corpo do livro

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Este é um trabalho baseado em lembranças verdadeiras que marcaram positivamente a minha infância e, consequentemente, fizeram de certa forma com que eu me tornasse o que sou hoje, onde tento passar àqueles que se dispuserem a lê-lo as coisas boas que me fizeram feliz quando criança, dando-me como resultado uma cabeça capaz de suportar as agruras da vida sem vir a pirar. Pelo o que eu tenho observado neste mundo de tristezas e alegrias, as pessoas que mais suportam as dores que os percalços da vida trazem em seu bojo, são as pessoas que tiveram uma infância cheia de amor. Sem castrações, porém equilibrada a partir dos esclarecimentos por parte dos seus pais ou responsáveis sobre as coisas que poderiam fazer sem que tivessem, como consequência, algo que não gostaria. E diante dessa liberdade que não dava qualquer direito à libertinagem, cresci observando a beleza das coisas simples e me maravilhando com elas, de forma que até hoje guardo, dentro de mim, os momentos de prazer que nos proporcionava aquela vida na qual nenhum dos seus componentes, ou seja, nenhuma daquelas pessoas que participaram da minha infância, de um modo geral, sonhava com muito mais do que tinha. Éramos felizes. O que tínhamos que era quase nada em termo de conforto e posses, nos 4

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Page 1: Corpo do livro

Este é um trabalho baseado em lembranças verdadeiras que marcaram

positivamente a minha infância e, consequentemente, fizeram de certa forma com que

eu me tornasse o que sou hoje, onde tento passar àqueles que se dispuserem a lê-lo as

coisas boas que me fizeram feliz quando criança, dando-me como resultado uma cabeça

capaz de suportar as agruras da vida sem vir a pirar.

Pelo o que eu tenho observado neste mundo de tristezas e alegrias, as pessoas

que mais suportam as dores que os percalços da vida trazem em seu bojo, são as pessoas

que tiveram uma infância cheia de amor. Sem castrações, porém equilibrada a partir dos

esclarecimentos por parte dos seus pais ou responsáveis sobre as coisas que poderiam

fazer sem que tivessem, como consequência, algo que não gostaria.

E diante dessa liberdade que não dava qualquer direito à libertinagem, cresci

observando a beleza das coisas simples e me maravilhando com elas, de forma que até

hoje guardo, dentro de mim, os momentos de prazer que nos proporcionava aquela vida

na qual nenhum dos seus componentes, ou seja, nenhuma daquelas pessoas que

participaram da minha infância, de um modo geral, sonhava com muito mais do que

tinha. Éramos felizes. O que tínhamos que era quase nada em termo de conforto e

posses, nos bastava. E a Natureza, com toda a sua beleza, proporcionava-nos a

completude do nosso Ser.

E é com a mente repleta de amor que eu tento passar, a todos aqueles que

estiverem dispostos a ler este trabalho desprovido de grandes pretensões, as minhas

lembranças que foram a base da formação de mim mesma.

Brincando de roda, de anel, de boneca,

Aquelas crianças levadas da breca

Levavam a vida, felizes, a pular.

Estórias de alma ouviam a tremer:

Corações pulsando no peito, a bater,

Sem fechar os olhos – sem pestanejar.

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Page 2: Corpo do livro

Rosto lambuzado; olhos a sorrir;

Roupa remendada, rota e sem rirri1,

Sem nada pedir – nada a lhes faltar.

Doces corações prenhes de amor:

Não conhecem o ódio, a guerra, o horror,

Vivem! Tão só vivem! Sem nada almejar.

O Céu, para eles, está sempre azul!

O respeito é mútuo: velho ou novo... é tu.

Felizes! Libertos! Nada os faz parar.

E lhes digo a verdade:

Morro de saudades daquele lugar!

1 rirri – o mesmo que zíper (no Nordeste do Brasil).5

Page 3: Corpo do livro

AS PRIMEIRAS LEMBRANÇAS

As árvores cobriam o caminho deixando que o luar atravessasse as brechas

entre a folhagem e formasse belíssimos desenhos na areia branca da beira do rio, que

mais parecia uma renda daquelas que Sinhá Porcina fazia na sua almofada de bilros e

que eu tanto admirava. Eram desenhos perfeitos.

Eu me encolhia toda, com medo das almas penadas que pudessem estar no

mourão2 da velha porteira que dava passagem na divisa das terras dos Davi e dos

“Cabeludos”, como, também, por trás do velho tronco de cajueiro que extremava as

duas terras e nos seus galhos recobertos com pimenta-do-reino, e procurava ir sempre

no meio da fila indiana que se formava devido a pequena largura dos caminhos que

ligavam os pequenos casebres daquele lugarzinho aconchegante, pelo menos para mim,

que reunia seus moradores no meio da rua, se é que se pode chamar aquilo de rua, que

era o caminho principal que servia aos tropeiros viajantes e aos feirantes que se

deslocavam dos pequenos lugarejos para as cidades mais próximas em dias de feira, e,

se noite de lua, contavam piadas picantes que eu mal entendia ou não entendia nada;

estórias de lobisomem; de mula-sem-cabeça, das quais saía um fogo enorme do

pescoço, e que seriam almas penadas de mulheres que tiveram algum caso amoroso com

padres; da cobra preta, um demônio em forma de cobra que atacava as mulheres e as

engravidavam (sempre mulheres casadas em quem o marido depositava toda a sua

confiança); da “caipora”, que tinha de ser chamada de “dona fulôzinha” e que lhe

oferecer sempre uma “peia de fumo” para que ela não surrasse o caçador, sem que ele a

pudesse ver, portanto sem nenhuma defesa, com os seus longos cabelos, e permitisse

que o mesmo adentrasse o mato e pudesse caçar sem a sua intervenção.

As estórias iam sendo desfiadas noite adentro. Quanto mais pavorosas, mais

emocionantes. Mas, ao sair dali, nenhuma das crianças queria ir atrás ou à frente da fila.

E arrepiados de medo não olhavam nem para trás nem para os lados. Mudas de terror. E

ao chegarem em casa, mal jogavam um pouco d’água nos pés para tirar o excesso de

areia, jogavam-se na rede já armada e cobriam-se com o velho lençol engendrado com

dois sacos de algodão cru, daqueles que serviam para o transporte do açúcar que era

22 Mourão – estacas grossas de madeira nas se fixam as porteiras ou cancelas (Nordeste do Brasil).6

Page 4: Corpo do livro

pesado em arrobas, ensacado e vendido a granel (100, 200, 300 gramas, meio quilo...) e

que era mais encorpado que o saco de sal, fechavam os olhos com força e tentavam

dormir o mais rápido possível para fugir ao terror das personagens mitológicas

inculcadas em suas mentes jovens pelos mais antigos. Sonhavam com monstros míticos

que se modificavam, fugindo à sua originalidade, ao lhe serem acrescidas partes que

aquelas mentes jovens e criativas lhes davam durante o sonho. Mas, amanhã seria outro

dia! E o sol, certamente, espantaria todas as imagens monstruosas que a noite trouxera.

As árvores copadas de verde esmeralda

cobrindo o caminho deixava-o rendado

qual renda de bilro, formando um bordado

na areia branquinha da trilha minguada

da beira do rio, ora iluminada

pela lua cheia que vem ofertar

no início da noite seu belo luar

fazendo sonhar as jovens donzelas

com príncipes marítimos e com caravelas

que estão ancoradas na beira do mar.

As almas penadas, no velho mourão

da velha porteira que dava passagem

à fila indiana, chamadas visagem,

fazem bater forte o meu coração

medroso de alma e de assombração.

Porém não me impedem de participar

das rodas de histórias e de gargalhar

das piadas picantes que eu mal entendia

Porque se o adulto sorria, eu sorria

fingindo entender e querendo agradar.

Histórias que falam de casa assobrada;

da cobra demônio que sempre atacava

mulheres casadas e as engravidava;

de onça bravia, de alma penada,

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Page 5: Corpo do livro

"dona fulôzinha" que dava lapada

em quem se atrevesse no mato adentrar

pra prender um bicho ou para matar

sem antes lhe dar o que ela pedia:

a "peia de fumo". Assim se dizia.

A pele arrepia só de me lembrar.

O medo arrefece se a noite é de lua!

Mas mesmo sem lua quase nada muda

pois o candeeiro bem aceso ajuda

clareando um pouco a pequena rua

que, cheia de vozes, em meu ser atua

gravando lembranças que eu irei levar

pra sempre comigo, irão me marcar

com marcas gostosas de lembranças puras

dos meus - minha gente, das nossas culturas,

do cheiro gostoso daquele lugar.

Em casa, na rede que fora emendada

com saco de açúcar, como o cobertor

costurado à mão, esquecendo o pavor

por alguns momentos, todinha enrolada,

vou logo dormindo. Mas na madrugada

me mexo mostrando que estou a sonhar

com monstros formados pelo meu pensar

de jovem criativa que fica inventando

bichos mitológicos, com eles sonhando

até que o sol surge para os espantar.

São belas lembranças guardadas na mente

que o tempo presente não faz esquecer.

Lembranças antigas que fazem meu ser

feliz e completo. Meu coração sente.

As boas lembranças, eu sei, faz o ente

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Page 6: Corpo do livro

crescer amoroso, sabendo ofertar

amor com sabença, sem exagerar.

Assim, minha alma sempre está feliz

no campo, na rua, no sítio, em Paris,

no ar ou na praia - na beira do mar.

BRINCANDO DE CASINHA

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Page 7: Corpo do livro

Um novo dia surge e novas brincadeiras são criadas e acrescentadas às

já existentes. O cavalo de pau, formado por uma vara de marmeleiro ou por um velho

cabo de vassoura, já não é suficiente. Zezito cria um novo cavalo. Zezito é um artista na

extensão da palavra! Ele faz, com o tronco da palha do coqueiro, um pequeno cavalo

com a cabeça bem delineada onde modela: orelhas, olhos, boca, narinas..., numa

perfeição incrível. Faz os arreios com fibra de agave; o protetor do lombo do cavalo, o

esteirote, com junco; a cangalha com dois pequenos galhos em ípsilon (Y), papelão e

tecido, que dão o acabamento final; os caçuás, com cascos de caranguejo perfurados,

que serão pendurados à cangalha e servirão para o transporte das “mercadorias” que

levará aos domingos para vender na feira como fazem os adultos. Além disso, cria

também uma pequena cabeça de cavalo, com um acabamento ainda mais perfeito,

considerando-se a dificuldade do trabalho, tendo em vista o tamanho da mesma, e põe

no seu cavalo de pau, antes sem cabeça. Arreia-o, com cabresto e brida tão perfeitos

como eu jamais vi outra pessoa fazê-lo. E ele é o “pai”. É o “dono da casa”. É a

personagem que trabalha na roça, vai à feira vender o produto do seu trabalho e fazer as

compras de mantimentos para o sustento da família, mantimentos esses representados

por frutos silvestres, comestíveis ou não, que irão para as panelinhas de barro

manufaturadas pelas meninas do lugar que se utilizam para tal, do “barro de louça”

existente próximo ao Rio do Jerimum – pequeno córrego que corta o lugarejo de mesmo

nome, onde moram – onde cozerão, de mentirinha, em fogo imaginário, num fogareiro

improvisado com três pedras (paralelepípedo ou coisa que o valha, como bolões de

barro, por exemplo) as quais denominavam “trempes” (como ouviam chamar em casa) e

que formavam o suporte para as panelas onde se preparavam as comidas cozidas ao

fogo de lenha de forma geral.

E os meninos, que seriam os maridos e pais das bonecas que

representavam os filhos, passavam a maior parte do tempo – quando brincavam com as

meninas na brincadeira de “dona-de-casa”, correndo montando o seu cavalo-de-pau.

Enquanto as meninas varriam e arrumavam a “casa” (local que escolhiam para brincar e

que muitas vezes eram espaços sob pequenas árvores copadas), “cozinhavam” a

“comida” e cuidavam dos “filhos” – as bonecas que sempre carregavam consigo.

Eu era feliz! E tinha consciência disso!

“EU VIM AQUI POR UMA APOSTA,

CASACA DE COURO PULE NAS MINHAS COSTAS!”

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Page 8: Corpo do livro

Mesmo nas noites sem luar, as brincadeiras eram divertidas. Nossas

mães, candeeiro à cabeça, num equilíbrio perfeito, e enganando o vento, encabeçavam a

fila em busca de um bom alpendre para entabular uma boa conversação para passar o

tempo antes de dormir. Muitas vezes os encontros eram na casa de farinha – a única do

lugar – não importando quem estivesse a fazer a farinhada. Todos se solidarizavam na

raspagem das mandiocas, que entrava noite adentro indo, por vezes, até o amanhecer do

dia seguinte, e que tinha por recompensa um pouco de massa e goma de mandioca,

fresquinhas, que seriam utilizadas na fabricação dos beijus que iriam substituir o pão no

café da manhã e no jantar durante alguns dias.

Enquanto isso a criançada, depois que enjoava de raspar mandioca,

soltava a faca, ferramenta essencial para tal, e corria para o terreiro da casa de farinha

que, também, era a estrada por onde todos caminhavam, e iam brincar. Isso, quando era

noite de lua cheia, pois no escuro não havia como extravasar suas energias, e ficavam

sentados no chão, à entrada, contando as travessuras do dia e admirando as estrelas que

em noite sem luar e sem muitas nuvens, mostravam-se na sua plenitude encantando os

nossos olhos.

Uma das brincadeiras mais concorridas pela molecada para uma noite

enluarada era a da “casaca de couro”.

Dizia-se que, nas casas abandonadas, as chamadas “taperas”, existia

uma personagem mítica – a “casaca-de-couro”, que seria alguém que teria morrido, um

vaqueiro talvez, e sua alma ficara penando e fazendo morada nas casas abandonadas. E

assim, formava-se um grupo que elegia um dos seus componentes, talvez o mais

corajoso, para ser o primeiro. Então o “corajoso” ia até a casa abandonada, enquanto o

resto da turma ficava a uma certa distância, e gritava: “Eu vim aqui por uma aposta,

casaca-de-couro pule nas minhas costas!” e disparava de volta ao grupo, numa carreira

desembalada, todo arrepiado e ouvindo as pisadas fortes da “casaca-de-couro” que o

perseguia. Às vezes o medo era tão grande que o moleque não conseguia correr,

ficando pregado ao chão, aterrorizado, até que algum “peitudo” o fosse socorrer e

arrastá-lo de lá.

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Page 9: Corpo do livro

APELIDOS QUE NÃO PEGARAM

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Page 10: Corpo do livro

Os apelidos que procuram salientar alguns defeitos físicos das

crianças e dos adultos com o fim de provocar a ira dos apelidados, e que teriam como

resultado uma reação raivosa, que é o que espera a pessoa que apelida alguém, tem, ali,

um responsável maior por eles de um modo geral: o Manoel – o “Mané de Sindô”,

como é conhecido.

Ele põe apelidos na molecada de forma indiscriminada, sempre

buscando atingir o ponto mais fraco de cada um. Mas aquela gente boa, que sabe levar

tudo na brincadeira como se trouxesse em si uma sabedoria inata, faz com que os

apelidos não peguem.

E hoje, já não se sabe mais quem é “arroto choco”, “piaba crua”,

“barata d’água”, etc. Já que não pegou nenhum deles.

A SORTE DO SAPO

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Page 11: Corpo do livro

Aquele sapo teve a grande sorte de encontrar, em seu caminho de

dores, alguém daquela estirpe.

Aconteceu num dia em que estávamos brincando, eu e minha amiga

de infância, a Angelina, e encontramos, por acaso, um sapo dentro de um barreiro – um

buraco de onde se tirava barro para serviços de alvenaria na casa onde ela morava que

era a casa dos seus avós, eu imagino, já que a terra em volta era dos mesmos.

O sapo estava muito doente. Alguém havia jogado água de sal no seu

lombo, e ele estava coberto de tapurus, os quais lhe teriam sido depositados pelas

moscas, e que lhes roíam as carnes que iam apodrecendo pouco a pouco. Angelina não

contou estórias! Pegou o sapo e o levou para casa, escondendo-o da sua mãe, que

poderia ter sido a própria autora daquela maldade, e cuidou do bicho até vê-lo são.

Este foi o maior exemplo de bondade que eu tive até hoje. E foi

praticado por uma menina a quem o povo da vizinhança considerava má, já que a

mesma era muito “malcriada”, segundo diziam aqueles que julgam sem conhecer a

verdade de cada um.

E não só isso me levava a admirar aquela menina, mas, também, a sua

capacidade de aprendizado e o seu capricho em tudo que fazia.

Quando brincávamos de boneca, era ela quem costurava as roupas das

suas e das minhas. Fazia vestidos perfeitos. Bem costurados (à mão), e sempre

acompanhando a moda. Lembro-me de um modelo de época que fez para uma das

minhas bruxas de pano, era o “mil e uma noites” - o godê (saia rodada sem costuras),

com um babado pregado na mesma e enfeitado com um debrum enviesado e largo, que

acabava com um laço bem feito!... Do lado esquerdo. Era lindo!!

Bons tempos, Angelina! Deus te dê tudo com que sempre sonhastes

O PIRES E A VELA

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Page 12: Corpo do livro

Esse é um caso que naquelas bandas era considerado corriqueiro, mas,

que me impressionou bastante. Tanto, que eu jamais o esqueci.

O meu irmão mais velho, José ou ”Nego”, que é o seu apelido, e pelo

qual é conhecido até hoje entre os familiares, era um cabra corajoso! Ele sempre

acompanhava nossa mãe quando ela necessitava deslocar-se do Jerimum à

Mamanguape3, numa viagem de sessenta quilômetros percorridos a pé por um caminho

estreito e entremeado de raízes de árvores, grandes e pequenas, que ladeavam a estreita

e única via de acesso que ligavam os raros e diminutos aglomerados de pequenas casitas

perdidas por entre o matagal que se estendia por toda a extensão de terra existente entre

os dois lugares aqui mencionados, tendo que enfrentar os perigos dali advindos,

principalmente à noite, quando a visibilidade era quase nula.

Certa noite, saindo sozinho de casa para ir visitar alguns amigos nas

proximidades, onde teria que transpor o Rio do Jerimum ( que é o mesmo que tem outro

nome na terra dos Azevedos4, no Município de Pedro Velho, já no Rio Grande do Norte,

o Rio Pirari que dá nome ao Povoado e que é economicamente trabalhado: onde há

açudes, barragens, e liberação do espaço para lavagem de roupas, tanto para os

moradores do lugar quanto para as pessoas das cidades e/ou povoados/comunidades

vizinhas, além de assistir às necessidades dos moradores/trabalhadores da Fazenda

Pirari através da pesca para a alimentação, mas que, no Sítio Jerimum, é estreito, não

oferecendo nenhum perigo para a molecada que usa e abusa dele) caminha em marcha

lenta, assobiando, como era seu costume, e, logo depois do rio, subindo uma pequena

elevação ladeada por uma vegetação não muito espessa que oferece, porém, pouca

visibilidade, ele vê algo que o deixa de cabelos em pé! Próximo à cacimba de Nedina 5,

de onde a maioria da população do lugarejo tira a água de beber, nas proximidades da

33 Mamanguape - Cidade da Paraíba a quem, na época, pertencia o Sítio Jerimum.44 Azevedo – Família de fazendeiros importantes residentes(até hoje) no Município de Pedro Velho/RN e adjacências.55 Nedina – uma das mais antigas moradoras(proprietária de terras) do Sitio Travessia que fazia extrema com o sítio Jerimum.

15

Page 13: Corpo do livro

casa do seu amigo Manoel – o Mané de Sindô6, como era conhecido, um pires flutuando

no ar com uma vela acesa dentro do mesmo. Coisa do outro mundo!

A língua emboloou! Os pelos ficaram eriçados! Mas ele enfrentou a

“coisa do outro mundo”! E continuou seu caminho normalmente.

Assim disse-me ele.

APRENDENDO A LER

66 Sindô – Cantador de viola (cego) – esposo de Nedina e pai de Manoel (O Mane de Sindò).16

Page 14: Corpo do livro

Que vontade de ir para a escola! Que vontade de aprender a ler! E

minha irmã mais velha, “Mamã”, como eu a chamo até hoje, decide levar-me com ela

para a Escola para aprender a ler.

Com apenas quatro ou cinco anos, considerada nova demais para tal,

mesmo assim ela, com o pouco dinheiro que conseguira na venda da farinha que ela

mesma produzira com o seu trabalho na roça, comprou-me o material necessário,

inclusive o fardamento, que eu amava: blusa branca e saia azul (no meio da perna e bem

pregueada), e lá fui eu, estourando de tanta felicidade! Num contentamento tão grande

que não sentia nem o cansaço causado pela distância percorrida de casa à escola e vice-

versa, que era de mais de quatro quilômetros, ou seja: oito quilômetros, quatro de ida e

mais quatro de volta.

Aos meus sete anos e nove meses, minha irmã, Mamã, que já tinha

mais de vinte anos, casou. Aí , eu já sabia ler, e cantava literatura de cordel (o “verso”)

para toda a vizinhança, balançando-me na rede do meu pai que estava sempre disponível

num dos armadores, aquele joelho de madeira fixado num dos cantos da sala da nossa

pequena casa de taipa.

E foi também nesse período, naquela escolinha onde aprendi a ler, que

eu conheci Jesus, o meu primeiro amor! Jesus era mais ou menos da minha idade, talvez

mais velho um pouco. Era filho de fazendeiros e sempre trazia lanche e balinhas (que

nós chamávamos de confeito), luxo ao qual eu não tinha acesso, e, após chupar seus

“confeitos”, ele me oferecia os papeizinhos que os embalavam, aos quais eu guardava

com muito carinho. Eu adorava Jesus. E contei desse sentimento lindo para minha mãe,

pedindo-lhe que guardasse segredo. Ela contou pra minha irmã, que contou pro resto do

mundo. E eu quase morro de chorar! E nunca mais dividi meus segredos com a minha

mãe nem com ninguém.

Logo depois de tudo isso, com o casamento da minha irmã Mamã,

com o que o marido a levou embora do Jerimum, eu fui junto. Fui morar em lagoa de

Montanhas, município de Pedro Velho, no Estado do Rio Grande do Norte. Hoje, Lagoa

de Montanhas chama-se apenas Montanhas, emancipada desde 1964, acho eu.

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Page 15: Corpo do livro

O ANTICRISTO

Era assim que a minha mãe o chamava.

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Page 16: Corpo do livro

Era um banco velho de madeira, enegrecido pelo tempo e pela falta de

cuidados, talvez. Tinha mais ou menos dois metros e meio de comprimento. De uma

madeira resistente, talvez de lei, não sei! Rústico, com quatro pernas – duas em cada

cabeça (em forma de A- sem o traço do meio, ou de V - de ponta-cabeça), também de

madeira resistente, porém roliça, com três centímetros de diâmetro mais ou menos, e

sem acabamento.

Ficava no pequeno alpendre da nossa humilde casa de taipa de um

quarto; sala; corredor; sala de jantar, onde só havia um pote de barro com água de

cacimba, para beber, em um suporte também de barro; uma dispensa que guardava

apenas uma saca de palha de carnaúba, sempre com alguma farinha para a manutenção

da família, e algumas latas de querosene, daquelas de 20 litros, que estavam sempre

cheias de feijão ou de milho até a boca, e vedadas com sabão ou cera de abelha para

evitar os gorgulhos, pois era a semente para a plantação do ano seguinte; uma cozinha

inacabada, parecendo ter sido de propósito para que existisse uma melhor circulação de

ar, onde havia apenas os paus que serviam de base para a parede que não fora concluída,

fazendo com que se pudesse observar se chegasse alguém sem a pessoa pudesse ver

quem estava do lado de dentro.

Havia ainda, na sala, uma mesa também enegrecida pelo tempo, três

tamboretes nas mesmas condições, uma rede desarmada e pendurada a um canto da sala,

num armador formado por um “joelho” de madeira que surgia de dentro da parede de

taipa sem reboco e sem cal. E só à noite a rede era armada para dar descanso ao corpo

do meu velho pai, alquebrado pelo peso da enxada durante todo o dia de Segunda a

Sexta-feira, já que ele não trabalhava aos Sábados, em paga de uma promessa feita com

a obtenção de um pedido efetuado ao Santo de sua devoção, e nem aos Domingos, por

ser dia Santo conforme as leis da Santa Madre Igreja Católica e apostólica Romana.

Na sala, além da rede e da mesa com os três tamboretes enegrecidos

pela idade, havia uma mesinha com três pernas, sempre coberta com uma toalha branca

(de crochê), flores frescas que eram tiradas diariamente do nosso “terreiro” no qual

minha mãe plantava uma boa variação delas, e velas que homenageavam as imagens e

quadros de Santos que cobriam uma boa parte da parede frontal da sala.

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Page 17: Corpo do livro

Na cozinha, apenas enxameada, havia um fogão a lenha, o mais

rústico possível: apenas um girau7 coberto com barro, e trempes que serviam de suporte

para uma única panela de cada vez; um girau de varas onde se lavava as panelas usadas

diariamente; um outro girau no canto da parede, ao qual denominávamos de “caritó” ,

que servia para guardar as latas: de café e de açúcar; o azeite de dendê, ou o de bati, que

serviam para as frituras; o sal, e o candeeiro a querosene que era feito com uma pequena

lata contendo um bico oco por onde saia o pavio de algodão que, encharcado pelo

querosene, era acendido para iluminar a casa e adjacências.

E, finalmente, no canto da parede, próximo à porta que dava acesso ao

terreiro de trás (o quintal), tal como na salinha que antecedia a cozinha, havia uma

forquilha de três pontas que servia de suporte ao pote d’água para gasto: cozinhar, lavar

louça, lavar o rosto pela manhã, e os pés à noite antes de dormir.

ESCAPEI FEDENDO!

Naquele dia eu escapei de ficar cega por milagre. É que minha irmã,

Mariquinha, olhando-me nos olhos pela primeira vez, quando eu tinha ainda alguns

77 Girau – uma espécie de mesa de paus entrançados20

Page 18: Corpo do livro

meses de vida e ela uns oito anos por aí, descobriu que eles tinham uma cor diferente:

eram esverdeados, parecendo estarem cheios de pus. E pensando que a minha chatice,

choramingando sempre, devia ser por causa das dores que eu, certamente, sentia nos

olhos, cheia de compaixão, tirou, então, um espinho de laranjeira, daqueles bem fortes,

e já ia furá-los quando, para minha sorte, pensou que talvez fosse melhor deixar para

quando nossa mãe chegasse em casa e ela lhe dissesse da grande descoberta que fizera.

Escapei fedendo! Como dizem as pessoas do meu lugar. Pois

Mariquinha, quando pensava em fazer uma determinada coisa, era muito decidida!

Podendo-se dar como exemplo da sua segurança, uma que ela aprontou com a nossa

mãe, uma vez quando pegou o único vestido, “de festa” ,que esta última tinha, e o

cortou, inteirinho, para fazer roupas para as suas bonecas. Era o vestido das missas, dos

terços e novenas, e das festinhas. E minha mãe, quando viu o estrago, disse: - Minha

filha, como é que você fez isso com o meu vestido da missa? E, por isso, aquilo ficou.

Ainda numa outra feita, segundo ela mesma me contou, no momento

em que eu já estava fazendo este trabalho (quando o lia para ela) tinha, eu, apenas dois

anos e ela dez, quando me carregando em seu colo, levou-me para catar cambuí8 por trás

da nossa casa, onde o terreno, não muito pequeno, era coberto por espécie de mato

rasteiro e de pequeno porte, onde, certamente devia haver muitos insetos e, também,

uma pequena variedade de cobras, e vejam o que ocorreu: De repente, eu começo a

chorar sem consolo, e ela percebe então que o dedo mínimo de um das minhas mãos

estava muito inchado e arrouxeado, de um roxo muito forte. Já tendo presenciado, por

algumas vezes, como nosso pai agia, no caso de mordidas de insetos venenosos e

cobras, ela não contou estória, correu para casa e, lá chegando, mascou uma pele de

fumo e cuspiu-me em cima do dedo, que foi desinchando, desinchando,... ficando na sua

cor normal... E, finalmente, parei de chorar e tudo voltou ao seu devido lugar. Escapei

fedendo novamente. Não acham?

88 Cambuí (tupi kambuí) - pequena árvore da família das Mirtáceas (MICHAELLS 2000).21

Page 19: Corpo do livro

EU NÃO VOU! ELE VAI ME MORDER!!

Naquela tarde, saíramos do Jerimum para Montanhas, eu, minha mãe

e meu pai, já escurecendo. Quase à hora do Ângelus.

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Page 20: Corpo do livro

Estávamos ainda na parte do caminho ladeada por tabuleiros, que são

compostos por árvores de pequeno porte, matos rasteiros, capins e algumas árvores

antigas, mais altas que as outras. Bem no meio do caminho, eu vejo um pequeno

cachorro sentado e olhando na minha direção. Empaquei. Disse ao meu pai que não ia

passar por perto daquele cachorro, pois ele poderia morder-me. A sombra do anoitecer

ajudava a aperfeiçoar a imagem do pequeno cão. Meu pai tentou convencer-me de que

aquilo que eu estava vendo não era aquilo que eu estava pensando ver, mas eu não

acreditava em suas palavras. Ele, então, bateu fortemente com a sua bengala, um pau

que sempre o acompanhava nas pequenas viagens a pé que fazia só ou com minha mãe,

quebrando os frágeis galhinhos do pé de cambuí fazendo que os meus olhos vissem de

fato, que não havia nenhum cachorro naquele local.

E seguimos em frente, enfrentando apenas o ataque das mutucas, que

tinhas uma preferência especial por minhas pernas. Acho que elas apreciavam o sabor

do meu sangue, pois me seguiam mesmo depois de atravessarmos o povoado de

Campestre que antecedia o do nosso destino, Lagoa de Montanhas.

O BODE NO ALTO DO COQUEIRO

Todos os dias minhas irmãs e eu descíamos para o córrego (o Rio do

Jerimum) que distava quase um quilômetro da nossa casa. Minhas irmãs, para lavarem a

23

Page 21: Corpo do livro

louça e a roupa que fora usada durante um ou mais dias. Eu, para chafurdar dentro

d’água, baldeando-a e, com isso, levando alguns puxões de orelha da minha irmã mais

velha, Bernadete, também conhecida como Moça, e a quem eu chamava Mamã, sob os

cuidados da qual nos deixava nossa mãe,

Toda essa conversa, que mostra tão somente as lembranças boas da

minha infância aqui neste capítulo, é para falar de um fato ocorrido com a minha mãe

nas proximidades do tal córrego.

Vinha ela, pois, distraída, cantarolando algum cordel, que era o que

mais gostava de fazer, a caminho da cacimba de onde tirava água para beber, com pote

deitado em cima da rodilha, quando ouve o berro de um bode. Nada de que pudesse

espantar-se, se não percebesse que o berro vinha do alto de um dos coqueiros que

entremeavam o roçado de batata coquinho* e macaxeira à beira do rio.

- Meu Deus! Será possível uma coisa dessas?! Um bode trepado num

coqueiro!!

Mas logo viu que nada mais era do que um “xexéu de bananeira”, um

pássaro preto, de pequeno porte, com uma mancha branca entre o pescoço e a cabeça,

lembrando um anum – pelo tamanho, e que imita as vozes de alguns animais.

A FÉ EM FORMA DE FLOR ou FLOR SOLITÁRIA

24

Page 22: Corpo do livro

Às vezes, minha irmã do meio, Maria, a quem chamamos Mariquinha,

sumia. Ninguém sabia pra onde. E minha mãe muito atarefada com os afazeres de casa,

onde, além dos filhos, cuidava: de porcos, cabras e cabritos, galinhas, etc. que criava no

intuito de ajudar nas despesas extras que as festas de meio e final de ano acarretavam,

que era quando todo mundo queria roupas e sapatos novos, além de ajudar nosso pai na

roça, não percebia o sumiço da filha do meio que às vezes durava horas e horas.

Certo dia, percebendo, enfim, o sumiço da mana, mãe (é assim que a

chamo), saiu a sua procura. Como dizia ela: “botou o cavala atrás dela” e, não demorou

muito, a encontrou debaixo duma jaqueira ajoelhada rezando a Nossa Senhora. E

alguns dias depois, já sabendo onde encontrá-la, nossa mãe foi chamá-la, tendo em vista

a sua demora, mas ela não estava no local. Talvez estivesse brincando com alguma

amiguinha. Em seu lugar, ou melhor, no lugar em que ela sempre ajoelhava para rezar,

havia uma bela flor que encimava um longo caule desprovido de folhas.

E para minha mãe, foram as orações da mana que fizeram nascer

aquela linda flor naquele local e que, de acordo com o que pensava, o local estava

abençoado, sendo aquela flor uma prova disso.

A GROTA

A Grota, aquele lugarzinho isolado do resto do mundo, onde residia

minha amiguinha Bia, era maravilhosa! Não havia nenhuma outra casa por perto. Se

25

Page 23: Corpo do livro

havia eu nunca vi. E quando estávamos lá, era como se fôssemos sozinhas no mundo.

Bia morava com o seu pai Anacleto, seus dois irmãos Miguel e Lauro, e sua irmã Irene

que logo casou e foi embora. Tinha mais uma irmã: Alzira, que eu não conhecia

pessoalmente. Um dos seus irmãos, eu acho que era o Miguel, tinha uma flexibilidade

nos membros inferiores, incrível. Parecia de circo. Colocava os dois pés no pescoço!

Um dia, ficou enganchado, sem conseguir sair daquela posição maluca, até que alguém

chegasse e resolvesse ajudá-lo. Aquilo foi constrangedor para ele, mas muito, muito

engraçado para a plateia, que se formara para ver o espetáculo, naquela areiazinha

branca que cobria o terreiro da frente da casa do Seu Zé Gomes, que era o dono da única

bodega9 existente no Jerimum naquela época, e que ficava bem centralizada, de fácil

acesso a todos os moradores do lugar. Hoje, há duas bodegas de pequeno porte no lugar.

Lembro que, certo dia, eu saí de casa sem dizer a minha irmã, Mamã,

a qual substituía a minha mãe em tudo e algo mais, pois ela me batia, quando eu

desobedecia, com um galho de manjerioba desfolhado, enquanto a minha mãe jamais

bateu em qualquer um dos seus filhos. Sim... Como eu ia dizendo: um dia eu saí de casa

com a minha amiga Bia, ainda na parte da manhã, nas primeiras horas do dia, e fomos

para a sua casa, na Grota, onde passamos o dia inteiro brincando, sem nos preocupar

com nada, enquanto, na minha casa, minha mãe, preocupada, encarregava à mana,

Mamã, de procurar-me, ao que ela obedecia prontamente, não sem antes se preparar. E,

de cipó a tiracolo, com o qual me exemplaria com gosto, como paga pela preocupação

que eu dera a nossa mãe, ela me cata, já ao anoitecer, quando eu, despreocupadamente,

vinha a caminho da nossa casa, sem nem imaginar o rebuliço que a minha inocente

ausência provocara.

No entanto, mesmo com um final tão infeliz, aquele dia, naquele

lugarzinho tranquilo, cercado de árvores sonoras devido a grande quantidade e

variedade de pássaros canoros, valeu a pena. Foi um dos melhores da minha vida.

Tanto, que o guardo até hoje na mente, num lugar de honra bem merecido.

99 Bodega – aqui, o mesmo que mercearia – loja de gêneros alimentícios.26

Page 24: Corpo do livro

BANHO DOS DEUSES

Na verdade, quando falo de “Banho dos Deuses”, o faço com

propriedade!

Ali no Jerimum, mesmo com as invasões dos usineiros, que tomaram

as terras dos pobres agricultores em troca de valores exíguos, ainda hoje se pode tomar

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Page 25: Corpo do livro

banho, em alguns lugares, em pelo, que é um banho bastante prazeroso pelo contato

direto com a Natureza. Porém, na minha infância, eu lembro bem, havia uma maior

liberdade para a molecada no geral, que tomava banho nua, sem nenhuma malícia, ou

maledicência por parte dos adultos, além de haver várias opções, tal como: a vertente,

uma espécie de lagoa ou lago, que tinha nascente própria, e que, também, tinha uma

ligação com o Rio do Jerimum pela proximidade existente entre ambos; a bica, próximo

à vertente, e que pertencia, juntamente com esta, à família Davi (família à qual minha

amiga Angelina pertencia), que era dona de grande parte das terras do Jerimum, e que

também tinha nascente própria, e era de onde os Davi e grande parte do povo do lugar

tiravam a água que bebiam, aparando no pote, na lata ou no cabaço, de uma pequena

bica feita com uma telha e que dera nome ao pequeno lago que se formara debaixo da

mesma, com uma água límpida que deixava ver, nitidamente, os pequeninos peixes que

a povoavam e a areia limpa, sem lodo, onde a molecada perdia até a hora de voltar para

casa, pulando e brincando naquele banho sem igual.

Mas, para que todos pudessem aproveitar as delícias daquele “banho

dos deuses”, havia respeito mútuo entre crianças e adultos, entre homens e mulheres,

etc. E quem quer que seja que se aproximasse daquele local, qualquer hora do dia ou nas

primeiras horas da noite, ainda a uma certa distância, gritava: Olá! Tem gente?! Ao que,

quem estivesse no banho, respondia: Tem! E quem estava chegando, fosse quem fosse,

aguardava, pacientemente, que o banhista, ou banhistas, saciassem seu calor, saísse e

desse o aviso de que o lugar estava disponível.

Ainda hoje, ali, o costume é o mesmo, porém com algumas

dificuldades. Pois os donos das terras são outros: os usineiros – pessoas que não têm

nenhum laço de afetividade com os moradores do lugar e que não dão a mínima

importância aos seus costumes.

E aquele povo sem malícia, que não teve o esclarecimento devido, não

avaliou ou não souber avaliar a perda que seria o desfazer-se das suas terras a troco de

quase nada. Não houve quem lhes abrissem os olhos para a perda de qualidade de vida

que lhes traria o desfazerem-se de tão valiosos bens naturais.

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Page 26: Corpo do livro

JACA É MAIS GOSTOSA NO PÉ!

Nossa casa era rodeada de árvores frutíferas. Haviam laranjeiras cujas

laranjas eram as mais saborosas que eu já chupei! Cajueiros os mais diversos: grandes –

os cajus-banana, não muito saborosos; os médios (amarelos), que davam em grande

quantidade, bons, porém não muito, mas que nos forneciam as castanhas para

vendermos e faturarmos um dinheirinho extra; pequenos (vermelhos), doce como se

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Page 27: Corpo do livro

fora feito de açúcar, e um pequenininho (amarelo e azedo como limão) cujo cajueiro era

o maior de todos, plantado no canto direito (de quem chegava) do terreno, e arriado por

cima do caminho que dava acesso a quem vinha e a quem ia do lugarejo. Havia, ainda,

goiabeiras, araçazeiros, mangueiras (de manga espada as mais doces do lugar), e

jaqueiras (de jacas duras, moles e mestiças).

É da jaqueira de jaca mole que eu desejo falar aqui. Ela ficava ao lado

direito do terreno (para quem chega), o esquerdo para quem está dentro de casa,

próximo ao cajueiro de cajuzinhos azedos. Era cheia de galhos o que facilitava o acesso

aos seus frutos mais altos já que os mais baixos que cresciam no tronco se tirava mesmo

do chão. E nós, crianças do interior, costumamos subir em qualquer tipo de árvores, a

não ser que a mesma não seja provida de galhos ou que seja muito alta e de tronco

muito liso, como é o caso do eucalipto que, além destas características, não dão frutos.

E era na jaqueira de jaca mole que eu, quando chegava ao Jerimum, (pois agora já

estava morando com minha irmã, Mamã, em Montanhas), subia, tirava, partia e comia

ali mesmo, sentada nos galhos, até me fartar. Que delícia! Ainda sinto o cheiro e o sabor

delicioso de uma jaca madura e fresquinha. Bons tempos! Bons tempos!

ESPINHO NO PINTO AJUDA A ANDAR

Esta é do meu irmão, quando eu ainda nem sonhava de nascer. Foi

minha mãe quem contou.

Com apenas nove meses, ele já ficava de pé e dava alguns pequenos

passos, mas andar mesmo, ele aprendeu em um momento de dor.

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Page 28: Corpo do livro

Escapando às vistas da nossa mãe, ele sai porta afora, em busca do

terreiro encaminhando-se para a casa mais próxima, a casa da comadre Erundina,

como toda a família a chamava no momento em que eu tomei conhecimento do fato - e

o caminho escolhido foi o mais curto, que era coberto por folhas das árvores frutíferas

existentes ali, além de algumas ervas daninhas – o carrapicho, por exemplo, que foi o

causador do acontecimento em causa.

Ia meu irmão, fugindo aos cuidados da mamãe, todo apressadinho,

arrastando-se de lado como um caranguejo, com o bumbum pelado no chão, quando, de

repente, sente uma fisgada forte no pinto, e, num rompante, sem qualquer reclamação,

põe-se de pé, e caminha até a casa da vizinha que dista pelo menos uns cem metros da

nossa casa, além de ser, o espaço que separa as duas casas, coberto de bagulhos, tais

como: folhas das árvores, alguns pés de carrapichos ou espinhos de cigano , pequenas

cobras venenosas, quais sejam: caninanas, cobras coral, etc. e daí para cá, nunca mais

deixou de andar.

FUNDO DE GARRAFA: ARMADILHA DE MORTE

Minha mãe, assustada, diz pro meu pai: - Nato! (era assim que ela o

chamava) Vai acontecer alguma desgraça! O galho do cajueiro da estrema10 do nosso

compadre quebrou-se sem que ninguém o tocasse. Isso é sinal de morte.

10 O limite divisório das nossas terras com as terras com compadre dos meus pais31

Page 29: Corpo do livro

E meu pai que também acreditava nos sinais da Natureza ficou um

pouco apreensivo. Mas, logo esqueceu o ocorrido, indo, normalmente pro seu trabalho,

como o fazia todos os dias, de Segunda a Sexta-feira, já que não trabalhava aos sábados

(por promessa) e aos domingos (por ser dia santificado segundo a Santa Madre Igreja)

como já foi dito anteriormente, sem nem pensar mais no assunto. Qual não foi sua

surpresa ao voltar do trabalho à tardinha, quase noite, quando soube que seu compadre e

ex-vizinho teria matado um jovem, seu parente e empregado, que morava na sua própria

casa, por ciúmes.

E buscando entender como e porque, realmente, o fato havia ocorrido,

foi-lhe esclarecido: o tal rapaz, que havia sido recebido na casa do seu compadre como

se fora um filho, segundo o mesmo, fora seduzido pela mulher deste que, não

suportando os cornos e não tendo coragem de enfrentá-lo de frente, preparou-lhe uma

armadilha de morte sem que o rapaz desconfiasse. O tal Senhor sentindo-se traído

mandou colocar no quarto que servia de dormitório para o azarado rapaz metade de uma

garrafa, da qual retirou o fundo, na parede, formando uma suposta entrada de ar (não sei

ao certo se isso foi feito antes ou depois que o rapaz foi morar na casa do mesmo), o que

lhe deu a ideia de desfazer-se daquela criatura, que ele considerava como um rival, sem

correr qualquer risco.

Mas, voltemos um pouco no tempo para saber como tudo isso ocorreu,

senão na sua verdadeira forma, mas, pelo menos como me foi passada a história. Um

jovem, nos seus vinte e três anos mais ou menos, parente do nosso vizinho, surge do

nada procurando trabalho. Seus pais moram distante, e ele não tem familiares próximos

por ali além do que, os parentes como nós, por exemplo, não têm acomodações nem

uma situação financeira boa que dê para sustentar mais um, a não ser aquele compadre

dos meus pais que, além de também ser parente do rapaz, tem um emprego para lhe

oferecer.

E tudo estava correndo bem, não fora uma fagulha amorosa ocorrida

entre o jovem mancebo e a bela e ainda jovem esposa do homem que lhe dera guarida.

Além do mais, quando o jovem se vê envolvido amorosamente com aquela Senhora, a

quem devia todo o respeito, continua morando na casa do marido traído. Ou seja:

demora para tomar a decisão necessária para se ver livre do perigo, que seria a sua

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Page 30: Corpo do livro

retirada imediata, se possível, até das proximidades daquele lugar, e continua dormindo

no mesmo lugar de antes, o que era, para um homem covarde, uma atração infernal para

a vingança, e foi o que ocorreu.

Dormia o rapaz, tranquilamente, na sua rede, não percebendo o cano

da espingarda (ou fuzil) que entrava pelo buraco existente na parede e o atingia com

vários tiros a queima-roupa. E como o ódio do agressor ainda não fora saciado, ele, com

o rapaz já ferido de morte, o pisoteia quebrando seus ossos da forma mais perversa

possível.

Nunca foi preso por isso.

Segundo dizem: o assassino premeditou muito bem a morte do rapaz,

e com bastante antecedência, preparando uma lista: um Abaixo Assinado, afirmando as

pessoas a quem pedia a assinatura, pessoas essas que mal sabiam assinar o nome ou

apenas punham a impressão digital, que aquela, era uma lista para se conseguir

melhorias para a comunidade que era muito carente, mas que, na verdade, a lista dizia

que um tal rapaz com as características daquele que já estava condenado à morte por

ele, era um ladrão muito perigoso e estava sendo procurado.

E assim se fez. E por isso, aquilo ficou.

MANCHAS DE SANGUE QUE NÃO SE APAGAM

Há quantos anos aquelas manchas de sangue estavam ali no piso de

cimento queimado do alpendre da casa do Seu Zé Gomes? Eram algumas manchas de

sangue, vivas, como se fossem recentes, no batente da porta do salão que servia de

depósito de farinha, e da calçada defronte ao mesmo.

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Page 31: Corpo do livro

Já fazia uns quinze anos ou mais que um homem de meia idade, o Seu

França, tinha sido assassinado, ali, naquele local, e que jamais alguém conseguira tirar

as manchas de sangue! Eram pequenas manchas que mais pareciam manchas de tinta

vermelha! E por mais que as lavassem e as esfregassem, elas continuavam lá. Dizia-se

até que, mesmo com o piso refeito, as manchas reapareceriam, como se fora algo

sobrenatural. E todos acreditavam que, realmente, aquelas pequenas manchas eram

manchas de sangue.

E como um pobre mortal que sou como duvidar da certeza daquela

gente simples, que acreditavam serem as pequeninas manchas o sangue do defunto

pedindo vingança por sua morte bárbara?! Pois, segundo os mais antigos do lugar,

quando o morto é assassinado injustamente, essa é a forma que a sua alma encontra de

“gritar” ao mundo que quer que a sua morte seja vingada.

E assim sendo, aquelas manchas ficarão ali até que um dia a “justiça”

ocorra de uma forma ou de outra.

MONTANHAS

Montanhas...

Montanhas, não me trás muitas lembranças boas. O que mais marcou

a minha passagem (de dez anos) por Montanhas foram as fofocas a mim dirigidas e que

muito me magoaram.

Ora!...

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Page 32: Corpo do livro

Não é bem assim, gente! Eu também tenho boas lembranças de

Montanhas! Foi lá que eu comecei a estudar de verdade, ou seja, onde iniciei e conclui o

Primário (hoje, a primeira parte do Ensino Fundamental), tendo sido reprovada na

Primeira Série pela minha deficiência em Matemática, pois não havia decorado ainda a

Tabuada na sua íntegra, o que me fez chorar desesperadamente e jurar pra mim mesma

nunca mais ser reprovada, o que consegui cumprir até a Quinta Série (preparatório para

o Exame de Admissão) que era o máximo que se podia chegar na única Escola do lugar

até os Anos Sessenta.

Foi em Montanhas, também, que namorei pela primeira vez, a

segunda, a terceira,... Que fiz, durante alguns anos – até os l3 ou l4 anos – o que eu mais

gostava que era: não estudar, especificamente, mas ir à escola (Grupo Escolar Carlos

Gomes ou Escolas Reunidas Carlos Gomes) onde se aprendia, além do básico de uma

Escola Primária daquela época, teatro e trabalhos manuais tais como: pintura em tecido;

confecção de bichinhos de pano, etc. Naquele tempo e lugar não havia recursos

suficientes, como hoje, para a compra de pelúcia. Os jogos, tipo handebol, ao qual

chamávamos “dona de barra”, nos apaixonavam ao ponto de pularmos muro da Escola

nos finais de semana para jogarmos, eu e as minhas colegas.

Foi também em Montanhas que eu tive a minha primeira “amiga de

verdade!” Pelo menos era isso o que eu pensava até alguns dias atrás, (quando falo de

dias, refiro-me ao ano de 2004, quando pensei estar com o livro já pronto para edição.

Hoje, diria: anos atrás) quando descobri, através de uma das suas irmãs, que residiu

próximo à minha residência por vários anos, mas que pouco nos víamos. Só muito de

vez em quando nas paradas de ônibus. E foi numa dessas raras vezes, depois que eu já

havia lhe passado os convites para minha formatura em Filosofia-Licenciatura - para ela

e para a sua irmã, essa antiga “amiga de verdade”, que ela me falou algo que me deixou

sem graça além de muito decepcionada comigo mesma pelo fato de reconhecer a minha

incapacidade de conhecer realmente as pessoas, pois a mesma afirmou-me,

convictamente, que a “minha verdadeira amiga” sequer lembrava de mim. Não sabia

quem eu era!... Enquanto sua mãe (já bastante idosa), que não gostava nem um pouco da

minha companhia de menina “falada” para sua filha, minha “amiga”, lembrava até de

como me chamavam: Rê-rê-rê , por causa das iniciais (3 erres: RRR) do meu nome.

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Page 33: Corpo do livro

E era com essa “amiga”, a quem dediquei até um poema falando da

nossa amizade (não editado), que eu dividia minhas preocupações, meus desejos,

minhas tristezas de adolescente! Mas eu não a culpo. Nem todo mundo pensa como eu!

Aliás, ninguém, além de mim, pensa como eu. Portanto, eu não posso exigir que uma

pessoa que eu considerei durante toda minha vida, ou seja por quase quarenta anos,

porém à distância, como minha amiga, também me considerasse como tal! Talvez isso

seja só para doidos ou filósofos! O que, para muitas pessoas, significa a mesma coisa.

Mas, no cômputo geral, Montanhas me trás saudades... E... Saudades!

Saudades da Igreja de São João, o padroeiro, e que era a única Igreja

católica existente naquele lugar. Antes de emancipar-se, assistida pelo Pároco de Pedro

Velho, de onde Lagoa de Montanhas era município, depois, ainda pelo Pároco de Pedro

Velho, pois Montanhas não era ainda emancipada como Paróquia. Hoje, não sei como

está com certeza, pois não sigo a sua história político/religiosa. Não me interessou nem

um pouco até agora. Não sei daqui por diante!

É... As saudades da Igreja, das festas juninas, da festa de Santos Reis,

todas me trazem alegria: A Igreja, com suas missas e terços de maio aos quais, tanto

quanto às missas, eu abri, por algum tempo, cantando seus hinos e ladainhas, e tirando o

terço; as festas juninas das quais eu participava desde a arrecadação das dádivas dos

paroquianos, como prendas oferecidas ao Santo Padroeiro para serem leiloados na

“barraca” na qual eu trabalhava durante as noites dos festejos, das festas de Santos

Reis, a principal das festas de fim de ano ali em Montanhas, pois o Ano Novo era em

Nova Cruz, e Natal era em Pedro Velho – as cidades vizinhas, que também eram bem

servidas com “barracas” de comes-e-bebes e leilões.

No entanto, como eu ia dizendo: Montanhas me trás saudades... E

saudades... Pois é... Mesmo que eu traga algumas mágoas de algumas pessoas daquele

querido lugar que, talvez, fosse melhor esquecer mesmo! De forma radical! Pois foram

apenas fofocas que, hoje, não me atingiriam, considerando a forma como eu vejo as

coisas agora. Mas, naquele tempo, marcou-me. Não digo, profundamente! Porém

deixou algumas marcas que atrasaram um pouco o meu crescimento espiritual, fazendo-

me sofrer como só sofre uma garota boba que se deixa machucar por mexericos bobos

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Page 34: Corpo do livro

de gente que, além de não ter o que fazer, só procura manchar, com palavras que lhe

enegrecem o próprio espírito sem disto se dar conta, a personalidade de outrem.

Mas, no final das contas, há saudades positivas no que diz respeito à

Cidade de Montanhas e à população daquele tempo, é claro, pois a atual eu pouco

conheço. É que as poucas pessoas com quem eu tinha afinidades, e que me respeitavam

e me tratavam como eu achava que merecia, podendo dar como exemplo: Berta (filha

de Lico - falecida – a quem eu considerava, mesmo com a grande diferença de idade,

minha verdadeira amiga) que casou com Arnilo Tiago (de quem ficou viúva); Alice

(minha madrinha de fogueira), esposa de Manoel fiscal (ambos já falecidos); Marlinda,

filha de Alice – um doce de criatura; Maria de Geraldo Camarão (já falecida) – uma das

minhas amigas de contação de estórias, que se dava muito bem com as crianças; O Sr.

Manoel Domingos (já falecido) e suas filhas, dedicados, além do seu trabalho, tão

somente às coisas da Igreja; Nina (já falecida) minha madrinha de fogueira, que me

tratava como se fora sua filha, e Iracema, tão alegre quanto eu e, por isso talvez, julgada

de forma leviana, pelas “santas” do lugar, como o faziam comigo.

Ia-me esquecendo de falar de Corina de Manoel Malaquias, que só

vim a fazer amizade, na verdade, depois de estar morando em Natal. Corina (já

falecida), era uma criatura maravilhosa! Nem ela nem seus filhos: Tita, Zé e João, se

metiam na vida de ninguém! Só estavam sempre disponíveis para ajudar a qualquer

pessoa. Lembro ainda de Niná (minha madrinha de fogueira) a quem eu amava muito,

do seu esposo, seu Manoel barbeiro que aguentava meus beliscões de menina danada,

além de jogar relancim (um jogo de cartas) comigo e de sua filha Maria, com quem

arengava demais. Não posso deixar de lembrar, também, Isabel filha do Sr. Antônio

Zumba (o dono da padaria) que me emprestava todas as revistas (já lidas por ela) que

seu pai lhe comprava toda semana: Capricho, Ilusão, Sétimo Céu, Nosso Amiguinho...

Eu levava para casa uma caixa de leite Ninho repleta de revistas às quais só eram

devolvidas (sem cobrança por parte da dona) depois de todas lidas. Obrigada Bel!! Que

seria da minha sede de ler, se não fora a sua boa vontade?!

Havia, ainda, muitas outras pessoas maravilhosas que, mesmo não

sendo minhas amigas, não eram minhas inimigas, pois eram pessoas sábias e incapazes

de fazer ou desejar mal a quem quer que seja. E isso me deixa, apesar de tudo, com

saudades de Montanhas, e desejosa de fazer-lhe uma visita para reencontrar aquelas

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Page 35: Corpo do livro

pessoas com quem ainda poderei falar por estarem vivas e, com elas, poder lembrar com

saudades de todas aquelas que já se foram, mas que ficaram, com toda a certeza, cá

dentro do meu coração.

O QUE SE TENTOU MOSTRAR

De uma forma geral, o que se tentou mostrar nos pequenos capítulos

que compõem este pretenso livro, excluindo Montanhas, foi tão somente algumas

lembranças que marcaram a minha infância de uma forma gostosa, sem marcas de

ressentimentos por quem quer que seja. Pois, as personagens nelas inseridas, de acordo

com o que aflora à minha memória, são personagens que comportavam, quase sempre,

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Page 36: Corpo do livro

bons sentimentos, no se tratando de seres humanos que me cercavam, sempre, com

muita afeição.

Já no que fala unicamente de Montanhas, vê-se, eu reconheço, uma

marca indiscutível de ressentimento que eu ainda não consegui apagar do meu coração.

Mas, com toda a sinceridade, eu prometo: Pelo menos, tentar trabalhá-la de forma a que

tais sentimentos não possam prejudicar de nenhuma forma nem a mim nem a ninguém

que possa pensar-se estar incluso entre aquelas pessoas que provocaram aqueles

sentimentos dos quais eu falei com um pouco de mágoa.

E que seja um amigo

Ou que seja um irmão,

Meu pai, um parente,

Minha mãe... todos são

Pessoas decentes

Que, presentes ou não,

Estão todos dentro do meu coração

São pessoas bondosas

Que me deram amor,

Conselhos, carinho,

Com os quais se formou

Este ser maduro

Pronto pro futuro,

Que é o ser que eu sou.

...

E a lembrança deles

Faz que eu possa pensar

Que a amizade é um Bem

Que maior não tem!

Que não pode acabar.

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Page 37: Corpo do livro

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