composta no bairro - correio popular

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Muitos podem achar que a busca da reaproveitamento dos resíduos orgânicos é menos importante do que a preocupação com o plástico ou com o vidro, que na natureza demoram muito mais tempo para desaparecer totalmente. Contra esse argumento, o engenheiro José Furtado apresenta números que mostram que o problema é a quantidade de resíduos orgânicos que, se descartados ao lixo comum, geram um grande volume e, principalmente, mau cheiro. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, estima que 50% do total de resíduos recolhidos são de origem orgânica. Em Campinas, só a Centrais de Abastecimento S.A. (Ceasa) recolhe cerca de 680 toneladas de resíduos por mês, mais de 80% de origem orgânica. Entenda como funciona a composteira FAÇA EM CASA Engenheiro quer levar o projeto para escolas Fabiano Ormaneze ESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] Uma solu- ção ambien- tal marcada pelo equilí- brio entre os seres vivos e o uso de pro- cessos naturais para diminuir a quantidade de lixo que vai para os aterros. Essa é a proposta do engenheiro José Furtado, que vive no distrito de Barão Geral- do, em Campinas. No dia a dia, é comum que, depois da limpe- za de jardins ou quintais, folhas e galhos parem no lixo comum, não raro dentro dos sacos pre- tos de plástico, à espera da cole- ta. Também é assim com os re- síduos que saem da mesa: res- tos de alimentos se juntam a plásticos, papéis e vidros e tudo isso colabora para a saturação dos espaços destinados ao des- carte do lixo. A proposta de Fur- tado propõe uma mudança: só vai para os aterros o que, de for- ma caseira e barata, não pode ser reaproveitado. Quando estava na etapa fi- nal do curso de pós-graduação em sustentabilidade e respon- sabilidade social na Universida- de Estadual de Campinas (Uni- camp), em 2008, ele resolveu produzir seu trabalho de con- clusão pesquisando de que for- ma era possível reaproveitar, com eficácia e sem poluir, os restos das podas das árvores e plantas da Praça São João, tam- bém em Barão Geraldo. Foi aí que ele iniciou uma prática que, hoje, já conta com o apoio comunitário. O local, por sinal, é um exemplo de sustentabili- dade: moradores da região não querem que as ruas sejam asfal- tadas, pensando no escoamen- to da água das chuvas. Na redondeza, ninguém mais coloca as folhas tiradas do quintal ou do jardim na li- xeira: tudo vai para um canto da praça. Duas vezes por sema- na, Furtado vai até lá para orga- nizar o material: deixa o mon- te no tamanho ideal, remexe as folhas e mede a temperatu- ra. Para se decompor rapida- mente, o ideal é que os resí- duos estejam úmidos, mas ao mesmo tempo bem quentes, para gerar fermentação. Em cerca de dois ou três meses, as folhas, que antes incomodam, se tornam adubo orgânico pa- ra fertilizar os próprios quin- tais de onde foram retiradas. “Com isso, resolvem-se dois problemas. O primeiro é que vamos fazer a nossa parte para diminuir a quantidade de lixo. O segundo é que evitaremos o uso dos fertilizantes químicos em casa, principalmente em função dos animais, crianças e dos idosos, mais sensíveis”, diz o engenheiro. Expansão A ideia deu tão certo que Furta- do decidiu também expandir a proposta e criou a Compo, uma composteira que utiliza minhocas para decompor res- tos de legumes, frutas, hortali- ças, cascas de ovos e até papel picado. “Pode parecer pouco, mas tudo isso ia colaborar para o aumento da quantidade de li- xo. E o que seria pior: muita gente se esquece que o plástico demora milhares de anos para se decompor e acomoda esses resíduos em sacos plásticos”, afirma. A composteira é simples e já tem sido adotada por organiza- ções não governamentais (ON- Gs) e, principalmente, por famí- lias. Num recipiente de plásti- co, é colocado substrato e cer- ca de 700 gramas de minhoca- vermelha-da-califórnia, espé- cie que, ao contrário da co- mum, não tem a necessidade de cavoucar, o que permite que elas vivam e se reprodu- zam em espaços menores. Além das minhocas, a Compo utiliza também os micro-orga- nismos aeróbicos que se for- mam naturalmente no substra- to e nos alimentos para ajudar na decomposição. Húmus O processo não tem cheiro ruim e gera o húmus, rico com- plemento que pode ser utiliza- do em hortas, vasos e jardins. “Esse método dá para ser utili- zado inclusive em apartamen- tos”, afirma Furtado. Quem pensa que isso vai acabar com a estética da casa, se engana: a composteira é montada num recipiente de plástico, que se assemelha a uma vasilha do ti- po utilizado para guardar ali- mentos. As cores e o design po- dem variar a critério do usuá- rio. Como é feita de plástico, a durabilidade é indefinida. Entre as sobras de comida, as únicas que não conse- guem ser decompostas pelo processo são as gordurosas ou as carnes. Uma compostei- ra com cerca de 50 centíme- tros de comprimento e 30 de largura é capaz de decompor, em média, os resíduos de duas pessoas. O tempo neces- sário varia de acordo com ca- da alimento. Um pedaço de fruta, como uma manga, por exemplo, leva cerca de uma semana para se transformar em húmus. Composteira promove o equilíbrio natural SAIBA MAIS 1. Num recipiente de plástico, são colocados substrato e minhocas. 2. Restos de alimentos como hortaliças, cascas de frutas e ovos, pó de café, legumes, pães, folhas e flores são depositados, deslocando delicadamente cerca de dois centímetros do substrato. Para facilitar a decomposição, resíduos duros como brócolis e cenoura podem ser picados em pedaços menores. 3. Para manter a temperatura, por cima, é colocado papel picado. Em dias muito quentes, será preciso borrifar água para manter a umidade necessária para a compostagem. 4. Quando o substrato estiver ocupando pouco mais da metade da altura do recipiente, é hora de iniciar a retirada do húmus. Para que as minhocas não saiam junto, um tática é puxar o substrato delicadamente, acumulando-o de um lado do recipiente. Em seguida, comece a colocar os resíduos apenas no lado vazio. Aos poucos, as minhocas irão migrar para a parte com os alimentos e o húmus poderá ser retirado sem as minhocas. Além de reduzir descarte em lixões, processo produz adubo O engenheiro José Furtado, criador da composteira, tam- bém se preocupa em gerar uma proposta de educação am- biental. Como ele mora próxi- mo à Sociedade Promenor, que atende crianças e adoles- centes carentes, ele decidiu aju- dar na decomposição dos resí- duos orgânicos. Todos os res- tos de alimentos, principalmen- te cascas e restos de frutas e le- gumes são levados para o quin- tal do engenheiro para serem decompostos. “Com isso, a gen- te também ajuda as crianças a entenderem a importância de se pensar em alternativas”, afir- ma Furtado. A ideia do engenheiro é ex- pandir o projeto também para escolas, com o objetivo de unir a proposta de educação am- biental também a outras disci- plinas, como matemática e geo- grafia. “Com a composteira, dá para desenvolver atividades in- terdisciplinares, envolvendo cálculos de porcentagem e pro- porção, além de discutir os ti- pos de solos e suas característi- cas”, explica. O projeto da composteira de Furtado já está sendo reco- nhecido. Na semana que vem, ele vai apresentá-la durante a Mostra de Tecnologias Susten- táveis, do Instituto Ethos, em São Paulo. A Compo está entre os produtos selecionados para participar do evento por um co- mitê curador, composto por re- presentantes de entidades liga- das à sustentatiblidade, a partir de critérios como a potenciali- dade de reaplicação, evidên- cias de melhorias comprova- das no meio ambiente, na qua- lidade de vida ou no desenvolvi- mento sustentável. (FO/AAN) 1 2 3 A MINHOCA A minhoca-vermelha-da-califórnia, cujo nome científico é Lumbricus rubellus, é a espécie de minhoca mais criada nos Estados Unidos e no Brasil, e considerada o melhor tipo para criação comercial, também por causa da sua capacidade de adaptação às mais diversas regiões. O diferencial é que elas não precisam cavar o solo, já que conseguem sobreviver com pouca terra e sob as folhas que caem das árvores. Elas também são mais rápidas na produção do húmus. Pesquisador estimula processamento caseiro do lixo com a Compo Fotos: Augusto de Paiva/AAN MEIO AMBIENTE ||| RESÍDUOS O engenheiro José Furtado na Praça São João, em Barão Geraldo, onde realiza um trabalho de compostagem com o apoio da população A12 CORREIO POPULAR CIDADES Campinas, quinta-feira, 6 de maio de 2010 4

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Muitos podem achar que a busca dareaproveitamento dos resíduosorgânicos é menos importante do quea preocupação com o plástico ou como vidro, que na natureza demorammuito mais tempo para desaparecertotalmente. Contra esse argumento, oengenheiro José Furtado apresentanúmeros que mostram que oproblema é a quantidade de resíduosorgânicos que, se descartados aolixo comum, geram um grandevolume e, principalmente, maucheiro. A Prefeitura de São Paulo, porexemplo, estima que 50% do total deresíduos recolhidos são de origemorgânica. Em Campinas, só a Centraisde Abastecimento S.A. (Ceasa)recolhe cerca de 680 toneladas deresíduos por mês, mais de 80% deorigem orgânica.

Entenda como funciona a composteiraFAÇA EM CASA

Engenheiroquer levaro projetopara escolas

Fabiano OrmanezeESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

Uma solu-ção ambien-tal marcadapelo equilí-brio entre osseres vivos eo uso de pro-cessos naturais para diminuir aquantidade de lixo que vai paraos aterros. Essa é a proposta doengenheiro José Furtado, quevive no distrito de Barão Geral-do, em Campinas. No dia a dia,é comum que, depois da limpe-za de jardins ou quintais, folhase galhos parem no lixo comum,não raro dentro dos sacos pre-tos de plástico, à espera da cole-ta. Também é assim com os re-síduos que saem da mesa: res-tos de alimentos se juntam aplásticos, papéis e vidros e tudoisso colabora para a saturaçãodos espaços destinados ao des-carte do lixo. A proposta de Fur-tado propõe uma mudança: sóvai para os aterros o que, de for-ma caseira e barata, não podeser reaproveitado.

Quando estava na etapa fi-nal do curso de pós-graduaçãoem sustentabilidade e respon-sabilidade social na Universida-de Estadual de Campinas (Uni-camp), em 2008, ele resolveuproduzir seu trabalho de con-clusão pesquisando de que for-ma era possível reaproveitar,com eficácia e sem poluir, osrestos das podas das árvores eplantas da Praça São João, tam-bém em Barão Geraldo. Foi aíque ele iniciou uma práticaque, hoje, já conta com o apoiocomunitário. O local, por sinal,é um exemplo de sustentabili-dade: moradores da região nãoquerem que as ruas sejam asfal-tadas, pensando no escoamen-to da água das chuvas.

Na redondeza, ninguémmais coloca as folhas tiradasdo quintal ou do jardim na li-xeira: tudo vai para um cantoda praça. Duas vezes por sema-na, Furtado vai até lá para orga-nizar o material: deixa o mon-te no tamanho ideal, remexeas folhas e mede a temperatu-ra. Para se decompor rapida-mente, o ideal é que os resí-duos estejam úmidos, mas aomesmo tempo bem quentes,para gerar fermentação. Emcerca de dois ou três meses, asfolhas, que antes incomodam,se tornam adubo orgânico pa-ra fertilizar os próprios quin-tais de onde foram retiradas.“Com isso, resolvem-se doisproblemas. O primeiro é quevamos fazer a nossa parte paradiminuir a quantidade de lixo.O segundo é que evitaremos ouso dos fertilizantes químicosem casa, principalmente emfunção dos animais, crianças edos idosos, mais sensíveis”, dizo engenheiro.

ExpansãoA ideia deu tão certo que Furta-do decidiu também expandir aproposta e criou a Compo,uma composteira que utilizaminhocas para decompor res-tos de legumes, frutas, hortali-ças, cascas de ovos e até papelpicado. “Pode parecer pouco,mas tudo isso ia colaborar parao aumento da quantidade de li-xo. E o que seria pior: muitagente se esquece que o plásticodemora milhares de anos parase decompor e acomoda essesresíduos em sacos plásticos”,afirma.

A composteira é simples e játem sido adotada por organiza-ções não governamentais (ON-Gs) e, principalmente, por famí-lias. Num recipiente de plásti-co, é colocado substrato e cer-ca de 700 gramas de minhoca-vermelha-da-califórnia, espé-cie que, ao contrário da co-mum, não tem a necessidadede cavoucar, o que permiteque elas vivam e se reprodu-zam em espaços menores.Além das minhocas, a Compoutiliza também os micro-orga-nismos aeróbicos que se for-mam naturalmente no substra-to e nos alimentos para ajudarna decomposição.

HúmusO processo não tem cheiroruim e gera o húmus, rico com-plemento que pode ser utiliza-do em hortas, vasos e jardins.“Esse método dá para ser utili-zado inclusive em apartamen-tos”, afirma Furtado. Quempensa que isso vai acabar coma estética da casa, se engana: acomposteira é montada numrecipiente de plástico, que seassemelha a uma vasilha do ti-po utilizado para guardar ali-mentos. As cores e o design po-dem variar a critério do usuá-rio. Como é feita de plástico, adurabilidade é indefinida.

Entre as sobras de comida,as únicas que não conse-guem ser decompostas peloprocesso são as gordurosasou as carnes. Uma compostei-ra com cerca de 50 centíme-tros de comprimento e 30 delargura é capaz de decompor,em média, os resíduos deduas pessoas. O tempo neces-sário varia de acordo com ca-da alimento. Um pedaço defruta, como uma manga, porexemplo, leva cerca de umasemana para se transformarem húmus.

Composteira promoveo equilíbrio natural

SAIBA MAIS

1. Num recipiente deplástico, são colocados

substrato e minhocas.

2. Restos de alimentoscomo hortaliças, cascas

de frutas e ovos, pó de café,legumes, pães, folhas e floressão depositados, deslocandodelicadamente cerca de dois

centímetros do substrato.Para facilitar a decomposição,resíduos duros como brócolise cenoura podem ser picadosem pedaços menores.

3. Para manter atemperatura, por cima, é

colocado papel picado. Emdias muito quentes, será

preciso borrifar água paramanter a umidade necessáriapara a compostagem.

4. Quando o substratoestiver ocupando pouco

mais da metade da altura dorecipiente, é hora de iniciar aretirada do húmus. Para queas minhocas não saiam junto,

um tática é puxar o substratodelicadamente,acumulando-o de um lado dorecipiente. Em seguida,comece a colocar os resíduosapenas no lado vazio. Aospoucos, as minhocas irãomigrar para a parte com osalimentos e o húmus poderáser retirado sem as minhocas.

Além de reduzir descarte em lixões, processo produz adubo

O engenheiro José Furtado,criador da composteira, tam-bém se preocupa em geraruma proposta de educação am-biental. Como ele mora próxi-mo à Sociedade Promenor,que atende crianças e adoles-centes carentes, ele decidiu aju-dar na decomposição dos resí-duos orgânicos. Todos os res-tos de alimentos, principalmen-te cascas e restos de frutas e le-gumes são levados para o quin-tal do engenheiro para seremdecompostos. “Com isso, a gen-te também ajuda as crianças aentenderem a importância dese pensar em alternativas”, afir-ma Furtado.

A ideia do engenheiro é ex-pandir o projeto também paraescolas, com o objetivo de unira proposta de educação am-biental também a outras disci-plinas, como matemática e geo-grafia. “Com a composteira, dápara desenvolver atividades in-terdisciplinares, envolvendocálculos de porcentagem e pro-porção, além de discutir os ti-pos de solos e suas característi-cas”, explica.

O projeto da composteirade Furtado já está sendo reco-nhecido. Na semana que vem,ele vai apresentá-la durante aMostra de Tecnologias Susten-táveis, do Instituto Ethos, emSão Paulo. A Compo está entreos produtos selecionados paraparticipar do evento por um co-mitê curador, composto por re-presentantes de entidades liga-das à sustentatiblidade, a partirde critérios como a potenciali-dade de reaplicação, evidên-cias de melhorias comprova-das no meio ambiente, na qua-lidade de vida ou no desenvolvi-mento sustentável. (FO/AAN)

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A MINHOCAA minhoca-vermelha-da-califórnia, cujo nome científico é Lumbricus rubellus, é a espécie de minhoca mais criada nos Estados Unidos e no Brasil,e considerada o melhor tipo para criação comercial, também por causa da sua capacidade de adaptação às mais diversas regiões. O diferencial éque elas não precisam cavar o solo, já que conseguem sobreviver com pouca terra e sob as folhas que caem das árvores. Elas também são maisrápidas na produção do húmus.

Pesquisador estimulaprocessamento caseirodo lixo com a Compo

Fotos: Augusto de Paiva/AAN

MEIO AMBIENTE ||| RESÍDUOS

O engenheiro José Furtado na Praça São João, em Barão Geraldo, onde realiza um trabalho de compostagem com o apoio da população

A12 CORREIO POPULAR CIDADESCampinas, quinta-feira, 6 de maio de 2010

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