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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
PROGRAMA DE MESTRADO EM HOSPITALIDADE
ENFERMAGEM E HOTELARIA HOSPITALAR NA PROMOO DA HOSPITALIDADE
MARIA ANTONIA DE ANDRADE DIAS
SO PAULO
2005
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
PROGRAMA DE MESTRADO EM HOSPITALIDADE
ENFERMAGEM E HOTELARIA HOSPITALAR
NA PROMOO DA HOSPITALIDADE
MARIA ANTONIA DE ANDRADE DIAS
Dissertao de Mestrado apresentada Banca Examinadora, sob a orientao da Profa. Dra. Elizabeth Kyoko Wada, como exigncia para a obteno do ttulo de Mestre, no Programa de Mestrado em Hospitalidade, da Universidade Anhembi Morumbi.
SO PAULO
2005
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BANCA EXAMINADORA
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Sociedade Brasileira de Gerenciamento em Enfermagem Sobragen, uma idia minha que deu certo e tem buscado cumprir a misso para a qual foi criada: contribuir para o desenvolvimento profissional dos enfermeiros.
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Agradecimentos minha famlia Aos meus amigos Aos meus Venerveis Mensageiros Prof. Dra. Elizabeth Wada, cuja sabedoria me fez enxergar melhor as inter-relaes entre os saberes e me fez crescer, quando achei que no mais podia...
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RESUMO A pesquisa tem como tema a inter-relao dos servios de enfermagem e de hospedagem na promoo da hospitalidade em hospitais. Foi realizada em duas etapas, sendo a primeira um estudo exploratrio por intermdio de uma pesquisa bibliogrfica e a segunda, um estudo de caso, com observao participante e entrevistas semi-estruturadas. Procurou-se contextualizar a enfermagem, a hotelaria hospitalar e a hospitalidade, buscando-se identificar se a hospitalidade e a humanizao da assistncia na rea hospitalar so compreendidas como sinnimos. A pesquisa justifica-se porque, embora o hospital tenha vrias funes, todas voltadas para o atendimento sade, a principal delas tratamento do cliente. Considerando que boa parte das pessoas que buscam o hospital o fazem muitas vezes amedrontadas, porque sentem sua vida ameaada, e vem o ambiente hospitalar como algo desconhecido e at assustador, nesse contexto, a hotelaria hospitalar pode ser um diferencial e contribuir para minimizar o impacto do ingresso no ambiente hospitalar, criando, em parceria com outros servios hospitalares, um ambiente humanizado e hospitaleiro, cujo objetivo facilitar a adaptao do cliente ao ambiente. A enfermagem, constituda por profissionais de trs categorias (enfermeiros, tcnicos e auxiliares de enfermagem), presta assistncia pessoa, doente ou com sade, para que execute aquelas atividades que contribuem com a sade ou sua recuperao (ou para com uma morte em paz) que ela executaria sem auxlio, caso possusse a fora, a vontade ou o conhecimento necessrios (Henderson, 1961), sendo tradicionalmente quem acolhe o cliente no hospital. O foco de sua atividade o cuidado do cliente e sua inter-relao com a hotelaria hospitalar, que pode proporcionar uma quebra de paradigmas, contribuindo para uma mudana de comportamento da equipe multiprofissional, especialmente na equipe assistencial, constituda por profissionais das vrias reas de ateno sade. Portanto, a interao enfermagem/hotelaria hospitalar pode contribuir para otimizar a assistncia prestada ao cliente, agregando valor ao cliente.
PALAVRAS-CHAVES: Enfermagem, Hotelaria Hospitalar, Hospitalidade, Administrao Hospitalar.
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ABSTRACT
The research subject was the relationship between nursing and hoteling services to provide hospitality in hospital. There were two phases, the first one was an exploratory study by bibliography survey and the second one was a case study, using participate observation and interwiews. Nursing, hospital hoteling and hospitality had their context studied to understand if hospitality and humanization are sinonimous. The research is justified considering that the most important hospital goal is the patient healing. People goes to the hospital with fear and see the hospital as an scaring environment. Hospital hoteling is able to make the difference and reduces this impact with partnership among others hospital services to make client feels more comfortable. Nursing has three professional cathegories (nurses, technicians and nursing auxiliary) that delivery care to clients, sick or healthy, to do the activities that helps health or recovering (or to help to die in peace) that client would able to do by himself if he had strengh, will or knowledge (Henderson, 1961, p 4). Nursing focus is to delivery care and the relationship with hospital hoteling is able to change models and behavious of the team health. So, nursing and hoteling hospital relationship are able to improve the client care and to criate value to the client.
KEY-WORDS: Nursing, Hospital Hoteling, Hospitality, Hospital management.
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SUMRIO 1
Introduo....................................................................................................
1
2 Enfermagem, Hospitalidade e Hotelaria
Hospitalar..................................... 8
2.1 Enfermagem e Hospitalidade.............................................................
15
2.2 Enfermagem e Hotelaria Hospitalar...................................................
20
3 Hospitalidade = Humanizao?
................................................................... 25
3.1 O acolhimento e o ambiente do cliente no hospital..............................
29
3.2 A Hotelaria hospitalar e hospitalidade..................................................
33
4 Hospital: convvio de clientes externos e
internos...................................... 38
4.1 Hospital empresa.................................................................................
43
4.2 Convvio entre clientes internos e externos ........................................
48
5 Estudo de caso: servios hoteleiros e de enfermagem em um hospital
na Cidade de So Paulo.............................................................................
56
6 Consideraes finais
................................................................................... 73
7 Referncias bibliogrficas
............................................................................ 81
Anexo 1 Roteiro de
entrevistas................................................................ 87
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LISTA DE FIGURAS Figura 1 Organograma do Hospital X p. 56
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABEn Associao Brasileira de Enfermagem COFEN Conselho Federal de Enfermagem OMS Organizao Mundial de Sade OPAS Organizao Pan-americana de Sade PS Pronto-Socorro/Emergncia SAC Servio de Atendimento ao Cliente SND Servio de Nutrio e Diettica SUS Sistema nico de Sade UTI Unidade de Tratamento Intensivo
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1 INTRODUO
A enfermagem como profisso estruturada surgiu na Inglaterra, na
segunda metade do sculo XIX, quando Florence Nightingale estabeleceu as suas
bases cientficas e criou a primeira escola voltada para a formao da enfermeira
num contexto de ensino formal e com um perodo de estudo pr-estabelecido. O
surgimento da enfermagem como profisso tem que ver com o momento social
vivido na Inglaterra, ou seja, a Revoluo Industrial e a emergncia do sistema
capitalista europeu, pois as condies sanitrias daquela poca eram muito
precrias e as doenas dos trabalhadores causavam prejuzos1.
No sculo anterior, havia ocorrido a medicalizao dos hospitais e a
mudana de sua funo, deixando estes de serem instituies voltadas para a
assistncia aos pobres, visando separ-los e exclu-los da sociedade quando
ficavam doentes, a fim de evitar uma possvel propagao de sua doena. O hospital
passa a ser um instrumento de cura e o mdico torna-se o principal responsvel pela
organizao hospitalar2.
Florence Nightingale preocupou-se em criar um espao humano no
ambiente hospitalar, porque considerava que a limpeza, a iluminao e a aerao
das enfermarias tinham relao com a cura dos doentes3.
Embora o foco principal do hospital seja o tratamento e a assistncia
prestados aos clientes, para a manuteno de sua competitividade tornou-se
necessria a criao de servios diferenciados, que agreguem valor ao cliente e que
envolvam aspectos voltados para o seu conforto e segurana.
A hotelaria hospitalar pode contribuir para minimizar o impacto que o
cliente sofre ao adentrar no ambiente hospitalar, por meio da criao de um espao
mais humanizado, que se parea mais a um hotel ou com a prpria casa do cliente.
Para que isto ocorra, o servio de hospedagem precisa estabelecer uma relao
muito ntima entre os objetivos do hospital e a hospitalidade, compreendida como o
1GEOVANINI et al. Histria da enfermagem. Rio de Janeiro: Revinter, 2002, p. 25. 2 FOUCAULT, M. Microfsica do poder. 13ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000, p. 101. 3 BASSI M. A. Florence Nightingale, a dama da lmpada. So Jos dos Campos: Fundao E. E. W. Johnson, 1999. p. 47.
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processo de agregao do outro comunidade4, considerando sempre a
especificidade da clientela.
JUSTIFICATIVA DA PESQUISA
As funes do hospital esto voltadas para o atendimento sade nos
aspectos que envolvem tratamento, preveno da doena e promoo da sade,
alm da reabilitao. Alm disso, o hospital tem tambm como funes realizar
pesquisas, buscando o desenvolvimento das cincias da sade e campo de
aprendizagem para inmeros profissionais.
As pessoas que vo para o hospital em busca de assistncia quase
sempre esto amedrontadas porque sentem sua vida ameaada. Ainda, o ambiente
do hospital desconhecido e pode at ser considerado assustador, pois o cliente
no sabe o que vai lhe acontecer, a quais procedimentos ter de se submeter para
solucionar o seu problema.
A pessoa que busca o hospital participa do mundo globalizado, ligado pela
tecnologia de informao e carece continuar em contato com o ambiente l fora,
mesmo quando internada. O hospital, sendo um sistema aberto onde as pessoas
fazem trocas entre si, relacionam-se e trabalham, um ambiente de cuidado e no
isolado do macroambiente (o prprio mundo) 5 .
A hotelaria hospitalar pode ser um diferencial, ao contribuir para minimizar
o impacto que o cliente sofre ao ingressar no ambiente hospitalar, criando, em
parceria com outros servios hospitalares, um ambiente humanizado.
A humanizao se realiza e acontece nas relaes interpessoais6, o que
significa que a competncia dos profissionais e a tecnologia no so suficientes,
requerendo-se a interao profissional/cliente. A atitude do profissional pode
contribuir ou no para que o cliente perceba que est sendo bem-acolhido.
4 GOTMAN, 2001, p. 493, apud WADA. E. Reflexes de uma aprendiz da hospitalidade. In: DENCKER, A.; BUENO, M. (Orgs.). Hospitalidade: cenrios e oportunidades. So Paulo: Pioneira Thomson, 2003, p. 62. 5 FIGUEIREDO, N. M. A. Fundamentos, conceitos, situaes e exerccios. So Paulo: Difuso, 2003, p. 108. 6 MEZZOMO et alli. Fundamentos da humanizao hospitalar. Uma viso multiprofissional. So Paulo: Loyola, 2003,p. 26.
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O foco da enfermagem o cuidado do cliente7 e a hotelaria viria
proporcionar, alm de mudanas na estrutura fsica do hospital, uma quebra de
paradigmas, contribuindo para uma mudana de comportamento da equipe
multiprofissional, especialmente na equipe assistencial, constituda por mdicos e
profissionais de enfermagem, pois so eles que interagem diuturnamente com o
cliente.
Assim sendo, a interao entre esses dois servios pode contribuir para
otimizar a assistncia prestada ao cliente.
Os resultados da pesquisa contribuiro para que os profissionais de sade
que exercem sua profisso na rea hospitalar possam aperfeioar os mtodos de
trabalho voltados para a assistncia ao cliente.
Objetivos da Pesquisa
Objetivo Geral
Analisar a relao entre o servio de enfermagem e o hoteleiro e a
possvel contribuio na prestao de uma assistncia humanizada e hospitaleira ao
cliente.
Objetivos Especficos
Identificar se existe relao entre hotelaria hospitalar e enfermagem na
humanizao da assistncia.
Identificar pontos de estrangulamento na relao enfermagem/hotelaria
hospitalar.
Analisar a autonomia da enfermagem na soluo de problemas relativos
ao acolhimento do cliente. 7 FIGUEIREDO, N. M. A. et alli. Enfermagem assistencial no ambiente hospitalar. So Paulo: Atheneu, 2004, p. 5.
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Problema
De que maneira a enfermagem e os servios hoteleiros contribuem para a
hospitalidade e a humanizao do ambiente hospitalar?
Hipteses
Hospitalidade no ambiente hospitalar pressupe uma parceria entre enfermagem e hotelaria.
O hospital, para ser hospitaleiro com seus clientes externos, reconhece que seus colaboradores/clientes internos so o principal fator da hospitalidade.
Metodologia
A pesquisa foi realizada em duas etapas. Na primeira, foi feito um estudo
exploratrio por intermdio de uma pesquisa bibliogrfica que permitiu a formulao
do problema e das hipteses.
A pesquisa nessa etapa foi exploratria, partindo de bases empricas de
investigao, cuja finalidade formular um problema ou esclarecer questes para
desenvolver hipteses.8
Na pesquisa exploratria, a busca de conhecimento informativa, objetiva
e sempre com vistas exatido, porque o pesquisador observar os fatos de forma
sistematizada.
A pesquisa emprica permite reproduo, o que no ocorre com sua
interpretao, por ser baseada em idias subjetivas 9, sujeitas discusso,
aceitao ou contestao.
8 Op. cit. p. 59.
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A pesquisa exploratria permite ao pesquisador familiarizar-se com o
ambiente a ser observado e no requer amostragem, possibilitando a utilizao da
observao participante. Essa modalidade de pesquisa tem como finalidade
observar o fenmeno e responder s questes relativas a esse fenmeno, por meio
de procedimentos de observao padronizados e processamento lgico de
raciocnio.10
Como segunda etapa desta pesquisa emprica, realizou-se um estudo de
caso, com observao participante e entrevistas semi-estruturadas.
Como afirma Rubem Alves, senso comum aquilo que no cincia11 e
a cincia uma especializao do senso comum, sendo ambos expresses da
mesma necessidade bsica, a necessidade de compreender o mundo12. Partindo-
se desse princpio, senso comum no hospital que os servios de enfermagem e de
hotelaria podem ser grandes parceiros ou grandes competidores, mas que, no
primeiro caso, agregam valor assistncia prestada ao cliente, tornando-a mais
hospitaleira e humana.
Para que esta busca de conhecimento seja vlida como pesquisa torna-se
necessrio usar um mtodo, ou seja, uma orientao para a seleo dos
procedimentos da pesquisa que devero ser seguidos pelo pesquisador 13 e essa
escolha que determina os comportamentos e instrumentos 14 que sero usados na
pesquisa, tanto na seleo como na elaborao das tcnicas. Portanto, o uso do
mtodo que faz com que o conhecimento obtido seja considerado cientfico 15,
por ser uma forma planejada e consciente de investigao e, neste caso, baseada
em senso comum. O uso do mtodo tem como objetivo ordenar a investigao 16,
buscando aumentar a possibilidade de aproximar a realidade das suas
interpretaes.
No estudo de caso17, usa-se a subjetividade, que pressupe a realidade
social e coletiva incorporada pelo pesquisador, que questiona como e por que o
9 Op. cit. p. 31. 10 DENCKER, A.; VI, S. C. Pesquisa emprica em cincias humanas. 2ed. So Paulo: Futura, 2001. p. 66. 11 ALVES, R. Filosofia da cincia. So Paulo: Loyola, 2000, 12 Idem, p. 21. 13 DENCKER, A.; DE VI, S. C. Pesquisa emprica em cincias humanas. 2ed. So Paulo: Futura, 2001, p. 38. 14 Idem, p. 38. 15 Ib, p. 39. 16 Ib, p. 31. 17 BRESSAN, F. O mtodo do estudo de caso. Disponvel em: http://www.fecap.br/adm_online/art11/flavio.htm Acesso em 15/11/2004.
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evento ocorre, tendo pouco controle sobre ele. O estudo de caso pode ser
considerado como uma inquirio emprica que investiga um fenmeno
contemporneo dentro da vida real, objetivando compreender o que ser observado
de forma sistemtica, com delimitao do campo investigado, no tempo e no espao.
A observao participante demonstrou-se a mais adequada, porque se
buscou validar a experincia da autora do trabalho, j que atua na rea como
enfermeira h quase trinta anos e como docente da disciplina hotelaria hospitalar
por volta de cinco anos.
Realizou-se um estudo de caso 18, visando retratar a realidade e usar
vrias fontes de informao.
Foram feitas entrevistas semi-estruturadas com o gerente administrativo
do hospital, o gerente do servio de enfermagem e o supervisor da hotelaria
hospitalar, visando interao entrevistador e entrevistado. As entrevistas
propiciaram maior flexibilidade na obteno das informaes, permitindo ainda ao
entrevistador observar o entrevistado e a situao, ou seja, a linguagem no-verbal
do entrevistado e o prprio ambiente. Nas entrevistas foram feitas perguntas abertas
e fechadas, usando-se gravador para garantir a fidelidade das respostas para
posterior anlise.
Buscou-se um referencial terico brasileiro sobre o tema hotelaria
hospitalar, focando a humanizao e a gesto desse servio e percebeu-se a
escassez de trabalhos sobre o tema. As pesquisas foram realizadas em bibliotecas
da Fundao Getlio Vargas, Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo
(USP), Faculdade de Sade Pblica (USP) e Centro Universitrio So Camilo
(CUSC), consultando-se artigos, teses e dissertaes. Nas duas primeiras
instituies elencadas, nada foi encontrado. Na terceira, foi encontrada uma
dissertao de mestrado, j usada pela pesquisadora como referncia bibliogrfica
porque foi transformada em livro 19. Na biblioteca do CUSC, o nico artigo
encontrado na revista O Mundo da Sade, publicao do prprio Centro
Universitrio, foi escrito pela autora desta pesquisa20. A mesma busca tambm foi
feita em meios eletrnicos (Bireme) e foram encontrados trs artigos, sendo um
18 Idem, p. 188. 19 TORRES, S.; LISBOA, T. C. Limpeza e higiene. Lavanderia hospitalar. So Paulo: CLR Balieiro, 2001. 20 DIAS, Maria Antonia de Andrade. Hotelaria Hospitalar e sua relao com a preservao do meio ambiente. In: Mundo sade (1995), 27(4): 609-11, out.-dez 2003. (Disponvel em: . Acesso em 05/02/05.
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deles da prpria autora da pesquisa21 e os outros dois, um de Fadi Antoine
Taraboulsi, Administrao de hotelaria hospitalar: servios aos clientes,
humanizao do atendimento, departamentalizao e outro de Silvana Torres e
Teresinha Covas Lisboa, Limpeza e higiene, lavanderia hospitalar22.
O estudo de caso seria realizado em dois hospitais, mas, por orientao
da Banca de Qualificao, optou-se por faz-lo em apenas um hospital.
O estudo de caso ocorreu em um hospital na cidade de So Paulo, que,
por rigor tico, ser identificado apenas como Hospital X.
A escolha do hospital foi motivada por vrios fatores tais como a facilidade
de acesso ao pesquisador, proporcionando o conhecimento de informaes que em
outras circunstncias seriam confidenciais, ou seja, no seriam fornecidas. Alm
disso, o pesquisador teve a oportunidade de acompanhar a internao de um
familiar, o que possibilitou vivenciar o acolhimento e a interao entre os servios de
hotelaria e o de enfermagem, facilitando sobremaneira a observao participante.
O Hospital X particular, isto , pertence a um grupo de mdicos que o
financiam, e est situado em bairro de classe mdia alta, na regio sul do Municpio
de So Paulo. Atende convnios e pacientes particulares, no oferecendo
assistncia para clientes do SUS (Sistema nico de Sade), cujo atendimento
financiado pelo governo.
O hospital j havia autorizado a pesquisa antes da ocorrncia da
internao, embora isto no tenha influenciado a observao participante, pois o
conhecimento da pesquisa a ser realizada ainda estava restrito direo do
hospital.
Embora o hospital no disponha de um Comit de Pesquisa, foi feito um
termo de consentimento livre e esclarecido, assinado pelos profissionais
entrevistados.
As ferramentas de pesquisa anteriormente citadas foram usadas com a
inteno de comprovar ou refutar as hipteses apresentadas.
21 Idem, ibid. 22 TORRES, S.; LISBOA, T. C. Limpeza e higiene. Lavanderia hospitalar. So Paulo: CLR Balieiro, 2001.
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2 ENFERMAGEM, HOSPITALIDADE E HOTELARIA HOSPITALAR
A hotelaria hospitalar surgiu no Brasil como um diferencial competitivo
para os hospitais h pouco menos de dez anos, embora desde o incio do sculo
XVIII, quando ocorreu a medicalizao dos hospitais23, j houvesse uma
preocupao com a arquitetura hospitalar. Essa preocupao no se relacionava
diretamente com os pacientes, mas com a estrutura interna dos hospitais, ou seja,
com a distribuio dos espaos internos.
Quando Florence Nightingale (a criadora da enfermagem cientfica) foi
convidada pelo governo ingls para prestar servios aos soldados feridos na Guerra
da Crimia, no sculo XIX, sua primeira preocupao foi com o ambiente onde
ficavam os soldados. Para Nightingale, a higienizao do hospital, as roupas usadas
pelos soldados e a comida que recebiam contribuam para sua recuperao;
tambm eram importantes a aerao e iluminao do ambiente, bem como o lazer.
Assim, ela criou salas para leitura, onde os soldados podiam ter momentos de
descontrao, fora do ambiente das enfermarias24.
Dessa forma, a preocupao de Nightingale em criar um espao humano
para os soldados foi posta em prtica atravs de elementos materiais limpeza,
iluminao, aerao das enfermarias, sala de leitura mas, principalmente, pela
atitude que ela e a sua equipe de voluntrias tinham em relao ao cuidado com os
soldados. Tanto isso verdadeiro, que os soldados passaram a cham-la de Dama
da Lmpada, pois noite ela visitava as enfermarias levando uma lamparina para
facilitar a visualizao dos soldados e assim proporcionar-lhes cuidados e ateno.
Isto pode ser compreendido como hospitalidade.
Embora o foco principal do hospital seja o tratamento e a assistncia
prestados aos clientes, para a manuteno de sua competitividade preciso
apresentar um servio diferenciado, que agregue valor ao cliente, isto , torna-se
23 FOUCAULT, M. Microfsica do poder. 13ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000, p.101. 24 BASSI M. A. Florence Nightingale, a dama da lmpada. So Jos dos Campos: Fundao E. E. W. Johnson, 1999, p. 64.
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necessrio investir em servios que envolvam valores, modelos e aes que dizem
respeito ao receber humano 25 .
Quando as pessoas vo para o hospital em busca de assistncia para a
sua sade, quase sempre esto assustadas e cheias de preocupaes, pois o seu
bem mais precioso a sua vida est ameaado. Alm disto, quando algum sai
de seu ambiente costumeiro, como a sua casa ou seu local de trabalho, deixa o
convvio familiar e dos amigos e vai para um hospital, o ambiente desconhecido e
at assustador.
O mundo globalizado e ligado pela tecnologia de informao um grande
sistema aberto onde as pessoas fazem trocas entre si, relacionam-se e trabalham26.
No se pode mais entender a necessidade do cliente de sade, ao ser internado, em
estar to-somente restrito ao ambiente do hospital como antigamente; ele precisa
continuar em contato com o mundo l fora, manter seus relacionamentos e tambm
criar novos, agora no ambiente hospitalar.
A hotelaria hospitalar pode contribuir para minimizar esse impacto que o
cliente sofre ao adentrar no ambiente hospitalar, por meio da criao de um espao
mais humano, que se parea mais com um hotel ou prpria casa do cliente,
modificando a antiga idia de que o hospital apenas um local hostil e assustador,
embora necessrio ao tratamento. Para que isto ocorra, o servio de hospedagem
precisa estabelecer uma relao muito ntima entre os objetivos do hospital e a
hospitalidade, compreendida como o processo de agregao do outro
comunidade27, considerando sempre a especificidade da clientela.
Nesse sentido, a hospitalidade no hospital abrange os aspectos a ela
relacionados como uma atividade econmica28, incluindo tanto o setor pblico como
o privado.
O principal objetivo do cliente do hospital a recuperao de sua sade,
compreendida, segundo a Organizao Mundial de Sade (OMS), como o estado de
completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas ausncia de doena.
25 CAMARGO, L. O. de. Turismo, hotelaria e hospitalidade. In: DIAS, C. M. (Org.). Hospitalidade: reflexes e perspectivas. So Paulo: Magnole, 2002, p. 8. 26 FIGUEIREDO, N. M. A. Fundamentos, conceitos, situaes e exerccios. So Paulo: Difuso, 2003, p. 107. 27 GOTMAN, 2001, p. 493, apud WADA. E. Reflexes de uma aprendiz da hospitalidade. In: DENCKER, A.; BUENO, M. (Orgs.). Hospitalidade: cenrios e oportunidades. So Paulo: Pioneira Thomson, 2003, p. 62. 28 LASHLEY. Towards a theoretical understanding. In: LASHLEY; MORRISON. In search of hospitality. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2000, p. 5. (traduo da autora).
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Pode-se considerar essa definio como um pouco distante da realidade,
pois a sade no pode ser vista como um estado esttico, mas como um processo
em constante mudana e evoluo29, sofrendo influncias de vrios fatores, tais
como o ambiente fsico e social. No sendo um fato apenas fsico, o estado de
sade depende tambm do estado psicolgico do indivduo e de suas relaes com
o meio em vive.
A Constituio brasileira de 1988, em seu art. 19630, determina:
A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao.
Sendo assim, a sade um direito humano fundamental e, para sua
consecuo, muitos setores sociais e econmicos precisam interagir.
Reconhecendo a amplitude de fatores que interferem no estado de sade
dos indivduos, a Lei 8.080/9031 que estabelece o Sistema nico de Sade (SUS) no
Brasil considera no art. 3 que:
A sade tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentao, a moradia, o saneamento bsico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educao, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e servios essenciais; os nveis de sade da populao expressam a organizao social e econmica do Pas
Quando h o desequilbrio nesse estado de sade, torna-se necessria a
busca, pelo indivduo, do retorno ao equilbrio anterior e nessa situao que ele
pode chegar ao hospital.
O hospital, segundo a Organizao Pan-americana de Sade (OPAS)32
(...) o estabelecimento com pelo menos cinco leitos, para internao de pacientes, que garante um atendimento bsico de diagnstico e tratamento, com equipe clnica organizada e com prova de admisso e assistncia permanente prestada por mdicos. Alm disso, considera-se a existncia de servio de enfermagem e atendimento teraputico direto ao
29 CAPRA, F. O ponto de mutao. So Paulo: Cultrix, 1982, p. 117. 30 BRASIL. Constituio Federal. 1998. Disponvel em: . Acesso em 10/4/04. 31 BRASIL. LEI 8080/90. Disponvel em : . Acesso 23/2/2005. 32 OPAS. Disponvel em: . Acesso em 23/2/2005.
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paciente, durante 24 horas, com a disponibilidade de servios de laboratrio e radiologia, servio de cirurgia e/ou parto, bem como registros mdicos organizados para a rpida observao e acompanhamento dos casos.
A Organizao Mundial de Sade (OMS) considera o hospital como a
representao do direito inalienvel que o homem tem de ter sade e o
reconhecimento formal por parte da comunidade de sua responsabilidade em prover
meios que o conservem sadio ou que lhe restaurem a sade perdida33.
Pode-se perceber as diferenas entre esses dois conceitos: o primeiro
voltado para os aspectos tcnicos, mecanicistas, e o segundo voltado para os
aspectos que envolvem o direito e a humanizao do atendimento sade.
Para tanto, indispensvel que o hospital oferea condies que
propiciem este resultado, aliando profissionais competentes e tecnologia de ponta.
Contudo, fundamental que o cliente seja recebido de maneira humanizada. Desse
modo, uma aliana teraputica passa a ser um elemento fundamental, devendo
existir um vnculo profissional-paciente, como fora propulsora desse atendimento,
pois s a tcnica incua ou alienante 34.
Nesse contexto, pode-se refletir sobre a ddiva nesse sistema de relao
entre o cliente e os profissionais que lhe atendem. Embora na atualidade muitos
neguem a existncia da ddiva35, porque existem interesses de vrios tipos
envolvidos, e nessa relao cliente/profissional h o interesse comercial, tambm
pode existir o interesse genuno da parte dos profissionais, pela recuperao do
cliente. Todas as vezes que h interao entre o cliente e o profissional e eles se
comunicam, existe o dom da fala36 permeando esta interao, pois a ddiva nada
mais do que o sistema de relaes sociais de pessoa a pessoa37. Como o
profissional de enfermagem e o de hotelaria buscam atender as necessidades do
cliente hospitalizado e esse cliente um desconhecido, embora haja uma
remunerao pelo trabalho, pode-se considerar que o esprito da ddiva permeia a
assistncia prestada.
A Enfermagem sempre esteve ligada, assim como as prticas de sade
em geral, evoluo da sociedade, por ser inerente sobrevivncia dos seres 33 FIGUEIREDO, N. M. A. Fundamentos, conceitos, situaes e exerccios. So Paulo: Difuso, 2003. p. 56. 34 MARTINS, M. C. F. N. Humanizao das relaes assistenciais: a formao dos profissionais de sade. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2001, p. 21. 35 GODBOUT, J. T. O esprito da ddiva. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1999, p. 12. 36 Idem, p. 14. 37 Ibidem, p. 27.
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humanos. , portanto, prtica historicamente estruturada, ou seja, existe ao longo da
histria da humanidade, porm constituda por diferentes maneiras de cuidar que
so determinadas pelas relaes sociais de cada momento histrico38.
A enfermagem profissional surgiu dentro do contexto da Revoluo
Industrial, com a emergncia do sistema capitalista europeu. Entretanto, na
segunda metade do sculo XIX que se inicia a Enfermagem moderna e o seu ensino
comea a ser sistematizado, obedecendo a critrios estabelecidos por Florence
Nightingale.
Nascida em Florena, em 1820, enquanto seus pais ingleses passavam
uma temporada na Itlia, Florence Nightingale foi uma mulher pouco convencional,
pois buscou fugir aos costumes sociais das famlias abastadas da Inglaterra. Ela
recebeu uma educao mais aprimorada do que a maioria das moas de sua
poca39, falava outras lnguas e gostava de matemtica. Seus bigrafos referem
que, aos dezessete anos, Florence teria recebido um chamado de Deus e, em suas
anotaes, ela escreveu: Deus falou comigo e chamou-me para o seu servio40.
Embora no soubesse ainda como atenderia a este chamado, Florence gostava de
cuidar de pessoas doentes e, quando viajava, procurava conhecer instituies
sociais. Florence almejava ter uma profisso, algo inadmissvel na Era Vitoriana.
Em uma de suas viagens, ela conheceu o futuro Secretrio da Guerra da
Inglaterra, que em 1854 a convidou para organizar e liderar um grupo de voluntrias
para cuidar dos soldados feridos da guerra da Crimia (1854-1856), em Scutari. O
governo ingls estava preocupado com o custo das mortes dos soldados e no
sabia como resolver os problemas decorrentes dos precrios cuidados prestados
nos hospitais de guerra. Nessa ocasio, Florence, ento com 34 anos, foi nomeada
para o cargo de Superintendente do Estabelecimento Feminino de Enfermagem, nos
hospitais gerais ingleses na Turquia. Pela primeira vez na histria, uma mulher foi
contratada para cuidar de soldados feridos.
Seguindo para Scutari, na Turquia, com um grupo de voluntrias, Florence
encontra os soldados feridos em precrias condies de higiene, sem alimentao
adequada, sem roupas para trocar; em resumo, a situao era crtica. O hospital que
abrigava os feridos nada mais era do que um enorme edifcio sem leitos, sujo e
38 OLIVEIRA; ALESSI. O trabalho de enfermagem em sade mental: contradies e potencialidades atuais. Rev. Latino-Americana de Enfermagem, maio/jun. 2003, ano n. 11, v.3, 2003, 334-40. 39 BASSI, M. A. Florence Nightingale, a dama da lmpada. So Jos dos Campos: Fundao E. E. W. Johnson, 1999, p. 13. 40 Idem, p. 14.
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insalubre e os soldados morriam mais de infeco do que no campo de batalha.
Florence acreditava que o ambiente devia contribuir para restaurar a sade do
doente, da sua preocupao com limpeza, iluminao e aerao do ambiente do
doente.
Mesmo sendo hostilizada por alguns mdicos, Florence conseguiu fazer
grandes mudanas no atendimento aos soldados e, como conseqncia, a
mortalidade caiu de 42% para 0,2% 41.
Florence procurou melhorar a alimentao, a higiene dos soldados e do
ambiente e at criou um espao para leitura, pois dizia que os doentes precisavam
de lazer.
Aps a guerra, ela voltou para a Inglaterra, que em agradecimento, criou o
Fundo Nightingale, que ela usou para realizar o seu sonho de estabelecer uma
escola de enfermagem42 no Hospital St. Thomas, em Londres, em 1856, tornando-
se a precursora da enfermagem moderna.
Para se compreender melhor a importncia da atuao de Nightingale,
deve-se levar em considerao a poca em que ela viveu. A Inglaterra, a principal
nao capitalista do sculo XVIII e bero da Revoluo Industrial43, embora com
enorme poderio econmico, no proporcionava condies para favorecer a sade de
seus cidados, o que causava enorme prejuzo sociedade, visto que o trabalhador
doente no produzia. Florence encontrou, portanto, um ambiente favorvel
implantao de suas idias sobre cuidar de doentes porque, no somente a
enfermagem, como tambm a medicina da poca, estava vinculada poltica e
ideologia do capitalismo.
Buscando transformar a imagem negativa da profisso, exercida naquele
perodo por pessoas desclassificadas socialmente, Florence estabeleceu princpios
rgidos de disciplina, de modelo militar, e exigia qualidades morais de todas as
alunas. Esses requisitos estavam de acordo com a sociedade capitalista, refletindo a
ideologia dominante nos hospitais da poca, onde a disciplina imposta pelos
mdicos colaborava para manter a sua hegemonia e a relao de
dominao/subordinao entre as classes. Pode-se perceber, nessa fase de
transio da enfermagem tradicional para a moderna, que os instrumentos de seu
41 Ibidem, p. 61. 42 Op. cit., p. 101. 43 GEOVANINI et al. Histria da enfermagem. Rio de Janeiro: Revinter, 2002, p. 25.
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trabalho relacionavam-se mais ao treinamento da disciplina do que da busca do
saber de enfermagem.
A escola nightingaleana formava duas categorias de enfermeiras: as
nurses, de classe social mais baixa, e as ladies-nurses, oriundas da burguesia. As
primeiras realizavam o trabalho manual sob as ordens das ladies-nurses, que
desempenhavam funes intelectuais, administrando o servio de enfermagem,
reproduzindo a estrutura social de classes da sociedade.
Desse modo, a Enfermagem moderna surge como uma ocupao
assalariada e no mais emprica e desvinculada do saber especializado, embora
submissa ao mdico, que detm o maior status social. Portanto, desde as suas
origens, a enfermagem profissional presenciou modos de diviso social e tcnica do
seu trabalho e esteve submetida a relaes de compra e venda de fora de trabalho,
tais como conhecemos contemporaneamente.
Florence definiu a Enfermagem como a arte de cuidar dos seres humanos
sadios ou doentes e destacou quatro conceitos bsicos na sua prtica de cuidados,
que juntos, constituem o metaparadigma da Enfermagem, ou seja, o seu contedo
nuclear44. So eles, o ser humano, o meio ambiente, a sade e a Enfermagem.
Para se ter uma melhor compreenso dos hospitais antes de Florence
Nightingale, pode-se dizer que eram praticamente um depsito de doentes, os quais
dormiam na mesma cama, independente de sexo, idade ou doena e no havia
nenhuma preocupao com a higiene. As enfermeiras exerciam tarefas
domsticas, o trabalho era pouco remunerado ou trocado por abrigo e comida.
Assim, a Enfermagem confundia-se com o servio domstico e, pelo comportamento
inadequado e imoral de quem a exercia, passava a ser um trabalho indigno e sem
atrao para as mulheres de melhor nvel social45 .
Somente a partir do sculo XVIII que a funo do hospital se modifica,
deixando de ser uma instituio voltada para a assistncia aos pobres, que buscava
separ-los e exclu-los da sociedade quando ficavam doentes, a fim de evitar uma
possvel propagao de sua doena. O hospital passa a ser um instrumento de cura
e o mdico torna-se o principal responsvel pela organizao hospitalar.
A transformao do hospital resultado da Revoluo Industrial, iniciada
em 1760, que passou a ser um agente da manuteno da fora de trabalho e
44 GEORGE, J. Teorias de enfermagem. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995, p.14. 45 GEOVANINI et al. Histria da enfermagem. Rio de Janeiro: Revinter, 2002, p. 27.
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empresa de produo de servio de sade. A reorganizao do hospital ocorreu a
partir de uma tcnica poltica e no mdica, ou seja, a partir da disciplina46 .
A disciplina uma tcnica de exerccio de poder para gerir os homens
por meio de um sistema de poder suscetvel de control-los47, ou seja, dispe de
mecanismos de gesto disciplinar, o que implica uma vigilncia constante dos
indivduos. Alm disso, a disciplina exige registro contnuo de informaes, de modo
que o superior hierrquico saiba tudo o que acontece nas bases. Sendo assim, os
doentes sero distribudos em um espao onde podero ser vigiados e tudo o que
ocorrer com eles dever ser registrado.
nesse contexto que a Enfermagem passa a atuar, ainda de maneira
emprica, dominada pelo poder mdico, que delegava ao enfermeiro a execuo das
funes de controle, objetivando manter a ordem e a disciplina.
Na atualidade, o trabalho de enfermagem faz parte do trabalho coletivo em
sade; especializado, hierarquizado e distribudo entre os profissionais de
enfermagem de nvel mdio e os de nvel superior, enfermeiros, conforme a sua
complexidade de execuo.
2.1 Enfermagem e Hospitalidade
Segundo Florence Nightingale, a Enfermagem significa o uso apropriado
de ar puro, iluminao, aquecimento, limpeza, silncio e a seleo adequada, tanto
da dieta quanto da maneira de servi-la48. Para ela, a Enfermagem possui a
responsabilidade pela sade pessoal de algum... e aquilo que a Enfermagem tem
que fazer... colocar o paciente na melhor condio, para que a natureza aja por
ele 49.
Depois de Florence, vrias outras enfermeiras definiram a Enfermagem e,
dentre elas, talvez a enfermeira americana Virgnia Henderson (1961) tenha
conseguido melhor expressar o significado da profisso: a Enfermagem auxilia a
pessoa, doente ou com sade, a executar aquelas atividades que contribuem com a
46 FOUCAULT, M. Microfsica do poder. 13ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000, p. 108. 47 Idem, p. 105. 48 NIGHTINGALE, Florence. Notas sobre Enfermagem. So Paulo: Cortez, 1989, p. 14. 49 YER; TAPTICH; BERNOCCHI-LOSEY. Processo e diagnstico de Enfermagem. Porto Alegre: Artes Mdicas. 1993, p. 5.
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sade ou sua recuperao (ou para com uma morte em paz) que ela executaria sem
auxlio, caso possusse a fora, a vontade ou o conhecimento necessrios 50.
A Enfermagem moderna possui um corpo de conhecimentos cientficos,
conta com vrias teorias que lhe do embasamento, fazendo parte das profisses
liberais por ser uma atividade que deve ser desempenhada com independncia e
autonomia a uma livre clientela.
No Brasil, a Enfermagem segue o modelo americano, que, por sua vez,
teve o seu embasamento na escola nightingaleana. Em 1923, foi criada no Rio de
Janeiro a Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Sade Pblica, que
em 1926 passa a ser denominada Anna Nery. Foram algumas enfermeiras
americanas, convidadas pelo diretor daquele Departamento, que iniciaram a escola
e estabeleceram um padro para a formao de enfermeiros e, a partir de 1931, o
Decreto 20.109/31 estabelece que todas as escolas de enfermagem que fossem
criadas deveriam seguir o mesmo padro. Somente em 1957 que a profisso de
enfermeiro passa a ser de nvel universitrio51.
O diploma de Enfermeiro expedido de acordo com a lei, em
conformidade com o Art. 5, inciso XIII, da Constituio Federal: livre o exerccio de
qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que a
lei estabelecer, isto , o Enfermeiro tem o seu diploma expedido por uma instituio
de ensino superior devidamente reconhecida pelo Ministrio de Educao. Alm
disso, para o exerccio da profisso necessria a inscrio no Conselho de classe
Conselho Federal de Enfermagem, criado pela Lei 5.905/73 e representado em
todos os estados brasileiros pelos Conselhos Regionais. O Enfermeiro tem, portanto,
qualificaes para exercer a profisso, o que envolve capacidade tcnico-cientfica e
habilidades que lhe permitem cuidar de seu cliente, exercer funes gerenciais, de
ensino e de pesquisa na rea de sade, sendo um trabalhador do conhecimento.
A Enfermagem tem, como profisso, uma grande responsabilidade social,
pois cuida da vida, da doena, da morte e preocupa-se com o meio ambiente,
porque tem relao direta com a sade.
O saber em Enfermagem ganha espao a cada dia, saber esse que deve
ser entendido como trabalho e, muitas vezes, desarticulado entre o saber
50 Idem, p. 4. 51 GEOVANINI et al. Histria da Enfermagem. Rio de Janeiro: Revinter, 2002, p. 34.
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acadmico e aquele que emerge do exerccio da prtica52, dificultado, muitas vezes,
pelo amadorismo gerencial de muitas instituies de sade, principalmente naquelas
onde a hegemonia mdica ainda muito forte.
A Lei 7.498/86 regulamenta a profisso de Enfermagem no Brasil,
estabelecendo trs categorias: auxiliar e tcnico de enfermagem, com nvel mdio
de instruo e o enfermeiro, com instruo superior. Todas as trs categorias tm
atividades especficas, cabendo ao enfermeiro, alm de todas as funes voltadas
para o cuidado, o gerenciamento e orientao dos profissionais de nvel mdio.
A existncia dessas trs categorias concorre para dificultar a distino,
pela sociedade, dos papis exercidos por cada uma delas, pois, em muitas
instituies de sade o enfermeiro ainda continua mais voltado para atividades
administrativas, planejando e coordenando o trabalho da equipe e quem cuida
diretamente do cliente o pessoal de nvel mdio auxiliares e tcnicos de
enfermagem. Essa mesma lei estabelece muito claramente a distino de funes
entre as trs categorias, mas nem sempre o prprio enfermeiro, que o chefe da
equipe de enfermagem, busca cumpri-la, deixando na mo dos profissionais do nvel
mdio as aes de maior complexidade que, legalmente, so suas funes
privativas.
Essa situao decorre de dificuldades enfrentadas pela enfermagem ao
longo de sua trajetria e so inerentes ao seu desenvolvimento53. Embora tenha
amparo legal, nem sempre o enfermeiro atua com autonomia e a prpria sociedade
ainda tem dificuldades em reconhecer o valor e a especificidade do trabalho de
enfermagem e, em especial, o trabalho do enfermeiro. Alm disso, a coeso entre os
membros das trs categorias frgil e tambm os enfermeiros, ao lutarem por seus
direitos sociais, polticos e econmicos se dividem em dois grupos, de acordo com
suas simpatias a dois rgos representativos da classe, o Conselho Federal de
Enfermagem (COFEN) e a Associao Brasileira de Enfermagem (ABEn).
O COFEN, j citado anteriormente, criado em 1973, uma entidade
autnoma, de personalidade jurdica de direito pblico, que recolhe tributos e
controla os que exercem a profisso, estabelecendo leis e fiscalizando o seu
52 SILVA, S. C. A viso da Enfermagem frente a novos paradigmas: reflexo terica. Rev. Nursing, So Paulo, v. 2, n. 13, jun. 1999, p. 17. 53 WALDOW; LOPES; MEYER. Maneiras de cuidar, maneiras de ensinar. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995, p. 32.
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exerccio nas trs categorias. Portanto, para o exerccio da profisso de enfermagem
a inscrio no conselho obrigatria.
J a ABEn uma entidade de carter cientfico-cultural, cuja associao
voluntria, mas que foi a primeira entidade de classe no Pas, criada em 1926.
Tambm tem representao em todos os Estados brasileiros e sua sede nacional
em Braslia.
Faz-se mister acrescentar a essa problemtica a questo de gnero. A
enfermagem uma profisso cujos componentes so, na sua grande maioria, do
sexo feminino e, em pesquisa realizada em 2002 na Universidade de So Paulo
(USP)54, tanto na capital como em Ribeiro Preto, apontou-se, respectivamente, que
96% e 93% dos estudantes de enfermagem so do sexo feminino. Essa situao se
repete no mercado de trabalho, onde o sexo masculino continua como minoria55, o
que transfere, segundo Figueiredo, para a profisso o esteretipo da mulher como
inferior ao homem e, portanto, incapaz de realizar trabalhos que exijam capacidade
intelectual, de tomada de deciso e de julgamento independente56. Por sua vez,
Silva comenta que o trabalho da enfermeira no desprestigiado por ser feminino,
mas feminino por ser desprestigiado57.
Gnero um elemento constitutivo das relaes sociais fundadas sobre
as diferenas percebidas entre os sexos e um primeiro modo de dar significado s
relaes de poder58. Essa relao de poder pode ser percebida na enfermagem no
momento histrico em que se inicia na Inglaterra, acompanhando a consolidao do
sistema capitalista de produo, e vai se encaixar na cadeia hierrquica e no
espao disciplinado do hospital59. O trabalho da enfermeira da poca, considerado
tarefa feminina o cuidar , enquadra-se naqueles de menor prestgio social,
sendo considerado dissociado do saber intelectual, pois envolvia trabalho mais
manual que intelectual.
54 BLAY, E. A. Gnero na Universidade. Rev. Educao em Revista. UNESP. Univ. de Marlia, n.3, 2002, 73-78. Disponvel em: http://www.usp.br/nemge/genero_usp.pdf. 55 FIGUEIREDO, N. M. A. et alli. Enfermagem assistencial no ambiente hospitalar. So Paulo: Atheneu, 2004, p. 30. 56 SILVA, A. L. O saber nightingaleano no cuidado: uma abordagem epistemolgica. In: WALDOW; LOPES; MEYER. Maneiras de cuidar, maneiras de ensinar. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995, p. 41. 57 SILVA, G. B. da. A enfermagem profissional: anlise crtica. So Paulo: Cortez, 1986, p. 27. 58 MEYER. A formao da enfermeira na perspectiva de gnero: uma abordagem scio-histrica. In: WALDOW; LOPES; MEYER. Maneiras de cuidar, maneiras de ensinar. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995, p. 65. 59 GEOVANINI et al. Histria da enfermagem. Rio de Janeiro: Revinter, 2002, p. 27.
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No Brasil, quando a Enfermagem cientfica teve incio com a criao da
Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Sade Pbica em 192360
vivia-se o comeo do sculo XX e ainda havia pouco tempo da libertao dos
escravos. Isto significa que a sociedade brasileira, patriarcal, valorizava o talento,
conferindo prestgio ao indivduo que realizava trabalho mental, mesmo sendo um
simples exerccio da inteligncia, em detrimento daqueles que exerciam atividades
que requeriam algum esforo fsico. O trabalho mental, que no usava as mos e
no cansava o corpo, que era considerado uma ocupao digna61.
Ora, a Enfermagem usava e usa muito as mos, entrando em contato
muito ntimo com as mazelas humanas e, naquele tempo, na escola de enfermagem
no havia a preocupao em desenvolver o pensamento crtico das enfermeiras;
elas eram formadas muito voltadas para o tecnicismo, tornando a enfermagem
daquela poca (e ainda hoje, em alguns aspectos) tarefeira e mecanicista,
separando trabalho manual/trabalho intelectual, mas principalmente, fazendo uma
separao social62. Essa dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual
percebida pela hierarquia existente na equipe de enfermagem, constituda por
profissionais de nvel mdio e superior, o que estimula a alienao do processo de
trabalho como um todo pelos profissionais de nvel mdio63. Assim, o enfermeiro,
muitas vezes, prefere manter a idia de que o trabalho manual deve ficar por conta
do pessoal de nvel mdio e o intelectual que deve ser a sua funo especfica,
sem considerar que, na equipe de enfermagem da atualidade, todos so
profissionais e pensam criticamente. Esse comportamento leva a equipe a no
trabalhar de forma harmoniosa, pois h uma soluo de continuidade entre
concepo e execuo do trabalho e o enfermeiro acaba ficando mais distante do
processo de cuidar porque no se aproxima do seu cliente.
Considerando que o cuidado direto ao cliente a essncia do trabalho do
enfermeiro o COFEN (Conselho Federal de Enfermagem), publicou a Resoluo
COFEN-272/2002, que torna obrigatria a Sistematizao da Assistncia de
Enfermagem, que um processo de cuidar que envolve um mtodo sistemtico e
humanizado, que se baseia em teorias elaboradas por enfermeiras com o objetivo
60 CARVALHO, A. C. Associao Brasileira de Enfermagem. Braslia: ABEn, 1976, p. 7. 61 HOLANDA, S. B. Razes do Brasil. 8ed. Rio de Janeiro: LJO, 1977, p.50 . 62 ALMEIDA; ROCHA (Orgs.) O trabalho na enfermagem. So Paulo: Cortez, 1997, p. 17. 63 ALMEIDA; ROCHA. O saber de enfermagem e sua dimenso prtica. So Paulo: Cortez, 1989, p. 21.
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de dar uma orientao sua prtica, descrevendo, explicando ou prevendo
fenmenos atravs da observao emprica ou da abstrao64.
Sendo assim, o enfermeiro deve cuidar do cliente diretamente, sem,
contudo, deixar de lado as funes administrativas que fazem parte de seu trabalho,
ou seja, deve gerenciar o processo do cuidar. O enfermeiro planeja o cuidado e a
delegao de aes de enfermagem equipe se baseia no critrio de complexidade
de que se reveste o cuidado, segundo as necessidades do cliente.
Para que isso ocorra, o enfermeiro precisa ser competente, no s
tecnicamente, mas tambm deve usar continuamente seu pensamento crtico e ser
politicamente preparado para responder s necessidades da sociedade
contempornea e globalizada65. Isso significa que o enfermeiro no pode mais ter o
comportamento submisso da poca nightingaleana, pois sua interveno de forma
tecnicamente competente e politicamente esclarecida indispensvel na busca de
melhorias nas condies de vida e sade da populao.
O foco tradicional da enfermagem certamente deve evoluir do
assistir/cuidar, administrar, educar e pesquisar para o foco em um processo de ao
e reflexo permanentes, pois o cuidar em enfermagem envolve no somente
aspectos tcnico-cientficos, mas tambm aspectos emocionais66. Nessa situao,
importante considerar o aspecto da ddiva moderna que, de um modo geral, tem um
vnculo especial com a mulher67. O fato da enfermagem ainda ser essencialmente
feminina poderia estar relacionado com a facilidade que a mulher tem de se
comunicar e dirigir suas emoes quando presta os cuidados ao cliente.
2.2 Enfermagem e Hotelaria Hospitalar
A palavra paciente, provm do Latim, patens, ntis, e designa aquele
que suporta, que resiste68; e significa, entre algumas de suas acepes, segundo o
Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa, indivduo doente;indivduo que est sob
64 GEORGE, J. Teorias de enfermagem. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995, p.14. 65 SAUPE, R. Educao em enfermagem. Florianpolis: EDUSC, 1998, p. 24. 66 Idem, 1998, p. 105. 67 GODBOUT, J. T. O esprito da ddiva. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1999, p. 48. 68 HOUAISS, A. Dicionrio da Lngua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
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cuidados mdicos69. J o Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa, aponta, entre
suas acepes, resignado, conformado, que espera serenamente um resultado;
pessoa que padece, doente, o que sofre ou objeto de uma ao70. Assim, o
enfermo deveria ser uma pessoa paciente, obedecendo s ordens mdicas e da
enfermagem sem que tivesse o direito de opinar, principalmente porque os
profissionais de sade muitas vezes pressupem que os seus conhecimentos so
muito especficos e, por isto, desconhecidos por pessoas de fora da rea.
Era assim que o paciente se comportava at bem pouco tempo atrs,
talvez at por falta de conscientizao de que a sade um direito do cidado,
garantido no Brasil pela Constituio Federal de 1988.
A partir da Constituio, outras leis foram promulgadas, garantindo ao
paciente a cidadania, ou seja, os seus direitos, ao invs de apenas deveres, como
antigamente. Hoje j obrigatria a informao compreensvel para o cliente sobre
toda a sua situao de sade, o que significa que as informaes no podem seguir
o modelo unidirecional, com o profissional agindo de maneira paternalista e no da
maneira adequada, bidirecional, ou seja, uma relao emptica e participativa.
So as seguintes as leis referidas: o Cdigo de Defesa do Consumidor, de
1990, o Estatuto da Criana e do Adolescente, tambm de 1990, o Estatuto do
Idoso, de 2003 e, em So Paulo, a Lei dos Direitos dos Usurios dos Servios da
Sade no Estado de So Paulo, de 1999, que estabelecem o direito de identidade e
de deciso do cidado em relao a todas as questes que envolvem a sua sade,
permitindo-lhe a oportunidade de opo de tratamento.
Assim sendo, o paciente torna-se o cliente, conhecedor de seus direitos e
responsabilidades e que vai comprar um produto, ou seja, vai em busca do
tratamento e da assistncia que o hospital ou qualquer outro servio de sade
oferecem.
Qualquer profissional de sade e o enfermeiro em particular, por exercer a
atividade assistencial como sua misso profissional, estabelece com as pessoas
que atende, relaes interpessoais e o desenvolvimento de seu trabalho depende
da qualidade tcnica e da qualidade interacional71. A primeira dessas qualidades
refere-se a conhecimento e habilidades e a segunda, a atitudes.
69 Idem, ibidem. 70 AURLIO. Dicionrio da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 71 MARTINS, M. C. F. N. Humanizao das relaes assistenciais: a formao dos profissionais de sade. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2001, p. 7.
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Sabe-se que h considervel alvio e melhoria das condies do trabalho
assistencial quando o profissional consegue conhecer os motivos do comportamento
do cliente e seus efeitos no seu estado de sade, como angstia, raiva ou
impotncia. O cliente, ao perceber que lhe do ateno e que compreendido e
respeitado pelo enfermeiro e sua equipe, sente-se mais seguro e confiante, o que
diminui as suas queixas.
Para que esse cuidado incondicional ao ser humano72 acontea de forma
a atender as necessidades e desejos do cliente de maneira individualizada, torna-se
imprescindvel que ocorra em um contexto interpessoal, interacional e relacional e
com o consentimento do cliente e do profissional de enfermagem. Nesse contexto,
um dos aspectos mais importantes do contato com o cliente a comunicao73.
Embora a enfermagem ao acolher o cliente no hospital ou em qualquer
organizao de sade, jamais considere apenas sua doena, mas sim o ser humano
na sua totalidade e na sua relao com o ambiente, por falta de comunicao
adequada, acaba cometendo erros ou se afastando, quando deveria fazer
exatamente o contrrio. A relao do que foi dito ou no e do que foi entendido ou
no que pode causar esses transtornos. A prpria doena gera estado de tenso,
o que dificulta a comunicao, mas o enfermeiro no pode permitir que o seu cliente
perca suas marcas sociais e psicolgicas, passando a ser objeto do saber cientfico,
ficando reduzido a uma mquina humana e seus aspectos emocionais, crenas e
valores relegados a segundo plano74. Portanto, o enfermeiro e sua equipe no
podem ter uma viso reducionista e mecanicista do homem e da cincia porque
seno o cuidado torna-se desumanizado, passando a um ato repetidor dos
conhecimentos75, ficando mais parecido com produo em srie.
A dimenso psicolgica, tanto do cliente, como dos profissionais de
enfermagem, deve ser sempre considerada, permitindo o contato com os
sentimentos e reaes entre esses sujeitos, proporcionando a criao de um
ambiente humanizado, propcio ao cuidado e ao aprimoramento das interaes.
fundamental considerar a importncia da liderana de enfermagem em
relao a essa dimenso psicolgica dos profissionais da equipe.
72 FIGUEIREDO et alli. Enfermagem assistencial no ambiente hospitalar. So Paulo: Atheneu, 2004, p. 5. 73 MARTINS, M. C. F. N. Humanizao das relaes assistenciais: a formao dos profissionais de sade. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2001, p.7. 74 Idem, p. 11. 75 Ibidem, p. 11.
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A equipe de enfermagem, composta pelas trs categorias profissionais,
auxiliares e tcnicos de enfermagem e enfermeiros, deve ser chefiada pelo
enfermeiro. Esse cargo de chefia tem amparo na Lei 7.498/86, art. 15: As atividades
referidas nos arts. 12 e 13 desta Lei, quando exercidas em instituies de sade,
pblicas e privadas, e em programas de sade, somente podem ser
desempenhadas sob orientao e superviso de Enfermeiro. Os artigos citados
dizem respeito s funes dos profissionais de nvel mdio e, portanto, ao
enfermeiro outorgada legalmente a funo de chefia da equipe. Cabe ao
enfermeiro transformar a chefia em liderana, indispensvel para o alcance de
resultados, pois no mundo globalizado a competitividade est cada vez mais
acirrada.
A liderana no pode ser entendida como uma qualidade que caracteriza
algum e que pode ser controlada. Qualquer pessoa pode aprender a ser lder,
embora algumas pessoas tenham mais facilidade para liderar do que outras. A
liderana envolve propsito, viso e valores, ou seja, a pessoa que lidera deve saber
qual o seu objetivo, estabelece o caminho a percorrer e se baseia nos seus valores
e crenas para ser bem sucedido. Portanto, a liderana do enfermeiro no pode ser
vista como um cargo, mas sim como a uma maneira de agir e pensar que influencia
os membros de sua equipe em busca dos resultados pr-estabelecidos.
O enfermeiro76, como qualquer pessoa comum, tem o seu potencial de
liderana que carece ser desenvolvido por meio de reforo de atitudes e habilidades
em criar novos lderes, sendo necessrio ter um comprometimento extraordinrio,
criando a partir do futuro e no do passado77, enfim, usar de forma inteligente as
competncias bsicas da liderana emocionalmente inteligente. Alm disso, sendo a
liderana uma responsabilidade compartilhada, todos os membros da equipe podem
exerc-la de acordo com a situao.
O ambiente de trabalho do enfermeiro atualmente exige que seja uma
pessoa participativa, ativa e focada no seu prprio desenvolvimento e no de sua
equipe, sendo sua funo bsica imprimir nos seus liderados um sentimento
positivo. Em sua essncia a misso bsica da liderana de cunho emocional78.
76 BOWER, FAY L. Nurses Taking the Lead. W. B. Saunders Company. USA. 2000, (traduo da autora), p. 1. 77 NEVES, C. Conversas, o segredo da liderana. Rev. T&D, ano IX, 99ed., mar./01, p. 6. 78 GOLEMAN; BOYATZIS; McKEE. O poder da inteligncia emocional; a experincia de liderar com sensibilidade e eficcia. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. xii.
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O enfermeiro que saiba usar a inteligncia emocional relacionada a
emoes poder ter mais facilidade em criar um ambiente propcio s interaes e
ao acolhimento humanizado. Embora a principal preocupao do enfermeiro seja
com a assistncia prestada, tambm faz parte de sua funo buscar proporcionar
condies que tornem o ambiente do cliente seguro e tranqilo, para favorecer a sua
recuperao ou at uma morte com dignidade.
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3 HOSPITALIDADE = HUMANIZAO?
A humanizao se realiza e acontece nas relaes interpessoais79,
significando que no bastam a competncia dos profissionais e a tecnologia, sendo
necessrio que a interao profissional/cliente, ou seja, a atitude do profissional leve
o cliente a perceber que est sendo bem-acolhido. O cliente pode se sentir
confortvel ou desconfortvel, ter uma sensao de bem-estar ou mal-estar, de
aconchego ou de frieza, porque o ambiente fsico nunca neutro ele emite, o
tempo todo, mensagens para o paciente, que podem ser de interesse ou
desinteresse, cuidado ou descuido80, no sendo hospitaleiro em si mesmo.
O acolhimento uma comunicao afetiva e ponto de partida de qualquer
atividade teraputica que implique a relao profissional de sade e cliente; acolher
mobilizar afetos81. Nessas condies, o acolhimento torna-se um desafio, visto
que vai ocorrer entre pessoas que no se conhecem.
O acolhimento no hospital no se realiza em um ambiente domstico, mas
o que se busca que o cliente perceba que est sendo recebido de forma
hospitaleira pelos profissionais daquela organizao.
Esse acolhimento humanizado requer que todos os profissionais estejam
comprometidos com essa idia e desenvolvam sua sensibilidade para conhecer a
realidade do cliente, tentando encontrar junto com ele estratgias que facilitem a
aceitao e compreenso da doena e do ambiente hospitalar. Sabe-se que h
considervel alvio e melhoria das condies do trabalho assistencial quando o
profissional consegue conhecer os motivos do comportamento do cliente e seus
efeitos no seu estado de sade, como angstia, raiva ou impotncia. Muitas queixas
podem ser minimizadas ou resolvidas quando o cliente percebe que lhe do ateno
e que compreendido e respeitado pelo profissional de sade. A falta de
acolhimento ou cuidado humanizado pode levar no adeso ao tratamento.
79 MEZZOMO, A. et alli. Fundamentos da humanizao hospitalar. Uma viso multiprofissional. So Paulo: Loyola, 2003, p. 26. 80 FELDMAN, 2001, p. 74 apud MEZZOMO et alli. Fundamentos da humanizao hospitalar. Uma viso multiprofissional. So Paulo: Loyola, 2003, p. 74. 81 SOBRAL; TAVARES; SILVEIRA. Acolhimento como instrumento teraputico. In: FIGUEIREDO, N. M. A. et alli. Enfermagem assistencial no ambiente hospitalar. So Paulo: Atheneu, 2004, p. 65.
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A atividade assistencial precisa considerar que dirigida a seres humanos
e feita por seres humanos. Por isso fundamental que os profissionais sejam
reconhecidos pela organizao de sade como o fator mais importante na
consecuo do cuidado humanizado. Somente profissionais cuja capacitao seja
permanente, que trabalhem satisfeitos e que tenham condies adequadas de
trabalho podero acolher os clientes de forma humanizada82. A atividade que
exercem pode ser considerada um produto o cuidar, que tangvel, quando
envolve procedimentos tcnicos ou um servio, e que intangvel ao envolver
relacionamentos, ou seja, interao cliente/profissional. Essa interao entre os
profissionais e o cliente que garantir ou no a sua segurana, o conforto
fisiolgico e psquico83.
A humanizao da assistncia no espao hospitalar precisa ter na sua
misso a funo de revelar os valores que constituem o ser humano, como pessoa,
de uma forma abrangente e completa84.
A enfermagem tem como foco o cuidado do cliente, buscando atender
suas necessidades e desejos, numa prtica que deve ser individualizada. Desse
modo, a enfermagem exerce a sua misso, ou seja, a sua razo de ser profissional e
a razo de ser do hospital como instituio que presta servios sociedade.
importante que esse cuidado seja consentido pelo cliente e tambm pelo profissional
de enfermagem85.
Por outro lado, a misso da hotelaria hospitalar proporcionar bem-estar,
conforto e segurana ao cliente, atendendo suas expectativas, necessidades e
desejos, o que pode significar, na maioria das vezes, uma quebra de antigos
paradigmas. A implantao do servio de hotelaria no hospital envolve a
transformao da cultura do hospital, ou seja, das suas normas informais de
conduta86, o que compreende os valores, crenas, hbitos e smbolos, que podem
ser traduzidos, por exemplo, como sendo o hospital um local, branco, triste, limpo e
com comida ruim, onde os profissionais no devem se envolver emocionalmente
com os clientes, evitando assim o desgaste pessoal e emocional. 82 MARTINS, M. C. F. N. Humanizao das relaes assistenciais: a formao dos profissionais de sade. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2001, p. 10. 83 GRINOVER, L. Hospitalidade, um tema a ser reestudado e pesquisado. In: DIAS, C. M. (Org). Hospitalidade: reflexes e perspectivas. So Paulo: Manole, 2002, p. 25-37. 84 MEZZOMO et alli. Fundamentos da humanizao hospitalar. Uma viso multiprofissional. So Paulo: Loyola, 2003, p.33 85 FIGUEIREDO, N. M. A. et alli. Enfermagem assistencial no ambiente hospitalar. So Paulo: Atheneu, 2004, p. 27 . 86 MAXIMIANO, A. C. A. Introduo Administrao. So Paulo: Atlas, 2000. p. 106.
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A hotelaria deve trazer cor, iluminao, tranqilidade, refeies saborosas
e saudveis e vrios servios de hotel, que proporcionem ao cliente uma
recuperao menos desgastante e traumatizante87.
A enfermagem e o servio de hospedagem esto presentes 24 horas no
hospital, interagindo com o paciente e sua famlia continuamente, cada um deles
focando um aspecto do acolhimento. A enfermagem cuida das necessidades de
sade, buscando proporcionar um ambiente teraputico e humanizado, que
contribua para minimizar a frieza e agressividade prprias dessa instituio de
sade.
J a hotelaria se preocupa com o bem-estar e em proporcionar um
ambiente alegre, agradvel, seguro, que leve o cliente a se sentir em casa,
resgatando a sua dignidade88. Contudo, ambos os servios precisam tambm
atender aos desejos do cliente e, portanto, ambos apresentam alguns objetivos em
comum, em ser hospitaleiros.
As necessidades so voltadas para garantir a sobrevivncia biolgica do
cliente e os desejos so impulsos que estimulam o indivduo para a vida, para
superar problemas e adquirir coisas89 e por isso devem ser satisfeitos, pois ningum
mais que o cliente hospitalizado precisa receber estmulos positivos que facilitem a
sua recuperao.
Assim sendo, a interao entre esses dois servios pode contribuir para
humanizar a assistncia prestada ao cliente e, na ausncia de sua recuperao,
proporcionar condies para uma morte digna. Para que isto ocorra, necessrio
uma interao entre enfermagem e o servio de hotelaria hospitalar, cada um
buscando proporcionar um atendimento hospitaleiro e humano na assistncia
prestada. No caso da enfermagem, trata-se de proporcionar o cuidado direto ao
cliente, ajudando na sua recuperao ou contribuindo para o processo de morrer de
maneira digna, e no caso da hotelaria, proporcionar condies de segurana e
conforto ou apoiando e orientando a famlia nas providncias cabveis na situao
de morte. Ambos os servios se completam e exercem a hospitalidade, ou seja,
prestam um cuidado humanizado.
87 GODOI, F. A. Hotelaria hospitalar e humanizao no atendimento em hospitais. So Paulo: cone, 2004, 2003. p. 42. 88 Idem, p. 43. 89 FIGUEIREDO, N. M. A. Fundamentos, conceitos, situaes e exerccios. So Paulo: Difuso, 2003. p. 116.
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A comunicao entre o cliente e os profissionais de enfermagem e
hotelaria hospitalar fator primordial na humanizao da assistncia prestada,
resultando da a maneira como o relacionamento vai transcorrer. Cada cliente um
indivduo diferente e singular e assim o tambm o profissional que o acolhe e, ao
se comunicarem, podem ou no estabelecer um relacionamento humanizado.
Portanto, a comunicao estabelece o modo de relao entre as pessoas, o que
envolve o verbal, ou seja, o que se fala, e o no-verbal. Este ltimo aspecto, nem
sempre considerado, crucial na comunicao, pois o corpo fala e pode ou no
confirmar o que est sendo dito verbalmente. Entretanto, a questo da comunicao
no objeto de aprofundamento desta pesquisa.
Tamanha a importncia da comunicao na humanizao da assistncia
que o Ministrio da Sade, em 2000, publicou o Manual de Humanizao90 e
conceituou o ato de humanizar da seguinte maneira:
Humanizar garantir palavra a sua dignidade tica. Ou seja, para que o sofrimento humano, as percepes de dor ou de prazer sejam humanizados, preciso que as palavras que o sujeito expressa sejam reconhecidas pelo outro. preciso, ainda, que esse sujeito oua do outro palavras de seu reconhecimento. pela linguagem que fazemos as descobertas de meios pessoais de comunicao com o outro. Sem isso, nos desumanizamos reciprocamente. Em resumo: sem comunicao, no h humanizao. A humanizao depende de nossa capacidade de falar e de ouvir, depende do dilogo com nossos semelhantes.
Assim sendo, a humanizao envolve a busca de compreenso entre
o cliente e o profissional que procura ouvi-lo e entender as suas necessidades e, nessa interao, h um modo privilegiado de encontro interpessoal marcado pela atitude de acolhimento em relao ao outro91, que um dos interessantes pontos de vista sobre hospitalidade, considerando-a como um dos traos da subjetividade humana92 quando representa a disponibilidade em acolher de forma consciente a realidade percebida. Essa abertura para a realidade feita de maneira consciente representa uma forma de acolhimento dessa mesma realidade, podendo significar que acolher, humanizar e ser hospitaleiro ao assistir a um cliente hospitalizado sejam sinnimos.
90 BRASIL. Manual de humanizao. Braslia, Ministrio da Sade, 2000, p. 3. 91 BAPTISTA, I. Lugares de hospitalidade. In: GRINOVER, L. Hospitalidade, um tema a ser reestudado e pesquisado. In: DIAS, C. M. (Org). Hospitalidade: reflexes e perspectivas. So Paulo: Manole, 2002, p. 157-164. 92 Idem, p. 158.
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A hospitalidade um fenmeno social envolvendo os relacionamentos
entre as pessoas; a humanizao envolve esses mesmos relacionamentos,
buscando de maneira mais explcita as diversas formas de comunicao nesses
relacionamentos. Na rea de sade, reveste-se de fundamental importncia porque
o indivduo que se hospitaliza fica fora de seu contexto sociocultural93, sendo
importante que o ambiente hospitalar propicie condies para a sua agregao.
Alm disso, como todo ser humano, tem as suas necessidades humanas bsicas a
serem atendidas, sendo a maioria delas ligadas sua sobrevivncia94. Tambm os
desejos sentidos pelo indivduo, que so os impulsos que lhe estimulam para a
vida, para superar os problemas95 precisam ser considerados, o que s ocorre se
houver acolhimento e comunicao entre ele e os profissionais que o atendem.
A hospitalidade pode, nesse contexto, ser considerada como a maneira de
acolher o cliente, significando um cuidado humanizado para faz-lo sentir-se bem-
vindo, confortvel, seguro e tendo suas necessidades e, sempre que possvel, os
seus desejos, satisfeitos. Esta definio de hospitalidade orientou a pesquisa na
busca de respostas s questes que dizem respeito ao conceito definido96 .
Portanto, pode-se inferir que humanizao e hospitalidade so
considerados sinnimos no ambiente da sade.
3.1 O acolhimento e o ambiente do cliente no hospital
O hospital um dos mundos do trabalho da rea da sade97. nesse
espao que a enfermagem presta assistncia ao cliente, ao lado de todos os outros
profissionais da sade, ficando assim estabelecido o ambiente do cuidado.
tambm nesse ambiente que o cliente e sua famlia permanecem, enquanto buscam
soluo para o seu problema de sade.
93 MOREIRA; NASCIMENTO; FIGUEIREDO. A morte como interesse individual e de sade pblica. In: FIGUEIREDO, N. Ensinando a cuidar em sade pblica. So Paulo: Difuso, 2003, p. 489-499. 94 FIGUEIREDO, N. et al. O ambiente do cliente: atendendo necessidades e desejos. In: FIGUEIREDO, N. Fundamentos, conceitos, situaes e exerccios. So Paulo: Difuso, 2003, p. 107-126. 95 Idem, ibidem. 96 DENCKER, A.; DE VI, S. C. Pesquisa emprica em cincias humanas. 2ed. So Paulo: Futura, 2001. p. 76. 97 FIGUEIREDO et alli. Enfermagem assistencial no ambiente hospitalar. So Paulo: Atheneu, 2004, p. 5.
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Pode-se definir ambiente do cuidado como o local onde ocorrem as trocas
entre enfermagem, cliente e demais integrantes da equipe de sade e onde se cria
um sistema de relaes, tanto internas, como externas, ou seja, com os
clientes/pacientes (clientes externos), colaboradores (clientes internos),
fornecedores e visitantes98.
A enfermagem deve transformar esse ambiente, dentro do espao
hospitalar, em um ambiente teraputico, que facilite a recuperao do cliente. Por
isso, no pode ser limitado como antigamente, pois o cliente vive no mundo que
um grande sistema aberto, onde faz trocas e relaciona-se com os outros.
Para criar esse ambiente agradvel, que mais se assemelhe casa do
cliente, torna-se necessrio investigar os seus hbitos e estilos. Alm disso,
funo do enfermeiro fazer o diagnstico das necessidades e desejos do cliente, de
modo a ultrapassar as dimenses biolgicas e faz-lo sentir-se acolhido, pois seu
habitat natural sua casa, seu ambiente de trabalho, so abandonados quando
admitido no hospital. cada vez mais importante que o cliente seja tratado como um
hspede e o hospital moderno deve funcionar como um hotel, onde toda a sua
estrutura colocada disposio do cliente. Enfim, o ambiente do cliente no hospital
precisa ter uma identidade que se relacione com ele. O hospital no pode ser mais
como antigamente hostil, branco, silencioso e lembrando todo o tempo que
lugar de sofrimento. O cliente da atualidade no mais paciente e acaba inclusive
exigindo que o hospital seja um lugar onde se sinta confortvel, seguro e bem vindo,
mesmo que no esteja ali por sua vontade.
A enfermagem se preocupa com o bem-estar, conforto e segurana do
cliente e ao escut-lo de forma sensvel, solidria, aconchegante, cuidadora e
confortvel99, demonstra a responsabilidade e preocupao em acolh-lo.
O acolhimento uma comunicao afetiva e ponto de partida de qualquer
atividade teraputica que implique na relao profissional de sade e cliente.
Acolher mobilizar afetos100. Essa mobilizao de afetos envolve um desafio,
porque se d entre pessoas singulares profissional e cliente, ambos diferentes
como indivduos, mas iguais como seres humanos.
98 FIGUEIREDO, N. M. A. Fundamentos, conceitos, situaes e exerccios. So Paulo: Difuso, 2003, p. 111. 99 FIGUEIREDO, N. M. A. Fundamentos, conceitos, situaes e exerccios. So Paulo: Difuso, 2003, p. 6. 100 SOBRAL; TAVARES; SILVEIRA. Acolhimento como instrumento teraputico. In: FIGUEIREDO et alli. Enfermagem assistencial no ambiente hospitalar. So Paulo: Atheneu, 2004. p. 65.
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uma necessidade social bsica de toda pessoa estar com outra, pois
ningum vive s. Qualquer ser humano, e o cliente de sade em particular,
necessita sentir-se acolhido, reconhecido, amparado, ouvido, sentido, solidarizado;
isto uma exigncia gregria e de comunicao do ser humano, o que refora o que
j foi dito anteriormente, ou seja, que a comunicao fundamental no acolhimento.
O ponto de partida no acolhimento fora do ambiente de trabalho uma
relao afetiva e no ambiente de trabalho de enfermagem acolhe-se ou no, cuida-
se ou no de quem no se conhece, mas o princpio de solidariedade e da
mobilizao de afetos est presente101.
O acolhimento perpassa pelas diferenas de singularidades entre as
pessoas que so acolhidas e as que as acolhem e envolve laos sociais e
institucionais102. Os afetos se constroem a partir das necessidades entre os sujeitos
e decorrem, na maior parte das vezes, da maneira de cuidar.
A preocupao da enfermagem com o ambiente comeou com Florence
Nightingale, que acreditava que o ambiente que restaura a sade o que oferece
melhor condio para que a natureza exera sua cura, auxiliada pelo profissional de
enfermagem. Embora no tivesse escrito sobre a importncia de acolher e interagir
com o cliente, no seu livro Notas sobre Enfermagem ela incisiva ao afirmar que
propiciar o arejamento do ambiente, o aquecimento e a limpeza103 so cuidados
indispensveis para facilitar a cura.
O papel do enfermeiro no espao sade/doena pode ser mais ou menos
teraputico e isto depender do seu sentimento de responsabilidade em relao ao
processo de cuidar. Nesse processo, o ser humano deve ser considerado em todas
as suas dimenses, ou seja, a atitude do cuidado tem abrangncia material, pessoal,
social, ecolgica e espiritual104 e o cliente assim considerado no visto como um
nmero ou uma doena, como muitas vezes ainda ocorre.
O cliente que est hospitalizado busca satisfazer desejos e aspiraes
que nem pensava quando na sua rotina diria. O medo da dor, dos procedimentos
que decorrem do uso da tecnologia, a incerteza sobre o seu estado, tudo leva o
cliente a requerer um ambiente acolhedor e humanizado. Nessa situao, o que vai
fazer a diferena so os profissionais de enfermagem, os tradicionais responsveis
101 Idem, p. 66. 102 Ibidem, p. 66. 103 NIGHTINGALE, Florence. Notas sobre Enfermagem. So Paulo: Cortez, 1989. p. 15. 104 BOFF, L. Saber cuidar. Petrpolis, RJ: Vozes, 1999, p. 34.
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pelo acolhimento do cliente. Pelo fato de permanecer no hospital as 24 horas do dia
e ter uma interao muito prxima e freqente, esses profissionais so os que mais
fortemente precisam demonstrar a sua satisfao, no com a doena, mas com a
presena do cliente que requer cuidados.
A humanizao do cuidado se realiza e acontece nas relaes
interpessoais105 e envolvem trs nveis de atitudes, cujo primeiro tem que ver com
simpatia, bem-querer e o amor. O segundo nvel diz respeito apatia e indiferena e
o terceiro, antipatia e rejeio. Pode-se inferir que o acolhimento como forma de
receber bem o cliente s ocorre quando feito de maneira humanizada. O cliente,
ao perceber a qualidade humana que perpassa seu cuidado, sente-se bem e esse
sentimento auxilia no seu restabelecimento. O mesmo autor ainda comenta que
humanizar assegurar e garantir o respeito tica nas relaes interpessoais106.
O profissional de sade no se preocupa em apenas no prejudicar o seu cliente;
mandatrio que agrade ao seu cliente, correspondendo s suas expectativas, o que
vai alm de atender s suas necessidades.
Considerando toda essa preocupao do enfermeiro e sua equipe com o
cuidado de seu cliente e reconhecendo a importncia exercida pelo ambiente na
recuperao do cliente, os hospitais foram alvo de mais exigncias desse mesmo
cliente e tambm das fontes pagadoras, ou seja, os chamados convnios de sade,
representados por seguradoras e empresas especializadas em medicina de grupo.
Por isso, partiram em busca de um diferencial competitivo e passaram a dar mais
ateno estrutura fsica do hospital, considerando-o como um meio de
hospedagem, pois o cliente do hospital no deixa de ser um hspede, embora muito
especfico, pois vem em busca de soluo para o seu problema de sade,
permanecendo fora do seu domiclio, como qualquer hspede de hotel.
Esse novo conceito envolve uma mudana de paradigma nos hospitais,
especialmente no que diz respeito sua cultura organizacional, pois, embora o foco
seja o cliente externo, preciso tambm considerar os clientes internos, ou seja, os
profissionais, como os responsveis pelo atendimento hospitaleiro.
Sabe-se que somente pessoas satisfeitas com o que fazem que
conseguem acolher o cliente de forma humanizada e hospitaleira. Esta situao s
105 MEZZOMO et alli. Fundamentos da humanizao hospitalar. Uma viso multiprofissional. So Paulo: Mezzomo, 2003, p. 26. 106 Idem, p. 39.
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ser possvel se houver um processo contnuo e persistente de educao, para
facilitar a aquisio de novos conhecimentos e conceitos107.
O hospital, em busca desse novo conceito, encontra no hotel um modelo
semelhante de hospedagem, embora com objetivos diferentes, e estabelece na sua
estrutura organizacional a hotelaria hospitalar.
3.2 A Hotelaria hospitalar e hospitalidade
A misso do hospital difere da misso do hotel convencional108, pois os
clientes que buscam estes locais de hospedagem tm objetivos completamente
diferentes. Os que buscam o hospital no o fazem por vontade prpria, mas por
questes de sade, enquanto aqueles que procuram um hotel, o fazem por
motivaes diversas, tais como viagens de negcio, turismo, lazer e outros. Por sua
vez, o produto que o cliente do hospital procura a assistncia sua sade, que
deve ser fornecida por profissionais especficos da rea, tanto em hospitais pblicos,
particulares ou filantrpicos.
O hospital procura oferecer ao cliente uma excelncia cientfica associada
tecnologia de ponta. Nesse aspecto, os valores so conhecimento cientfico e
eficincia tcnica, o que torna o alvo do profissional de sade focado na doena e na
cura e no na pessoa109. Ao mesmo tempo, o hospital da atualidade precisa
funcionar como uma empresa para se manter no mercado. Mesmo quando pblico
ou filantrpico, para oferecer ao cliente um atendimento digno, o hospital precisa ter
recursos financeiros que possibilitem a presena de profissionais competentes e
comprometidos, ao lado de uma tecnologia de ponta.
O hospital pode ser considerado um dos mais complexos
empreendimentos humanos, onde atividades industriais misturam-se cincia e
tecnologia, o que exige a participao de profissionais das mais diversas reas,
abrangendo um sem-nmero de especializaes para atender os seus clientes.
Talvez por suas origens, o foco de muitos hospitais ainda a doena e no a sade
107 MEZZOMO et alli. Fundamentos da humanizao hospitalar. Uma viso multiprofissional. Local: Editora, 2003. p. 25. 108 GODOI, A. F. Hotelaria hospitalar e humanizao no atendimento em hospitais. So Paulo: cone, 2004, p. 42. 109 PESSINI, L; BERTACHINI, L. Humanizao e cuidados paliativos. So Paulo: Loyola, 2004, 6.
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do cliente. Essa mudana de foco requer uma quebra de paradigmas sedimentados
por muito tempo, conseqncia de antigas polticas de sade do Pas. Isto significa
uma mudana na cultura da organizao hospitalar, que, por ser formada a partir de
polticas organizacionais, valores, crenas e normas de conduta, requerem tempo
para ocorrer110.
A implantao de uma filosofia hoteleira pode ser um grande diferencial
competitivo para os hospitais privados. Quanto ao hospital pblico, embora no seja
alvo desta pesquisa, acredita-se que a implantao de uma filosofia de hotelaria em
seus servios de sade contribuiria para humanizar o ambiente e o atendimento do
cliente do Sistema nico de Sade (SUS), criado pela Lei 8.080/90. Essa Lei
preconiza um atendimento sade universalizado, igualitrio e equnime para todos
os cidados brasileiros111. Na prtica, ainda h muito a ser feito para o seu
cumprimento.
O atendimento pelo servio pblico, no sendo pago diretamente pelo
usurio, poderia ser visto como uma ddiva, mas, na realidade, a interveno do
Estado propicia uma desconstruo social dessa ddiva por terminar se inserindo
uma equivalncia monetria112 e, assim, no serve para estimular o altrusmo de
quem faz o atendimento nesses servios.
A forma de implantao da hotelaria hospitalar varia de acordo com a
filosofia, misso e objetivos