cortejando a sombra.docx

8
LEITURA 1 O ABUSO DA BUSCA DE SENTIDO O conceito de si-mesmo desempenha um papel central na análise junguiana. Em certo sentido, o si-mesmo é um pólo oposto ao ego. O ego diz respeito ao homem mundano, á posição social familiar, á saúde física e emocional. O si- mesmo costuma ser descrito como a “centelha divina” no homem, pode-se dizer que ele diz respeito aos valores eternos da psique humana. Em termos cristãos o ego costuma ser caracterizado como o “mundo” , e o si-mesmo como a “alma”. A sombra de charlatão, a moral em vigor, os conceitos de honra , lealdade , respeitabilidade, fidelidade conjugal e etc, são sobre vários aspecto , produto do ego do home ocidental e não do si-mesmo. O si- mesmo pode fazer suas próprias exigências em relação ao ego. Mas esse fato costuma ser utilizado para justificar, com o auxilio do analista, certos comportamentos simplesmente imorais , indelicados ou agressivos por parte do paciente. O analista, ajuda o paciente a encontrar um alivio momentaneamente para certos conflitos morais . O adultero ou o amigo desleal já não se sentem mais culpados. O paciente fica feliz por ter-se livrado de um conflito moral de maneira tão simples. Mas a longo prazo isso não lhe faz bem, pois seu alivio foi atingido a custa da veracidade. De sua parte, o analista sente-se feliz por ter encontrado um jeito simples e fácil de promover a “cura”. O charlatão

Upload: leonardo-silva

Post on 07-Nov-2015

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

LEITURA 1O ABUSO DA BUSCA DE SENTIDOO conceito de si-mesmo desempenha um papel central na anlise junguiana. Em certo sentido, o si-mesmo um plo oposto ao ego. O ego diz respeito ao homem mundano, posio social familiar, sade fsica e emocional. O si-mesmo costuma ser descrito como a centelha divina no homem, pode-se dizer que ele diz respeito aos valores eternos da psique humana. Em termos cristos o ego costuma ser caracterizado como o mundo , e o si-mesmo como a alma. A sombra de charlato, a moral em vigor, os conceitos de honra , lealdade , respeitabilidade, fidelidade conjugal e etc, so sobre vrios aspecto , produto do ego do home ocidental e no do si-mesmo. O si-mesmo pode fazer suas prprias exigncias em relao ao ego. Mas esse fato costuma ser utilizado para justificar, com o auxilio do analista, certos comportamentos simplesmente imorais , indelicados ou agressivos por parte do paciente. O analista, ajuda o paciente a encontrar um alivio momentaneamente para certos conflitos morais . O adultero ou o amigo desleal j no se sentem mais culpados. O paciente fica feliz por ter-se livrado de um conflito moral de maneira to simples. Mas a longo prazo isso no lhe faz bem, pois seu alivio foi atingido a custa da veracidade. De sua parte, o analista sente-se feliz por ter encontrado um jeito simples e fcil de promover a cura. O charlato nele o impele de evitar o longo e difcil caminho de uma cura genuna, o que lhe interessa no a verdadeira curado paciente, mas a preservao de sua imagem de grande terapeuta. Qualquer analista com base em sua teoria particular, pode fingir a si mesmo e a seu paciente que capaz de penetrar no sentido de qualquer fenmeno. De modo mgico, artstico e proftico, ele procura ligar tudo as foras bsicas que acredita governarem a vida psquica. Esse procedimento d ao paciente uma momentnea sensao se segurana e ao analista um prazer de sentir-se um mgico onisciente. Devemos evitar desempenhar o papel de algum que nunca cai na sombra e tambm estar preparado para admitir nosso erros nesse sentido, no necessariamente em todos os casos, mais sem duvida em principio. A sombra do analista constela a sombra do paciente. Nossa prpria honestidade ajuda-o a confrontar os seus fenmenos sombrios.LEITURA 2CORTEJANDO A SOMBRA: O REI ARTUR E OS CAVALEIROS DA TVOLA REDONDA Muitas pessoas percebem na vida adulta a emergncia de um desejo crescente de autoconscincia e autenticidade, e de maior intimidade com outras pessoas, duas coisas que podem ser obtidas por meio do trabalho com a sombra. A mudana envolve, principalmente, a troca de foco do mundo exterior para o interior. Nos jovens adultos, esta troca pode acontecer como resultado de problemas familiares difceis ou de uma traio sria, por parte de um membro da famlia. Pode ocorrer tambm como resultado de uma desiluso dolorosa em um relacionamento romntico, trazendo a reboque o caos e o auto-exame. Ou pode ocorrer depois de uma experincia com estados alterados de conscincia, que costumam favorecer a orientao para o interior. Para as pessoas de meia-idade, esta mudana muitas vezes acontece de novo, sinalizando uma descida ao submundo, em busca de uma nova perspectiva e da renovao do significado. O desejo de despertar pode tambm ocorrer em qualquer idade, acompanhando o comeo da psicoterapia. Quando as pessoas comeam a fazer terapia, voltam-se para dentro e comeam um rito de passagem que sinaliza uma mudana de atitude e um desejo de aceitar maior responsabilidade pelas conseqncias de suas escolhas. A psicoterapia, como o ritual, pode representar a busca dos deuses perdidos. Em geral, as pessoas vm terapia para contar uma histria de suas vidas, uma narrao de certos eventos e de seus sentimentos a este respeito. Descrevem um conjunto de problemas, conforme sua percepo deles, e procuram empatia, a compreenso do que aconteceu, ou at mesmo conselhos concretos. Como psicoterapeutas, ns, ao contrrio disso, lhes contamos a histria do Rei Artur e dos Cavaleiros da Tvola Redonda, no reino mtico de Camelot, que nos ajuda a imaginar, todas ao mesmo tempo, as figuras de sombra que vivem dentro de ns. Em nossa metfora, o reino representa a psique como um todo, inclusive as necessidades do indivduo, entrelaadas s necessidades de todas as outras pessoas em sua vida. Os cavaleiros, ou personagens da Tvola Redonda, representam os padres pessoais e arquetpicos de funcionamento que influenciam nosso comportamento, moldam nossas decises, e colorem nossos sentimentos. A qualquer momento, um deles pode usurpar o assento de poder do rei e se apropriar do governo, por meio de um golpe de estado interno - talvez como uma criana carente procurando afeio e segurana, ou um crtico feroz que tem medo da imperfeio, ou um gluto compulsivo cuja fome no pode ser satisfeita. Durante estas trocas, toda a nossa pessoa parece ter sido possuda por aquele personagem, enquanto os outros personagens aguardam nas coxias. Enquanto um personagem representa, talvez no exista a sensao de que ele seja "eu" - de jeito nenhum. Cada um desses papis, ou personagens da mesa, tem uma histria pessoal ou um mito de criao. Tambm, como cada deus o deusa, cada um carrega uma ferida e tem um presente a oferecer Quanto mais inconscientes e menos diferenciados forem os personagens, mais fora eles tm para se manter no assento de poder, possuindo-nos como foras estranhas que roubam nosso livre arbtrio. Mas, medida que os tornamos conscientes e diferenciados, personificando-os em nossas imaginaes, menor se torna o seu domnio sobre ns, e mais se expande a gama das nossas opes. Quanto menos conseguimos imaginar a fora que nos domina, mais compulsiva e inconsciente ser nossa atividade. Inversamente, quanto mais pudermos imagin-la e nos relacionarmos com ela, menos seremos possudos. Por fim, com a continuao do trabalho com a sombra, poderemos oferecer a ela um lugar dentro da ordem divina, um refgio em Camelot, onde seu poder possa ser honrado e sua voz ouvida. Comeamos o trabalho com a sombra localizando as razes dos personagens em nossa histria pessoal. LOCALIZANDO AS RAZES DA SOMBRA NA HISTRIA PESSOAL Cada figura de sombra ou personagem da Tvola Redonda tem uma histria a contar, com o mesmo enredo: Quando tnhamos muito pouca idade, a vida que jorrava de dentro de ns, mais a diversidade de nossos sentimentos, e a nossa dependncia, foram demais para aqueles que tomavam conta de ns agentar. Sem saber, eles traram nossas jovens almas de novo e de novo, infligindo as feridas da negligncia, invaso, crueldade e vergonha. Para sobreviver a este meio ambiente que nos feria, ns, enquanto crianas, fizemos o pacto de Fausto, escondendo as partes no aceitveis de ns mesmos na sombra, e apresentando ao mundo apenas as partes aceitveis (ou o ego). Em uma srie sutil e contnua de interaes com nossos pais, professores, padres e amigos, aprendemos, de novo e de novo, como devamos nos apresentar para podermos nos sentir amados, seguros, e aceitos.. Exatamente quando tentamos proteger nossas vulnerveis almas jovens que perdemos contato com elas. O repdio de nossos pensamentos e sentimentos (negao) comea cedo, quando descobrimos que nossos pais retiram o amor quando choramos, ou nos punem quando estamos errados. Sendo eles tambm crianas feridas, nossos pais se defendem de ter de encarar seus prprios sentimentos enterrados, quando estimulados pela espontaneidade natural da criana, com suas emoes nuas e cruas, e seu erotismo. A medida que as defesas so ameaadas, os pais se protegem criticando e julgando os filhos, pelo uso da vergonha e da rejeio. Se, enquanto crianas, internalizamos as vozes crticas de nossos pais, ento a vergonha e o dio a ns mesmos passam a compor nossa auto-imagem. Desta forma, o chamado contedo negativo da sombra, considerado impossvel de ser amado, jogado para o inconsciente (represso), enterrado no corpo (somatizao), ou atribudo aos outros (projeo), enquanto os chamados traos positivos, considerados aceitveis, se transformam em nosso ego ideal (identificao). Por exemplo, quando enterramos sentimentos desconfortveis para. evitar ter de lidar com eles (supresso ou represso), o preo que pagamos deixar de nos sentirmos vivos. Ns vemos os estados de esprito como sentimentos no diferenciados; Quando inconscientemente adotamos as caractersticas de um pai ou me, ou outra figura de autoridade (identificao) para reduzir a dor da separao ou da perda, tambm nos defendemos de nossa prpria separatividade e vulnerabilidade. Quando uma criana diz orgulhosamente: "Eu sou esperto como meu pai", est bebendo dos valores do pai, defendendo-se de se sentir burra ou pequena. Quando o menino se torna adulto, o filho do papai ainda pode estar operando dentro dele, guardando as razes do seu complexo de pai: a voz interna que lhe diz como enfrentar o mundo, como ser poderoso, visvel e produtivo. A sombra aparece quando este treinamento, que o impede de se sentir pequeno e desvalido, o leva a sabotar a si mesmo, tornando-se um viciado em trabalho, exigindo o sacrifcio do seu casamento e de sua autenticidade no altar da produtividade. Quando estes tipos de defesas se rompem, e os sentimentos que provocam ansiedade chegam superfcie, sentimo-nos invadidos pelo medo. Nestes momentos, podemos adotar o comportamento de um estgio anterior da vida (regresso) em um esforo para espantar a ansiedade. Na regresso, viajamos no tempo para o passado, procurando sermos adorados ou cuidados por outra pessoa, totalmente livre da responsabilidade do adulto. Nestas ocasies, abandonamos voluntariamente a voz de nossa autoridade, e ficamos incapazes de agir independentemente: quando ansiamos por um amante que partiu, quando desejamos desaparecer em uma depresso ou doena, ou literalmente voltar a viver na lesa de nossos pais. Ou talvez, em pocas difceis, possamos tentar a automedicao (negao), anestesiando-nos com o abuso de substncias, e distraindo-nos com atividades compulsivas. A negao tambm serve como plataforma para a criao de personagens extremamente autnomos, em desordens dissociativas tais como desordem da mltipla personalidade. Esta ciso (dissociao) de um pensamento ou sentimento especfico durante um evento traumtico, como abuso sexual, resulta na criao de um ou mais personagens autnomos que tm vida prpria, e no esto relacionados com o autntico Self. Assim, de maneiras infinitamente variadas, os personagens internos nascem, vivendo fora das fronteiras da percepo consciente, mas influenciando secretamente nossos estados de esprito, nossas reaes e at mesmo nossas escolhas de vida.