada ajuizou em face da agravante ação de execução de coisa incerta para requerer a entrega de 338,27 (trezentos e trinta e oito inteiros e vinte e sete centésimos) sacas de café, conforme especificações contidas na Cédula de Produto Rural, com vencimento em 30/07/2002 (f. 22,TAMG). A executada, ora agravante, interpôs exceção de pré-executividade (f. 31-41,TAMG) suscitando questão de Ordem Pública que, conforme seu entendimento, atinge a liquidez e exigibilidade do título executivo, podendo ser declarada até mesmo de ofício. Argumentou que o autor não possui título líquido, certo e exigível que autorize a execução, devendo ser declarada a carência de ação e a extinção do processo. Sustentou que seu filho foi persuadido pela exeqüente a aceitar empréstimo a juros extorsivos, garantido por documentos assinados (Compromisso de Compra e Venda de Café). Afirmou que seu filho não teve condições de saldar o Compromisso e, pressionada pela exeqüente, na condição de mãe do verdadeiro devedor, assinou Cédula de Produto Rural, na qual foram cobrados juros elevados. Asseverou que tal título originou-se de agiotagem e que a exeqüente não é produtora rural. Teceu considerações sobre o objetivo da Cédula de Produto Rural e sua ligação ao produtor rural, suas associações e cooperativas. Ressaltou que, uma vez desvirtuada de sua finalidade, a CPR torna-se título frio, inexistente. Pugnou pelo reconhecimento da inexistência do título executado. [...] Desta feita, questões como a eventual existência de negócio subjacente ao título executivo (empréstimo de dinheiro a juros) ou a persuasão que a agravante diz ter sofrido, reclamam contraditório, exigem dilação probatória, tendo cabimento, destarte, em âmbito de embargos de devedor. [...] Demais disso, o título questionado, a Cédula de Produto Rural reproduzida à f. 9,TAMG, apresenta-se aparentemente perfeito. Com efeito, referida Cédula atende aos requisitos do artigo 3º da Lei 8.929/94. Insta salientar que nos termos do art. 4º, caput, desta mesma Lei, a Cédula de Produto Rural possui certeza, liquidez e exigibilidade pela quantidade e qualidade do produto nela previsto, podendo fundamentar uma execução para entrega de coisa incerta (ex vi do art. 15). Assim, se a própria lei específica não apresenta nenhum requisito suplementar, a alegação da agravante de que a prova de pagamento do produto transacionado no título deve acompanhar a inicial da execução, condicionando a validade executiva da Cédula, é, data venia, despida de qualquer fundamentação legal.229

Na hipótese de emissão de CPR irregular ou “simulada”, por não ter origem

em uma compra e venda de produto rural, pode surgir no credor o pensamento de

229 TAMG, 5ª Câm. Cív., AI n. 462.663-1, rel. Armando Freire, j. 19/8/2004.

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tentar aplicar à situação o disposto no art. 172, do Código Penal230, em analogia à

duplicata simulada, vez que há a ausência de lei penal que regule diretamente a

hipótese de uma CPR irregular. Mas, como esse dispositivo da Lei penal refere-se

expressamente à duplicata, à fatura e à nota de venda, não se pode ampliá-lo, visando

à sua incidência no que tange à CPR. ANÍBAL BRUNO assim ensina sobre a aplicação

da analogia no Direito Penal:

A analogia não é um meio de interpretação, mas de integração do sistema jurídico. Na hipótese de aplicação da analogia, não há um texto de lei obscuro ou incerto, cujo exato sentido se procure descobrir ou esclarecer. O que há é ausência de lei que regule diretamente a hipótese. [...] No Direito Penal, o problema toma dimensão particular. O princípio nullum crimen, nulla poena sine lege, que fixa em limites preciosos as zonas do lícito e do ilícito, reduzindo o poder do juiz à aplicação da lei, é uma conquista liberal penosamente adquirida e que importa conservar, enquanto o Direito Penal não se libertar da idéia, que hoje ainda o inspira, da punição da culpabilidade do agente por meio do castigo da pena. O Direito punitivo é a lei escrita, circunscrito aos fatos que, dentro dos limites da interpretação, ela compreende. Não pode ser integrado nas suas lacunas pelo suprimento da analogia. Mas essa exclusão refere-se ao Direito Penal sentido estrito, o que define fatos puníveis e comina sanções. Dentro do espírito do Direito punitivo, admite-se a analogia, desde que dela não resulte agravamento da situação do agente. [...] A analogia é inadmissível se dela resulta definição de novos crimes ou de novas penas, ou, se, de qualquer modo, se agrava a situação do agente.231

Dessa forma, com respaldo do festejado autor, entende-se inaplicável à CPR

o que dispõe o art. 172, do Código Penal. Afinal, não há crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem prévia cominação legal232.

Não obstante, é certa a aplicação do art. 171, do Código Penal, que tipifica o

estelionato. O próprio art. 17, da Lei n. 8.929/94233, faz menção a esse crime, em

havendo declarações falsas, omissas, ou inexatas, acerca dos bens oferecidos em

garantia da CPR. Além disso, no âmbito cível, caberá ao credor da CPR que não

230 CP, art. 172: “Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas.” 231 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. T. I, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 222-225. 232 CP, art. 1º: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” 233 Lei n. 8.929/94, art. 17: “Pratica crime de estelionato aquele que fizer declarações falsas ou inexatas acerca de bens oferecidos em garantia da CPR, inclusive omitir declaração de já estarem eles sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, até mesmo de natureza fiscal.”

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produz efeitos cambiários ajuizar ação de conhecimento, a fim de provar a existência da

obrigação, e a CPR irregular servirá como prova do débito.

Essas, as considerações referentes ao endossante. Mas, como fica a

situação do avalista?

Sabe-se que o aval é uma declaração tipicamente cambial, que tem a função

específica de garantir o pagamento. Conforme disposto no art. 32, da LUG234, o avalista

se obriga da mesma maneira que o avalizado, demonstrando que a obrigação do

avalista é idêntica à da pessoa que recebeu o aval, conforme explicação de

GONÇALVES NETO:

Disso decorre que o avalista, obrigado nas mesmas condições (da mesma maneira) que o devedor garantido, garante a realização do direito daqueles perante os quais o avalizado ficou obrigado. Trata-se, portanto, de uma obrigação pessoal, dada em favor de um determinado obrigado cambiário e em benefício daqueles que dele podem exigir o cumprimento de sua obrigação.235

Assim, caso alguém preste aval nas mesmas condições do emitente da CPR,

o avalista se obriga, na inadimplência daquele, a entregar, no vencimento do título,

igual quantidade e qualidade do produto especificado na cártula, ou dinheiro, em se

tratando de CPR Financeira. Afinal, o avalista assume uma obrigação cambiária

autônoma e incondicional de garantir o pagamento do título, nas condições

estabelecidas, ao legítimo portador. O avalista da CPR garante, pois, o pagamento do

título, diferentemente do que ocorre com o endossante.

Mas, se o aval for prestado em relação a um endossante, aplica-se, nesse

caso, o disposto no inciso II, do artigo ora examinado. Vale dizer: o avalista não

garantirá o pagamento, mas tão-somente a existência da obrigação.

Considerando a seguinte afirmação de SARAIVA, autor do projeto que, com

pequenas modificações, originou o D. 2.044/1908, fica mais fácil perceber o que foi

afirmado anteriormente:

Por haver subscrito o saque, o avalista fica vinculado como sacador e equiparado ao co-sacador; por haver subscrito o endôsso, o avalista fica vinculado como endossador e equiparado ao co-endossador; por haver

234 LUG, art. 32: “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.” 235 NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. Aval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 90.

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subscrito o aceite, o avalista fica vinculado como aceitante e equiparado ao co-aceitante.236(sic).

Diz-se isso porque, no que se refere ao aval, não há nenhuma ressalva na

Lei n. 8.929/94. Dessa forma, aplicam-se à CPR as disposições sobre o aval constantes

da lei cambial.

O aval é uma segurança para o credor, principalmente quando há um banco

como avalista na CPR, nas mesmas condições do emitente, vez que aquele poderá se

tornar responsável pela liqüidação do título, em caso de inadimplência do emitente, já

que o banco avalista suprirá o credor com o produto da mesma característica (CPR), ou

com o dinheiro (CPR Financeira).

Recorda-se que, a partir do Código Civil de 2002, o aval passou a sofrer a

limitação da outorga do outro cônjuge, se o avalista for casado, salvo no regime de

casamento da separação absoluta, nos termos do art. 1.647, caput, e inciso III237. Sobre

isso, o Prof. WILLE DUARTE COSTA ensina: “porque o aval não se equipara à fiança,

não é nulo o aval de pessoa casada sem consentimento do outro cônjuge, mas pode

ser invalidado pelo cônjuge que não deu seu consentimento para o aval.”238

6.3 Quanto à Dispensa do Protesto em Face dos Avali stas

“III - é dispensado o protesto cambial para assegur ar o direito de

regresso contra avalistas”

Sabe-se que o emitente é o devedor principal e, ao efetuar o pagamento,

todos os coobrigados se desoneram, vez que a CPR terá cumprido sua função

econômica, encerrando-se sua vida jurídica, por seu caminho natural.

236 SARAIVA, José Antônio. A Cambial. Rev., atual. e ampl. por Osny Duarte Pereira. Vol. 1, Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, p. 311-312. 237 CC, art. 1.647: “Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: omissis. III – prestar fiança ou aval;” 238 COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 202.

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Mas, eventualmente, não é isso o que se verifica, pois o título pode não ser

quitado no vencimento. Nessa hipótese, surge o protesto, a fim de resguardar o direito

de regresso do legítimo portador em face dos devedores indiretos.

O protesto cambial é o ato formal pelo qual se prova a inadimplência e o

descumprimento de obrigação originada de títulos e documentos de dívida, sendo a

prova do não cumprimento da promessa mencionada no título de crédito.

Conforme registrado alhures, para se exigir o crédito do devedor principal,

basta o vencimento do título. Mas, no que toca aos devedores indiretos, precisa-se,

outrossim, da negativa do pagamento do título vencido, pelo devedor principal.

Comprova-se esse fato pelo protesto, que é, antes de tudo, meio fundamental de prova

de apresentação do título ao devedor principal. A partir disso é que se costuma dizer

que o protesto é necessário contra os coobrigados e facultativo contra o devedor

principal e seu avalista. BARBI FILHO explica que a necessidade do protesto do título,

visando assegurar a ação do portador contra os coobrigados de regresso “é um

princípio cambial secular, que, no Brasil, já vem desde o Decreto n. 2.044, de 1908 (art.

32), passando pela Lei Uniforme de Genebra (art. 40), e presente na Lei n. 5.474/68

(art. 13, § 4º).”239

SARAIVA240 explica que, em face do avalista do devedor principal, desde os

tempos do Regulamento n. 737, por meio de seu art. 372, § 5°, já havia a dispensa do

protesto contra o garantidor do sacador ou aceitante, nas mesmas condições em que

contra este fosse desnecessário, uma vez que a responsabilidade do avalista se

assemelha à do avalizado.

WHITAKER ensina que “o avalista é equiparado ao seu avalizado: não

assume obrigação deste, mas uma obrigação egual á deste, tanto nos seus effeitos

como nas suas conseqüências”241 (sic). Assim, sabe-se que, em regra, o protesto é ato

essencial ao exercício da ação de regresso, e isso afeta o avalista que presta a garantia

cambiária assumindo obrigação igual ao do devedor indireto.

239 BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juízo. Atualizada por Otávio Vieira Barbi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 87. 240 SARAIVA, José A. A Cambial. Rev., atual. e ampl. por Osny Duarte Pereira. Vol. 1, Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, p. 369. 241 WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 2 ed., rev. e augmentada. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1932, p. 178.

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Sobre o tema e, corroborando todo o exposto anteriormente, acerca da feição

cambiária da CPR, veja-se:

Agravo de Instrumento - Ação de execução - Contrato de Cédula de Produto Rural - Nulidade do aval - Devedor solidári o - Legitimidade para figurar no pólo passivo . Intervindo o terceiro no contrato expressamente, em cláusula específica, como devedor solidário e principal devedor, o mero entendimento de estar funcionando como avalista ou fiador não o exime da obrigação assumida. [...] Ora, sendo a CPR uma cambial e, portanto, um título de crédito, não há qualquer nulidade se esta foi garantida por meio do aval. Embora a doutrina e a jurisprudência ainda não tenham analisado a questão a ponto de firmar um entendimento a respeito da possibilidade ou não da presença do avalista na CPR, entendo que não há qualquer óbice. [...] Assim, de fato, nota-se que a intenção do legislador foi de mesmo de "intitular à CPR” a condição de título de crédito, assegurando, assim, a aplicação das regras de direito cambial, muito embora, como bem lembrou a MM. Juíza a quo, a CPR tenha características próprias.242

É certa a existência do aval na CPR, mas, apesar de não abordado no

julgado acima indicado, vê-se que o credor não precisa do protesto cambial para

proteger seu direito de regresso contra os avalistas, por disposição expressa da Lei n.

8.929/94. Tal orientação se assemelha à constante no art. 60, do DL. n. 167/67243,

acerca de avalistas de outros títulos de crédito rurais.

Sobre o avalista que se equipara ao devedor principal, não há dúvida quanto

à desnecessidade do protesto. Contudo, com relação ao protesto para assegurar o

direito de regresso contra avalista que não se equipare ao emitente, a regra cambiária –

art. 32, do D. n. 2.044/1908244 e art. 53, da LUG245 –, não pode ser aplicada à CPR.

Afinal, a Lei n. 8.929/94 não faz nenhuma distinção entre avalista de devedor principal e

avalista de devedor indireto. Conforme asseverado por JOÃO EUNÁPIO BORGES, ao

tratar do pagamento feito por avalista do aceitante e a desoneração deste, quanto à

242 TJMG, 9ª Câm. Cív., AI n. 1.0694.04.020835-7/001, rel. Des. Pedro Bernardes, j. 3/10/2006. 243 DL n.167/67, art. 60: “Aplicam-se à cédula de crédito rural, à nota promissória rural e à duplicata rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, inclusive quanto a aval, dispensado porém o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas.” 244 D. n. 2.044, art. 32: “O portador que não tira, em tempo útil e forma regular, o instrumento do protesto da letra, perde o direito de regresso contra o sacador, endossadores e avalistas.” 245 LUG, art. 53: “Depois de expirados os prazos fixados: Omissis. - para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento: Omissis. O portador perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante.”

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responsabilidade cambial, “pode ser tudo que quiserem, menos interpretação: com

semelhante critério, que é de impiedosa mutilação, tudo se pode extrair de qualquer

dispositivo de lei.”246

Exigir simplesmente o protesto cambial, para assegurar o direito de regresso

contra avalista de devedor indireto de uma CPR, é furtar-se ao debate acerca de tal

particularidade da CPR ou, quiçá, prender-se comodamente a uma regra cambiária,

mas que, não obstante, é inaplicável ao título ora analisado.

Deve-se fazer uma interpretação teleológica da lei, para entender seu

sentido, e, não, pretender amoldá-la a compreensões já existentes, tal como um

dogma. Por isso, afirma-se não ser necessário o protesto cambial para cobrança de

quaisquer dos avalistas de uma CPR. Não se quer sustentar, contudo, que tal

disposição legal é perfeita ou não se pode debatê-la e aprimorá-la, se for o caso;

apenas se quer evidenciar qual o sentido da Lei n. 8.929/94.

Seguindo o raciocínio literal da Lei n. 8.929/94, o avalista poderá ver-se em

situação mais grave que a do avalizado, caso este seja devedor indireto. Afinal, não

diligenciado o protesto oportunamente, o credor perderia o direito de cobrar do devedor

indireto, mas continuaria podendo cobrar do avalista desse devedor indireto.

Ao se considerar que o avalista é estranho à causa da obrigação assumida

pelo avalizado, obrigando-se pela simples razão de querer se obrigar, como ensinado

por WALDEMAR FERREIRA247, possível o entendimento acima exposto. Corroborando

isso, não se olvide que, se acionado judicialmente para pagar, ao avalista restará

somente alegar direito próprio contra o credor, salvo em caso de vício formal no título.

Mas, dessa forma, apresentar-se-ia a esdrúxula situação de prescrição do

direito de cobrança contra o avalizado, mas permanência do direito frente ao respectivo

avalista. É como se vigorasse a cláusula “sem despesas” ou “sem protesto”248

implicitamente, quanto a todos os avalistas.

Conforme registrado por GONÇALVES NETO, deve-se ter em conta que:

246 BORGES, João Eunápio. Do aval. 3. ed. Rio de Janeiro; Forense. 1960, p. 164. 247 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 212. 248 LUG, art. 46: “O sacador, um endossante ou um avalista pode, pela cláusula “sem despesas”, “sem protesto”, ou outra cláusula equivalente, dispensar o portador de fazer um protesto por falta de aceite ou falta de pagamento, para poder exercer os seus direitos de ação.”

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Argumenta-se, em prol da autonomia substancial, com a regra do art. 32, segunda alínea, da Lei Uniforme, que reputa válida a obrigação do avalista mesmo no caso de não ser a do avalizado, desde que não se trate de um vício de forma. Como corolário, aduz-se, também, que se o aval subsiste mesmo no caso de nulidade da obrigação do avalizado, não causa estranheza o surgimento de situações tais em que o avalista se vê colocado em situação inferior à do devedor garantido.249

Frise-se, também, que desde o D. n. 2.044/1908, o legislador “equiparou o

avalista ao devedor autônomo para evitar a existência de vínculos acessórios.”250

É isso o que acontece na situação sob análise. Com o fito de promover a

satisfação do credor, evidencia-se a diferença entre as exceções oponíveis pelo

avalista e pelo avalizado. O avalista não poderia, na situação proposta, opor ao credor

as exceções pessoais que o avalizado teria contra o credor, v.g., a falta do protesto

oportuno, a garantir o direito de regresso em face dos endossantes.

Afinal, o avalista garante o pagamento do título, não influindo em sua

obrigação a particularidade pertinente ao avalizado. Se a obrigação do avalista

independe até mesmo da legitimidade da obrigação do avalizado, como aceitar que o

credor seria dependente do protesto, para cobrar do avalista do endossante?

Mas, disso surge outro ponto para reflexão: com a falta do protesto

necessário, dar-se-á a prescrição do direito de cobrança do devedor indireto avalizado,

mas o credor poderá cobrar do respectivo avalista. E este? Caso o avalista pague, com

que meios poderá cobrar do endossante avalizado?

Indaga-se isso, porque ao pagar em favor do avalizado, o avalista passa a ter

direito de receber daquele o que pagou251.

Apesar das discussões no passado252, a partir da LUG, entende-se ser

cambiária a relação entre avalista e avalizado. ROSA JÚNIOR é claro ao registrar:

249 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Aval, alcance da responsabilidade do avalista. São Paulo: RT, 1987, p. 113. 250 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, vol. VIII, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 146. 251 LUG, art. 32, 3ª alínea: “Se o dador do aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.” 252 João Eunápio Borges, ao tempo do D. n. 2.044/1908, ensinava que as relações entre o avalista e o avalizado não tinham caráter cambial, sendo regidas pelas normas do Direito comum, considerando-os do mesmo grau: “entre coobrigados do mesmo grau, não cabe a ação cambial, regendo-se as relações entre eles pelas normas comuns relativas às obrigações solidárias”. In BORGES, João Eunápio. Títulos de Crédito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 95.

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Em outras palavras, o avalista que paga o título adquire todos os direitos e garantias cambiários dele decorrentes, do mesmo modo que tivesse adquirido esses mesmos direitos e garantias por endosso, tornando-se credor cambiário e tem ação cambiária contra o avalizado e os devedores que o garantem. Ademais, qualquer devedor que paga o título tem ação cambiária contra os devedores anteriores que o garantem (LUG, art. 49, e LC, art. 53), porque a ação terá fulcro no título de crédito.253

É cambiária, portanto, a ação do avalista contra o avalizado, aplicando-se as

regras cambiárias a tal relação e, não, as normas da solidariedade disciplinadas pelo

direito comum.

Apesar disso, especialmente da liberação de protesto para cobrança dos

avalistas, pode o credor, considerando pertinente, levar a CPR a protesto,

facultativamente, a fim de registrar o descumprimento da obrigação, garantindo seu

direito contra todos os obrigados anteriores, ou mesmo instruir pedido de falência, se

for o caso. Nessa última hipótese – que permite o protesto para o fim de requerimento

de falência, a qualquer tempo após o vencimento254 –, vale frisar que, apesar de não

exigido por nossos tribunais o chamado protesto especial, a embasar o pedido de

declaração da falência do devedor comerciante, com base em título de crédito, é

preciso provar a intimação do devedor ao tempo do protesto cambial. Veja-se:

Falência. Protesto do Título de Crédito. Prova ineq uívoca de que o devedor tenha sido intimado. Necessidade. Indicação do nome da pessoa que recebeu a intimação do protesto. Inexistência. Imprestabilidade do instrumento. Indeferimento do pedido. Apelação impr ovida. Embora dispensado o protesto especial do titulo de crédito para o acolhimento do pedido de falência, é necessária a prova inequívoca de que o devedor tenha sido intimado do protesto cambial, pessoalmente ou através de preposto, e que seja feita indicação da pessoa que recebeu a intimação, sob pena de inviabilizar o pedido de falência, pela irregularidade desse ato, impondo-se nesse caso o improvimento da apelação interposta da sentença pela qual o processo veio a ser extinto sem o julgamento do mérito.255 Falência - Protesto - Indicação da pessoa que receb eu a Intimação - Precedentes da Corte - 1. Embora dispensado o protesto especial, é necessário que seja feita indicação da pessoa que recebeu a intimação, sob pena de inviabilizar o pedido de falência. 2. Recurso especial conhecido e provido.256

253 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 311-312. 254 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 4 ed., rev. e atual. por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 164. 255 TJMG, 8ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 1.0024.05.740066-5/001, rel. Des. Fernando Bráulio, j. 12/4/2007. 256 STJ, 3ª T., Resp n. 211039-RS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 24/11/2003, p. 00298.

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Voltando-se à falta de necessidade de protesto em face dos avalistas,

REQUIÃO257 recorda que o Código Civil de 2002, ao tratar dos títulos de crédito, proíbe

as cláusulas excludentes de despesas ou de dispensa de formalidades ou termos

prescritos, considerando-as não escritas258. Mas, por ser regida por lei especial, tal

dispositivo não incide sobre a CPR (art. 903, do Código Civil)259.

Quanto à CPR, é certa a necessidade do protesto cambial, para garantia dos

direitos do credor em face dos endossantes, pois a Lei não se refere a devedores

indiretos ou a coobrigados, dispensando o protesto apenas no tocante aos avalistas.

Veja-se o seguinte exemplo:

Avalista 3

CPR Endosso

Endosso

Avalista 1 Avalista 2

Figura 3: Organograma sobre Intervenientes

Emitida a CPR, com a garantia de um avalista, em favor de seu Beneficiário

(credor originário), este promove a circulação do título, por endosso. No vencimento, o

Emitente não paga ao Portador. Por não ter diligenciado o protesto da CPR no prazo

legal, o Portador decaiu de seus direitos cambiários em relação aos Endossantes:

CPR vencida e não protestada

Perda dos direitos cambiários

Figura 4: Organograma sobre CPR vencida e não prote stada

257 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 612. 258 CC, art. 890: “Consideram-se não escritas no título a cláusula de juros, a proibitiva de endosso, a excludente de responsabilidade pelo pagamento ou por despesas, a que dispense a observância de termos e formalidade prescritas, e a que, além dos limites fixados em lei, exclua ou restrinja direitos e obrigações.” 259 CC, art. 903: “Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código.”

Emitente Credor originário 1º Endossante

2º Endossante

Portador Endossantes

Portador

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Mas, contra o Emitente e seu respectivo avalista (Avalista 1), o Portador terá

direito à ação cambiária, pois são devedores diretos:

CPR vencida e não protestada

Ação Cambiária

Figura 5: Organograma sobre CPR vencida e não prote stada

A questão interessante vem a seguir: pode o Portador acionar os Avalistas 2

e 3, apesar da falta do protesto cambial?

Da análise do art. 10, II, da Lei de CPR, viu-se que se o aval for prestado em

relação a um endossante, o avalista se obriga da mesma forma que aquele. Significa

dizer que os Avalistas 2 e 3 não respondem pela entrega do produto, mas sim pela

existência da obrigação.

Aqui, mister recordar a seguinte afirmação de SARAIVA:

Por haver subscrito o saque, o avalista fica vinculado como sacador e equiparado ao co-sacador. Por haver subscrito o endôsso, o avalista fica vinculado como endossador e equiparado ao co-endossador. Por haver subscrito o aceite, o avalista fica vinculado como aceitante e equiparado ao co-aceitante.260

Da mesma forma, JOÃO EUNÁPIO BORGES ensina que o avalista será

obrigado de regresso se o avalizado for endossante e, assim, o portador tem direito à

ação de regresso contra ele se o protesto for tirado regular e oportunamente261.

Dessa maneira, os Avalistas 2 e 3 se vinculariam como endossantes. E se os

avalizados forem devedores indiretos (Endossantes 1 e 2), os avalistas (Avalistas 2 e 3)

serão devedores indiretos também.

Com isso, poder-se-ia concluir que, para acionar cambiariamente os Avalistas

2 e 3, o protesto cambial deveria ter sido diligenciado pelo Portador. Na situação

260 SARAIVA, José A. A Cambial. Rev., atual. e ampl. por Osny Duarte Pereira. Vol. 1, Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, p. 389. 261 BORGES, João Eunápio. Do Aval. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 148.

Portador Emitente Avalista 1

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proposta, o protesto não foi tirado, o que, a priori, liberaria os avalistas das obrigações

decorrentes do título262.

Mas, é bom notar que, por se tratar de obrigação autônoma, não se pode

entender que a obrigação do avalista só é exigível a partir do momento em que o

avalizado descumpra sua obrigação. Prestado validamente o aval, o avalista responde

diretamente pelo adimplemento, sem que o avalizado precise ser acionado. Haja vista a

hipótese de prorrogação do vencimento da cambial, ajustada entre o portador e um só

dos obrigados, que produz efeitos apenas em relação ao signatário, sendo certo que o

avalista poderá ser acionado no vencimento do título. Senão, veja-se:

Nota promissória – Vencimento – Prorrogação – Avali sta . A prorrogação do prazo de vencimento da cártula, em avenca autônoma entre o credor e o emitente, não exclui a possibilidade de execução contra o avalista.263

E o inciso III, sob exame, dispensa o protesto em face dos avalistas, sem

mencionar nenhuma exceção.

Não é demais lembrar que, conforme disposto no caput, do art. 10, da Lei n.

8.929/94, as normas de direito cambial se aplicam à CPR no que forem cabíveis, mas

com as alterações previstas nos incisos I, II e III. Implica dizer que as normas da LUG e

do D. n. 2.044/1908 só podem ser aplicadas à CPR no que couberem, em havendo

lacuna na Lei n. 8.929/94, e se não contrariarem a feição característica da CPR.

Dessa forma, é lógico pensar que o Portador tem garantido o seu direito de

regresso também contra os Avalistas 2 e 3, mesmo sem ter diligenciado o protesto,

concluindo-se, então, que na CPR, para se ter direito de regresso contra todos os

avalistas, o Portador não precisa do protesto cambial.

A falta do protesto não opera decadência, em se tratando de avalista na

posição de devedor indireto, pois se a lei não distingüiu, a ninguém é dado distinguir264.

262 LUG, art. 53: “Depois de expirados os prazos fixados: omissis. - para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento; omissis. O portador perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante.” 263 STJ, 3ª T., Resp. n. 43.922-1-MG, rel. Min. Cláudio Santos, j. 21/11/1995, DJU 5/8/1996, p. 26.343. 264 UBI LEX NON DISTINGUIT, NEC NOS DISTINGUERE DEBEMUS.

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Trata-se de situação peculiar, que faz recordar a hipótese do avalista

antecipado do sacado, na letra de câmbio com aceite recusado. Nessa situação, uma

leitura desatenta da LUG poderia levar ao entendimento de que, inexistindo obrigação

do avalizado – do sacado que, por não ter aceito a letra, não é responsável cambial –,

inexistiria obrigação para o avalista. No entanto, não se olvide o princípio da autonomia

das obrigações cambiais. O avalista assumiu obrigação autônoma, independente de

qualquer outra e é, pois, devedor cambiário, mesmo inexistindo o aceite do sacado.

Dessa forma, por não ter diligenciado o protesto em tempo hábil, o Portador

decairá de seus direitos cambiários apenas em relação aos Endossantes:

Ação Cambiária

Perda dos direitos cambiários

Figura 6: Organograma sobre direitos cambiários

Sabe-se que a norma deve ser válida, vigente, e ter eficácia. No caso da

CPR, para se garantir eficácia, para que a Lei n. 8.929/94 produza seus efeitos, deve-

se entender o dispositivo analisado dessa maneira. A partir disso, surge mais uma

questão: qual o prazo prescricional para cobrança dos avalistas?

Há diferenciação entre os prazos prescricionais para cobrança do devedor

principal e seus avalistas, e dos devedores indiretos, endossantes e seus avalistas.

Entende-se que devem ser respeitados os prazos de três anos, a contar do

vencimento, para cobrança de avalista que se obrigou da mesma maneira que o

devedor principal, e de um ano, contados do protesto ou do vencimento, caso não haja

sido implementado o protesto, para cobrança dos demais avalistas, pois a diferença

está apenas na desnecessidade do protesto em face destes, não se alterando, contudo,

os prazos prescricionais265.

265 LUG, art. 70: “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em 3 (três) anos a contar do seu vencimento.

Portador

Emitente Avalista 1 Avalista 2 Avalista 3

Endossante 1 Endossante 2

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7 DO VENCIMENTO E PAGAMENTO DA CÉDULA DE PRODUTO RU RAL

O vencimento de um título de crédito ocorre a partir do ato ou fato jurídico

indicado na lei, como necessário a tornar o crédito exigível266.

Dar-se-á o vencimento da CPR na data estipulada, na própria cambial ou

aditivo, para a entrega do produto ou do valor pecuniário. Remetendo-se ao exemplo de

CPR supra, o vencimento daquela dar-se-á em 20/12/2007. Essa, a forma de

vencimento ordinário da CPR, pelo transcurso do tempo até a data indicada.

Recorda-se, por oportuno, que para fins cambiais, dia útil é aquele em que há

expediente bancário normal, nos termos do art. 12, § 2º, da Lei n. 9.492/97267.

Mas, há o vencimento extraordinário, também chamado vencimento

antecipado. Conforme dispõe o art. 14 da Lei de CPR268, esta pode ser considerada

vencida, caso o emitente descumpra alguma de suas obrigações. Insta notar que o

referido dispositivo menciona apenas o emitente, ocorrendo tal antecipação somente

pela inadimplência do emitente, devedor principal.

Outra forma de vencimento extraordinário surge a partir da declaração de

falência do emitente da CPR269, caso seja empresário. Também aqui o vencimento

extraordinário se verifica com a falência apenas do emitente e, não, de qualquer

coobrigado.

As hipóteses de vencimento extraordinário da CPR devem ser analisadas

com cautela, pois, muitas vezes, podem possibilitar atitudes arbitrárias do credor. Na

grande maioria dos casos, é o credor quem redige a CPR, incluindo, eventualmente,

As ações do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra que contenha cláusula “sem despesas”.” 266 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16. ed. revista e atualizada de acordo com a nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 260. 267 L. n. 9.492/97, art. 12, § 2º: “Considera-se não útil o dia em que não houver expediente bancário para o público ou aquele em que este não obedecer ao horário normal.” 268 L. n. 8.929/94, art. 14: “A CPR poderá ser considerada vencida na hipótese de inadimplemento de qualquer das obrigações do emitente.” 269 D. n. 2.044/1908, art. 19: “A letra é considerada vencida, quando protestada: I – Omissis; II – pela falência do aceitante;”

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cláusulas que afrontam o direito do emitente. Sobre isso, veja-se o item 1.2, do capítulo

1, sobre as cláusulas não essenciais.

Dessa maneira, o descumprimento pelo emitente de cláusulas inoperantes –

tais como a que estipula juros, a que exclui a ação cambiária ou a que altere o prazo

prescricional270 –, não caracteriza sua inadimplência, por serem consideradas não-

escritas, não cabendo, pois, a aplicação do disposto no art. 14.

Mas, caso a inadimplência se refira a uma cláusula lícita, é certo que o credor

poderá considerar a Cédula vencida antecipadamente.

Na antecipação do vencimento, surge uma questão importante. O produto

rural pode não estar totalmente colhido, o que constituirá um obstáculo intransponível

ao emitente, na existência de uma execução do título, visando à entrega do produto

prometido.

Em recente julgado, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS

GERAIS assim tratou o tema, afastando a possibilidade de ocorrência de dano moral ao

emitente, pela cobrança antecipada:

Civil - Apelação - Indenização por Dano Moral - Not ificação - Art. 11 do Decreto 167/67 - Antecipação de vencimento da obrig ação - Alegação de cobrança vexatória de dívida - Inocorrência - Dano Moral não configurado - Exercício regular de direito - Recurso não provido . A notificação, e possível cobrança de dívida, sem que o credor exponha o devedor a vexame, não enseja dano moral. O vencimento antecipado da dívida por descumprimento de cláusula contratual tem respaldo no artigo 11 do Decreto 167/67. O exercício regular de direito é excludente da responsabilidade civil de indenizar. Recurso não provido. [...] Como se observa dos autos, a apelada agiu em exercício regular de direito, não incorrendo, sua gerente ou outro preposto, em conduta ilícita, já que o possível vencimento da dívida por inadimplência, a fiscalização, e o alerta do banco aos garantes e ao próprio devedor, tem respaldo no artigo 11 do Decreto 167/67 que dispõe: "Art 11. Importa vencimento de cédula de crédito rural independentemente de aviso ou interpelação judicial ou extrajudicial, a inadimplência de qualquer obrigação convencional ou legal do emitente do título ou, sendo o caso, do terceiro prestante da garantia real. Parágrafo único. Verificado o inadimplemento, poderá ainda o credor considerar vencidos antecipadamente todos os financiamentos rurais concedidos ao emitente e dos quais seja credor". Não houve conduta abusiva da apelada nem cobrança vexatória. Isto é o que se colhe da prova testemunhal produzida. Testemunha Délcio Aparecido Gomes às fl. 105/106: "Que em outubro foi informado via telefone pela Gerente do Banco do Brasil que possivelmente a dívida seria cobrada por antecipação porque através de

270 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Vol. I, atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, p.204.

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uma vistoria foi constatado que o café existente não daria para pagar a dívida, sendo que esta não lhe pediu para entrar em contato com o devedor principal, pois estava sendo avisado do resultado da vistoria; [...] Que inclusive avisou que a vistoria teria sido realizada onde foi constatada a venda de parte do café; que nas ligações posteriores a gerente do banco informou que como não estava conseguindo contato com o devedor principal pedia que o depoente o contatasse, sendo que entretanto todas essas ligações foram após o vencimento da dívida" [...] A notificação, e possível cobrança de dívida, sem que o credor exponha o devedor a vexame, não enseja dano moral. [...] Assim, o mero fato de ter sido notificado da antecipação da dívida, embora possa evidentemente causar-lhe dissabores e transtornos, não constitui ilícito, não se configurando como fato capaz de gerar, por si só, danos morais indenizáveis.271

O pagamento deve se cercar de algumas cautelas. Por se tratar de uma

cambial, regida pelos princípios da cartularidade e da literalidade, o emitente da CPR

deve exigir que esta lhe seja entregue, em função do pagamento, dando-se quitação no

título. Sem essas precauções, a CPR poderá ser endossada a portador de boa-fé,

mesmo já tendo sido paga, e o devedor terá que pagá-la novamente, em face do

princípio da autonomia das obrigações.

A exigibilidade demonstra, mais uma vez, o caráter cambial da CPR, como se

vê no julgado abaixo, que não admitiu a invocação de caso fortuito para o não

pagamento do título:

Apelação Cível. Direito privado não especificado. E mbargos à execução. Cédula de Produto Rural. Caso fortuito e força maio r não configurados. Multa. Litigância de má-fé. Manutenção. O art. 11 da lei 8.929/1994 é expresso ao vedar a invocação do caso fortuito e força maior por parte do emitente da cédula de produto rural. No caso dos autos, tais hipóteses sequer poderiam ter sido invocadas, porquanto o título executado inequivocamente foi firmado após o incêndio apontado como causa excludente da responsabilidade, havendo verdadeira assunção de um risco por parte dos devedores que emitiram um título acreditando que receberiam a indenização por parte do seguro e que, com isso, poderiam adimplir a obrigação contraída, o que não se verificou. As circunstâncias em que opostos os embargos evidenciam muitas hipóteses aptas a justificar a penalidade imposta na instância ordinária e que, a despeito do sustentado, vão além daquelas indicadas pela magistrada sentenciante. Negado provimento ao recurso e mantida a sentença de improcedência dos embargos à execução. [...] Primeiramente, observo que o art. 11 da lei 8.929/1994 é expresso ao vedar a invocação das referidas excludentes por parte do emitente do título. Ainda que inexistisse tal disposição legal, desnecessário seria mencionar, porquanto questão jurídica manifesta, que a perfectibilização de quaisquer das hipóteses de exclusão da responsabilidade quanto ao adimplemento de uma obrigação impõe que esta tenha sido assumida antes da verificação da causa exonerativa, sob pena de se

271 TJMG, 17ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 1.0325.06.002543-5/001, rel. Desª. Márcia de Paoli Balbino, j. 1º/11/2007.

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tornar inócuo o pacto. No caso dos autos, é incontroverso que a Cédula de Produto Rural executada foi firmada depois de ocorrido o incêndio em que os executados amparam sua pretensão. O que houve, em verdade, foi a assunção de um risco por parte destes ao emitirem um título acreditando que receberiam a indenização por parte do seguro e que, com isso, poderiam adimplir a obrigação contraída. Entretanto, a cobertura securitária não foi paga de pronto, fato este do qual os devedores pretendem valer-se para fins de escusa do pagamento ou protelação do mesmo. Nenhuma das hipóteses se mostra possível. O pagamento é impositivo, porquanto materializado em título com força executiva plena, nos termos do art. 585, VII do Código de Processo Civil e art. 4º da lei 8.929/1994, emitido quando os embargantes já eram conhecedores da situação financeira periclitante em que se encontravam, segundo informação prestada pelos mesmos. O adimplemento também não pode ser objeto de postergação para além do vencimento consignado na cédula, mormente quando não admitido pelo credor da obrigação e o título já se encontra em fase de execução, a qual se processa no interesse do credor e com o objetivo primeiro de satisfação da obrigação.272

Outra questão interessante se refere aos meios utilizados pelo credor para

recebimento de seu crédito. Veja-se a decisão abaixo, acerca de conduta ilícita do

credor:

Agravo de Instrumento - Inadimplência de Cédula de Produto Rural (CPR) - Ação Cautelar - Ilegalidade de bloqueio de conta co rrente sem intervenção judicial - Astreinte - Excessividade - Inocorrência . É abusivo o bloqueio de erário na conta corrente de cliente que se encontra em débito com o banco, sem a devida autorização judicial, ainda que autorizado por cláusula contratual. A astreinte não visa o empobrecimento da parte, mas, tão-somente, estimular o cumprimento da decisão. [...] Dirige-se o inconformismo à decisão que deferiu o pedido liminar, obrigando o agravante a restituir à conta do agravado a quantia de R$ 124.547,75, fixando multa diária no valor de R$ 1.000,00 pelo descumprimento da decisão. Ao que consta dos autos, a referida quantia teria sido bloqueada em razão de inadimplência do agravado, que não honrou compromisso assumido em CPR (Cédula de Produto Rural) firmada com o BANCO DO BRASIL S/A, pela qual se obrigou a entregar, no dia 10.12.2004, 500 sacas de "café arábica beneficiado" à empresa MARCELLINO MARTINS & E. JOHNSTON. Vencido o título, ante o não cumprimento da obrigação, o agravante, na qualidade de avalista da CPR, quitou a obrigação, pagando à referida empresa a quantia de R$ 170.000,00, em 27.07.2005. Na decisão da liminar, fundamentou o il. Magistrado que estava caracterizado o fumus boni iuris, "uma vez que o Banco, ao agir como agiu, promoveu execução por mão própria, prescindindo da via judicial, colocando-se em posição de privilégio em relação àqueles credores que, mesmo possuindo um título executivo judicial ou extrajudicial, não ficam dispensados de recorrem ao Judiciário para que possam ver seus créditos satisfeitos". (fl. 28 - TJ). Argumentou, ainda, que, como não havia autorização expressa para débito em conta, no caso de inadimplência, a atitude do Banco evidenciava um abuso de direito. Por fim, se valeu do Art. 5º, LIV, da CF/88, lembrando ser imprescindível o devido processo legal para a perda da propriedade de qualquer bem, a fim de satisfação de credores. [...] Após analisar detidamente as razões do recurso, entendo que a decisão ora

272 TJRS, 12ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70021205539, rel. Des. Cláudio Baldino Maciel, j. 25/10/2007.

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agravada não merece qualquer reparo, uma vez que, aparentemente, o agravante realmente se valeu de autotutela para recebimento dos valores devidos, em tese, pelo agravado. Ou seja, aproveitando-se da sua privilegiada posição de controladora da conta corrente, bloqueou vultosa quantia ali depositada com o intuito de satisfazer o crédito que entendia ser devido. Não deve o Poder Judiciário permanecer inerte diante de tal situação, sob pena de permitir que os mais fortes imponham suas razões aos mais fracos, num condenável retrocesso aos mais primitivos modos de realização de justiça. [...] Nesse contexto, forçoso concluir que, ainda que existente a dívida, nada justifica a atitude do banco de bloquear valores da conta corrente, sem prévia autorização judicial. Nem mesmo há que se falar em "exercício legal de direito" por haver previsão contratual autorizando o bloqueio da conta em caso de inadimplência. A uma, porque há sérias controvérsias sobre a validade de tais cláusulas previstas em contratos bancários de adesão em face aos princípios do Código de Defesa do Consumidor. A duas, porque, in casu, o documento de fls. 42/43 - TJ foi assinado por mandatário sobre o qual pesa acusação de ter excedido os poderes atribuídos pela procuração de fl. 44 -TJ.273

É certo que o credor tem direito de buscar o recebimento de seu crédito, mas

não através de medidas unilaterais. Afinal, havendo conflito entre duas pessoas, tal

como o acima caracterizado, mister a presença do Estado-juiz, para que prolate decisão

acorde com o ordenamento jurídico. Não se pode ignorar tal fato e buscar, por sua

própria força, a satisfação pretendida274.

7.1 Da Ação Cambiária

A CPR, como título de crédito que é, está inserida no rol dos títulos

executivos extrajudiciais (CPC, art. 585, I).

Assim, se após o seu vencimento, a CPR não for paga, o credor poderá

promover a execução judicial de seu crédito, contra qualquer devedor cambial, desde

que observadas as condições de exigibilidade já mencionadas, por meio da chamada

ação cambial.

O produto rural prometido à entrega, na emissão de uma CPR, qualifica-se

como fungível. Assim, no âmbito do processo civil, o credor deverá adotar o

273 TJMG, 14ª Câm. Cív., AI n. 1.0123.05.013145-7/001, rel. Des. Renato Martins Jacob, j. 16/3/2006. 274 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 15 ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, p. 20.

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procedimento de execução para entrega de coisa incerta, para forçar o devedor a

cumprir sua obrigação, por disposição expressa do art. 15, da Lei n. 8.929/94275.

Para tanto, o credor deve ajuizar a referida ação, instruindo a petição inicial

com a Cédula e os aditivos porventura existentes, requerendo a citação do devedor

para entrega do produto, ou seu depósito – se quiser oferecer embargos, com pedido

de efeito suspensivo –, com posterior expedição de mandado de busca e apreensão.

Sendo o lugar do pagamento um dos requisitos formais da CPR (Lei n.

8.929/94. art. 3º, V), o foro adequado ao ajuizamento da ação é o do lugar onde o

pagamento deveria ter sido feito, nos termos da CPR.

Cumprida parcialmente a obrigação, tal fato deve ser anotado no verso da

cártula, tornando-se exigível apenas o saldo. E, sendo título líqüido, certo e exigível

pela quantidade e qualidade do produto, a CPR serve de base à propositura de ação de

execução para entrega de coisa incerta, já que não se trata de entrega de dinheiro:

Cédula de produto rural (CPR) não constitui documento de dívida a ser paga, no vencimento, mediante cumprimento de prestação de entregar certa soma em dinheiro. Representa obrigação de entregar, em data futura (a do vencimento do título) o produto objeto da obrigação, na qualidade e quantidade indicadas. Havendo o cumprimento parcial da obrigação, mesmo que através de medidas judiciais especiais ou cautelares, o saldo é exigível mediante ação de execução para entrega de coisa incerta276.

O extinto TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DE MINAS GERAIS assim já

decidia:

Cédula de Produto Rural – CPR – Exeqüibilidade – Requisitos – Art. 4º, da Lei n.º 8.929, de 22.08.94 – A Cédula de Produto Rural – CPR, representativa de promessa de entrega de produtos rurais, emitida por produtor rural e suas associações, inclusive cooperativas, constitui título executivo, nos termos do art. 4º, da Lei n.º 8.929, de 22.8.94, servindo de base à propositura da ação de execução para entrega de coisa incerta.277

Ante a inexistência do bem, o processo será convertido em execução por

quantia certa. Mas, como se estabelecerá o valor do produto: com base na cotação na

275 L. n. 8.929/94, art 15: “Para cobrança da CPR, cabe a ação de execução para entrega de coisa incerta.” 276 TAPR, 5ª Câm. Cív., AI n. 194.100-0, Peabiru, juiz convocado Jurandyr Souza Júnior, j. 4/9/2002. 277 TAMG, 5ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 381.578-7, rel. Juíza Mariné da Cunha, j. 6/2/2003.

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bolsa oficial, do dia a ser efetuado o pagamento – que se prova por meio de

publicações ou fornecimento de listagem de preços por instituição que atua no setor –,

ou do vencimento da CPR, momento em que o pagamento deveria ter sido efetivado?

Veja-se a seguinte decisão, a esclarecer a questão:

Frustrada a busca e apreensão por inexistência da coisa, a execução se converte em execução por quantia certa (CPC, art. 627, § 1º). O valor da coisa é o do dia do pagamento.278

Os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por

outras dívidas do emitente ou do terceiro que prestou a garantia real, cumprindo a estes

denunciar a existência da Cédula às autoridades incumbidas da diligência ou a quem a

determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.

No que tange à execução da CPR Financeira, ao invés de ação de execução

para entrega de coisa incerta, adota-se a execução por quantia certa279, por conferir ao

credor o direito ao pagamento em dinheiro. Para tanto, deve-se observar o disposto no

art. 4º-A da Lei280, que mostra os passos para se chegar à execução por quantia certa.

O exeqüente instruirá a petição inicial com os documentos indispensáveis – a

Cédula; a prova idônea do índice de preços adotado; os aditivos que porventura

existam; o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação.

Não ajuizada no prazo legal, o credor ainda terá a ação de conhecimento,

com o título servindo de elemento de prova. Ressalva-se que um coobrigado que tenha

sua obrigação originada exclusivamente no título, como o avalista, não poderá ser

responsabilizado após a prescrição da ação cambial. Veja-se as seguintes decisões:

Apelação Cível. Direito privado não especificado. A ção monitória. Cédulas de Produtor Rural não prescritas. Inadequação do pr ocedimento. Ausência de pressuposto processual. Falta de interesse. O art. 4º da lei nº. 8.929/1994 dispõe que a Cédula de Produto Rural é título líquido certo e exigível pela quantidade de produto nela previsto, submetendo-se a pretensão

278 TJGO, 2ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 54.662-7/188 – Rio Verde, rel. Des. Aluízio Ataídes de Sousa, j. 8/5/2001. 279 TAMG, 1ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 369.105-0, rel. Des. Eduardo Brum, j. 22/10/2002: "A cédula de produto rural do tipo financeira permite a ação de cobrança forçada por quantia certa, por ter sido emitida com a possibilidade de liquidação e com a fixação monetária do valor do débito". 280 L. n. 8.929/94, art. 4°-A: “Fica permitida a liqui dação financeira da CPR de que trata esta lei, desde que observadas as seguintes condições: omissis.”

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de execução da mesma ao prazo prescricional de três anos, consoante prevê o art. 206, §3º, VIII do Código Civil. Não tendo fluído o referido triênio, as cártulas em que se ampara o pedido gozam das características cambiárias e, assim, não se prestam ao procedimento monitório, porquanto contrariam o disposto no art. 1.102-A do Código de Processo Civil que exige documento sem força executiva. Daí que a inadequação do procedimento eleito resulta na ausência de pressuposto processual objetivo de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, bem como na falta de interesse para obtenção do provimento judicial que resultaria na constituição de título executivo, característica esta ainda existente nas cédulas apresentadas. Extinta, de ofício, a ação, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV e VI do Código de Processo Civil. [...] O art. 585, VII do referido diploma legal, por sua vez, reputa como título executivo extrajudicial todo aquele que, por disposição expressa de lei, assim for considerado. Prosseguindo, o art. 4º da lei n. 8.929/1994 dispõe que a Cédula de Produto Rural é título líquido certo e exigível pela quantidade de produto nela previsto, submetendo-se a pretensão de execução da referida cártula ao prazo prescricional de três anos, consoante prevê o art. 206, §3º, VIII do Código Civil. Neste sentido: “Salvo previsão especial em contrário, o prazo prescricional relacionado aos títulos de crédito é de três anos, não a contar da emissão, mas da data de vencimento, que comumente está nele consignada, ou então em outra data que venha a ser estipulada pelas partes através de avença cuja existência seja inequivocamente demonstrada.” (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. São Paulo: LTR, 2003, p.169). Desse modo, durante o triênio acima mencionado a Cédula de Produto Rural goza das características cambiárias da certeza, liquidez e exigibilidade. Somente após vencido o referido prazo é que o título perde todas as características que antes lhe eram agregadas, prestando-se, então, a documentar tão-somente um crédito que poderá ser exigido via ação de cognição plenária (ação de cobrança) ou sumária (ação monitória) dentro dos prazos estabelecidos no Código Civil.281

Ainda sobre a execução, veja-se o julgado abaixo, que analisa situação

interessante acerca da legitimidade ativa, por trazer ao debate o endosso de uma

cambial a um espólio, o que viciou a execução, vez que o espólio não tem

personificação legal282, não podendo, pois, figurar como endossatário:

Execução para entrega de coisa incerta. Embargos. D epósito da coisa. Recurso conhecido e não provido . I - Antes da promulgação da Lei n. 11.382/06, nas execuções para entrega de coisa (certa ou incerta) exigia-se do devedor o prévio depósito da coisa para a oposição dos embargos, nos termos do art. 621 e 737, II, do Código de Processo Civil. II - Embora o sistema processual pátrio adote a regra do tempus regit actum, a aplicação da Lei n. 11.382/06 ao presente caso, implicaria na retroatividade ilegítima da lei, em flagrante ofensa ao direito adquirido da parte contrária em preservar situação jurídica consolidada sob a égide da lei revogada. Espólio é o conjunto de bens que constituem o patrimônio deixado pelo falecido. É uma universalidade, sem qualidade para agir, adquirir direitos e contrair obrigações. Não tem, portanto,

281 TJRS, 12ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 70021873880, rel. Des. Cláudio Baldino Maciel, j. 22/11/2007. 282 PEREIRA, Caio Maria da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III, 13 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 39.

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personificação legal. O endossatário deve ter capacidade para receber o título que se lhe transfere, não tendo o espólio por sequer ter personalidade jurídica. O espólio, sem capacidade para receber o título por meio de endosso, torna ilegítima a parte exeqüente, culminando pela extinção da execução com fulcro no art. 267, VI, do CPC.283

Uma boa forma de evitar percalços na cobrança da CPR é registrá-la junto à

Câmara de Custódia e Liquidação (CETIP)284, o que impede a duplicidade do título e

discussões nessa seara, em eventuais embargos do devedor.

Outra forma de minimizar riscos em operações envolvendo, especialmente, a

CPR Financeira, é a contratação de seguro contra a inadimplência do emitente. Assim,

existindo um banco como avalista do produtor rural, essa instituição financeira pode

contratar uma seguradora, unilateralmente, para ser ressarcida do valor pago em razão

do aval na CPR, ante o inadimplemento do emitente.

Nesse contexto, surge o debate acerca da ocorrência de sub-rogação da

segurada nos direitos da instituição financeira. Os que consideram possível a sub-

rogação, baseiam-se na Súmula n. 188, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL285, em

consonância com o art. 346, do Código Civil286; os que vêem obstáculos à sub-rogação,

entendem que o pagamento da cobertura contratada não opera a transferência da

condição de credor à seguradora, vez que a cobertura pactuada visa neutralizar o risco

oriundo da inadimplência contratual, em benefício do próprio segurado, que, no

exemplo, é o banco que respondeu pelo pagamento do prêmio. Isso demonstraria que o

283 TJMG, 15ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 1.0518.07.111260-2/001, rel. Des. Bitencourt Marcondes, j. 9/11/2007. 284 A CETIP, criada pelas instituições financeiras e pelo Banco Central do Brasil, em 1984, é uma Câmara de Custódia e Liqüidação que tem por fim garantir maior segurança e agilidade às operações do mercado financeiro brasileiro, além de oferecer suporte a toda a cadeia de operações, prestando serviços integrados de custódia, negociação eletrônica, registro de negócios e liqüidação financeira, mediante aceitação do registro de negócios celebrados entre seus participantes, com o acesso aos sistemas permitido somente após a checagem do código de acesso e senha. O registro exige duplo comando: um do comprador e outro do vendedor. As operações registradas são aceitas se os títulos envolvidos estiverem disponíveis na conta de custódia do vendedor, sendo finalizadas na liqüidação financeira, com o pagamento do comprador, no conceito Delivery versus Payment (entrega contra pagamento). Disponível em: <http://www.cetip.com.br/>. Acesso em 21 de fevereiro de 2008. 285 STF, Súm. 188: “O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro.” 286 CC, art. 346: “A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: omissis. III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.”

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objeto do contrato se exaure no momento da cobertura paga pelo banco, não cabendo

falar em sub-rogação, pela inexistência do terceiro causador do dano.

Veja-se o julgado abaixo, cujo trecho destacado, apesar de um pouco longo,

justifica-se por ser bastante oportuno, trazendo à tona esses dois pontos de vista:

Direito Civil - Ação de cobrança - Cédula de Produt o Rural - Seguro - Cobertura paga à guisa de inadimplência - Sub-rogaç ão não caracterizada. Porque o seguro agregado à Cédula de Produto Rural não denota escopo outro que não apenas salvaguardar o próprio segurado em face do sinistro coberto, na forma do artigo 1.432 do Código Civil de 1916, vigente à época, não há falar-se em sub-rogação advinda da cobertura paga à vista de sua inadimplência contratual. [...] O SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA: [...] O Banco do Brasil S.A. na qualidade de avalista do título, firmou contrato de seguro para garantir o adimplemento da obrigação, o que lhe era permitido fazer mesmo sem a anuência do apelante. [...] Assim, a inadimplência do réu, emitente da CPR, deu causa ao sinistro, que foi devidamente pago pela seguradora, que sub-rogou-se no direito de cobrança dos valores pagos, o que o torna parte legitima para figurar no pólo passivo da demanda. [...] Da análise dos autos, verifica-se que o apelante celebrou contrato de Cédula de Produto Rural com o Banco do Brasil (f. 30/32), se comprometendo a entregar, em 10.09.2001, 12.000Kg de café arábica em grãos. O Banco do Brasil, por sua vez, cedeu os direitos da Cédula de Produto Rural celebrada com o apelante às concessionárias Cargill Agrícolas S.A, Stocker Comercial Exportadora de Café S.A e Hedging Griffo Fundo Verde de Investimento Financeiro, passando a figurar como avalista do título. Com a finalidade de garantir o cumprimento da obrigação de entrega das sacas de café, ou da indenização a elas correspondente, o Banco do Brasil, cedente/avalista, celebrou contrato de seguro com a apelada (f. 107/111). Como o apelante não honrou seu compromisso de entregar a safra, conforme CPR, o Banco do Brasil pagou aos cessionários/avalizados o valor de R$27.400,00 (vinte e sete mil e quatrocentos reais) (f. 112), que, por sua vez, recebeu a indenização da apelada pelo seguro contratado, conforme recibo de f. 33. Assim, restou comprovado que, diante do vencimento da Cédula de Produto Rural e do inadimplemento do apelante, o Banco do Brasil S.A, na qualidade de avalista, efetuou o pagamento da dívida, vindo a ser indenizado pela apelada, em razão do contrato de seguro firmado. [...] Dessa forma, tendo sido comprovado que a apelada pagou a indenização ao Banco do Brasil S/A, conforme se verifica do recibo de indenização do sinistro (f. 33), no valor de 27.400,00 (vinte e sete mil e quatrocentos reais), a seguradora sub-roga-se nos direitos do banco de cobrar tal valor do apelante, nos limites do contrato. [...] O SR. DES. SALDANHA DA FONSECA: [...] No mérito, a par das razões em contrário agitadas pela autora e, a esta altura, do entendimento externado pelo Eminente Desembargador Relator, não vislumbro campo para o acolhimento da pretensão inicial. É que, a meu ver, inexiste a sub-rogação em que se apega a demandante com intuito de amparar a cobrança levada a efeito, sendo certo que o pagamento da cobertura contratada não tem condão de transferir para a seguradora, na presente hipótese, a qualidade de credora. Isto, justamente porque, tratando-se de seguro agregado à Cédula de Produto Rural, conclusão a que se chega por cotejo do recibo de f. 33 e da apólice de f. 123, prova inconteste do contrato à luz do artigo 758, do Código Civil atual, a cobertura pactuada tem por escopo neutralizar o risco decorrente de inadimplência contratual em benefício do próprio segurado que, aliás, respondeu pelo pagamento do prêmio respectivo. É este o objeto contratado e que se exaure

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integralmente quando da cobertura paga, nada havendo que possa viabilizar sub-rogação, ante a inexistência do terceiro causador do dano. Aqui, a inadimplência existe como risco coberto e seus consectários tocam à seguradora. Apenas a ela. Implica dizer que o pagamento realizado em face do sinistro pôs termo ao contrato de seguro, rechaçando qualquer espécie de sub-rogação. Disto decorre não ser dado à seguradora voltar-se contra o segurado com propósito de ver-se ressarcida do valor correspondente, ocorrência que acabaria por desnaturar a própria função do seguro pactuado. Outra não é a compreensão a que se chega quando examinado o cenário dos fatos à luz do artigo 1.432, do Código Civil anterior, atual artigo 757, de onde se lê: "Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato". [...] Nesta ordem de idéias, o acolhimento da cobrança acabaria por esvaziar a força vinculante do contrato, em total afronta, em particular, aos preceitos epigrafados, o que não pode ser tolerado. O SR. DES. DOMINGOS COELHO: Rogo venia para discordar do d. Des. Relator no que tange a possibilidade de cobrança dos valores sub-rogados pela empresa Aliança do Brasil relativa ao seguro agregado à Cédula de Produto Rural. Isto porque, como bem argumentou o e. Colega Des. Saldanha da Fonseca, ao atribuir a companhia seguradora o direito de sub rogar-se nos direitos oriundos do contrato de seguro firmado com o próprio segurado, ora Apelado, sob pena de desnaturar-se a função precípua do seguro que é, como sabido, indenizar a parte de prejuízo resultante de riscos futuros. [...] Assim, em que pese os julgamentos anteriores em sentido contrário ao do exarado neste voto, melhor analisando a espécie, e reposicionando o meu entendimento ouso divergir do d. Relator e acompanho, na íntegra, o voto proferido pelo d. Des. Revisor, Saldanha da Fonseca.287

Apesar de opiniões contrárias288, entende-se que, realmente, o fato de a

seguradora ressarcir o banco avalista, em decorrência de contrato de seguro celebrado

entre eles, não implica em sub-rogação da seguradora, vez que seu contrato foi

celebrado com a instituição financeira, que arcou com o prêmio do seguro e o utilizou,

ante o inadimplemento do emitente da CPR. Pensar o contrário seria desnaturar o

próprio contrato de seguro, celebrado entre o banco e a seguradora.

287 TJMG, 12ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 1.0480.02.035175-9/001, rel. Des. Alvimar de Ávila, rel. do acórdão Des. Saldanha da Fonseca, j. 6/6/2007. 288 Cobrança - Seguradora - Cédula de Produto Rural - Inadimplemento do emitente - Sub-rogação - Dívida de valor - Possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança. A Seguradora que efetua o pagamento de débito oriundo de cédula rural pignoratícia sub-roga-se, de pleno direito, no crédito, passando a ser credora de dívida de valor, sendo perfeitamente possível o ajuizamento de ação de cobrança. [...] Insta salientar, que a sub-rogação consiste na substituição judicial de uma pessoa ou coisa por outra, na mesma relação jurídica, ou ainda, na transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação ou emprestou o necessário para solvê-la. No presente caso, houve sub-rogação a autorizar o regresso da seguradora apelada contra o apelante, nos exatos termos do art. 985, III do Código Civil de 1916, reproduzido pelo art. 346, III do diploma civil de 2002. Não tendo sido devolvida nenhuma outra questão à instância superior, impõe-se a manutenção da sentença. (TJMG, 9ª Câm. Cív., Ap. Cív. n. 1.0694.02.006982-9/001, rel. Des. Pedro Bernardes, j. 10/1/2006). Ver também: TJMG, Ap. Cív. n. 460.591-2, Rel. Des. Fernando Caldeira Brant; TAMG, Ap. Cív. n. 033.8755-7, rel. Juiz Nepomuceno Silva, j. 14/8/2001).

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8 DO PEDIDO DE FALÊNCIA FUNDADO EM CÉDULA DE PRODUT O RURAL

Antes de se adentrar a questão, vale recordar que, para uma pessoa se

sujeitar ao procedimento falimentar, é imperioso que ela explore atividade econômica,

para circulação de bens ou serviços, com habitualidade.

Nesse tocante, as sociedades rurais são, a priori, sociedades simples e,

como tal, não sujeitas à falência. Mas, se constituídas ou transformadas conforme um

dos tipos de sociedade empresária, requerendo sua inscrição perante o Registro

Público de Empresas Mercantis, ficarão equiparadas, para todos os efeitos, à

sociedade empresária, tal como explicado alhures, submetendo-se, então, aos regimes

falimentar e recuperatório.

Especificamente sobre o empresário rural, CAMPINHO ensina que as

sociedades voltadas ao agronegócio não podem ser qualificadas como simples,

“porquanto a atividade industrial, que pressupõe a produção ou transformação de bens

ou produtos, lhes confere a feição de sociedade empresária”289.

Após essa breve ressalva, passa-se ao exame da questão do pedido de

falência embasado na CPR. Por se tratar de título executivo extrajudicial, com rigor

cambiário e autorizando execução específica, prevista em sua lei especial, a CPR pode

embasar eventual pedido de falência do devedor empresário. Para isso, mister o

protesto da CPR, tal como explicado por VALVERDE:

O não pagamento de obrigação líqüida, no seu vencimento, sem relevante razão de direito, faz presumir a falência do devedor-comerciante. A impossibilidade de pagar é, pois, na realidade, o fato que revela o estado de falência. Essa impossibilidade de pagar, que torna o devedor impontual, positiva-se com o protesto do título creditório (arts. 10 e 11), porquanto por ele fica provado que o credor exigiu e o devedor não cumpriu a obrigação.290

289 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa – O novo regime da insolvência empresarial. São Paulo: Renovar, 2006, p. 30. 290 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. Vol. I, 4 ed., rev. e atual. J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos, Rio de Janeiro: Forense, p. 19.

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O protesto cambiário deve ser realizado na praça de pagamento do título –

art. 28, parágrafo único, do D. n. 2.044/1908291, não revogado pela Lei de Protestos (Lei

n. 9.492/97) – e, uma vez efetivado, entende-se não ser necessário outro protesto, no

domicílio do devedor, para se requerer a sua falência. Mas, há decisões292 em outro

sentido, considerando necessário o protesto no domicílio comercial do devedor, por ser

esse o foro falencial.

Não parece ser esse o melhor raciocínio. Sobre isso, BARBI FILHO ensina

que “não há sentido em se exigir o protesto especial de um título já submetido ao

protesto cambiário, ainda que este tenha sido tirado em praça distinta daquela

competente para o pedido de falência.”293

Sobre isso, veja-se o magistério de VALVERDE:

Por isso, os títulos de crédito propriamente ditos, subordinados ao regime do protesto comum, escapam à necessidade do protesto especial. O portador não precisa dizer ao oficial público do cartório competente qual o seu objetivo ao protestar uma letra de câmbio, uma nota promissória, um cheque, uma duplicata. O protesto é tirado na conformidade dos preceitos que regulam o título e a sua circulação e servirá para instruir o pedido de falência do devedor.294

O festejado autor não está sozinho:

Falência. Caracterização. Protesto cambial. Duplica ta. Validade. Irregularidade na efetivação do protesto. Súmula ST J enunciado n. 7 . I – Segundo pontifica a melhor doutrina nacional, “os títulos de crédito, subordinados ao protesto comum, escapam à necessidade do protesto especial”. II – As circunstâncias fáticas definidas nas instâncias ordinárias, no sentido da irregularidade na efetivação do protesto cambial, de sorte a torná-lo inservível para instruir o requerimento da falência, não podem ser revistas na instância especial, mercê do veto contido no enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.295

291 D. n. 2.044/1908, art. 28, parágrafo único: “O protesto deve ser tirado do lugar indicado na letra para o aceite ou para o pagamento. Sacada ou aceita a letra para ser paga em outro domicílio que não o do sacado, naquele domicílio deve ser tirado o protesto.” 292 TJSP, 4ª Câm. Civil. Boletim de Jurisprudência ADCOAS, n. 24.015/74. in: BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juízo. Atualizada por Otávio Vieira Barbi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 152. 293 BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juízo. Atualizada por Otávio Vieira Barbi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 152. 294 VALVERDE. Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. Vol. I, 4 ed., rev. e atual. J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos, Rio de Janeiro: Forense, p. 163. 295 STJ, 4ª T., Resp n. 50827/GO, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 27/5/96, DJU 10/6/96.

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Fique claro, contudo, que a lavratura do protesto na praça de pagamento da

CPR não exclui o foro competente para se proceder ao pedido de falência, que pode

ser diferente do foro em que foi lavrado o protesto, uma vez que esse pode não ser o

do principal estabelecimento do devedor296, recordando-se que principal

estabelecimento não é, necessariamente, a sede da sociedade, informada em seu

contrato social ou estatuto levado a registro perante o Registro do Comércio.

Com orientação do art. 94, da Lei n. 11.101/2005, recorda-se as hipóteses

que podem guardar relação com a CPR:

1 – o devedor empresário que, sem relevante razão de direito, não paga, no

vencimento, obrigação líqüida, constante da CPR protestada, com valor superior a

quarenta salários mínimos na data do pedido de falência, poderá ter sua falência

requerida (art. 94, I);

10 – o devedor empresário que, ao ser executado por qualquer quantia

líqüida, fundada em CPR, não pague, não deposite, nem nomeie à penhora bens

suficientes, poderá ter sua falência requerida (art. 94, II);

3 – o devedor empresário que pratica qualquer dos atos elencados no art. 94,

III, caso não haja previsão no plano de recuperação judicial, v.g., a liqüidação

precipitada dos ativos e conduta ruinosa ou fraudulenta para realizar pagamentos, ou o

reforço da garantia constituída na Cédula, sem que o devedor mantenha bens livres e

desembaraçados suficientes para saldar seu passivo.

296 L. n. 11.101/2005, art. 3º: “É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.”

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9 DA NEGOCIAÇÃO DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL NA BOLSA DE VALORES

E NO MERCADO DE BALCÃO

Nos últimos anos, o brasileiro tem descoberto a Bolsa de valores, fazendo

investimentos de seus recursos nessa modalidade de aplicação variável.

Para um empresário rural, a priori, é difícil que o lançamento de ações tenha

aceitação nesse mercado, em função do alto risco de sua atividade. Uma das soluções

é a CPR, título que pode ser negociado em Bolsa de valores297 ou mercado de

balcão298, conforme disposto no art. 19, da Lei n.º 8.929/94, in verbis:

Art. 19. A CPR poderá ser negociada nos mercados de bolsas e de balcão. § 1º. O registro da CPR em sistema de registro e de liquidação financeira, administrado por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil, é condição indispensável para a negociação referida neste artigo. § 2º. Nas ocorrências da negociação referida neste artigo, a CPR será considerada ativo financeiro e não haverá incidência do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.

A partir dessa possibilidade, aberta pelo legislador, cada vez mais o

agronegócio utiliza a Bolsa de valores para negociar seus produtos e financiar sua

produção. No tocante à CPR, é crescente a sua negociação na Bolsa, envolvendo

instituições financeiras, tal como explicado alhures, que intervêm como avalistas da

Cédula ou fazem sua securitização, o que, em ambos os casos, implicam em maior

segurança e credibilidade à circulação e negociação da CPR. A negociação é feita

indiretamente, através de apresentação, pelo produtor rural, de proposta de venda do

produto, em determinado valor. Deferida a proposta, essa será registrada em sistema

informatizado, até que seja implementada a negociação.

297 Bolsa de valores é entidade privada, criada a partir da associação de sociedades corretoras, autorizada pelo Banco Central do Brasil, com funcionamento controlado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e opera com o mercado secundário, de venda e aquisição de valores mobiliários. 298 Mercado de balcão envolve qualquer operação vinculada a valores mobiliários, realizada fora da Bolsa de valores, por sociedade corretora e instituição financeira, ou sociedade intermediária, e opera com os mercados primário, de subscrição de valores mobiliários, e secundário.

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Da mesma forma, mostra-se comum o negócio direto no mercado de balcão,

feito após o registro da CPR junto a entidades associadas à CETIP, promovido pelo

emitente ou adquirente da Cédula. Nesse caso, a negociação é feita diretamente entre

o produtor rural e o comprador, devendo-se apenas verificar se o valor negociado

corresponde ao preço praticado no mercado futuro.

O cadastro da CPR em sistema de registro e de liqüidação financeira,

administrado por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil, é condição

indispensável para essa negociação. Conforme se vê da leitura do artigo destacado, a

Cédula será considerada ativo financeiro e não haverá incidência dos impostos sobre

operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários299.

A partir da criação da CPR Financeira, não há mais a necessidade de os

títulos se revestirem apenas de commodities300 negociadas em Bolsa, vez que existe a

opção do título com “preço fechado” – o preço de liqüidação é acertado no momento da

emissão da CPR –, constituindo uma operação com taxa estabelecida previamente,

com características de um título de renda fixa, tal como um commercial paper301,

negociado em mercado de balcão.

Há uma operação já adotada no mercado, que consiste na compra de uma

CPR Financeira com preço indexado, e venda simultânea de contratos futuros na Bolsa

de Mercadorias e Futuro (BM&F), com a obtenção de taxa mais variação cambial, pelo

fato de o contrato futuro na BM&F ser negociado em dólares e a CPR Financeira em

reais. E, apesar de se tratar de um negócio de renda fixa, em dólares, a Receita

Federal tem entendido, nas operações similares com CPR, que a alíquota do Imposto

de Renda incidente é a referente a de operações de renda variável (15%) e não a de

renda fixa (25%).

299 Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (CETIP) - Comunicado BACEN n. 9.419. 300 Commodity (plural: commodities) significa mercadoria, e relaciona-se ao preço de transação de mercadorias primárias ou com pequeno grau de industrialização, em contratos padronizados, em consonância com as regras da Bolsa de valores, conferindo fungibilidade para efetivação de sua liqüidação. As commodities possuem cotação e negociabilidade mundiais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Commodity>. Acesso em 31/3/2008. 301 Commercial paper é um valor mobiliário, de emissão reservada às sociedades anônimas, após autorização da Comissão de Valores Mobiliários. Trata-se de boa alternativa de captação de recursos no mercado de curto prazo, constituindo capital de giro para a sociedade empresária. Tornou-se viável no Brasil a partir das Instruções Normativas n. 134 e 55, da Comissão de Valores Mobiliários, de novembro de 1990 e agosto de 1991, respectivamente. In: CASTRO, Marina Grimaldi de. Commercial Paper. Col. Tiago Fantini Magalhães. Belo Horizonte: Decálogo, p.43.

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Veja-se a seguinte hipótese: no dia 2 de abril, o Banco compra 1.000 sacas

de café, padrão BM&F, ao preço de R$ 200,00 (duzentos reais) a saca, totalizando R$

200.000,00 (duzentos mil reais), com entrega prevista para 11 de setembro, em

armazém credenciado pela BM&F.

No mesmo dia, o Banco vende dez contratos futuros de café, com vencimento

na BM&F em setembro, ao preço de US$ 150,00 (cento e cinqüenta dólares

americanos) a saca, com a cotação do dólar a R$ 2,00 (dois reais), o que importará em

R$ 300,00 (trezentos reais) a saca, totalizando R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e

obtendo uma taxa de 50% (cinqüenta por cento), não descontados os tributos e taxas e,

também, sujeita à variação cambial. Uma vez que no mercado futuro não há o real

interesse na entrega do produto físico em si, mas apenas na sua mudança de preço,

facilmente se percebe as vantagens desse tipo de operação.

Recorde-se apenas que, conforme determinam os arts. 19, caput, e 21, da Lei

n. 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de

Valores Mobiliários (CVM), há exigências a serem cumpridas, para negociação da CPR:

Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão. {Comissão de Valores Mobiliários} Art. 21. A Comissão de Valores Mobiliários manterá, além do registro de que trata o art. 19: I – o registro para negociação na Bolsa; II – o registro para negociação no mercado de balcão, organizado ou não. § 1º. Somente os valores mobiliários emitidos por companhia registrada nos termos deste artigo podem ser negociados na Bolsa e no mercado de balcão.

Além dessas medidas, existe a opção da chamada CPR securitizada, que

tem por escopo favorecer a aplicação de recursos do mercado de capitais no

agronegócio. Com isso, além da alternativa de investimento por terceiros, abre-se ao

produtor rural uma boa possibilidade de exercer sua atividade com maior segurança e

com menores custos, se comparado a outros sistemas de financiamento.

Isso, porque contratado o seguro agrícola, o produtor rural poderá ser

indenizado, em caso de intempéries naturais, tais como incêndios, secas, geadas,

pragas etc..

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COELHO diferencia duas categorias de seguro agrícola: o seguro de

produtividade e o de custeio. No primeiro, ocorrendo o sinistro, a indenização devida ao

produtor rural se baseará na diferença entre a receita almejada com a produção e a

efetivamente alcançada, considerando-se a colheita e o valor do produto no mercado.

“Seu objetivo é assegurar, de certo modo, o lucro esperado pelo produtor agrícola.”302.

No segundo, a indenização leva em consideração o valor despendido para a produção

perdida, a viabilizar o replantio ou a preservação da empresa303.

Além disso, pode-se proteger as perdas causadas no transporte do produto

até o local de armazenamento e estocagem, através do seguro de transportes,

contratado pelo vendedor ou comprador do produto, conforme o interesse de cada um,

acerca dos riscos do transporte. Ocorrendo a perda ou avaria do produto, a Seguradora

indenizará o segurado pelos danos304.

Ademais, ao se considerar produtos rurais como o álcool e o açúcar, que são

commodities com posições em contrato de bolsas internacionais, o produtor rural pode

estancar seus preços, através de operações de hegde305 nas bolsas, o que reduz o

risco de preços tanto para o produtor como para o investidor. Isso, porque o produtor

rural pode vender sua produção em data futura, a um determinado preço X. Chegada a

data acertada para a venda, o preço no mercado está em X-2, inferior ao do momento

em que se contratou a venda. Se o produtor vender sua produção no mercado à vista,

obterá o preço X-2, mas se liqüidar sua posição no mercado futuro, ele obtém o ganho,

expresso na diferença entre o preço de venda X, e o preço pelo qual comprou o

contrato para saldar seu compromisso anterior de venda: X-2.

A operação de hedging revela-se, pois, como dois contratos autônomos, de

venda a termo e de compra a termo, com a parte em posições contrapostas em cada

contrato, e venda à vista, compensando os riscos e eventual variação de preços, o que

302 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 3, 7 ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 161. 303 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 3, 7 ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 161. 304 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 3, 7 ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 162. 305 Expressão que significa proteger. Operação conjunta, que tem por fim a cobertura contra riscos de variações e oscilações dos preços, salvaguardando uma posição de risco por outra equivalente, mas em sentido contrário, muito utilizada em operações envolvendo commodities. In: BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 12 ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 269/270.

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protege o produtor rural. Com isso, “o lucro obtido no contrato futuro compensa a queda

nas cotações da mercadoria no mercado a vista, permitindo assim que o preço final

obtido seja mais ou menos igual às cotações na época em que o fazendeiro vendeu no

mercado futuro.”306.

Aqui também se vê a importância da CPR para o desenvolvimento nacional.

Conforme ensinado por ASCARELLI:

É assim que encontramos os títulos de crédito presos à história e às transformações da vida moderna e podemos então voltar a repetir a afirmativa de que constituem um instituto típico da economia moderna, a que se acha unido, nas suas transformações e nos seus problemas, nos progressos já alcançados e nas perguntas que formulamos a respeito do futuro.307

Assim, conclui-se pelo necessário estudo da CPR, para que se possa,

certamente, encontrar nova alternativa de progresso do campo e do produtor rural,

garantindo sua existência digna e harmônica, nos aspectos econômico, social e

ambiental.

306 BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 12 ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 270. 307 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Trad. Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943. 518 p.

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CONCLUSÃO

Nos menos de quinze anos de vida desse novo título de crédito, pode-se

afirmar que a Cédula de Produto Rural se evidencia como um instrumento confiável aos

produtores rurais brasileiros para obtenção de recursos complementares no mercado. A

CPR se apresenta, pois, como a moeda forte no campo, por sua simplicidade de

aquisição e negociação, favorecendo o crescimento do setor produtivo primário

brasileiro, apesar da falta de apoio Governamental.

Após seu surgimento, em 1994, em que se previu apenas a entrega de

produto rural, esta Cédula evoluiu, com a criação da CPR Financeira, o que

impulsionou o agronegócio e possibilitou a movimentação de maiores cifras, com a

entrada de instituições financeiras na negociação de tais títulos. Essa evolução

possibilitou a obtenção de maiores recursos complementares pelos produtores rurais no

Brasil, diminuindo a dependência de muitos frente ao Governo, o que, só por isso, já é

digna de aplausos.

O escopo do presente trabalho é evidenciar, justamente, que a Cédula de

Produto Rural, para cumprir adequadamente seus objetivos, deve ser entendida como

título de crédito, sendo regulada pelas normas de direito cambial, salvo no que for

expressamente disposto na Lei n. 8.929/94, intimamente vinculado ao futuro do

agronegócio em nosso país.

Juntamente a essas questões econômicas, registra-se que não se deve

vincular o uso da CPR a agressões ambientais, que devem ser reprimidas em todos os

âmbitos de nossa sociedade. Viu-se que a CPR se presta ao pequeno, ao médio ao

grande produtor rural; mas, todos eles, devem buscar a excelência de sua empresa,

não somente no que tange à ampliação de lucros a qualquer custo, mas pautada pelo

desenvolvimento sustentável, através de tecnologias ecologicamente adequadas, que

apesar de poderem se revelar mais dispendiosas no presente, favorecerão o meio

ambiente e garantirão maiores lucros ao produtor no futuro, sem agredir o solo, o clima,

o ecossistema, o planeta.

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Havendo interesse, pode-se implementar o agronegócio, sem implicar em

destruição do meio ambiente. Diz-se interesse, pois soluções viáveis existem; basta

vontade de implementá-las.

Veja-se o caso do Programa Nacional de Álcool, o Proálcool, fundado na

agricultura, na busca de formas econômicas de diminuição da poluição e da importação

de petróleo pelo Brasil, que poderia ter-se baseado em cooperativas, em pequenas,

médias e grandes usinas, com a utilização de outras matérias-primas, além cana de

açúcar, com projeto de desenvolvimento sustentável para o agronegócio308. Contudo, o

que se viu foi concentração da monocultura, desemprego sazonal e degradação

ambiental, que favoreciam a poluição por agrotóxicos, o êxodo rural, a violência urbana,

os danos ambientais. Seria possível um programa adequado sócio-ambientalmente,

favorecendo o agronegócio? Sim, se houvesse interesse na geração de empregos, na

conservação do solo a partir do uso de biofertilizantes etc.. A economia sustentável

pressupõe o desenvolvimento, que pode ser através do agronegócio, sem exaurir ou

agredir a natureza, por meio de base científica a indicar que esse caminho é viável. A

defesa do meio ambiente é mais que simplesmente um modismo atual, é essencial ao

nosso futuro.

A Natureza é a primeira mestra do ser humano309. Que possamos, a cada dia,

aprender com ela, sem agredi-la.

O objetivo do presente trabalho foi examinar a fundo, dentro do possível, o

Direito Positivo envolvido no tema proposto, organizando-o de forma coerente e lógica,

entendendo-o e criticando-o nos pontos considerados necessários, na busca por meios

de aperfeiçoá-lo. Espera-se que tal propósito tenha sido cumprido.

308 MINC, Carlos. Ecologia e Cidadania, São Paulo: Moderna, 1997, p. 98. 309 PECOTCHE, Carlos Bernardo González (Raumsol). Introdução ao Conhecimento Logosófico. São Paulo: Editora Logosófica, 1996, p. 102.

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REFERÊNCIAS

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ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito . Tradução Nicolau Nazo, São Paulo: Saraiva, 1943. 518 p.

BARBI FILHO, Celso. A Duplicata Mercantil em Juízo . Rio de Janeiro: Forense, 2005. 183 p.

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Títulos de Crédito: doutrina e jurisprudência . Rio de Janeiro: Forense, 1989. 825 p.

BORGES, João Eunápio. Títulos de Crédito . 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. 348 p.

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