costa+andrade a+dignidade+penal

36
7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 1/36 I V L V D 1/-V 1 a DE CIÊNCIA CRIMINAI. ANO 2 » 2 > Abril-Junho 1992 * DIRÊCTOR: JORGE DE FIGUEIREDO DIAS AEQUITAS EDITORIAL NOTÍCIAS

Upload: antonio-goya-martins-costa

Post on 14-Apr-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 1/36

I V L V D 1 / - V 1

a DE

C I Ê N C I A C R I M I N A I .AN O 2 » 2 > Ab ril-J unh o 1992 * DIRÊCTOR: JOR GE DE FIGUE IREDO DIAS

A E Q U I T A S

E D I T O R I A L N O T Í C IA S

Page 2: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 2/36

AN O 2 • Fase. 2 • Abri l / Maio / Junho 1992T r i m e s t r a l

Directo rJ orge de F igue i redo Dias

P r o f e s s o r C iU e d r á i ic o d a F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a

Co nse lho reda cto r la l

J orge de F igue i redo Dias , J os é de Fa r i a Cos ia , J os é Manue l Mei r ím, J os é Narc i s o Cunha Rodr igues , J os éSous a e Br i to , Manue l Antônio Lopes Rocha , Manue l Cor t e s Ros a , Manue l Cos ta Andrade , Már io deArnújo Torres .Secretá r io de reda cçã oJ os é Manue l Mei r im

Co la bo ra do res perma nentesNacionais

Amér ico Ta ipa de Carva lho , Anabe la Mi randa Rodr igues , Antônio Almeida Cos ta , Antônio Cas t anhe i raNeves , Antônio Henr iques Gas pa r , Armando Leandro , Boaventura Sous a Santos , Conce ição Va ldágua ,Damião Cunha , E l i ana Gers ão , Fe rnanda Pa lma , Fe rnando Fe r re i ra Ramos , Fe rnando Ol ive i ra Sá , F rede -r i co Cos ta P in to , F rede r i co I sas ca , Gonça lves da Cos ta , J oão Cas t ro e Sous a , J or ge Ribe i ro de Fa r i a , J os éAntônio Bar re i ros , J os é Garc i a Marques , J os é J oaquim Gomes Canol i tho , J os é Muns o-Pre to , J os é Mené-res P imente l , J os é Sa ldanha Sanches , J os é Souto de Moura , Manue l Maia Gonça lves , Manue l S imasSantos , Mar i a Ros a Crucho de Almeida , Mar i a J oão Antunes , Mar i a Leonor As s unção, Marques Fe r re i ra ,Már io Paulo Tenre i ro , Migue l Pedros a Machad o, Mi randa Pe re i ra , Nuno Sá Gom es , Ode te O l ive i ra , PauloSous a Mendes , Raul Soa res da Ve iga , Roba lo Corde i ro , Rodr igo Sant i ago , Rui Pe re i ra , Te res a AlvesMar t ins , Te res a Be leza , Te res a Se r ra .

EstrangeirosAlbin Es e r (F re iburg i . Br . , A lemanha) , Claus Roxin (Munique , A lemanha) , Cons tant in Vouyoucas (Tes -s a lonica , Gréc i a ) , D iego-Manue l Luzon Pe f í a (A lca l á de Henares , Es panha) , Emí l io Dolc in i (Mi lão ,I t á l ia ) , Fe r rando Mantovan i (F i renza , I t á l i a ) , F rances co Pa lazzo (F i renza , I t á l i a ) , F ranc i s co Muí íoz Con de(Sevi lha , Es panha) , G iorg io Mar inucc i (Mi lão , I t á l i a ) , G i in t e r Ka i s e r (F re iburg i . Br . , A lemanha) , HansHe inr i ch J es check (F re iburg i . Br ., A lemanh a) , J ean P rade l (Poi t ie r s , F rança ) , J os é Cere zo Mt r (Sa ragoça ,Es panha) , Kar l He inz Gos s e l (Er l angen, A lemanha) , Mar ino Barbe ro Santos (Madr id , Es panha) , Mar ioChiava r io (Tor ino , I t á l i a ) , Mar io Romano (Mi lSo, I t á l i a ) , Mi re i l l e De lmas -Mat ty (Pa r i s , F rança ) , Pe t e rHüner fe ld (F re iburg i . Br„ Alema nha) , Pe t e r J . P . Tak (Ni jmegen, Holan da) , P i e r re -Henr i Bol l e (Neuchâ-tel , Suíça), Raul Zafaronni (São José da Cosia Rica), Si lvia Larizza (Pavia, Itál ia), Stefan Trechsel (St .Galten, Suíça).

Reserva de todos os direitos de acordo com a lei .As o p in iõ es ex pressa s no s a rt ig o s respo nsa bi l i za m a pena s o s a uto res .

Edi to resAequítas e Editorial NotíciasRua da Cruz da Car re i ra , 4-B — 1100 Li s boa

Pro prieda deAequi t a s Edi tora , Lda .

I S S N : 0 8 7 1 - 8 5 6 3Depós i to l ega l : 57 081/92T i r a g e m : 2 0 0 0 e x e m p l a r e s

Fo to co mpo s içã o e fo to l i to : Mul t i t i po , Ar t e s Grá f i cas , Lda .Impressã o e a ca ba mento : Rolo & F i lhos — Ar tes Grá f i cas , Lda .

Page 3: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 3/36

S U M Á R I O

D O U T R I N A

A «dignidade penal» e a «carência de tutela penal»como referência de uma doutrina teleológico-racional do crime 17 3Manuel da Costa Andrade

Defesa social, protecção do ambiente e direitos fundamentais 2 0 9C o n s t a n l in Vo u y o u c a s

Instituições para jovens delinqüentes no Québec, Canadá 2 2 9Cândido Mendes Mart ins da Agra

J U R I S P R U D Ê N C I A C R Í T I C A

Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do H omem.

Duração do processo (artigo 6.", n." I). Caso Clerc (contra a França).Sentença de 26 de Abril de 1990 2 5 1Ste f a n T r e c h se l

Processo de transgressão — Processo sumaríssimo — Deprecada para inquiri-ção de testemunha — Recusa de cumprimento — Conflito de entendimentoe decisão — Resolução pelo Supremo Tribunal de Justiça 2 5 3Anotação de Manuel Simas Santos

C R Í T I C A D E L I V R O S

«Do vivo e do morto na obra de Armin Kaufmann» 2 6 9Comentário do Prof . Dr . Francisco Muf ioz Conde

«Précis de pénologie et de droit des sanctions pén ales. La mesure de la peine»,Georges Kellens 2 8 1Anabela Miranda Rodrigues

1 6 9

Page 4: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 4/36

A « D I G N I D A D E P E N A L » E A « C A R Ê N C I A D E T U T E L AP E N A L » C O M O R E F E R Ê N C I A S D E U M A D O U T R I N A

T E L E O L Ó G I C O - R A C I O N A L D O C R I M E *

Manuel da Cos ta AndradeProfessõr~3ã"Fãcul3ade de Direitoda Universidade de Coimbra

I

1. Seria ocioso enfatizar as dif iculdades específicas oferecidaspelo segundo tema do colóquio, relativo à projecção das categorias edos «princípios» da dignidade penal e da carência de tutela penalsobre uma compreensão teleológico-racional do cr ime. Dif icu ldadesque f icam sobretudo a dever-se à novidade das duas áreas problemá-

ticas co-envolvidas e cujas conexões cabe pôr a descoberto. Em causaes tão , com efe i to , ma ^r i as nnde a inda não abundam os dados re la t iva-_mente consensuais e de alguma forma já estabilizados entre os autores .

a) É ass im, em pr imeiro lugar , com o chamado racianalismo=te~~leolósico-funcional (Zweckrationalismus), apostado em «restabelecera^conexão directà entre as pedras do s is tema penal e a respectiva

* Com unicação apresentada no Colóq uio Internacional «Para um Sistema deDireito Penal Europeu» (Tema II: «O Papel da Dignidade Penal e da Necessidadede Pena no Sistema do Direito Penal»), que teve lugar na Faculdade de Direito daUniversidade de Coimbra, em Maio de 1991, por ocasião da outorga do grau

de doutor honoris causa ao Prof. Dr. Claus Roxin. Sobre ele cf. PEDRO CAEIRO,RPCC 1 (1991), P. 629.

R P C C 2 ( J 9 9 2 ) 1 7 3

Page 5: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 5/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

função» (Schünemann) ' . Ou, na conhecida formulação de Roxin ,reconciliar a dogmática com a polít ica criminal, fazendo «penetrar asdecisões de vaior polít ico-crii i i inal no s is tema de direito penal» 2.

Tudo permite antecipar que esta impostação virá a influenciar eco-determinar decis ivamente o fu turo (mais próximo) da dogmát icapenal . E , mesmo, a inaugurar uma nova e tapa a acrescentar às grandesépocas conhecidas pela trajectória da nossa ciência a partir do natura-lismo positivis ta de Liszt/Beling. Talvez, por isso* não se reclamemdons profé t icos para acredi tar com Lackner que «qualquer j ro jec to de-

s i st e m a j u rí d i c o- p e n a l s ó p o d ^ j i s p i r a i ^que se esTi l i t i i ra i^m-ter fnõrTeleQlógicos e . por js so . or ien tar as suas^deci sões_para a função do j J i r e j to penal na^ oc i^ ã ^ ê^ õd ê rn ã^ rS ê i r í s r , *

contudo, apressado pretender colher já, OTIO frutos"ãmãcíurecidos,todas as promessas que o pensamento teleoiógico-racional traz con-sigo. Não se descortina ainda o que pode ser , na plenitude das suasimplicações dogmáticas e prático-jurídicas , um sis tema teleológico--racional da infracção penal. Mesmo as soluções alcançadas nos do-mínios f ragmentár ios mais ins is ten temente e laborados pelos seusadeptos persis tem como motivo de controvérsias . O que, de resto, secompreende tendo em conta a rea l is ta adver tência dê Schünemann:«O pensamento penal te leo lógico funcional não impõe de forma axio-mát ica um determinado cânone de enunciados de teor s is temát ico ecom um dado conteúdo, an tes def ine um método de cons trução dos is tema e de obtenção de conhecimentos com conteúdo». O que tornanecessário um «período prévio de controvérsias e debates» 4 .

1 SCHÜNEMANN, «Einführ ung in das s trafr e c htl i c he Sys te mde n ke n», Grundfra-gen des modernen Strafrechtssystems, Berlim, Walter de Gruyter , 1984, p. 18.

2 ROXIN, Política criminal y sistema dei derecho penal, Bar c e lona, Bosc h,1972, p. 33.

3 LACKNER, «Rezension», JZ , 1978, p. 211. Para uma primeira caracterizaçãodo pensamento e do s istema te leológico-raciona), c f . SCHÜNEMANN, como na nota 1,pp. 45 e segs.; FIGUEIREDO DIAS, «Sobre o estado actual da doutrina do crime»,RPCC, 1991, pp. li e segs.; ROXIN, Strafrecht. Allgemeiner Teil ( e m publ ic aç ão) ,§ 7, Rn . 5 0 e se gs .; COSTA ANDRADE, Cbnsentimen to e Acordo em Direito Penal,

Coimbra, Coimbra Editora, 1990, pp. 21 e segs.; BAURMANN, Zweckrationalitàt undStrafrecht, Opladen, Westdeutscher Verlag, 1987, pp. 25 e segs . e passim; BURK-H ART, «Da s Zwe c km om e nt im Sc h uldbe gr i f f» , CA , 197 6, pp . 321 e s e gs .

4 SCHÜNEMANN, como na nota 1, p. 5 5.

1 7 4 RPCC 2 (1992)

Page 6: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 6/36

Page 7: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 7/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

Reportando-nos directamente à l i teratura alemã, quais de entreexpressões mais correntes — Strajwürdigkeit, Strafbedürftigkeit,

rafe-Verdienen, Strafbedürfnis — revelam a consis tência conceituaia operatividade teórico-dogmática bastantes para justif icar a sua au-

tonomização ca tegor ia l? E a complexidade aumentará se jun tarmosexpressões como Prãventionserfordernis ou Pràventionsbedürfnis,freqüentes nos textos de Roxin. Não faltam vozes a reconduzir as s i-gnificações desta plétora de termos a uma síntese de sentido, a verternuma única ca tegor ia . Como o sugere Sax , com o concei to uni tár io esuperior de Strajwürdigkeit, em que seria possível referenciar anali-

t icamente uma d imensão de Strafe-Verdienen a par de outra de Straf-bedürftigkeit*. Em sent ido convergente , def ine Gal las como strafwür-dig «aquele comportamento antissocial, tão perigoso e reprovável e tãoin to lerável com o exemplo , qu e para de fesa da sociedade aparece com onecessár ia e a jus tada uma reacção como a pena, o meio mais drás t icode coerção estadual e a expressão mais forte da censura social» 9.

Supos ta a poss ib i l idade e a conveniência de uma ar rumação b ipo-larizada, assente na contraposição entre dignidade penal e carência detutela penal, com o o sugere o tema propos to à nossa d iscussão , m esmoassim sobra todo um conjunto de interrogações e de motivos de diver-gência . Que con tendem tan to com a sua es t ru tura semânt ica , den s idadenormat iva , inserção na topograf ia t rad ic ional do s is tema penal , refe-rentes dos respectivos juízos e relações de implicação. Deve, por.

exem plo, sustentar-se, em term os de .caracterização esgotan te e de„exclusão rec íproca , que o ju ízo de d ignidade penal se conforma a uma<Wertrationalitàt enquanto a carência de tu te la penal obedece a umaZweckrationalitàt?1 Por outro lado , deve acompanhar-se Günther

8 Como na nota 7 (1959), pp. 923 e segs. v j q I W S J L G ^ O -*9 Como na nota 7, p. 14.10 Sobre a contraposição entre uma Wertrationalitàt e uma Zweckrationalitàt

— que remonta a MAX WEBER, máxime às suas obras Wirtschaft und Gesellschaft eRechtssoziologie — , CASTANHEIRA NEVES, O Actual Problema Metodológico daRealização do Direito, Coimbra, 1990, pp. 9 e seg. Sobre a contraposição, no contex-to de uma distinção conceituai e dogmática entre a dignidade penal e a carência detutela penal, cf., por todos, OTTO, «Strafwürdigkeit und Strafbedürftikeit ais ei-genstãndige Del iktskategorien?», Schoroder-GS, Munique, Beck, 1978, p. 57; «Kon-zeption und Grundsãtze des Wirtschaftsstrafrechts (einschl iessl ich Verbrau-cherschutz), ZStW, 1984, pp. 346 e segs.; AJLWART, Strafwiirdiges Versuchen. Eine

1 7 6 RPCC 2 (1992)

Page 8: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 8/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

quando sustenta r n P ^ r^ ^ de r^ te^ a_d ígn ldadáLpenaLcomo- -gx^ . .pressão jurídico-penalmente cunhada do principio de proporcionali-^dade» ou, an t p s , Snhiinp.pnann, que leva a.propordSnaíklade à conta deuma das d imensões específ icas da . carência de/tutela penal?11 Noutradirecção: terá sentido reportar a dignidade pegai ao facto e a carênciade tutela penal ao agente?' 2 Deverá, com Wolter . perspectivar-se a dl^gnidade penal como correspondente ao il ícito e à culpa e a carência detutela penal como um tópico próprio da Sanktionsnorm? 13 Por ú l t imo,em que medida deverá af i rmar-se uma re lação de impl icaçãorecíproca , no sent ido de que «não é poss ível fundamentar a d ignidade,

penal sem uma necessidade da^pena^-e^portanto. sem uma.carência detu te la penal» (Jakohs l? i 4 .c) O tema em deba te convid a-nos, e m síntese,_a_lançar pontes en tre

duas m argens móv eis e instáveis : o s is tema fu ncio nal, por um lado, e_o pensam ento da dignicíade !penaLe..da..carência^de tutela.pe nal.-po r,outro. Trata-se, assim, de uma problemática que releva daquela «duplacontingência» de s is temas interpenetrados de que falam Parsons ouLuhmann 1 5. O que multiplica as dif iculdades de progressão e tornainescapavelmente provisórias as propostas alcançadas. Emprestando--íhes o estigma de saber penúltimo, afinal de contas a marca de todo o

Analyse zum Begrijf der Strafwürdigkeit und zur Struktur des Versuchsdelikts, Ber-

l im, Duncker & Humblot, 1981, pp. 34 e 60.11 Cf. GÜNTHER, Strafrechtsw idrigkeit und Strafunrec htsausschlus s. Studien zurRechtswidrigkeit ais Straftatmerkmal und zur Funktion der Rechtfertigungsgründe imStrafrecht, Kõln, Carl Heymans, 1983, p. 245; SCHÜNEMANN, «Methodologi scheProlegomena zur Rechtsfindung im Besonderen Tei l des Strafrechts», Bockelmann--Fs, Munique, Beck, 1979, pp. 129 e segs.; cf, ainda, do mesmo autor e no mesmosentido, «Einige vorlüufíge Bemerkungen zur Bedeutung des viktimologischenAnsatzes in der Strafrechtsdogmatik», in SCHNEIDER (Herausg.), Das Verbrechen-sopfer in Strafrechtspflege, Berl im, Walter de Gruyter, 1982, pp. 420 e segs.

12 Sobre o problema, cf. VOLK, com o na nota 5, p. 8 98.13 WOLTER, Objective und personale Zurechnung von Verhalten, Gefahr und

Verletzung in einem funktionalem Straftatsystem I, Berl im, Duncker & Humblot,1981, p. 51.

14 JAKOBS, Strafrecht. Allgemeiner Teil, Berl im, Walter de Gruyter, 1983,p. 281. Em sentido convergente e no que ao plano dogmático especificamente con-cerne, VOLK, como na nota 5, pp. 894 e segs.

15 Cf. LUHMANN, Soziale Systeme. Grundriss einer allgemeiner T heorie, Frank-furt, Suhrkamp, pp. 148 e segs.

RPCC 2 (1992) 1 7 7

Page 9: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 9/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE VeS£\ V ^ C^xJ^W'

{Cr í fi« P T

saber c ien t í f ico , de acordo com a per t inente observação de MaxPlanck16 .

2 . Tudo recomenda, por is so , que procuremos fazer caminho apar t i r_dej? la taformas seguras e capazes de oferecer os ind ispensáveis

ipon to s de Arqu imedes ^ Que hao -de , s ob re tudo , bus ca r :se na t com- .W eens a o~ gQ imç ao e da l eg i t imaç fo do d ir e ito pena l V f i a pena~ nn-con tex tòHa s oc iedade moderna — s ecu íânz^ ^ ^ p rü ra l i zaHa — e dó .Estado de direito.

a) A es te propós i to é já poss ível contar com um novo paradigmado direito penal, relativamente estabilizado, e cujos emjnci"a3oFBS7ja~res assumimos como pr incíp ios ax iomát icos . E, ass im, concre tamenteem re lação a versões como a sus ten tada na Alemanha por Roxin e emPor tugal poifF ígueireHolDlasJE que nos permit imos recordar a par t i rdas s uas p ropos ições fundamen ta i s . poC V c i ^ -

n e c e s s á r i a j ^ i c M ^ j ^ a ol ivre desenvolv im ento jé t ico da pessna_£_à^s i ibs is tência-eI funciona-mento da sociedade democrat icamente organizada. O d ire i to penal sóestá, noutros termos, legitimado a servir valores ou metas imanentes aos is tema socia l e não f ins t ranscendentes de Jndo le re l ig iosa . metaf ís ica .

moralis ta ou ideológica. Is to em obediência ao imperativo permanecerfiel à terra> de que se fazem eco teó logos como Küng 1 7. E a que odire ito penal de uma sociedade secular izada terá de conformar-se . D i tocom Gal las : «Como representante de uma sociedade secular izada e or -ganizada na l iberdade, o Es tado moderno não pode pre tender exercer opoder puni t ivo para prosseguir uma idéia de moral idade absolu ta , masantes tarefas práticas de defesá da sociedade e do direito; não realizara jus t iça por e la própr ia , m as serv ir o bem c om um de form a jus ta . T odaa pena tem im anente um mom ento de f inal idade. E é nes te mo men to d efinalidade que reside a razão por que há-de, à partida, recusar-se toda

16 Cf. BAPTISTA PEREIRA, Modernidade e Secularização, Coimbra, Almedina,1990, p. 322.

,7 KÜNG, Dieu existe-t-il?, Paris, Du Seui l , 1981 , p . 545 . Sobre a postura conver-gente de teólogos como METZ ou RAHNER, cf. COSTA ANDRADE, como na nota 3 ,pp . 3 8 5 e segs .

1 7 8 RPCC 2 (1992)

Page 10: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 10/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

a tentativa de definir o crime a priori e de o determinar à margem daideie-de f im 18 .»

i A ameaça, aplicação je.execução^a pena só pode ter çomofi-nalmãdea reafirmação e^abili^ão^cmtjaMctica^ validade dasnormas,o.restabelecimento da paz jurídica e da confiançanas normq^bem como a (re)socialização do condenado . Pela negativ a, a pena nãopod e es tar preordenada à compen sação ( ret r ibuição , expiação) da cu lpa .

Aband ona-se , ass im, a idé ia trad ic ional da cu lpa como fundam ento^e med ida da pena, de é t imo r e l ig io s o ea q ue o l egado jj e^ KaaLe i JegeL .empres tar ia uma p laus ib i lidade par t icu larmente reforçad a. Que v iria a

t raduzir -se no chamado pr incíp io da bilateralidade da culpa: nãopodendo exceder a medida da cu lpa , a pena não pode igualmente f icaraquém daquela medida . Na formulação enfá t ica de Ar thur Kaufmann:«Quem responde afirmativamente ao princípio da culpa terá, para serconseqüente , de se com prometer igualmente com a pena da cu lpa. I s toé , não poderá , em nome de quaisquer razões de funcional idade, dene-gar a necess idade da pena, não obsta nte afirma r a exis tência de culpa19 .»

18 GALLAS, como na nota 7, p. 3. Da já incontável literatura publicada sobre oproblema, cf., pelo seu relevo paradigmático, ROXIN, «Sinn und Grenzen staatlicherStrafe», JuS, 1966, pp. 377 e segs.; «Sittl ichkeit und Kriminal i tat», in BAUMANN(Herausg.), Misslingt die Strafrechtsreform?, Darmstadt, Luchterhand, 1969, pp. 156

e segs.; «Wandlungen der Strafrechtswissenschaft», JA , 1980, pp. 221 segs.; FIGUEI-REDO DIAS, Lei Criminal e Controlo da Criminalidade, Lisboa, 1976; Os NovosRumos da Política Criminal e o Direito Penal Português do Futuro, Lisboa, 1983.Para uma mais desenvolvida referência bibliográfica, COSTA ANDRADE, como nanota 3, pp. 383 e segs.

19 ART. KAUFMANN, Das Schuldpr inzip. Eine strafrechtlich-rechtsph ilosophis-che Untersuchung, 2. Auflage, Heidelberg, Carl Winter, 1976, p. 201. Sobre o tema,desenvolvidamente, ROXIN, «Concepcion Bi lateral y Unilateral dei Principio deCulpabi l idad», in ROXIN, Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal, Madrid,Rus, 1981, pp. 187 e segs.; «Zur jüng sten D iskussion über Schuld, Prãvention undVerantwortl ichkeit im Strafrecht», Bockelmann-Fs, pp. 279 e segs.; «Acerca da pro-blemática do direi to penal da culpa», BFDC, 1983, pp. 1 e segs. Expressivas d e umcerto cl ima de perplexidade aporética, mas, ao mesmo tempo, de mudança, as posi -ções (aparentemente írreconci l iáveis) a este propósito assumidas, em duas decisõespraticamente simultâneas, pelo Tribunal Federal alemão. Segundo a primeira

(BG HSt. 24 , 42): «A pena não tem a funçã o de real izar a comp ensaçã o da culpacom o um fim em si , antes é justi ficada somen te quando ao mesmo tempo seapresente com o m eio ne cessário para o exercínicT da função preventiva do d irei to

R P C C 2 ( 1 9 9 2 ) 1 7 9

Page 11: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 11/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

Este «adeus a Kan t e a Hegel» (Bruns)20 não deve imputar -se ape-nas às aporias epis tem ológica s resultantes da indem onstrabil idade dopoder agir de outro modo sobre que assentava o direito penal de expia-ção da culpa. Ele é, sobretudo, ditado por razões atinentes à legitima-,cão é t ica e polí t ico-cr iminal da pena. Com o Roxin vem repet idamentesublinhando, «a pretensão de expiar , retr ibuir e compensar ã culpa coma pena é uma idéia metafís ica» 2 1 . Ora , argumenta ._numa-democraciaplura lista não é mis são do Est ad o decidir^d e fQxrna .vinculativa,.sobrequestões, religiosa s ou fiiogó ficas . A p ena estatal é um a instituiçãoex£lusÍYamente_J]JüJTiana, cria da c o rr w Q lm de pro tege r a sociedffije.

não podendo, j jorjsso. ser imfiQata=s£_nãaA.exigida por ratõestivas 22 . Nem podendo o juiz ser encarado «como o_.braçoLda-jii§fÍ£adiy if la^mas apenas ̂ õ m o proc urador de in teresses ter renos»23 .

1/3/ A culpa deve, em todo o caso, subsistir como pressupostüirrènunciável e como limite inultrapassável da pena. Só a cu lpa podeimpor às exigências de prevenção os l imites reclamados pela ideig.deEs tadqjde^dire ito e pela .^ i^nM ^e^pgja .Qí i , cons t i tuc ionalmente pro te-g ida . Es t ru turado em termos dè referências própr ias , o pensamento

UiAC duC C Ób "R aaACLO v -o ^ S - coO -J» ^ C s ^ c i o U>w\ (HÜTO^ ^

penal .» Diferentemente, considera o mesmo BGH na segunda decisão que «a penanão pode ultrapassar ou ficar aquém do que lhe corresponde como compensação justada culpa» (BGHSt. 24, 134). Igualmente significativo o confronto entre as concep-

çõe s subjacen tes, respectivamente à 4." e à 5." edição do Tratado de Maurach. Naprimeira, datada de 1971 e ainda da responsabi l idade de Maurach, considera-se que«a mais nobre qual i ficação (vornehmste Eigenscahft) da pena de expiação (Vergel-tungsstrafe) é (. . . ) a sua majestade descomprometida de fins (zweckgelõste Majestãt),tal como ela se exprime na exigência de Kant e segundo a qual , mesmo na hipótesede uma dissolução voluntária da sociedade humana, o último assassino deveria aindacumprir a sua pena» (p. 79). Em conformidad e, mesm o em ca sos «de falta ouredução da necessidade de prevenção, a pena não deve ficar abaixo da medidareclamada pela justa expiação da culpa revelada no facto» (p. 81). Já na ediçãoseguinte ( 197 7), da responsabi l idade de ZIPF, se sustenta que só «da tarefa protectivado Estado pod e advir a justi ficaçã o da pena» (p. 87), não poden do por isso a idéia deretribuição «ter nenhum lugar (Bestand)» (p. 93).

20 Cf. SCHÜNEMANN, «Die Funktion des Schuldprinzips im Praventionsstra-frecht», iti SCHÜNEMANN (H era usg .), Grundfragen des moderríen Strafrechts, p. 158.

21 ROXIN, como na nota 18 (1980), p. 224.22 ROXIN, como na nota 9 (1981), p. 189. No mesmo sentido, do mesmo autor,

como na nota 19 (1983), pp. 8 e segs.23 ROXIN, como na nota 18 (1980), p. 224.

1 8 0 RPCC 2 (1992)

Page 12: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 12/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

gr ^g ni w g nãp ^on hec g balizas à s ^ tensão au j^ppié t ica e f inal is tica-mente orientada. Se não já como condição suficiente, a (Tufpât^fit inua"ainda a valeFcomo co ndição necessár ia da pena e hoc sensu, a garant i rà pena o princípio de legitimação de que ela carece 24 . De acordo comSchünemann: «Só o pensam ento da cu lpa justifica (berechtigt) que oEstado responsabilize pessoalmente o indivíduo e lhe aplique sançõesque contendem com o núcleo da personal idade 2 5 .»

b) É como actualização da intencionalidade que anima este para-digma do direito penal e no respeito pelos limites dele decorrentes q uehá-de pro jec tar -se urn^ is tema funcional da doutr ina do cr ime. Uma

cautela que ajudará a ínliímar decis ivamente a crít ica sempre presente«de dissolução de todo o s is tema do direito penal» (Gõssel) e da suasubmissão a considerações de puro util i tarismo. Uma crít ica já adian-tada na conhecida e cáustica denúncia de Hegel (Grundlinien der Phi-losophie des Rechts): «Estaiiindammü ãÇão^pau_contra j im _cã o: o Hoinem não é t ra tadq de j jçordp_cpm, a , sua ,dignjdade e l iberdade, mas como um cão.» E que_hoje.se faz sobretudo.o u v j ^ i B - n o m e ~ d a _ ç ^Zweçkrationalitàt de realização do direitcrpenal. Enfatizando o tr iunfoude uma ordem ins t rumentã l7~é^lus lvadade, indiferen te aos «valores nucle armen te determinantes . no direito..

^ Por um lado, nãn pode Hesaíende.r=se.qiie-a-i:ac.ionalidade^üncÍQnal,

damentaj^. Em primeira l inha, os bens jurídicos correspondentes àsd imensões e l iberdades fundamenta is da pessoa humana . Precisam enteaquelas l iberdades que garantem à pessoa a necessária distanciação ediferença e aquela «reserva de solidão frente às totalidades s is-

24 Sobre as imp licações desta mudança de paradigma na problemática da medidada pena — impondo nomeadamente a renúncia à idéia de uma shuldangemesseneStrafe, tanto na forma de Punkísírafe c o m o n o m o d H o d a Spielraumtheorie — cf . ,para uma primeira síntese, SCHÜNEMANN, como na nota 20, pp. 187 e segs.; FIGUEI-REDO DIAS, Direito Penal 2. Parte Geral. As Conseqüências Jurídicas do Crime,Coimbra, 1988, pp. 265 e segs.

25 SCHÜNEMANN, ibidem, p . 1 7 4 .26 CASTANHEIRA NEVES, como na nota 10, pp. 9 e segs.

RPCC 2 (1992) 1 8 1

Page 13: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 13/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

temáticas» (Baptis ta Pereira)2 7 , rec lamadas pelos f i lósofos . Pelo m enosnos termos do paradigma desenhado, a ind ispensável rac ional idadefuncional es tá in te i ramente «colonizada» pela dens idade ax io lógicaprópria da Wertrationalitãi28 . Por outro lado e complem entarmente , onovo paradigma dá satisfação integral à conhecida exigência, lançadapor Liszt nos alicerces da moderna ciência penal: «O direito penal é abarreira intransponível da polít ica criminal».

c) Não será, por último, arriscado adiantar que é para este paradig-ma que c laramente propende o d i re i to penal por tuguês . A e le se a jus -

tará já , como o vem demons trando F igueiredo Dias , o d i re i to pos i t ivovigente 29 . E as coisas ganharão em evidência se vier a vingar a reformado Código Penal (CP) qu e se anuncia . Qu e t raz como inovação porv en-tura mais s ignificativa o novo artigo 40.°:

«1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protec-ção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2 . A pena não pode u l t rapassar em caso a lgum a medida da cu lpa .»Um dispositivo que, no essencial, retoma o programa polít ico-cri-

minal inscr i to no Pro jecto Al ternat ivo (1966) a lemão, máxime nos§§ 2 e 5930 .

27 BAPTISTA PEREIRA, «Filosofia e crise actual de sentido», in Tradição e Crise,

Coimbra, Faculdade de Letras, 1986, p. 11.28 Como, nesta l inha e pondo pertinentemente em evidência a interpenetraçãoentre a racionalidade axiológica e funcional, refere LANGER: «O direito não é apenasuma ordenação de valor (Weríordnung), mas também uma ordenação de final idade(Zweckordnung), duas componentes inc indive lmente l i gadas uma h outra. E são asrepresentações de va lor e as considerações de final idade da comunidade que decidemse e em que medida as mani festações de comportamento ét i co-soc ia lmente cen-suráveis hão-de ser também desaprovadas pelo direitg». Cf. LANGER, Das Sonderver-brechen. Eine dogmatische Uniersuchung 2um allgemeinen Teil des Strafrechts,Berl im, Duncker & Humblot, 1972, p. 277.

29 De FIGUEIREDO DIAS, cf., sobretu do, c om o na no ta 3 e co m o na nota 25, pp . 15e segs.

30 Recordamos que, segund o o § 2 do Alternativ-Enlwurf eines Strafgesetzbu-ches von 1966: «I. Strafen und Massregeln dienen dem Schutz der Rechtsgüter undder WiedereingHederung de s Táters in die Rechtsg emein schaft. II. Die Strafe darf das

Mass der Tatschuld nicht überschreiten» («I. As pena s e medidas de segurança estã oao serviço da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na comuni-dade. II. A pena não pode exceder a medida da culpa do facto»). Por sua vez, e deacordo com o § 59 do mesmo Projecto: «I. Die Tatschuld bestimmt das Hõchtsmass

1 8 2 RPCC 2 (1992)

Page 14: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 14/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

Ao dar expressão positivada a este programa polít ico-criminal, nãoquererá o legis lador português adiantar uma resposta fechada aocomplexo de ques tões doutr inais que aqui se co locam. Mas a lmejaráseguramente induzir uma determinada impos tação sobre o sent ido e afunção da pena. A pena há-de , com efe i to , emergir despida daquelamajestade n ão comprom etida com fins (Zweckgelõste Majestàt), cele-brada por Maurach 3 1. E em vez disso, assumir-se como «necessidade^amarga numa sociedade de seres imperfeitos como o são ainda oshomens» na decantada formulação do Pro jecto Al ternat ivo . Uma

compreensão que resu l tará mais ev idente com uma le i tura in tegradados inovadores preceitos relativos à pena e à medida da pena, para queaponta a reforma em causa.

Só este entendimento das coisas parece, de resto, compatívelcom a ordem constitucional portuguesa. Dizemo-lo a pènsar no dispos-to no artigo 18.", n." 2, da Constituição da República: «A lei só poderestr ingir os direitos , l iberdades e garantias nos casos expressamenteprevis tos na Constituição, devendo as restr ições l imitar-se ao ne-cessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionaL-mente protegidos.» Um preceito de que decorre a proibição da inter-venção do direito penal ao serviço de f inalidades transcendentes emoral is tas .

II

3. Como início de uma consideração mais directa do tema pro-posto, uma primeira precisão dos conceitos .

der Strafe. Sie wird nacli der Gesamtheit der belastenden und entlastenden Umsta ndebeurteil t . II. Das durch die Tatschuld bestimm te Ma ss ist nur insow eit au szuschop fen,wie es die Wiedereingl iederung des Tãíers in die Rechtsgemeinschaft oder der Schutzder Rechtsgi i ter erfordert» («I. A c ulpa d o facto determina o l imite máxim o da pena.Ela define-se a partir da totalidade das circunstâncias agravantes e atenuantes. II. Sóé de esgotar o l imiar determinado pela culpa do facto na medida em que o exija areintegração do agente na comunidade ou a protecção dos bens jurídicos»). Enquan-

to isto, e nos termos do § 60, I, do Projecto O ficial (196 2): «Grund lage für dieZumessung der Strafe ist die Schuld des Tãters» («A culpa do agente consti tui ofundamento da medida da pena»).

31 Cf. nota 19.

RPCC 2 (1992) 1 8 3

Page 15: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 15/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

a) Com a general idade dos au tores , cremos ser poss ível e vanta jo-so assentar na d i s t inção ent re uma categor ia de índole prevalentementevalorat iva e out ra de in tencional idade pr imacia lmente f inal . No p lanotermin^lógico , e a inda com a maior ia dos au tores , pr iv i leg iaremos parao efe i to a d i s t inção ent re dignidade penal e carência de tutela penal,co r res ponden t es à s exp res s ões a l em ãs Strajwürdigkeit e Strafbedürf-tigkeit, associando a es ta ú l t ima, como s inônima a expressão Strãjbe-dütfnis. Um a m ai s e l abo rada a r rum ação c l a s s if i ca t ó rí a , l evando o apu -ramento categor ia l a té à d i s t inção ent re Strafbedürftigkeit e Strafbe-

dürjnis, sem pre leg í t ima no p lano lógico-anal í t i co , induzi r ia cus tosacrescidos de del imi tação concei tua] e não resultaria em ganhos s i g -n i f icat ivos no p lano da fecundidade heur í s t i ca 32 . A actual ização dasubdis t inção conhecer ia , de res to , obs táculos de peso na l íngua por tu-guesa , ond e não ser ia fáci l codi f ica r , logo a n ível t erm inológ ico , a con-t rapos ição daque las duas categor ias . - ^

b) P od em os , a s s i m , de f i n i r a dignidade penal com o a exp res s ão deum juízo qualificado de intolerabilidade social, assente na valoraçãoét ico-socia l de uma conduta , na perspect iva da sua cr iminal ização epun i b i l i dade .

No p lano t rans i s temát ico , a d ignidade penal assegura ef icácia aomandamento cons t i tucional de que só os bens jur íd icos de eminentedignidade de tutela (Schutzwürdigkeit) devem goza r de p ro t eççãopenal . Nes ta medida e com es te a lcance, o concei to e o pr incíp io dadignidade de tu te la dão já guar ida ao pr incíp io cons t i tucional de pro-porcionalidade22 .

Em segundo lugar , e no p lano axio lógico- te leo lógico , o ju ízo de"dignidade penal pr iv i leg ia dois referentes mater ia i s i -â jd i -gnktgdê-de tu-telaào bem jur íd ico e a potencia l e gravosa^anosidadejociat^a con-duta , enq uan to Tesão ou per igo para os bens jur íd icos .

Por ú l t imo, e no p lano jur íd íco-s i s temát ico , a d ignidade penal rae-diat iza e actual iza o postulado segundo o qual o i l íci to penal se dist in-gue e s ingular iza face às demais mani fes tações de i l í c i to conhecidas daexper iência jur íd ica . E i s to pos ta en t re parêntes i s a ques tão de saber sea d i s t inção re leva do qualitativo ou apenas do m eram en t e quantitativo.

32 Sobre a distinção, cf., v. g., ALWART, como na nota 10, pp. 50 e segs.33 Desenvolvidamente, GÜNTHER, como na nota 11, pp. 205 e segs.

1 8 4 RPCC 2 (1992)

Page 16: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 16/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

Ou, talvez mais correctamente, se em causa não estará antes aquela«qualitativa diferença de quantidade» (qualitativa Quantitatsunter-schied) de que fa lava já Goldschmidt 34 .

À luz do que Fica exposto pode, por princípio, subscrever-se acaracterização de Otto. Segundo o autor, «digno de pena (strafwürdig)é apenas um compor ta jnento merecedor de desaprovação é t ico-socia lporque é adequado a pôr gravemente em perigo ou prejudicar as rela-ções sociais no interior da comunidade juridicamente organizada [ . . .]terá de se tratar de uma lesão particularmente grave do bem jurídico

gravierende rechtsgutsverletzungj»35

. Este é, de resto, um tópico inva-riavelmente presen te nos autores que, de forma mais ou m eno sexplícita, se têm confrontado com o conceito de dignidade penal.Todos, com efe ito, sublin ham que o juíz o de dignidade penal implicaum limiar qualif icado de danosidade ou de perturbação e abalo sociais .Daí a f reqüência de expressões como: «per turbação gravosa (grobe) dàordenação socia l da comunidade» (BGH)3 6 , «sensível (empfindliche)perturbação da paz jurídica» (Schmidháuser); «conteúdo do il ícito su -ficientemente massivo (hinreichend massiv) do compor tamento socia l -mente perturbador» (Sax); «desvalor efectivamente gravoso (wirklichschwerwiegend)» (Maiwaíd); lesão do bem jurídico especialmentegravosa (besonders schwerwiegend) (Lenckner) 37 .

c) Hoje é pacífico o entendimento de que a dignidade pen&l de

uma conduta não decide, só por s i e de forma definitiva, a questão dacriminalização. À legimitação negativa, mediatizada pela dignidade

34 Apud SAX, como na nota 7 (1959), p. 929. Sobre a questão e pondo a tônicano momento quantitativo, JESCHECK, Lehrbuch des Strafrechts, Berl im, Duncker &Humblot, 1988, p. 44.

35 OTTO, Grundkurs Strafrecht. Allgemeiner Teil, Berl im, Walter de Gruyter,1982, p. 11. No mesmo sentido e do mesmo autor, como na nota 10 (1978), pp. 54e segs.; (1984), pp. 346 e segs.

36 C f . B G H S t2 4 , 3 1 8 (3 1 9 ) .37 SCHMIDHÁUSER, Strafrecht. Allgemeiner Teil, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1975,

p. 29; SAX, como na nota 7 (1959), p. 927; MAIWALD, «Zum fragmentarischen Çha-rakter des Strafrechts», Maurach-Fs, Karlsruhe, C. F. MÜLLER, 1972, p. 11;

LENCKNER, Der rechtfertigende Notstand , Tüb ingen , J. C. B. Mohr, 1965, p. 47 . Parauma informação mais desenvolvida, GÜNTHER, como na nota 11, pp. 236 e segs.; domesmo autor, «Die Genese eines Straftatbestandes. Eine Einführung in Fragen derStrafgesetzgebungslehre», JuS, 1978, pp. 12 e se gs.

RPCC 2 (1992) 1 8 5

Page 17: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 17/36

t í tANUEL DA COSTA ANDRADE

penal, tem de acrescer a legitimação positiva, me diatizada pelas deci-sões em matéria de técnica de tutela (Schutztechnik.fi*. É a redução

' • »«||| | ||| |

jdes ta complexidade sobrante que se espera do concei to e j lo .pr incíp iode carência de tutela penal.

No plano t rans is temát ico , que empres ta rac ional idade e leg i t ima-

são ao princípio de subsidiariedade e de ultima ratio do direito penal..O direito penal só deve intervir quando a protecção dos bens jurídicosnão possa alcançar-se por meios menos gravosos para a l iberdade.

A j í i n n a e ã Q j l a ^ L ê n ^l a m b é m adequada ^.necessária (geeignet und erforderliçh) para a pre :

.v .ençifcLdajclit to^

Aamente lesivos»29 . A carência de tutela penal analisa-se, assim, numduplo e complementar ju ízo : em pr imeiro lugar , um ju ízo de necessi-dade (Erforderlichkeit), por ausência de alternativa idônea e eficaz detutela não penal; em segundo lugar, um juízo de idoneidade (Geeignet-heit) do direito penal para assegurar a tutela, e para o fazer à margemde custos desmesurados no que toca ao sacrif ício de outros bensjur íd icos , máxime a l iberdade.

Como Wolter refere , no p lano normológico , a d is t inção en tredignidade penal e carência de tutela penal espelha de algum modo acontrapos ição en tre norma de valoração (Bewertungsnorm) e normade sanção (Sanktionsnoi'm /u. N o plano semân tico, não será inteira-mente r igoroso fazer corresponder a dis tinção à contraposição entre

38 Sobre os conceitos ci tados no texto, cf. , desenvolvidamente, W. HASSEMER,Theorie und Soziologie des Verbrech ens. A nsàtze zu einer praxisorientiertenRechtsgutslehre, Frankfurt, Europaische Verlagsanstalt, 1980, pp. 194 e segs.; COSTAANDRADE, «O nov o Cód igo Penal e a mod erna crim inologia», in Jornadas de Direito-Criminal, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 1983, pp. 185 e segs. No sentido dadistinção e da autonomização conceituai e dogmática da carência de tutela penal faceà dignidade penal, cf., por todos, HASSEMER, ob. cit.; OTTO, co m o na nota 10 (1978) ,pp. 56 e segs.; (1984), p. 348, e como na nota 35, p. 11; ALWART, como na nota 10,pp. 72 e segs.; SCHÜNEMANN, como na nota 11 (1979), pp. 29 e segs..

39

SCHÜNEMANN, ibidem, p. 129. No mesmo sentido, OTTO, como na nota 10(1984), p. 348, e como na nota 35, p. 11.4 0 WOLTER, como na nota 13, pp. 51 e segs.

1 8 6 RPCC 2 (1992)

Page 18: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 18/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

um momento axiológico (Wertmoment) e um momento funcional(Zweckmomentj41 . Nã o deve , de todo o mod o, desatendcr-se o pesoacrescido dos momentos de f inal idade no ju ízo de carência de tu te lapenal e a respect iva or ien tação preferencia l para a f ronte i ra do out-put,caracter í s t i ca dos programas finais. E, por vias disso, a sua aberturaaos dados empt r ico-cr iminológicos , em permanente renovação , masIndispensáveis à ponderação da ef icácia re la t iva do s i s tema penal faceà s a l t e r n a t i v a s n ã o p e n a i s .

4. Vocacionadas para in terv i r t an to no d i scurso pol í t i co-cr iminalcomo dogmát ico , a d ignidade penal e a carência de tu te la penal t êmconhecido um sucesso mui to d í spar nos dois domínios .

O t r iunfo da d ignid ade penal e da carência de tu te la penal na pol í t i cacr iminal — máxime numa perspect iva s i s témico- t ranscendente e , pori sso , t endencia lm ente cr í t i ca — parece inques t ionad o. Na s ín tese conju-gada da s suas in iunções de sent ido , a d i f fn idádp penal e. a carênr ia HP.h i t e j a p e na * H n j a - ^ r r n r n j ^ n s r r r o m o a r q u é t i p o p a r a o l e g i s l a d o r ,c o m o f ó r m u l a c o n r p n t r n r l a H r > nnnjunro d e pr incíp ios rectores em _m a t é r i a r ip . p n l í t j r a r r i m i m l , j n r f r t i r - n - r q p ^ ^ t u c i o n a l m e n t e s a n c i o n a -d o s » 4 2 . São , na ve rdade^ e l a s qnp media t i zam e. t o r n a m n p p r a t i v n s n sprincíp ios cons t i tucionais que demarcam o hor izonte da cr iminal iza-cão: imanência s i s témico-socia l . p roporcional idade, carácter f ragmen-tário p. snhsidiariedadfí-

E não parece que o sucesso se deva sobretudo à re la t iva vaguidadee abs t racção dos concei tos de d ignidade penal e de carência de tu te lapenal e à indeterminação e maleabi l idade dos programas de acçãodeles decorrentes4 3 . Pois , a impreci são — que não pode, de todo emtodo, e l id i r -se — não impediu que aqueles concei tos se t enham con-^ j t i r i n p m tà p im < j n u c l e a r e s d e f ú n d a m e n t a y a o e r a c i o n a l i z a ç ã o d o .mo vime nto de de scr imina l izacão que vem perco rrendo q gp .npraliHaHqdos paí ses europeus , a par t i r dos anos 50 . E que e les t enham, em boamedida, cont r ibuído para a emergência e af i rmação daquele novo eracional paradigma, que acima deixámos caracter izado. Ainda há

41 Sobre o problema, desenvolvidamente, ALWART, como na nota 10, p. 34. Cf.

ainda OTTO, como na nota 10 (1984), p. 345 e segs., e como na nota 35, p. 11.42 VOLK, como na nota 5, p. 873.43 Neste sentido, VOLK, ob. cit., p. 873.

RPCC 2 (1992) 1 8 7

Page 19: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 19/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

poucas décadas esconjurado , na expressão de Roxin , como o re tornode Sodoma e Gomorra 4 4 e hoje consensualmente leg i t imado.

Is to pese embora a subsis tência de áreas mais ou menos extensasde irracionalidade e de tabu, impostas pela necessária comunicaçãocom as representações normat ivas da sociedade. Também elas , consa-bidamente portadoras de concepções sobre os bens jurídicos a prote-ger, a sua hierarquia e o s ignificado dos perigos que os ameçam 4 5.E que a polít ica criminal não deve, pura e s implesmente, ignorar, aten-to o imperativo de um «tratamento racional da i r rac ional idade socia l» ,de que fa lam, en tre outros , Haffke ou Hassemer . E segundo o qual ; o

«desinteresse sobranceiro pelas representações normativas da socie-de , pré-modernas mas realmente vividas, em vez de uma polít icaminai racional, seria ingênuo e irracional»46 .

II I

5. a) O quadro é completamente outro do lado do s is tema dog-mático. O estatuto da dignidade penal e da carência de tutela penalmotiva aqui uma incontrolável diáspora de soluções.

E is to mesmo atendo-nos ao universo dos autores , que, de qualquerforma, re iv indicam um mais d i rec to e expl íc i to «entrosam ento en tre ascategoria* do ffixfpmn P. as rqfpgrtrigg mtter ii ip f imrlimgntgie ffa pyni„

bilidade, a saber, a dignidade penal e a carência de tutela penal docompor tamento» 4 7 . E, por vias disso, se mostram predispostos a ads-crever uma determinada valência dogmát ica às ca tegor ias em exame.

44 ROX IN , co m o na n o ta 18 ( 1 9 6 9 ) , p . 157.45 Desenvolvidamente , HASSEMER, como na nota 38, pp. 160 e segs .46 HASSEMER, «Religionsdelikte in der sãkularis ierten Rechtsordnung», in

DILCHER/STAFF (H era us g. ), Christentum und modernes R echt. Beitrage zum Problemder Sàkularisierung, Frankfurt , Subrkamp, 1984, pp. 245 e 246. Sobre o problema,cf. ainda HASSEMER, como na nota 38, pp. 192 e segs.; HAFFKE, Tiefenspsychologieund Generalpravention. Bine strafrechtstheoretische Untersuchung, Frankfurt, Ver-lag Sauerlãnder, 1976, pp. 605 e segs.; COSTA ANDRADE, como na nota 3, pp. 31, 391

e segs .47 FRISCH, Vorsatz und Risiko. Grundfragen des tatbestandsmàssigen Verhahenund des Vorsatz, K òln, Car l H e ymanns Ve r lag , 1983, p . 503 .

1 8 8 RPCC 2 (1992)

Page 20: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 20/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

As águas começam iogo a apar tar -se quanto ao modelo fundamen-tal de inserção dogmática. De um lado, os autores que apontam parauma in tervenção «concentrada» da d ignidade penal e da carência detu te la penal , f ixando-as a um determinado es tád io da cons trução docrime. Ou vinculando-as a uma das categorias tradicionais da doutrinada infracção (tipicidade, i l icitude e culpa), ou criando para o efeitouma nova e au tônoma categor ia dogmát ica . Do outro lado , s i tuam-seos au tores que defendem uma representação d ifusa da d ignidade penale da carência de tutela penal e apontam, por isso, para uma intervençãoe inserção centr í fugas . Que resu l tarão em s ignif icações tendencia l -

mente d i ferenciadas , «no contexto» das s ingulares ca tegor ias dogmá-ticas e do respectivo universo de sentido (Sinnzusammenhang).fr) As controvérsias dogmáticas não prejudicam, contudo, a con-

vergência generalizada quanto ao relevo hermenêutico da dignidadepenai e da carência df tnte.ia penal no capítulo da parte especial. N emserá mesmo arriscado acreditar com Schünemann que a ar .tn^ljy (qç3n e.desenvolv im ento das in iunções norm at ivas da d ignidade penal e da ca-rência de tutela penal na interpretação e aplicação dos s ingulares t iposlegais da parte especial se perspectiva «como uma das mais importan_-.tes tarefas dogmáticas das próximas décadas» 48 . Isto a partir da crençasegundo a qual: «o tipo descreve a lesão do bem jurídico digna deO A M „ mu i ll 'Vu III ll »' n l l !•! 1 f I l| !•• 1

pena» (Otto); ou: «no tipo é valorada a acção do ponto de vis ta dacarência abstracta de tutela Jabstrakten Strafbedürftigkeit)» (Roxin) 49 .

Uma visão das coisas cujo acerto parece evidente. Is to a partir do^ahíindopo tla^ rgprpgpnuigftes unidimensionais e reducionistas do tipo,susceptíveis de propiciar uma subsunção automática das condutas , masà margem das valorações da dignidade penal e da carência de tutelapenal e da densidade polít ico-criminal que elas emprestam ao tipo.Nesta l inha, pouco sentido tera a insis tência, v. g. , de Sax, num concei-to de «comportamento típico», isolado de toda a referência a uma«lesão do bem jur íd ico valorada como digna de pena» 50 . O mes mojuízo mereceria a pretensão de reeditar uma doutrina do tipo na base deuma teleologia exclusivamente orientada para o bem jurídico. Na es-

4* Co mo na nota 9 (1979 ), p. 130.49 Cf. OTTO, como na nota 10.(1978), p. 62; ROXIN, como na nota 3, § 7, Rn. 54.50 Cf., sobretudo, SAX, como na nota 7 (1976), pp. 11 e segs.

RPCC 2 (1992) 189

Page 21: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 21/36

Page 22: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 22/36

A DIGNIDADE PENAL E A CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

são e a extensão tanto do t ipo como dos s ingula res e lementos dafac tua l idade t ípica . I s to a par t i r do dogma hermenêut ico segundo oqua l : «não sãQ^.sá-os e lementos da fac tua l idade j l rgica que formam(bilden)jxúpo. mas_também o t ipo que forma os elementosTlTêle quéTos conver te em a lgo (macht sie zu etwãsjTque os 'conforma, m e s m o n osentido-mais originário dapala.v.ra»53 7~Rgo de .vênd^*põf"issr>. estra-nha r-se a frfífjngn^in m m qnp n appJo à dignida de pena l e à ca rênc ia detute la pena l pode redundar na redução teleológica do tipo 56 .

c) Já suscita maiores reservas a aceitação de um princípio viti-mológico, concebido como uma das concre t izações paradigmát icas emais impor tantes da carênc ia de tute la pena l . E , por i sso, perspec t ivadocom o um cr i té r io gera l de inte rpre tação e de reduçã o te leológica . E qu eresul ta rá na máxima hermenêut ica de que «só hão-de .subsumir - se nostipos, penais as condutas_aue_Qstão para além da autotu tela possível p /exjgiYej jJas ví t imas potenc ia is» (Schünemann)5 7 .

C o m u m n ú m e r o c r e s c e n t e d e a d e p t o s 38 , e com impl icações nasdi fe rentes á reas da dout r ina pena l e do processo pena l , a vitimo-dovmâtka assenta no postulado da cor responsabi l idade da ví t ima pe laprotecção dos seus próprios bens jur ídicos. A falha da vít ima face à suaresponsabil idade determinará, desde lop;o e em primeiro lugar , a perda,da dimidade penal. I s to em nome daque la «Verwirkung da pre tensãoà tute la do Estado» de que fa la , por exemplo, Schünemann 5 9 . O que dea lgum modo nos aproxima daque la visão das coisas segundo a qua l oandar «pe lo lado inverso da ordenação soc ia l (auf der Rückseit dessozialen Daseins)» (Bruns)60 torna a vít ima indigna da tutela penal.

55 HASSEMER, Tatbestand und Typus, Kõln, Karl Heymanns, 1968, p. 14.í 6 Cf., v. g., ALWART, como na nota 10, p. 26, e R. HASSEMER, como na nota 52,

pp. 72 e segs . e passim.57 SCHÜNEMANN, c omo na nota 11 (1979) , p . 130 . Do me smo autor e de se nvol -

v idame nte , c omo na nota 11 (1982) , passim.58 Para uma visão de conjunto, cf. HILLENKAMP, Vorsatztat und Opferverhalten,

G õtt inge n, O t io Sc hwar tz , 19&1, passim; COSTA ANDRADE, Sobre o Estatuto e Fun-ção da Criminologia Contemporânea, Lisboa, 1984, pp. 53 e segs.; GÜNTHER, comona nota 11, pp. 194 e segs .

59 SCHÜNEMANN, como na nota 11 ( 1 9 8 2 ) , p . 4 1 1 .fi

" Cf. BRUNS, «Gilt die Strafrechtsordnung a uch für und geg en Verbrecheruntereinander?», Mezger-Fs, Berlim/Munique, C. H. Beck, 1954, p. 364.

V

191

Page 23: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 23/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

E que serve de fundamento à tese «de que quem se solidariza com olado errado, dá s inais de decadência da sua personalidade e se movefora da ordenação jurídica, verwirkt a tutela penal, torna-se indignodesta tutela»6 ' . Em segundo lugar e compleme ntarmente , a v í tima quenão actualiza os meios disponíveis e exigíveis de autoprotecção nãocarece de tutela penal. O que permite a R. Hassemer sustentar «que osinstrumentos do direito penai n ão podem intervir nos casos em qu e nã ose verif ica a carência de tutela penal da vítima, por causa do princípioda proporcionalidade»62 .

Embora proposto com o princípio geral de. interpretação e red uçãoteleológica, o princípio vitimológico vem sendo pr iv i leg iadamenteinvocado no contexto de incriminações que implicam uma mais mar-cada interacção entre o agente e o portador do bem jurídico. Comosucede, por exemplo, com a Burla (R. Hassemer e Amelung) e a Vio-lação do Segredo Profissional (Schünemann) 6 3 .

6 . No que à parte geraljconcerne, não têm sido coroada s de êxitoas tentativas , ate agora empreendidas, àe. identif icar um momentoautônomo como portador ( tendencialmente exclusivo e esflotante) dadignidade penal. Tal é o juízo que, em geral 6 4, merecem as propos tasneste sentido feitas , v. g. , por Sax, Schmidhãuser ou Langer,

a) Partindo do postulado de que a lesão rfn bem jurídico die na de2£ggjrepresenta o fundamento irrenunciável da legitimação da comina--ão penal- considera Sax que ela não pode valer apenas como mero efungível tpfitivn dg. lei (Gesetzesmotiv). es t ranho ao conteúdo da lei'Gesetzesinhalt). Ela há-de , pe lo contrár io , f igurar também como «umelemento genérico e comum aos tipos de todas as normas penais» 03

61 Cf. HILLENKAMP, como na nota 58, p. 180.62 Como na nota 52 , p . 81 .63 Cf. HASSEMER, oh. cit., passim; AMELUNG, «Irrtum und Zweife l des Getáus-

chten beim Betrug», GA , 1977, pp. 1 e segs.; SCHÜNEMANN, «Die strafrechtlicheSc hutz von Pr ivatge he imnis se n», ZStW, 1978, pp. í l e segs .

64

Cf., neste sentido crítico, GÜNTHER, como na nota 11, pp. 240 e segs.; OTTO,como na nota 10 (1978) , pp. 61 e segs . ; VOLK, como na nota 5, pp. 876 e segs . ;ALWART, como na nota 10, pp. 31 e segs.

65 SA X , como na no ta 7 ( 1 9 7 6 ) , p. 11.

1 9 2 RPCC 2 (1992)

Page 24: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 24/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

O tipo de il ícito (Unrechtstatbestand) integra, assim, como categoriasautônomas — e com re levância d is t in ta em matér ia , por exemplo , dedolo — um compor tamento t íp ico (tatbestandsmàssiee Verhalten) eum a lesão do bem jurídico digna de pena (strafwürdiee Rechtsgutsver-letzung). Devendo, em conform idade, d is t inguir -se en tre duas d i feren-tes espécies de exclusão do tipo: de um lado, a mera «falta de umelemen to da fac tual idade t íp ica (Fehlen eines Tatbestandsmerkm als)»,e, de outro lado, o que o autor designa por «falta de um sacrif ício dof im de pro tecção da norm a d igno d e pena (Fehlen einer strafwürdigen

Beeintrãchtigung des Schutzzweckes der NormJ»66

.De forma mais explícita, sustenta Langer que o desvalor global do

delito se analisa «em três distintos ço"fr]irins do rirnvnlor (gewertetenUnwerstsachverhalten), a saber: ilícito, culpa e dipnicfade nenal»67 .O que reclamará uma sis temática do crime assente em três categoriasdogmáticas autônomas: t ipo de il ícito, t ipo de culpa e tipo de dignida-de penal (Strafwürdigkeitstatbestand). Uma cons trução da inf racçãoque o autor procura alicerçar numa concepção teleológica do direitopenal . Resumidamen te : «N em toda a conduta an t i jur íd ica e censurávelé declarada punível pela comunidade: isso só sucede quando tal condu-ta rea l iza ao mesmo tempo uma agressão aos fundamentos da convi-vência salutar: is to e, quando este conteúdo de desvalor complementaraprofunda de tal maneira o desvalor ético-social da conduta i l ícita e

culposa que ela se torna intolerável para a comunidade6 8

.» Como cate-gõr ização dogmát ica dos e lementos que fazem do cr ime uma «agres -são aos fundamentos da vida comunitária», a dignidade penal contra-põe-se ao il ícito e à culpa, «de forma esgotante explicáveis na suaessência sem referência à pena» 69 .

66 Ibidem, p. 12 . Do me smo autor , no me smo se nt ido , c omo na nota 7 (1959) ,pp. 923 e segs . ; «Zur Problematik der Sterbehilfe durch vorzeit igen Abbruch e inerInte ns ivbe handlung. Übe r le gung z um Unte r las se n dur c h Tun, z um Sc hutz z we c k de rNorm, und zur scheinbarer Rechtsgutsverletzung», JZ , 1975, p. 144; «Der Verbre-chenssytematische Standort der Indikationen zum Schwangerschaftsabbruch nach§ 218 a) StG B», JZ , 1977, pp . 326 e s e gs .

LANCJER, como na nola 28, p. 275. Para uma referência mais aturada à concep-ção do autor , c f . ob. cit., pp. 273 e s e gs .68 Ibidem, p. 327.69 Ibidem, p. 329.

RPCC 2 (1992) 1 9 3

Page 25: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 25/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

Também Schmidhauser se propõe sa lvaguardar a au tonomia dog-mática da dignidade penal, que considera «um conceito fundamentalda doutrina geral do crime» 7 0 . Segundo Schmidhauser , a qual i f icaçãode um compor tamento como digno de pena eqüivale ao ju ízo «de queo agente deste facto deve ser punido» 7 1 . Is to s ignifica que «a dignidadepenal de uma acção está imbricada num conjunto de constataçõessobre factos gerais da vida social e de valorações.. A dignidade pena!significa aqui ao mesmo tempo a verif icação da necessidade polít ico--criminal du punição de uma conduta 72 .» O concei to de d ignidade

penal de Schmiclhlluser reveste-se, assim, de uma estrutura extrema-mente complexa. Repor ta-se a momentos per tencentes aos d iversosníveis da s is temática da infracção e integra valorações das diferentesinstâncias de aplicação da lei penal e, por isso, com intencionalidadenão convergente . Resumidamente , a d ignidade penal in tegra momen-tos que estão para além da descrição da matéria proibida e mesmo paraalém do acontecer fáctico (Tatgeschehen). C omo momen tos funda -mentadores da dignidade penal presentes no acontecer fáctico aponta oautor, desde logo, o i l ícito e a culpa. A que devem acrescer, em primei-ro lugar, o que designa por elementos adicionais do crime (ZusãtzlicheStraftatmerkmale). «Trata-se aqui também de e lementos do cr ime, queper tencem ao acontecer fác t ico e es tão t ip i f icados . Tra ta-se , contudo,de e lementos que não faze m necessar iamente p ar te de todos os cr imes :

só em relação a um círculo limitado de crimes é que eles são enuncia-dos como pressupostos da pena a acrescentar ao il ícito e à culpa 73 .»Como devem, em segundo lugar , acrescer as chamadas causas de ex-clusão do crime (Straftatausschliessungsgründe): que não conf iguramelementos do cr ime (Straftat), «mas momen tos do acontecer fácticoque — à semelhança do que sucede com as causas de jus t i f icação nopatamar do il ícito e com as causas de exclusão da culpa no degrau daculpa penal (Rechtsschuld) — acabam por excluir o crime no estádioterminal do ju ízo de d ignidade penal» 74 .

10 SCHMIDHÀUSER, como na nota 37, p. 31.71

Idem, p. 28.72 Idem, p. 29.73 Idem, p. 483.74 Idem, p. 488.

1 9 4 RPCC 2 (1992)

Page 26: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 26/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

b) Com a general idade dos au tores — máxime os que mais setêm empenhado no respect ivo exame cr í t i co : Ot to , Günther , Alwart ,Volk 75 — não vemos que a def in ição da d ignidade penal como ele-mento autônomo da infracção t raga vantagens s igni f icat ivas . Acresceque as d iversas t en ta t ivas de au tonomização dogmát ica da d ignidadepenal t êm s ido logradas à cus ta do esvaziamento de categor ias como at ipicidade, o i l íci to e a culpa. E, sobretudo, à custa da neutral ização,mais ou menos assumida, da sua referência t e leo lógica à pena. Ora ,como Volk acentua: «Não é só na fase f inal da cons t rução do cr imeque a natureza e a d imensão de uma agressão aos fundamen tos da con-vivência salutar (Langer) determinam a d ignidade penal de uma con-duta; pelo cont rár io , e las começam logo a decid i r sobre a descr içãoí íp ica da matér ia pro ib ida 7 6 .» Di to com Günther e de forma mais gene-ra l izada: «Todos os e lementos objec t ivos e subject ivos de uma incr imi -nação t íp ica incorporam já momentos de d ignidade penai [ . . . ] Não seconhecem elementos de um t ipo legal assépt ico à d ignidade penal(Strafwürdigkeitsfreie )rl.»

Tudo parece , ass im, reforçar os crédi tos da tese da yhiquidade-da^djj>iiidndp. ppnal (Günther) 7" . Sem uma f ixação na topograf ia da cons-t rução do cr ime, a d ignidade penal conf igura uma espécie de d imensãot ranscendental da dogmát ica penal , como qual i f i cação poss ível detodos os e lementos do cr ime, fc a que não es tarão mesmo fechados

domínios como a dout r ina da medida da pena ou o própr io processopenal . Na caracter ização de Ot to , a d ignidade penal cons t i tu i rá «umcri tério imanente ao i l íci to e à culpa» 79 . Pode, ass im, representar-se ad ignidade penai çr>mo um s i s tema auto-referente , an imado por in ten- ,c ional idade, lógica e sent ido própr ios . Mas é só a par t i r da sua pro jec-ção sobre os s ingulares e lementos do cr ime — também eles valendocom o s i s t em as au t o - re l e ren t es — que a d i gn i dade pena l ganha o s eu .sent ido def in i t ivo e , em concreto , operat ivo . Em sent ido convergente ,cons idera Alwart «que o concei to de d ignidade penal corresponde a d i -

75 Cf. nota 64,16 V O LK , como na no ta 5 , p . 878 .

77 GÜNTHER, como na nota 11, p. 241.78 lde m, pp. 240 e s e gs .79 OTTO, como na nota 10 (1978) , pp. 65 e segs .

RPCC 2 (1992) 1 9 5

Page 27: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 27/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

mensões completamente d is t in tas do domínio g lobal do d i re i to penal[ . . . ] . Um ju ízo de d ignidade penal rec lama uma fundamentação que éco-determinada pelo contexto em que ele respectivamente se suscita 80 .»

7 . A ubiquidade e , hoc sensu, a imanência da dignidade penal atodas as pedras da cons trução do cr ime não neutra l izam nem reduzemo seu s ignif icado dogmát ico . C.nnditin ünr qua nm dr i l f í i f " penal-mente re levante , a d ignidade penal qual i f ic» (mi .ao menos ref lec te aqualif icação) e, por isso, s ingulariza o ilícito penal face às demais-manifes tações oe an t i jur id ic iaade . Tudo com impl icações em sede

normat iva , dogmát ica e prá t ico- jur íd ica , cu ja revelação cons t i tu i umdos desaf ios que esperam, no imedia to , a dogmát ica penal . Uma v iaem que a inves t igação de Günther (Strafrechtswidrigkeit und Stráfün-rechtsausschluss, 1983) acaba de assegurar avanços s ignificativos.

a) Independentemente de saber se deve ser encarada como causaou como efe i to , seguro parece à par t ida que ^d ign id ad e penal ass inala .a dis tinção entre o i l ícito penal e o il ícito se m m ai s . N a tixptessãodeLanger ,~eH dignidade penal que representa «precisamente o que nocr ime é especif icamente jur íd ico-penal» 8 1 . Uma compreensão que, deforma mais ou menos expressa , vem colhendo o ap lauso dos au tores .De acordo, por exemplo, com Jescheck, «a intervenção do direitopenal é ex ig ida por uma qual i f icada n ecess idade de tu te la {gesteigertesSchutzbedürfnis) da comunidade. Em conformidade, o cr ime tem derevelar um conteúdo e levado de i l íc i to e de cu lpa: o crime é ilícitodigno de penan.» De forma par t icu larmente expl íc i ta fa la Schünemannde um «i l íc i to jur íd ico-penal (strdfrechtlichen Unrecht)>> assente num«desvalor especif icamente penal (strafrechtspezifischen Unwertig-keit)». Em termos ta is «que o concei to de ilícito jurídico-penal, nosent ido aqui u t i l izado , abrange também como aspecto parcial (Teil-aspeckt) a categoria corrente da il icitude» 8 3.

80 ALWART, como na nota 10, p. 37.81 LANGER, como na nota 28, p. 331.*2 JESCHECK, como na nota 35, p. 44. No mesmo sentido, GALLAS, como na

nota 7, p. 14.83 SCHÜNEMANN, como na nota 1, D. 56. No mesmo sentido, AMELUNG, como nanota 53, pp. 92 e segs.

1 9 6 RPCC 2 (1992)

Page 28: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 28/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

A serem correctas as considerações expostas , não deixará de assis-tir razão a Günther na demarcação que propõe entre a i l icitude e a i l i-citude penal. Esta última «toma parte na tarefa do direito penal e doconcei to de cr ime de , apelando para aspectos especif icamente penais ,se leccionar , de en tre as manifes tações de compor tamento ilícito nosentido da ordem jurídica total , aquelas que realizam o il ícito penal,is to é, i l ícito teleológico-penalmente qualif icado, e como tal digno depena»8 4. O que eqüiv ale a afirm ar a tese de que a «ilicitude e a il icitudepenal estão entre s i numa relação de grau (Stufenverhãltnis)»*5. E, poresta via, a fazer sobressair , a par da linha de fronteira entre o l ícito e

o il ícito, uma outra e autônoma divisória: entre o i l ícito e o ilícitodignodejmtg? 6

HResum ídamente , a d ignidade penal media t iza e ass inala uma rela-tiva descontinuidade entre o ilícito penal e o ilícito, sem mais,

b) Esta descontinuidade tenderá, naturalmente, a transmitir-se aoplano da respect iva exclusão . «Em conformidade», acentua Günther ,«também a fundamentação do il ícito penal e a exclusão do il ícito penalterão de orientar-se para os mesmos pontos de vis ta, a saber, critériosjurídico-/?e«a/-teleológicos.»8 7 Não sendo, por isso, de excluir s itua-ções em que a neutra l ização do ilícito qualificado e digno de pena,próprio do il ícito penal, não tenha necessariamente como reverso aaceitação jurídica (rechtliche Zustimmung) da conduta . Como Ame-lung argumenta, «se o legis lador renuncia a util izar os meios de reac-

ção penal contra uma conduta, isso não quer necessariamente dizer quea autorize»88 . Na s íntese conclusiva de Günther: «Para a exclusão doilícito penal basta já que não se verif ique em concreto aquele l imiare levado (Steigerungsgrad) do ilícito, indiciado pelo tipo penal, isto é,o seu conteúdo de dignidade penal. A negação da il icitude penal s igni-f ica a renúncia à desaprovação, particularmente massiva e drástica da

84 GÜNTHER, c omo na nota 11 , p . 394 .*5 Idem, p. 247.86 Idem e passim. Contra, ROXIN, c omo na nota 3 , § 7 , Rn. 57 .87 Oh. cit., p. 254.1,8 AMELUNG, c o m o na nota 53 , p. 94 . N o me sm o se nt ido , c f , do me sm o autor Di e

Einwilligung in die Beeintràchtigung eines Grundrechtsgutes. Eine Untersuchung imGrenzbereich von Grundrechts-und Strafrechtsdogmaiik, Be r l im Dunc ke r & H um-blot , 198í , p. 57.

RPCC 2 (1992) 1 9 7

Page 29: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 29/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

realização da factualidade típica, através do direito penai; mas nãosignifica a renuncia à desaprovação jurídica, pura e s imples , do com-portamento.» 89

O que nos confronta directamente com o problema da exis tênciade autônomas causas de exclusão do il ícito penal. E a que não deverádar-se, desde logo, uma resposta fechada e em absoluto negativa. Is toindependentemente da extensão do universo de constelações que emdefinitivo devam reconduzir-se a esta categoria, bem como do res-pec t ivo r eg ime conc re to e , mes mo , da denominação— S chünemann

propõe, para o efeito, a expressão razões de tolerabilidade (Tolerier-barkeitsgründe)90 . Tudo ques tões cu ja equacionação e respos ta u l t ra-passam os limites da presente comunicação. Nesta sede apenas nospermitimos adiantar a nossa convicção de que o direito positivo portu-guês reforça, de algum modo, a tese da autonomia relativa das Strafun-rechtsausschliessungsgründe. Será assim, pelo menos, em relação àshipóteses , em princípio, recondutíveis ao direito de necessidade (agres-s ivo ou defensivo) e em que o bem jurídico a salvaguardar (Erhal-tungsgut) é inferior ou igual ao bem jurídico sacrif icado (Eingrijfsgut).O mesmo valendo para os casos em que o bem jur íd ico defendido éapenas l igeiramente superior ao sacrif icado.

Is to porquanto o artigo 34.° do CP (Direito de necessidade) ex igea «sensível super ior idade do in teresse a sa lvaguardar» . Uma fórmula

dif ic ilmente compat ível co m o en tendimento daqueles séc tores da dou-tr ina alemã segundo os quais a cláusula da essenciaíidade do § 34 d oS tGB tem uma funç ão meramente cognitiva — Lenc kner fa la , v. g . , de

89 GÜNTHER, como na nota 11, pp. 394 e segs.90 SCHÜNEMANN, «Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Straf-

rechtsreform im Spiegei des Leipziger Kommentars und des Wiener Kommentars»,GA , 1985, p. 352. Numa postura abertamente crítica, ROXIN, «Der durch Menschenausgelõste Defensivnotstand», Jescheck-Fs, Berl in, Duncker & Humblot, 1985,pp. 461 e segs.; do mesmo autor, «Die notstandsahnl iche Lage — ein Strafunrechts-ausschl iessungsgrund?», Oehler-Fs, Kõln, Carl Heymanns Vérlag, 1985, pp. 181 esegs.; «Rechtfertigungs-und Entschuldigungsgründe in Abgrenzung von sonstigenStrafausschl iessungsgründen», JuS, 1988, pp. 425 e segs.; RUDOLPHI, «Rechtferti-gungsgründe im Strafrecht. Ein Beitrag zur Funktion, Struktur und den Prinzipien derRechtfertigung», Arm. Kaufmann-Gs., Kõln, Carl Heymanns Verlag, 1989, pp. 372 esegs. Para uma primeira síntese, cf. ainda COSTA ANDRADE, como na nota 3, pp. 166e segs.

1 9 8 RPCC 2 (1992)

Page 30: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 30/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

Warnzeichnen —, preordenada a criar segurança jurídica 91 . Em termostais que uma qualquer superioridade do Erhaltungsgut, desde que ine-quívoca, será bastante para ditar a justif icação em nome do direito denecess idade. Como, nes ta l inha , argumenta Roxin : «A denegação dajustif icação s ignificaria que o legis lador se colocaria ao lado de Ein-grijfsgut. Representar ia , porém, um a contrad ição para a ordem jur íd icadeclarar o bem jur íd ico defendido co m o super ior e , do mesm o passo epela via da recusa da justif icação, considerar o interesse pelo bemjur íd ico sacr i f icado como prevalecente .» 9 2

Ao converter a qualif icação da superioridade do Erhaltungsgut— que terá de ser sensível — em pressupos to au tônomo da jus t i f ica-ção, a lei portuguesa limita claramente o âmbito de eficácia do direitode necess idade jus t if icante . E a larga ref lexam ente o espectro de cons-telações em relação às quais caberá testar a pertinência de umaautônoma causa de exclusão do ilícito penal.

c) O erro constitui outro domínio em que a diferença qualitativado il ícito penal, decorrente da dignidade penal, pode ter implicaçõesdecis ivas de índole dogmática e normativa. É o que Figueiredo Diasvem demonstrando no quadro do regime do artigo 17.° do CP por-tuguês (Erro sobre a ilicitude). Resumidamente , segundo F igueiredoDias, «haverá casos em que só a i l icitude penal pode ser objectodaquela consciência cuja falta nos termos do artigo 17.° releva para aculpa». Nesta l inha, prossegue o autor, «a convicção de que umaconduta configura um ilícito civil , disciplinar ou contra-ordenacionalnão deverá valer como a consciência do il ícito cuja falta releva para aculpa jurídico-penal» 9 3 .

8 . O quadro acabado de esboçar quanto ao estatuto polít ico-crimi-nal e dogmático da dignidade penal deverá, a nosso'ver e no essencial,repetir-se a propósito da carência de tutela penal.

91 Sobre o problema, COSTA ANDRADE, ob. cit., pp. 163 e segs.; ROXIN, Oehler--Fs, pp. 183 e segs.

92 R0XIN, ibidem, p. 184.93 Comunicação apresentada ao colóquio Rechtfertigung und Entschuldigung

(Freiburg i . Br. , Junho de 1990) sob o tí tulo «O erro com o causa de exc lusão da culpano direito penal português», p. 10. Sobre a questão, cf. ainda ROXIN, ibidem, p. 182,e do mesmo autor, como na nota 90 (1988), p. 430.

RPCC 2 (1992) 1 9 9

Page 31: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 31/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

a) Resumidamente , não se af igura necessár io nem teór ico-doutr i -nalmente vantajoso definir na arquitectura da s is temática do crimeuma sede pr iv i leg iada de revelação , ac lual ização e enquadramentodogmát ico das in junções de sent ido e das impl icações pragmát icas dacarência de tutela penal. Mais uma vez, e por esta via, não se prestariaa devida homenagem a um pr incíp io capaz de rec lamar audiência , comexigências específicas , no contexto dos s ingulares degraus da doutrinado cr ime.

E assim desde logo, em relação ao tipo, face ao qual a carência de

tu te la penal vale também como um re levante e i r renunciável toposhermenêut ico 9 4 . Na s íntese de Stratenwerth: «Para além da realizaçãoculposa do il ícito t ípico, há outros pressupostos da punibílidade, quecondic ionam precisamente a Schutzbedürfnis. O que acontece , porém,é que as necess idades pol í t ico-cr iminais inf luenciam já a escolha dasformas de conduta pro ib idas sob a cominação penal . O que é ins igni-f icante e não perigoso deixa de relevar (ou, pelo menos, deveriadeixar ) logo no momento da formulação dos t ipos . Com a tipicidadedecide-se também sob re a carência de tutela93 .»

A tensão centrífuga da carência de tutela penal explica, por outrolado, a sua comunicação a áreas problemáticas para além do il ícito e daculpa. Daí o peso que a carência de tutela penal acaba por assumir empressupos tos da punib i l idade como as condições objectivas de punibí-

lidade e as causas pessoais de exclusão da pena. O mesmo valendo, afortiori, para o domínio das conseqüências da inf racção . Sendo outros -s im manifes to que também o processo penal se mos tra aber to ao ju ízode carência de tutela penal. É o que paradigmaticamente revela adisciplina de institutos como a vorlàufige Einstellung do § 153 a) daStPO germânica ou a suspensão provisória do processo do artigo 281.°do Código de Processo Penal português. Este último um dispositivoque prevê , com o pressupos to au tônom o, a sa t is fação das ex igências deprevenção que no caso se façam sent i r .

w Cf., por todos, OTTO, como na nota 10 (1978), pp. 68 e segs.95 STRATENWERTH, «Die Stufen des Verbrechensaufbaus», in LÜDERSSEN/SACK

(Herausg . ) , Seminar : Ahwe ichendes Verha lten. II. Die gesellschaftliche Reaktion aufKriminalitàt, Frankfurt, Suhrkamp, 1975, pp. 251 e segs.

2 0 0 RPCC 2 (1992)

Page 32: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 32/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

b) Como exemplo de doutr ina apos tada em vincular a carência detutela penal a uma determinada função dogmática, pode recordar-se acons trução de Zie l insk i . Defen sor de uma extremada doutr ina do i l íc i topessoal, Zielinski denega ao desvalor de resultado qualquer relevo paraa fundamentação ou mesmo para o agravamento do i l íc i to . Não in-f luenciando sequer a d ignidade penal da conduta , o desvalor de resul-tado apenas indiciará a sua carência de tutela penal96 .

Noutra perspect iva , também Schünemann cons idera « impres -cindível o reconhecimento na parte geral de um outro degrau docrime» 97 . Is to como forma de preservar «os heterogêneos perfispolít ico-criminais dos t ipos s ingulares», que as demais e tradicionaiscategorias ( t ipicidade, i l icitude e culpa) tendem, pelo seu pendor abs-tractivizante, a neutralizar .

9 . Term inaremo s com u ma referência à doutr ina de Roxin . A quemse deve a proposta mais elaborada e conseqüente de inserção daindividuellen Strabedürftig Keit no s istema dogm át ico . E que tem at rásde s i o aprofund ame nto e a cons is tência devidos a décadas de ref lexã oe discussão, a partir da sua primeira versão s is temática, contida emKriminalpolitik und Strafrechtssystem (1970)98 . Daí que se trate tam-bém da cons trução m ais conhecida e controver t ida e mais determinan tepara o desenvolvimento da ciência penal. E a reclamar, por isso, ot ra tamento que aqui a pressão do tempo não consente .

a) Na base da doutrina, o propósito de determinar o conteúdo daculpa «pol í t ico-cr iminalmente cunhado a par t i r do pensamento dosfins das penas» 99 . O que levou o autor a introduzir a idéia de respon-sabilidade (Verantwortlichkeit), uma n ova ca tegor ia a que caberá asse-gurar a realização dogmática da doutrina polít ico-criminal dos f ins das

96 ZIELINSKI, Handlungs-und Erfolgsunwert im Unrechtsbegriff. Untersuchun-gen zur Struktur von Vnrechtsbegründung und Unrechtsauschluss, Berl im, Duncker& Humblot, 1973, pp. 206 e segs.

97 Dese nvolvida men te, SCHÜNEMANN, «Besond ere p ersõnl iche V erhãltnisse undVertreterhaftung im Strafrecht», Zeitschrift für Schwe izerisches Recht, 1978, p. 147.

98 ROXIN, Kriminalpo litik und Strafrechtssystem , Berl im, Walter de Gruyter,1970. Aqui ci tado na versão castelhana, como na nota 2.

99 06. ci / . , p- 67.

RPCC 2 (1992) 2 0 1

Page 33: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 33/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

penas . E que i rá ocupar o lugar t rad ic iona lmente reservado à cu lpa nosis tema penal , ao lado da t ipicidade e do i l íci to .

A responsab i l idade depende da concorrênc ia de do i s dados : aculpa e a necessidade preventiva (prãventive NotwcndigkeU). dupuniçã o. É pre cisa m ente a es ta catego ria converteIK Umw, por isso,em causas de exclusão da responsabilidade que Roxin rceoruJu/ ,t an to as chamadas causas da excu lpação (Enlschuldigungsgründe)c o mo , e m b o a me d i d a , a s c a u s a s d e e x c l u s ã o d a c u l p a (Schuldaus-schliessungsgründe)m. Segundo o au to r , é , com efe i to , a ausênc ia de

Strafberdürfnis, por razões de p revenção espec ia l ou gera l , e não aausência de l iberdade e de cu lpa , que exp l i ca a não pün ib i l idade dóexcesso as t én ico de l eg í t ima defesa ou daquele , quivis ex propulo, aque a l e i a t r ibu i o benef í c io do es t ado de necess idade descu lpan te(§ 35 do StGB a lemão/ar t igo 35 . ° do CP por tuguês ) .

b) Na perspec t iva que aqu i mai s d i rec tamente nos ocupa , cabesub l inhar sobre tudo a re l ação de l imi tação rec íp roca es t abe lec ida pe loau to r en t re a cu lpa e as necess idades de p revenção . Resumidamente ,«a cu lpa e a p revenção su rgem numa re lação de l imi tação rec íp ro -ca» 10 1. O que eqü iva le a conver t e r ambos os p ressupos tos em cond i -ções igua lmente necessár i as , mas qua lquer de les insuf i c i en te para , sópor s i, j u s t i f i car a pen a . Nes ta l inha , Rox in ad ian ta m esm o ser « f ran-camente reduzido o s ign i f i cado que uma in te rp re tação da responsab i -

l idade , como a aqu i sus ten tada , t em para os fundamentos t rad ic iona i sdo p r inc íp io da cu lpa . Po i s , a cu lpa não é a t ing ida ner r i redef in ida ,an tes pers i s t e em toda a sua p len i tude como pressupos to da pün ib i l i -dade . A sua complementação por c r i t é r ios de pun ição f ina l i s t i camenteor i en tados e a in t egração de ambos na ca tegor ia dogmát ica da respon-sab i l idade mai s não faz do que recuperar para o campo da dogmát icao conhec imento que há mui to se impôs , com a ace i t ação genera l i zada ,nos domín ios da t eo r i a do d i re i to pena l e da po l í t i ca c r imina l : a cons -t a t ação s imples , mas impor tan te , de que a pena ex ige a cu lpa , mas acu lpa não to rna de modo a lgum necessár i a a pena 1 02 .»

100 Sobre a distinção, cf. ROXIN, como na nota 19 (1979), pp. 288 e segs.; JES--CHECK, como na nota 35, pp. 429 e segs.

101 ROXIN, como na nota 19 (1983), p. 21.102 Como na nota 19 (1979), p. 285.

2 0 2 RPCC 2 (1992)

Page 34: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 34/36

A DIGNIDADE PENAL E A CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

c) Nesta l inha, Roxin recusa frontalmente as propostas extrema-das, apostadas em substituir pura e s implesmente a culpa pela gene-ralprâvenlive Strajbedürfnis. Como o fazem, por exemplo , e cada uma seu modo, au tores como Jakobs ou Achenbach .

Embora mantendo a ca tegor ia da cu lpa , Jakobs in terpre ta-a comomora expressão das exigências da prevenção, falando, por isso, deuma «culpa como der ivado da prevenção gera l»10 3. I s to em nomedo dogma proclamado pelo au tor e segundo o qual «o concei to de

culpa tem de se encarar em sentido funcional»

1 0 4

. E no contexto deuma doutr ina da prevenção de integração que compreende a penacomo um «exercício de f idelidade ao direito», ao serviço da «esta-b i l ização da conf iança na ordenação socia l , per turbada pelo com-portamento delictivo» e da «preservação do reconhecimento geral dasnormas»10 5 .

De forma mais rad ica l , advoga Achenbach a renúncia pura e s im-ples à idéia de culpa 10 6. Uma categor ia cu ja cont inuidade nem sequerse pode louvar na necessidade de estabelecer balizas às exigências daprevenção . Segundo Achenbach , a lóg ica au to- referente da prevençãode integração aponta já l imites à medida da pena: «Porque a justiça dareacção às violações do direito, a legitimidade das expectativas decompor tamento jur íd ico-penalmente sancionadas , contêm já uma f ron-te i ra imanente à prevenção correctamente compreendida no sent ido daorientação normativa 10 7.»

Tudo concepções que compor tam, nas palavras de Roxin , o per igoda ins t rumenta l ização do indiv íduo e da sua manipulação «como ins -trumento ao serviço do interesse social da estabilização» 10 8.

10 3 D e s e n v o l v i d a m e n t e , JAKOBS, c o m o n o t a 1 4 , p p . 394 e segs . , e Schuld undPràvention , Tüb ingen , J. C. B. Moh r, 197 6, pp. 31 e segs .

104 Como na nota 14, p. 397., , , s C f. ob. e loc. cits." ,6 Cf. , sobretudo, «Individuelle Zurechnung, Verantwortl ichkeit , Schuld», in

SCHÜNEMANN (Herausg.), Grundfragen, pp. 135 e segs .107 ACHENBACH, ob. cit., p. 150. Em sentido convergente , BAURMANN, «Shuld-

lose Dogmat ik», in LÜDERSSEN/SACK (Herausg.), Seminar: Abweichendes Verhalten.IV. Kriminalpolitik und Strafrecht, Frankfurt , Suhrkamp, 1980, pp. 238 e 255.

108 ROXIN, como na nota 3, § 19, Rn. 3. No mesmo sentido, desenvolvidamente ,SCHÜNEMANN, como na nota 20, pp. 170 e segs.

RPCC 2 (I«Í92) 2 0 3

Page 35: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 35/36

MANUEL DA COSTA ANDRADE

10- a) Num brevíss imo apontamento cr í t ico , não são seguramenteos pr incíp ios que def inem o hor izonte pol í t ico-cr iminal do pensam entode Roxin que podem susci tar reparos . Tra ta-se de enunciados que dãoexpressão àquele paradigma do d ire i to penal , que deixámos referen-ciado e que suscita a nossa irrestr i ta adesão. O mesmo podendo adian-tar-se quanto à generalidade das soluções prático-jurídicas sugeridaspor Roxin , como as a t inentes ao erro evitável sobre a proibição, já de-correntes , de resto, dos artigos 16." e 17.° do CP português.

Dada, por seu turno, a ubiquidade da carência de tutela penal,também não levantará embaraços a invocação da Prãventions-bedüíftigkeit no contexto das causas de exclusão da cu lpa . Permit imo--nos invocar, a propósito, o testemunho elucidativo de Eduardo Cor-re ia : defensor empenhado de um princípio geral de inexigibilidade,nunca o grande penalis ta português deixou de apelar , na sua funda-mentação , també m para cons iderações de prevenção gera l e de preven-ção especial10 9.

b) As nossas dúvidas contendem apenas com aspectos de índolecategor ia l -s is temát ica . Prendem-se , por exemplo , com a função pol í -t ico-cr iminal , o sen t ido funcional- rac ional e o es ta tu to dogmát ico daresponsabilidade, co m o categoria assente em dois pilares de intencio-nal idade e ex igências d ivergentes , mesmo antagônicas . Mesmo a idéia

de síntese, um expediente sempre à mão, não parece dar resposta satis-fa tór ia . Como per t inentemente observa Schünemann: «A categor ia s is -temática da responsabilidade pode, assim e com inteiro sentido, sercons tru ída como síntese da culpa e da prevenção; mas os seus doise lementos nã o pode m ser reconduzidos a um único e com um pr incíp iofundamenta l 1 1 0 .» Recorrendo à l inguagem da teoria do sistema , a culpae a práventive Notwendigkeit perf i lam-se en tre s i como dois s is temasautopoét icos , que se confrontam como fonte i r redut ível de complexi-dade, « i r r i tações e per turbações» (Luhmann) 1 1 ' . Ao contrário do que

109 EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, Coimbra, Almedina, 1968, pp. 446 es e g s .

1 . 0 S C H Ü N E M A N N . c o m o n a n o t a 2 0 . p . 1 7 9 . N o m e s m o s e n t i d o , F IG U EI RE D O

DIAS. como na nota 25. pp. 265 e sees.1. 1 LUHMANN, Õkologische Kommunikation, Opladen, Westeutscher Verlag,

1986, p. 221.

20 4 RPCC 2 (1992)

Page 36: Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

7/27/2019 Costa+Andrade a+Dignidade+Penal

http://slidepdf.com/reader/full/costaandrade-adignidadepenal 36/36

A DIGNIDADE PENAL E /V CARÊNCIA DE TUTELA PENAL

acontece com a culpa, a Pràventionsbedürftigkeit é um sis tema subor-dinado à lógica dos programas f inais , tendo, por isso, o seu «centro degravidade sobre a fronteira do out-pul»m .

Resumidamente , fa lar de responsabilidade é, necessariamente,fa lar de duas co isas rad ica lmente d is t in tas. O que pode com prom eterafecundidade e, por isso, a legitimidade doutrinai da categoria, Desteponto d e v ista , não é in te i ramente carecida de fundam ento a crítica dosque entendem não dever f icar-se a meio caminho no sentido da «colo-nização» e substituição da culpa pelas exigências da prevenção dein tegração .

c) Por outro lado, será talvez apressado considerar definitivamenteesgotadas as vir tualidades do pensamento da culpa (naturalmente,aberto às injunções de sentido decorrentes da carência de tutela penal)para empres tar o necessár io enquadramento dogmát ico às d i ferentesconstelações de exclusão da culpa. Pelo menos 'enquanto não se explo-rarem os novos caminhos, abertos pelo conceito normativo de liber-dade11 3 sobre que Roxin se propõe assentar a doutrina da culpa. Bempodendo, por esta via, ser a própria necessidade daquela categoria queé posta em crise.

112 LUHMANN, Rechtssytem und Rechtsdogmatik, Stuttgart, Koh lamm er, 1974,p. 26.

113 ROXIN, como na nota 19 (1983), p. 16.

RPCC 2 (1992) 2 05