correcção - teste direito comercial ii

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1 Faculdade de Direito de Lisboa Direito Comercial II Turma B Teste escrito 11 de Junho de 2013 I. Caso prático: 1. No Conselho de Administração da sociedade Água Seca, SA, foi proposto: (a) Constituir uma sociedade anónima cujo único sócio inicial seria a própria Água Seca, SA, com o capital de €10 milhões, que seria realizado com o trespasse do Departamento de Informática da Água Seca, SA, denominada Água Seca - Informática, SA, tendo por objecto a prestação de serviços de informática; (b) Logo em seguida à constituição e registo, as ações da Água Seca - Informática, SA, seriam adquiridas pelo seu valor nominal pelos seus actuais accionistas na proporção das suas actuais participações. 2. Votaram a favor quatro dos cinco Administradores, tendo o quinto, António Águas, declarado na ata que não tinham sido feitos quaisquer estudos prelimina- res da viabilidade desta operação, que a deliberação beneficiava os accionistas em detrimento da sociedade Água Seca, SA, e que não queria vir a ser responsa- bilizado por ela, pelo que iria impugná-la. 3. A accionista Choupos Verdes, SA, requereu a convocação duma assembleia geral extraordinária de Água Seca, SA, com um único ponto na ordem de trabalhos: deliberar sobre a invalidade, por abusiva, daquela deliberação do Conselho de Administração de Água Seca, SA. Nesta assembleia propôs a declaração de nulidade e ineficácia daquela deliberação por abuso do direito, com invocação do art. 334º do Código Civil “e do mais aplicável”; propôs ainda a destituição e responsabilização dos administradores de Água Seca, SA, que haviam votado favoravelmente. 4. António Águas, por sua vez, requereu directamente no Tribunal do Comércio a declaração de nulidade da aludida deliberação por constituir uma cisão, em fraude à lei, com violação indirecta do respectivo regime legal que deste modo “é ilicitamente contornado”. Previamente requereu ainda a suspensão da mesma deliberação social. 5. Na assembleia geral, Choupos Verdes, SA, pretendeu que os demais acionistas não fossem admitidos a votar por se encontrarem em conflito de interesses, e estes propuseram a exclusão da accionista Choupos Verdes, SA, da sociedade Água Seca, SA, com fundamento em violação do dever de lealdade, por compor- tamento agressivo e gravemente lesivo do interesse social e por se comportar como um sócio corsário. Diga, fundamentando, o que se lhe oferecer sobre este caso.

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    Faculdade de Direito de Lisboa

    Direito Comercial II Turma B

    Teste escrito 11 de Junho de 2013

    I. Caso prtico:

    1. No Conselho de Administrao da sociedade gua Seca, SA, foi proposto:

    (a) Constituir uma sociedade annima cujo nico scio inicial seria a prpria gua

    Seca, SA, com o capital de 10 milhes, que seria realizado com o trespasse do Departamento de Informtica da gua Seca, SA, denominada gua Seca -

    Informtica, SA, tendo por objecto a prestao de servios de informtica;

    (b) Logo em seguida constituio e registo, as aes da gua Seca - Informtica,

    SA, seriam adquiridas pelo seu valor nominal pelos seus actuais accionistas na

    proporo das suas actuais participaes.

    2. Votaram a favor quatro dos cinco Administradores, tendo o quinto, Antnio guas, declarado na ata que no tinham sido feitos quaisquer estudos prelimina-

    res da viabilidade desta operao, que a deliberao beneficiava os accionistas

    em detrimento da sociedade gua Seca, SA, e que no queria vir a ser responsa-

    bilizado por ela, pelo que iria impugn-la.

    3. A accionista Choupos Verdes, SA, requereu a convocao duma assembleia geral extraordinria de gua Seca, SA, com um nico ponto na ordem de

    trabalhos: deliberar sobre a invalidade, por abusiva, daquela deliberao do

    Conselho de Administrao de gua Seca, SA. Nesta assembleia props a

    declarao de nulidade e ineficcia daquela deliberao por abuso do direito,

    com invocao do art. 334 do Cdigo Civil e do mais aplicvel; props ainda a destituio e responsabilizao dos administradores de gua Seca, SA, que

    haviam votado favoravelmente.

    4. Antnio guas, por sua vez, requereu directamente no Tribunal do Comrcio a declarao de nulidade da aludida deliberao por constituir uma ciso, em

    fraude lei, com violao indirecta do respectivo regime legal que deste modo

    ilicitamente contornado. Previamente requereu ainda a suspenso da mesma deliberao social.

    5. Na assembleia geral, Choupos Verdes, SA, pretendeu que os demais acionistas no fossem admitidos a votar por se encontrarem em conflito de interesses, e

    estes propuseram a excluso da accionista Choupos Verdes, SA, da sociedade

    gua Seca, SA, com fundamento em violao do dever de lealdade, por compor-

    tamento agressivo e gravemente lesivo do interesse social e por se comportar

    como um scio corsrio.

    Diga, fundamentando, o que se lhe oferecer sobre este caso.

  • 2

    II. Questes tericas:

    Responda a duas das trs questes seguintes:

    1. Distinga prestaes suplementares, prestaes acessrias e suprimentos.

    2. Os actos praticados pelos administradores em nome da sociedade, mas fora do seu objecto social, so ilcitos, nulos ou anulveis e qual o seu regime legal?

    3. O capital social constitui garantia dos credores da sociedade?

    Tempo: 120 minutos.

    Cotao: caso prtico: 10 valores; questes tericas: 5 valores cada uma (a qualidade da

    exposio e da argumentao pode contribuir para elevar ou reduzir at 1 valor).

    TPICOS DE CORRECO

    I. Caso prtico (10 valores)

    Anlise da proposta de deliberao do Conselho de Administrao

    Ciso?

    Ciso simples (artigo 118./1/a) CSC) e parcial, na medida em que apenas parte do patrimnio destacado, dando causa constituio de uma nova sociedade (a gua

    Seca Informtica, S.A.), detida a 100% pela gua Seca, S.A, situao admitida pelo artigo 488./1 CSC, preceito que permite o domnio total inicial, consagrando um desvio

    ao princpio vertido no artigo 273./1 CSC. Nos termos do artigo 124./1/b) CSC, o

    departamento de informtica, enquanto unidade econmica, tratava-se de um elemento

    licitamente destacvel.

    Cabe notar que esta ciso, enquanto alterao do contrato de sociedade, da competncia da Assembleia Geral (artigo 246./1/i) CSC) (ideia reforada pelos artigos

    119. e 406./ m) CSC, que apenas atribuem competncia ao Conselho de Administrao

    para elaborao e apresentao do projecto de ciso sic et simpliciter e no para

    aprovao da ciso), nos termos dos artigos 102. e 103. CSC ex vi 120. CSC. Acresce

    que para a realizao da ciso simples, poderia ser ainda necessria a reduo do capital

    social da gua Seca, S.A. (artigo 123./1/a) CSC).

    In casu, fraudulentamente, os administradores, ao abrigo das competncias atribudas pelo artigo 406., efectuam um trespasse, de modo a encobrir a ciso, pelo

    que tem de se aferir da validade desta deliberao fraudulenta (cfr. infra).

    No fosse a existncia de uma ciso, este destaque de patrimnio configuraria apenas uma entrada em espcie (que dever seguir o regime do artigo 28. CSC).

  • 3

    Contudo, sendo uma ciso simples parcial, aplica-se o regime especfico de

    identificao e avaliao dos activos (incluindo eventualmente passivo) a transmitir

    (artigo 119./d) CSC), que tambm exigia a interveno do rgo de fiscalizao da

    sociedade e de um auditor independente.

    Transmisso das aces?

    De acordo com o regime supletivo, para tutela da sua posio relativa, os scios da gua Seca, S.A. (sociedade cindida) participaro ab initio na gua Seca Informtica, S.A. (nova sociedade) na proporo que lhes caiba na gua Seca, S.A.

    (artigo 127. CSC, cuja aplicao aos outros tipos de ciso defendida por alguns

    autores, bem como artigo 129./2 CSC). Neste sentido, cfr. o disposto no artigo 119./f)

    CSC.

    Desta forma, s na eventualidade de existir o consentimento de todos os scios da gua Seca, S.A., poderia ser apenas esta deter a 100% a nova sociedade e, mais

    tarde, transmitir as aces da nova sociedade aos scios.

    O facto de a accionista originria ter sido apenas a gua Seca, S.A. um indcio da ciso fraudulenta referida supra. Por outro lado, nos termos do artigo 129./2 CSC, o

    valor nominal da participao dos scios da sociedade cindida no pode ser superior ao

    valor dos bens destacados. In casu, atendendo ao valor exorbitante do capital social, era

    verosmil que esta proibio tambm estivesse a ser contornada, situao que obriga a

    ter de ponderar eventuais vantagens que os scios obtenham atravs da aquisio pelo

    respectivo valor nominal (caso este seja inferior ao valor real da sociedade).

    Deliberao do Conselho de Administrao da gua Seca, S.A.

    Qurum deliberativo (artigo 410./4 CSC) estava verificado, devendo as deliberaes ser tomadas por maioria dos votos dos administradores presentes ou

    representados (artigo 410./ 7 CSC), o que tambm sucedeu.

    Quanto ao contedo da deliberao, uma vez que no se indica se houve lugar a convocatria e que a matria objecto da deliberao da competncia do Conselho de

    Administrao (artigo 406. CSC), ter, primacialmente, de se aferir se estamos perante

    um caso de votos abusivos, i.e., de situaes em que ocorre um conflito de interesses

    com a sociedade ou atravs dos quais os administradores tem procurado obter efeitos

    estranhos ao prprio sentido da deliberao. Mais concretamente, aferir do vcio de voto

    abusivo.

    Para que no fosse responsabilizado civilmente pela deliberao do Conselho de Administrao, bastava a Antnio guas fazer lavrar, no prazo de 5 dias, a sua

    declarao de voto de vencido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo

    72./3/4 CSC, no sendo necessria a impugnao daquela.

    Arguio da invalidade da deliberao do Conselho de Administrao da gua Seca, S.A.

    No que diz respeito convocatria da Assembleia Geral, mister referir que esta pode ser convocada a requerimento de qualquer administrador ou de qualquer accionista

    com direito de voto, pode declarar a nulidade ou anulao das deliberaes no prazo de

    um ano a contar do conhecimento da irregularidade (mas nunca depois de 3 anos aps a

    deliberao), nos termos do disposto no artigo 412./1 CSC.

  • 4

    No que concerne proposta, no decurso da Assembleia Geral, de destituio e responsabilizao dos administradores, a situao prevista no caso era a oposta da

    regulada no artigo 412./2 CSC, uma vez que o que no constava da convocatria era a

    destituio e responsabilizao de administradores (problema de direito a informaes

    preparatrias da Assembleia Geral). No se tratava de um aditamento nos termos do

    artigo 378. CSC. O Presidente da Mesa devia recusar a incluso desse assunto, sob

    pena de nulidade da deliberao, porque se trataria de uma deliberao sobre pontos

    para que a assembleia no foi convocada (artigo 56./1/a) CSC), salvo presena de todos

    os scios (ainda que representados) na Assembleia Geral.

    Anlise da argumentao da accionista Choupos Verdes, S.A.

    Deliberao do Conselho de Administrao abusiva?

    Cabe notar que o catlogo de nulidades do artigo 411./1 CSC no se refere expressamente ao voto abusivo ( imagem do que sucede, alis, no artigo 56./1 CSC,

    relativo nulidade das deliberaes dos scios).

    Relevncia da distino entre deliberao abusiva e voto abusivo/votos inocentes.

    O artigo 411./3 CSC abre, no entanto, a possibilidade de arguir a anulabilidade nos casos em que ocorra violao de disposies legais (e da mesma no caiba

    nulidade). Ser, pois, necessrio aferir da possibilidade de, imagem do que sucede no

    artigo 58./1/b) CSC (relativo a deliberaes dos scios), arguir o vcio do voto abusivo.

    Tradicionalmente, o vcio do voto abusivo encarado como uma transposio do regime do abuso de direito previsto no artigo 334. do CC (assim, por exemplo, Brito

    Correia). De acordo com Pedro Pais de Vasconcelos, tal transposio infundada, dado

    que o CSC no se refere (i) contrariedade manifesta boa f, (ii) aos bons costumes,

    ou (iii) ao fim social e econmico do direito de voto. Assim, a mesma dever ser lida de

    acordo com a bitola plasmada no artigo 58./1/b) CSC. J as deliberaes que incorrem,

    nos termos gerais, em abuso de direito, sero anulveis por via do artigo 58./1/a) CSC.

    Referncia aos vrios requisitos de aplicao do artigo 58./1/b) CSC e distino entre a desfuncionalizao do voto (que era equacionvel, in casu) e a emulao do

    voto. Relevncia da prova de resistncia estabelecida no artigo 58./1/b) in fine CSC.

    Destituio e responsabilidade civil dos administradores?

    Referncia ao regime da destituio de administradores (artigo 403. CSC), referindo a natureza do vnculo do administrador, salientando-se que a justa causa (artigo 403./4 CSC), para efeitos de destituio, no pode ser confundida com a

    justa causa de despedimento. De qualquer modo, haveria que referir se estamos

    perante um estatuto de pendor legal ou contratual, de modo a aferir da coerncia

    discursiva do aluno.

    Distino entre deveres gerais e deveres especficos dos administradores. In casu, aluso ao dever de lealdade, previsto no artigo 64./1/b) CSC. Anlise da

    responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade, nos termos do artigo

    72./1. Referncia eventual aplicao da business judgement rule (artigo 72./2 CSC) e

    consequncias dessa aplicao.

    Conflito de interesses e impedimento de voto dos demais scios?

  • 5

    O CSC inibe o exerccio do direito de voto pelo scio que esteja em situao de conflito de interesses com a sociedade. O scio pode, apenas, participar na assembleia,

    intervir e discutir, estando inibido de votar (artigo 384./6 CSC).

    O conflito de interesses caracteriza-se pela possibilidade de o scio ficar satisfeito com o prejuzo para a sociedade (Raul Ventura; Pedro Pais de Vasconcelos).

    Cabe notar que a inibio no carece da existncia efectiva do conflito de interesses,

    bastando, apenas, a mera possibilidade de o mesmo sobrevir. Relevar, apenas, o

    interesse objectivo em presena.

    Caso exista conflito de interesses, a deliberao da Assembleia Geral no ser invlida, pois a proibio legal comina o voto enquanto acto jurdico e no a

    deliberao. Assim, o voto ser nulo e no deve ser contado no apuramento/verificao

    da maioria necessria (Pedro Pais de Vasconcelos). In casu, seria necessria maioria

    simples (artigo 386./1 CSC), salvo se os estatutos da sociedade dispusessem em sentido

    contrrio, tendo, obrigatoriamente, de ser observado o qurum deliberativo previsto no

    artigo 383./1 CSC (tambm neste caso, salvo se os estatutos dispusessem em sentido

    diferente).

    Anlise das pretenses dos demais accionistas contra a Choupos Verdes, S.A.

    Scio corsrio?

    Referncia figura do scio corsrio, i.e., scio com posio minoritria e que levanta problemas com o fim de persuadir a sociedade ou os demais scios a adquirirem

    a sua parte social por um preo mais elevado do que aquele que pagou (Pedro Pais de

    Vasconcelos). Esta um caso de deslealdade tpico que justifica, no caso de sociedades

    annimas, a indemnizao pelos danos por causado por este scio, dado que est

    afastada a possibilidade de excluso (cfr. ponto seguinte).

    Excluso de scios?

    A excluso de scios, i.e., a sada do scio de uma sociedade, em regra por iniciativa desta e por ela e/ou pelo decidida tribunal, com fundamento na lei ou

    clusula estatutria, est especialmente prevista no CSC apenas para as SENC

    (artigo 186., aplicvel tambm s sociedades em comandita simples artigo 474. CSC) e para as SQ (artigos 241. e 242. CSC).

    Destarte, ser foroso equacionar a aplicao da figura jurdica de excluso do scio, prevista no artigo 242./1 CSC, para as SAs. Cabe notar que para Pedro Pais de Vasconcelos, a aplicao analgica do regime da excluso de scio a SAs deve ser rejeitada, dado que nestas o relacionamento inter-societrio assume menor

    relevncia, restringindo-se as consequncias responsabilidade civil. Nada obsta,

    contudo, a que a excluso do scio numa SA possa ser estipulada nos estatutos,

    sendo um desvio pessoalista em relao ao tipo.

    Neste caso, conquanto o artigo 20. CSC no refira o dever de lealdade como uma obrigao do scio, a exigncia de ponderao entre o interesse da sociedade e

    os interesses prprios do scio implicam que, sempre que possvel, esta coliso de

    interesses seja compatibilizada (Pedro Pais de Vasconcelos).

    Aco intentada por Antnio guas

  • 6

    De acordo com Raul Ventura, qualquer interessado pode recorrer, nos termos gerais, via judicial para obter a anulao ou a declarao de nulidade de deliberaes

    do Conselho de Administrao. Todavia, para Pedro Pais de Vasconcelos, tal ser

    vedado: a invocao tem de ser feita perante a Assembleia Geral, s ento,

    subsidiariamente, se podendo recorrer para os tribunais do que esta vier a decidir.

    Apresentao dos argumentos contra e a favor desta posio, com referncia posio

    do Tribunal Constitucional. Nesta perspectiva, a suspenso da deliberao do Conselho

    de Administrao no procede.

    II. Questes tericas (5 valores cada questo)

    1. Distinga prestaes suplementares, prestaes acessrias e suprimentos.

    Em comum quanto s prestaes suplementares (PS), prestaes acessrias (PA) e suprimentos (Sup): integram a constituio financeira (superveniente) da sociedade

    por scios. Importncia da noo de contribuio na qualidade de scio, para distino face aos emprstimos comuns dos scios.

    Distino entre PS, PA e Sup, contextualizando os conceitos de capital prprio, capital alheio e quase-capital/capital hbrido:

    (a) Regime: PS artigos 210. ss. CSC, s previsto para SQ. Exposio de argumentos contra e a favor da aplicao das PS s SAs. / PA artigos 209. e 287. CSC, previstas tanto para SQ como para SA. Aplica-se a regulamentao legal do

    contrato tpico a que corresponde a obrigao. / Sup artigos 243. ss., previsto apenas para SQ, embora a generalidade da doutrina admita a sua aplicabilidade s SAs. Exposio de argumentos contra e a favor da referida analogia.

    (b) Fonte: PS obrigao de realizao deve resultar dos estatutos (originrios ou alterados), dependendo sempre de deliberao ulterior dos scios (artigos 210./1 e

    211./1 CSC). Para Pedro Pais de Vasconcelos, os scios podem sempre deliberar em

    Assembleia Geral a chamada de prestaes suplementares espontneas, devendo ser

    qualificadas como tal na referida deliberao, sob pena de serem consideradas

    liberalidades ou suprimentos. / PA obrigao de realizao deve resultar dos estatutos (originrios ou alterados) (artigos 209./1 e 287./1 CSC). / Sup obrigao de realizao resulta da celebrao de contrato entre scio e a sociedade; em regra, no

    depende de deliberao dos scios (artigo 244./3); aluso s caractersticas e natureza

    do contrato celebrado entre scio/sociedade. Desenvolvimento da noo de carcter de permannciae seus ndices.

    (c) Objecto: PS dinheiro (artigo 210./2 CSC). / PA podem ser pecunirias ou no pecunirias (artigos 209./2 e 287./2 CSC). Referncia posio de Pedro Pais de

    Vasconcelos e Rui Pinto Duarte, que defendem interpretao restritiva dos referidos

  • 7

    artigos, de modo que excluam do seu objecto dinheiro. / Sup dinheiro ou outra coisa fungvel (artigo 243./1 CSC).

    (d) Remunerao: PS no podem ser remuneradas (artigo 210./5 CSC) / PA pode convencionar-se a remunerao (artigos 209./3 e 287./3 CSC) / Sup pode convencionar-se a remunerao (artigo 243./1 CSC)

    (e) Regime de restituio: PS desde que (i) situao lquida no se torne inferior soma do capital social e da reserva legal; (ii) no tenha sido declarada a

    insolvncia da sociedade; (iii) haja deliberao dos scios; (iv) scio tenha realizado a

    totalidade da sua entrada (artigo 213. CSC). / PA depende do regime jurdico aplicvel, que deve ser aferido in casu. / Sup anlise das condies de reembolso do artigo 245. CSC, em especial, o disposto nos n. 1 e 2.

    (f) Incumprimento pela no realizao: PS perda, total ou parcial, da quota e eventual excluso da sociedade (artigos 212./1, 204. e 205. CSC) / PA sanes que no afectam a posio de scio: no leva perda da participao social, nem excluso

    do scio, salvo se convencionado nos estatutos (arts. 209./4, 287./4 CSC). / Sup sanes que no afectam a posio de scio: no leva perda da participao social,

    nem excluso do scio, salvo se convencionado nos estatutos (artigos 209./4, ex vi

    artigo 244./1).

    2. Os actos praticados pelos administradores em nome da sociedade, mas fora do seu objecto social, so ilcitos, nulos ou anulveis e qual o seu regime

    legal?

    Distino entre actos praticados fora da capacidade e fora do objecto social. Rejeio da teoria dos actos ultra vires na sua verso originria (em que o objecto social

    limita a capacidade da sociedade comercial).

    Fora da capacidade: Discusso doutrinria (referncia s doutrinas anglo-saxnicas, germnicas e portuguesas) sobre capacidade genrica ou capacidade

    limitada das sociedades, com explicao dos argumentos mais relevantes. Em especial,

    referncia ao conceito e relevncia de fim, no contexto do artigo 6./1 CSC e do artigo

    9. da Primeira Directiva. Relevncia (i) do princpio da especialidade e (ii) das

    limitaes extrnsecas capacidade (artigo 6./1, in fine CSC).

    Consequncia da falta de capacidade (seja esta limitada pelo fim da sociedade ou extrinsecamente): (i) nulidade por impossibilidade legal ou por violao de normas

    injuntivas (embora nem todas as normas injuntivas determinem a incapacidade da

    sociedade); (ii) consequentemente, a sociedade no fica vinculada perante terceiros; (iii)

    responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade (no sendo aplicvel a

    excluso contida no artigo 72./5 CSC).

    Fora do objecto social: artigos 192. (SENC), 260. (SQ) e 409. (SA), todos do CSC. Capacidade da sociedade como pressuposto de aplicao das referidas normas.

    Noo de dentro dos poderes que a lei lhes confere (artigos 260./1 e 409./1 CSC).

    Interpretao extensiva para proteco de terceiros. Noo de objecto social (artigo 11.

    CSC).

    Consequncias da prtica de actos fora do objecto social:

    (a) SQ e SA (i) acto vlido e eficaz, mas ilcito; (ii) a sociedade est vinculada perante terceiros, salvo m-f destes (artigos 260./2 e 409./2 CSC); conceito de m-f

    e mbito de aplicao da excepo. Se existncia de m-f, ineficcia do acto.

    Relevncia da ratificao por deliberao dos accionistas; (iii) responsabilidade civil

  • 8

    dos administradores perante a sociedade (artigo 6./4 CSC), salvo deliberao dos

    accionistas (com eventual aplicao da excluso contida no artigo 72./5 CSC).

    (b) SENC (i) acto ineficaz (artigo 192./2/3/4 CSC), pelo que pode ser impugnado pela sociedade, se esta no o tiver confirmado; (ii) responsabilidade civil

    dos administradores perante a sociedade (artigo 6./4 CSC), salvo deliberao dos

    accionistas.

    Explicao desta diferena de regime entre SENC e SQ/SA.

    3. O capital social constitui garantia dos credores da sociedade?

    Noo: cifra representativa, expressa em moeda com curso legal em Portugal, da soma do valor nominal das participaes sociais (artigo 14. CSC) o que difere da soma do valor das entradas, dado que estas podem integrar tambm o gio ou prmio

    de emisso.

    Distino entre capital social e patrimnio social: s o patrimnio social, enquanto garantia geral dos credores da sociedade (artigo 601. CC), uma realidade

    tangvel, porque integrado por uma concreta massa de bens penhorveis (salvo regras

    especficas de impenhorabilidade), continuamente varivel na sua composio e

    montante. O capital social, diversamente, um simples nomen iuris, uma mera cifra (e,

    como tal, impenhorvel) que, para alguns tipos societrios, deve constar do pacto social

    (artigo 9./1/f) CSC).

    Funes: referncias s (a) funes internas: (i) funo de organizao (determinao da posio jurdica dos scios); (ii) funo de financiamento; (b) funes

    externas: (i) funo de avaliao econmica da sociedade; (ii) funo de garantia.

    Funo de garantia: a verdadeira garantia geral o patrimnio social (porque penhorvel). Contudo, o capital social tem uma funo de garantia com base no

    princpio da integralidade e no princpio da intangibilidade do capital social.

    Referncia noo de capital social real (caso em que o capital social funciona [para

    scios, no para terceiros] como limite mnimo em relao ao valor de activos que

    integram o patrimnio social, impedindo a sua devoluo aos scios). Aluso, no

    contexto da intangibilidade do capital social, distino entre capital prprio e capital

    alheio.

    Manifestaes da funo de garantia: (i) proibio de realizao de entradas abaixo do par (artigo 25./1 CSC); (ii) proibio da extino da obrigao de entrada por

    compensao (artigo 27./5 CSC); (iii) proibio de distribuio de lucros com

    desrespeito da manuteno do capital social real (artigo 33. CSC), com aplicao

    paralela no reembolso aos scios de contribuies constitutivas de capital prprio,

    como sucede com a restituio de prestaes suplementares (artigo 213. CSC); (iv) a

    imposio da constituio de reservas legais e a possibilidade de se convencionar a

    constituio de reservas estatutrias; (v) na reduo de capital exorbitante, referncia

    imposio de a situao lquida da sociedade ficar a exceder o novo capital em, pelo

    menos, 20% (artigo 95./1 CSC).

    (Eventual) enfraquecimento da funo de garantia: referncia (i) ao papel e funes do capital social no regime das aces sem valor nominal; (ii) aos casos em que

    o capital social no obrigatrio (SENC); (iii) ao papel e funes do capital social nas

    SQ, quando estas tenham apenas o capital social mnimo (artigos 201. e 219./3 CSC);

    (iv) aos casos de operaes acordeo em que se permite a reduo do capital abaixo do

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    capital social mnimo (ou mesmo a reduo do capital a zero); (v) aos casos de perda

    grave do capital social (artigo 35. CSC); (vi) inexistncia de normas impositivas de

    realizao de operaes de aumento/reduo do capital social, sempre que exista um

    desfasamento manifesto entre o valor do capital social e o patrimnio social.