correio popular 4910-8

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SAIBA MAIS O programa de computador utilizado pelos alunos para desenvolver os robôs é o Scratch, criado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e disponível nos equipamentos do Programa Um Computador por Aluno (UCA). O software foi desenvolvido para ser usado por crianças a partir de 8 anos e envolve conceitos matemáticos e informática básica. Com ele, é possível também criar histórias animadas e jogos. A interface gráfica permite montar protótipos usando ferramentas que lembram os brinquedos de armar, com peças que se encaixam formando figuras tridimensionais. O programa pode ser baixado gratuitamente na internet. Iniciativa de professoras do 5º ano desfaz mitos e estimula a investigação e descobertas Fabiano Ormaneze ESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] Não é de hoje que, nas esco- las particula- res, os robôs já aceleram nas mãos de alunos nas aulas de robótica. Mas, nos colégios pú- blicos, eles ainda patinam, a não ser por experiências como a da professora Gisele Flávia Alves Oliveira Giachetto, da Es- cola Municipal de Ensino Fun- damental (Emef) Elza Maria Pellegrini de Aguiar, no Par- que D. Pedro II, em Campi- nas. Ela e a colega Valéria Al- ves dos Santos Salgado, res- ponsáveis pelas classes de 5º ano, conseguiram, em 2013, in- cluir a robótica como ativida- de curricular e, a partir desse impulso, incorporar todas as disciplinas do currículo. “Em muitas escolas, a robó- tica é colocada como uma au- la extra, fora do horário nor- mal, inclusive. Nossa propos- ta é utilizá-la como uma ma- neira de trabalhar as investiga- ções, as descobertas e a inter- disciplinaridade”, explica a professora Gisele. O projeto começou tímido no ano passado, como um pi- loto, a partir da inclusão da es- cola no Programa Um Compu- tador por Aluno (UCA), do go- verno federal, que distribuiu, em escolas públicas de todo o País, laptops para os estudan- tes. O projeto conta com o apoio do Núcleo de Informáti- ca Aplicada à Educação (Nied), da Universidade Esta- dual de Campinas (Unicamp) e as professoras tiveram o apoio do pesquisador João Vi- lhete para desenvolver as pri- meiras aulas de robótica, usan- do o programa Scratch, dispo- nível nos computadores entre- gues aos alunos. Como os resultados no ano passado, quando a atividade era complementar, foram aci- ma do esperado, a escola re- solveu adquirir um kit de ro- bótica com peças, parafusos, roldanas, jogos e brinquedos de montar para que o projeto pudesse ser a chave do traba- lho com todas as disciplinas do 5º ano. Na primeira fase, as professoras — cada uma res- ponsável por uma turma de cerca de 27 alunos — questio- naram os estudantes sobre os objetivos da robótica e como um robô pode ser incorpora- do à vida humana. “Interes- sante notar que, nessa primei- ra abordagem, a maioria tem a visão de um robô propaga- da pelos filmes, como um hu- manoide, com características que lembram o homem”, lem- bra Valéria. Interdisciplinaridade De posse desse levantamento prévio, as professoras organi- zaram, então, uma pesquisa bibliográfica sobre robótica. Nesse ponto, começou a inte- ração entre as disciplinas. Em português, os alunos produ- zem os textos, fazem os relató- rios das descobertas, estudam os gêneros textuais em que os materiais pesquisados foram produzidos e precisam exerci- tar a oralidade, apresentando os resultados aos colegas. Da mesma forma, em história e geografia, eles contextualizam a interação entre homem e máquina desde a Revolução Industrial e os locais em que essa prática está mais dissemi- nada atualmente. Em paralelo, os alunos aprendem a usar o programa que vão utilizar para projetar o robô. Como um primeiro exercício, cada grupo de cinco alunos teve que desenvolver um protótipo usando apenas o material disponível em casa, em geral sucata. Com os resul- tados, outros questionamen- tos: “Procuramos mostrar a função social da tecnologia e como o homem pode usar seus conhecimentos para o bem da sociedade”, conta Gi- sele. Isso porque, como os alu- nos têm cerca de 10 anos, é muito comum a imagem dos desenhos animados e dos fil- mes de ficção científica. Depois dessa primeira ten- tativa e da contextualização so- bre o papel dos robôs, o traba- lho, neste ano, usou a temáti- ca água e sustentabilidade co- mo estímulo. “Assim, envolve- mos também os conteúdos de ciências”, afirma Valéria. No uso das ferramentas do progra- ma de computador, em que, primeiro, o robô é esquemati- zado, os alunos também preci- sam de conceitos de matemáti- ca e de raciocínio lógico. O desafio está lançado: ago- ra, no segundo semestre, cada equipe de cinco alunos deve- rá projetar e produzir, usando o kit de robótica comprado pe- la escola, um robô que tenha utilidade diante dos proble- mas ambientais. “Já começam a surgir e a ser desenvolvidos, por exemplo, ideias sobre car- ros para a coleta do lixo, uma prova de que eles já absorve- ram que a robótica é mais do que a imagem fantasiosa que possuíam antes das aulas”, acredita Gisele. Os robôs que encerram as atividades devem estar pronto até o final do ano. Investigação De acordo com Gisele, o obje- tivo do projeto é fugir dos mo- delos e permitir que os alunos descubram quais as etapas do processo de aprendizagem de qualquer conteúdo. “Em mo- mento algum, nós damos uma receita de como um robô é feito. Vamos construindo o conhecimento e descontruin- do ideias equivocadas ou sim- plistas que os alunos trazem”, diz. Além disso, mesmo nos assuntos mais teóricos, de al- guma forma, a robótica é en- volvida. Dia desses, por exem- plo, a professora trabalhava trânsito com os alunos e uma das formas de envolver o mun- do tecnológico foi a explica- ção de como funciona um se- máforo. “Os alunos ficam mais en- volvidos, pois isso aguça a curiosidade. Nós, professoras, também aprendemos muito, pois esse assunto não faz par- te da formação de nenhum educador. É um aprendizado constante para todos, em que as bases são a problematiza- ção e a investigação”, afirma Valéria. A s professoras Gisele Flávia Alves Oliveira Giachetto e Valéria Alves dos Santos Salgado não só têm o privilégio de contar com o kit robótica, adquirido com recursos próprios da escola, como também de trabalhar numa unidade beneficiada pelo Programa Um Computador por Aluno (UCA), do Ministério da Educação (MEC), que atende a 300 escolas públicas em todo o País e já distribuiu cerca de 150 mil laptops, desde 2010, quando começou a ser implantado. O programa começou a ser criado em 2005 e foi apresentado como uma estratégia de inclusão digital no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. As escolas — estaduais ou municipais — são escolhidas a partir de uma avaliação do MEC que envolve localização, quantidade de alunos, anuência dos professores e proximidade com núcleos de estudo de informática aplicada ao ensino, como é o caso da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na cidade, apenas a Elza Maria Pellegrini de Aguiar, com cerca de 500 alunos, faz parte do programa. Na região, uma escola de Pedreira também está contemplada, envolvendo outros 400 estudantes. No Brasil, só seis municípios já têm o programa implantado em todas as suas escolas públicas. (FO/AAN) Robótica entra no currículo de escola pública Programa de inclusão chega 1 º à unidade REDE MUNICIPAL ||| TECNOLOGIA Fotos: Divulgação Grupos da escola Elza Aguiar trabalham com os kits de robótica comprados pela escola e, acima, a professora Gisele Giachetto (ao centro) com estudantes, envolvidos no projeto: equipes terão de projetar e produzir um robô que tenha função relacionada aos problemas ambientais Alunos do 5º ano com laptops do programa federal Um Computador por Aluno: unidade é a única da cidade beneficiada com o projeto de inclusão digital do Ministério da Educação Projeto incentiva a interação entre diversas disciplinas A8 CORREIO POPULAR Campinas, terça-feira, 23 de julho de 2013

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SAIBA MAISO programa de computadorutilizado pelos alunos paradesenvolver os robôs é oScratch, criado pelo Institutode Tecnologia deMassachusetts (MIT) edisponível nos equipamentosdo Programa Um Computadorpor Aluno (UCA). O softwarefoi desenvolvido para serusado por crianças a partir de8 anos e envolve conceitosmatemáticos e informáticabásica. Com ele, é possíveltambém criar históriasanimadas e jogos. A interfacegráfica permite montarprotótipos usando ferramentasque lembram os brinquedos dearmar, com peças que seencaixam formando figurastridimensionais. O programapode ser baixadogratuitamente na internet.

Iniciativa de professoras do 5º ano desfazmitos e estimula a investigação e descobertas

Fabiano OrmanezeESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

Não é de hojeque, nas esco-las particula-res, os robôs jáaceleram nasmãos de alunos nas aulas derobótica. Mas, nos colégios pú-blicos, eles ainda patinam, anão ser por experiências comoa da professora Gisele FláviaAlves Oliveira Giachetto, da Es-cola Municipal de Ensino Fun-damental (Emef) Elza MariaPellegrini de Aguiar, no Par-que D. Pedro II, em Campi-nas. Ela e a colega Valéria Al-ves dos Santos Salgado, res-ponsáveis pelas classes de 5ºano, conseguiram, em 2013, in-cluir a robótica como ativida-de curricular e, a partir desseimpulso, incorporar todas asdisciplinas do currículo.

“Em muitas escolas, a robó-tica é colocada como uma au-la extra, fora do horário nor-mal, inclusive. Nossa propos-ta é utilizá-la como uma ma-neira de trabalhar as investiga-ções, as descobertas e a inter-disciplinaridade”, explica aprofessora Gisele.

O projeto começou tímidono ano passado, como um pi-loto, a partir da inclusão da es-cola no Programa Um Compu-tador por Aluno (UCA), do go-verno federal, que distribuiu,em escolas públicas de todo oPaís, laptops para os estudan-tes. O projeto conta com oapoio do Núcleo de Informáti-ca Aplicada à Educação(Nied), da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp)e as professoras tiveram oapoio do pesquisador João Vi-lhete para desenvolver as pri-meiras aulas de robótica, usan-do o programa Scratch, dispo-nível nos computadores entre-gues aos alunos.

Como os resultados no anopassado, quando a atividadeera complementar, foram aci-ma do esperado, a escola re-

solveu adquirir um kit de ro-bótica com peças, parafusos,roldanas, jogos e brinquedosde montar para que o projetopudesse ser a chave do traba-lho com todas as disciplinasdo 5º ano. Na primeira fase, asprofessoras — cada uma res-ponsável por uma turma decerca de 27 alunos — questio-naram os estudantes sobre osobjetivos da robótica e comoum robô pode ser incorpora-do à vida humana. “Interes-sante notar que, nessa primei-ra abordagem, a maioria tema visão de um robô propaga-da pelos filmes, como um hu-manoide, com característicasque lembram o homem”, lem-bra Valéria.

InterdisciplinaridadeDe posse desse levantamentoprévio, as professoras organi-zaram, então, uma pesquisabibliográfica sobre robótica.Nesse ponto, começou a inte-ração entre as disciplinas. Emportuguês, os alunos produ-zem os textos, fazem os relató-rios das descobertas, estudamos gêneros textuais em que osmateriais pesquisados foramproduzidos e precisam exerci-tar a oralidade, apresentandoos resultados aos colegas. Damesma forma, em história egeografia, eles contextualizama interação entre homem emáquina desde a RevoluçãoIndustrial e os locais em queessa prática está mais dissemi-nada atualmente.

Em paralelo, os alunosaprendem a usar o programaque vão utilizar para projetaro robô. Como um primeiroexercício, cada grupo de cincoalunos teve que desenvolverum protótipo usando apenaso material disponível em casa,em geral sucata. Com os resul-tados, outros questionamen-tos: “Procuramos mostrar afunção social da tecnologia ecomo o homem pode usarseus conhecimentos para obem da sociedade”, conta Gi-sele. Isso porque, como os alu-nos têm cerca de 10 anos, émuito comum a imagem dosdesenhos animados e dos fil-mes de ficção científica.

Depois dessa primeira ten-tativa e da contextualização so-

bre o papel dos robôs, o traba-lho, neste ano, usou a temáti-ca água e sustentabilidade co-mo estímulo. “Assim, envolve-mos também os conteúdos deciências”, afirma Valéria. Nouso das ferramentas do progra-ma de computador, em que,primeiro, o robô é esquemati-zado, os alunos também preci-sam de conceitos de matemáti-ca e de raciocínio lógico.

O desafio está lançado: ago-ra, no segundo semestre, cadaequipe de cinco alunos deve-rá projetar e produzir, usandoo kit de robótica comprado pe-la escola, um robô que tenhautilidade diante dos proble-mas ambientais. “Já começama surgir e a ser desenvolvidos,por exemplo, ideias sobre car-ros para a coleta do lixo, umaprova de que eles já absorve-ram que a robótica é mais doque a imagem fantasiosa quepossuíam antes das aulas”,acredita Gisele. Os robôs queencerram as atividades devemestar pronto até o final doano.

InvestigaçãoDe acordo com Gisele, o obje-tivo do projeto é fugir dos mo-delos e permitir que os alunosdescubram quais as etapas doprocesso de aprendizagem dequalquer conteúdo. “Em mo-mento algum, nós damosuma receita de como um robôé feito. Vamos construindo oconhecimento e descontruin-do ideias equivocadas ou sim-plistas que os alunos trazem”,diz. Além disso, mesmo nosassuntos mais teóricos, de al-guma forma, a robótica é en-volvida. Dia desses, por exem-plo, a professora trabalhavatrânsito com os alunos e umadas formas de envolver o mun-do tecnológico foi a explica-ção de como funciona um se-máforo.

“Os alunos ficam mais en-volvidos, pois isso aguça acuriosidade. Nós, professoras,também aprendemos muito,pois esse assunto não faz par-te da formação de nenhumeducador. É um aprendizadoconstante para todos, em queas bases são a problematiza-ção e a investigação”, afirmaValéria.

As professoras GiseleFlávia Alves OliveiraGiachetto e Valéria

Alves dos Santos Salgadonão só têm o privilégio decontar com o kit robótica,adquirido com recursospróprios da escola, comotambém de trabalhar numaunidade beneficiada peloPrograma Um Computadorpor Aluno (UCA), doMinistério da Educação(MEC), que atende a 300escolas públicas em todo oPaís e já distribuiu cerca de150 mil laptops, desde2010, quando começou aser implantado.O programa começou a sercriado em 2005 e foiapresentado como umaestratégia de inclusãodigital no FórumEconômico Mundial, emDavos, na Suíça. As escolas— estaduais ou municipais— são escolhidas a partirde uma avaliação do MECque envolve localização,quantidade de alunos,anuência dos professores eproximidade com núcleosde estudo de informáticaaplicada ao ensino, como éo caso da UniversidadeEstadual de Campinas(Unicamp). Na cidade,apenas a Elza MariaPellegrini de Aguiar, comcerca de 500 alunos, fazparte do programa. Naregião, uma escola dePedreira também estácontemplada, envolvendooutros 400 estudantes. NoBrasil, só seis municípios játêm o programaimplantado em todas assuas escolas públicas.(FO/AAN)

Robótica entrano currículo deescola pública

Programa deinclusão chega1º à unidade

REDE MUNICIPAL ||| TECNOLOGIA

Fotos: Divulgação

Grupos da escola Elza Aguiar trabalham com oskits de robótica comprados pela escola e, acima, a

professora Gisele Giachetto (ao centro) comestudantes, envolvidos no projeto: equipes terão de

projetar e produzir um robô que tenha funçãorelacionada aos problemas ambientais

Alunos do 5º ano com laptops do programafederal Um Computador por Aluno: unidade é a

única da cidade beneficiada com o projeto deinclusão digital do Ministério da Educação

Projeto incentiva ainteração entrediversas disciplinas

A8 CORREIO POPULARCampinas, terça-feira, 23 de julho de 2013