corrupÇÃo, nepotismo e gestÃo predatÓria

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XVIII Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Cómo combatir la corrupción, garantizar la transparencia y rescatar la ética en la gestión gubernamental en Iberoamérica" Caracas, 2004-2005 _______________________________________________________________________________________________ CORRUPÇÃO, NEPOTISMO E GESTÃO PREDATÓRIA: UM ESTUDO DO CASO BRASILEIRO E ALTERNATIVAS PARA SEU ENFRENTAMENTO Luiz Alberto dos Santos y Regina Luna dos Santos Cardoso ______________________________ Tercer Premio INTRODUÇÃO O tema do presente concurso de monografias do CLAD traz em si um aparente paradoxo: não poderia ser considerado “novidade”, posto que a preocupação com o enfrentamento da corrupção, o aumento da transparência das ações governamentais e o resgate da ética na política e na gestão governamental no Brasil, na América Latina e mesmo no mundo não é um assunto recente. Vários sistemas políticos modernos sofreram e continuam sofrendo problemas como corrupção, nepotismo, fisiologismo, crime organizado, favorecimento, “mordomias”, etc, com uma abundante e variada terminologia empregada para descrever as áreas problemáticas. Suas origens, no entanto, ainda não são objeto de consenso: há os que apontem para os custos, mas há divergência se estes se referem à lesão ao patrimônio público ou à perda de credibilidade do sistema político- administrativo; outros, por sua vez, enfatizam o aspecto da transgressão, mais uma vez divergindo se esta se refere a regras formais ou ao consenso moral. Ainda que não tenha suas fronteiras muito bem definidas, termo “corrupção” refere-se a toda essa série de problemas. Não obstante o assunto não ser desconhecido, é impressionante verificar que, a cada dia, ele aumenta sua abrangência e consegue nos assustar e chocar, todos os dias, com os relatos que a imprensa, os órgãos de controle, o Ministério Público e, ultimamente, a própria Polícia Federal, no caso brasileiro, vêm trazendo. Atualmente, talvez pela maior facilidade de disseminação das informações, trazida pela utilização mais intensiva das tecnologias de informação e comunicação, aliada a um ambiente de maior abertura democrática e maior liberdade de imprensa, são cada vez mais freqüentes as reportagens/investigações que trazem relatos de práticas corruptas e de depredação da coisa pública por agentes públicos e privados. Neste trabalho, longe de se fazer uma compilação de relatos jornalísticos das últimas denúncias sobre corrupção, pretende-se trabalhar teoricamente os conceitos de corrupção e uma vertente que, reputamos, seja a mais crítica para sua compreensão e enfrentamento: o nepotismo, nascido e cevado em uma base social que faz pouca diferença entre o público e o privado, presente na história brasileira desde a época de Colônia, reforçada com as práticas coronelistas no início da República e, mesmo atualmente, após tantos ciclos de autoritarismos e redemocratizações, continua a ser manchete de noticiários e razões para vergonha e indignação de diversos segmentos na Administração Pública e na Sociedade, especialmente os comprometidos com a gestão pública profissionalizada. No debate sobre como enfrentar a corrupção, os tópicos recorrentes são a transparência do setor público, a prestação de contas de políticos e administradores e o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle. Vários autores apostam no papel do controle social, exercido através de organizações da sociedade civil, a imprensa, a iniciativa privada ou cidadãos individuais. Ao lado do controle social, muitas vezes denominado como controle vertical, existe o controle horizontal 1 . 1 Todos estes termos se referem ao controle exercido entre os próprios poderes políticos. Por exemplo, o controle financeiro, exercido pelos Tribunais de Contas, o controle jurídico, exercido pelo Ministério Público e Tribunais, o controle do Legislativo sobre a Administração, que se manifesta por exemplo em Comissões Parlamentares de Inquérito. Muitos autores enfatizam as possibilidades de aumentar a eficiência destas instituições. O desempenho dessas instituições depende em muitos casos de sua independência, dos recursos humanos e materiais disponíveis para a atuação e da motivação dos seus integrantes para exercer a sua função. Existem também sistemas de controle interno. Governo e Administração estão interessados em aumentar o seu desempenho e evitar a exposição a escândalos. Por esse motivo, 81

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XVIII Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Cómo combatir la corrupción, garantizar la transparencia y rescatar la ética en la gestión gubernamental en Iberoamérica" Caracas, 2004-2005 _______________________________________________________________________________________________

CORRUPÇÃO, NEPOTISMO E GESTÃO PREDATÓRIA: UM ESTUDO DO CASO BRASILEIRO E ALTERNATIVAS PARA SEU ENFRENTAMENTO

Luiz Alberto dos Santos y Regina Luna dos Santos Cardoso ______________________________

Tercer Premio INTRODUÇÃO

O tema do presente concurso de monografias do CLAD traz em si um aparente paradoxo: não poderia ser considerado “novidade”, posto que a preocupação com o enfrentamento da corrupção, o aumento da transparência das ações governamentais e o resgate da ética na política e na gestão governamental no Brasil, na América Latina e mesmo no mundo não é um assunto recente.

Vários sistemas políticos modernos sofreram e continuam sofrendo problemas como corrupção, nepotismo, fisiologismo, crime organizado, favorecimento, “mordomias”, etc, com uma abundante e variada terminologia empregada para descrever as áreas problemáticas. Suas origens, no entanto, ainda não são objeto de consenso: há os que apontem para os custos, mas há divergência se estes se referem à lesão ao patrimônio público ou à perda de credibilidade do sistema político-administrativo; outros, por sua vez, enfatizam o aspecto da transgressão, mais uma vez divergindo se esta se refere a regras formais ou ao consenso moral. Ainda que não tenha suas fronteiras muito bem definidas, termo “corrupção” refere-se a toda essa série de problemas.

Não obstante o assunto não ser desconhecido, é impressionante verificar que, a cada dia, ele aumenta sua abrangência e consegue nos assustar e chocar, todos os dias, com os relatos que a imprensa, os órgãos de controle, o Ministério Público e, ultimamente, a própria Polícia Federal, no caso brasileiro, vêm trazendo. Atualmente, talvez pela maior facilidade de disseminação das informações, trazida pela utilização mais intensiva das tecnologias de informação e comunicação, aliada a um ambiente de maior abertura democrática e maior liberdade de imprensa, são cada vez mais freqüentes as reportagens/investigações que trazem relatos de práticas corruptas e de depredação da coisa pública por agentes públicos e privados.

Neste trabalho, longe de se fazer uma compilação de relatos jornalísticos das últimas denúncias sobre corrupção, pretende-se trabalhar teoricamente os conceitos de corrupção e uma vertente que, reputamos, seja a mais crítica para sua compreensão e enfrentamento: o nepotismo, nascido e cevado em uma base social que faz pouca diferença entre o público e o privado, presente na história brasileira desde a época de Colônia, reforçada com as práticas coronelistas no início da República e, mesmo atualmente, após tantos ciclos de autoritarismos e redemocratizações, continua a ser manchete de noticiários e razões para vergonha e indignação de diversos segmentos na Administração Pública e na Sociedade, especialmente os comprometidos com a gestão pública profissionalizada.

No debate sobre como enfrentar a corrupção, os tópicos recorrentes são a transparência do setor público, a prestação de contas de políticos e administradores e o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle. Vários autores apostam no papel do controle social, exercido através de organizações da sociedade civil, a imprensa, a iniciativa privada ou cidadãos individuais. Ao lado do controle social, muitas vezes denominado como controle vertical, existe o controle horizontal1.

1 Todos estes termos se referem ao controle exercido entre os próprios poderes políticos. Por exemplo, o controle financeiro, exercido pelos Tribunais de Contas, o controle jurídico, exercido pelo Ministério Público e Tribunais, o controle do Legislativo sobre a Administração, que se manifesta por exemplo em Comissões Parlamentares de Inquérito. Muitos autores enfatizam as possibilidades de aumentar a eficiência destas instituições. O desempenho dessas instituições depende em muitos casos de sua independência, dos recursos humanos e materiais disponíveis para a atuação e da motivação dos seus integrantes para exercer a sua função. Existem também sistemas de controle interno. Governo e Administração estão interessados em aumentar o seu desempenho e evitar a exposição a escândalos. Por esse motivo,

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Com efeito, nas últimas décadas, muita atenção dos estudiosos de Estado e Governo tem sido dedicada aos fenômenos relacionados ao controle social dos agentes públicos. Ainda se crê que a responsabilização dos agentes públicos e a transparência dos atos e decisões públicos constitui o princípio central da democracia da soberania popular, bem assim o controle dos governantes pelos governados como principal instrumento de sua responsabilização frente aos cidadãos. Por outro lado, sua importância só é relativizada em relação ao bom desempenho democrático e ao funcionamento de mecanismos que obriguem os políticos a cumprir as promessas de campanha, sem prejudicar a capacidade valorativa dos cidadãos a respeito de seus representantes nas eleições seguintes. É nesse sentido que se torna crítico repensar as formas de controle social das ações dos agentes estatais, bem como garantir a transparência, não somente para reduzir a corrupção mas também assegurar a legitimidade do sistema representativo.

Nas últimas duas décadas, avançou-se na discussão das formas de controle social, devido ao processo de reforma do Aparelho do Estado, fortemente influenciado pelas idéias da Nova Gerência Pública, e suas decorrências, notadamente a busca da eficiência e da flexibilidade gerencial, priorizando os controles a posteriori – por resultados e pela competição administrada – e sua contrapartida, o estado de prontidão (readiness) por parte da Sociedade para exercer a cidadania em seus múltiplos aspectos. Ainda nesse contexto, percebe-se igualmente a importância adquirida pela utilização cada vez mais intensiva das tecnologias de informação e comunicação – TIC – em diversas esferas de atuação do Estado, com forte potencial para melhorar o relacionamento Estado-Sociedade, tanto no que se refere à transparência das ações como à garantia de acesso a informações governamentais. Não se nega, entretanto, que ainda que haja grande desigualdade de acesso, por parte da Sociedade, a estas informações, uma vez que não somente nem todos têm acesso a hardware e software necessários, à conexão e tampouco dominam de forma proficiente a linguagem e a forma pela qual as informações são disponibilizadas, como é ainda insuficiente, na maior parte dos países em desenvolvimento, o grau de acessibilidade proporcionado pelo Estado.

Por isso, é importante analisar a corrupção como um fenômeno de caráter individual e também social. Para compreender a corrupção, é necessário observar a realidade sob o prisma do indivíduo, pois é ele quem age, corrompendo ou sendo corrompido. É razoável supor que uma política pública de combate à corrupção deva levar em consideração os incentivos seletivos que fazem o indivíduo participar de uma organização corrupta, mesmo que informal, ou ser partícipe num ato de corrupção, logrando e concedendo vantagem indevida a outrem. Porque defendemos, aqui, a tese de que o Nepotismo é a forma mais “pura” de expressão da corrupção, o foco repousará, a partir desta discussão, na categorização e análise deste fenômeno no mundo e no Brasil, suas origens, manifestações, com estudo de diversos casos “clássicos” no Brasil (incluindo as últimas denúncias apresentadas no atual mandato Presidencial), até chegarmos à análise do grau de dificuldade para controlá-la e à propositura de alternativas ao seu enfrentamento.

Acreditamos que, ao trazer à baila um tema tão delicado e desafiador, o CLAD contribuirá em muito para o combate a práticas seculares e predatórias, auxiliando as diversas estruturas administrativas da América Latina e Ibérica a prestar, efetivamente, serviços públicos, voltados para as necessidades da Sociedade Civil, dentro de padrões de transparência, publicidade, eficiência, efetividade e legalidade inerentes a uma gestão pública democrática e moderna. Neste sentido, apresentamos à análise e julgamento subsídios que poderão facilitar a compreensão deste fenômeno no Brasil e, quiçá, lançar luz a fenômenos semelhantes que ocorrem em outras localidades.

CORRUPÇÃO E NEPOTISMO

O conceito de corrupção, como ocorre em diversos outros fenômenos sociais, necessita ser razoavelmente delimitado, para permitir discussão em bases racionais. Esperamos, aqui, construir consensos a respeito de como entender a corrupção na esfera pública. Tarefa que não chega a ser

mantém uma série de mecanismos para a identificação de falhas de eficiência. Para tais sistemas de controle interno, as novas tecnologias de informação podem ser decisivas. Também há experiências com instituições relativamente novas, como Ouvidorias, para aumentar a voz do cidadão dentro da administração.

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fácil, vez que muitos estudiosos, por tratar do tema ora de forma teórica, ora de forma mais “investigativa”, na produção de relatos, acabam por enveredar em diversos campos e dificultam a síntese.

Em alguns estudos publicados durante a década de 1990, buscou-se estabelecer referências teóricas e empíricas para tratar o assunto. Klitgaard, com seu Controlling Corruption (1991), Macmullen, com seu Corruption and the Decline of Rome (1988), Heidenheimer e seu Political Corruption: Readings in Comparative Analysis (1978) e Rose-Ackerman, com seu Corruption: a Study in Political Economy (1978) são, sem dúvida, referências para o campo. A coletânea “Corruption & Integrity Improvement Initiatives in Developing Coutries”, publicada pelo United Nations Development Program e a OECD em 1998 é, também, uma referência indispensável. Os estudos e dados disponibilizados pelo Banco Mundial sobre o fenômeno do State Capture2 também devem ser mencionados, já que tratam do assunto não sob a ótica de um problema ocasional, mas de uma situação endêmica principalmente em países em desenvolvimento: instituições formais são perpassadas e controladas por redes de pessoas que intercambiam favores e fazem uso da máquina governamental em seu próprio interesse.

No caso brasileiro, um trabalho de investigação interessante é o livro Morcegos negros, de Lucas Figueiredo (2000), que disseca o caso Collor, suas implicações e possíveis ligações com o crime organizado e esquemas de lavagem de dinheiro, assim como o fizeram Keith Rosenn e Richard Downes (2000) em Corrupção e a reforma política no Brasil, dando ênfase sobre as relações entre as disfunções organizacionais de nosso sistema político, o financiamento de campanha e a corrupção. Mais recentemente, Speck (2002), em seu Caminhos da Transparência, abre espaço na agenda acadêmica, ao trazer textos seminais para o estudo do fenômeno no País.

Como se depreende da leitura desses textos e de outros, de cunho mais historiográfico, o senso comum associa corrupção a um ato ilegal, em que dois agentes – um corrupto e um corruptor – travam uma relação que pode ser considerada imoral, contrária ao ordenamento jurídico e aos costumes. De todos os sentidos que podemos encontrar para o termo, parece haver um denominador comum: o ato sugere interação de pelo menos dois indivíduos ou grupos de indivíduos que corrompem ou são corrompidos e esta interação implica transferência de rendas ou favores que se dão fora das regras do jogo econômico e do ordenamento jurídico daquela sociedade. Para Silva (2001), qualquer definição do fenômeno envolve um conceito de burocracia e de agente político, uma noção de separação entre o público e o privado, além da idéia de transferência de renda fora das regras. O mesmo autor apresenta uma definição de corrupção que pode ser utilizada para os fins da presente monografia: “A corrupção pública é uma relação social (de caráter pessoal, extramercado e ilegal) que se estabelece entre dois agentes ou dois grupos de agentes (corruptos e corruptores), cujo objetivo é a transferência de renda dentro da sociedade ou do fundo público para a realização de fins estritamente privados. Tal relação envolve a troca de favores entre os grupos de agentes e geralmente a remuneração dos corruptos com o uso da propina e de qualquer tipo de pay-off, prêmio, recompensa)” (Silva, 2001, p. 31).

Para exemplificar, examinemos rapidamente um dos grandes focos de corrupção pública: o processo de compras governamentais. Um elemento importante das compras do governo é a licitação e seus defensores admitem ser impossível controlar a burocracia pública nas compras sem

2 Utilizamos aqui o conceito desenvolvido por Joel Hellman, Geraint Jones e Daniel Kaufmann no texto “Seize the State, Seize the Day: State Capture, Corruption and Influence in Transition”, September 2000, World Bank Policy Research Working Paper No. 2444 : “Whereas state capture refers to the capacity of firms to shape and affect the formation of the basic rules of the game (i.e., laws, regulations, and decrees) through private payments to public officials and politicians, influence refers to the same capacity without recourse to such payments. Administrative corruption refers to so-called "petty" forms of bribery in connection with the implementation of existing laws, rules and regulations. (…) Influence tends to be inherited as a legacy of the past by large, incumbent firms with existing formal ties to the state. These influential firms enjoy advantages in terms of greater security of property and contract rights and superior firm performance. By contrast, state capture is a strategic choice made primarily by de novo firms trying to compete against influential incumbents”. De fato, estendemos o conceito, não considerando apenas as firmas como “capturadoras” do Estado, mas diversos outros grupos ou elites que gravitam em torno de redes baseadas em interesse econômico.

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A licitação, assim, se por um lado pretende garantir o direito de isonomia, por outro lado impede um processo de compra público mais “dinâmico”, sob os parâmetros de eficiência que seriam desejados pelo mercado. Por outro lado, os defensores do processo licitatório argumentam que ele traz economicidade, igualdade e moralidade ao procedimento, atendendo a padrões de eficiência e legalidade no trato da coisa pública.

Esses padrões de eficiência e de moralidade/legalidade se aproximam muito da idéia weberiana de uma burocracia profissional, moldada na legitimidade da crença no estatuto legal e da eficiência garantida pela divisão de trabalho e na especialização, integrantes da racionalidade própria da Modernidade. Nessa tipificação, a burocracia (pública ou privada) é organizada dentro de uma hierarquia cuja função é a obtenção, da forma mais eficiente e eficaz possível, para atender o interesse público, dos fins programados, respeitando, acima de tudo, a ética dos meios, dos procedimentos. No caso da burocracia pública, os agentes que dela participam possuiriam uma formação profissional adequada às funções desempenhadas, seriam profissionalizados e agiriam de acordo com as chamadas normas burocráticas. As características principais dessa burocracia profissional, condizentes com a expectativa de fair play das interações seriam a imparcialidade e a separação entre os fins privados e públicos. A racionalidade dos agentes públicos é, portanto, condicionada à realização incondicional do bem público e à preservação da coisa pública, e os agentes públicos utilizariam seu conhecimento técnico com o único objetivo de alcançar os objetivos definidos pelo governo.

Tal concepção, no entanto, não leva em consideração o papel da estrutura de motivações gerada dentro de todo conjunto de regras e valores. Há quem defenda a idéia de que o comportamento de “busca de rendas” (rent-seeking) pode ser encontrado (como efetivamente ocorre) tanto no setor privado quanto no setor público, lembrando que todo agente, privado ou público, agirá de acordo com princípios privados e, em se encontrando a possibilidade, tentarão transferir renda de outros setores da sociedade. Isto não significaria dizer que os agentes públicos quebram as regras do jogo, mas que têm suas ações limitadas por regras e por um sistema de incentivos que geram determinados resultados. Assim, se a profissionalização e a eficiência figurarem entre o rol dos valores compartilhados por sua comunidade, também agirão de acordo com essa restrição.

O debate teórico subjacente a essa questão ocorre entre os defensores do individualismo metodológico e a teoria da ação racional, com racionalidade limitada, e os defensores do coletivismo metodológico, com racionalidade mais abrangente.

A aceitação do individualismo metodológico não retira a importância das instituições, organizações e do Estado na análise da corrupção. O individualismo metodológico não é atomismo nem é uma forma de oposição ao Estado, tampouco uma tendência para se libertar de toda obrigação de solidariedade e pensar apenas em si. Mas será preciso compreender a ação individual intencional, acima citada, como estratégica ou paramétrica. Na estratégica, cada ator pondera a ação dos demais em sua própria ação. Na paramétrica, a ação de cada ator é decidida a partir de uma estrutura fixa de informações.

Dada a superioridade explicativa das relações entre os indivíduos, em detrimento das relações entre entidades sociais agregadas e da redução a propriedades atomísticas, defendidas pelos partidários do coletivismo metodológico, pode-se entender que, no individualismo metodológico, o todo visto como a soma das ações individuais não-relacionais é menor que o todo entendido como a combinação de decisões individuais estratégicas (no sentido acima descrito), que considera as

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Têm força explicativa, não obstante, os estudos que se identificam mais com o individualismo metodológico, para os quais a explicação da corrupção pública depende da compreensão de como o indivíduo age e porque escolhe uma ação e não outra. É possível pensar em explicações do tipo psicológico, segundo as quais o homem caracteriza-se pelo egoísmo, pela ganância e pela insaciabilidade; ou pelo tipo lógico, retirando-se da noção de auto-interesse qualquer conteúdo ético ou psicológico. Nele, o homem distinguir-se-ia da versão original neoclássica ao deslocar a ênfase do componente motivação para o componente racionalidade ou escolha racional. A racionalidade do agente tem a ver com a relação entre meios e fins, entre ações e a satisfação de desejos. Portanto, a questão da ação racional se resume à seguinte pergunta: como os indivíduos determinam suas escolhas? Escolhem dentre os meios conhecidos os mais eficientes para atingir o fim pretendido, seja ele qual for.

Os requerimentos da racionalidade estão divididos em fortes e fracos. Os fortes estão ligados à capacidade individual de maximização (Orestein, 1998):

- impossibilidade de crenças e preferências contraditórias; - impossibilidade de preferências intransitivas; e - conformidade das decisões com os axiomas do cálculo probabilístico. Os fracos, por outro lado, são os elementos que tornam viável o equilíbrio estratégico entre

atores racionais: - suposições corretas sobre decisões de outros agentes; - probabilidades subjetivas devem se aproximar de freqüências observadas; e - estando em uma situação ótima nenhum agente varia sua decisão. A escolha racional é alvo de importantes e consistentes críticas, mas parece não ter surgido

uma explicação melhor para o fenômeno da ação humana, especialmente para os correligionários da Economia Política. Sabe-se que ninguém possui informação completa para tomar uma decisão maximizadora no sentido forte do termo; entretanto, diante das informações incompletas o indivíduo decidirá tentando satisfazer suas preferências não-contraditórias e transitivas.

Dessa forma, é possível afirmar que os homens que agem em nome da “racionalidade pública” o fazem sempre por meio de uma racionalidade individual referente a fins. Não importa se é por prestígio ou renda. O fato é que a lógica da ação é privada e não pública, individual e não coletiva. Como conseqüência imediata desse argumento aparece a possibilidade de combater a corrupção aumentando: a) os riscos inerentes à ação; b) os constrangimentos legais. Igualmente ao caso da licitação, o simples crescimento da complexidade legal não irá impedir a corrupção. Poderá até aumentá-la. Por outro lado, diminuir a sensação de impunidade aumentará o custo da ação corrupta e poderá ter um efeito devastador na corrupção. Nesse caso, a impunidade corresponde a um risco menor.

A ação corrupta acontece com maior ou menor intensidade dependendo dos sistemas de incentivos presentes nas “instituições, nas leis, regulamentações governamentais, valores morais e regras auto-impostas” (Silva, 1995). Assim sendo, dentro desta visão econômica de corrupção existem três formas de controlar o fenômeno:

- minimizar a regulamentação e buscar desenhos institucionais que inibam as oportunidades de buscar renda ilegalmente;

- impor sistema de crime e castigo que aumente o risco, na margem, da ação corrupta; e - criar sistema de incentivos e cultura organizacional dentro da máquina pública que valore

negativamente a corrupção (ética do mérito e da correção). Dessa forma, é possível defender a idéia de que não será por meio da mera criação de

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ordenamentos jurídicos complexos, tampouco pela crença em uma burocracia determinada por um possível “espírito público”, que a corrupção será controlada. O agente público precisa sentir-se atraído pela ação moral, seja pela cultura organizacional pública ou por um senso comum que desvalorizem a ação corrupta, seja pelo aumento do risco em corromper ou ser corrompido.

Esta discussão, na realidade, leva-nos à mesma discussão travada durante os anos 1990, no auge das Reformas do Estado calcadas na Nova Gerência Pública: como criar um sistema de incentivos capaz de solucionar o problema da relação agente-principal e obter compromisso com resultados e a eficiência nas ações governamentais?3 Muito já se discutiu e pouco se comprovou a respeito do que efetivamente é possível realizar a respeito do controle da corrupção, o que nos sugere que tentativas de entender aspectos específicos do fenômeno corrupção possam trazer melhores resultados do que tratar do assunto teoricamente.

De fato, em que pese a relevância de tal argumentação, a História demonstra que, quando não existem as sementes de uma burocracia profissionalizada, que separe satisfatoriamente a esfera privada da esfera pública, as chances de verificação de práticas predatórias na Administração Pública tendem a crescer exponencialmente. Isto porque, como antípoda do conceito de burocracia racional-legal, está o de nepotismo, que passamos agora a analisar.

Nepotes, nietos e familismo: o conceito de nepotismo

O conceito de nepotismo está umbilicalmente vinculado ao de corrupção. Segundo Macmullen (1999), em sentido gramatical é um conceito que envolve a

demonstração de favorecimento de parentes ou amigos, especialmente na indicação para empregos desejáveis, que não sejam baseadas em mérito ou justiça. Bobbio (1991), em seu Dicionário de Política, reforça essa vinculação: o nepotismo é um dos três tipos de corrupção, definido como “concessão de emprego ou contratos públicos baseada não no mérito, mas nas relações de parentela”.

Como salienta Sérgio Augusto Pereira de Borja (1996), o vocábulo nepotismo traz uma inerência conceitual pejorativa. A origem etimológica da palavra deriva de nepos, que significa neto, descendente ou sobrinho aglutinando-se como nepotismo (nepote + ismo), que traduz-se na “atitude de alguns papas que concediam favores particulares a seus sobrinhos...”.

A prática, nessa acepção, teve início com Alfonso de Borja, em italiano Borgia, que recebeu o cognome de Calixto III. Esse papa beneficiou a seu sobrinho Rodrigo Lançol y Borgia, que também veio a assumir o papado sob o título de Alexandre VI. Informa ainda o Prof. Borja: “Rodrigo de Borja teve várias amantes e filhos. Com Vanezza Catanei teve quatro, entre os quais César Bórgia (a quem Maquiavel homenageia em O Príncipe), ao qual nomeou cardeal em 1493. Um ano depois de assumir o pontificado tomou uma nova amante Julia Farnesio, com quem teve mais filhos. Assim, com um grande número de filhos, atribuiu-lhes vários territórios da Igreja. Seu nepotismo chegou ao paradoxismo quando, mediante bula fechada em 1º de setembro de 1501, concedeu a seu neto com somente dois anos, filho de Lucrécia, o Ducado de Sermaneta em que situa-se a cidade de Albano. Esta é a história de dissolução e corrupção que jaz indelével no conteúdo conceitual que denota a palavra nepotismo”.

Sobre a origem, o significado e a abrangência do termo, esclarece ainda Millôr Fernandes (www.gravata.com), com inconfundível precisão: “Honra seja feita, o Brasil não inventou a corrupção, a burocracia pedante e feroz, nem o nepotismo. Tudo isso foi importado com o ‘descobrimento’ e a ‘colonização’. Vejam os senhores que falta faz a reserva de mercado.

Proudhon dizia que toda propriedade é um roubo. A elite brasileira acha que todo cargo público é uma propriedade.

Como os italianos não distinguem entre sobrinho e neto (aliás não distinguem, parece, entre todos os afins. Nipote pode ser filho do filho ou da filha -neto-, filho do irmão ou da irmã

3 No campo da Economia Política, diversos autores se destacam para construir e operacionalizar a teoria do agente-principal. Segundo Silva (2001), os mais significativos neste campo de pesquisa são Buchanan e Tulloc, Arrow, Downs e Olson.

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XVIII Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Cómo combatir la corrupción, garantizar la transparencia y rescatar la ética en la gestión gubernamental en Iberoamérica" Caracas, 2004-2005 _______________________________________________________________________________________________ -sobrinho-, o cônjuge de qualquer um deles, os primos, filhos dos primos, e, afinal, toda a descendência. Haja nepotismo. Haja cargos), nipote, os papas criaram o nepotismo, distribuindo cargos e santidades pra filhos (!) e parentes. Logo todo o poder laico, civil e militar, adotou a prática, ampliando-a para toda a parentela.

Como manifestação da corrupção que se expressa em termos de legalidade ou ilegalidade, e que só faz sentido quando contextualizado como prática no âmbito do aparelho estatal, o nepotismo está também associado ao conceito de clientelismo. Como esclarece Bobbio (1998, p. 178), “em que o desenvolvimento determina processos de desagregação social, por vezes macroscópicos, e os partidos e estruturas políticas modernas foram introduzidos ‘do alto’, sem o suporte de um adequado processo de mobilização política, também é claro que, em lugar do clientelismo tradicional, tende a afirmar-se um outro estilo de Clientelismo que compromete, colocando-se acima dos cidadãos, não os já notáveis de outros tempos, mas os políticos de profissão, os quais oferecem, em troca da legitimação e apoio (consenso eleitoral), toda a sorte de ajuda pública que têm ao seu alcance (cargos e empregos públicos, financiamentos, autorizações, etc.). É importante observar como esta forma de Clientelismo, à semelhança do Clientelismo tradicional, tem por resultado não uma forma de consenso institucionalizado, mas uma rede de fidelidades pessoais que passa, quer pelo uso pessoal da classe política, dos recursos estatais, quer, partindo destes, em termos mais mediatos, pela apropriação de recursos civis autônomos”.

Assim, irmãos gêmeos e expressões típicas do patrimonialismo, nepotismo e clientelismo andam de mãos dadas, convertendo o acesso aos cargos e empregos públicos em moeda de troca e fator de coesão e legitimação dos detentores do Poder.

As Raízes do Nepotismo e as origens do seu enfrentamento: um panorama mundial

As origens do nepotismo, ou da utilização clientelista, fisiológica ou eleitoreira dos cargos e empregos públicos, se confundem com a própria origem do Estado. Não apenas do Estado Moderno, mas da organização estatal em sua forma mais primitiva, de que é exemplo a estrutura monárquica de poder, fundada essencialmente na idéia de hereditariedade, em que inexiste qualquer associação ou vinculação entre o direito de exercer o poder político e um sistema de mérito ou mesmo a impessoalidade.

A prática do nepotismo, contudo, não foi assimilada por todas as culturas e sociedades de maneira homogênea, ou sem resistências. Desde meados do século passado, diversos países, tais como França, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos da América, passaram a implementar reformas com o propósito de reduzir os espaços para práticas que associassem o uso dos cargos e empregos públicos e o exercício do poder político, reduzindo a margem de discricionariedade dos governantes no seu provimento, mediante a implementação do “sistema do mérito”.

Essas medidas surgem, segundo Catalá (2000), como conseqüência de pressões para remediar os excessos dos partidos políticos, cuja tendência a administrar os cargos e empregos públicos como um botim eleitoral produzia uma perda de competência profissional, ineficácia e ineficiência, predomínio da lealdade partidária sobre os serviços e interesses gerais e a corrupção e deslegitimação do sistema político-administrativo. A origem do sistema do mérito, assim, está vinculada à busca da superação da ineficiência e da corrupção. Nesse sentido, aponta: “La fundamentación tópica del sistema de mérito comprende los pasos siguientes: (a) Todos los ciudadanos son formalmente iguales frente al acceso a los cargos y empleos públicos, no siendo constitucionalmente admisible ninguna discriminación que no se halle fundada en el mérito exigible para el buen desempeño de aquéllos; (b) La igualdad de acceso no implica necesariamente el acceso por mérito: el sistema de “patronazgo”, instaurado de modo general al inicio del Estado constitucional, se entendió compatible con el principio de igualdad; (c) Aunque la clase política tiende naturalmente al sistema de patronazgo, como éste propende a la incompetencia, ineficiencia y corrupción, tiene que surgir una presión de la opinión pública que obliga a los políticos a instaurar el sistema de mérito (aunque tal instauración se produzca de manera incremental, es decir, mediante un tiempo largo de convivencia desigual de ambos sistemas)”.

Na Alemanha, a instituição de um serviço público civil profissional (Derlien, 1991) pode ser

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datada de 1794, quando foi editado o Código de Funcionários da Prússia, lei constitucional que especificou os direitos e deveres dos servidores reais, redefinindo-os como servidores públicos e disciplinando suas relações de trabalho, nos termos do direito público. A proteção contra demissão arbitrária foi definida em 1823, garantindo estabilidade aos servidores. Em 1825, foi regulado o direito à pensão, bem como regulamentado o acesso à função pública.

Em 1873, após a declaração do Segundo Reich, o código do serviço civil tornou-se lei, sendo incorporados seus princípios à Constituição em 1918. Com a ascensão dos nazistas ao poder, tais garantias tornaram-se relativas, em função das medidas adotadas para assegurar a afinidade ideológica entre o serviço civil e o regime político vigente. Em 1933, a Lei da Restauração do Serviço Civil Profissional serviu, dentro dos propósitos do novo regime de ajustar a alta administração às suas necessidades, para promover um largo expurgo racial e político no serviço civil superior.

Em 1949, a Constituição da República Federal Alemã reviveu os princípios da Carta de 1918. Os princípios que regem o serviço público alemão (especialmente a obrigação de dedicação exclusiva ao cargo, lealdade política à Constituição, neutralidade política e sistema de carreira) influenciaram fortemente a concepção de burocracia descrita por Weber.

Na França, até antes da Revolução Francesa, havia dois tipos de servidores públicos: os titulares de ofícios, que eram na verdade proprietários dos seus cargos, os quais podiam transferir por herança e que deram origem a dinastias administrativas, e os comissários, funcionários nomeados e exonerados livremente pelo Rei e instrumentos do processo de centralização política. Com a Revolução, ambos foram extintos, e substituídos por um sistema em que os funcionários seriam eleitos pelos cidadãos, em virtude do princípio da igualdade formulado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Esta fase foi logo superada pela aprovação da Constituição napoleônica, no ano VIII, a partir da qual passou a ter a condição de funcionário o agente da administração. Deve-se a Napoleão, portanto, a idéia da criação de uma ordem civil como um conjunto de grands corps permanentes, dotados de estatutos específicos, analogamente à organização das carreiras militares. A noção de uma estrutura funcional organizada em corpos hierarquizados e protegidos por um sistema de garantias foi defendida pelo Imperador ante o conselho do Estado, nos seguintes termos: “... quero sobretudo uma Corporação, porque uma Corporação não morre nunca... Uma corporação que não tenha outra ambição que ser útil e outro interesse que o interesse público. É necessário que este corpo tenha privilégios e que não seja demasiado dependente dos ministros e do Imperador” (Parada, 1993, p.380).

Formaram-se, de acordo com esta concepção, os grandes corpos do Estado, regidos por regulamentos orgânicos e pela jurisprudência do Conselho de Estado, afirmando-se os princípios que constituíram a base do sistema de ordenação e garantia dos funcionários, como o ingresso pelo mérito e a capacidade dos aspirantes, a permanência no emprego, a definição da relação funcional como de índole não contratual e a submissão dos direitos e obrigações dos funcionários às necessidades da administração.

No Reino Unido, o sistema patrimonialista passou a dar lugar ao sistema do mérito a partir de reformas tais como a implementada a partir de 1854, com a publicação do Relatório Northcote-Trevelyan, que serviu de base para o Ato do Conselho de 1870. Esse relatório, vivamente inspirado na experiência chinesa em que a figura dos mandarins se impunha na administração dos negócios do Império4, propôs a abolição do sistema do filhotismo e iniciou o processo de eliminação do protecionismo, impondo ao serviço civil britânico uma diferente teoria de recrutamento. Os principais aspectos desse recrutamento consistiam no ingresso de jovens no serviço com limites de

4 Segundo BARBOSA, na China o sistema de recrutamento de servidores com base no mérito iniciou-se em 206 a.C. e subsistiu até 1912. O apadrinhamento era evitado por meio do sigilo em torno do nome dos candidatos aos cargos e da sua sujeição a rigorosos exames escritos, avaliados por três examinadores diferentes (BARBOSA, 1999, p. 29). Esclarece o grande escritor português Eça de Queiroz que o a palavra mandarim, que muitos acreditam ser de origem chinesa, é na verdade um neologismo português, derivado da palavra “mandar” e que refletia o grande poder e influência desses funcionários na administração imperial chinesa.

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idade estabelecidos, mediante concursos públicos destinados a indicar mais inteligência e habilidade geral do que preparo técnico ou especialização profissional relativamente a tarefas de certa carreira ou atividade específica.

Nos EUA, conforme Bobbio (1998), a concepção original que marcou a organização do serviço civil americano, dentro dos ideais do Estado Democrático, foi a de criar-se uma administração sem com ela gerar-se uma burocracia, assim considerada na acepção de “antidemocraticidade dos aparelhos dos partidos e dos Estados”.

Assim, em 1820 o Four Tenure of Office Act estabeleceu a regra segundo a qual os funcionários das áreas de finanças deviam prestar contas de sua gestão e obter confirmação da sua investidura a cada quatro anos, limitação logo estendida a outros empregos.

Esta medida visava criar uma defesa legal contra o risco de um funcionário permanente que, a exemplo do que ocorrera no Antigo Regime, na França, viesse originar uma propriedade antidemocrática sobre as funções públicas, mas acabou por ser utilizada para despojar dos seus postos todos os funcionários de ideologia contrária e recompensar com esses mesmos postos os partidários do partido vencedor nas eleições.

A chegada de Andrew Jackson à Presidência da República, em 1829, deu início ao sistema de derrubada, repartindo os empregos públicos entre seus partidários. A burocracia que vinha se formando foi desmantelada, dando lugar ao chamado spoils system.

O spoils system, ou sistema dos despojos, identifica a prática, comum até a segunda metade do século passado nos Estados Unidos, que permitia que a grande maioria dos postos de trabalho na administração pública fossem distribuídos como verdadeiros despojos de guerra a membros do partido vitorioso nas eleições. A expressão foi cunhada pelo Senador William L. Marcy (“aos vencedores pertencem os despojos do inimigo”) em apoio à política dotada pelo Presidente Andrew Jackson, em cujo governo o sistema se institucionalizou5. O próprio Presidente se encarregou de formular uma concepção técnica para justificar o sistema, afirmando que “os trabalhos confiados aos agentes do Estado são tão fáceis que todo homem inteligente pode adaptar-se a eles sem demora” (Parada, 1993, p. 385).

A substituição alucinante de funcionários produziu graves crises nos serviços públicos, generalizando a corrupção e mesmo a insubordinação no Exército. Tentativas operadas durante a Guerra da Secessão de submeter a exames prévios os candidatos a cargos públicos foram rechaçadas, tão arraigado estava o sistema na classe política americana.

No entanto, a reiteração dos escândalos e o aumento da desconfiança nos funcionários públicos levou ao clamor popular por mudanças, tanto mais que o serviço civil britânico fora reformado em 1854. Mas foi só após um fato traumático que as mudanças ocorreram: o histórico Pendleton Act, de 1883, foi fruto de um fato inusitado - a morte, em 1881, do Presidente James Garfield. Disposto a implementar reformas e reduzir os efeitos do spoils system, foi assassinado por um ex-cabo eleitoral, Charles J. Guiteau, candidato frustrado a um emprego público. Relata Menezes (1969, p. 28) que: “Na década de 1870, a repulsa contra o spoyls system tornou-se cada vez mais intensa, atingindo o ápice em 1880, com a eleição de James A. Garfield, integrando no espírito da reforma, como Presidente dos Estados Unidos. O assassínio deste homem público por um desvairado caçador de emprego mobilizou a opinião pública num sentido unânime a favor da reforma imediata que se cristalizou no ‘Pendleton Act’, de 16 de janeiro de 1883, tido como verdadeiramente a primeira lei do serviço civil norte-americano”.

Este Ato, de caráter verdadeiramente revolucionário, criou ainda a Civil Service Comission, órgão encarregado, doravante, da tarefa de proceder à apreciação da aptidão dos candidatos a empregos públicos, com o fim de terminar com o favoritismo político: “Com a criação de um órgão central controlador das atividades de pessoal em toda a administração, segurança de estabilidade

5 A instituição do sistema do mérito nos EUA sofreu, depois de 1945, um sério abalo, na gestão Eisenhower, quando mais de 100 mil cargos sujeitos a concurso passaram a ser preenchidos por livre nomeação. Após esta fase, a profissionalização da administração federal quase se completou. A nível local, no entanto, permanecem ainda muitos vestígios do spoils system, abundando, nos municípios e estados, empregos de todo o tipo que não passam, por vezes, de simples sinecuras. cfe. BONAZZI, Tiziano in BOBBIO, Norberto, et alii. op. cit, p.337-338.

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para os funcionários e instituição de exames competitivos na seleção de candidatos ao ingresso no serviço público, pensava-se haver com essa lei controlado a situação e resolvido o problema de modo cabal e definitivo. A realidade, todavia, veio indicar que alguma coisa ainda estava faltando”.

Paulatinamente, o sistema do mérito foi-se estendendo, até ser adotado pelos Estados e pelas municipalidades, muitas das quais copiaram o modelo do governo federal e criaram suas próprias comissões do serviço público, dotando o governo nos EUA de níveis de profissionalismo adequados às necessidades de sua sociedade6.

Apesar desses esforços, o provimento dos cargos públicos à revelia do sistema do mérito persiste, ainda hoje, de maneira bastante diversificada, em muitos países, e mesmo nos países desenvolvidos.

A formação do serviço público no Brasil e a ausência do sistema do mérito: “cordialidade” e trocas na esfera pública

No Brasil, a implantação do sistema do mérito se deu de forma bastante precária, o que faz diversos estudiosos e práticos da área duvidarem mesmo da existência de uma burocracia minimamente profissionalizada no País. As raízes do filhotismo, do nepotismo e do clientelismo são antigas. O mais antigo registro histórico de que se tem notícia em terras brasileiras – ou a elas relacionado – é a própria “Carta do Achamento” de Pero Vaz de Caminha, que encerra com um sugestivo parágrafo: “E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro -- o que d’Ela receberei em muita mercê” (Caminha, www.zaz.com.br).

O singelo pedido de Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel para que arranjasse uma colocação para o genro já se incorporou ao folclore nacional. No entanto, é revelador de uma prática profundamente arraigada na cultura da administração colonial portuguesa, que se incorporou à formação do Brasil Colônia, e se perpetuou de maneira surpreendente.

Conforme aponta Mário Hélio Gomes de Lima, professor da Universidade Federal de Pernambuco, Gilberto Freyre já havia analisado essa situação em Casa-Grande e Senzala, identificando, na família, um importante fator para a formação do país, ao mesmo tempo em que relaciona o fato às origens do nepotismo tupiniquim. Conclui o professor Gomes de Lima (www.jt.com.br): “O oligarquismo e o nepotismo – tão atuantes em todas as épocas, no Brasil – vêm desse familismo referido em Casa-Grande & Senzala. Familismo que se opunha às vezes ao clericalismo e podia entrar em choque até com o próprio Estado. Parece que foi a família o elemento ponderador dos excessos dos jesuítas, que queriam tudo aos pés de Jesus, ou, ao menos da sua Companhia, sem autonomia ou individualidade de qualquer espécie. (...)

A família, casada à agricultura e esta inseparável da escravidão, definiu o tipo de colonização que se fez no Brasil. Mais: definiu que país foi o Brasil nos seus primeiros anos e um pouco o que ainda é. Não cultivou o português a terra porque gostasse especialmente dela. Cultivou-a para subsistir e lucrar. Cultivou-a quase por falta da simples opção de só explorá-la. Foram as circunstâncias típicas dos trópicos na América que fizeram o português aventureiro e mercantil ruralizar-se. Encontrando as terras e os homens em “estado bruto”, não teve outra opção senão cultivá-la.

Num país ainda sem lei nem rei, teria sido essa família não só a grande agregadora, mas formadora. Toda poderosa. Tanto que, diante dela, segundo Gilberto Freyre, o rei reinava, mas nem

6 Segundo CATALÁ (1999), a implantação do sistema do mérito nos EUA não foi o resultado do esgotamento do sistema de patronagem, apenas, já que este havia funcionado relativamente bem até a Guerra Civil americana. A degradação desse sistema, que se converteu no spoils system foi o que levou à mudança, uma vez que, com o crescimento da máquina administrativa, se havia tornado para a classe política extremamente difícil e desgastante, inclusive em termos eleitorais, controlar os ocupantes dos cargos públicos nomeados por critérios políticos, situação que levou ao agravamento da corrupção e da ineficiência na administração americana.

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Outra análise semelhante é possível ser encontrada em Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil. A análise, de inspiração weberiana, mas manejada com muita liberdade criativa, opera por tipos contrapostos: o ibérico e o saxônico, o espanhol e o português, o rural e o urbano, o semeador e o ladrilhador, o trabalho e a aventura. Este procedimento, na reconstituição de nossa formação social, vai se revelando, no decurso do texto, uma estratégia particularmente eficaz para a montagem do perfil do “homem cordial”, categoria que, com rara felicidade, procura apanhar as estruturas mais íntimas de nosso modo de ser. Esta “cordialidade” brasileira, traduzida pela tendência nativa a estabelecer todas as suas relações com base na afetividade e, principalmente, na dificuldade de “objetivizar” ou “racionalizar” as relações fora da família, até o momento constitui forte base para compreensão e explicação da tendência a não considerar as fronteiras entre a esfera pública e a esfera privada. Mais que isso, da tendência de “familiarizar” todos os seus relacionamentos, inclusive no tratamento dos assuntos de interesse coletivo, uma vez que a família é, para todos os efeitos, a base de sustentação desta sociedade.

Sendo a instituição familiar – em seu sentido mais amplo – tão importante na formação do país, não seria de esperar-se outra conduta senão a extensão da apropriação do patrimônio pelas oligarquias aos membros dos grupos familiares, conduta que se refletiu na resistência mais do que atávica à implementação do sistema do mérito e na persistência, até hoje, das práticas de favorecimento familiar e, com o “desenvolvimento” da democracia representativa, também dos correligionários políticos, incorporados à noção de família pelos laços de amizade e fidelidade “político-partidária”. Como destaca David Fleischer (Netto, 2000) “o nepotismo reflete uma relação viciada da elite brasileira com o Estado”, relação que se perpetua apesar de socialmente reprovada – pelo menos no plano do discurso.

Com efeito, o nepotismo brasileiro tem demonstrado enorme vigor, sobrevivendo e resistindo a tentativas sucessivas de limitação. Mas ele tem se mantido, historicamente, de modo tal que se torna difícil separar o nepotismo do processo de formação dos quadros do serviço público, nas três esferas de governo, ao longo da história republicana.

O Processo de Estruturação da Administração Pública Brasileira

Segundo Lívia Barbosa (1999; 49-65), a recorrência do nepotismo está vinculada à condição de não ser a sociedade brasileira constitutivamente meritocrática, nem do ponto de vista institucional, nem do ponto de vista ideológico. No entanto, no plano legal e formal os princípios meritocráticos estão presentes, no âmbito da Administração Pública, desde meados do século XIX, outorgados pelos legisladores, mas não legitimados pela pressão social.

As iniciativas no sentido de implantar-se um sistema do mérito derivaram, quase sempre, da iniciativa do Estado. A Constituição de 1824 já previa, em seu art. 179, inciso XIV, que “todo cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não seja por seus talentos ou virtudes”. A Carta de 1934 previa a universalização do direito de ingresso no serviço público, fixando o concurso de provas e títulos como meio para a primeira investidura em postos de carreira. E desde 1936, pelo menos, buscam-se soluções política e tecnicamente corretas para a implantação do sistema do mérito no serviço público brasileiro, reduzindo-se o espaço à corrupção no provimento dos cargos públicos. Historicamente, tais normas tem-se constituído em bills on the book, posto que não se tem assegurado a sua implementação efetiva, ao longo das décadas.

Em mais de uma oportunidade, chegou-se bem perto das soluções pretendidas, cumprindo analisar os motivos pelos quais as mesmas não foram adequadamente implementadas. Para Guerzoni (1995), as primeiras tentativas sistemáticas de instituição de uma burocracia orgânica no Brasil, que se seguiram à Revolução de 1930, foram fruto do esgotamento do modelo de Estado existente, e determinadas pela percepção da necessidade de sua constituição, para que o novo

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Segundo Souza (1994), ao assumir o poder em 1930, o governo Vargas tinha como plataforma implementar reformas institucionais básicas no Brasil e, nesse sentido, a administração pública deveria assumir um papel de agente do processo de desenvolvimento. Até então, segundo esse autor, “... O setor público, em seus três níveis, havia sido, tradicionalmente, um dos principais esteios da oligarquia rural. Seu controle proporcionava emprego para os protegidos políticos, sob uma forte mentalidade da prática da distribuição de cargos públicos entre os membros do partido vitorioso. Numa espécie de efeito retorno, tais práticas garantiam o sucesso eleitoral para a elite que as controlava. Ordenados certos e benefícios vitalícios tinham sido sempre ponto vital para nossa embrionária classe média, numa economia de escassas fontes de emprego fora da monocultura agrária”.

A administração pública, assim, não apenas não estava qualificada para desempenhar as funções esperadas, como era utilizada como uma fonte de privilégios pessoais, sendo virtualmente inexistentes as preocupações com racionalidade, qualidade dos serviços, eficiência no desempenho da atividade pública. O novo regime, por meio das reformas administrativas, visava, portanto, a controlar o poder oligárquico, redesenhando a política brasileira.

Apesar das mudanças implementadas, especialmente em nível legal, tais reformas não lograram modificar as condições que produziam o spoils system nativo, no qual os cargos públicos continuaram a ser distribuídos entre os partidos vitoriosos.

Estas constatações, embora recorrentes na abordagem acadêmica do tema “Reforma Administrativa”, não têm sido suficientemente absorvidas pelos agentes políticos responsáveis pelas sucessivas reformas implementadas. Na verdade, as tentativas mais recentes de intervenção planejada com o objetivo de reformar a Administração Pública Federal têm mesmo partido de um diagnóstico empírico equivocado sobre o estágio atual da formação dos quadros do serviço público federal, e das origens do quadro vigente. Analisando a reforma administrativa implementada em 1990 pelo Governo Collor, Storck (1992) constata que adotava como premissa a ocorrência de um processo de aviltamento dos servidores públicos “nos últimos 10 ou 15 anos”: até então, o servidor público exercia uma função que se revestia de “nobreza”, tendo então perdido, em decorrência do aviltamento do próprio Estado, esta característica: “A exposição soa equivocada. A história da administração pública brasileira é a história do estamento, do patrimonialismo, do rei, senhor das terras, das gentes e dos cargos. É a história dos amigos do rei, os quais modernamente se inserem no tecido da administração pública pela via do contrato sem concurso, sem aferição prévia da capacitação. A função pública revestiu-se, é verdade, de nobreza, mas na exata proporção da nobreza do príncipe concedente. O aviltamento ao qual se refere a autora [N.A.: Zélia Cardoso de Melo, ex-Ministra da Economia, Fazenda e Planejamento] foi maior antes do que o é hoje; atribuir esse aviltamento a fatos recentes na história brasileira é, no mínimo, sofismático”.

Embora medidas recentes tenham contribuído para consolidar as distorções pré-existentes, é certo que o quadro presente resulta de uma herança que vem de longe. Andrade (1993) corrobora esta afirmativa, identificando as disfuncionalidades no próprio abandono do processo de implantação da burocracia nos moldes weberianos: “Os processos históricos que levaram a crise atual são longos e complexos. No caso da administração pública, as disfuncionalidades atuais são o efeito conjunto de intrusões ou intervenções políticas não planejadas e não sistêmicas, no modelo daspiano original. São três, em resumo, os momentos mais importantes desse processo. Num primeiro momento, a arquitetura weberiana do modelo foi desfigurada pela transformação dos cargos públicos em moeda de troca política. Em seguida, agregou-se caoticamente à administração direta um enorme setor empresarial, autárquico e fundacional que fugiu ao controle central e facilitou, pela multiplicação dos órgãos e empresas com alto grau de autonomia, a feudalização da máquina por interesses privados. Enfim, a administração federal sofreu o impacto desorganizador

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da reforma Collor, mal pensada e pior executada”. O “modelo daspiano” a que se refere Andrade tem sua origem na criação do Conselho

Federal do Serviço Público Civil - CFSPC em 1936, e do Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP em 19387, quando se pretendeu implementar, por meio de reformas legais e constitucionais, as bases para uma administração pública profissionalizada, independente do poder político. Com esse mesmo propósito, a Constituição de 1934, a primeira a trazer um título específico voltado aos funcionários públicos, conferiu, pela primeira vez a nível constitucional, estabilidade a todos os ocupantes de cargos públicos8, e o concurso público foi instituído como forma exclusiva de ingresso nos cargos de carreira9, criando meios para a expansão da burocracia weberiana e a substituição das oligarquias no processo decisório. Segundo Oliveira (1996), “Dentro do ideal reformista do Estado Novo, de certo modo herdeiro da Revolução de 30, a meritocracia começou a impor-se como critério a partir da implementação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). Pela primeira vez cuidou-se da adoção de princípios universalistas e da democratização do acesso a cargos públicos pela via do mérito comparativo, e não apenas do mérito corporativo ou adstrito a indivíduos de determinada origem”.

Destaca Souza que o DASP tinha, tal como seu correspondente americano, a Civil Service Comission, dois propósitos: a melhora dos padrões éticos, segundo critérios objetivos de recrutamento, seleção, classificação de cargos e promoção de pessoal, criando um serviço civil profissionalizado, fora do alcance dos políticos, e a garantia de aperfeiçoados padrões de competência técnica. Para tanto, preconizava uma reforma da administração de pessoal cujas características específicas contemplavam a igualdade de oportunidade para ingresso no serviço público; a ênfase nos aspectos éticos e jurídicos das questões de pessoal, valorizando-se a impessoalidade e coibindo-se privilégios; e a padronização classificatória e salarial dos cargos (Warhlich, 1974).

Essa reforma, no entanto, não logrou ser efetivada. Quer por não estarem dadas as condições sociológicas necessárias, quer por haver faltado o apoio político do Presidente Vargas, quer por não se haver apercebido das disfuncionalidades decorrentes das próprias características da reforma preconizada10, o DASP não obteve mudanças fundamentais no padrão de relacionamento entre a classe política e o serviço público: “Havia pouca ou nenhuma demanda nacional de criação de uma

7 A criação do DASP, organizado pelo Decreto-Lei nº 579, de julho de 1938, decorreu da Constituição de 1937, editada por Getúlio Vargas sob a égide do Estado Novo. De caráter concentrador, a Carta determinou, em seu art. 67, a criação, junto à Presidência da República de um “Departamento Administrativo” com atribuições de estudar pormenorizadamente as “repartições, departamentos e estabelecimentos públicos com o fim de determinar, do ponto de vista da economia e eficiência, as modificações a serem feitas os serviços públicos, sua distribuição e agrupamento, dotações orçamentárias, condições e processos de trabalho, relações de uns com os outros e com o público”, além de outras funções relativas ao orçamento público. (BRASIL, Senado Federal. Constituições do Brasil (de 1824, 1981, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações). Brasília, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1986, vol 1, 593 p. p. 205-206). 8 A estabilidade conferida pela Carta de 1934 assumia duas faces: os servidores concursados seriam estáveis após dois anos de exercício; os não concursados - admitidos para cargos que não fossem “de carreira” - após 10 anos de exercício. Já o parágrafo único do art. 168 previa que os funcionários com menos de dez anos de serviço efetivo não poderiam ser demitidos senão por justa causa ou motivo de interesse público. Tacitamente, a Constituição admitia, portanto, o ingresso de servidores sem concurso e a estabilidade de todos os admitidos no regime constitucional anterior, inaugurando o que seria a prática corriqueira nas constituições seguintes. A previsão constitucional, embora contraditória com o sistema do mérito por admitir a nomeação de funcionários efetivos sem concurso, guardava relação com o regime aplicável aos trabalhadores do setor privado, sob regime trabalhista, cuja estabilidade após 10 anos de serviço achava-se na legislação vigente. 9 O artigo 170 da Carta de 1934 estabelecia expressamente que deveria ser votado pelo Legislativo o Estatuto dos funcionários públicos, estabelecendo, desde já, a inclusão no quadro de funcionários de todos que exercessem cargos públicos, a obrigatoriedade de concurso de provas ou títulos para investidura em postos de carreira e demais previstos em lei, e as normas relativas ao sistema previdenciário dos servidores. 10 WARHLICH aponta, além das características mencionadas, a ênfase da reforma nos meios, mais do que nos próprios fins da administração e o autoritaritarismo acentuado. A ausência de percepção das disfuncionalidades geradas por tais características teria contribuído para o posterior esvaziamento do DASP. WAHRLICH, Beatriz M. de Sousa. Reforma administrativa federal brasileira: passado e presente. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV, vol. 8, nº 2, p. 27-75, abr.-jun. 1974. p. 29.

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carreira na administração pública. O sistema político predominante, baseado no favoritismo e nas lealdades grupais, ainda estava forte e era, obviamente, contrário a semelhante linha de ação. As necessidades sociais relacionadas com o subemprego, o desemprego e mesmo com a inexistência de emprego ainda se voltavam pra o setor público, com seus três níveis - municipal, estadual e federal - como opções lógicas para obtenção de emprego, na ausência de um amplo setor privado capaz de absorver a mão-de-obra disponível” (Souza, 1974).

A esse respeito, é relevante a abordagem de Guerreiro Ramos (1983), citando o Visconde do Uruguai, acerca da transplantação de modelos estrangeiros para o Brasil: a aplicação de instituições administrativas inglesas, francesas ou americanas somente poderia dar-se com êxito mediante certas condições, as quais sempre foram ignoradas em face do formalismo dos dirigentes políticos, que faziam vistas grossas ao fato de que o serviço público permanecia como esteio dos “diplomados” e mecanismo de ascensão social associado ao nepotismo e ao favoritismo.

Nesse contexto político, não foram poucas as medidas tendentes a “aliviar” as pressões clientelistas, especialmente a permissão para a contratação, sem concurso, para funções temporárias (que se tornaram permanentes) de milhares de interinos e extranumerários11. A partir da metade da década de 40, simultaneamente ao processo de redemocratização, o próprio DASP teve reduzida a sua importância12 e prejudicados os seus esforços - que, no entanto, produziram resultados cuja qualidade técnica ainda hoje é reconhecida. Em 1946, sob pressão do funcionalismo, a nova Constituição determinava expressamente, em seu artigo 23 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que “Art. 23. Os atuais funcionários interinos da União, dos Estados e dos Municípios que contem, pelo menos, cinco anos de exercício serão automaticamente efetivados na data da promulgação deste Ato; e os atuais extranumerários que exerçam função de caráter permanente há mais de 5 anos ou em virtude de concurso ou prova de habilitação serão equiparados aos funcionários, para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias”.

Consolidava-se, assim, a totalidade das situações produzidas à revelia do sistema do mérito, nos 22 anos anteriores. A mesma Constituição, no seu art. 186, tacitamente admitia, em caráter permanente, a excepcionalização deste sistema, ao prever a exigência de concurso apenas para a primeira investidura em cargos de carreira e em outros que a lei determinasse13, e, no seu art. 188 que, doravante, seriam estáveis, após dois anos de exercício, os “funcionários efetivos nomeados por concurso” e “depois de cinco anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados sem concurso”. Ou seja: haveria funcionários efetivos nomeados com ou sem concurso, variando o período para aquisição da estabilidade. Esta previsão guardava, mais uma vez, relação com a garantia assegurada pela CLT aos demais trabalhadores. No entanto, inovou a Constituição ao fixar o período para sua aquisição, no caso do serviço público, em apenas cinco anos, reduzindo à metade o tempo exigido no sistema anterior.

Admitia a Carta de 1946, ainda, a existência de cargos de livre nomeação e exoneração, declarados em lei, e não necessariamente cargos de confiança, que não dependeriam de concurso para o seu provimento. Com isso, permitia-se, à larga, a continuidade das contratações discricionárias, caminho perigoso que comprometeria o ainda incipiente processo de profissionalização da administração pública federal.

11 Na opinião de MARCELINO, as medidas implementadas pelo DASP, baseadas na reforma do sistema de pessoal, implantação e simplificação dos sistemas administrativos e das atividades-meio, obedeciam a uma orientação autocrática e impositiva, o que contribuiu para que a administração se caracterizasse como um sistema fechado. A criação das tabelas de extranumerários coincidiu com as pressões pela redemocratização, especialmente durante a gestão José Linhares, após a queda de Getúlio Vargas, em 1945. Cfe.MARCELINO, Gileno. O Estado Brasileiro de Cabral a Sarney - I - Como o Estado cresceu e se transformou. Revista do Serviço Público, Brasília, FUNCEP, vol. 115, nº 7, p. 14-20, jul-ago 87. p. 18. 12 Após a deposição do Presidente Vargas, em outubro de 1945, já em dezembro de 1945 o DASP foi reorganizado, perdendo grande parte de suas atribuições, especialmente o controle sobre as atividades de administração de pessoal a cargo dos ministérios, cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal..., p. 29. 13 Esta previsão, restringindo a necessidade de concurso aos cargos de carreira, acabou por produzir a multiplicação de cargos isolados, com vistas à burla deste requisito, segundo FREIRE, Homero. O problema da classificação dos cargos públicos. Revista de Direito Administrativo, vol. 35, p. 484-491, jan-mar 1954.

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Na vigência destas liberalidades, dando margem ao crescimento do empreguismo, destacam-se dois instrumentos: a Lei nº 200, de 1947, que possibilitou o apostilamento de atos de titularização de funcionários e a atribuição aos mesmos de vencimentos superiores aos de servidores efetivos de cargos de maiores responsabilidades; e a Lei nº 488, de 1948, que instituiu as Tabelas Únicas, sob cuja vigência inúmeras admissões foram efetuadas, tais como as admissões de pessoal em funções de referência intermediárias de séries funcionais e a criação de funções de referência única, para afilhados políticos (Nascimento, 1962).

Com o segundo Governo Vargas (1951), retorna o espírito reformista, e novas tentativas são traçadas no sentido de corrigir as distorções existentes e elevar a profissionalização da administração pública. Em 1952, foi aprovada a Lei nº 1.711, instituindo o segundo Estatuto dos Servidores Públicos Civis, que vigorou de 1952 até 1990. No mesmo ano, por designação do Presidente, um grupo de assessores diretos elaborou um anteprojeto de Reforma Geral da Administração Federal14, abordando pela primeira vez o tema da descentralização, da institucionalização do planejamento e da coordenação intragovernamental, dando-se início, ainda, aos estudos destinados à organização de um quadro de carreiras, finalmente materializado na Lei nº 3.780, de 1960, que procurou instituir um sistema de carreiras para a totalidade dos servidores públicos. Apesar disso, o segundo período Vargas não logrou melhorias substantivas: os concursos públicos eram freqüentemente evitados ou burlados pelas autoridades de órgãos descentralizados, o serviço público manteve-se ineficiente e, segundo Souza, a carreira pública permanecia pouco mais do que um mito, com acirrada luta interna pelo nepotismo, especialmente às vésperas dos períodos eleitorais, quando proliferavam nomeações a título provisório.

No governo Juscelino, a idéia de uma reforma administrativa não mereceu maiores atenções. A solução buscada pelo governo, carente de apoios políticos no Congresso, não passava pelos princípios do sistema do mérito. A criação dos Grupos Executivos, por outro lado, se tornava um instrumento de gestão capaz tanto de permitir as composições políticas como de contornar as duplicidades, ineficiências e superposições da máquina administrativa.

Resulta dessa fase um dos mais graves problemas enfrentados nas décadas seguintes. Lembra Guerzoni: “... a situação peculiar do Governo Juscelino Kubitschek, que se elege com um ambicioso programa de atuação, o Programa de Metas, que reflete a necessidade da intensificação da ação do Estado no domínio econômico. O Governo, diagnosticando a incapacidade da máquina administrativa de implementar as políticas públicas propostas, ao mesmo tempo em que não pode alterar, pelas exigências de sua base político-parlamentar, o perfil do serviço público, profissionalizando-o e retirando dele a influência político-partidária, constrói uma estrutura administrativa paralela, para dar efetividade às suas políticas públicas. São os chamados “Grupos Executivos”, que, apesar de seu significado, não perenizam a sua atuação sobre a máquina pública”.

A questão do papel dos grupos executivos e outros instrumentos de contratação já foi considerado, inclusive por Guerreiro Ramos, um exemplo de instrumento de caráter pragmático, que visava superar o formalismo reinante na administração pública. Segundo este autor, estes meios de contratação permitiram formar “um novo corpo de burocratas” que se distinguia do tipo clássico de servidor público, formado no corpo a corpo das necessidades e dotado de elevado preparo técnico, grande consciência da coisa pública, e condignamente remunerados.

Em 1956, a Comissão de Simplificação Burocrática - COSB propôs novas medidas de reforma no sentido da descentralização, delegação de competências e prestação de contas; no mesmo ano, foi criada a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos - CEPA, para assessorar o Presidente da República em questões relativas a reforma administrativa, e que, paradoxalmente, recomenda a expansão do sistema do mérito, a profissionalização do serviço público, o estabelecimento do treinamento de funcionários e a desburocratização15.

14 Submetido ao Congresso para apreciação preliminar por uma Comissão Interpartidária, antes de sua apresentação formal, o projeto sofreu alterações, sendo encaminhado apenas em 1953 ao Congresso, em que não mereceu atenção das 5 Comissões a que foi distribuído, cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal..., p. 33. 15 O Relatório Final da CEPA foi apresentado somente em outubro de 1961, já no Governo João Goulart. Dentre outras medidas de caráter organizacional, o relatório propunha o fortalecimento e reabilitação do DASP. Como salienta

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Em 1963, foi criado o Ministério Extraordinário para a Reforma Administrativa e constituída a Comissão Amaral Peixoto, a qual, em grupos de trabalho, abordou diversos aspectos da reforma administrativa, entre os quais as normas para preservação e revigoramento do sistema do mérito e revisão da política salarial. Os estudos desenvolvidos deram origem a quatro projetos distintos, dos quais o principal foi o Projeto de Lei Orgânica do Sistema Administrativo Federal, contemplando instrumentos de gestão posteriormente incorporados pelo Decreto-Lei nº 200/6716, a partir de um conjunto de princípios norteadores: fixação de responsabilidades, descongestionamento das chefias superiores, sistematização, racionalidade, controle, planejamento e orçamento, descentralização e coordenação, entre outros. Quanto aos assuntos de pessoal, a Comissão elaborou o projeto de lei referente ao Conselho de Defesa do Sistema do Mérito, enviado ao Congresso Nacional. Nenhum dos projetos, no entanto, logrou ser convertido em lei17.

A continuidade da discussão sobre a questão da reforma administrativa não foi suficiente para impedir que ocorressem as mesmas subversões ao sistema do mérito presenciadas na década de 1940 - facilitadas, inclusive, pelas “brechas” existentes no sistema constitucional vigente.

A primeira situação de contratação de largo emprego por esses meios ocorreu com a permissão de contratar-se, enquanto não se realizavam os concursos respectivos, pessoal interino para as mesmas funções. Segundo Wahrlich (1976), já à época da aplicação da Lei nº 284/36, verificou-se a gravidade da situação dos servidores que ocupavam interinamente cargos públicos. Sugeriu o CFSPC ao Presidente da República, então, a apuração de todos os que havia sido admitidos, em caráter interino, para ocupar cargos vagos, e sua classificação conforme a data de admissão, a fim de se distinguir, dentre os admitidos antes de 16 de julho de 1934 (vigência da Constituição) os que o foram sem concurso com base em inexigência legal e os que foram admitidos sem concurso, embora exigido, e, dentre os admitidos depois de 30 de outubro de 1936 (publicação da Lei nº 284, a Lei do Reajustamento, uma das primeiras tentativas consistentes de reforma do serviço civil brasileiro), os que o foram sem a satisfação da exigência de concurso. Propôs que os interinos admitidos antes de 16.07.1934 fossem efetivados em cargos isolados, para cujo provimento a Constituição vigente não exigia concurso, e sujeitar a concurso público, para nomeação em caráter efetivo, os admitidos já sob a vigência da Lei do Reajustamento, além de que fosse subordinada a efetivação dos demais interinos à habilitação por meio de prova prática de repartição e julgamento dos títulos apresentados, bem como apuração do zelo, capacidade e aptidão profissional dos candidatos.

Já quanto aos extranumerários, as primeiras medidas reguladoras da situação de funcionários admitidos nessa condição foram adotadas pelo Decreto nº 18.088, de 27.01.28. Após esse decreto, o primeiro passo foi dado pelo art. 7º da Lei nº 283, de 13.01.36, o qual autorizava o Governo a proceder a revisão das tabelas do pessoal então denominado contratado, visando sua distribuição mais eqüitativa dentro das verbas destinadas ao pessoal variável.

Novo passo em direção à regularização da situação dos extranumerários foi dado com a expedição, em 1936, de três decretos destinados a regular a admissão dos contratados, dispor sobre sua classificação e remuneração e sobre a situação especial dos extranumerários diaristas da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Com o Decreto nº 871, o primeiro deles, foi regulamentado o processo de admissão dos contratados nos serviços federais, abrangendo todos os que desempenhassem serviços de natureza transitória. Assim eram considerados os de duração inferior a um ano e os que desempenhassem cargos técnicos que não pudessem ser incluídos no quadro de funcionalismo, alcançando também os

WAHRLICH, tanto essa recomendação quanto a relativa ao sistema do mérito não lograram sucesso, embora várias outras propostas tenha sido implementadas ou aproveitadas posteriormente em outros projetos de reforma. Cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal... p. 35. 16 Segundo WAHRLICH, as idéias principais contidas no Decreto-Lei nº 200 e nas propostas da Comissão Amaral Peixoto eram oriundas das propostas apresentadas pelo grupo de assessores do Presidente Vargas em 1952, cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal ... p. 35. 17 Cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal..., p. 41. No entanto, segundo essa Autora, os projetos não constituíram esforço inútil, uma vez que foram retomados por outros reformistas após 1964.

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que se incumbissem de serviços permanentes ou não, sem cargos criados em lei, que tivessem sido regularmente admitidos por portaria de ministro ou por diretores e chefes de serviço, mediante autorização escrita do titular da respectiva pasta.

A Lei nº 284, apesar de tentar institucionalizar o sistema do mérito para ingresso nas carreiras, não inflexibilizou totalmente o processo de ingresso no serviço público, pois criou, em substituição aos contratados, a categoria de “pessoal extranumerário” (contratado, mensalista, diarista e tarefeiro) para o qual não exigia o concurso. O artigo 51 da Lei previa que “Os serviços públicos em geral, e especialmente, de natureza industrial, deverão ser constituídos por um núcleo reduzido de funcionários de quadro, que ocuparão as funções de maior responsabilidade. As funções auxiliares deverão ser executadas por pessoal extranumerário”.

Regulando este dispositivo, foi editado o Decreto-lei nº 240, de 04.02.38, complementado pelo Decreto-Lei nº 5.175, de janeiro de 1943, o qual constitui-se na lei orgânica do pessoal extranumerário até 1960, quando foi promulgada a Lei nº 3.780. Segundo esse instrumento, existiriam quatro categorias de extranumerários:

a) os contratados : pessoal técnico, admitido mediante contrato bilateral para funções especializadas para as quais, a critério da respectiva Comissão de Eficiência, não houvesse nos quadros do funcionalismo pessoa habilitada e disponível;

b) os mensalistas: pessoal temporário admitido para suprir temporariamente deficiência dos quadros do funcionalismo, especialmente funções de escritório e técnico-auxiliares, exercendo, portanto, atividades paralelas às do funcionalismo;

c) os diaristas: admitidos para o desempenho de funções auxiliares ou transitórias (exceto para funções inerentes às profissões liberais e trabalhos de escritório), em especial as de natureza braçal ou subalterna (por exemplo, conservação e asseio), e os tarefeiros, admitidos para trabalho de determinadas funções com remuneração na base da produção por unidade.

Tratava, ainda, o Decreto-lei nº 240, do pessoal admitido para obras, que não se classificava entre os extranumerários, tendo sua permanência em serviço estritamente ligada à duração da obra, os quais, no entanto, seriam remunerados nas mesmas bases dos extranumerários.

A contratação de pessoal extranumerário acabou por converter-se numa larga porta de entrada no serviço público: milhares de servidores foram contratados, muitas vezes em prejuízo da realização de concursos públicos, em vista das facilidades oferecidas pela legislação vigente. Esta prática vigorou praticamente descontrolada, uma vez que cabia a cada serviço ou repartição promover os atos de admissão, especialmente no caso dos extranumerários mensalistas, tarefeiros e diaristas, cujas funções, de temporárias, transformavam-se em permanentes, à vista da manutenção dos contratados por prazo indeterminado. Segundo Marcelino (1987), tais contratações significaram o final de um processo e a liquidação do modelo de administração de pessoal estabelecido pelo DASP, centrado no sistema do mérito, especialmente a partir de 1945, quando a contratação de extranumerários passou à responsabilidade de cada Ministério, prescindido de autorização direta do Presidente da República. Em função de tudo isso, até 1952, a figura dos extranumerários sofreu tal expansão que chegou a superar, em números absolutos, o número de funcionários.

Com o decorrer do tempo foram-se esmaecendo, porém, as diferenças efetivamente existentes entre funcionários e extranumerários, exceto no que dizia respeito à remuneração e à estabilidade. Em 1946, o já citado art. 23 do Ato das Disposições Transitórias à Constituição concedeu estabilidade aos extranumerários que contassem cinco ou mais anos de serviço, permanecendo a diferença da remuneração até 1960, quando foram enquadrados pela Lei nº 3.780 como funcionários no novo plano de classificação de cargos, enquadramento esse que abrangeu inclusive o pessoal admitido para obras. No entanto, desde 1952 o art. 252 da Lei nº 1.711 havia estendido a aplicação do regime estatutário a todos os extranumerários amparados pela Constituição de 4618, e determinado, no art. 257, que as funções então existentes de extranumerários passassem, na condição de ocupantes de cargos, a integrar quadros especiais em extinção, mantendo-se, no

18 Percebe-se, aqui, praticamente o mesmo fato ocorrido em 1990, quando a Lei nº 8.112 tratou como estatutários os ocupantes das Tabelas de Especialistas e demais contratados pelo regime trabalhista, inclusive os não concursados.

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entanto, na situação original os demais, sendo que os extranumerários incorporados como permanentes poderiam ser transferidos para os quadros de qualquer ministério.

A Lei nº 3.780/60 tratou, finalmente, de extinguir quaisquer diferenciações existentes: os extranumerários, em qualquer situação, foram considerados público-alvo para enquadramento nas carreiras a serem criadas em decorrência do novo plano observada apenas a precedência, para efeitos de enquadramento, daqueles amparados pelos art. 18 e 23 do Ato das Disposições Transitórias da Carta de 194619. Superada a situação pretérita, a Lei nº 3.780 previu, contudo, a manutenção, nos quadros de pessoal da Administração Pública Federal, de “pessoal temporário admitido à conta de dotação global, recurso próprio ou fundo especial criado em lei” e “pessoal de obras admitido para realização de obras públicas, durante a sua execução”, os quais seriam regidos pela legislação trabalhista (art. 23 e 24), e previu ainda a contratação, por prazo não excedente a um exercício financeiro, de pessoal para o desempenho de atividade técnico-especializada, para cuja execução não se dispusesse de funcionário habilitado.

A aplicação desses dispositivos encontrou, como passíveis de enquadramento na condição de funcionários de carreira, cerca de 80 % do total de servidores, sendo que apenas 12 % do total haviam sido admitidos por concurso para cargos efetivos20. Isso não impediu a efetivação em massa, pela Lei nº 4.069/62, de extranumerários, interinos, recibados e outros que não preenchiam os requisitos mínimos para tanto, tal a força das pressões políticas e a fragilidade do sistema do mérito.

As concessões ao sistema do mérito não cessaram, no entanto: já em 1963 a Lei nº 4.242 assegurava aos empregados da Companhia Urbanizadora da Nova Capital - NOVACAP admitidos até 31 de março de 1963 a condição de servidor público, a serem incluídos, por decreto, nos órgãos da administração direta e indireta, podendo ser aproveitados em quaisquer órgãos da administração direta e indireta. A mesma regra foi assegurada aos empregados da Fundação Brasil Central. Mais uma vez, situações transitórias se transformavam em permanentes, em prejuízo da organização de um quadro de pessoal expurgado de contratações implementadas sem qualquer referencial no mérito, aferido de forma transparente e democrática.

Em outubro de 1964, foi constituída a Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa Econômica - COMESTRA, sob a presidência do Ministro Extraordinário para o Planejamento e Coordenação, Roberto Campos. Essa comissão foi incumbida de examinar os projetos elaborados pela Comissão Amaral Peixoto, à época em tramitação no Congresso, e revê-los segundo as concepções do governo Castello Branco. Após 36 reuniões, a COMESTRA concluiu seus trabalhos em 1965, apresentando um Anteprojeto de Lei de Reforma Administrativa, calcado nas experiências de reforma e estudos realizados nos governos Juscelino Kubitschek e João Goulart. Dedicou especial atenção à reforma do pessoal, propondo, entre outras medidas, a valorização da função pública, a dignificação e profissionalização do funcionário, a observância do sistema do mérito e remuneração satisfatória para o servidor público. A partir da revisão do anteprojeto apresentado pela COMESTRA foi elaborado o texto finalmente convertido, quase três anos depois, no Decreto-Lei nº 200/67.

As contratações discricionárias ocorridas após 1961 vieram a ser definitivamente contempladas por meio do art. 177, § 2º, da Constituição de 1967: mais uma vez foram estabilizados “os atuais servidores da União, dos Estados e dos Municípios, da Administração centralizada ou autárquica, que, à data da promulgação” contassem com, pelo menos cinco anos de serviço público. A partir daí, “zeradas” as situações pretéritas, novas medidas tendentes à reforma

19 A Constituição de 1946, diferentemente de outras oportunidades, não se limitou a reconhecer a estabilidade destes extranumerários: considerou os interinos efetivados, desde que tivessem 5 anos de exercício, e determinou a equiparação a funcionários dos extranumerários que exercessem função permanente há mais de 5 anos em virtude de prova de habilitação ou concurso, para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias. Não lhes assegurou, no entanto, ingresso em carreiras - o que, todavia, a Lei se encarregou de assegurar... 20 WARLICH, Beatriz. Reforma Administrativa na era Vargas, Apud SOUZA, op. cit. p. 60. Este dado corrobora a informação da mesma Autora sobre o declínio do sistema do mérito a partir, especialmente, do governo Kubitschek, cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal... p. 35.

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foram adotadas, objetivando essencialmente flexibilizar a administração, dotando-a de mecanismos de gestão mais próximos aos do setor privado.

Segundo Souza, o plano de reformas elaborado pelo governo militar não considerava a possibilidade de contrapor-se à influência política na contratação de servidores públicos, que ainda imperava. Em decorrência disso, “em lugar de reforma, de um sistema do mérito, de um corpo de bem treinados funcionários seguindo decisões racionalmente orientadas”, o governo recorreu à utilização das empresas públicas e formas autárquicas de organização para a execução das tarefas públicas. Além disso, a Carta de 1967 contemplou, no seu artigo 104, a possibilidade de coexistência de servidores contratados via CLT e pelo regime estatutário, ao admitir a aplicação da legislação trabalhista aos servidores admitidos temporariamente para obras, ou contratados para funções de natureza técnica ou especializada.

O Decreto-Lei nº 200, editado em fevereiro de 1967, um mês após a promulgação da nova Constituição, mas ainda com base nos poderes extraordinários conferidos ao Poder Executivo pelo Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 196621, determinou o fim - pelo menos temporariamente - de alguns procedimentos abusivos anteriores. Obrigou que os quadros de pessoal se ajustassem aos limites da despesa com pessoal fixados no orçamento, e não o contrário, e aboliu a figura da nomeação provisória para cargos públicos, por incompatível com a exigência de concurso público prevista na Constituição. Na opinião de Mattos, propunha a organização de um serviço público do tipo weberiano racional-legal: “... profissional, treinado, publicamente selecionado, de acordo com critérios objetivos, com boa perspectiva de carreira e julgado por padrões disciplinados e éticos. Em uma palavra, uma “burocracia racional”. Além de outros dispositivos, vedou-se a nomeação interina, fonte de abusos; promoveu-se a redistribuição do pessoal e lançaram-se as bases de uma nova perspectiva de profissionalização, um plano de classificação e retribuição de cargos, para o qual seriam transpostos, mediante processo seletivo, todos os servidores públicos civis federais” (Mattos, 1994).

Apesar disso, este mesmo instrumento de reforma continha o germe da desestruturação, ao abrir novamente as comportas para a contratação sem concurso e para a adoção do regime celetista no serviço público, especialmente ao prever a contratação por estes mecanismos de “especialistas para instituições de pesquisa e outros órgãos especializados”22. Dezenas de autarquias e fundações foram criadas, permitindo um elevado grau de provimento clientelista de seus empregos, e reproduzindo os problemas que sua criação pretendera evitar. E a regra que previa a contratação de empresas para prestação de serviços temporários (art. 111) tornou-se mais uma grande brecha para a contratação irregular e descontrolada de “colaboradores eventuais”23, remunerados contra recibo e sem vínculo legal com a administração pública, situação que depois viria gerar uma nova leva de “efetivações”. Já em 1969, era reconhecido o vínculo destes “contratados” com a administração, passando a fazer jus a todos os direitos assegurados aos demais servidores regulares, mediante sua

21 O Ato Institucional permitiu ao Presidente da República baixar decretos-lei sobre matéria administrativa e financeira no período entre 24 de janeiro de 1967, data da promulgação da Carta, e o início da sessão legislativa ordinária do Congresso, que somente se iniciou a 1º de março de 1967. A Constituição entrou em vigor apenas em 15 de março de 1967. BRASIL, Senado Federal. Constituições do Brasil ... p. 346-347, 362 e 400. 22 Coerentemente com o dispositivo constitucional vigente, o Decreto-Lei nº 200 previa, expressamente, em seus artigos 96 e 97, as situações de contratação fora do regime estatutário: “Art. 96. Nos termos de legislação trabalhista, poderão ser contratados especialistas para atender às exigências de trabalho técnico, em institutos, órgãos de pesquisa e outras entidades especializadas da Administração Direta ou autarquia, segundo critérios que, para esse fim, serão estabelecidos em regulamento”. “Art. 97. Os Ministros de Estado, mediante prévia e específica autorização do Presidente da República, poderão contratar os serviços de consultores técnicos e especialistas por determinado período, nos termos da legislação trabalhista”. 23 MATTOS, Pedro Lincoln. op. cit., p. 78. A esse respeito, é relevante o exemplo da empresa Audiplan - Auditoria e Planejamento Ltda, que contratava pessoal de qualquer especialidade, nominalmente indicada ou não por autoridades do Ministério da Educação, para trabalhar nesse ministério. Ao final do mês, o MEC passava à empresa o montante necessário para a folha de pagamento, acrescido de um percentual de comissão. Em 1971, os “contratados” foram absorvidos pelo MEC, em tabelas especiais regidas pela CLT, cfe. MATTOS, op. cit, p. 81. Essa prática repetia-se, nos contratos de prestação de serviços para vigilância, limpeza e manutenção: funcionários administrativos sempre foram (e em alguns casos continuam sendo) postos à disposição dos contratantes, pelo mesmo mecanismo.

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inclusão em tabelas especiais regidas pela legislação trabalhista, neutralizando as precauções do Decreto-Lei nº 200/67. A edição do Decreto nº 66.715 em 15 de junho de 1970, restringindo a contratação a situações extraordinárias ou de emergência não apenas veio tarde como se revelou, ao final, inócua, especialmente no que se refere às contratações que continuaram a ocorrer no âmbito das instituições universitárias federais24.

A situação verificada com os contratados e extranumerários teve seu paralelo, a partir do Decreto-Lei nº 200, com a criação das citadas “tabelas de especialistas”. Inicialmente idealizadas para permitir a contratação de pessoal para necessidades especiais, de caráter temporário ou que exigissem capacitação ou formação não disponíveis nos quadros permanentes, sujeitas também ao regime trabalhista, as tabelas de especialistas acabaram por se converter num enorme contingente de pessoal, abrangendo, entre 1967 e 1985, mais de 100.000 servidores, cuja situação passou a ser fonte de pressões para a sua incorporação ao quadro permanente de pessoal das instituições.

Da mesma forma que na década de 40, os extranumerários subverteram o sistema do mérito implementado pelo DASP; as Tabelas de Especialistas se converteram, a partir de 1967, em larga porta de entrada no serviço público, permitindo o recrutamento discricionário e descontrolado de servidores. De tal modo consolidou-se a discricionariedade na admissão de servidores pelo regime de contrato que, na metade da década de 80, 95 % dos servidores das fundações públicas e 75,5 % dos servidores das autarquias eram regidos pela legislação trabalhista (Saldanha, 1988). Do total de servidores ativos, estimava-se que mais de 80 % dos servidores celetistas não haviam sido admitidos por concurso (Bandeira de Mello, 1994), sendo todos, no entanto, beneficiados pela estabilização constitucional em 1988 e integrados ao Regime Jurídico Único em 1990.

E, como ocorrera com os extranumerários, a situação dos tabelistas passou a se tornar cada vez mais similar à dos demais servidores: em 1988, o já mencionado art. 19 do ADCT tornou estáveis os que contassem com mais de 5 anos de serviço; e em 1990, também os empregos ocupados pelos tabelistas foram transformados em cargos, sujeitos ao regime estatutário, e não mais ao regime trabalhista, como desde o início havia sido estipulado, repetindo-se o que já havia ocorrido durante a implementação do Plano de Cargos da Lei nº 3.780/60.

Além disso, a profissionalização do serviço público foi progressivamente abandonada em prol do provimento livre de cargos comissionados e da contratação - via empresas estatais, fundações e autarquias - de pessoal para a alta administração e demais atividades, sem concurso, fora do plano de cargos em vigor e sem critérios transparentes. A consolidação deste quadro de apropriação patrimonialista teve, como subproduto, a constituição das “ilhas de excelência” e seus tecnocratas - nunca burocratas no sentido weberiano. Tais quadros, altamente comprometidos com o Governo, cativados por uma visão intra-organizacional que valorizava a lealdade corporativa e organizacional, gerando um comportamento de submissão a critérios de eficiência técnica sem compromissos com a sociedade, foram, por longo período, os responsáveis pela gestão dos setores de importância estratégica, em que vigoravam padrões técnicos e de desempenho diferenciados em relação ao arcaísmo generalizado do Estado Brasileiro25.

Ao mesmo tempo, verificou-se um inchamento dos quadros da administração pública, por meio dos milhares de postos de trabalho criados sem aferição do Legislativo, e preenchidos também sem qualquer meio de controle da qualidade de seus ocupantes26. As entidades integrantes da

24 Segundo MATTOS, op. cit., o Ministério da Educação mostrou-se não apenas criativo, mas verdadeiramente empenhado em utilizar-se de mecanismos “ágeis” de contratação de pessoal, à revelia das limitações legais ou constitucionais vigentes. Efeito disso foi a contratação de professores por prazo determinado e de “colaboradores eventuais” ou “horistas” e sua posterior inclusão no quadro permanente das universidades na condição de professores assistentes. 25 Esta situação está na origem da chamada “dicotomia” entre o “Estado burocrático, formal e defasado, da Administração direta”, e o “Estado tecnocrático, moderno, representado pela administração indireta” identificados por MARCELINO, cfe. op. cit., p. 16. 26 As fundações se tornaram alvo privilegiado destes mecanismos de contratação. A chamada “triangulação” consistia na contratação de pessoal através das fundações, que nem sequer eram consideradas integrantes da administração indireta. Somente em 1979 as fundações passaram a sofrer algum tipo de controle sobre suas despesas com pessoal, quando foram equiparadas às empresas estatais para este efeito. Até então, mediante “convênios” as fundações contratavam pessoal

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administração autárquica e fundacional passaram a adotar soluções próprias, individualizadas, também no que dizia respeito às suas políticas de recursos humanos e à administração de pessoal, ampliando as possibilidades de nepotismo e empreguismo na Administração Federal. Este processo é descrito, inclusive no que diz respeito às suas verdadeiras finalidades, por Guerzoni (1995), segundo o qual “O que ocorreu, na prática, foi que grande parte dos servidores admitidos pelo regime celetista o foram sem concurso público e sem direito à estabilidade. De fato, praticamente a totalidade dos servidores admitidos pelas fundações, forma jurídica em que se constituíram grande parte das entidades criadas na época, entrou no serviço público, na melhor das hipóteses, por um processo seletivo simplificado, em que não esteve presente o pressuposto da impessoalidade, nem qualquer mecanismo institucional de avaliação de mérito. Estes servidores foram, muitas vezes, admitidos para prestar serviços na Administração direta. De fato, algumas fundações não passavam de verdadeiras intermediárias de mão-de-obra, aproveitando-se do fato de que não precisavam admitir por concurso e tinham ampla liberdade de fixação da remuneração de seus servidores. Ainda hoje, é possível observar, nos quadros de algumas fundações, um número desproporcional de servidores cedidos à Administração direta, alguns que durante longo tempo, inclusive, somente tinham comparecido à sua entidade de origem, quando muito, para assinar o contrato de trabalho. Este processo teve lugar, igualmente, na Administração direta e nas autarquias, com as chamadas tabelas especiais.

Impõe-se, aqui, observar que diversas empresas públicas e sociedades de economia mista, também criadas ou ampliadas em profusão durante a década de 1970, foram utilizadas como intermediadoras de mão-de-obra para a Administração direta, à semelhança das fundações. Algumas chegaram e ainda chegam a possuir mais da metade de seus empregados prestando serviços na Administração direta, além de ser comum a existência de “falsas empresas”, que somente adotaram esta personalidade jurídica para fugir de controle, uma vez que não exercem atividades com qualquer característica empresarial”.

A partir de meados da década de 70, houve uma significativa proliferação de Planos de Cargos específicos de entidades autárquicas e fundacionais, as quais, em grande parte, achavam-se subordinadas, originalmente, às regras básicas ditadas pela Administração Direta por meio do Órgão Central do Sistema de Pessoal Civil. Até 1985, foram criadas 104 tabelas especiais e emergenciais, abrangendo quase 100.000 empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, contratados sem a exigência de concurso público e com níveis salariais superiores aos do Plano de Classificação de Cargos - PCC estabelecido pela Lei nº 5.645, de 1970 (Alves, 1987).

Um dos erros da reforma de 1967 foi não estruturar em carreiras algumas áreas estratégicas do Estado, mantendo uma ampla margem de discricionariedade no provimento de comissionamentos. A definição das carreiras ou categorias a serem preservadas quanto ao regime estatutário e sistema do mérito foi mal formulada, apoiada em uma visão estreita de Estado, restrita aos aspectos de segurança, fiscalização tributária e representação diplomática. Não se conformou sob a direção dos militares uma eficiente burocracia de Estado. Não se profissionalizou a administração nem se criou uma carreira gerencial para os seus escalões superiores, a exemplo do que ocorrera na França e Inglaterra. Ao contrário, a flexibilização nos mecanismos de ingresso no serviço público, operada a partir do Decreto-Lei nº 200/67, abriu as portas para o fisiologismo.

Enquanto a burocracia militar, apoiada em setores advindos das chamadas “ilhas de excelência” existentes na administração pública, se manteve no poder político (substituindo a burocracia profissional civil) os efeitos perversos dessa ausência do sistema do mérito foram relativizados. Com a queda do regime militar, e o retorno à plenitude do regime democrático, a partir de 1985, não havia, no entanto, instrumentos suficientes para, de imediato, atenuar os efeitos da apropriação fisiológica dos cargos da alta administração, especialmente os de direção e

livremente, recebendo subvenções financeiras para custear as despesas decorrentes. Pagando salários superiores aos dos planos de cargos da administração direta e autárquica, permitiam a contratação de centenas e até milhares de servidores de maneira absolutamente discricionária e clientelista, acarretando sérios problemas a nível da administração de pessoal permanente, pelas distorções que lhes eram associadas, cfe. MATTOS, op. cit. p. 81-82.

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assessoramento, por parte dos partidos políticos que compunham a coalizão no governo. A crise da administração apareceu em toda sua dimensão. A criação de uma carreira de executivos profissionais para os escalões superiores da administração pública e a qualificação dos quadros para a alta administração tonaram-se uma necessidade crônica.

A partir de 1985, e mais enfaticamente a partir de 1987, a Administração Pública brasileira passou a adotar medidas no sentindo de suprir estas lacunas e promover a substituição das “ilhas de excelência” (vinculadas à administração indireta). Algumas medidas foram adotadas com o objetivo de constituir uma alta administração de carreira, formada especificamente para o Estado a partir do sistema do mérito e imbuída de uma ética e perfil técnico específicos e que poderia contribuir, segundo a conceituação de Schneider (1995), para a elevação do grau de autonomia da alta administração face ao poder político e aos grupos de pressão e produzir um grau de isolamento adequado, reduzindo a dependência de seus integrantes do poder de nomeação política para viabilizar a sua circulação intra machina.

Tais carreiras, inicialmente, foram constituídas a partir de categorias funcionais do Plano de Cargos de 1970 cujos cargos haviam permanecido, mesmo após a reimplantação do regime celetista, em 1974, regidos pelo Estatuto dos Servidores, com direito à estabilidade e provimento por concurso. No entanto, com o passar dos anos este critério foi abrandado: novas carreiras passaram a ser criadas, compostas via de regra por meio da transposição de cargos de servidores em exercício em determinada área da administração. A composição dessas carreiras, dissociada do sistema do mérito ou da sua compatibilidade com as necessidades da administração, e resultante de “acomodações”, absorvendo servidores cujos cargos ou empregos originais tinham conteúdos atributivos diversificados, veio a tornar ainda mais necessária a adoção de um modelo renovado de profissionalização do serviço público.

As primeiras iniciativas foram a reconstituição das carreiras de Procurador da Fazenda Nacional, em 1984, e a instituição das carreiras de Auditoria do Tesouro Nacional e da Polícia Federal, em 1985, dotadas de características de especialistas e destinadas a resgatar a profissionalização das áreas de fiscalização federal, polícia e execução da dívida ativa federal. Vinham se somar, neste sentido, à Carreira de Diplomata27, já estruturada e consolidada a partir do sistema do mérito, visto que desde o início da década de 1920 o recrutamento para essa carreira se fazia exclusivamente mediante concursos regulares, subordinando-se, ainda, a partir de 1946, à conclusão de curso específico ministrado pelo Instituto Rio Branco - IRBr.

A reforma administrativa proposta pelo governo da Nova República iniciou o processo de constituição de novas carreiras em 1987, com a adoção de três iniciativas complementares, voltadas especificamente para a alta administração: a criação da carreira de Gestão Governamental, de uma Escola de Governo responsável pela formação de seus quadros (a Escola Nacional de Administração Pública - ENAP) e a das carreiras de Finanças e Controle e de Orçamento. Estas iniciativas destinavam-se a permitir a implantação de quadros específicos, dentro do perfil desejável: organizar uma burocracia com perfil generalista nas áreas estratégicas para a governabilidade, ajustada aos problemas próprios do setor público, orientada para as condições sociais, políticas e econômicas do país, capaz de atuar num ambiente altamente politizado e democrático, e ao mesmo tempo assegurar ao processo decisório base técnica qualificada28.

A aprovação da nova Constituição, em 5 de outubro de 1988, teve imediatas repercussões sobre o quadro então já amplamente consolidado. As disposições contidas no art. 39 da Constituição, determinando a adoção de regime jurídico único e planos de carreira, associadas à

27 Um relato detalhado do processo de formação e consolidação da Carreira de Diplomata até a metade da década de 1980 pode ser consultado em CHEIBUB, Zairo Borges. A carreira diplomática no Brasil: o processo de burocratização do Itamarati. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV, vol. 23, nº 2, p. 97-128, abr. 1989. 28 Segundo KLIKSBERG, o perfil necessário para esta nova burocracia permitiria superar as deficiências do modelo weberiano clássico, substituindo a gestão neutra por uma gestão comprometida com os grandes problemas nacionais, com amplo conhecimento da situação social e econômica do país e ajustada às especificidades do setor público (KLIKSBERG, Bernardo. Palestra ministrada na Comissão de Serviço Público da Câmara dos Deputados, em 1990. Brasília, Câmara dos Deputados, 1990, p. 41).

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determinação do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT concedendo estabilidade a todos os que contassem com mais de cinco anos de exercício em cargos efetivos ou empregos permanentes da administração direta, autárquica e fundacional, desaguaram na unificação dos regimes jurídicos operada pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 199029.

Como um primeiro passo, ocorreu a transformação de todos os empregos celetistas existentes em cargos públicos, independentemente da forma original de sua ocupação, com vistas à inclusão dos mesmos nas carreiras a serem organizadas.

Simultaneamente, proliferavam os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração, cujo provimento jamais foi vinculado de maneira geral à posse de cargos efetivos. Apesar de tentativas cosméticas de “enxugamento” do número de cargos em comissão, tais cargos não apenas foram sempre abundantes, como se tornaram moeda de troca na busca de apoio político por parte do Governo, quando não mera apropriação clientelista, fisiológica ou nepotista de postos de trabalho cujo acesso se dá sem concurso público. As tentativas de fixar regras limitadoras do exercício desses cargos por meio de sua vinculação a carreiras ou ao sistema do mérito foram ora tímidas, ora inefetivas, pela própria ausência de servidores com o perfil necessário para poderem prover a Administração de quadros capazes de garantir a continuidade administrativa e refrear a tendência ao clientelismo.

Atualmente, passados 17 anos da sua promulgação, a Carta de 1988 ainda sofre tensionamentos, com diversas propostas de emenda à constituição em tramitação voltadas a ampliar o escopo da estabilidade concedida pelo art. 19 do Ato das Disposições Transitórias. Assim, proliferam no Congresso Nacional proposições voltadas a permitir a efetivação dos servidores nos quadros dos órgãos em que se estejam atuando, na condição de cedidos, há mais de 5 anos, ou a permitir a efetivação de empregados de empresas estatais cedidos à Administração Direta, ou ainda para reintroduzir, na ordem constitucional brasileira, o instituto da ascensão funcional, para permitir que servidores de nível médio possam mudar de cargo mediante seleção interna, sem a prestação de novo concurso público, ou mediante a fixação de reserva de vagas em concursos públicos para quem já detenha a condição de servidor público (pejorativamente denominada “quota barnabé”, em alusão à política de quotas adotada pelo Governo Lula na área da Educação).

Como constata Barbosa (1999) embora tenhamos, do ponto de vista formal e jurídico, a instituição de um sistema meritocrático desde o século passado, que passou por diversas tentativas de aperfeiçoamento, tais normas jamais lograram produzir efeitos duradouros, resultando o quadro atual de uma “permanente tensão entre o critério meritocrático e as relações pessoais e/ou a antiguidade”, com predomínio evidente para as duas últimas. O mérito, historicamente, tem sido um critério, mas não o critério, convivendo com “brechas” no sistema e com a tolerância da própria sociedade, que não opera a partir de uma ideologia meritocrática. Os próprios servidores militam, muitas vezes, corporativamente, contra o sistema do mérito, sob jusfiticativas que somente sob a ótica do paternalismo poderiam ser aceitas.

Esse fator, condicionando o processo de formação dos quadros do serviço público federal, e que se repete com freqüência nas esferas estadual e municipal, é a origem da reiterada transigência com o sistema do mérito, contribuindo para o fato de que - passados quase 70 anos da criação do CFSPC - ainda haja tanto a fazer no sentido de se dotar o serviço público brasileiro de uma burocracia efetivamente profissionalizada e instituir-se barreiras efetivas ao nepotismo.

Imagem e legitimidade do funcionalismo público

A história da formação dos quadros do serviço publico no Brasil, marcada pela ausência de critérios meritocráticos e pela recorrência do nepotismo e do clientelismo, tem profundas repercussões sobre a imagem e legitimidade do funcionário público diante da sociedade. Esses

29 Segundo CATALÁ (1999) a experiência internacional mostra que cada vez que se produz uma grande expansão do número de empregos públicos, como de fato ocorreu no Brasil nos anos 70 e 80, os sistemas regulares de ingresso são ignorados e ocorre a nomeação maciça de funcionários com base em critérios de confiança ou escolha pessoal. Ao cabo de algum tempo, quase indefectivelmente se processa a regularização da situação dessa massa de funcionários, pratica conhecida como nos EUA “blanketing in”.

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Em estudo em que aborda a forma como o servidor público percebe a sua própria natureza e papel perante a sociedade, o Estado e o próprio meio em que atua, as formas como se dá a percepção de sua própria realidade por parte dos diversos segmentos do serviço público, Veneu demonstra que a imagem pejorativa do funcionário não é por ele mesmo ignorada. Nem é, segundo a sua própria visão, completamente injustificada, à medida em que o funcionário é consciente dos comportamentos e “rituais” que desenvolve como mecanismos compensatórios, tais como o absenteísmo, os “bicos”: “... pode-se perceber, assim, quão longe o nosso ‘barnabé’ se coloca do tipo ideal do burocrata moderno, tal como este é descrito por Bendix, baseando-se em Weber. Na verdade, características importantes daquele modelo são contrariadas pela representação-matriz do funcionário público que estamos tentando analisar. Ao invés dos procedimentos impessoais, racionalmente orientados e sistematizados, da capacitação técnica e do mérito como condições formais de emprego, da separação estrita entre o cargo e seu ocupante, encontramos a predominância das relações pessoais e das decisões arbitrárias, a influência dos políticos nas designações, os ‘cabides de emprego’” (Veneu, 1990).

A relação do servidor com o seu “patrão”, o Estado, não deixa, também, de ser uma relação ambígua: embora o servidor tenha deveres a cumprir, e direitos a exercer, desenvolve-se um jogo em que os agentes deixam ao formalismo a função de suprir as eventuais lacunas nessa relação mal resolvida. A esse respeito, conclui Veneu (1990, p. 10) que “... Mesmo em áreas que exigem um conhecimento especializado (engenharia, educação), os cargos exclusivamente técnicos são raros, dependendo, na maior parte, de indicações por amizade ou interesse político. A existência de tabelas fixas de vencimentos é contrabalançada pelo seu baixo nível, tornando os funcionários dependentes das gratificações e extraordinários que, como aponta Bendix, facilitam a manipulação por interesses pessoais. A exiguidade dos vencimentos impossibilita a dedicação exclusiva ao serviço público, dando origem aos ‘bicos’” .

A situação apontada não é nova, como evidencia a abordagem de Guerreiro Ramos, em que identifica o agravamento do formalismo em decorrência da situação salarial do servidor público: “Os servidores públicos no Brasil sempre foram mal remunerados, por isso mesmo que a burocracia que se constituiu entre nós realizava funções assistenciais e só restritamente destinava-se a prestar efetivos serviços reclamados pelo público. Como salientamos anteriormente, na burocracia brasileira grande número de pessoal simula que trabalha, ou não trabalha de nenhum modo e, assim, tal burocracia, absorvendo parte do excedente populacional para o qual não há oferta de empregos no setor privado, mitiga os choques sociais. (...)

Nesse panorama de baixa remuneração, característico do serviço civil brasileiro, evidentemente os indivíduos mais diligentes, capazes e ambiciosos procuram exercer mais de um emprego, tendo em vista constituir um salário em maior consonância com as suas aspirações. (...)

É óbvio que o Estado faz vista grossa sobre o costume de tornar o emprego público um “bico” ou mera pensão, bastante difundido na burocracia brasileira. A impotência do Estado para extinguir este costume é significativamente resultante de que não têm alternativa para a política de remuneração que tem adotado regulamente para os seus servidores” (Guerreiro Ramos, 1983, p. 384).

A ausência de um comportamento e de um perfil profissional próximos do desejado, por parte da média do funcionalismo público, leva à conclusão, apontada por Veneu, de que - contrariando os conceitos utilizados na abordagem de Guerreiro Ramos - o servidor público não se ajusta ao perfil de um funcionário burocrático, nos termos da tipologia apontada por Weber. Pelo contrário, a forma como se deu a formação dos quadros de pessoal da administração pública, de maneira freqüentemente personalizada, patrimonialista ou clientelista, corrobora a afirmação de Veneu (p. 10), segundo o qual “A representação-matriz do funcionário público aqui discutida aproxima-se mais do modelo descrito por Bendix para o funcionário patrimonial, retirando-se a base territorial e

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A figura do servidor público, marcado assim por vícios e vieses de conduta reprováveis ao olhos do cidadão comum, assume a condição de estereótipo, um “paradigma negativo”, ou, como destaca Veneu, de algo que precisa ser constantemente superado em função de um ideal de “modernidade”, mas que, apesar de tudo o que se faça, sempre permanece. Pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi no primeiro semestre de 1995 confirmava esta constatação, ao revelar que a população acreditava, majoritariamente, que o servidor público é um privilegiado, em relação aos demais trabalhadores, sendo sua conduta associada ao pouco empenho no trabalho. E, quanto à remuneração, freqüentemente se associa a condição de servidor público ao recebimento de altos salários. Excetuado este último item, essas características não são ignoradas pelos próprios servidores, que têm da própria categoria, segundo França (1993; p. 48), a imagem de relapsos, desestimulados, ociosos, faltosos, descumpridores de seus compromissos.

Confirmando os diagnósticos citados, a par desse status cultural, e diversamente de países como a Inglaterra, a França e países do leste asiático, o Brasil convive com um corpo de servidores apontado, reiteradamente, como desmotivado e desprofissionalizado. Os poucos segmentos cuja capacitação se aproxima do ideal sofrem, periodicamente, com a evasão de quadros, como resultado da ausência de políticas de recursos humanos voltadas à valorização e retenção desses servidores, contribuindo ainda mais para agravar o problema da incapacidade gerencial da Administração Pública.

A situação dos recursos humanos na Administração Pública Federal brasileira, portanto, caracteriza-se por um estado recorrente de anarquia e desaparelhamento para o cumprimento das funções específicas que o Estado deve cumprir, resultante de um somatório de fatores agravados ao longo dos anos.

Assim como no início da década de 1960, quanto se tentou promover a reinserção do sistema do mérito na organização dos quadros de pessoal, é extremamente elevado o contingente de servidores públicos admitidos sem qualquer forma de aferição de sua qualificação ou capacidade, especialmente o concurso público e que, como apontou Veneu, deve o seu cargo ou emprego ao favor de alguém.

A adoção do regime celetista, paralelamente ao estatutário, a partir de 1974, e a adoção de planos de cargos diferenciados pelas autarquias e fundações contribuiu para este quadro pela via da flexibilização dos requisitos de ingresso, bem como pelo afastamento da própria correlação que deveria haver entre os cargos e a sua finalidade, daí decorrendo a apropriação patrimonialista e fisiológica dos cargos e empregos, cujo provimento não respeitava as reais necessidades de um serviço público eficaz e racional.

O uso de expedientes paternalistas e arranjos para driblar o sistema de mérito tem sido persistente e cotidiana realidade na gestão dos recursos humanos da administração pública no Brasil. Ao quadro histórico marcado pelo fisiologismo e pela resistência à adoção de regras transparentes e homogêneas, somaram-se as medidas adotadas ao longo das décadas de 1970 e 1980, especialmente o progressivo abandono do sistema do mérito na Administração e a não implantação, na sua forma plena, de um plano de cargos uniforme e coerente com os objetivos do Estado. No período pós-1995, a ausência dessa política deu lugar à implementação de algumas medidas que, em alguns setores, embora fundamentadas na superação de gargalos remuneratórios, geraram situações ainda mais graves, constituindo-se “carreiras” mediante o agrupamento de cargos sem a observância de critérios meritocráticos plenos, de que são exemplos a criação da Carreira de

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Procurador Federal, por meio da simples unificação das denominações de cargos ocupados por Bacharéis em Direito na Administração Autárquica e Fundacional, e a Carreira de Especialista em Meio Ambiente, constituída por diversos cargos agrupados sob denominações genéricas, também sem qualquer vinculação com o sistema do mérito.

Além desses aspectos comprometedores, a fragilidade do sistema do mérito sempre foi evidenciada, entre outras formas, pelo grau de utilização de mecanismos paralelos de contratação de pessoal, fora da sistemática de carreiras vigente. Como não poderia deixar de ser, a faculdade de que a administração pública pudesse contratar pessoal em caráter temporário ou extraordinário, de forma mais ágil que a tradicionalmente viabilizada pelo concurso público, acabou, repetidas vezes, por se tornar uma válvula de escape cujo controle o poder político jamais soube exercer, e a qual os administradores públicos utilizaram, no mais das vezes, com desvio de finalidade. Quer fosse pelas pressões políticas, pelas circunstâncias ou pela visão de curtíssimo prazo que sempre orientou a prática administrativa, tais mecanismos de contratação assumiram, ao longo do século, o papel de verdadeiros algozes do sistema do mérito, em prol do nepotismo, do empreguismo e do clientelismo.

Um estudo de práticas nepóticas no Brasil: ciclos recorrentes

Tanto quanto a ausência de limitações precisas entre os cargos de natureza política e os de natureza técnica, a ausência de uma política de recursos humanos tem sido apontada como fator impeditivo da construção de um perfil profissional para os cargos comissionados, criando espaço para a distribuição aleatória, arbitrária e clientelista desses cargos30. Segundo Benedito Calheiros Bonfim, o nepotismo arraigou-se de tal forma no sistema, na mente de nossas elites, que se tornou “cultura política”: durante anos, foi visto com condescendência, encarado como prática normal, usual, costumeira. No entanto, como afirma David Fleischer (Netto, 1994) “reflete uma relação viciada da elite brasileira com o Estado”, e que não pode mais ser tolerada. Neste item, analisamos as “brechas” na Administração que tornam ocorrências de práticas nepóticas mais freqüentes: o uso de cargos em comissão, de livre provimento; a contratação de pessoal para atendimento de necessidades excepcionais e temporárias; a contratação de “consultores” e a terceirização de mão-de-obra.

Admitir e demitir sem restrições, por comissionamento: impeditivo para a profissionalização da gestão pública

Um dos fatores que contribui para essa situação é a proliferação de cargos comissionados, para os quais não se exige concurso, principalmente após 1988. De fato, a abundância desses cargos na Administração Federal, além de viabilizar a apropriação patrimonialista dos postos de trabalho, à revelia do sistema do mérito, permite que ocorra um elevado grau de politização da direção da administração pública, em todos os seus níveis, contrariamente ao que ocorre nos países europeus que adotaram sistemas de carreira31.

Embora vigore, no âmbito federal, desde outubro de 1989, a Lei nº 7.834, que determina prioridade para os cursos destinados à qualificação de servidores para o exercício de atividades de direção e assessoramento superiores e formulação de políticas públicas, têm sido realizados investimentos inexpressivos nesse sentido. Esse conjunto de fatores acaba, assim, se perpetuando como obstáculo à organização de carreiras, uma vez que a profissionalização dos quadros de

30 É a constatação do relatório da pesquisa promovida pelo CEDEC e ENAP, cfe. FUNDAÇÃO ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Administração Pública e Sistema de Governo..., op. cit., p. 456. 31 Segundo recomendação da Organização das Nações Unidas, é conveniente que a lei especifique, restritivamente, os postos de confiança de livre nomeação na Administração, e que os mesmos não se multipliquem. Estas situações devem ser restritas aos postos superiores e de supervisão, não apenas para impedir que se tornem um meio para que o favoritismo prevaleça sobre o mérito, mas também para que esse efeito não se dissemine sobre a totalidade das estruturas hierárquicas, cfe. Naciones Unidas, Departamento de Assuntos Económicos y Sociales, Subdirección de Administración Pública: Manual de legislación y prácticas de administración pública. Apud OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Problemas de Carrera em en Servicio Público. Comission Paritaria del Servicio Público - Primera Reunión, Ginebra, 1970. Informe III. 2ª ed. (1ª ed. 1970), Ginebra (Suiza), 1974, 67 p, p. 8.

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XVIII Concurso del CLAD sobre Reforma del Estado y Modernización de la Administración Pública "Cómo combatir la corrupción, garantizar la transparencia y rescatar la ética en la gestión gubernamental en Iberoamérica" Caracas, 2004-2005 _______________________________________________________________________________________________ pessoal daí decorrente é essencialmente incompatível com o elevado grau de liberdade do comando político no provimento de cargos comissionados atualmente existente.

Para melhor delimitar o campo de utilização desses cargos, a Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, deu nova redação ao art. 37, da CF. A redação original do dispositivo previa que “os cargos em comissão e as funções de confiança ser[iam] exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei”32. Todavia, a existência na administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo de cerca de 25 mil cargos comissionados de livre provimento, sem contar os cargos existentes no Poder Legislativo e no Poder Judiciário, não associados à condição de ser o ocupante servidor público de carreira, tornou inútil o dispositivo, tornando a máquina administrativa, em seus vários níveis, absolutamente permeável à vontade do dirigente político33, fator que é mais identificado à medida que se sobe na escala hierárquica.

Em agosto de 1995, segundo dados apurados pelo SIAPE34, cerca de 48 % dos cargos de direção e assessoramento nos três níveis mais elevados no governo federal eram providos, no governo federal, por indivíduos sem qualquer vinculação permanente com o serviço público; nos três níveis inferiores, a proporção era menor, oscilando entre 15 % e 25 % de ocupantes sem vinculação permanente com o serviço público. Em junho de 2000, a situação havia sido ligeiramente alterada, estando assim caracterizada:

Quadro 1: Perfil dos Ocupantes de DAS, por vínculo com a União – Poder Executivo – em % (junho de 2000)

DAS Servidor efetivo

Requisitados de outro Poder/Empresas/outra Esfera/

Sem vínculo Aposentados Total

DAS-1 74,5 2,2 16,3 6,9 100 DAS-2 68,4 4,3 18,5 8,8 100 DAS-3 66,9 6,6 15,8 10,7 100 DAS-4 47,7 9,7 30,0 12,6 100 DAS-5 41,4 12,5 33,9 12,2 100 DAS-6 37,9 10,5 39,9 11,8 100 TOTAL 66,9 4,9 19,3 8,9 100

Fonte: SRH/MP – Boletim Estatístico de Pessoal – jul/2000, p. 68. Atualmente, segundo levantamento realizado pela Secretaria de Gestão, percebeu-se que, no

período 1997-2003, houve redução do percentual de participação de servidores efetivos e requisitados nos cargos em comissão. Quando se observa o total de servidores, este declínio foi de 7,20%, sendo as mais fortes reduções nos escalões mais altos - DAS 5 e 6 ( -24,7% para DAS-6 e -21,2% para DAS-5). Por outro lado, percebe-se o aumento, em todos os níveis, da participação de servidores aposentados e servidores requisitados de outras esferas no preenchimento dos cargos. A figura 1 procura demonstrar essa variação:

32 BRASIL, Constituição Federal. Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, 1993. 33 Uma precisa descrição das formas como se dá o loteamento dos cargos comissionados na Administração Pública Federal pode ser encontrada em FUNDAÇÃO ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Administração Pública e Sistema de Governo in Estrutura e Organização do Poder Executivo frente à opção pelo sistema de governo. 3º Relatório. Brasília, ENAP-CEDEC, mímeo, 1993. p. 337-489, p. 435-456. 34 BRASIL, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. SIAPE/Apuração Especial. Quantitativo de servidores titulares de funções DAS. Brasília, MARE, set. 1995, 15 p.

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Figura 1: Ocupação de Cargos em Comissão – 1997 a 2003

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

1997 2002 2003 1997 2002 2003 1997 2002 2003

Efetivos+Requisitados Aposentados Sem Vínculo

DAS 1, 2 e 3 DAS 4, 5 e 6

Fonte: DW-SIAPE Levantamento mais recente mostra que a tendência de ocupação desses cargos por pessoas

sem vínculo com a administração pública se mantém inalterada. Em março de 2005, contabilizavam-se na Administração Pública Federal Civil 63 cargos de Natureza Especial, um total de 21.341 cargos comissionados do Grupo – Direção e Assessoramento Superiores (DAS), 20.212 Funções Gratificadas, bem assim 8.703 Funções Comissionadas Técnicas. Destes, podemos considerar de livre provimento, sem qualquer reserva de ocupação por servidor público efetivo, os 63 CNE e os 21.341 DAS. A situação de ocupação destes cargos, até mais recentemente, tem sido a seguinte:

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Quadro 2: Ocupação dos DAS na Administração Pública Federal Brasileira

SITUAÇÃO EM MARÇO DE 2005DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE DAS POR TIPO DE VÍNCULO - MAR 2005

DAS 1 DAS 2 DAS 3 DAS 4 DAS 5 DAS 6 TOTALEFETIVO + REQUISITADO 65,5% 66,5% 65,8% 47,7% 42,0% 39,2% 62,1%REQ.DE OUTROS ORGAOS(1) 2,3% 3,1% 5,2% 9,3% 10,5% 9,3% 4,4%SEM VÍNCULO + APOSENTADO 32,2% 30,3% 29,0% 42,9% 47,5% 51,5% 33,5%

TOTAL 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%Fonte: SIAPE/MP.Nota: (1) REQ.DE OUTROS ORGAOS inclui requisitados militaresSITUAÇÃO EM DEZEMBRO DE 2004DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE DAS POR TIPO DE VÍNCULO - DEZ 2004

DAS 1 DAS 2 DAS 3 DAS 4 DAS 5 DAS 6 TOTALEFETIVO + REQUISITADO 66,0% 67,4% 65,8% 44,4% 36,0% 29,0% 61,6%REQ.DE OUTROS ORGAOS(1) 2,0% 3,2% 5,2% 13,3% 17,0% 21,0% 5,3%SEM VÍNCULO 27,6% 24,7% 23,4% 35,6% 39,6% 43,5% 27,9%APOSENTADO 4,4% 4,7% 5,6% 6,7% 7,4% 6,5% 5,2%

TOTAL 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal - Jan 2005.Nota: (1) REQ.DE OUTROS ORGAOS inclui requisitados militaresSITUAÇÃO EM DEZEMBRO DE 2003DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE DAS POR TIPO DE VÍNCULO - DEZ 2003

DAS 1 DAS 2 DAS 3 DAS 4 DAS 5 DAS 6 TOTALEFETIVO + REQUISITADO 67,7% 67,6% 63,5% 42,1% 33,8% 26,9% 61,6%REQ.DE OUTROS ORGAOS(1) 1,9% 3,2% 6,0% 13,3% 17,0% 14,8% 5,3%SEM VÍNCULO 25,9% 23,8% 24,2% 37,0% 41,1% 51,6% 27,5%APOSENTADO 4,5% 5,3% 6,3% 7,6% 8,2% 6,6% 5,6%

TOTAL 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal - Jan 2004.Nota: (1) REQ.DE OUTROS ORGAOS inclui requisitados militares

Fonte: DW- SIAPE Com isso, pode-se afirmar que, em relação à política e estrutura de cargos comissionados e

funções de confiança, historicamente (e o atual momento é uma exemplificação desta nota estrutural), a Administração Pública brasileira tem avançado de maneira muito lenta no sentido de sua ocupação de forma profissionalizada.

Essa profissionalização é pressuposto para que as organizações públicas possam ingressar num patamar diferenciado, tornando-se menos sensíveis às interferências fisiológicas ou clientelistas que, via de regra, impedem que as organizações possam ser geridas de forma mais racional, tendo como horizonte o interesse público e a continuidade de suas políticas. Do maior ou menor grau de interferência da política de clientela na sua gestão decorre, em grande medida, a eficiência e efetividade das organizações públicas.

Apesar das resistências culturais e políticas, o ordenamento jurídico nacional tem avançado nesta direção, inclusive na esfera constitucional. Até a Emenda Constitucional nº 19/98, as únicas regras até hoje editadas na esfera federal para limitar o grau de politização das chefias foram o art. 10 do Decreto-Lei nº 1.660, de janeiro de 1979, que determinou que a designação para os cargos classificados abaixo do quinto nível hierárquico recairiam, em 50 % dos casos, em servidor ocupante de cargo permanente, e o art. 11 da Lei nº 8.460, de setembro de 1992, que elevou esta regra até o quarto nível hierárquico (DAS-3).

Sensível avanço foi obtido mediante a aprovação da Lei nº 8.911, de julho de 1994, que em seus art. 5º e 6º determinou que a totalidade dos cargos de chefia inferiores ao terceiro nível hierárquico (o nível de DAS-435), e 60 % dos cargos de assessoramento de cada órgão somente poderiam ser preenchidos por servidor ocupante de cargo efetivo. Essa regra, todavia, não resistiu

35 Acima do DAS-4 e abaixo do Ministro de Estado, existem apenas 3 níveis hierárquicos: DAS 5 e 6 e Secretário Executivo de Ministérios.

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Em termos gerais, a Carta de 1988 incorporou dois pressupostos básicos, a serem considerados na estruturação administrativa e na organização dos quadros de pessoal, em relação aos cargos comissionados.

O primeiro deles diz respeito à inexigibilidade de concurso público para acesso a esses cargos (art. 37, II da CF); o segundo, à preferência, no seu provimento, para servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional (art. 37, V da CF). A nova redação dada ao art. 37, V da Constituição pela Emenda Constitucional nº 19, aperfeiçoou o comando, assegurando exclusividade para o servidor de carreira no provimento de funções de confiança, ao mesmo tempo em que mantém a necessidade de lei para definir os casos, condições e percentuais mínimos em que os cargos em comissão, destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, deverão ser preenchidos por servidores de carreira. Em tese, o comando seria capaz de permitir a redução das hipóteses de comissionamento – que, segundo o mesmo dispositivo, somente podem ser empregadas para atribuições de direção, chefia ou assessoramento – mas, na prática, permanece sem aplicação, pois, desde 1998, não houve a edição da lei prevista, nem foram redefinidas as estruturas de comissionamento a fim de reduzir as hipóteses de livre provimento.

A existência de cargos de confiança, é claro, é inerente ao regime democrático, em que dirigentes eleitos devem ter um certo grau de liberdade para compor as estruturas de comando. Por isso, há necessidade de fixar-se percentuais em que tais cargos devem ser livremente providos. Quanto àqueles que devam ser providos por servidores, é de se considerar que não basta a satisfação dessa condição genérica, ou mesmo pertencer a determinada carreira, para que o exercício do cargo comissionado esteja legitimado. Para que não se produza um spoils system com reserva de mercado, é necessário que o acesso seja atrelado a processos de qualificação para o exercício da gerência e do assessoramento, guardando correspondência com a posição do servidor na carreira. A redução do espaço para as nomeações políticas ou para a rotatividade das chefias, além de contribuir para o aumento da eficácia e da eficiência da ação do governo, teria o aspecto moralizador de retirar de circulação a “moeda de troca” tantas vezes associada à corrupção em nosso país e que freqüentemente serve à subversão do sistema do mérito. Além isso, a existência de carreiras às quais estejam vinculadas linhas de acesso pode ter grande importância para assegurar a organicidade e continuidade das políticas públicas.

Sob essa perspectiva, seria recomendável que os cargos de nível inferior ao terceiro escalão em todos os órgãos e entidades fossem providos exclusivamente por servidores do quadro efetivo das instituições, e até mesmo nos escalões superiores, quando justificável pelo nível de especialização envolvido. No entanto, estabelecer-se restrição absoluta ao provimento de comissionamentos por servidores de carreira requisitados de outras instituições poderia resultar prejudicial à troca de experiências que a mobilidade horizontal proporciona, sendo requisito, em qualquer caso, que os ocupantes dos cargos comissionados sejam detentores de qualificação gerencial e técnica para o exercício os mesmos. O excessivo insulamento poderia dar origem à exacerbação do esprit de corps e à maior dificuldade na implementação de mecanismos de prestação de contas e de controle social, contrapondo-se o incentivo à carreira à necessidade de permeabilização das instituições ao fluxo de novas idéias e práticas.

A alteração promovida ao inciso V da CF pela EC nº 19/98 foi, sem dúvida, um passo importante no sentido de reduzir o uso discricionário dos cargos em comissão, embora tímido. O novo dispositivo constitucional estabelece que “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comisssão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

Esta redação veio expressamente proibir a criação e uso, ainda que autorizados em lei, de cargos comissionados para finalidade estranhas às expressamente previstas, o que desde logo impede, por exemplo, o uso desses cargos para burlar o concurso público, mediante a nomeação precária para cargos cujas tarefas sejam típicas de cargos efetivos ou empregos permanentes.

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Embora seja óbvia a associação fixada no novo inciso V do art. 37 – já que o comissionamento pressupõe um vínculo de confiança – desde sempre tais cargos foram utilizados para finalidades as mais diversas, proliferando exatamente em função do fato de que a livre nomeação e exoneração os tornava importante peça no jogo político. Abundam, em toda a Administração Pública brasileira, ainda hoje, passados cerca de sete anos da vigência do dispositivo, situações decorrentes do período anterior, preservadas em nome do “ato jurídico perfeito” e da autonomia dos Poderes e dos entes federativos que fizeram uso dessa flexibilidade.

Além disso, outras situações novas têm sido criadas, como é o caso da manobra utilizada pelo Governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, em agosto de 2000, para desobedecer à decisão judicial que determinou a anulação dos contratos de trabalho de cerca de 1.580 servidores da empresa pública Novacap, os quais foram admitidos sem concurso entre 1988 e 1991. Para manter os funcionários que haviam por ele mesmo sido irregularmente contratados em seu primeiro mandato como governador, enviou à Câmara Legislativa projeto de lei (Campos e Sallum, 2000), aprovado em menos de 24 horas de tramitação, criando idêntico número de cargos em comissão na administração direta, em confronto direto com a norma constitucional. Enquanto isso, candidatos aprovados em concursos públicos realizados desde 1991 para cargos de atribuições semelhantes, mas que não foram convocados, protestavam, reclamando a preferência para contratação pelo governo do Distrito Federal.

No município de Floresta Azul, no interior da Bahia, durante o mandato iniciado em 1997, o prefeito deu ao nepotismo uma amplitude ímpar: entregou todas as secretarias e cargos de confiança do município aos parentes. Pelo menos 21 cargos de primeira linha tiveram esta destinação, e um em cada quinze funcionários tinha parentesco com o prefeito (Setti, 2000).

Esta tem sido a prática corriqueira na Administração Pública brasileira. Em 2000, o Jornal O Globo denunciou em uma série de reportagens o uso dos cargos públicos federais pelo Governo Fernando Henrique Cardoso como instrumento essencial de sua estratégia para assegurar o apoio no congresso. Segundo a reportagem, “O presidente Fernando Henrique Cardoso dispõe de 600 cargos nomeados por indicações de deputados e senadores como arma para exigir fidelidade de sua base aliada no Congresso. (...) Tais cargos incluem desde ministros, a maioria deles indicados por partidos aliados, até o modesto mas cobiçado posto de representante do governo federal nos Estrados. As nomeações atende tanto aos maiores líderes do Congresso, como o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), e o presidente do PMDB, Senador Jader Barbalho, (PA), quanto a deputados do chamado baixo clero”.

Esclarece ainda O Globo que o número de cargos só não é maior porque muitas empresas estatais já foram privatizadas. Mesmo assim, o governo federal conta com cerca de seis mil cargos qualificados de livre nomeação dos quais cerca de 600 estariam ocupados pelos “afilhados, parentes ou cabos eleitorais dos parlamentares”: “Hoje estão valorizadas as representações do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e do Ministério da Agricultura, além das direções da Companhia Docas e das empresas do sistema Eletrobrás. Diretorias de bancos oficiais também são cobiçadas”.

A reportagem cita, ainda, exemplos significativos dessa prática: “Levantamento feito pelo GLOBO junto a líderes partidários e coordenadores de bancadas mostra que os deputados pefelistas que votaram contra o governo na quarta-feira têm cargos e até os preenchem pelo critério do nepotismo. O irmão do deputado Leur Lomanto (Antônio Lomanto Neto) é o presidente do Sebrae na Bahia. O filho do Deputado Jairo Azi (Ricardo Dantas Azi) é o diretor do DNOCS. O irmão do deputado Jorge Khoury (John Khoury Hedaye) é o chefe do escritório da Codevasf em Juazeiro” (Franco, 2000).

A utilização clientelista de cargos na Funasa, também denunciada pelo Jornal O Globo indicava, na opinião do Deputado José Genoíno, do PT-SP, a degradação das relações entre Executivo e Legislativo: o deputado classificava essa relação como vergonhosa e promíscua. No entanto, o nepotismo e o fisiologismo não se resumem ao Poder Executivo, estando também

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presentes nos demais poderes. Conforme aponta reportagem publicada pela revista Veja, não existe um levantamento

confiável do tamanho do fenômeno do nepotismo no Brasil nos três níveis de governo. Em fevereiro de 2000, o Deputado Michel Temer, Presidente da Câmara dos Deputados, chegou a cogitar a apresentação de projeto de lei fixando limites para o nepotismo, mas ainda assim permitindo que cada titular de mandato político nomeasse dois parentes. Segundo a reportagem, se os membros do Congresso Nacional exercessem essa prerrogativa, só no Congresso seriam 1.168 parentes em cargos públicos. No Poder Judiciário, haveria 28.000 vagas para serem providas por parentes de magistrados. Nos Estados, as assembléias legislativas poderiam nomear outros 2.000 parentes de deputado, enquanto nos municípios até 124.000 poderiam ser reservados para parentes de prefeitos e vereadores (Netto, 2000).

A proposta do deputado Michel Temer seria fruto da discussão sobre a proposta apresentada pela Relatora da Proposta de Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, Deputada Zulaiê Cobra, que proibia a contratação de parentes até o terceiro grau ou companheiros por integrantes dos três Poderes. E, numa demonstração de que tal prática está profundamente imbricada na mentalidade política, a Câmara dos Deputados rejeitou em Plenário em 15 de março de 2000, durante a votação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional, a vedação ao nepotismo, embora a maioria dos deputados (286) tenha votado pela manutenção do texto, uma vez que não foram alcançados os 308 votos necessários para sua aprovação. Dos 153 deputados que votaram contra a proibição do nepotismo, 87 foram identificados como seus praticantes; contudo, 56 deputados que contratam parentes votaram pelo fim do nepotismo, demonstrando que o clamor popular pode ter influenciado favoravelmente o resultado da votação.

O dispositivo rejeitado proibia a contratação de parentes para cargos de confiança, de livre nomeação pelos titulares, no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Segundo a Folha de São Paulo (8.2.2000), a disposição atingiria 186 Deputados Federais, perfazendo um total de 315 parentes contratados, cujo custo para a Câmara dos Deputados seria de R$ 9,6 milhões. Como as lideranças partidárias tentavam suprimir a proposta do texto a ser votado, posto que, segundo a Revista Veja, “mais de um terço dos 513 deputados federais têm pelo menos um parente empregado em seus gabinetes”, o Presidente da Câmara, depois de uma reunião com os líderes, teve a idéia de propor as cotas. A proposta, porém, não avançou, e sequer chegou a ser formalizada. A rejeição pela Câmara dos Deputados do fim do nepotismo foi considerada pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Reginaldo de Castro em nota oficial “a consumação do divórcio entre maioria dos deputados e a população”. Para o Presidente da OAB, mais do que um abuso, o nepotismo é “um péssimo exemplo para a sociedade, que espera, ao votar nos seus candidatos, que a Câmara dos Deputados seja a primeira a defender a austeridade no poder público”36.

No âmbito do Poder Legislativo, os exemplos são abundantes. No Senado Federal, levantamento realizado pela Revista Veja em 1998 identificou que, entre os 81 Senadores, dezessete empregavam parentes em seus gabinetes – embora os Senadores tenham à sua disposição apenas três cargos de livre nomeação e exoneração. O Senador Gilvan Borges (PMDB-AP) empregava a mãe e a esposa. Na Câmara dos Deputados, porém, cada parlamentar pode nomear livremente até 16 funcionários, com salários de até R$ 4 mil, desde que o gasto total não ultrapasse R$ 20 mil mensais. Muitas vezes, tais funcionários exercem suas funções fora de Brasília, mas em localidades próximas às suas bases eleitorais, prática considerada comum mesmo por políticos historicamente identificados com defesa da moralidade pública. Embora seja discutível a validade dessa prática, classificável como desvio de finalidade, já que se trata muitas vezes da utilização de recursos públicos para a manutenção de cabos eleitorais permanentes, há outras situações que são mais evidentemente relacionadas ao nepotismo. Nessa Casa do Congresso, é freqüentemente denunciado o uso de cargos de confiança em gabinetes parlamentares para fins de nepotismo: cerca de 180

36 Senado pode repor fim do nepotismo na Reforma do Judiciário. URL internet www.oglobo.com/noticias/arquivo/politica/20000316/4hgrxh.htm.

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Seria cômico se não fosse trágico, mas, desde aqueles momentos, pouco foi alterado neste cenário, mantendo-se o mesmo tom denuncista e mesmo o conteúdo das denúncias, mudando, apenas, os atores sob os holofotes.

Mesmo o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo Partido historicamente está comprometido com a luta contra a corrupção e o nepotismo, tem sido envolvido, desde 2004, em sucessivos escândalos e denúncias. Em 2004, denúncias de tráfico de influência, extorsão de propinas e correlatos, cometidos fora do Governo Lula, derrubaram o Subchefe da Casa Civil responsável pelo relacionamento entre o Executivo e o Congresso e arranharam a imagem do titular da Casa Civil. Os Partidos de Oposição (PFL e PSDB) têm centrado o foco de suas críticas no que seria o “aparelhamento partidário” do Governo, pelo uso excessivo de nomeações políticas para cargos de confiança. Outras denúncias de pequeno porte continuaram a aparecer, envolvendo a utilização de cargos públicos para acomodação de candidatos não eleitos. Por fim, autoridades como o titular da Secretaria da Receita Federal, Auditores-Fiscais e servidores públicos da Previdência Social, o próprio Ministro da Previdência Social e o Presidente do Banco Central do Brasil, ao qual foi concedido o “status” de Ministro de Estado, em alguns casos por atos cometidos antes de assumirem os atuais cargos no Governo. Não tem passado sem atenção, também, o fato de que, para manter a sua base de sustentação no Congresso Nacional, o Governo precisa atender às demandas por loteamento de organizações – e, por conseguinte, de cargos – e pela liberação de recursos orçamentários oriundos de emendas parlamentares, práticas tão antigas quanto nocivas na Administração Pública brasileira. Para contrapor-se ao Governo, parlamentares de diversos partidos, inclusive apoiadores do Governo, passaram a defender a aprovação de emenda à Constituição que torne impositiva a execução do Orçamento Federal aprovado pelo Congresso.

Neste ínterim, assume a Presidência da Câmara dos Deputados o Deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), legítimo representante da “cordialidade” a que Sérgio Buarque de Holanda se referia em Raízes do Brasil. Figura polêmica, eleito com uma campanha de plataforma populista e paternalista, tais como aumento de verba para contratação de assessores, aumento de remuneração e benesses voltadas a resgatar a “dignidade” do Parlamento, ganhou espaço na mídia ao defender abertamente o nepotismo, para justificar o emprego de diversos parentes seus na Câmara, assim como a indicação de seu filho, José Maurício Valladão Cavalcanti, na Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento em Pernambuco. Afirma o deputado: “Essa história de nepotismo é coisa para fracassados e derrotados que não souberam criar seus filhos. Eu criei bem os meus filhos, que têm universidade, e agora estou indicando José Maurício. (...)

O José Maurício é uma pessoa que tem doutoramento [apesar da afirmação do presidente da Câmara, José Maurício Valladão Cavalcanti não possui doutorado. Ele é formado em economia, com pós-graduação em gestão municipal]. É um economista que já tem um ótimo relacionamento com o Ministério da Agricultura, em Brasília. Isso vai facilitar o trabalho da superintendência. É tanto que, pela primeira vez, um ministro vem empossar um superintendente” (Folha de São Paulo, 2005).

Ainda segundo o deputado, a vaga na superintendência do Ministério da Agricultura “já era do PP desde o governo Fernando Henrique”. O cargo já foi ocupado por Roosevelt Gonçalves, aliado de Severino, que também já foi superintendente estadual do Incra e atualmente é prefeito da cidade de Cumaru, no interior pernambucano. Ao ser indagado sobre uma proposta de emenda à Constituição em tramitação no Congresso que propõe o fim das nomeações de parentes, Severino afirmou que só apoiará se a lei for para todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). “Se for pela metade, eu não vou apoiar”. Quando questionado sobre a possibilidade de demitir seus parentes, caso a emenda constitucional seja aprovada, o presidente voltou a defender as nomeações. “Acho que isso é história do passado, é uma repetição. Analisem primeiro o Poder Judiciário e vejam quantos filhos de juízes, desembargadores e ministros estão empregados em cargos de confiança. Cargo de confiança é para quem merece confiança. Para mim, que tenho uma família bem constituída, meus filhos merecem confiança. Por isso mesmo eu os escolhi” (FSP, 2005).

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Ainda mais recentemente, os brasileiros assistiram às dantescas cenas de um servidor dos Correios recebendo propina de empresários, de deputados estaduais de Rondônia tentando extorquir o governador Ivo Cassol e de prefeitos do interior de Alagoas sendo presos pela Polícia Federal por roubar dinheiro que deveria ser gasto em educação e saúde (Época, 2005).

Essa seqüência de episódios em que políticos e servidores públicos são mostrados em atitudes descaradamente desonestas veio à tona quase ao mesmo tempo. Não significa que a corrupção tenha crescido de uma hora para outra, até porque em grande parte as denúncias estão pipocando devido ao fato de a Polícia Federal estar agindo. Mas ela serve para lembrar que a corrupção está viva. Aumenta, com efeito, a corrupção percebida, o que, sem dúvida, aumenta a sensação de urgência com que deve ser enfrentada.

O flagrante no diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, gravado quando ensinava dois interlocutores a pagar propina para conseguir contratos vantajosos com a estatal, teve como consequência imediata a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pelas menções que fez ao deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), presidente de um dos principais partidos da base de sustentação do Governo Lula. ‘‘Nós somos três (diretores) e trabalhamos fechado. Os três são designados pelo PTB, pelo Roberto Jefferson. É uma composição com o governo’’, gabou-se Marinho. Quatro dias depois da divulgação da fita pela revista Veja, Jefferson voltou ao plenário da Câmara para tentar se defender - e também atacar. Assegurou que mal conhecia Marinho e apresentou uma carta em que o funcionário dos Correios disse que mentira ao envolvê-lo no esquema de propina. O presidente nacional do PTB contou que, dias antes da denúncia, foi procurado por dois homens identificados como ‘‘comandante Molina’’ e ‘‘coronel Fortuna’’, interessados em lhe vender a gravação, e concluiu afirmando que não fizeram negócio.

A senha, de todo jeito, foi bem entendida pelos demais veículos da mídia, pois retoma-se, em tons mais agressivos, uma série de críticas à atual gestão. Justifica-se, em parte, pela reação provocada pelo discurso de defesa do deputado Roberto Jefferson, que fez pesadas críticas à imprensa de modo geral. Em conseqüência, diversas revistas (Veja, 2005; Época, 2005) mostraram novas denúncias, envolvendo novamente o presidente do PTB: afirmam existir um esquema destinado a suprir uma “mesada” de R$ 400 mil para ajudar a sustentar o partido, chegando a insinuar que a queda do presidente do Instituto de Resseguros do Brasil, Lídio Duarte, foi causada justamente pela sua recusa em providenciar a “mesada” cobrada pelo PTB de Roberto Jefferson.

A situação denunciada evidencia os riscos de colocar-se, como moeda de troca para obter apoio dos partidos políticos, cargos de direção na Administração Pública. Nos demais níveis de Governo, o quadro não é muito diferente.

No município de Diadema, a Câmara Municipal e parentes de vereadores foram obrigados, em agosto de 2000, a devolver cerca de R$ 550 mil como punição por nepotismo e criação irregular de novos cargos. O ministério público estadual promoveu ação civil que redundou na condenação da Câmara. Dezesseis vereadores mantinham parentes em cargos em comissão como diretores e assistentes de gabinete, assessores, adjuntos e agentes parlamentares, com salários de até R$ 4,3 mil. Um único vereador empregava sete parentes: esposa, cunhado, primo, filho, irmã, mãe e sobrinho. Um ano antes, outros 41 parentes de vereadores já haviam sido afastados por determinação judicial37. O caso chegou ao STF, que manteve o afastamento de 53 assessores de vereadores38.

As justificativas para essa conduta são recorrentes. Em diversos momentos, repete-se o que atualmente se ouve pela boca do próprio presidente da Câmara:

- O Deputado Geddel Vieira Lima, quando ocupou o cargo de Líder do PMDB, tinha um irmão sob suas ordens: “Meu irmão é meu braço direito. Sem ele não vivo”.

- O Deputado Severino Cavalcanti, quando era Corregedor Geral da Câmara, com dois filhos

37 Juíza condena Câmara e parentes de vereadores a devolver dinheiro. Folha de São Paulo, 23.08.2000, p. A-3. 38 Justiça confirma afastamento de assessores de Diadema. URL Internet Nepotismo leva o Incra a exonerar 22 servidores http://www.globo.com/noticias/arquivo/brasil/saopaulo/20000417/4jguac.htm.

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- Armando Abílio, do PMDB-PI, que teria sete parentes sob suas ordens, justificava sua contratação em vista da necessidade do salário.

- Outras declarações, alarmantes, demonstravam a cultura política vigente: “Sou pelo nepotismo. E quero dizer ao Brasil inteiro que não sou hipócrita”. “Quero dizer que empregarei os meus parentes enquanto puder. Se eu puder amparar minha família toda, eu a ampararei, mas também não desprezarei os demais” (Themístocles Sampaio, PMDB-PI) (Folha de São Paulo, 8.2.2000).

“Eu gosto da minha família e quero que ela esteja ao meu lado. Vou ser vigiado por quem não é meu parente?” (Themístocles Sampaio, PMDB-PI) (Folha de São Paulo, 16.3.00).

“Elas são preparadas, competentes e podem me ajudar. Se pedir emprego para elas a um empresário ou ao governo, vou ficar com o rabo preso” (Gerson Peres, PPB-PA) (Folha de São Paulo, 8.2.00).

“A maioria dos deputados justificou o nepotismo, que a lei não proíbe, dizendo que precisa de reforço de renda familiar, de funcionários de confiança ou de apoio em seus redutos eleitorais” (Folha de São Paulo, 8.2.00).

Há, portanto, uma clara distorção da forma como são considerados os cargos públicos pelos praticantes do nepotismo: uma visão patrimonialista, personalista, como se o cargo fosse propriedade de quem dele dispõe para livre nomeação, e como se tal investidura não devesse observar os princípios da impessoalidade e moralidade, ou mesmo existissem à revelia do interesse público, mas em decorrência do interesse pessoal do agente político.

A Transparência Brasil, organização sem fins lucrativos fundada em abril de 2000 por um grupo de indivíduos e organizações não-governamentais comprometidos com o combate à corrupção, associada à Transparency International (TI), a única organização mundial dedicada exclusivamente a combater a corrupção, vem, ainda, registrando outros casos de nepotismo noticiados pela grande imprensa. Um dos casos recorrentemente apontados pela entidade é a contratação cruzada de parentes, ou seja, quando se emprega um parente de um político para, em troca, ter um parente seu contratado. Segundo a TCC- Brasil, por exemplo, esta prática era muito comum no Rio de Janeiro, tendo registrado que o Presidente da Assembléia do Rio de Janeiro (Alerj), Sérgio Cabral Filho, tinha parentes trabalhando em gabinetes de conselheiros do Tribunal de Contas do mesmo Estado, e na Câmara Municipal. Em São Paulo, o então vice-presidente do Tribunal Superior de Trabalho, Almir Pazzianotto, teria seis parentes nomeados para cargos no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Já no Mato Grosso do Sul, 70 entidades começaram uma campanha contra o nepotismo por meio de uma proposta de emenda constitucional, motivados pela nomeação para cargos no governo de parentes do governador José Orcírio dos Santos (PT), situação também registrada no Tribunal de Justiça do estado. Tal projeto apenas agora em 2005 obteve votação no mérito na Comissão específica em que se encontrava, apensado a tantas outras iniciativas, aguardando o parecer da Comissão de Constituição e Justiça.

Registrou a Transparência Brasil, igualmente, a ocorrência, até março de 1999, de 11 novos casos de nepotismo no Congresso Nacional, inclusive na Mesa Diretora do Senado: o Secretário-Geral do Senado, Raimundo Carreiro, foi acusado de obter emprego para a filha e a esposa em cargos em comissão com salários altíssimos. Devido à pressão do Presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, a filha pediu demissão.

Também o Tribunal de Contas da União, órgão legalmente encarregado de fiscalizar os demais poderes quanto à regularidade das nomeações para cargos públicos, foi denunciado pela prática de nepotismo. Em reportagem publicada em 28 de julho de 1999, a Revista Veja apontava a prática pelo seu Presidente, Ministro Iram Saraiva, de nepotismo e contratação de pessoal sem concurso. A fim de contratar um assessor pessoal - o ministro é deficiente físico e precisa de ajuda para locomover-se - de sua intimidade, o Ministro alterou as regras do TCU, que só admitiam servidores concursados. No entanto, o assessor, contratado por R$ 7.800 mensais, exercia atividades no gabinete do deputado estadual Iram Saraiva Júnior, filho do ministro, em Goiânia, a 209

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quilômetros de Brasília. O próprio assessor teria admitido nuca ter trabalhado com o Ministro, mas sempre com o filho deputado.39

No Poder Judiciário, são também comuns as denúncias de nepotismo e empreguismo. No Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba, o Juiz Severino Marcondes Meira é acusado de, em dez anos de atividade, haver colocado 63 parentes na folha de pagamento do Tribunal, incluindo filhos, mulher, sobrinhos, primos e noras. Cerca de R$ 250 mil mensais, equivalentes a 10% da folha de pagamentos do TRT teriam como destinação os parentes do juiz, cujos salários variavam entre R$ 4.000 e R$ 5.20040.

Em São Paulo, concurso realizado em 1992 pelo Tribunal Regional do Trabalho foi denunciado como fraudulento pelo Ministério Público. Destinado a preencher 46 vagas de auxiliar judiciário e oficial de justiça, teve 40.000 inscritos. Dos aprovados, porém, cerca de 20% tinham laços de parentesco ou amizade com magistrados do Tribunal41. A fraude teria contado com a participação de uma empresa contratada sem licitação para realizar o concurso, criada especificamente para realizá-lo – e que encerrou suas atividades logo após o seu encerramento.

Em Rondônia, o Tribunal Regional do Trabalho, segundo o jornal O Estado de São Paulo, “funciona como uma grande família”. Todos os cinco juízes togados têm parentes trabalhando no Tribunal. A presidente do TRT tinha o filho como assessor principal. Um dos juízes teria 43 parentes no Tribunal. Uma juíza teria nomeado a mãe, a irmã, dois sobrinhos e a sogra. Como sempre, as alegações são de que a prática é legal42.

Pertence ao Poder Judiciário, ainda, um dos mais curiosos casos relacionados com o nepotismo. Em agosto de 1998, um juiz de Roraima, Helder Girão Barreto, foi afastado do cargo por indisciplina. O Tribunal de Justiça do Estado abriu processo administrativo para determinar o afastamento do juiz por “abuso de poder com evidentes conotações político-partidárias e atitudes configuradoras de revanchismo e insubordinação judicial”. Tão grave punição, na verdade, decorreu de decisões adotadas pelo Juiz em ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público de Roraima e por uma sindicalista determinando a demissão de parentes do então Governador de Roraima, Neudo Campos (PPB), e de magistrados. Somente o governador teria 13 parentes em cargos do governo; antes disso, o Juiz havia determinado a demissão de dez parentes de desembargadores e de cinco parentes de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado43. Apesar de haver recorrido ao STF da decisão, o Juiz não foi reintegrado.

Nos tribunais superiores, a prática do nepotismo é corriqueira. Segundo a Revista Veja, mesmo os Ministros dos Tribunais Superiores empregam parentes em cargos em comissão44. Quando Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, mantinha como sua assessora, com cargo em comissão, a própria mulher, Ives Glória Pádua Ribeiro, mesmo ela já sendo aposentada da Justiça do Distrito Federal45. No Conselho de Justiça Federal, órgão subordinado ao STJ, parentes de magistrados e de políticos ocupavam 11 funções de confiança, cerca de 5% dos 257 funcionários do órgão. Mesmo sendo 10 desses servidores funcionários de carreira, os níveis de parentesco com ex-Presidentes do STJ, e a data em que tais funcionários foram investidos em funções de confiança sugere haver muito mais do que mérito a justificar as nomeações46. Em alguns casos, para contornar a vedação legal, ocorre a nomeação cruzada, chamada pejorativamente pelos próprios funcionários do Judiciário de “barriga de aluguel”: um magistrado nomeia para o seu gabinete o parente de outro, que retribui o favor. A própria nomeação

39 PATURY, Felipe. Exemplo de cima. Veja nº 1.608, 28/07/1999, p. 45. 40 GUSMÃO, Marcos. Rei da mamata. Veja, 08 jan 1997, p. 32. 41 A farra dos parentes. Veja nº 1596, 05 maio 1999, p. 116. 42 Nepotismo é praxe entre magistrados de RO. O Estado de São Paulo, 13 ago 2000. 43 FREITAS, Silvana. Juiz recorre contra afastamento em RR. Folha de São Paulo, 21 ago 1998, p. 1-6. 44 ROCHA, Leonel. Laços de sangue. Veja, 27 maio 1998. 45 Alegou o ministro, e sua defesa, que a nomeação se deu antes da vigência de lei proibindo a nomeação de parentes no Judiciário federal, além do fato de que até dezembro de 1990 o art.245 da Lei nº 1.711 permitia, como pretendia a proposta do Deputado Michel Temer antes citada, que até dois parentes ocupassem funções de confiança de livre escolha sob direção imediata do cônjuge ou parente até o segundo grau. 46 11 parentes de magistrados tem cargos em comissão no conselho. O Estado de São Paulo, 29 out 2000, A-5

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de ministros do STJ revela a força dos laços de sangue: em junho de 1999, três dos quatro ministros nomeados pelo Presidente da República tinha laços de parentesco com outros magistrados de tribunais superiores.

Contratação de pessoal para atendimento de necessidades excepcionais e temporárias: porta aberta para a burla ao sistema do mérito

Outro instrumento associado ao nepotismo, e que também contribui para impedir a profissionalização do serviço público, face ao seu conteúdo desestruturador da gestão de pessoal, é a faculdade de contratação de pessoal para atender necessidades temporárias, sob o pretexto do “excepcional interesse público”. Apesar das limitações impostas na esfera federal pela Lei nº 8.745, de 1993, situações de contratação, inclusive fora da regra geral, têm produzido um crescimento paulatino e descontrolado47 do contingente de contratações temporárias. Embora originalmente esta Lei determinasse o controle das contratações temporárias pelo extinto Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, esta exigência foi revogada, inexistindo registros confiáveis que permitam aferir o número de servidores contratados em caráter temporário. Talvez por essa razão se justifique a divergência entre órgãos do próprio Governo Federal sobre o número de contratados temporários: enquanto para o Ministério do Planejamento eles não passam de 6,7 mil funcionários, para o Ministério da Fazenda eles são quase 12,7 mil contratados48. Esta situação, atualmente, encontra-se relativamente sob controle, após diversas investigações do Ministério Público do Trabalho, que culminaram na firmatura de diversos Termos de Ajustamento de Conduta (e alguns aditivos), que provocaram, nos últimos três anos, a substituição de mais de 10 mil “trabalhadores” por servidores públicos concursados ou servidores contratados por prazo determinado, após processo seletivo aberto, transparente e concorrencial.

Caso não houvesse sido regularizada nesse período, essa situação tenderia, a longo prazo, a reproduzir a situação já vivenciada dos extranumerários e tabelas de especialistas. Isto porque, além da flexibilização dos próprios requisitos de ingresso – dispensando-se, muitas vezes, até mesmo a realização de processo seletivo prévio – vêm também sendo ampliadas, além dos limites da razoabilidade, as situações que tais contratações “excepcionais” são permitidas.

Um exemplo desta extrema flexibilização foi a autorização conferida pela Medida Provisória nº 2.014-4/2000, que permitia ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI contratar, por prazo de 12 meses, servidores temporários para exercerem atividades relativas à implementação, acompanhamento e avaliação de atividades, projetos e programas na área de competência da autarquia. No entanto, o Supremo Tribunal Federal concedeu, em abril de 2000, liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.215-7, suspendendo a permissão, sob o entendimento de que a lei não pode autorizar contratação por tempo determinado, de forma genérica e abrangente, de servidores sem o devido concurso público, para cargos típicos de carreira. Acolheu o Ministro Maurício Corrêa, Relator, a tese de que no caso do INPI, responsável pela execução de atividades exclusivas de Estado, o suprimento à revelia do inciso II, do artigo 37 da Constituição Federal de suas necessidades de pessoal, vulnera os princípios da moralidade, impessoalidade e publicidade a que se refere o caput do art. 37 da Carta Federal49.

Contudo, inúmeras outras hipóteses foram agregadas, e mantidas em vigor. Ainda que algumas possam ser consideradas adequadas aos princípios da Constituição, como a contratação de pessoal para a realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela

47 Embora a Lei nº 8.745/93 determine o controle pelo atual MARE das contratações temporárias, este dispositivo não vem sendo cumprido, inexistindo registros que permitam aferir o número de servidores contratados em caráter temporário. 48 Segundo o Boletim Estatístico de Pessoal nº 51, de julho de 2000, emitido pela SRH/MP, existiam em junho de 2000 6.764 contratos temporários; para a STN/MF, seriam no mesmo mês 9.637, e 12.649 no mês de setembro de 2000 (in URL Internet http://www.tesouro.fazenda.gov.br/execução%20orçamentária%20do%20tesouro%20nacional/despesas%20com%20pessoal/pess1207.htm). 49 Segundo denúncias apresentadas pela Associação dos Funcionários do INPI, antes mesmo da edição da medida provisória já estavam definidos os funcionários a serem contratados com base na permissão legal, caracterizando a ofensa ao princípio da impessoalidade.

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Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, outras há em que é gritante a tentativa de burla ao requisito de ingresso por concurso público, como as atividades finalísticas do Hospital das Forças Armadas e as de pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de informações, sob responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações – CEPESC, por serem de natureza permanente. Também careceu de justificação razoável a contratação temporária de servidores pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS que, de 1993 até 2002, vem ocorrendo com base também em leis autorizativas especiais, e objeto de Ações Civis Públicas promovidas pelo Ministério Público do Distrito Federal e também no Rio de Janeiro. Tal prática somente se encerrou em 2003, após a demissão de mais de seis mil “terceirizados” e a constante contratação de servidores públicos efetivos para desempenhar as tarefas.

Segundo o Procurador Regional da República Brasilino Pereira dos Santos, à época, acreditava “tratar-se mesmo de empregos destinados a amigos e afilhados políticos, tudo conforme previamente combinado, inclusive com destinatários certos, sendo a publicação dos editais [de processo seletivo simplificado] mero disfarce do nepotismo”. A evidência seria a realização apressada do processo seletivo, concluído menos de uma semana após o encerramento das inscrições, segundo o Procurador50. Em 1997, a Deputada Federal Cidinha Campos (PDT-RJ) denunciou, no Plenário da Câmara dos Deputados, situação idêntica, apontando a existência de indicações políticas e por critérios de parentesco ou amizade em cerca de 500 contratações temporárias então realizadas pelo INSS apenas no Rio de Janeiro.

Também as agências reguladoras foram, até 2003, palco de situações desta natureza. As Agências Nacional de Petróleo, Telecomunicações, de Saúde Suplementar, de Vigilância Sanitária e de Energia Elétrica foram autorizadas em leis específicas a promover contratação temporária de pessoal, protelando por períodos de mais de 3 anos a constituição de quadros próprios de carreira nessas entidades reguladoras. No caso da Agência Nacional de Saúde Suplementar, os dois primeiros concursos simplificados (seleção por análise de currículos) foi objeto de ação civil pública provida pelo Ministério Público Federal, sob a alegação de que não se caracterizava excepcionalidade que justificasse a nomeação sem concurso público. Em pelo menos um caso (Agência Nacional do Petróleo) foi deferida medida liminar pela Justiça Federal suspendendo a contratação temporária de pessoal sem a realização de processo seletivo. Essa situação somente iniciou-se a ser regularizada a partir de 2004, após a criação de cargos efetivos em diversas carreiras específicas para as Agências (Lei nº 10.871, de 2003) e com a realização de concursos públicos. Resta ainda, é verdade, um grande número de servidores requisitados ou ocupantes apenas de cargos em comissão no âmbito das Agências, sem vínculo com a Administração, que ainda precisarão ter sua situação equacionada.

Projetos de cooperação técnica internacional: fachada para contratação sem processo concorrencial

Um outro obstáculo que também se presta à prática do nepotismo e do empreguismo tem sido a desenfreada contratação de pessoal para exercer, por prazo certo, tarefas de rotina a título de “contratação de consultores”, mecanismo largamente utilizado, principalmente nos órgãos centrais da Administração, para satisfazer suas necessidades de pessoal.

Este último problema foi apontado como um dos mais graves desvios da Administração Pública, dando origem a uma verdadeira “indústria da consultoria” ou à “carreira de consultor”, remunerada sempre em padrões muito superiores aos do serviço público efetivo. Segundo denúncias freqüentemente veiculadas pelos meios de comunicação, atividades administrativas rotineiras, típicas do funcionalismo federal, eram transferidas para consultores pagos “a peso de ouro”, sem qualquer controle ou questionamento sobre a real necessidade de tais contratações para tarefas que em muitos casos poderiam ser executadas pelos próprios servidores dos respectivos órgãos.

Um dos exemplos dessa prática foi a manutenção de convênios com o Programa das Nações

50 Procurador vê o INSS praticando nepotismo. Jornal dos Concursos, 9-15 de outubro de 2000.

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Unidas para o Desenvolvimento - PNUD e com o Banco Mundial, por meio dos quais tem sido encontrado um meio para a contratação, sem concurso, de pessoas que, mais por laços de amizade do que pela sua qualificação, irão desempenhar atividades típicas do serviço público com salários muito superiores, reajustados mensalmente pela variação cambial51. Auditoria realizada pela Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda em todos os Ministérios em 199452 constatou a existência de mais de 2.900 contratados por este instrumento (sendo que 1.442 executavam serviços de apoio técnico e administrativo), por meio de 113 contratos envolvendo entidades tais como a Agência Japonesa de Cooperação Internacional - JICA, OEA, FAO, CEPAL, BID, BIRD e outros, totalizando dispêndios da ordem de US$ 80,5 milhões53. Do total de contratados, 1.442 foram destinados a atividades de apoio técnico-administrativo. Apenas no Ministério da Saúde, foram identificados 600 contratos em vigor no ano de 199454. As irregularidades identificadas iam desde a sucessiva prorrogação de contratos de consultoria sem a apresentação de seus produtos finais, a falta de publicidade e amplo acesso quando da contratação de consultores e técnicos, sugerindo a existência de privilégios, e a contratação de apoio técnico em quantidade superior às necessidades dos projetos. Em 1995, elementos fornecidos à Câmara dos Deputados por diversos ministérios55 apontaram a existência de centenas de consultores, grande parte contratados em caráter permanente, por meio destes instrumentos, cujos salários, em alguns casos, alcançavam a cifra de R$ 5.500,00, superior então à dos mais bem remunerados cargos de carreira do Poder Executivo, além de centenas de contratados para atividades de apoio com remunerações até 100% superiores às dos ocupantes de cargos efetivos de idênticas funções. Em maio de 1998, novamente o Tribunal de Contas da União adotou decisão em que, apreciando a contratação indireta de pessoal nos Ministérios da Educação e do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal por meio de contratos ou convênios com organismos internacionais, reconhecia o mau uso e o grau excessivo de subjetivismo em tais contratações de pessoal56.

Tal prática andou a passos largos, com o uso de contratos de consultoria e convênios com organizações internacionais para assegurar aos dirigentes a possibilidade de satisfazerem necessidades de assessoramento em “alto nível”. Reportagem publicada em 18/10/1999 pela Revista Época relata de maneira eloqüente esta situação: “Há 2.003 fundações de apoio à pesquisa também contratadas por órgãos públicos, em todo o país, sem licitação. Graças a essa prática, também se abre uma porta de bom tamanho para a contratação de profissionais ou serviços de consultoria, sem a abertura de concorrência nem a realização de concurso público. Os números soam impressionantes. Neste ano, foram consumidos R$ 780 milhões apenas na administração federal. A cifra representa sete vezes mais do que o governo vai economizar por ter exonerado funcionários no último Programa de Demissões Voluntárias (PDV). Parcelas crescentes dos gastos vão seguindo seu curso sem controle. É o caso de contratos feitos por meio de empresas privadas ou fundações, já condenados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A lei permitiu que tais entidades fossem dispensadas de concorrência somente quando se tratasse de projetos de pesquisa em áreas de sua especialidade. Em julho deste ano, o TCU concluiu que muitas delas funcionam, na verdade, como locadoras de mão-de-obra. (...)”.

Em 11 de setembro de 2000, o Tribunal de Contas da União apontava falhas na contratação de consultores verificada em Auditoria no Ministério do Meio Ambiente. Entre outras constatações,

51 MONTEIRO, Marcelo Affonso. "A Indústria da Consultoria". Jornal de Brasília, Brasília, 08 jan. 1993, p. 2. 52 IZAGUIRRE, Mônica. Consultoria disfarça contratações irregulares. O Estado de São Paulo, São Paulo, 18.09.95, p. A-7. 53 Ver DC nº 109-09/96-P, do Tribunal de Contas da União (D.O.U. de 26.03.1996, p. 5005). 54 LOPES, Eugênia. Executivo paga salários duplos a 53 funcionários. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19.09.95, p. 3. 55 Informações encaminhadas pelos Ministérios da Fazenda, Meio Ambiente e da Amazônia Legal, Planejamento e Orçamento, Transportes, Previdência e Assistência Social e outros em virtude de Requerimento de Informações nº 623 e seguintes, de autoria do Deputado Ivan Valente. As informações deram origem a uma representação ao Ministério Público da União, protocolada em setembro de 1995, para que apurasse a ocorrência de crime contra a administração pública por burla à exigência de concurso público e desvio de finalidade na contratação de pessoal à conta de acordos com organismos internacionais. 56 Decisão nº 213-15/98 - TCU - D.O.U de 11 maio 1998, p. 46.

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apontava o TCU a ausência de comprovação de que os serviços prestados por consultores não poderia ser realizados por servidor da Administração Pública; a contratação elevada de consultores técnico-administrativos, principalmente quando comparada como quadro permanente do órgão, não guardando coerência com a excepcionalidade inerente a tais contratações (nada menos do que 63% do pessoal do MMA em 1999 estavam sob contratos de consultoria, chegando o percentual a 90% em alguns órgãos); desempenho de atividades de apoio administrativo por parte de consultores, comprovando a inexistência de especificidade que justificasse a contratação; pagamento a consultores de remunerações em valores bem superiores aos pagos aos servidores do quadro de pessoal, inobstante exercerem funções equivalentes, causando gasto excessivo e indignação nos servidores concursados; e subjetivismo e discricionariedade na seleção de consultores, em desrespeito aos princípios da impessoalidade e isonomia57.

Tal prática hoje encontra-se contrangida, pela atuação do Ministério Público do Trabalho, que logrou levar à Justiça uma Ação Civil Pública, e que, caso tivesse sido julgada, levaria à União a uma vergonhosa condenação. Assinou-se, assim, em 2002, um Termo de Ajustamento de Conduta e, em três etapas, a serem desenvolvidas ao longo de dois anos (que acabaram por ser estendidos por mais um ano e meio) pactuou-se a substituição desses contratos precários, o que, até o momento, vem sendo obtido. Não obstante, com certa regularidade tem-se constatado tentativas de burla ao acordo firmado entre Executivo e Ministério Público, mediante a classificação de postos de trabalho que deveriam ser preenchidos mediante concurso como “consultorias por produto”, permitidas pelo acordo. Tal situação tem demandado permanente vigilância dos órgãos de controle, a fim de evitar novo ciclo de contratações irregulares.

Terceirização de mão-de-obra: contratação sem “burocracia”

Outro artifício muito utilizado para a contratação de pessoal sem critérios impessoais é lançar mão de contratos de prestação de serviços com pessoas jurídicas de direito privado, classificadas genericamente sob o rótulo de terceirização de mão-de-obra.

Com a finalidade de privilegiar uma administração “ágil e eficiente”, o Decreto-Lei nº 200/67 estabeleceu, no § 7º do art. 10, que “para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a administração procurará desobrigar-se da realização material das tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”. E a Lei nº 5.645/70, no parágrafo único do art. 3º, definiu que as atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas seriam preferencialmente, objeto de execução indireta, mediante contrato, conforme o referido § 7º do art. 10 do Decreto-Lei nº 200.

A terceirização é licita, portanto, dentro de certos limites, mas atualmente a prática vem-se degenerando, e alcançando quaisquer atividades no âmbito da administração pública. A revogação da regra da Lei nº 5.645/70 que limitava a terceirização às áreas mencionadas pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, é um claro indicativo dessa tendência.

O que vem ocorrendo, de forma endêmica, é a utilização indevida de contratos de terceirização por Ministérios, autarquias, fundações e empresas estatais, a fim de permitir a contratação “ágil” de funcionários, sem constrangimentos legais, caracterizando-se a situação apontada pelo ex-Ministro Armando Brito, do Tribunal Superior do Trabalho: “a autorização, restrita à União e autarquias, espalhou-se, como um benefício aparente de poder voltar-se o poder público para a sua atividade finalística, mas encobrindo a realizada com a comunhão de interesses de empresas e de administradores públicos, em não realizar concursos públicos e quiçá operar grandes negócios, gerando até casos de corrupção” (Brito, 1994).

O ex-Ministro cita como exemplo situação ocorrida na Caixa Econômica Federal, em que foram contratados 17.501 estagiários com a finalidade de reduzir custos com mão-de-obra, e que

57 Decisão nº 695/2000 – TCU – Plenário. DOU de 11 set 2000.

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No Ministério da Previdência e Assistência Social, um contrato de prestação de serviços deu cobertura, até 2002, à contratação de pessoal para exercer atividades nos postos de benefícios, no âmbito das novas agências da previdência social incluídas no Serviço de Atendimento ao Cidadão – SAC. No Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, foi abortada em abril de 1999, por uma liminar concedida em Ação Popular movida pelo Deputado Federal Doutor Rosinha (PT-PR), a contratação de mais de 100 funcionários por meio de empresa prestadora de serviços. As atividades a serem exercidas pelos funcionários foram caracterizadas como inerentes a servidores ocupantes de cargos efetivos, posto que previstas nos planos de cargos existentes no Ministério. A Juíza da Quarta Vara Federal do DF considerou que a contratação constituía “burla à livre concorrência dos profissionais aos cargos públicos”, constituindo ainda medida estranha “em face das demissões incentivadas pelo Governo Federal” por meio de programas de demissão voluntária. “Se incentivou demissões e proibiu concursos”, conclui a magistrada, “é porque precisa conter gastos, ou então porque tem pessoal em excesso”. Logo, não poderia ocorrer a contratação, que, sendo necessária, somente poderia ocorrer mediante concurso público para cargos efetivos.

No Estado do Rio de Janeiro, situação semelhante foi denunciada na Secretaria de Saúde, em que pelo menos 3.324 prestadores de serviços teriam sido contratados irregularmente. Além disso, havia outros 1.500 prestadores de serviços, contratados em caráter de excepcionalidade (Gomes, 2000). Um dos mais perversos exemplos dessa prática foi descrito pela Revista Época (Krieger, 1999): “Agora, os ministérios entregam a agências de publicidade a tarefa de pagar jornalistas contratados para atuar como assessores de imprensa. Assim, garantem salários de até R$ 10 mil mensais, o dobro do que seria possível com a estrutura oficial. É uma cadeia de subcontratos. O ministério contrata a agência de publicidade. A agência recorre a um escritório de assessoria de imprensa, que emprega os jornalistas. Não há fiscalização sobre salários nem critérios de contratação. No Ministério da Saúde, por exemplo, a assessoria de imprensa consome R$ 1 milhão por ano. Duas empresas e uma cooperativa de jornalistas dividem esse orçamento”.

A mesma situação foi denunciada também pelos jornalistas Elio Gaspari (em 23 de julho de 2000 e Fernando Rodrigues (em 23 de agosto de 2000). No entanto, as providências a respeito somente foram adotadas após nova investigação do Ministério Público do Trabalho que, à semelhança do que ocorreu a respeito das contratações por projetos de cooperação técnica internacional, ajuizou Ação Civil Pública contra a contratação de cooperativas de mão-de-obra. Em 2003, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual a União se comprometia a não contratar tais cooperativas, abrindo um importante precedente: por decisão judicial, as cooperativas não poderiam participar das licitações, se a natureza do serviço de execução indireta não fosse compatível com a sua razão de existir.

Mesmo com a constante vigilância do Ministério Público, ainda assim se detectam tentativas de burla ao concurso público, como aconteceu recentemente com tentativa de licitação de empresa para fornecimento de mão-de-obra ao Ministério dos Esportes e ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura em Transportes. Nestes dois casos, o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública e obteve liminar favorável pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2005.

Além da burla à exigência de concurso público, estas hipóteses permitem o favorecimento de correligionários políticos, evidenciando resquícios de patrimonialismo ainda hoje presentes na administração pública federal, possivelmente um dos maiores entraves à implementação de políticas destinadas à efetiva profissionalização do serviço público. A utilização desses expedientes, de caráter pragmático, afasta o interesse na busca de soluções para os problemas que afligem o quadro permanente, objeto da organização de carreiras, num mecanismo disfuncional de segundo grau de difícil solução. Manobras que, derivadas do corporativismo ou do patrimonialismo, permitem que o serviço público continue a ser o esteio dos compadres, dos amigos, dos protegidos.

Tal burocracia patrimonialista, longe de ser profissionalizada e minimamente capacitada para atender aos anseios da Sociedade e servir aos cidadãos, torna-se presa fácil de um sistema

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predatório, que dilapida o patrimônio do Estado para atender aos desejos de agentes privados, muitas vezes pouco ou quase nada comprometidos com os objetivos da coletividade. Como viemos sustentando desde o início, a correção de tal disfunção não é, em si, a única possibilidade para extirpar a corrupção, mas, sem dúvida, tornaria muito mais difícil a ocorrência de tantos escândalos e polêmicas, como os que mostramos nesta seção.

A seção seguinte discutirá as medidas necessárias para o enfrentamento do nepotismo, apresentando algumas alternativas a serem adotadas ou aperfeiçoadas no caso brasileiro.

MEDIDAS PARA O COMBATE À CORRUPÇÃO E AO NEPOTISMO

A partir da análise da literatura e de práticas governamentais em diversos países, é possível identificar algumas tendências mais recentes do que se vem fazendo para combater práticas corruptas:

• Existe uma predisposição do segmento político em prestar contas de suas ações ao público, garantindo maior transparência das ações;

• Procura-se reforçar a capacidade de articular compromissos e alianças em torno de projetos políticos representativos para a maior parte da sociedade;

• Busca-se a construção de competências para implementar compromissos de acordo com os valores democráticos dominantes;

• Reforçam-se instituições públicas para combater ações arbitrárias e corrupção; e • Busca-se melhor desempenho e utilizam-se diferentes formas de avaliação e

monitoramento das políticas públicas, como apoio ao processo de responsabilização do Estado e seus agentes, ampliando a transparência e garantindo o surgimento de formas alternativas de controle.

Tais ações, na maior parte das vezes, estão articuladas a processos de responsabilização58 dos agentes públicos por suas ações e de garantia de transparência. Sem esse esforço, em princípio, ninguém seria “responsável” pelos resultados de uma gestão; o segredo, o anonimato e a falta de transparência são naturais; a cadeia de inimputabilidade percorre todos os níveis da hierarquia institucional do Estado. A garantia de transparência das ações, por sua vez, garantiria a descrição clara do fluxo crescente e tempestivo de informação econômica, social e política; a acessibilidade aos meios de informação, aliada à proficiência (nível educacional) da população em geral; a relevância da informação apresentada; a qualidade e confiabilidade, bem como tempestividade, abrangência, consistência e relativa simplicidade em sua apresentação. Esse ponto, segundo Stiglitz (1999), é crítico, pois: “…better information will improve resource allocation and efficiency in economy. (...)

Lack of efficiency and growth. Lack of transparency can be costly, in both political and economic terms. It is politically debilitating because it dilutes the ability of the democratic system to judge and correct government policy, cloaking the activities of special interests, and creating rents by giving those with information something to trade. (…)

The most significant cost is that of corruption, which has a documented adverse effect on investment and economic growth”.

Como parte integrante desse esforço por garantir um ambiente menos propício para ações corruptas, está a participação cidadã no processo de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas. Participando ativamente, a Sociedade garante a democratização do seu relacionamento com o Estado e fortalece as políticas gerenciais de modernização do setor público. A participação social e cidadã traz melhorias significativas ao processo de construção de capacidades estatais, por três razões:

- Quando o cidadão pode expressar preferências e reivindicações publicamente, o Estado ganha credibilidade para bem governar;

- a voz popular pode reduzir os problemas de informação e diminuir os custos de transação;

58 Tradução de accountability, (OSLAK, 1988) que se refere “a la vigência de las reglas de juego que exigen la rendición de cuentas a terceros, ante los cuales se es responsable de um acto o de uma gestión”.

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- autoridades estatais não podem prever (e prover tempestivamente) todos os bens e serviços que os cidadãos desejam.

Todos esses esforços rumam no sentido de acrescentar custos e diminuir eventuais benefícios no processo de cálculo que levam alguns agentes, privados ou públicos, a práticas de gestão predatória. O processo de conscientização, infelizmente, ainda é muito lento. Uma das explicações para isso reside no fato de que um dos aspectos mais curiosos sobre a corrupção e também sobre o nepotismo é a relativa tolerância por parte da sociedade para com tais manifestações do patrimonialismo.

Segundo a Revista Veja, pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi em fevereiro de 2000 constatou que 59% dos entrevistados rejeitavam a nomeação de parentes dos deputados federais para cargos de confiança, e apenas 28% apoiavam a prática; no entanto, quando os entrevistados tinham que responder se eles próprios, ocupando cargos políticos, empregariam parentes, 46% responderam que o fariam de bom grado59. Mesmo atualmente, após as diversas incontinências verbais cometidas pelo Presidente da Câmara sobre a contratação de parentes, ainda que a opinião pública tenha se mostrado indignado com a falta de postura e baixo compromisso com a profissionalização da gestão pública, ainda se encontram segmentos sociais (geralmente entre os despossuídos) indiferentes ou mesmo favoráveis a tais práticas.

Combater a corrupção e o nepotismo requer muito mais do que medidas formais. No entanto, como relembra Borja, já dizia Maquiavel que “em que uma coisa por si só mesma se faz bem sem leis, a lei não é necessária; mas quando falta esse bom costume, logo se torna necessária a lei”.

Não se poderia esperar momento mais propício para um sério e efetivo combate à corrupção e ao nepotismo que o atual: de acordo com a opinião de observadores internacionais, refletida no Índice de Percepções de Corrupção60 divulgado em 20 de outubro de 2004 pela Transparency International, o grau de corrupção atribuído às relações entre o Estado e a sociedade no Brasil não se alterou em relação aos seis anos anteriores. O Brasil recebeu em 2004 a pontuação de 3,9, repetindo assim o desempenho do ano passado (este havia sido 4,0 em 2002 e 2001, 3,9 em 2000, 4,1 em 1999 e 4,0 em 1998). Isso não indica que o país tenha piorado ao longo do tempo na percepção internacional sobre o grau de corrupção vigente – mas que não tem melhorado. Ressalte-se, no entanto, que países cuja classificação permanece inalterada são países que não são vistos pelos formadores de opinião internacionais como tendo empreendido medidas eficazes para reduzir as fraudes.

Essa sensação de que o país não se empenha em reduzir as práticas fraudulentas é também compartilhado por muitos formadores de opinião internos. Começa a surgir, nos meios de comunicação de um modo geral, o consenso de que o quadro político atual, marcado por uma avalanche de denúncias de casos de corrupção, muitos deles decorrentes de empreguismo, loteamento de cargos e organizações públicas e baixa profissionalização dos quadros dirigentes, é muito grave e está afetando não só o atual governo, mas também enfraquecendo o Estado de Direito, com um aumento generalizado da desconfiança da população em relação à classe política. De acordo com o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, em recentes declarações, “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem que mudar profundamente os rumos do seu governo e só ele pode fazê-lo, pois tem autoridade moral para isso e, até agora, está relativamente descolado do desgaste político que atinge seu governo”. Para Busato, Lula deveria fazer uma profunda reflexão sobre o atual rumo das coisas e lembrar as razões pelas quais foi eleito com o voto de milhões de brasileiros.

59 O seu parente não pode. Já o meu... Veja nº 1.639, coluna Radar, 08 mar 2000, p. 20. 60 O índice, na versão de 2004, classificou opiniões sobre o grau de corrupção em 146 países, numa escala de 0 a 10, em que 10 corresponde ao menor grau de corrupção percebido e 0 ao maior grau. O Índice reflete opiniões sobre a integridade das relações mantidas por todas as instituições do Estado, em todas as esferas, e não corresponde apenas aos governos nacionais, embora as ações destes últimos sejam muito determinantes na formação da opinião internacional. Assim, quando um governo empreende um conjunto organizado de iniciativas anticorrupção e que seja percebido como significativo pela opinião internacional, isso tende a se refletir numa melhoria da pontuação atribuída ao país. Mais detalhes sobre o índice podem ser encontrados em http://www.transparencia.org.br/index.html.

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A mesma sensação é compartilhada por Bresser Pereira. Em um recente artigo, afirma o ex-Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado do Governo Fernando Henrique Cardoso: “ (...) Governar exige habilidade e competência política para fazer os compromissos necessários, e, ao mesmo tempo, a determinação e a coragem de buscar objetivos nacionais mesmo que com risco da própria reeleição. Isso implica lograr maioria no Congresso para realizar reformas, sem comprometer em demasia os próprios objetivos do governo.

Não é isso o que vemos hoje no Brasil. Em vez de um governo que define objetivos nacionais claros e estratégias que conduzam a eles, e estabelece limites para os compromissos a que está disposto a fazer, o que vemos é um governo fraco e acuado pelo que há de pior na política. Instala-se, assim, a chamada ‘crise de governabilidade’, que não é outra coisa senão a ausência de governo.

Se o governo tivesse objetivos claros e limites definidos quanto ao que está disposto a conceder, nem os políticos fisiológicos, nem os rentistas teriam tanto poder. Na falta deles, o governo se vê prisioneiro de seus capturadores. Os salários dos trabalhadores e da classe média caem, sobem os salários de alguns setores privilegiados da burocracia, crescem os juros dos rentistas e vicejam os rendimentos do setor financeiro associado a esses juros.

Nesse quadro de paralisia do Estado e de crise de governabilidade, a captura do Estado se institucionaliza. Em alguns momentos chega ao limite da corrupção consentida.

Quando não chega a esse limite, se expressa na subordinação do país a políticas econômicas recomendadas por terceiros, no pagamento de juros absurdos e na confusão do partido político com o governo e do governo com o Estado. Em qualquer uma das hipóteses, é a cidadania que sai derrotada, é a sociedade brasileira que assiste, perplexa, à ausência de governo” (Bresser Pereira, 2005).

Não se deve imaginar, no entanto, que não se tenha tentado, já há algum tempo, iniciar esse processo, no Brasil. Em 1993, instituiu-se o Código de Ética do Serviço Público e, em 1998 editou-se o Código de Conduta dos Titulares de Cargos na Alta Administração Federal. Desde 1994, vem-se reestruturando, no Poder Executivo, o Sistema de Controle Interno, com a criação da Secretaria Federal de Controle naquele ano ; em 2001, criou-se a Corregedoria-Geral da União, que em 2002 seria transformada na Controladoria-Geral da União. Estabeleceu-se, para dirigentes públicos, a necessidade de quarentena (quatro meses) antes de assumir cargos na iniciativa privada. Além disso, desde 2003, tem ocorrido, de forma célere, a ampliação da participação de conselhos e organizações da sociedade no processo de formulação e avaliação de políticas e orçamento, com a intensificação da fiscalização das contas dos municípios. Contudo, medidas profiláticas ou preventivas contra o nepotismo, como bem ressalta Boris Fausto, não serão implementadas sem resistência: “estamos diante de uma prática nociva arraigada cuja eliminação não se fará facilmente” (Fausto, 2000, p. 2). Para muitos estudiosos, a corrupção no Brasil apresenta características endêmicas, manifestando-se de forma disseminada em todos os setores da sociedade, ligada a fatores culturais, e insere-se num contexto mais amplo; seu combate, assim, requer medidas de longo prazo – há uma aceitação tácita tanto do lado do corrupto quanto do corruptor, a sociedade não cumpre leis e acha natural, portanto, que seus dirigentes não as cumpram também,

Além dessas, a ausência de proibições expressas, ou de regras que delimitem claramente o campo de atuação dos dirigentes políticos também pode ser considerada explicação de por que as práticas patrimoniais continuem a grassar. De tal forma o nepotismo está arraigado em nossa cultura política e em nossa prática administrativa, que proibi-lo em sua face mais visível, deixando raízes para sua expansão, poderá resultar inócuo. A troca de favores, como prática substitutiva, já ocorre, como demonstra a incidência do nepotismo no Conselho de Justiça Federal, e em gabinetes parlamentares e de magistrados. Como afirma Fausto, a convicção da legitimidade do nepotismo é sua maior garantia de sobrevida, verdadeiro traço cultural de nossa sociedade.

Contudo, a proibição legal será um passo importante para a moralização dos costumes políticos e, por isso, práticas antinepóticas que possam ser incentivadas ou ampliadas devem ser amplamente divulgadas. Mas essa proibição deverá ser acompanhada de medidas tendentes à implantação de quadros profissionais, efetivos e qualificados no serviço público, que possam tornar dispensável a busca de pessoas “competentes” fora dos quadros efetivos da Administração Pública

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A preocupação com a profissionalização do serviço público como antídoto para o nepotismo, de fato, está intimamente ligada à implantação do sistema do mérito e de sistemas de carreira na administração pública federal, assim como ao grau de politização que deve ser admitido aos servidores públicos, em face da natureza de sua relação com a sociedade e o Estado. A esse respeito, lançando a tese da dicotomia política-administração, já em 1887 Woodrow Wilson (1955; 27) afirmava: “Um corpo de funcionários bem treinados, mantidos nos cargos enquanto bem servir, é coisa que não podemos dispensar; trata-se de necessidade indiscutível. O receio de que tal corpo se transforme em algo antiamericano esvai-se no instante em que se indaga que se deve entender por ‘bem servir’ - pois essa pergunta, obviamente, traz em si a resposta. ‘Bem servir’ é a firme e sincera obediência à orientação do governo a que serve. Essa orientação não terá em si qualquer mácula de oficialismo, pois não será criação de funcionários permanentes, mas de estadistas, com responsabilidade inevitável e direta perante a opinião pública. Burocracia, no bom sentido do termo, somente pode existir em que o serviço do Estado, em sua totalidade - dos chefes ao funcionalismo propriamente dito - seja afastada da vida partidária”.

Para Wilson, portanto, o servidor público profissional, na condição de estadista, deveria atuar afastado da vida partidária, uma vez que a vinculação a partidos políticos poderia comprometer a sua lealdade ao governo democraticamente constituído. Muñoz Amato (1962; 83), no entanto, critica esta formulação nos seguintes termos: “As afirmações de que a ‘a administração está fora da esfera própria da política’, de que ‘o campo da administração é um campo de negócios... afastado da balbúrdia e das lutas políticas’ e de que ‘as questões administrativas não são questões políticas’, estabelecem como premissa uma distinção que, por seus termos absolutos, não se justifica. Não é aceitável como interpretação descritiva, nem como preceito normativo; tão pouco dela necessitaria o autor para cimentar as suas recomendações em favor de um sistema de administração de pessoal baseado no mérito e de outras reformas práticas”.

Não há, portanto, como ignorar o fato de que o servidor público atua num ambiente predominantemente político, por definição. Sendo a administração pública e o próprio sistema de governo, marcado por idéias, atitudes, normas, processos, instituições e demais formas de conduta humana que determinam como se distribui e se exerce a atividade política e como se atendem os interesses públicos (Amato, 1962; 90), não há como impedir que haja, no âmbito do serviço público, determinado grau de politização, paralelamente ao grau de profissionalização que se pretenda nele instituir. O antigo dogma da “neutralidade política” não mais se coaduna com o perfil desejado do servidor público, nem com o interesse dos que chegam ao poder pelo voto, como demonstram as tendências verificadas na Inglaterra e França, notadamente a partir da segunda metade dos anos 80.

A profissionalização e o grau de politização do serviço público andam, assim, lado a lado no regime democrático, de forma indissociável. E é exatamente neste contexto que se podem implementar medidas que atendam à necessidade de elevar a profissionalização e, ao mesmo tempo, permitir que o grau de politização e democratização do serviço público seja adequado à função social que exerce.

A isso se acrescenta a enorme dificuldade com que institucionaliza a exigência de concurso público, forma exclusiva de recrutamento do servidor efetivo, como instrumento essencial para a profissionalização do serviço público, ajustado à necessidade de democratização do acesso aos seus cargos.

Segundo Ziller (1989), o concurso público atende, basicamente, a duas necessidades da Administração Pública: além de significar uma garantia contra o apadrinhamento no acesso aos cargos e empregos públicos, é também uma técnica que se impõe quando há abundância de candidatos, no sentido de permitir que se escolha, dentre tantos, os melhores.

O ingresso por essa via é requisito constitucional para a aquisição da estabilidade e ponto de partida para a profissionalização e moralização da função pública. No entanto, algumas deficiências têm prejudicado esse processo, sob múltiplos aspectos, evidenciando, por outro lado, a fragilidade do sistema normativo quando ausentes os esforços e o empenho político para que seja efetivamente

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implementado. Neste sentido, a experiência brasileira recente tem sido exemplar, com a realização, nos

últimos dois anos e meio, de diversos concursos públicos para substituição ou recomposição da força de trabalho na Administração Pública Federal, completamente anarquizada pelas práticas anteriormente detalhadas neste trabalho. Segundo dados do Ministério do Planejamento, em 2003, autorizou-se o provimento de 24.808 vagas; em 2004, de 14.011 vagas; em 2005, até o momento, de 12.450 vagas – o limite de vagas previsto na Lei Orçamentária, com os saldos remanescentes de 2004, pode chegar a 40 mil vagas. Em maio de 2005, mais de dez concursos se achavam em andamento, o que provocou, em diversos segmentos, uma busca intensa por atualização e melhor qualificação nos certames, vez que a Carreira Pública, profissional e dinâmica, como deve ser o profissional de que o Estado necessita, volta a ser considerada uma opção para diversos profissionais.

É bem verdade que, aqui e ali, espoucam denúncias sobre certames não conduzidos com lisura, com resultados manipulados para atender a interesses políticos (como, recentemente, se viu acontecer em concursos para Consultor Legislativo no Senado Federal) ou mesmo com a descoberta de fraude organizada61 No entanto, nenhuma destas ocorrências coloca o sistema do concurso público em descrédito.

Reconhece-se que o sistema de concurso público é a forma ideal de seleção, por propiciar à Administração a escolha numa amostra maior de candidatos qualificados para a função e impedir atos discricionários de nomeação e contratações baseadas em critérios outros que não o aprimoramento da função; não obstante, ele não é suficiente, por si só, para assegurar a existência do sistema do mérito, ou para garantir a profissionalização de seus quadros. São necessários, ainda, instrumentos consistentes de avaliação de desempenho e processos de formação, treinamento e capacitação.

A eficácia do serviço público depende, em grande medida, do treinamento e capacitação do pessoal selecionado. Uma vez que o servidor seja recrutado, selecionado e preparado segundo critérios transparentes, impessoais e científicos para o exercício da missão, a estabilidade é requisito essencial, mas não suficiente para impedir a evasão dos melhores quadros do setor público para o setor privado. Avaliação de desempenho, treinamento e capacitação contínuas, associados a um sistema remuneratório digno, são indispensáveis para assegurar que os bons servidores possam ser identificados, valorizados e estimulados em sua atividade cotidiana.

No que se refere ao quesito avaliação, merece destaque a existência dos sistemas de avaliação de desempenho do servidor, em suas três vertentes atualmente previstas na legislação brasileira:

- Avaliação de Desempenho para fins de efetivação no cargo, ao fim do Estágio Probatório (3 anos);

- Avaliação de Desempenho para fins de progressão e promoção funcional; e - Avaliação para percepção de Gratificação de Desempenho de Atividade. Pode-se dizer que, atualmente, todos os servidores públicos passam por algum tipo de

avaliação, para ser confirmado no cargo ou para seu desenvolvimento na Carreira Administrativa. Quanto à avaliação para fins remuneratórios, quase todos, à exceção dos policiais e dos técnicos administrativos das Instituições Federais de Ensino Superior, percebem algum tipo de Gratificação relacionada ao desempenho, todas regidas por normas específicas. Essas gratificações, em sua maior parte, foram criadas como resposta a diversas demandas por atualização dos padrões remuneratórios, mas limitadas pelo imperativo de conceder revisões gerais e de redução do impacto dessas revisões na folha de inativos, uma vez que ainda se mantém o dispositivo de paridade ativos-aposentados. Em que pese esse limite orçamentário-financeiro, as gratificações por desempenho têm o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços mediante o reconhecimento profissional e a

61 A exemplo do que ocorreu, em 2003, em um concurso para Analista de Finanças e Controle, ironicamente, na Controladoria-Geral da República e, recentemente, em um concurso para agente penitenciário, do Ministério da Justiça, este coordenado por uma fundação de apoio ligada à Universidade de Brasília. O início das investigações apontaram que, entre os responsáveis pela fraude, encontra-se um funcionário da Fundação, contratado via terceirização.

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De um modo geral, o cálculo dessas gratificações pressupõe que o valor a ser pago seja resultado do somatório de pontos da avaliação institucional e da avaliação individual. Para a avaliação individual, é necessário observar a média de avaliações dos servidores e um desvio padrão entre avaliações, geralmente maior ou igual a 5, por grupo de avaliação.

O objetivo da avaliação institucional é aferir o desempenho coletivo para o alcance dos objetivos organizacionais, enquanto a avaliação individual deve aferir o desempenho do servidor no exercício das atribuições do cargo ou função, com foco na contribuição individual para o alcance dos objetivos organizacionais. Prevê-se, também, que os servidores que tiverem duas avaliações individuais, consecutivas, com pontuação considerada inferior ao desejável devem ser encaminhados para processo de capacitação.

Para a realização das avaliações a legislação prevê a definição de unidades de avaliação pelos órgãos, devendo as mesmas ser responsáveis pela execução de atividades de mesma natureza ou unidade isolada, com no mínimo dez servidores em exercício que façam jus à percepção das gratificações.

Aspecto também associado ao sistema do mérito, e essencial para assegurar a transparência do processo de profissionalização da Administração Pública, será o estabelecimento de regras claras que assegurem aos servidores de carreira o acesso aos cargos e funções de confiança.

Essas situações devem ser, no limite do possível, associadas à posse de qualificações adequadas, limitando-se os casos de livre provimento às situações essenciais de critério de confiança política. Nos demais casos, e como regra geral, o acesso a eles deve ser vinculado, por meio de linhas de acesso, às carreiras gerencial e técnicas, em diferentes níveis, e em função da qualificação e experiência do servidor de carreira, como forma de viabilizar a profissionalização e reduzir a descontinuidade administrativa em áreas específicas. Ainda que se assegurem condições para que o comando político possa determinar as diretrizes e as políticas a serem implementadas, essa liberdade não pode ser absoluta, sob pena de converter-se, sob a capa do paradigma “agente-principal” em apenas mais uma faceta do clientelismo e do patrimonialismo que contaminam a instituição de uma administração burocrática weberiana no serviço público brasileiro.

É claro que, como ressalta Caiden (apud Klitgaard, 1994; 88), a substituição do sistema do apadrinhamento pelo sistema do mérito não assegura que a seleção dos melhores preparados intelectualmente ou tecnicamente irá assegurar também que sejam selecionados os mais éticos ou com valores mais consistentes com a burocracia profissionalizada. Mas, quando se buscar combater a corrupção, pode ser necessário pagar o preço da renúncia a um determinado grau de capacidade técnica em prol da honestidade. Ainda assim, é importante destacar a opinião de Klitgaard, quando avalia as razões que poderiam justificar a prática do nepotismo, notadamente a superação dos problemas oriundos do relacionamento dirigente-agente (ou principal-agente), em que a confiança do dirigente no agente é fundamental: “Um sistema de autobeneficiamento nos cargos públicos - ou um arranjo pelo qual as nomeações vão para membros da família, clã ou tribo de quem nomeia ou indica - tem muitas deficiências evidentes. Mas também pode ter uma virtude: em um sistema assim, o dirigente pode ser capaz exigir garantias externas de confiabilidade do agente. (...) dessa maneira, o nepotismo e práticas análogas podem ajudar a superar o problema dirigente-agente. Essa vantagem talvez seja uma razão para o predomínio do que economistas denominam ‘mercados de trabalho interno’. Mas nepotismo, favoritismo e artifícios análogos para escolher agentes podem facilmente ter efeito contrário. O dirigente pode acabar tendo nas mãos pessoas relativamente incapazes em termos técnicos e relativamente desonestas” (Klitgaard, 1994).

Cabe aos planos de carreira definir até que ponto os cargos comissionados existentes na estrutura hierárquica podem ser caracterizados como “principais” e a partir de que ponto são somente “agentes”, ainda que com autoridade hierárquica sobre os não-comissionados.

Quanto à natureza dos cargos comissionados, é importante salientar que, prevendo a Constituição de 1988 que prescindem de concurso público as nomeações para cargo em comissão de livre nomeação e exoneração, tal hipótese requer interpretação restrita, a fim de que se preserve não apenas o sistema do mérito como a possibilidade de profissionalização do serviço público a

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Tal excepcionalidade, no entanto, tem gerado a proliferação de cargos comissionados, como já demonstrado anteriormente, em desrespeito à sua natureza específica para a qual o vínculo de confiança e a especificidade das suas qualificações são justificadoras da exceção constitucional, à medida em que são amplas as restrições impostas pelo art. 37, II em relação aos cargos efetivos e empregos permanentes.

A proliferação desses cargos, providos por critérios discricionários, tem-se dado por meio da criação de cargos comissionados cujos conteúdos atributivos são, na maior parte dos casos, indefinidos - permitindo sua utilização para a satisfação de necessidades corriqueiras, típicas do dia-a-dia dos órgãos e entidades - ou mesmo explicitamente definidos como cargos tipicamente encartados na estrutura administrativa ordinária, como demonstram cargos de advogado, médico, professor, motorista, laboratorista e outros, providos sob a forma de comissionamento sem que esteja associada, a esses casos, qualquer comissão ou compromisso político que justifique a sua exclusão do sistema do mérito. Segundo Lúcia Valle Figueiredo (1991:25), não é suficiente que a lei defina o cargo como comissionado para afastar a exigência de concurso público para ingresso: “se assim fosse, o problema constitucional, que obriga o concurso, estaria resolvido, bastando definir em lei a totalidade dos cargos públicos como de livre nomeação e exoneração”. Considera ainda a jurista que “O texto constitucional, ao falar em cargos em comissão ‘declarado em lei de livre nomeação e exoneração’, está a pressupor a necessidade administrativa de tais cargos. Por isso, é importante a questão da boa fé, da lealdade e da moralidade. O cargo pode ser em comissão, quando sua vocação é para esse efeito, ou seja, o elemento que vai se investir neste cargo deve gozar da mais absoluta confiança daquele com quem vai trabalhar.

Se é assim, não há possibilidade de qualquer cargo ser em comissão, mesmo que a lei assim diga ou considere”.

As medidas a serem adotadas na organização dos quadros de pessoal de qualquer entidade, seja de direito público ou privado, relativamente aos cargos comissionados, hão que considerar, portanto, a natureza precípua desses cargos e as razões que permitem a sua exclusão do sistema do mérito. Não se admitem, portanto, cargos comissionados criados com a finalidade de, simplesmente, substituir cargos efetivos ou empregos permanentes, e destinados a suprir necessidades que devam ser satisfeitas por eles com vistas a burlar o sistema do mérito e encobrir práticas clientelistas ou legitimar o personalismo, sob pena de ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade.

Em relação à política e estrutura de cargos comissionados e funções de confiança, merece ser destacado o fato de que, historicamente, a Administração Pública brasileira tem avançado de maneira muito lenta no sentido de sua profissionalização.

Essa profissionalização é pressuposto para que as organizações públicas possam ingressar num patamar diferenciado, tornando-se menos infensas às interferências fisiológicas ou clientelistas que, via de regra, impedem que as organizações possam ser geridas tendo como horizonte o interesse público e a continuidade de suas políticas. Do maior ou menor grau de interferência da política de clientela na sua gestão decorre, em grande medida, a eficiência e efetividade das organizações públicas. Acerca da importância da profissionalização do sistema de comissionamentos, considera Rubens Ricúpero (1999), em contundente análise, que “O Itamaraty é o que é, padrão universal de qualidade, devido à aplicação desse princípio. Desde 1945, com a criação do Instituto Rio Branco, já há 53 anos portanto, não se entra para a diplomacia pela “janela” (sugestivamente, as últimas nomeações políticas foram feitas por Linhares, um presidente do Supremo, após a queda de Getúlio). Além disso, pela lei, o ministro do Exterior tem de compor seu gabinete e escolher até seu porta-voz dentre os integrantes da carreira.

Se você achar que é exclusivismo ou corporativismo, responda depressa: por que o PMDB ou o PFL não devem poder nomear o general de Manaus, o almirante de Fortaleza ou o brigadeiro do Rio e podem, ao contrário, pretender nomear o fiscal do Ibama no interior do Acre ou o diretor da alfândega do aeroporto de Guarulhos? Os dois exemplos não são fruto da fantasia, mas tirados da experiência de minha passagem pelos ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda, em que tive de

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enfrentar pressões políticas desse nível de aberração, clara e insofismavelmente ligadas a esquemas de corrupção.

Dizer que a profissionalização é o sonho para a França, não para nós, é entregar os pontos diante de realidade que temos de mudar. Afinal foi possível no Itamaraty, no Banco do Brasil, no Banco Central, por que não no conjunto do serviço público? É preciso não esquecer que, em passado não muito distante, era até possível, com dinheiro ou influência, ganhar patente de major ou coronel da Guarda Nacional e isso também acabou”.

Trata-se, portanto, de questão já suficientemente diagnosticada, e cuja solução se encontra, mais do que nunca, ao alcance do legislador e dos dirigentes políticos, que deverão, no curto prazo, estabelecer regra que limite a discricionariedade dos governantes quanto ao provimento dos cargos comissionados, valendo, mais do que nunca, propor-se que sejam providos exclusivamente por servidores ocupantes de cargos efetivos do quadro geral do respectivo ente estatal os cargos em comissão e as funções de confiança de direção superior, limitando-se o livre provimento ao cargo de primeiro e segundo escalão (Ministro, Secretários e Presidentes de autarquia ou fundação e seus equivalentes) e seus assessores imediatos.

Além dos princípios constitucionais, de intenção moralizadora, anteriormente mencionados, vigora desde dezembro de 1990 o art. 117 da Lei nº 8.112, proíbe ao servidor, em seu inciso VIII, manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil. Embora dirigido ao servidor público, esta norma tem aplicação em relação também aos agentes políticos, ou pelo menos deveria pautar a conduta dos dirigentes políticos. No entanto, na prática, ela tem sido ignorada, tendo, inclusive, o ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, mantido por um longo período sua filha, Luciana Cardoso, na condição de assessora em seu gabinete pessoal no Palácio do Planalto, e o próprio genro, David Zilberstajn, na direção-geral da Agência Nacional de Petróleo.

Mesmo na ausência de expressa e geral proibição da prática do nepotismo, uma das práticas que poderiam ser consideradas meritórias, embora de restrito alcance, foi a decisão adotada pelo Ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, que, em abril de 2000, proibiu, por meio de portaria, que cargos em comissão no Ministério e no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária fossem ocupados por parentes de até terceiro grau de servidores efetivos ou comissionados nesses órgãos. No entanto, somente seis meses depois, em 15 de outubro de 2000, e após a realização de levantamento em 29 superintendências do INCRA, foram exonerados 22 servidores que se enquadravam em tais situações e que haviam sido nomeados antes da portaria. Outros dez servidores pediram exoneração. Foi a primeira demonstração concreta de uma prática antinepotismo adotada pelo Governo Federal62.

No Poder Judiciário Federal e no Ministério Público da União vigoram regras proibitivas do nepotismo cujo conteúdo é semelhante ao que a Deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) havia proposto como regra válida para os três Poderes nas três esferas de governo. O artigo 10 da Lei nº 9.421, de 24 de dezembro de 1996, veda a nomeação ou designação, para cargos em comissão e funções de confiança, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, exceto se for servidor ocupante de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, sendo que, nesse caso, a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir junto ao magistrado que determinar a incompatibilidade. Na verdade, a Lei, que tem aplicação em todo o Judiciário federal, apenas generalizou uma regra que já constava do Regimento Interno do STF desde 1989. Contudo, sua validade foi limitada apenas para as nomeações posteriores à data do início de sua vigência. A mesma regra foi estendida ao MPU pela Lei nº 9.953, de 4 de janeiro de 2000.

No âmbito dos Estados, as constituições estaduais e leis ordinárias têm tratado do assunto, e em alguns casos, estabelecido regras mais precisas com vistas a assegurar espaços mínimos à participação do servidor público na gestão superior e assegurar a democratização dos espaços decisórios, limitando o uso discricionário dos cargos em comissão.

62 Nepotismo leva o Incra a exonerar 22 servidores. O Globo, 16 de outubro de 2000.

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Em Minas Gerais, a Constituição Estadual disciplina, em seu artigo 23, parágrafo único, a obrigatoriedade de que, na administração indireta, pelo menos um cargo ou função de confiança de direção superior seja provido por servidor ou empregado público de carreira da respectiva instituição. Todavia, em pelo menos um caso o Supremo Tribunal Federal considerou - ainda que liminarmente - inconstitucional a sujeição do Chefe do Poder Executivo a essa obrigatoriedade, como demonstra a suspensão do art. 134 da Constituição do Estado de Mato Grosso pela ADIN n.º 282. O dispositivo impugnado achava-se assim redigido: “Art. 134 - Da direção das entidades da Administração pública indireta e seus respectivos conselhos ou órgãos normativos participarão, obrigatoriamente, pelo menos um diretor e um conselheiro, representantes dos servidores, eleitos por estes mediante voto e secreto, dentre filiados de associações e sindicatos da categoria.

Parágrafo Único - No caso do IPEMAT, além do que estabelece o “caput desse artigo, os servidores públicos do Estado do Mato Grosso, por meio de suas entidades legalmente constituídas com mais de dois anos de existência e que tenham mais de um mil associados, indicara um diretor e metade dos membros do Conselho deliberativo e Conselho Fiscal”.

Nesse sentido, merece registro a aprovação, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, em 1995, da Emenda Constitucional nº 12, vedando a nomeação nos três Poderes de parentes consangüíneos ou afins até o segundo grau do Governador, do Vice-Governador, do Procurador-Geral do Estado, dos Secretários de Estado, dos Desembargadores, dos Deputados Estaduais e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado, além dos Presidentes e vice-presidentes ou equivalentes de autarquias, fundações e empresas estatais. A emenda previa também a extinção do provimento dos cargos em comissão providos em desacordo com a proibição estabelecida, no prazo de trinta dias. Questionada pela própria magistratura estadual, a Emenda foi objeto de apreciação pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade (nº 1.521), tendo sido indeferida liminar pedida pelo Procurador-Geral da República. Na ocasião do julgamento, assentou o Ministro Celso de Mello que “a concepção republicana de poder mostra-se absolutamente incompatível com qualquer prática governamental tendente a restaurar a inaceitável teoria do Estado patrimonial”, e concluía que “o nepotismo, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa”. Foi, como destaca Borja, “um duro golpe contra o nepotismo no Rio Grande do Sul” que, no entanto, ainda não teve repercussões em outros entes da federação.

No Mato Grosso do Sul, projeto de lei enviado pelo Governador à Assembléia Legislativa do Estado em 19 de outubro de 2000 previa, em seu art. 75, que “o provimento de cargo sem comissão de direção, gerência ou de assessoramento e assistência técnica deverá tomar em consideração na escolha do nomeado a sua afinidade com a posição hierárquica do cargo e a educação formal, a experiência profissional relevante e a capacidade administrativa exigidas para o exercício das atribuições do cargo”.

Previa, também, que serão reservados aos servidores ocupantes de cargos de carreira, no mínimo, trinta por cento dos cargos em comissão criados para atender ao funcionamento de órgãos e entidades de direito público, integrantes da estrutura organizacional do Poder Executivo. A iniciativa reveste-se de importância não apenas em vista do seu conteúdo, mas por ter sido o Governador José Orcírio Miranda (Zeca do PT) acusado, no começo de seu governo, de haver nomeado mais de 13 parentes para cargos em comissão, os quais foram, a seguir, exonerados de suas funções, embora em sua maioria fossem militantes partidários com antiga atuação no Estado.

Nos municípios, vem-se manifestando também uma tendência à adoção de regras expressas, proibindo o nepotismo. No Município de Barbosa (SP), lei municipal foi aprovada pela Câmara de Vereadores estabelecendo proibição de nomeação de parentes, mesmo concursados, para cargos em comissão. A lei foi aprovada sessenta dias após a renúncia do prefeito que denunciara a pressão dos vereadores para empregarem parentes na administração municipal. No entanto, a lei não foi recebida com entusiasmo: o prefeito em exercício, cuja filha e vários sobrinhos ocupavam cargos na administração, anunciou que não iria demiti-los.

Em Santos (SP), a Câmara Municipal aprovou, agosto de 2000, projeto de lei complementar,

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de autoria do Prefeito Municipal, proibindo aos vereadores, prefeito e vice contratar parentes para cargos de assessoria. O projeto foi aprovado por unanimidade, e proíbe também a nomeação de parentes para cargos de secretário municipal, presidente de fundação e empresas ligadas à prefeitura. A lei fixou prazo de sessenta dias para que os parentes nomeados fosse exonerados63.

No plano internacional, vários países contam com princípios ou normas constitucionais voltados à proibição do nepotismo. Por exemplo, a Constituição da Colômbia prevê expressamente, no seu art. 126, que “los servidores públicos no podrán nombrar como empleados a personas con las cuales tengan parentesco hasta el cuerto grado de consanguinidad, segundo de afinidad, primero civil, o con quien estén ligados por matrimonio o unión permanente”, vedando-se também a designação de pessoas vinculadas pelos mesmos laços a servidores públicos competentes para intervir em sua designação, excetuando-se as nomeações em que se apliquem as regras gerais de acesso por mérito.

Em março de 2000, também Porto Rico aprovou legislação proibindo o nepotismo. A lei local vedou a contratação de parentes consangüíneos de até terceiro grau, ou afins de até segundo grau, de funcionários com poder decisório nos órgãos do governo. A proposta original apresentada pela Oficina de Ética Gubernamental previa a proibição até o quarto grau, mas emendas parlamentares tornaram menos rigorosa a proibição, inclusive permitindo que a Oficina de Ética Gubernamental ou o Comisionado de Asuntos Municipales autorize o emprego de pessoas que, embora dentro do grau de consangüinidade proibido, sejam consideradas imprescindíveis para o bom funcionamento do governo ou o bem-estar do serviço público. As proibições também não se aplicam aos que vierem a adquirir condição de parentesco após a nomeação para o cargo público. Emenda aprovada pelo Senado também excepcionou da proibição os funcionários de carreira que tenham ascendido aos cargos em função de processos competitivos em igualdade de condições com outros candidatos e em que tenha sido observado o sistema do mérito64.

A comoção nacional criada em torno da defesa do nepotismo por alguns dos mais altos dignitários da Nação gerou, como contraponto, a retomada da discussão sobre propostas voltadas a vedar o nepotismo. Diversas propostas de Emenda à Constituição, algumas aguardando análise há 9 anos, foram finalmente aceitas para tramitarem na Câmara dos Deputados, tendo sido, em maio de 2005, constituída Comissão Especial para o seu exame. A principal delas, de autoria do Deputado Antonio Carlos Biscaia, do PT-RJ, é na verdade idêntica à proposta apresentada, em 2001, pelo então Presidente do Partido, Deputado José Dirceu, atualmente Ministro-Chefe da Casa Civil. O seu conteúdo, moralizador, estabelece princípios claros para impedir que dirigentes públicos utilizem cargos públicos de forma patrimonial. Veda, no âmbito da administração pública direta e indireta, inclusive fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação ou designação para cargos, empregos ou funções de confiança de direção, chefia e assessoramento, de cônjuge, companheiro ou parente, consangüíneo ou afim, até o segundo grau ou por adoção, inclusive, dos respectivos titulares da prerrogativa de nomeação ou de designação, inclusive por delegação de competência, ou de agente público que esteja diretamente subordinado a esses titulares. Excetua, apenas, o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo ou emprego permanente no quadro de pessoal do respectivo órgão ou entidade, desde que observada compatibilidade entre o nível de formação e qualificação do servidor com a função, emprego ou cargo de confiança a ser exercido, vedado o exercício de cargo, emprego ou função de confiança subordinado a cônjuge, companheiro ou parente, consangüíneo ou afim, até o segundo grau civil. Estende-se a sua aplicação, inclusive, a empresas estatais e sociedades de economia mista e quaisquer pessoas jurídicas que utilizem, arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos, como o caso dos Serviços Sociais Autônomos, Organizações Sociais e outras formas de organização semi-estatal. Aprovada, a regra será aplicada imediatamente, às nomeações ou designações efetuadas a partir da data de sua promulgação, e, no prazo de noventa

63 Câmara de Santos aprova projeto contra nepotismo. URL Internet http://www.estadao.com.br/agestado/politica/2000/ago/18/217.htm 64 In URL Internet http://www.estado51.com/2000/Marzo-2000/00-03-28d.htm

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A conclusão de toda a prática e a discussão sobre práticas anti-corrupção, assim, deixa claro que, se os Governos estiverem comprometidos com a ética na política e na gestão, poderão agir a partir de uma liderança política forte, que enfatize e imponha práticas administrativas mais saudáveis. Além disso, os cidadãos que, muitas vezes, têm dificuldades de proceder além do ponto inicial da indignação ou organizações civis que igualmente se sentem desorientadas com as dificuldades inerentes à fiscalização e combate à corrupção poderão unir forças e buscar auxílio, nos órgãos de controle ou mesmo junto a ONGs que militem na área e que tenham experiência em desenvolver metodologias e atitudes voltadas ao combate à corrupção.

A tarefa de combater a corrupção, ou qualquer uma de suas práticas correlacionadas, no Brasil, de um modo geral, não poderá perder de vista o tamanho da economia brasileira, a existência de 26 estados e cerca de 5.650 municípios, 200 deles bastante grandes ou mesmo colossais, e as enormes disparidades regionais do país.

O mesmo se aplica em relação ao combate e desencorajamento de práticas nepóticas: o atual clima existente no país sugere uma tendência à redução da tolerância e condescendência com o nepotismo e o empreguismo; esse pode ser um momento único para que sejam redobrados esforços no sentido de aprovação de normas efetivas que estabeleçam restrições à conduta dos agentes políticos e administradores públicos acostumados à prática do nepotismo. Mas, sem dúvida, sem que haja aumento do acesso às informações e aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais e sociais de controle, estar-se-á, mais uma vez, resvalando para o mero formalismo, repetindo-se a situação antes apontada por Lívia Barbosa, em que uma sociedade antimeritocrática convive com um ordenamento jurídico e institucional que, aparentemente, atende aos requisitos e pressupostos da implementação do sistema do mérito. É esse, sem dúvida, o desafio para esta geração, e para a próxima, além do compromisso em manter a vigilância: fortalecer e consolidar, na prática, uma postura a favor da efetiva profissionalização da função pública no Brasil.

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