correio popular de campinas

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“O maior desafio da Recriar é construir uma ponte entre a universidade e as comunidades carentes, com seus moradores criativos, competentes e brilhantes.” Arquiteta A sustentabilidade tijolo por tijolo MÍRIAM MORATA NOVAES FUTURO ||| EM CONSTRUÇÃO Vanessa Tanaka ESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] A casa própria ainda é um de- sejo distante para muitas pessoas. Em- bora os pro- gramas para facilitar a aqui- sição tenham colaborado, o va- lor para ter o seu teto ainda é alto para os padrões de grande parte das famílias brasileiras. A solução encontrada pela orga- nização não governamental (ONG) e sem fins lucrativos re- criar.com.você foi lançar um projeto de casa popular susten- tável que visa minimizar os cus- tos com os materiais de cons- trução e mão de obra e ainda ajuda a preservar o meio am- biente. Segundo a arquiteta da ONG, Míriam Morata Novaes, o Projeto Recriar consiste basi- camente em construir uma ca- sa popular sustentável com cus- to em torno de 10% do valor mais baixo do programa Mi- nha Casa Minha Vida (R$ 5,5 mil) e ensinar a fazer tudo isso. A ação é uma tentativa de inse- rir a construção sustentável em quatro justificativas importan- tes: social, ambiental, econômi- ca e tecnológica. As paredes, no início, foram testadas com o superadobe, ou seja, sacos de propileno preen- chidos com terra e sobrepostos para construir as paredes. A vantagem dessa técnica é a pos- sibilidade de execução pelos próprios moradores, o que di- minui em aproximadamente 50% o valor da casa e evita o uso de materiais extremamen- te agressivos ao meio ambien- te, como cimento e gesso. En- tre muitas vantagens, ainda destacam-se o conforto térmi- co e acústico e a resistência es- trutural das paredes. Míriam explica que, mesmo com a opção de usar a terra co- mo matéria-prima para produ- zir componentes — como o adobe, painel monolítico de so- locimento, bloco de solocimen- to, bloco de gesso reciclado etc. —, a obra não fica restrita a um material específico, uma vez que cada local tem suas pecu- liaridades e proporciona um universo muito rico em opções naturais e recicláveis. Com a colaboração de to- dos, afirma a arquiteta, não há limites para criar novos mate- riais e sistemas construtivos. “Eu, pessoalmente, desenvolvo o sologesso, gesso reciclado misturado com terra para con- fecção de bloco e painel. Te- mos amigos que trabalham com solocimento em bloco e painel monolítico e outros que focam no adobe, telhado verde etc. Nossa proposta é entrar na comunidade, como fizemos com o Buraco do Sapo (favela próxima ao Jardim Flam- boyant) e Campo Belo, entrar em contato com os moradores e o entorno para conhecer as suas necessidades e expectati- vas, bem como os materiais que poderão ser reciclados ou aproveitados”, diz Míriam. Pa- ra cada lugar, explica, serão usa- dos um material e uma técnica que se adequem à população e às características do local. Os materiais são recolhidos nos arredores. “Nossa proposta é utilizar um raio de dois quilô- metros, no máximo, em torno da comunidade. Construir com terra e reciclar materiais para produzir componentes e mó- veis, captar água de chuva e aproveitar a energia do sol não é nenhuma novidade. Os anti- gos já faziam isso com maes- tria, nós apenas estamos ten- tando resgatar esse respeito e sabedoria”, afirma a arquiteta. Para chegar a esses siste- mas, porém, foram necessários anos de pesquisas e testes. Pa- ra construir um protótipo de uma casa popular sustentável, é necessário, antes de tudo, de- senvolver os materiais e compo- nentes dentro das especifica- ções da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e treinar os futuros moradores. “Fizemos um grupo para de- senvolver os projetos, mas nos deparamos com problemas que deverão ser trabalhados en- quanto desenvolvemos a casa. Antes da arquitetura, precisa- mos focar na educação. Não adianta colocar a família em uma casa sustentável se eles deixam a porta da geladeira aberta para clarear o quarto ou ficam o dia inteiro com a man- gueira ligada lavando o carro. Por esse motivo, estou concen- trando na divulgação da cultu- ra da sustentabilidade e na pre- paração antes da construção”, detalha a arquiteta. Os interessados nos cursos de capacitação em construção sustentável, oferecidos de for- ma gratuita pela ONG, preci- sam fazer parte de uma comu- nidade carente e visitar o blog para conhecer o trabalho. O en- dereço é http://www.recriar- comvoce.com.br/blog_recriar/ e escrever para recriarcomvoce@ uol.com.br. “A capacitação tam- bém é um processo de reeduca- ção, resgate da cidadania, digni- dade e inserção no mercado de trabalho”, diz a arquiteta. Parede construída com palha e adobe, materiais alternativos que são estudados e usados na construção de casas ecológicas; abaixo, beleza e criatividade nos mosaicos de fundos de garrafas aplicadas no piso Buraco do Sapo, uma das comunidades envolvidas no projeto da recriar.com.você: participação e capacitação da população são focos importantes A arquiteta da ONG, Míriam Morata Novaes, prepara o sologesso O programa básico de capacitação desenvolvido pela ONG consiste em ensinar às comunidades noções elementares de construção e confecção de componentes como blocos e telhas utilizando materiais reciclados ou resíduos da construção. Também envolve o desenvolvimento, junto com o grupo, de painel de captação de energia solar para aquecimento de água, sistema de captação de água de chuva, confecção de portas, janelas e móveis utilizando materiais reciclados como tábuas e madeiras de obra, uma forma de disseminar a cultura da sustentabilidade. Um protótipo de casa popular sustentável projetada pela ONG recriar.com.você está sendo desenvolvido em parceria com alunos da pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e tem a colaboração das comunidades assistidas. O modelo segue a normatização nacional e internacional de desempenho quanto à durabilidade, conforto térmico e acústico, resistência mecânica e em situação de incêndio. O projeto é feito com materiais de construção e tecnologias sustentáveis de baixo custo que possibilitam a coleta e reutilização de água da chuva para descarga do vaso sanitário e irrigação do jardim, também leva materiais de construção naturais e recicláveis e de fontes renováveis que produzam menor impacto ambiental e que estejam disponíveis na área. Outros sistemas adotados são o tratamento local de esgoto doméstico, desenvolvimento de projeto que possibilite a autoconstrução ou a construção através de sistemas de mutirão, aquecimento de água por painéis solares e acessibilidade universal para todos os cômodos, adequados à movimentação independente de idosos e deficientes físicos. Outra pesquisa pretende desenvolver componentes como blocos, telhas, elementos para fundação, estrutura e vedação utilizando resíduos da construção convencional e materiais reciclados. O objetivo é retirar da natureza milhares de toneladas de lixo e transformá-los em materiais de construção. Menos é mais Para a arquiteta da ONG, Míriam Morata Novaes, hoje, a palavra sustentabilidade não se refere apenas a um estilo de vida, mas é a única saída para a sobrevivência da civilização. “O conceito de desenvolvimento sustentável implica em buscar soluções viáveis, que minimizam os impactos ambientais e maximizem os resultados sociais”, aponta a arquiteta. Atualmente, a ONG possui um escritório em São Paulo e um endereço em Campinas, no distrito de Barão Geraldo, na casa de um dos membros. Para execução dos projetos e eventos, conta com a colaboração dos voluntários e parcerias que cedem espaço para as atividades. A recriar.com.você solicitou à Prefeitura de Campinas a doação de uma área para construir sua sede, que contará com um centro tecnológico para pesquisa e ensino direcionado à população carente e pesquisadores em geral, e uma ecovila com diversas casas dentro dos padrões da entidade. (VT/AAN) recriar.com.você Blog: http://www.recriarcomvoce.com.br/ blog_recriar/ E-mail: [email protected] ONG usa materiais e técnicas alternativas para garantir moradia a famílias de baixa renda Terra e resíduos que iriam para o lixo são matérias-primas Fotos: Divulgação Protótipo de casa popular ‘verde’ envolve universidade e comunidades SAIBA MAIS CONHEÇA A12 CORREIO POPULAR A12 Campinas, quinta-feira, 1º de maio de 2014

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Page 1: Correio Popular de Campinas

“Omaior desafioda Recriar éconstruir umaponte entre auniversidade e ascomunidadescarentes, comseusmoradorescriativos,competentes ebrilhantes.”

Arquiteta

A sustentabilidade tijolo por tijolo

MÍRIAMMORATA NOVAES

FUTURO ||| EM CONSTRUÇÃO

Vanessa Tanaka

ESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

A casa própriaainda é um de-sejo distantepara muitaspessoas. Em-bora os pro-gramas parafacilitar a aqui-sição tenham colaborado, o va-lor para ter o seu teto ainda éalto para os padrões de grandeparte das famílias brasileiras. Asolução encontrada pela orga-nização não governamental(ONG) e sem fins lucrativos re-criar.com.você foi lançar umprojeto de casa popular susten-tável que visa minimizar os cus-tos com os materiais de cons-trução e mão de obra e aindaajuda a preservar o meio am-biente.

Segundo a arquiteta daONG, Míriam Morata Novaes,o Projeto Recriar consiste basi-camente em construir uma ca-sa popular sustentável com cus-to em torno de 10% do valormais baixo do programa Mi-nha Casa Minha Vida (R$ 5,5mil) e ensinar a fazer tudo isso.A ação é uma tentativa de inse-rir a construção sustentável emquatro justificativas importan-tes: social, ambiental, econômi-ca e tecnológica.

As paredes, no início, foramtestadas com o superadobe, ouseja, sacos de propileno preen-chidos com terra e sobrepostospara construir as paredes. Avantagem dessa técnica é a pos-sibilidade de execução pelospróprios moradores, o que di-minui em aproximadamente50% o valor da casa e evita ouso de materiais extremamen-te agressivos ao meio ambien-te, como cimento e gesso. En-tre muitas vantagens, aindadestacam-se o conforto térmi-co e acústico e a resistência es-trutural das paredes.

Míriam explica que, mesmocom a opção de usar a terra co-mo matéria-prima para produ-zir componentes — como oadobe, painel monolítico de so-locimento, bloco de solocimen-to, bloco de gesso reciclado etc.—, a obra não fica restrita a ummaterial específico, uma vezque cada local tem suas pecu-liaridades e proporciona umuniverso muito rico em opçõesnaturais e recicláveis.

Com a colaboração de to-dos, afirma a arquiteta, não hálimites para criar novos mate-riais e sistemas construtivos.“Eu, pessoalmente, desenvolvoo sologesso, gesso recicladomisturado com terra para con-

fecção de bloco e painel. Te-mos amigos que trabalhamcom solocimento em bloco epainel monolítico e outros quefocam no adobe, telhado verdeetc. Nossa proposta é entrar nacomunidade, como fizemoscom o Buraco do Sapo (favelapróxima ao Jardim Flam-boyant) e Campo Belo, entrarem contato com os moradorese o entorno para conhecer assuas necessidades e expectati-vas, bem como os materiaisque poderão ser reciclados ouaproveitados”, diz Míriam. Pa-ra cada lugar, explica, serão usa-dos um material e uma técnicaque se adequem à população eàs características do local.

Os materiais são recolhidosnos arredores. “Nossa propostaé utilizar um raio de dois quilô-metros, no máximo, em tornoda comunidade. Construir comterra e reciclar materiais para

produzir componentes e mó-veis, captar água de chuva eaproveitar a energia do sol nãoé nenhuma novidade. Os anti-gos já faziam isso com maes-tria, nós apenas estamos ten-tando resgatar esse respeito esabedoria”, afirma a arquiteta.

Para chegar a esses siste-mas, porém, foram necessáriosanos de pesquisas e testes. Pa-ra construir um protótipo deuma casa popular sustentável,é necessário, antes de tudo, de-senvolver os materiais e compo-nentes dentro das especifica-ções da Associação Brasileirade Normas Técnicas (ABNT) etreinar os futuros moradores.

“Fizemos um grupo para de-senvolver os projetos, mas nosdeparamos com problemasque deverão ser trabalhados en-quanto desenvolvemos a casa.Antes da arquitetura, precisa-mos focar na educação. Não

adianta colocar a família emuma casa sustentável se elesdeixam a porta da geladeiraaberta para clarear o quarto ouficam o dia inteiro com a man-gueira ligada lavando o carro.Por esse motivo, estou concen-trando na divulgação da cultu-ra da sustentabilidade e na pre-paração antes da construção”,detalha a arquiteta.

Os interessados nos cursosde capacitação em construçãosustentável, oferecidos de for-ma gratuita pela ONG, preci-sam fazer parte de uma comu-nidade carente e visitar o blogpara conhecer o trabalho. O en-dereço é http://www.recriar-comvoce.com.br/blog_recriar/ eescrever para [email protected]. “A capacitação tam-bém é um processo de reeduca-ção, resgate da cidadania, digni-dade e inserção no mercado detrabalho”, diz a arquiteta.

Parede construída com palha e adobe, materiais alternativos que são estudados e usados na construção decasas ecológicas; abaixo, beleza e criatividade nos mosaicos de fundos de garrafas aplicadas no piso

Buraco do Sapo, uma das comunidades envolvidas no projeto da recriar.com.você: participação e capacitação da população são focos importantes

A arquiteta da ONG, Míriam Morata Novaes, prepara o sologesso

✔ O programa básico decapacitação desenvolvido pelaONG consiste em ensinar àscomunidades noçõeselementares de construção econfecção de componentescomo blocos e telhas utilizandomateriais reciclados ou resíduosda construção.

✔ Também envolve odesenvolvimento, junto com ogrupo, de painel de captação deenergia solar para aquecimentode água, sistema de captaçãode água de chuva, confecção deportas, janelas e móveisutilizando materiais recicladoscomo tábuas e madeiras deobra, uma forma de disseminara cultura da sustentabilidade.

Um protótipo de casa popularsustentável projetada pela ONGrecriar.com.você está sendodesenvolvido em parceria comalunos da pós-graduação daFaculdade de Engenharia Civil,Arquitetura e Urbanismo (FEC)da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) e tem acolaboração das comunidadesassistidas.O modelo segue a normatizaçãonacional e internacional dedesempenho quanto àdurabilidade, conforto térmico eacústico, resistência mecânica eem situação de incêndio.O projeto é feito com materiaisde construção e tecnologiassustentáveis de baixo custo quepossibilitam a coleta ereutilização de água da chuvapara descarga do vaso sanitárioe irrigação do jardim, tambémleva materiais de construçãonaturais e recicláveis e defontes renováveis que produzammenor impacto ambiental e queestejam disponíveis na área.Outros sistemas adotados são otratamento local de esgotodoméstico, desenvolvimento deprojeto que possibilite aautoconstrução ou a construçãoatravés de sistemas de mutirão,aquecimento de água porpainéis solares e acessibilidadeuniversal para todos oscômodos, adequados àmovimentação independente deidosos e deficientes físicos.Outra pesquisa pretendedesenvolver componentes comoblocos, telhas, elementos para

fundação, estrutura e vedaçãoutilizando resíduos daconstrução convencional emateriais reciclados. O objetivoé retirar da natureza milhares detoneladas de lixo etransformá-los em materiais deconstrução.

Menos é maisPara a arquiteta da ONG,Míriam Morata Novaes, hoje, apalavra sustentabilidade não serefere apenas a um estilo devida, mas é a única saída para asobrevivência da civilização. “Oconceito de desenvolvimentosustentável implica em buscarsoluções viáveis, queminimizam os impactosambientais e maximizem osresultados sociais”, aponta aarquiteta.Atualmente, a ONG possui umescritório em São Paulo e umendereço em Campinas, nodistrito de Barão Geraldo, nacasa de um dos membros. Paraexecução dos projetos eeventos, conta com acolaboração dos voluntários eparcerias que cedem espaçopara as atividades.A recriar.com.você solicitou àPrefeitura de Campinas adoação de uma área paraconstruir sua sede, que contarácom um centro tecnológico parapesquisa e ensino direcionado àpopulação carente epesquisadores em geral,e uma ecovila com diversascasas dentro dos padrões daentidade. (VT/AAN)

recriar.com.vocêBlog:http://www.recriarcomvoce.com.br/blog_recriar/E-mail: [email protected]

ONG usa materiais e técnicas alternativas para garantir moradia a famílias de baixa renda

Terra e resíduos queiriam para o lixosão matérias-primas

Fotos: Divulgação

Protótipo de casa popular ‘verde’envolve universidade e comunidades

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