correio da jaqueira #3

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Artigo: reformas no Brasil Ideias Internacionais Jorge Miranda, um dos constituciona- listas mais respeitados de Portugal e do mundo, fala à seção das Ideias Interna- cionais do Correio da Jaqueira, com ex- clusividade, em artigo inédito. Pág. 15 Neste outubro de 2013, a Constituição da República Federativa do Brasil completou 25 anos, tendo sido promulgada em 5 de ou- tubro de 1988. Para comemorar o jubileu de prata da Carta Cidadã, Entrevistas Especiais no aniversário da Constituição Pedro Lenza O Correio da Jaqueira entre- vistou Pedro Lenza, Mestre e Doutor em Direito pela USP e atualmente um dos autores de livros jurídicos de maior su- cesso nas livrarias do país, com dezenas de obras publicadas e coordenadas. Pág. 12 Dalmo Dallari Nesta edição comemorativa do aniversário de 25 anos da Constituição Federal, entre- vistamos o Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari, um dos maiores constitucionalistas brasileiros, considerado, por muitos, uma própria “instituição”. Pág. 10 O Gigante acordou? As manifestações sociais e pro- testos que pararam o Brasil, no ano de 2013, tiveram alguma utilidade prática na vida políti- ca do país? Não ousamos res- ponder, mas você pode saber mais lendo a reportagem espe- cial que o Correio da Jaqueira preparou nesta edição: o Gi- gante acordou? Pág. 8 o Correio da Jaqueira preparou esta edição com uma matiz es- pecialmente constitucional: grandes entrevistados, matérias de cunho atual e político e muto mais. Confira! Extensão: FD nas Escolas Cultural: Direito dá samba? Pág. 14 Pág. 4 Pág. 6 E mais... Correio da Jaqueira Novembro 2013/3 Distribuição gratuita Acadêmicos de Direito da Universidade Federal do Amazonas

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Jornal dos acadêmicos de Direito da Universidade Federal do Amazonas, terceira edição.

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Page 1: Correio da Jaqueira #3

Artigo: reformas no Brasil

Ideias InternacionaisJorge Miranda, um dos constituciona-listas mais respeitados de Portugal e do mundo, fala à seção das Ideias Interna-cionais do Correio da Jaqueira, com ex-clusividade, em artigo inédito. Pág. 15

Neste outubro de 2013, a Constituição da República Federativa do Brasil completou 25 anos, tendo sido promulgada em 5 de ou-tubro de 1988. Para comemorar o jubileu de prata da Carta Cidadã,

Entrevistas Especiais no aniversário da Constituição

Pedro LenzaO Correio da Jaqueira entre-vistou Pedro Lenza, Mestre e Doutor em Direito pela USP e atualmente um dos autores de livros jurídicos de maior su-cesso nas livrarias do país, com dezenas de obras publicadas e coordenadas. Pág. 12

Dalmo DallariNesta edição comemorativa do aniversário de 25 anos da Constituição Federal, entre-vistamos o Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari, um dos maiores constitucionalistas brasileiros, considerado, por muitos, uma própria “instituição”. Pág. 10

O Gigante acordou?As manifestações sociais e pro-testos que pararam o Brasil, no ano de 2013, tiveram alguma utilidade prática na vida políti-ca do país? Não ousamos res-

ponder, mas você pode saber mais lendo a reportagem espe-cial que o Correio da Jaqueira preparou nesta edição: o Gi-gante acordou? Pág. 8

o Correio da Jaqueira preparou esta edição com uma matiz es-pecialmente constitucional: grandes entrevistados, matérias de cunho atual e político e muto mais. Confira!

Extensão: FD nas Escolas

Cultural: Direito dá samba?

Pág. 14

Pág. 4

Pág. 6

E mais...

Correio da JaqueiraNovembro 2013/3 Distribuição gratuita

Acadêmicos de Direito da Universidade Federal do Amazonas

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Expediente Mensagem do Editorial

Diretor-executivo: Paulo Bernardo Lindoso e LimaEditor-chefe: Gabriel Coelho

Equipe:Rafael Frank BenzecryAdriano Gonçalves FeitosaIsadora BessaRedes sociais:Junior Lucena

Contato:[email protected] @CorreioJaqueira Correio da Jaqueira

Charge da vez Eros Grau sob a sombra da Jaqueira

No dia 5 de outubro de 1988, há exatos 25 anos, Ulysses Gui-marães, então Presidente da As-sembleia Constituinte, erguia perante o povo a nova Consti-tuição da República Federativa do Brasil, carinhosamente ape-lidada de Constituição Cida-dã. Hoje, no momento em que todos nós comemoramos este fato histórico, o Correio da Ja-queira traz até você, leitor, uma edição especial com uma abor-dagem ao sabor de nossa Carta

Magna. De 1988 até o presente mo-mento, a Constituição passou por várias mudanças, críticas e elogios. As histórias contadas sobre ela são ora engraçadas, ora incríveis. Optamos aqui, deixando clara nossa inegável tendência para o humor, por narrar algumas histórias diver-tidas protagonizadas por nossa Constituição... O Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, em uma visita a Ma-naus, contou uma piada sobre o tema: um estudante de Direito certa vez entrou em uma livra-ria e perguntou: “vocês vendem a Constituição?”; o vendedor o mirou e respondeu: “jovem, nós não trabalhamos com peri-ódicos!”. É inegável: nosso país teve, em pouco tempo, uma in-finidade de constituições; ou-trossim, a nossa Constituição, em seus poucos 25 anos, já

cresceu e passou por inúmeras mudanças. Como não dizer que a engenharia constitucional, no Brasil, não é uma arte de rea-lizar periódicos? O conto tem seu sentido. No mesmo tom de gracejo, o Ministro Luís Roberto Barroso, também do STF, já deu entre-vistas dizendo que a Constitui-ção de 1988 tinha uma solução para tudo: só não trazia a pes-soa amada em três dias. Mais uma verdade disfarçada de chiste: nossa Lei Fundamental tratou de muitos assuntos que não precisariam ser tratados por ela, até mesmo constitucionali-zando o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro (art. 242, §2º). Seria este um defeito? Há quem defenda que sim; há quem de-fenda que não. Na realidade, defeito ou não, trata-se de uma das vicissitudes de nossa Carta Constitucional. Ela é tudo isso: uma “colcha

de retalhos”, que trata da vida de tudo e de todos. É uma críti-ca? Não mesmo. A Constituição do Brasil não poderia ser de ou-tro jeito. É uma Carta Política à brasileira, à carioca, à indígena: é uma constituição bossa-nova, uma constituição feijão-com-arroz, uma constituição colo-rida, histórica, programática e, acima de tudo, bela. Neste ano de 2013, em que comemoramos, no outubro passado, o jubileu de prata da Constituição da República Fe-derativa do Brasil, o Correio da Jaqueira deseja que a Constitui-ção Cidadã seja cada vez mais respeitada, com suas virtudes e defeitos, que fazem dela o re-trato fiel do brasileiro. Viva a Constituição!

Correio da Jaqueira

APOIO

CORREIO DA JAQUEIRA CHARGE DA VEZ

POCKETMAGAZINE

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do jornal.

O jubileu de prata da nossa Constituição Cidadã

No dia 30 de agosto de 2013, a Faculdade de Direito da Uni-versidade Federal do Amazo-nas recebeu a ilustre presença do Dr. Eros Roberto Grau, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal. Eros Grau veio à Jaqueira participar da Semana Jurídica “Xavier de Albuquerque”, or-ganizada pelo Centro Acadêmi-co de Direito “17 de Janeiro”. Com a palestra “Por que tenho medo de juízes?”, Eros Grau cativou durante algumas horas

as mais de 500 pessoas que fo-ram vê-lo no Auditório Eulálio Chaves, da UFAM. Nascido em 1940, em San-ta Maria (RS), Eros Grau é Bacharel em Direito pela Uni-versidade Presbiteriana Macke-nzie, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, onde foi Professor Titular por quase 20 anos, além de ter ob-tido por duas vezes a Livre-Do-cência na instituição. Ainda, é Professor Visitante da Université Paris 1 (Panthé-

on-Sorbonne), Université de Montpellier I, Université du Havre, todas da França, e foi condecorado com o título de Doutor Honoris Causa pela Université de Cergy-Pontoise (França), Université du Havre, Universidad Siglo 21 (Argen-tina), Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi Ministro do Supremo Tribunal Federal de 2004 a 2010. Eros Grau também é autor de dezenas de obras jurídicas, pu-

blicadas no Brasil e no exterior (Alemanha, Argentina, Bélgi-ca, Espanha, Françça, Itália, Portugal, México e Uruguai), e possui um romance chamado “Triângulo no Ponto”, publica-do em 2007, pela editora Nova Fronteira. E é claro que o Correio da Jaqueira o entrevistou. Confira abaixo!

Adriano Gonçalves Feitosa

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal visita a FD/UFAM

Correio da Jaqueira: Mi-nistro, nossa Constituição está prestes a completar 25 anos de idade. Qual é o balan-ço que se faz acerca da efeti-vidade da nossa Carta Magna nestes anos?

Eros Grau: Essa efetivida-de tem que ser construída pelo Poder Judiciário, pelos advo-gados e pelo Ministério Públi-co. Precisamos entender que é uma totalidade, né? Todos

estes membros dos tribunais, advogados e Ministério Públi-co são os artífices dessa efetivi-dade: nenhum mais importante que o outro; nenhum menos im-portante que o outro.

Correio da Jaqueira: E em relação ao Supremo Tribunal Federal. O senhor tem sauda-de da Corte?

Eros Grau: Absolutamente nenhuma! Absolutamente ne-

nhuma... Eu fui lá cumprir meu dever. Agora há pouco estáva-mos conversando a propósito disso, e me perguntaram se foi o “presidente fulano” que me indicou, e eu disse “não, quem me indicou foi o Presidente da República”. Se eu não tiver a consciência disso, de que não é o Fernando, o Itamar, o Collor ou o Lula, está tudo perdido. Um membro do Tribunal tem que ter a consciência de que é o Presidente da República, e

não fulano, sicrano ou beltra-no, que o indica.

Correio da Jaqueira: E por último: o senhor pode dar uma palavra aos acadêmicos de Direito da Jaqueira?

Eros Grau: Eu acho que eles vão viver num mundo mais jus-to do que esse em que eu vivo. E eu espero que seja assim.

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Correio da Jaqueira nas ruasProjeto “FD nas Escolas”

CORREIO DA JAQUEIRA CORREIO DA JAQUEIRA NAS RUAS

O “FD nas Escolas” é um projeto de extensão que foi mi-nuciosamente idealizado, em conjunto, por 10 (dez) acadê-micos de Direito da Univer-sidade Federal do Amazonas (UFAM), em parceria com do-centes da instituição, e tendo sido viabilizado pela Pró-Rei-toria de Extensão e Interioriza-ção (PROEXTI). Tendo como base alguns projetos já efetivamente im-plantados na própria cidade de Manaus, como, por exemplo, o “MP nas Escolas” (programa do Ministério Público com o escopo de levar as ações dos ór-gãos para jovens e crianças), o intuito dos acadêmicos era unir um programa de pesquisa e ex-tensão a uma atividade social, beneficiando tanto alunos do Ensino Médio, com conheci-

mentos basilares sobre Direito e cidadania, quanto os próprios acadêmicos de Direito, com a formação de ligas de estudos visando aprofundar suas pes-quisas em determinados ramos da Ciência Jurídica. Iniciando efetivamente em setembro, o projeto consiste em 4 (quatro) ligas de estudo no âmbito da Faculdade: ligas de Direito Constitucional e Eleito-ral, de Direito Civil (especial-mente sobre Direito de Família e Direito do Consumidor), de Direito Penal e de Direito do Trabalho; dentro das quais se realizam, semanalmente, reuni-ões de discussão científica em torno de temas trazidos pelos docentes e coordenadores atra-vés de artigos científicos e ju-risprudência. Além disso, uma vez ao mês, durante o programa, os alunos

participantes irão a escolas públicas e privadas da cidade de Manaus a fim de transmitir conhecimentos essenciais da Ciência Jurídica para alunos do terceiro ano do Ensino Médio. Essa transmissão de conhe-cimentos jurídicos básicos se dará através de palestras minis-tradas pelos discentes voluntá-rios da Faculdade de Direito, acompanhados dos professo-res coordenadores. O objetivo principal do projeto, portanto, é contribuir para um maior aces-so à Justiça na sociedade, di-fundindo conhecimentos sobre direitos básicos ao exercício da cidadania. Helena Rolim, 21, uma das alunas coordenadoras, disse que está ansiosa para que as visitas aos colégios comecem. “Quero poder ver nosso pro-jeto, de fato, sendo executado.

É muito gratificante conseguir tirar algo do campo das ideias e contribuir, tão de perto, para que a sociedade tenha acesso a informações outrora inacessí-veis”. Além das palestras realiza-das nas escolas, os alunos par-ticipantes incentivarão o debate e a discussão crítica sobre os temas abordados, dialogando com os estudantes das escolas, oferecendo orientações jurídi-cas e colhendo dados a respeito da recepção social dos assuntos em questão. Os alunos participantes fo-ram escolhidos por meio de um processo seletivo que en-volveu provas escritas e argui-ções orais, diante de bancas compostas por professores da Faculdade de Direito, e já estão sendo treinados teórica e retori-camente, durante os encontros

semanais com os professores coordenadores das ligas, para a realização das palestras. Nessas reuniões, os temas tratados nas escolas também serão discuti-dos, havendo ainda um maior aprofundamento teórico, de forma com que esses encontros busquem fomentar a produção científica em relação às temáti-cas discutidas nos colégios e à recepção social observada em cada centro de ensino, analisan-do, ainda, todos os dados colhi-dos. O intuito é de que os aca-dêmicos de Direito produzam artigos científicos tendo por base os diálogos entre a temá-tica jurídica e sua função social em questão, analisando, ainda, dados estatísticos que serão co-lhidos sobre as problemáticas apresentadas. Cibele Rabelo, 20, uma das alunas coordenadoras do proje-

to, sustenta que a construção de uma sociedade mais justa pres-supõe o respeito e fruição das normas jurídicas, e relatou que “cada vez mais temos que apro-ximar o Direito da sociedade, para garantir o efetivo acesso à Justiça”. O projeto “FD nas Escolas” faz parte de uma renovação que vem ocorrendo na Faculda-de de Direito da Universidade Federal do Amazonas: entre acadêmicos e professores tem havido um espírito de renova-ção e busca pela excelência em ensino e pesquisa, qualidade que colocou a “Velha Jaqueira” entre as maiores escolas jurídi-cas do país durante todo o sé-culo passado. Neste sentido, é imprescindível um projeto de extensão que pense a Faculda-de em seu aspecto social e aca-dêmico, com unidade e respon-

sabilidade. Percebe-se, então, a relevân-cia social do projeto ao analisar a atual contradição existente no ordenamento jurídico brasilei-ro, em que por mais que seja nítida a existência de inúmeros direitos e garantias reconheci-dos aos cidadãos, poucos são os efetivamente gozados. Desta feita, o “FD nas Escolas” tem o intuito de contribuir para que a população tenha conhecimen-to de seus direitos e deveres, garantindo o exercício de uma cidadania plena e uma tão de-fendida vida digna. Para saber mais sobre o pro-jeto “FD nas Escolas”, ofere-cendo sugestões, parcerias ou críticas, acesse a página do pro-jeto no Facebook (facebook.com/fdnasescolas), no Twitter (twitter.com/fdnasescolas) ou envie um e-mail para fdnases-

[email protected]. Também é possível informar-se sobre o projeto e seus alunos coordena-dores na própria Faculdade de Direito, buscando a Coordena-ção do curso. Vale lembrar que são ações como esta, desenvolvida emi-nentemente por alunos engaja-dos, que resgatam o prestígio da tão estimada Jaqueira pe-rante a sociedade, realocando a cidade de Manaus no mapa das grandes academias jurídicas do país.

CORREIO DA JAQUEIRA CORREIO DA JAQUEIRA NAS RUAS

Alunos coordenadores do Projeto “FD nas Escolas”: Paulo Henrique Gurjão, Daniela León, Cibele Rabelo, Tarcila Mendes Neta, Luís Felipe Souza, Helena Rolim, Laura Nascimento, Isadora Bessa, Kevin Augusto (esq. - dir. na fotografia), e Nathália Bonin (ausente na fotografia).

Professor Ticiano Alves e Silva avaliando a arguição oral da Liga de Direito Constitucional do Projeto “FD nas Escolas”, durante a apresentação do acadêmico João Matheus Thomé.

Logo do Projeto “FD nas Escolas”

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Seção cultural Ponto de vistaDireito dá samba! SBPC: experiência única

Grande parte dos alunos, ao ingressar na Universidade, de-para-se com um mundo novo, no qual o limite é até onde a imaginação pode chegar. Mui-tos traçam metas e objetivos para a sua “nova” jornada, como, por exemplo, participar de eventos, escrever artigos, destacar-se nas aulas, partici-par de conselhos etc.; assim como alguns não sabem nem por onde começar. Mas isso não é um problema tão grande quando estamos situados em

um mundo de oportunidades como a Universidade, que tenta de certa forma fazer com que os acadêmicos participem de atividades que visam explorar seus potenciais. Assim mesmo aconteceu co-nosco, que fomos orientadas e incentivadas a participar de um evento da Sociedade Brasilei-ra para o Progresso da Ciência (SBPC), tendo o privilégio de apresentar o nosso artigo ela-borado no 1° período da Facul-dade. A participação foi muito importante, uma vez que tive-mos o resumo de nosso artigo publicado, além de termos sen-tido a sensação de que o traba-lho desenvolvido no início da jornada acadêmica não havia sido em vão. A SBPC é uma entidade civil, que tem como objetivo defender o avanço científico e tecnológico, além de promover o desenvolvimen-to educacional e cultural de nosso país. Ela procura incen-tivar os alunos a ingressaram nesse mundo de descobertas, propiciando avanços nas di-versas áreas do conhecimento, dandoo uma oportunidade para aqueles que querem iniciar um pouco mais cedo a experiência de elaborar um artigo científico e tê-lo analisado por alguém de fora da Faculdade. Durante os primeiros perío-dos, principalmente, os alunos se sentem inseguros para reali-zar qualquer tipo de produção acadêmica, por medo de serem vistos como alguém que não domina uma linguagem técni-ca ou até mesmo um próprio conhecimento suficiente e ade-quado para o trabalho. Contudo, é justamente neste aspecto que a SBPC mostra-se uma boa opção. É uma chan-ce de os alunos treinarem suas habilidades em produções aca-dêmicas, sem que seus textos

sejam analisados com tanto ri-gor, em conteúdo e apresenta-ção, quanto seriam nos casos de produções em mestrados e doutorados. Participamos da 65° Reu-nião da SBPC, realizada entre

os dias 21 a 26 de Junho de 2013, em Recife (PE), levando o artigo: “Mulheres e suas con-quistas no Ramo Trabalhista”. Como uma “feira de conhe-cimentos”, no evento realizado pela SBPC, pessoas de vários estados trocam informações sobre diversos assuntos e inú-meros temas, ao invés de os participantes se apresentarem perante uma “banca julgadora”, em que os avaliadores esperam que o avaliado verdadeiramen-te defenda a ideia ou tese apre-sentada com o máximo de em-basamento técnico possível. Ainda, tivemos abertura para trabalhar, discutir e intera-gir com doutores e mestres da área do Direito, e acabamos por apresentar nosso artigo para alguns acadêmicos especiali-zados no Direito Trabalhista, que teceram críticas e elogios, contribuindo para o enriqueci-mento da pesquisa.

A SBPC funciona como um “treino”. Uma forma de os es-tudantes se prepararem (ten-do, nesta etapa, seus resumos publicados) para que mais tarde, ao adquirirem mais ex-periência, tenham seus artigos

publicados integralmente em alguma revista reconhecida pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), e, assim, avan-çar mais um passo na jornada de obtenção dos tão almejados títulos. É necessário, portanto, enfati-zar a importância da participa-ção dos alunos em eventos, pa-lestras e congressos, haja vista que através dessas atividades é possível conquistar um alto desenvolvimento acadêmico e profissional. Logo, aproveite: essa pode ser a sua oportuni-dade!

CORREIO DA JAQUEIRA SEÇÃO CULTURAL CORREIO DA JAQUEIRA PONTO DE VISTA

Todo mundo sabe que a lin-guagem própria do Direito não tem nada de fácil. Muito pelo contrário, o dito juridiquês é conhecido por ser rebusca-do e de difícil compreensão. Ora, com esse vocabulário tão complicado, poderia o Direito se alinhar com o gênero mais popular da música brasileira? Pois acredite, a resposta é afir-mativa: Direito dá samba, e não é de hoje! Na já longínqua década de 30, ninguém menos que Noel Rosa talvez tenha feito o pri-meiro samba jurídico: trata-se de “Habeas Corpus”, canção feita em parceria com Orestes Barbosa nos idos de 1933. Na letra, o Poeta da Vila inicial-mente nega qualquer recurso a uma amada que o fizera um mal (“No tribunal da minha consciência / O teu crime não tem apelação / Debalde tu ale-gas inocência / Mas não terás minha absolvição”), para, no fim, admitir que “talvez o habe-as corpus da saudade / consinta o teu regresso ao meu amor”.

Como se sabe, além de fazer samba, Noel chegou a estudar

Medicina, mas nunca pisou em uma Faculdade de Direito. Por isso, creio que podemos perdo-ar alguns equívocos técnicos da letra, a exemplo da passa-gem que diz que o crime da tal amada tem “as agravantes da surpresa e da premeditação”, sendo certo que a premeditação nunca foi circunstância agra-vante, nem mesmo no Código Penal de 1890, vigente à época. Além do mais, é de se consi-derar que os artistas possuem licença poética para alterarem até as cláusulas pétreas de nos-sa Constituição. Já nos dias que correm, o des-tacado compositor carioca Nei Lopes dedicou não um, mas dois sambas às letras jurídicas. Esse sim é bacharel em Direito pela antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, e com certeza teve ajuda do diploma na hora de escrever duas obras-primas que atendem pelo nome de “Justiça Gratuita” e “Águia de Haia”. A primeira letra fala de uma moça que “mudou-se pra Faculdade de Direito e agora só fala de um jeito cheio de preliminar”. A outra traz a divertida história de um sujeito que incorpora o “caboclo Rui Barbosa” e en-

tão começa a discursar a torto e a direito com um “sotaque de baiano meio intelectual”. Convencida de que o sam-ba poderia ser uma ferramenta preciosa no ensino jurídico, a advogada gaúcha Carmela Grüne desenvolveu um projeto chamado “Samba no pé & Di-reito na Cabeça”, que consiste em fazer apresentações com muita música tratando de temas atuais e incidentes no âmbito jurídico, conduzindo à reflexão

e ao debate e proporcionando assim a propagação e populari-zação do Direito. E você, leitor do Correio da Jaqueira, acredita que o Direito caiu no samba? Sugerimos que ouça as músicas apontadas, es-tão todas disponíveis na inter-net. Ou, para os mais ousados, deixamos um desafio: que tal tentar fazer o seu samba jurí-dico?

Noel Rosa.

Nei Lopes.

A clássica roda de samba brasileira.

Paula RodriguesAcadêmica de Direito da UFAM

Amisa CrísfanyAcadêmica de Direito da UFAM

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Primavera Brasileira: as manifestações que pararam o paísCORREIO DA JAQUEIRA PRIMAVERA BRASILEIRA

Tudo começou por apenas vinte centavos no aumento da tarifa de ônibus. No entanto, depois de semanas, os debates estavam para muito além da cobrança no transporte coleti-vo. Desde os caras-pintadas de 1992, que pediam o impeach-ment do então presidente Fer-nando Collor de Mello o Brasil não presenciava uma mobiliza-ção popular tão grande. Por mais que as insatisfações tenham começado ainda em 2012, em Natal/RN, foi a mo-

bilização em São Paulo a partir do dia 2 de junho de 2013, com

o reajuste dos preços das pas-sagens dos ônibus municipais, metrô e trens urbanos de R$ 3,00 para R$ 3,20, que se de-sencadeou a insatisfação geral em todo o país. Ao incômodo com o aumento das tarifas do transporte públi-co, insuficiente e de má quali-dade, somaram-se diversas ou-tras bandeiras, juntando num só caldeirão a insatisfação popular com o status quo problemático do povo brasileiro. Discutiram-se os gastos públicos astronô-micos com a Copa e as Olimpí-adas, a PEC 37, que limitaria o poder de investigação criminal do Ministério Público, a vio-lência excessiva usada pelas forças policiais na contenção dos protestos, e diversos outros temas variados. O que mais chamou a aten-ção dessa série de protestos foi a ausência de uma liderança centralizada e de uma bandeira única e homogênea. Pelo fato de as mobilizações terem sido organizadas pelas redes sociais, algo denominado como “cibe-rativismo”, a desobediência ci-vil não se limitou a apenas um grupo da sociedade, mas sim a todos aqueles que estavam insatisfeitos com a situação

do país, marcado por elevadas taxas de corrupção política e impunidade dos criminosos de colarinho branco. As passeatas no Bra-sil tiveram grande influência de outros movimentos recentes pelo mundo. Os protestos bra-sileiros se inspiraram, em parte, nos Indignados da Espanha; no americano Occupy Wall Street; e nos protestos na Turquia nes-te ano. É importante ressalvar que, por mais que as bandeiras sejam diversas, o que une a in-surgência brasileira com a de outros povos é uma só causa: a ação do Estado. Outra referência das manifes-tações, mesmo que um pouco

mais distante, é a “Primavera”, termo que intitula nossa ma-téria. A “Primavera de Praga” foi um curto período de libe-ralização política ocorrido em 1968, na Tchecoslováquia. O termo remonta ao “florescer” da mentalidade política. Pos-teriormente, em 2010, a onda revolucionária de protestos e manifestações no Oriente Mé-dio foi chamada de “Primavera Árabe”. Há poucos meses, vi-vemos o que se convencionou chamar de “Primavera Brasilei-ra”. De um modo histórico, as manifestações sociais no Brasil são raras e ocorrem em longos espaços de tempo. Vale lembrar algumas que com certeza têm relação com os atuais protestos. Entre 1879 e 1880, no Rio de Janeiro, um dissabor generali-zado tomou conta da cidade e houve a “Revolta do Vintém”, por conta da cobrança de vinte réis nas passagens dos bondes. Anos depois, na mesma cidade do Rio de Janeiro, camadas po-pulares se rebelaram mais uma vez, em contrariedade à vacina-ção obrigatória contra a varíola, imposta pelo Governo Federal em 1904.

CORREIO DA JAQUEIRA PRIMAVERA BRASILEIRA

Nos últimos 30 anos, con-tudo, viu-se uma mobilização maior por parte da população por causas políticas: talvez um sinal de que o brasileiro esteja criando uma mentalidade polí-tica crítica. Em 1984, ocorreu o movimento das Diretas Já, pelo retorno das eleições diretas para a Presidência da Repúbli-ca, e em 1992 os jovens foram às ruas pedir a saída do então Presidente acusado de corrup-ção. Em 2013, partilhando do des-contentamento generalizado e, influenciada por outras cidades,

Manaus também viveu os seus dias de repúdio ao estado atual das coisas. Em 20 de junho a

cidade viveu a sua maior pas-seata, que contou com aproxi-madamente 100 mil pessoas e ficou entre as maiores do país. A maioria dos manifestantes saiu do Centro, nos arredores da Avenida Eduardo Ribeiro, e marchou até a Arena da Ama-zônia, palco de alguns jogos da Copa do Mundo FIFA em 2014 e alvo de inúmeras críticas pelo alto preço da obra. As reivindicações foram e são inúmeras: a população de-manda mais transparência e menos corrupção, transporte público de qualidade, respon-

sabilidade fiscal, hospitais que respeitem minimamente a dig-nidade dos pacientes, seguran-

ça pública mais bem preparada e muito mais. Veremos estes resultados após os protestos? Não se sabe. Depois que a “Primavera”, em seu ápice de esplendor, passou, instaurou-se um medo geral de que os protestos tenham sido apenas “fogo de palha”, e que não redundem em muitas mu-danças estruturais e conjuntu-rais no Brasil. Ainda é cedo. Ainda é um pouco cedo para sabermos as consequências desse aborrecimento popular em longo prazo. Entretanto, a classe política já demonstrou que está atenta aos anseios populares, muito embora tal-vez mais por temor do que por compromisso com a população. A popularidade dos políticos

despencou, o Congresso derru-bou a PEC 37 e o Governo cor-tou o imposto PIS/Confins para as tarifas de transporte coletivo. Espera-se que muito mais pos-sa vir a acontecer em nome de uma sociedade mais crítica, ín-tegra e solidária. Vivemos uma verdadeira “Primavera”? Presenciamos o momento histórico de uma ver-dadeira revolução? Não sabe-mos, e só o futuro dirá.

Por amor ao debate, o Correio da Jaqueira entrevistou algu-mas pessoas de diversos grupos sociais sobre as manifestações sociais deste último ano. Confi-ra, nos quadros abaixo, as opi-niões de nossos entrevistados.

Lucas Pedrosauniversitário

“A grande mobilização popular que tomou as ruas do Brasil no último mês de junho demonstrou, sem dúvida, uma insatisfação geral acerca do modo de gestão pública apli-

cado no país, explicitando a dissonância existente entre as prio-ridades escolhidas pela maioria dos membros da classe política e os verdadeiros anseios da população. Nesse aspecto, o movi-mento popular provocou imediatas mudanças, representadas por medidas emergenciais de contenção e remanejamento de recursos públicos, medidas estas que, sozinhas, não serão capazes de satis-fazer o clamor popular a longo prazo. É preciso que o espírito de conscientização para a mudança impregne-se na mente de cada cidadão, para que se viabilizem mudanças estruturais na forma de escolha de mandatários políticos, os quais devem representar firmemente os interesses e prioridades de seus eleitores.”

Wilker Cerqueirauniversitário

“Penso que os líderes de movimentos que mais se destacaram foram o Movimento Pas-se Livre e a União dos Movimentos Manaus. O primeiro luta por um transporte público de

qualidade, que acaba sendo abandonado na cidade, apesar das inúmeras promessas que sempre são feitas. O segundo deman-da qualidade nos serviços públicos prestados à população. A autonomia e independência podem ser vistas como qualidades essenciais para a organização das pessoas envolvidas e o apar-tidarismo acaba não permitindo que o objetivo se desvincule da meta real. Muitas foram as pessoas que atenderam o chamado inicial dos movimentos, demonstrando interesse em melhoras na cidade e deixando clara a indignação contra a atual gestão polí-tica. Percebi que certo tempo passou e interesse na luta social e até mesmo o envolvimento político nos movimentos diminuiu.”

Ninfe Mota Dantasadvogada

“Acredito que as manifestações que tiveram nos últimos meses em vá-rias cidades do Brasil derivam de uma insatisfação social trazida por

anos. A falta de eficiência nos serviços públicos, combina-da com os diversos escândalos de corrupção, motivou um grupo, em sua maioria de jovens, a se organizar, exigindo melhores investimentos e punição para aqueles que estão sendo acusados de desviar o dinheiro público. Estes grupos de idealizadores sempre existiram, contudo, as redes sociais possibilitaram um conhecimento geral dessa organização, Juntamente com as últimas notícias dos jornais, as mani-festações acabaram tendo uma adesão nacional e o governo se encontrou em uma situação em que algumas mudanças, mesmo que midiáticas, precisavam ser feitas”

Jaiza Fraxejuíza federal

“Todos podem reunir-se pacificamente, sem ar-mas, em locais abertos ao público, independen-temente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o

mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade compe-tente (art. 5º, XVI/CF). Por sua vez, STF disse que é livre o direito de participar de passeata e defender a legalização da maconha. Ora, tanto o legislador constituinte quanto o intérprete da Constituição disseram que as reuniões públicas e desarmadas são livres. É claro que não existe direito absoluto, de modo que a própria CF, excepcionalmente, admite expressamente a restrição e até a suspensão do direito de reunião. Isso pode acontecer nas hipóteses de decretação do estado de defesa e do estado de sítio. Enquanto felizmente não estamos nas duas exceções constitucionais, estamos livres para exercermos cidadania plena, mu-darmos o nosso país e construirmos um mundo mais justo!”

Page 6: Correio da Jaqueira #3

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Entrevistas EspeciaisDalmo de Abreu DallariAdvogado, Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Catedrático da UNESCO. Constitucionalista.

Correio da Jaqueira: Professor, como era advogar durante a ditadura militar? Dalmo Dallari: O exercício da advocacia durante a ditadura encontrava muitos obstáculos, pois a própria Constituição esta-va suspensa. Era extremamente difícil, além de muito perigoso, procurar defender as vítimas das arbitrariedades dos organismos políticos. Quando ocorria uma prisão ou um desaparecimento, a primeira dificuldade era saber quem tinha prendido e onde estava ou poderia estar o preso ou desaparecido. E quando se conseguia alguma informação, tentava-se uma negociação com a autorida-de responsável, pois o habeas-corpus estava suspenso. Além dis-so, defender alguém perseguido ou agredido por uma autoridade ditatorial era considerado um atrevimento e um ato subversivo, e por isso eram poucos os advogados que se atreviam. Para se ter ideia dos riscos, em Março de 1980, quando estavam recome-çando as mobilizações de trabalhadores, o Ministro do Trabalho decretou intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Eu aconselhei os dirigentes do Sindicato a irem ao Judiciário com pedido de Mandado de Segurança e aceitei ser o advogado de-les. Impetrei a ação na Justiça Federal e antes de qualquer de-

cisão os sindicalistas foram presos e, pelo meu atrevimento, eu também fui para uma cela do DOPS. Foi nessa oportunidade que conheci pessoalmente o Lula, como meu colega de cadeia. Por interferência da OAB, de várias outras entidades e de D. Paulo Evaristo Arns, fui solto no mesmo dia. Entretanto, no começo de Junho desse mesmo ano sofri um atentado. O Papa João Paulo II ia celebrar uma missa em São Paulo e eu, por ser Presidente da

Comissão Pontifícia Justiça e Paz, fui convidado para fazer uma das leituras. Na véspera, no final da tarde, um grupo armado me sequestrou na porta de minha casa e me levou para um terreno baldio, onde fui brutalmente espancado e abandonado. Consegui sobreviver e no dia seguinte fui à missa de cadeira de rodas, todo enfaixado, e fiz a leitura. Era assim advogar durante a ditadura,

mas eu persisti e meu atentado foi mais um argumento para de-nunciar os criminosos civis da área empresarial e os trogloditas militares que haviam implantado a ditadura no Brasil. CJ: Falando sobre Direitos Humanos... Podemos dizer que o Brasil é leniente quanto às violações destes direitos? DD: Existe no Brasil uma tradição de discriminações e de violências contra as camadas mais pobres da população. Essas agressões aos Direitos Humanos diminuíram, sobretudo depois do advento da Constituição de 1988, que proclamou os direitos fundamentais e criou importantes instrumentos de garantia dos direitos e promoção da responsabilidade dos que, no governo ou fora dele, afrontarem tais direitos. Ainda existem muitos focos de resistência, onde perdura o comando de velhas oligarquias, além de surgirem novas faces da violência contra os direitos humanos, como ocorre, por exemplo, pela ação do agronegócio, que tem representantes no Congresso Nacional, no Executivo federal e em governos estaduais e municipais. As violências contra os direitos constitucionais dos índios e das comunidades indígenas mostram bem a persistência de ofensas aos Direitos Humanos, mas pode-se dizer que ao lado disso houve muitas conquistas e, apesar das resistências, os Direitos Humanos vão avançando no Brasil. CJ: O senhor, especialista em Teoria do Estado, acha que seria o caso de se pensar em uma “educação política” a ser en-sinada ainda nas escolas, ou o brasileiro conhece seu Estado? DD: Minha opção pela Teoria do Estado decorreu da percep-ção da importância da conjugação do Direito com a Política. Em relação aos brasileiros de modo geral, acho que falta um traba-lho de conscientização, para que todos percebam que a cidadania compreende direitos e responsabilidades, que são de todos e de cada um. Assim, existem milhões de brasileiros que ficam indigna-dos contra a corrupção dos políticos e que, no entanto, vendem ou trocam seu votos por benefícios ou favores pessoais. Muitos po-líticos notoriamente corruptos conseguem amealhar um número elevadíssimo de votos e se reelegem com facilidade. É preciso de-

nunciar o “eleitor ficha suja”, aquele que, em troca de benefícios pessoais, entrega o seu voto a corruptos, assim prejudicando a si próprios e a todo o povo brasileiro. Minha proposta é no sentido de que já no curso básico as crianças recebam aulas de Educação para a Cidadania, despertando-se sua consciência para os direi-tos e também para as responsabilidades sociais, que decorrem do simples fato de que todos os seres humanos vivem em sociedade porque uns precisam dos outros, não havendo ninguém, por mais rico que seja, que não dependa de muitos outros para a satisfa-ção de suas necessidades essenciais. É preciso dar às crianças a consciência de que a boa convivência, solidária e respeitosa, sem discriminações e sem injustiças, é o caminho para uma sociedade de pessoas felizes. CJ: Falando em política, e as recentes manifestações que tomaram conta das ruas nos últimos meses? DD: As manifestações de rua ocorridas nos últimos tempos são reveladoras de descontentamentos, mas têm sido desordenadas, sem objetivos definidos e sem propostas. Tenho dito que o único ponto comum a todas as manifestações é que “todos são a favor do contra”. Juntam-se pessoas que são contra coisas diferentes. Isso não conduz a efetivos avanços e tem sido usado para demons-trações exibicionistas e para a baderna e mesmo para ações cri-minosas. Eu lutei de peito aberto contra a ditadura, nunca usei máscara nem fiquei no anonimato. Acho que os mascarados são de duas categorias: ou covardes ou delinquentes. E isso não con-duz a uma sociedade melhor. CJ: Estamos prestes a completar 12 anos com um mesmo partido no poder. Qual é o balanço que se faz disso? DD: Além de acompanhar o desenvolvimento da vida social no Brasil pela atenção ao noticiário e às informações sobre da-dos sociais, tenho viajado muito pelo Brasil e posso afirmar que avançamos muito, no sentido de redução das desigualdades regio-

nais e sociais. No caso do governo brasileiro acho que a continui-dade trouxe benefícios, pois não foi a continuidade do comando nas mãos de um grupo de privilegiados, mas, de fato, foi a conti-nuidade de políticas sociais benéficas para a construção de uma sociedade mais justa. Os desvios de comportamento podem ser de-nunciados e isso tem acontecido, ficando evidente que tais desvios ocorrem em setores controlados ou utilizados por pessoas ligadas a diferentes partidos. E as próximas eleições serão realizadas com plena liberdade e com igualdade para todas as tendências políti-cas. Estamos caminhando no sentido do aperfeiçoamento do sis-tema político-eleitoral e para isso é fundamental que o povo tenha consciência de seus direitos e de suas responsabilidades.

CJ: E qual é a reflexão que fica, em pontos positivos e nega-tivos, destes 25 anos da Constituição Cidadã? DD: A Constituição de 1988 foi de enorme importância para que muitos brasileiros passassem a acreditar que têm direitos e

que devem e podem exigir que eles sejam respeitados. Um sinal evidente disso é o extraordinário aumento do número de ações ju-diciais. Para isso contribuiu o fato de que houve, realmente, gran-de participação do povo na Constituinte, inclusive com propostas de emenda ao projeto de Constituição. Além disso, tem tido muita importância a ampliação dos meios de reivindicação dos direitos, como a ampliação das competências do Ministério Público e a criação da Defensoria Pública. A rigor, não há pontos negativos

decorrentes da Constituição. O que existe são pontos que ainda estão à espera de aperfeiçoamento, como o sistema representati-vo, devendo-se iniciar um trabalho de informação e conscientiza-ção para uma reforma política, que, a meu ver, deverá incluir a mudança do Legislativo, para implantar no Brasil um Legislativo Unicameral, pois não há, e nunca houve, qualquer justificativa séria para um Legislativo com Câmara dos Deputados e Senado, pois estes, alegadamente, representam os Estados e no entanto o Brasil nunca teve verdadeiros Estados, pois com a proclamação da República as Províncias passaram a chamar-se Estados, não tendo surgido verdadeiros Estados. Além disso, deve-se implantar um sistema de representação distrital, para que haja verdadeira vinculação entre os representantes e os representados. Acrescen-te-se, ainda, a necessidade de financiamento das campanhas elei-torais mediante um fundo público, para que não haja comprado-res de partidos e de mandatários.

CORREIO DA JAQUEIRA ENTREVISTAS ESPECIAIS CORREIO DA JAQUEIRA ENTREVISTAS ESPECIAIS

“É preciso denunciar o ‘eleitor ficha suja’ ”

“Acho que os mascarados são de duas categorias: ou covar-

des ou delinquentes”

“O exercício da advocacia durante a ditadura encontra-

va muitos obstáculos”

“Eu lutei de peito aberto contra a ditadura, nunca

usei máscara nem fiquei no anonimato”

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Entrevistas EspeciaisPedro LenzaAdvogado. Professor de Direito Constitucional. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Correio da Jaqueira: Professor, é notório que o índice de aprovação no Exame da OAB tem sido muito baixo nos últi-mos anos. O senhor acha que estamos atravessando uma crise no ensino jurídico do país? Pedro Lenza: O Concurso da OAB (e preferimos chamar de concurso em razão da complexidade das provas) apresenta-se com nível de dificuldade igual ou superior ao dos concursos pú-blicos em geral e mais exigentes. De fato, o bacharel, para poder advogar, tem que estar bem preparado, o que é uma garantia para sociedade. A democratização do ensino, bem como a sua massi-ficação, conquistas dos tempos modernos, não foi acompanhada pelo manutenção dos padrões de qualidade do ensino, o que, de fato, gerou uma inegável crise, passando a OAB, por meio do exame, a realizar um necessário controle de qualidade. Esse não seria o melhor modelo, pois, a Universidade deveria preparar os seus alunos com o nível de excelência exigido pelo mercado e pela sociedade. CJ: Recentemente, o MEC suspendeu a criação de cursos de Direito até o estabelecimento de novos critérios para a regu-lação desses cursos. O senhor concorda com a medida? PL: Sem dúvida esse é o papel primordial do Estado, esse é o papel do Ministério da Educação, que deve fiscalizar os estabe-lecimentos de ensino. Os alunos são vítimas e o Estado tem que

estar atento para a manutenção apenas das instituições sérias e comprometidas com o desenvolvimento dos seus alunos. Os cursos de direito deverão ter um caráter interdisciplinar. O operador do direito, além do apurado conhecimento técnico da matéria, deve

estar, acima de tudo, inserido na realidade social, devendo ter a exata consciência da responsabilidade política assumida peran-te a sociedade. As Universidades devem, portanto, contribuindo para a implementação da ordem jurídica équa e justa, insculpir na consciência de seus alunos o relevante papel que prestam para a sociedade, despertando a indispensável satisfação do que fazem. O estudo teórico deve estar sempre acompanhado de aspectos práticos e, assim, a importância do estudo dos “cases”, sempre, claro, com a visão crítica que deve reinar durante a formação do aluno.

CJ: Ao mesmo tempo em que, como falamos, o MEC busca limitar a criação às novas Faculdades de Direito, vemos uma expansão muito grande no número de cursos preparatórios. É um sinal do enfraquecimento do ensino nas academias? PL: Não há dúvida que a forte expansão dos cursos prepa-ratórios sinaliza alguma deficiência no ensino nas academias. Nem sempre e necessariamente a formação estará deficiente. Em alguns casos, o problema é a falta de preparação estratégica e focada. CJ: O senhor é professor de uma das maiores redes de en-sino jurídico telepresencial do país, o Damásio. Quais são as vantagens e desvantagens no ensino telepresencial? PL: O ensino telepresencial é uma realidade sem volta. A gran-de vantagem é a possibilidade de uma gigantesca democratização do ensino de qualidade e de ponta. Professores extremamente pre-parados e gabaritados conseguem atingir lugares que, por uma situação de distância e tempo, não poderiam estar presentes. A distância é minimizada pela tecnologia. As redes sociais aproxi-mam os alunos dos professores. Não vejo desvantagens. CJ: Nossa Constituição acabou de completar 25 anos de idade. Qual foi a grande mudança do Direito Constitucional desde 1988 até hoje, em termos de aplicabilidade e efetividade, ensino, pesquisa etc.? PL: Temos que reconhecer que o Direito Constitucional se firmou enquanto ciência. A ultrapassada classificação dicotômica do direito pode ser atribuída a Jean Domat (afastando-se daque-les que a imputam ao Direito Romano), que foi quem separou, pela primeira vez, as leis civis das leis públicas e cuja obra influenciou a elaboração do Código de Napoleão de 1804, despertando a de-nominada “Era da Codificação”, que conferiu ao Código Civil

a natureza de verdadeira “constituição privada”, regulando as relações particulares, as regras sobre família, a propriedade, o estado civil, a capacidade etc., surgindo, então, a ideia do dog-ma da completude, ou seja, de que os Códigos continham toda a

regulamentação das relações privadas, devendo o juiz simples-mente aplicá-las. Essa perspectiva de codificação do direito ci-vil enquanto regulador das relações privadas foi fortalecida pela principiologia do liberalismo clássico, que enalteceu a ideia de liberdade meramente formal perante a lei e de não intervenção do Estado (direitos de primeira “geração”, ou, mais tecnicamente,

de primeira “dimensão”) (absenteísmo estatal, claro que não ab-soluto). Em outro momento, a evolução do Estado liberal para o Estado social de direito fez surgir a necessidade de se reconhecer, ao lado da dicotomia, a categoria dos direitos sociais, cujas nor-mas de direito do trabalho e de direito previdenciário expressa-vam a manifestação de um Estado intervencionista, prestacionista e realizador da chamada justiça distributiva, tendo como marco a Revolução Industrial. O texto de 1988, por sua vez, muito em-bora já tivesse sido insinuado nos textos de 1946 e na Carta de 1967, consagrou a proteção aos direitos de terceira geração ou dimensão, marcados pelo lema da solidariedade ou fraternidade, evidenciando, assim, os direitos transindividuais. CJ: Sabemos que o senhor já veio a Manaus para alguns eventos. Gostou da nossa cidade? Pretende voltar para, quem sabe, dar uma palestra aos acadêmicos de Direito da UFAM? PL: Realmente, estive em Manaus no ano passado (2012), mais precisamente, no dia 09/novembro, para participar, na qua-lidade de palestrante, do Seminário Comemorativo dos 40 anos da PGE. Sem dúvida, fui muito bem recebido. Lembro como se fosse hoje, e com saudades, o carinho de todos, a vontade de saber, a

qualidade dos alunos... Pena que foi muito rápido e não deu para curtir a cidade, apreciar melhor a culinária... Realmente, sinto muitas saudades daquele momento! Se pretendo voltar?! Claro que sim... E poder dialogar com os acadêmicos da UFAM, sem dúvida, será uma grande alegria. CJ: Professor, façamos um breve “pingue-pongue”, respon-da o que primeiro lhe vier à mente: Exame da OAB: uma necessidade. Um jurista: Ada Pellegrini Grinover. Constituição: uma garantia. Um livro: todo aquele que nos faz mudar de vida! Docência: uma paixão. Decência: honestidade, ética e, acima de tudo, humildade. CJ: Caro Professor Lenza, chegamos ao fim de nossa en-trevista. Agradecemos muitíssimo a sua disponibilidade, e es-peramos encontrá-lo em Manaus em breve. Por fim, o senhor pode dar uma palavra aos acadêmicos de nossa Faculdade? PL: Inegavelmente, a grande maioria dos formandos sonha em passar em algum concurso público. Pode fazer uma pesquisa... O número passa de 90%! O cargo público aparece como uma manei-ra de, com esforço próprio e sem depender de “apadrinhamento”, mudar-se de vida. A estabilidade financeira, a remuneração mais digna, a valorização pessoal, a qualidade de vida apresentam-se como atrativos para essa busca heróica. As cobranças são brutais. A sociedade exige, a família muitas vezes não entende, os amigos não compreendem e, nessa realidade, o candidato deve encontrar forças para, além de “vencer” esses nefastos fatores externos, su-perar as dificuldades do concurso. Certamente, a busca por uma carreira que coincida com a vocação de cada um servirá de es-tímulo para que todas essas dificuldades sejam superadas. Dei-xo, então, uma mensagem para os meus amigos “concurseiros”, “guerreiros” da UFAM e de todo o Brasil: sejam sempre fortes! Tenho certeza de que todos podem... Confio plenamente em cada um. Acreditem em si e se concentrem ao máximo nos objetivos. No final, quando olharem para trás e disserem que valeu o esfor-ço, que atingiram o que buscavam, essa alegria, tenham certeza, será a minha maior recompensa, e isso bastará para que eu olhe

para trás e também diga: “Pedro, valeu a pena tanto esforço...”. Agora, vamos à luta. Muito boa sorte no projeto de vida de cada um de vocês. Contem comigo e, para os que vão prestar concursos público, claro, me chamem para a posse!

CORREIO DA JAQUEIRA ENTREVISTAS ESPECIAIS CORREIO DA JAQUEIRA ENTREVISTAS ESPECIAIS

“Temos que reconhecer que o Direito Constitucional se

firmou enquanto ciência. ”

“Poder dialogar com os acadê-micos da UFAM, sem dúvi-

da, será uma grande alegria”

“Não há dúvida que a forte ex-pansão dos cursos preparató-

rios sinaliza alguma deficiência no ensino nas academias.”

“O operador do Direito deve estar inserido na realidade

social.”

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A crise de legitimidade política e as reformas de que o Brasil precisa

Yuri Dantas BarrosoProfessor de Direito Constitucional da Facul-dade de Direito da UFAM.

O Brasil assistiu, em mea-dos deste ano, dependendo do ângulo, com perplexidade, en-tusiasmo, descrédito, crítica, enfim, tudo menos indiferença, a eclosão de várias manifesta-ções populares, primeiro em razão da elevação do preço do transporte público, depois por outros tantos motivos, que, a meu ver, tinham e ainda tem em comum, porque não acabaram, o repúdio à corrupção contu-maz e a quase total ausência de legitimidade da classe política. Em resposta, como que acor-dando de um pesadelo, Execu-tivo e Legislativo encaminha-ram soluções diversas, que, habilmente, tinham como mote dar ao povo o aparente poder de decisão, supostamente colocan-do no controle todos aqueles até então insatisfeitos. O que, devo dizer, e as notícias pare-cem comprovar, nunca passou de retórica. Pois bem. Nessa linha falou-se em plebiscito, referendo e, até mesmo, em constituinte es-pecífica.

No entanto, logo se colocou em xeque a constitucionalidade do processo constituinte, com fortes e corretas críticas dos mais renomados constitucio-nalistas brasileiros, que além de não enxergarem viabilidade alguma na proposta, também não viram necessidade de le-va-la adiante, dada a existência de mecanismos previstos pela Constituição para alteração do seu texto e, mais do que isso, da possibilidade de fazer as reformas necessárias alterando apenas o ordenamento infra-constitucional.

Diferentemente da consti-tuinte específica e do plebis-cito, a proposta de referendo seguiu adiante. Um grupo de trabalho foi criado na Câmara dos Deputados para discutir as bases da reforma política, que será submetida ao crivo popular. Contudo, o que ficar decidido só valerá, segundo os parlamentares, para as eleições de 2018, deixando de fora as eleições do ano que vem e as eleições municipais de 2016, o que me parece acertado e não algo demasiadamente demora-do, afinal, já não há mais tempo para, respeitando o princípio da anualidade da lei eleitoral, pre-visto na Constituição, e consi-derando o ritmo de trabalho do

Congresso, assim como as difi-culdades de realizar a consulta pública em tão pouco tempo, aplicar o novo regramento ao pleito de 2014; ou ainda, fazê-lo valer nas eleições munici-pais, de amplitude demasiada-mente menor. Dito isto, cabe indagar se as propostas até aqui conheci-das resolveriam o problema do país, quais sejam: o financia-mento público de campanha, o fim das coligações proporcio-nais etc. Bem, não há espaço aqui para examinar cada uma delas, mas adianto que nenhu-

ma é capaz, segundo penso, de solucionar nem o problema da corrupção contumaz e nem o da falta de legitimidade da classe política, pontos comuns, con-forme expus no início, da insa-tisfação revelada nos protestos populares. Tomemos como único exem-plo a ideia de financiamento público de campanha. Aqui, o dinheiro para custeá-las viria integralmente dos cofres pú-blicos, o que serviria, penso eu, apenas para oficialmente baratear o custo multimilioná-rio destas empreitadas. Digo oficialmente porque seria tolice imaginar que o financiamento público seria capaz de acabar ou até de dificultar a prática do

“caixa dois”, ou ainda, de afas-tar empresas dispostas a doar sem aparecer. Assim, muito melhor seria dotar as instâncias fiscalizado-ras dos gastos de campanha de mais e melhores instrumentos para o desempenho do ofício que lhes cabe do que exigir de mim e de você, leitor, que financiemos partidos ou ideo-logias com as quais não con-cordamos e, em grande parte, sequer conhecemos. Eu poderia dar outras razões pelas quais não sou particularmente fã da maioria das propostas de mu-dança apresentadas, afinal, honestamente, tenho mais elo-gios do que críticas ao nosso modelo, que me fazem preferir pequenos ajustes ao invés de grandes revoluções. O mesmo não se pode falar do sistema partidário, daí tenho dito que a primeira e mais ur-gente reforma deve ser imposta aos partidos políticos, afinal, para dizer o mínimo: antes de escolhermos em quem votar, os partidos escolhem em quem podemos votar, decisão que tem sido tomada, em regra, com pouco ou nenhum cui-dado, mesmo depois da LC n. 135/2010, que apesar dos de-feitos, possui evidente caráter moralizador. Não há, contudo, nada nesta direção, e os pró-prios partidos (violentamente enxotados dos protestos) têm seguido um caminho cada vez mais pobre de sentido, finalida-de e importância, responsável, penso eu, pelo desparecimento de sua legitimidade e, em con-sequência, da legitimidade da classe política de modo geral.

Perspectiva docenteCORREIO DA JAQUEIRA PERSPECTIVA DOCENTE

Ideias InternacionaisDireito ao meio ambiente

Não tem mais de cinquenta ou sessenta anos a consciência enraizada da necessidade e da possibilidade de intervenções do Estado e da sociedade para defender e preservar o meio ambiente com vista ao equilí-brio entre a natureza e os seres humanos; e, portanto, também a ideia de um Direito ambiental tem uma relativa novidade. Por certo, a ligação do ho-mem à natureza tinha estado presente em todas as épocas duma forma ou doutra; e, so-bretudo desde o século XVI, na poesia, na música, na literatura de viagens, nas utopias, no mito do bom selvagem. No entanto, com reduzida projeção, porque, entretanto, se viria a assistir a fenómenos, sem paralelo em qualquer outra época, de avan-ço científico, de crescimento económico, de descoberta e exploração de novas terras e de recursos tidos por inesgotáveis. Foi só depois da segunda guerra mundial que tudo come-

çaria a mudar, quando, para lá das devastações por ela trazi-das, se tornaram mais patentes os efeitos negativos conjuga-dos da industrialização, da ur-banização e da motorização; e quando se começaram a fazer sentir-se, com mais nitidez, quer a interação dos fatores tec-nológicos e demográficos quer a própria exiguidade e unidade do Planeta. A Conferência de Estocolmo de 1972 representa-ria um marco decisivo. O meio ambiente e os re-cursos naturais vêm, por isso, concitando uma crescente pre-ocupação, pelas ameaças pa-ralelas que vão sofrendo tanto pelo modo de vida das socie-dades ditas desenvolvidas e do homem convertido em consu-midor como pelas situações de carência de sociedades pobres que não conseguem sobreviver sem o recurso à utilização, ou à destruição mesmo, dos fru-tos da natureza de que podem dispor sem intermediários. É o maior problema do século XXI e o Direito interno da maior parte dos Estados e o Direito internacional não o ignoram. Entre os anos 40 e 50 e a pri-meira metade da década de 70 do século passado, as referên-cias constitucionais eram es-cassas e esparsas [por exemplo, o art. 9º da Constituição italiana ou os arts. 48º-A e 51º, alínea g) da Constituição indiana], não apareciam integradas numa visão sistémica e não permi-tiam extrair das normas todas as suas virtualidades (mesmo se já eram múltiplas as medidas legislativas e administrativas tomadas para acorrer a proble-

mas específicos e se havia uma ou outra decisão judicial rele-vante). Uma segunda fase abrir-se-ia com a Constituição portuguesa de 1976, ao consagrar um ex-plícito direito a um ambiente de vida humano, sadio e eco-logicamente equilibrado e o dever de o defender (art. 66º) e ao complementá-lo com um largo espetro de incumbên-cias do Estado e da sociedade e, assim, a inseri-lo no âmbito da Constituição material como um dos elementos da sua ideia de Direito. Muitas outras Cons-tituições adotariam posturas semelhantes [por exemplo, art. 45º da Constituição espanhola, art. 21º da Constituição holan-desa, art. 50º da Constituição iraniana, secção 16, art. 21º da Constituição filipina, arts. 10º, alínea d) e 49º da Constituição de São Tomé e Príncipe, art. 11º da Constituição namibiana, arts. 79º, 80º e 88º da Consti-tuição colombiana, art. 144º, nº 2, alínea e) da Constituição ro-mena, art. 38º da Constituição russa, arts. 45º, alínea f), e 90º da Constituição moçambicana, Carta Francesa do Meio Am-biente de 2008, etc.]. Uma terceira fase dir-se-ia surgir com a Constituição bra-sileira de 1988, ao impor ao poder público e à coletividade o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225º). E ela seria seguida pela Consti-tuição sul-africana (art. 24º), pela Constituição portuguesa após 1997 [art. 66º, nº 2, alínea d)], pela Constituição polaca de 1997 (art. 74º), pela Cons-

tituição alemã após 2002 (art. 20º-A), pela Constituição vene-zuelana (art. 127º), pela Consti-tuição timorense (art. 61º, nº 1), pela Carta Francesa do Meio Ambiente de 2008, pela Consti-tuição angolana (art. 39º, nº 2). Referências a desenvolvimento sustentável e a renovação de recursos naturais encontra-se também não só na Constituição portuguesa15 e na carta france-sa mas também na Constituição cabo-verdiana [art. 73º, nº 2, alínea a)], na polaca (art. 5º) e na húngara (art. O, nº 2). De realçar ainda a presença de divisões sistemáticas autó-nomas nos textos constitucio-nais brasileiros e colombiano (aqui, sob a rubrica de direitos coletivos e do ambiente); ou a exigência de estudos de impac-te ambiental e a obrigação de aqueles que explorem recursos minerais recuperarem o am-biente, na Constituição brasi-leira. Não menos importante se vai entremostrando o tratamento jurídico-internacional do meio ambiente. Importa, por isso, sublinhar que não é possível pensar e resolver os problemas do ambiente sem uma constan-te, intensa e sincera cooperação internacional. Mas falta ainda um longo caminho a percorrer, submetendo os grandes inte-resses económicos e os egoís-mos nacionais ao bem comum universal – porque, retomando palavras do Papa Paulo VI na encíclica Populum Progressio, o desenvolvimento integral do homem implica, exige, o de-senvolvimento solidário da hu-manidade.

CORREIO DA JAQUEIRA IDEIAS INTERNACIONAIS

Prof. Dr. Jorge MirandaProfessor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

AVISO: Em razão das limitações tipográficas deste jornal, o presente artigo foi apenas parcialmente reproduzido, com supressão de notas de rodapé e trechos relevantes, e sua leitura na íntegra pode ser feita no site do Correio da Jaqueira.

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