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Universidade Federal da Bahia Faculdade de Comunicação Coração Suburbano. O Pulsar da Cidade que a Cidade não Conhece Projeto Experimental para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Por: Gladys Santos Pimentel Orientador: Messias G. Bandeira Salvador Dezembro de 1999

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Page 1: Coração Suburbano. O Pulsar da Cidade que a Cidade não Conhece · “Coração Suburbano. O pulsar da cidade que a cidade não conhece” é um livro com uma série de reportagens

Universidade Federal da Bahia

Faculdade de Comunicação

Coração Suburbano.O Pulsar da Cidade que a Cidade

não Conhece

Projeto Experimental para obtenção do título de

Bacharel em Comunicação Social, com habilitação

em Jornalismo, na Faculdade de Comunicação

da Universidade Federal da Bahia.

Por: Gladys Santos PimentelOrientador: Messias G. Bandeira

Salvador

Dezembro de 1999

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Esta série de reportagens é dedicada à população

do Subúrbio Ferroviário, para que conheça um

pouco sobre a região onde mora e possa contribuir

para a melhoria de sua qualidade de vida.

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Agradecimentos

A minha família, que está sempre comigoonde quer que eu esteja; A Messias, mestre

querido; A Bené, pelo precioso apoio; A Jorge, o “Suburbano”; A Ana, Rege, Sílvio e todos aqueles que me “abraçaram” na produção

desta série de reportagens.

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“Uma pessoa que não sabe sobre a história do lugar em que vive, não tem integração com sua

comunidade, com sua cidade, com seu país.”

Silvio Ribeiro (presidente da Associação Amigos

do Parque São Bartolomeu)

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Índice

PARTE I .... 6Resumo ..............7Apresentação ..... 8

PARTE II ... 19

O recôndito que virou periferia ................ 20O Subúrbio no aniversário da cidade ........ 23

PARTE III ... 25

Parto da emoção ..... 26

PARTE IV ... 32

Mudança de Ares ...................................... 33 Relíquias do Passado ................................. 41Caminho de Ferro ...................................... 48 Lobato. Berço do Petróleo ......................... 61 Parque Pirajá/ São Bartolomeu .................. 65Paraíso Perdido .......................................... 71 Memória do Subúrbio ................................ 74 Um projeto para Novos Alagados .............. 77 Bugiganga tem valor na Feira do Rolo ...... 81 O futuro está no ar ..................................... 85

Anexo .......................................... 89Referências Bibliográficas .......... 90

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PARTE I

Apresentação

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Resumo

“Coração Suburbano. O pulsar da cidade que a cidade não conhece” é um livro com

uma série de reportagens sobre o Subúrbio Ferroviário de Salvador. Como Projeto

Experimental de conclusão do curso de Jornalismo da UFBa, utiliza o jornalismo

enquanto prática a serviço da sociedade para falar dos aspectos históricos, naturais e

turísticos de uma região, cujo potencial é pouco valorizado na cidade de Salvador. As

reportagens resgatam a memória do local, fazendo, ao mesmo tempo, um vôo entre o

passado e o presente e um mergulho no coração de quem se reconhece na história do

Subúrbio.

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Passo a Passo

O jornalismo tem um importante papel social. Como mediador entre o

fato e os diversos setores da sociedade, o jornalista é, antes de tudo,

prestador de um serviço público. Diante dessa característica, intrínseca a

todo fazer jornalístico, ocorreu-me a desafiadora idéia de conceber uma

série de reportagens sobre o Subúrbio Ferroviário como projeto

experimental para obtenção do título de Bacharel em Comunicação

Social, com habilitação em Jornalismo, na Faculdade de Comunicação da

Universidade Federal da Bahia.

Sei, desde já, os riscos de tal empreitada por escolher a região onde moro como objeto

de reportagem. Como diz a professora Rosângela Vieira Rocha, “o perigo de cair na

pieguice está sempre à espreita, quando se escreve sobre a cidade natal”1 . Apesar de não

se tratar de uma cidade propriamente dita, o Subúrbio Ferroviário tem peculiaridades de

um município da Bahia, a começar pelo número de habitantes: cerca de 360 mil

segundo o Diagnóstico Ambiental do Centro de Estudos Sócio Ambientais (Pangea), de

1997. Mas, como disse antes, é uma empreitada com delicioso sabor de percorrer os

limites, esquadrinhar o impasse sempre presente na vida do jornalista, esse bricoleur

que monta e desmonta histórias com o sofrido esforço da imparcialidade

1Utilizando a mesma frase da professora Rosângela Vieira Rocha no prefácio do livro de Cleidiana Patrícia Ramos, “Os Caminhos da Água Grande” - concebido também como trabalho final para a conclusão da graduação na Facom.

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A escolha do tema

A idéia inicial para a concepção dessa série surgiu por ocasião da freqüência na

disciplina Elaboração de Projetos em Comunicação com o professor e hoje vice-reitor,

Othon Jambeiro. Como o tema mostrava-se muito amplo para ser trabalhado em tão

pouco tempo, Jambeiro aconselhou que escolhesse apenas um aspecto do Subúrbio para

a pequena monografia. Assim, comecei a explorar os encantos do Parque São

Bartolomeu, levantar sua importância histórica, religiosa e turística para a cidade e os

principais problemas da reserva florestal. Realizada a pesquisa, passei a amadurecer a

idéia de abordar o Subúrbio Ferroviário no projeto final de conclusão do curso.

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Além de morar, desde que nasci, num dos bairros da região, o Alto do

Cabrito, queria contribuir, de alguma forma, com a melhoria da imagem

pública do Subúrbio. Havia crescido vendo meus vizinhos comentarem

sobre assaltos a ônibus, o perigo de sair de casa à noite ou de trazer

visitantes ao bairro. Nos noticiários da TV ou nas páginas locais dos

jornais, observava que o Subúrbio era sempre assunto quando se tratava

de deslizamento de terras, escassez de infra-estrutura, pobreza e

violência.

Somado a esses fatores sentia o deboche de colegas secundaristas

referindo-se ao bairro onde moro como “Alto dos Bodes” ou perguntando

se havia muitas cabras por lá. Minha consternação cresceu ao fazer

currículos para amigas que, em função das circunstâncias, eram

condicionadas a utilizar o endereço de colegas do centro para conseguir

um emprego. Estas observações despertaram em mim a necessidade de

colocar a serviço do Subúrbio o que aprendi durante a trajetória

acadêmica e os estágios. Uma espécie de feedback, tendo como gancho a

função social do jornalismo e suas implicações.

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Passei então a refletir sobre os vários aspectos que deveriam fazer do

Subúrbio Ferroviário motivo de orgulho para sua população: as igrejas

dos séculos passados; o primeiro poço de petróleo do Brasil, explorado

no Lobato; a estrada de ferro; o Parque São Bartolomeu, a belíssima vista

da Baía de Todos os Santos, enfim, preciosas informações suficientes

para acender uma chama de orgulho no coração dos moradores e levantar

sua auto-estima.

O livro

Dar ao projeto o formato de um produto foi a forma encontrada para

tornar mais acessível às pessoas, em especial os moradores da região, o

resultado da pesquisa. A comodidade oferecida pelo livro, a

possibilidade de colocá-lo nas escolas públicas e particulares, em

bibliotecas, instituições de bairros e comunidades religiosas tornaram-no

o melhor recurso para alcançar os resultados pretendidos. Além disso, o

suporte oferece também possibilidades criativas de trabalhar o conteúdo

das reportagens, de modo a incitar a leitura dos prováveis leitores que se

identificarão com a pesquisa.

É o que Umberto Eco define como leitor-modelo 2 , “uma espécie de tipo

ideal que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura

criar”. Ao executar o projeto, delineava sempre o leitor alvo das

reportagens, pessoas as quais a pesquisa pudesse servir como fonte de

informação, a exemplo dos moradores do Subúrbio e todos os 2 Eco, Humberto. Seis Passeios pelos Bosques da Ficção. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

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interessados na história da cidade, em especial, na memória de uma das

áreas mais carentes de Salvador.

A opção pelo formato deriva também das possibilidades oferecidas pelo

livro, dentro da tendência atual de se tomar a literatura como referente

das realizações criativas no jornalismo. Isso deu maior liberdade na

redação das matérias desta série, uma vez que o enfoque dos temas

abordados está diretamente vinculado ao passado nostálgico do Subúrbio

Ferroviário, fugindo, de certo modo, de uma das leis que regem a

profissão: a atualidade. Os 450 anos de Salvador foi a ponte perfeita para

trazer os temas à tona.

O livro é o suporte ideal para mesclar elementos da literatura no texto

jornalístico. Ele permitiu que utilizasse, por exemplo, trechos de livros

de Jorge Amado, composições musicais, poemas e introduzir algumas

matérias na forma de pequenos relatos, esquivando-me da “camisa de

força” das técnicas tradicionais. O “novo” jornalismo que se descortina

permite ao repórter ir além das pautas estanques, em busca de um diálogo

maior com as fontes de informação. Foge das técnicas tradicionais de

produção de mensagens: pirâmide invertida, lead, e “nariz de cêra” e “se

aproxima das conquistas artísticas para poder renovar o estilo e, em

última instância, o grau de eficiência dos textos quanto à comunicação

propriamente dita”, expõe Cremilda Medina3 .

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A médio prazo pretendo captar apoio, visitando instituições como a

Fundação Cultural, a Entursa ou mesmo o Projeto Fazcultura, por

exemplo, a fim de captar recursos para a publicação deste trabalho. Sem

essa ação maior o projeto perde sentido, uma vez que foi pensado e

executado para, ao menos, chegar às mãos da população suburbana, a fim

de que conheça um pouco melhor a região onde mora e muna-se de

subsídios para lutar por seu desenvolvimento como um todo. Nas etapas

para a publicação é provável que a série de reportagens sofra algumas

alterações como introdução de novas matérias.

A produção

As matérias foram produzidas tendo como suporte perfis de personagens

do Subúrbio. O relato de velhos moradores da área, a história da gente

simples que viu o Subúrbio expandir-se e desordenar-se, em detrimento

de suas belezas naturais e da qualidade de vida da população.

Personalidades que viveram ou que ainda vivem no local e que hoje têm a

visibilidade conferida pelos veículos de comunicação, a exemplo do

apresentador Raimundo Varela, do vice-prefeito Marcos Medrado e do

historiador Cid Teixeira foram também entrevistadas. O resultado são 46

entrevistas e 10 fitas utilizadas no trabalho de campo.

MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista; O diálogo possível. 3ª edição, São Paulo, Editora Ática

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As dificuldades encontradas para execução deste projeto envolvem desde

a produção da pauta, no momento em que se tenta marcar um horário com

o possível entrevistado, ao recorte, dentro do mar de informações

recolhidas. O famoso geógrafo, Milton Santos, que na década de 60

realizou, junto a seus alunos, uma pesquisa sobre alguns bairros da

região foi excluído da pauta do projeto, depois de várias tentativas de

contactá-lo. No Instituto de Geociências da Faculdade de Geografia da

UFBa cheguei até Maria Auxiliadora da Silva, professora e amiga do

geógrafo. Ma Auxiliadora trabalhou com Milton na produção de uma

pesquisa sobre o Subúrbio para o Boletim Baiano de Geografia .

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não possui dados

específicos sobre o Subúrbio Ferroviário, dificultando por exemplo

encontrar informações concretas sobre episódios do Dois de Julho. Até

mesmo os livros de história do Brasil não entram em detalhes sobre o

episódio da batalha contra os invasores holandeses ocorridos em Pirajá e

Cabrito, informação importante na matéria sobre o Parque São

Bartolomeu e a região ao seu lado, Pirajá

A seleção dos temas para as reportagens obedeceu a critérios como

importância histórica, natural, religiosa e turística para o Subúrbio

Ferroviário. Procurei fugir dos dados estatísticos característicos da

cobertura local sobre a região, como índice de evasão escolar, número de

pessoas que concluem o primeiro e o segundo graus, índice de assaltos a

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ônibus, taxas de natalidade e mortalidade infantil. Esta série se propõe a

mostrar o outro lado do subúrbio, os encantos de uma região que a cidade

quase nada conhece. Por isso, a opção em dissecar os temas através do

relato da história de vida de alguns moradores.

Sobre isso, Cremilda Medina, em entrevista para Jucineide Machado 4,

afirma que hoje há uma tendência muito perversa de desumanização da

informação jornalística:

“Eu vejo isso pela distorção que se faz de deslocar o centro da pauta, homem, para números. Então, toda vez que se faz uma pauta, se desenvolve uma cobertura de uma tendência contemporânea (seja de saúde, de habitação, de emprego ou qualquer tema, seja o que for) o papel de destaque é o gráfico numérico, é a estatística e não a história de vida, o humano. Eu acho que esse é um sintoma alarmante, porque, quando se deixa de fazer histórias de vida, de garimpar na realidade contemporânea, esse sujeito anônimo que está aí, sofrendo e fazendo a história, em função dos números ou dele ser representado por números, ou em função de personagens oficiais, que são normalmente as vedetes da cobertura, nós estamos sendo pouco dignos com nossos companheiros de viagem. A contemporâneidade é narrada, é narrativa viva na medida em que ela recupera as histórias humanas que estão aí no cotidiano.”

Na organização da série, os temas foram dispostos, em primeiro lugar, de

acordo com sua sucessão na história do subúrbio, por isso enfoquei

primeiramente as igrejas, a estrada de ferro e o Petróleo; em segundo

lugar em função do significado do ponto de vista natural/religioso,

explorando, no caso, o Parque São Bartolomeu e as praias. E em terceiro,

4 JUCINEIDE, Ma Machado. Irmandade da Boa Morte – a comunicação pelo mistério. Projeto Experimental para obtenção do título de graduação em Jornalismo. Orientadora: Rosângela Vieira Rocha. Salvador, janeiro de 1997.

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optei pelos temas de peso social como a Fábrica de Tecidos São Brás, os

Novos Alagados e a Feira do Rolo. A abertura da série é uma matéria

sobre a região de modo geral e a de conclusão versa sobre as

perspectivas para a melhoria do local.

Os resultados

Em primeira instância, o suporte me permitiu aglutinar os conhecimentos

adquiridos durante o curso e lançar mão dos textos jornalísticos,

colocando em prática disciplinas que são pilares da habilitação. Assim, a

imagem da professora Rosângela Vieira Rocha, nas disciplinas

Comunicação Jornalística e Teorias do Jornalismo , esteve sempre

presente quando encontrava-me, por exemplo, diante de matérias da

grande imprensa versando sobre a região e quando procurava o enfoque a

ser dado nas matérias que eu iria escrever. Pude perceber então, o quanto

a imprensa baiana é superficial, precária no que diz respeito a apuração

dos fatos e, sobretudo, tendenciosa.

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A morte de Cuia, um surfista do trem suburbano, teve uma cobertura que

deixou muito a desejar. O jornal A Tarde, por exemplo, não identificou

quem foi o jovem que morreu um dia antes do dia das crianças. Tratou-o

como indigente, cuja vida pouco importava à sociedade. Na cobertura de

“Sábado no Parque”, no dia 6 de novembro, um dos eventos da Aliança

para o Parque, entidade que reúne associação de moradores, terreiros de

candomblé etc., na Reserva Florestal do São Bartolomeu, a TV noticiou

uma cerimônia fechada do candomblé como parte integrante do evento .

“Depois que chegou, a imprensa foi para dentro da mata filmar uma

cerimônia reservada de matança para o caboclo. Eles noticiaram o fato

como se fizesse parte do “Sábado no Parque”, o que não foi verdade. A

cerimônia era reservada e não poderia ser filmada”, disse Sílvio Ribeiro

presidente da Associação Amigos do Parque São Bartolomeu e um dos

coordenadores do evento. A religião foi, dessa forma, utilizada para

folclorizar o tema e a cobertura jornalística resultou num trabalho

completamente deturpado. “Já que a população não tem consciência do

que é a religião do candomblé, a mídia piora a situação ao expor isso

para o público, passando uma imagem de que aquilo é uma cerimônia do

satanás”, desabafou Sílvio.

Das oficinas de jornalismo, pude aplicar os processos de produção de

pauta, e redação das matérias. Uma das grandes experiências de vida

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profissional descobertas na realização deste projeto refere-se ao primeiro

passo antes do início do trabalho. Ao invés de começá-lo pelas pesquisas

e entrevistas de campo, comecei recolhendo, nos arquivos público e

municipal, todas as informações sobre a região. Isso consumiu um certo

tempo, uma vez que, no trabalho de campo descobri que muitas fontes já

têm material sobre o assunto. É claro que uma das características

principais de todo bom repórter é estar bem informado e fazer uma

espécie de “pré-venda”, antes de começar a entrevista. O desafio por não

ter inicialmente referências de fontes para entrevistar foi superado nas

atividades de campo quando percebi que uma fonte de informação,

normalmente, leva a outra.

As descobertas conceituais sobre o Subúrbio foram também muito

interessantes. Dos dois principais meios de transporte da região derivou a

expressão que caracteriza a área: Subúrbio Ferroviário e Avenida

Suburbana. O primeiro é mais abrangente e traz no significado a história

do local, diretamente influenciada pela implantação da estrada de ferro,

no início deste século. O último, no entanto, remete à Rodovia Afrânio

Peixoto, cuja implantação, na década de 70, determinou profundas

mudanças no desenvolvimento ocupacional do Subúrbio.

A realização deste projeto foi de fundamental importância para meu

crescimento pessoal e profissional. Pesquisando sobre cada patrimônio

do Subúrbio Ferroviário, região onde moro desde que nasci, descobri um

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pouco mais sobre mim mesma. Somado aos patrimônios históricos,

naturais e religiosos, o Subúrbio guarda uma série de bens simbólicos,

como a belíssima vista da Baia de Todos os Santos; o exemplo da força

dos Alagados e gente simples como Seo Lindu , memória viva da antiga

fábrica de Tecidos de Plataforma. Este projeto é uma pequena forma de

dividir minhas descobertas com os vizinhos e visitantes a fim de que,

fazendo um passeio pelos “bosques” dessa leitura, possam também ver

um pouco de si mesmo nas estrelinhas da narrativa.

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PARTE II

Breve contextualização do Subúrbio Ferroviáriocom a cidade de Salvador e seus 450 anos

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O recôndito que virou periferia

Desde 1972, quando foi criada a Região Metropolitana de Salvador, o

Subúrbio definiu-se decisivamente como periferia da capital, deixando no

passado os períodos áureos do distante local de veraneio da classe média

baiana, como Jorge Amado descreveu em seus livros Os Velhos

Marinheiros e Bahia de Todos os Santos. Nos dias atuais, a área

suburbana está intrinsecamente articulada ao contexto urbano de

Salvador.

Com a expansão urbana, a capital tornou-se marcada, principalmente, por

uma área central, onde estão concentrados os serviços de administração,

comércio e finanças e, nos seus arredores, lugar de moradia para a elite

local. A valorização do preço do solo, no centro, não permitiu a

aquisição por parte da classe trabalhadora, expulsando as camadas mais

pobres da população para áreas suburbanas, onde era menor o preço dos

terrenos e havia um importante meio de transporte. Isso resultou na

segregação da elite junto ao centro e da classe operária no Subúrbio

Ferroviário, inclusive em Paripe e Periperi.

Perante a pesquisa é oportuno destacar algumas conclusões apreendidas.

Em primeiro lugar, percebe-se que a gênese do espaço suburbano

coincide com a inserção da economia baiana no contexto das

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modernizações industriais, tendo em vista que aumentaram as ligações de

Salvador com outras regiões através do fluxo de mercadorias, de capitais

e de idéias. Essa rede de ligações foi viabilizada através da via férrea e

pelos transportes marít imos. Com as modernizações, a indústria têxtil se

instala nas áreas suburbanas e se articula com outros elementos já

existentes no local, provocando o surgimento dos atuais bairros.

Esses bairros eram definidos como “aglomerado dormitório” 5 , conceito

muito utilizado na década de 60, visto que parcela da população passava

o dia fora trabalhando, seja na estrada de ferro, na Base de Aratu ou no

centro, só retornando à noite. Apesar das deficiências, o Subúrbio já

oferece, nos dias atuais, pequenos empregos e serviços para a população

local, uma vez que esta tinha que recorrer as ofertas de trabalho no

centro da cidade.

Os bairros do subúrbio, apesar de manterem uma função industrial, eram

sobretudo residenciais, já que as áreas urbanas eram controladas pela

classe dominante. O que gerou a segregação residencial impulsionada por

essa classe nas áreas “nobres” e imposta por ela sobre os grupos sociais

do Subúrbio, destituídos de infra-estrutura básica e de serviços. Nesta

perspectiva, o conceito de periferia, que segundo Caldeira 6 “além de

indicar distância aponta para aquilo que é precário, carente, 5 PEIXOTO, C. S. & CALDAS, E. M. O Subúrbio de Periperi e a expansão recente da cidade do Salvador. Boletim Baiano de Geografia, Salvador, 8 (9/11): dezembro, 1965. 6 CALDEIRA, T. P. R. O que, como, porque, onde... In. A política dos outros: o cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam dos poderes e poderosos. São Paulo, Brasiliense, 1988.

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desprivilegiado em termos de serviços públicos e infra-estrutura” tornou-

se mais adequado para qualificar a região nos dias atuais.

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O Subúrbio no aniversário da cidade

No ano em que Salvador completa quatro séculos e meio, a cidade

começa a despontar com cenário renovado a partir do ensejo da prefeitura

em criar uma nova política urbanística de valorização das praias e áreas

do centro da cidade, de resgate dos espaços públicos, aliados a novas

possibilidades de desenvolvimento.

A recuperação do Centro Histórico, a ampliação do Aeroporto

Internacional Luís Eduardo Magalhães, a execução do programa de

despoluição da Baía de Todos os Santos - BAHIA AZUL - e a

implantação de grandes parques como o Metropolitano de Pituaçu,

Abaete, Costa Azul e Dique do Tororó, são partes integrantes do

conjunto de ações que vêm sendo desenvolvidas na Região Metropolitana

de Salvador, visando a implantação do modelo turístico desejado.

Em paralelo a essa política, a Prefeitura Municipal pretende executar e

implantar o programa de recuperação ambiental e reestruturação urbana

da região do Subúrbio Ferroviário, a exemplo do Projeto Novos

Alagados. A pertinência do tema escolhido para o trabalho final de

conclusão do curso de Comunicação encaixa-se nesse quadro: aniversário

de Salvador/Política Urbanística X periferia. Por que o Subúrbio

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Ferroviário, não se constitui hoje como uma das áreas importantes da

cidade?

Relegado face o discurso que se pretende hegemônico de áreas "nobres",

ele é muito pouco explorado em relação ao potencial natural, turístico e

histórico que oferece. Nesse sentido, para tornar Salvador, além de

turística e bonita, uma cidade mais funcional, confortável e menos

injusta é preciso que o embelezamento arquitetônico e urbanístico

empreendido pela Prefeitura Municipal contemple também o lado social.

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PARTE III

Breve reflexão sobre o gênero. O “novo”jornalismo e suas relações com a literatura.

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Parto da emoção

“O parto da emoção terá de ser substant ivo; aemoção deve passar por meio da atmosfera narrat iva,

da penetração sut i l nas entrel inhas do diálogo, nos s i lêncios , no r i tmo de cada pessoa. Todos os art i f íc ios da experimentação que a l inguagem art ís t ica acumula

e reinventa: essa, a fonte inesgotável de aprendizado para o comunicador social . ”

(Cremilda Medina)

Pensar hoje os laços que unem os dois campos, jornalismo e literatura, já

não mais significa reduzir um ao outro. Significa, principalmente,

mostrar-se aberto para as diferenciações que eles mantêm entre si. A obra

literária possui métodos próprios, nem sempre possíveis ao jornalismo e

vice-versa. Contudo, não se pode negar as ligações entre a linguagem

literária e a jornalística. Assim é que, pelo fato de se tratarem ambas –

literatura e jornal – de linguagens impressas, nada mais natural que se

tome a literatura como referente do jornalismo.

Existe apropriação de recursos literários transportados para a escrita

jornalística, assim também como a literatura têm recorrido ao jornalismo

para enriquecer suas técnicas, ou melhor, sua estrutura narrativa. A

evocação de uma obra pela outra, na literatura, demonstra uma relação

íntima com o texto, a intertextualidade adquire importância que vai

muito além do uso de um mero recurso textual. Quanto mais o texto é

revisitado, mas ele se consagra enquanto texto literário. Já no

jornalismo, a intertextualidade pode ser detectada através de outros

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fragmentos da fala, organizado pelas técnicas jornalísticas, sobretudo no

jornalismo declaratório.

Sobre a relação jornalismo e literatura, Alceu Amoroso Lima, em O

Jornalismo como gênero Literário, proclama que o primeiro tende, cada

vez mais, a tornar-se gênero do segundo. Ele considera assim, o

jornalismo como literatura de apreciação dos acontecimentos. Assertiva

que, de certa forma, nega a tentativa do jornalismo de trilhar um campo

relativamente autônomo dos outros processos comunicacionias. Como ele

mesmo reconhece, a literatura é arte, é criação. O jornalismo, embora

possa se utilizar do talento artístico, “é uma modalidade social de

conhecimento cristalizada no singular”, segundo Adelmo Genro Filho. 7

A técnica da entrevista apoiada na literatura tem encontrado resistência

por parte de adeptos do jornalismo tradicional, centrado na objetividade

e fiel seguidor da pirâmide invertida. Essa fórmula ilustra que a notícia

caminha da informação mais importante para a menos importante,

criando uma tendência a uniformizar os primeiros parágrafos. A

hiperutilização do lead, introduzido no Brasil por Pompeu de Souza,

desestimula a criatividade dos repórteres na medida que padroniza a

redação das matérias e impede que o jornalista seja também um

decodificador dos fatos, ao invés de apenas um mero redator.

7 GENRO Filho, Adelmo. O Segredo da Pirâmide. Para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Airton Ortiz, 1989.

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As clássicas perguntas do Lead (o quê, quem, quando, onde, como e por

quê) e pirâmide invertida não foram inventadas para chamar o leitor à

reflexão, mas apenas para informá-lo de maneira mais fácil, rápida e

superficial tornando-o indiferente e evitando que pense. A adoção do

lead, introduzida por Pompeu de Souza, reforça a consonância entre os

diversos artigos em mídias distintas, favorecendo a repetição,

aproximando as abordagens e fazendo crer que a mídia é a transcrição

objetiva do real.

O “novo” jornalismo, que eclodiu nos Estados Unidos na década de 60,

tenta oferecer ao jornalismo uma nova forma de apreensão e percepção

dos fatos. Algo que vai muito mais além do que o simples relato

jornalístico pautado numa falsa objetividade. Ele recorre as formas

literárias para obter um reforço da reportagem, para dizer algo que seria

impossível dizer na forma do jornalismo tradicional. Apropria-se das

técnicas literárias a ponto de empregar nos textos as técnicas de cena-a-

cena, o diálogo e o ponto de vista do fluxo da consciência, recurso até

então usado na literatura.

No entanto, é de grande relevância ressaltar que não se deve retirar o

caráter jornalístico das reportagens dos “novos’ jornalistas pois é

marcado pela existência forte de fatos reais, verificáveis, embora a

subjetividade do narrador-jornalista seja mais visível em relação aos

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textos tradicionais. Além do mais, a reportagem não é simples ampliação

da notícia, até por que recairia no sensacionalismo.

Para Cremilda Medina 8 , jornalistas e comunicadores devem se aproximar

das conquistas artísticas para poderem renovar seu estilo e, em última

instância, o grau de eficiência de seus textos quanto à comunicação

propriamente dita. O “novo” jornalismo reclama mais investigação,

interpretação e mais liberdade no trato com os fatos. Ao mesmo tempo

que estimula o talento artístico do repórter, explora os recursos

oferecidos por essa modalidade de conhecimento como a recorrência à

própria literatura.

De qualquer forma, as inovações trazidas da literatura foram

enriquecedoras para o jornalismo, mas não significa que tenha sido

aceitáveis. Não se pode classificar como literatura tudo o que aparece no

jornal, e que, muitas vezes, se caracteriza pelo mau uso da expressão,

pela precipitação e superficialidade. Empreender técnicas do novo

jornalismo requer, antes de tudo, talento artístico.

Tudo o que é tomado emprestado da realidade não convém forçosamente

a uma obra literária. Assim também, não se vê na natureza do fato, de ter

por matéria o atual, portanto efêmero, um impedimento para que possa

8 MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: o diálogo possível. 3ª ed., São Paulo: Ática. 95,96p. (Princípios 105).

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constituir-se como obra literária. Tudo dependerá da maneira de tratar a

matéria, combinando a correção e a beleza da expressão verbal com o

elemento julgamento, exercício da inteligência, do discernimento, da

análise que deve entrar em jogo. Pois, o jornalista não é apenas aquele

que informa. Vivendo no meio dos acontecimentos, em pleno fluxo vital,

informa para formar, cria e orienta a opinião pública. E quanto mais o

fizer com idéias claras, sustentadas por uma indispensável cultura geral,

manejando com estilo vivo e preciso, tanto mais o jornalismo se

aproximará da obra literária.

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PARTE IV

Série de reportagens sobre o Subúrbio Ferroviário

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Inserir foto “Por do sol”

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Mudança de Ares

DDa vida bucólica do passado ao crescimento populacional

desordenado. O Subúrbio Ferroviário deixou de ser uma pacata região de

veraneio da classe média baiana expandindo-se como periferia de

Salvador. Ao longo dos seus 4,2 mil hectares, aproximados, sobrevive

um grande patrimônio histórico, natural e turístico, cujo potencial não

constitui-se foco de interesse da capital baiana.Com 360 mil habitantes,

cerca de 15% da população de Salvador, o Subúrbio tem peculiaridades

de um município da Bahia. É mais populoso do que a capital do Espírito

Santo, Vitória (266 mil/hab.) e de Santa Catarina, Florianópolis (271

mil/hab.).

Junto ao crescimento populacional da área, a região passou a ser

sinônimo de pobreza, violência e periculosidade se comparada aos outros

locais da cidade. Uma realidade distante da paisagem nostálgica

relembrada por antigos moradores. Banhado pela Baía de Todos os

Santos, o Subúrbio está localizado numa região privilegiada de Salvador.

É limitado ao Leste pelo Parque São Bartolomeu, ao Norte pela Base

Naval de Aratu e ao Sul pelo antigo Bairro da Calçada.

O nome, “Subúrbio Ferroviário”, vem de uma madrinha influente

na região: a Estrada de Ferro Bahia a São Francisco construída na

segunda metade do século XIX. A essa ferrovia deveu-se o início do

processo de ocupação do Subúrbio, que pouco se diferenciava das outras

localidades de engenhos açucareiros do Recôncavo. Até a década de 70, o

acesso ao local só era possível através da antiga Estrada das Boiadas, que

compreendia um trecho da atual BR-324, de canoas pelas águas da Baía

ou de trem. Hoje, pode-se chegar na região principalmente pela BR-324 e

pela Avenida Afrânio Peixoto, uma rodovia que percorre boa parte da

área em paralelo à via férrea.

Gildete Batinga de Farias trabalhou 20 anos na ferrovia e relembra,

com nostalgia, a época em que viajar de trem era um agradável passeio à

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medida que a paisagem descortinava-se à velocidade dos trilhos. Segundo

Gildete e seus colegas de trabalho, ela foi a primeira mulher a exercer a

profissão de engenheira na Bahia. “Costumava levar meu filho para

passear. A paisagem era linda. O lado do mar era uma beleza”, diz a

engenheira, hoje com 80 anos. Com a implantação da Avenida Afrânio

Peixoto, a ferrovia deixou de ser o principal meio de transporte dos

moradores.

A criação da rodovia, também chamada Avenida Suburbana, e do

Centro Industrial de Aratu, na década de 70, foram fortes impulsos para

o desenvolvimento ocupacional do Subúrbio. Com terrenos mais baratos

em relação ao centro, a região vinha sendo ocupada por imigrantes do

campo, atraídos pela fase urbano-industrial da cidade nos anos 50.

Segundo Raimundo Varela, a falta de um serviço de migração ligado ao

governo contribuiu para o crescimento desordenado do Subúrbio: “A

pessoa veio do interior, não sabe nem plantar direito, o que veio fazer

numa área como Salvador? Morar numa favela? Não há políticas públicas

voltada para o setor rural. Temos uma explosão demográfica

descontrolada no Brasil e o Subúrbio, por ser uma área mais acessível

para habitação, pagou caro por isso”, afirma.

Paraíso à beira marEntre os atrativos do Subúrbio Ferroviário está a Base Naval de

Aratu com a convidativa praia de Inema: um privilégio desfrutado por

poucos como o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, a

primeira dama, Ruth Cardoso, e outros convidados da Marinha. Próximo

à Base, pode-se chegar a uma pequena ilha da costa baiana, a Ilha de

Maré, pegando-se uma lancha na praia Base Naval. Um passeio de 20

minutos para apreciar a tranqüilidade de um lugar quase inabitado.

À revelia da imagem externa do Subúrbio, pulsa - em meio ao caos

da periferia urbana - um raro ecossistema de beleza natural e religiosa. O

Parque Metropolitano São Bartolomeu/ Pirajá é o grande orgulho da

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região. Objeto hoje de interesse governamental, o parque possui três

cultuadas cachoeiras, Nanã, Oxum e Oxumaré, a Bacia do Cobre e parte

dos últimos resquícios da Mata Atlântica na Bahia, constituindo-se como

uma importante área para o turismo no local. É no mangue do parque que

os Novos Alagados construíram suas palafitas. Sobrevivendo em

condições extremamente inóspitas e insalubres, estas famílias são

expressões de uma parcela do povo suburbano.

O Subúrbio Ferroviário abriga, ainda, quatro relíquias dos séculos

passados: as igrejas de São Brás, em Plataforma; Nossa Senhora de

Escada, em Escada, Nossa Senhora do Ó, em Paripe e Nossa Senhora das

Neves, em Ilha de Maré. Outro edifício de grande significado histórico

para a região resiste ao tempo mesmo face ao abandono. Fundada em

1886, em Plataforma, a antiga Fábrica de Tecelagem São Brás empregou

uma parte expressiva da população de Plataforma, Periperi e Paripe,

primeiros bairros do Subúrbio.

Fatos históricos, decisivos na história do estado, aconteceram

também próximos à região. Localizado entre a Suburbana e a BR-324, o

bairro de Pirajá foi palco das lutas pela Independência da Bahia, travadas

em 8 de novembro de 1822, culminando no triunfal Dois de Julho de

1823 e na consolidação da Independência do Brasil. O "viveiro de

peixes", Pirajá, no idioma tupi, sediou também a Sabinada no processo

republicano na Província da Bahia e abrigou diversos quilombos que

reuniam centenas de negros rebeldes contra o sistema escravista.

Foi na periferia da cidade também que o ouro negro brasileiro

jorrou pela primeira vez. Em 1939, no bairro do Lobato, as pesquisas do

baiano Oscar Cordeiro comprovaram existência do petróleo no país.

Outra característica peculiar do Subúrbio Ferroviário reside nas criativas

maneiras encontradas pela população para esquivar-se do desemprego de

cada dia. A domingueira Feira do Rolo traz de volta antigos costumes

como o Escambo, e inova com ousadia ao possibilitar o comércio de

objetos inusitados e até mesmo roubados.

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Filhos da Terra

Quando Tomé de Souza construiu Salvador fez uma fortaleza para

defender a cidade dos ataques dos invasores. Por isso, ele preferiu a

cidade do lado mais alto, que é o centro de Salvador. Se com ele tivesse

vindo um arquiteto, um paisagista, alguém que tivesse dimensão de

beleza, com certeza, a construção se daria pelo litoral suburbano, que já

foi o mais bonito da cidade. A afirmação é do vice-prefeito de Salvador e

secretário dos Transportes, Marcos Medrado. Ele chegou ao Subúrbio

com nove anos. Aos 50, diz que o lugar lhe trouxe muita sorte na vida e,

que por isso, não pretende sair da região. Além de estar mais perto dos

seus prováveis eleitores, Marcos tem o local como sua segunda terra, já

que nasceu em Mucugê, interior da Bahia.

O Subúrbio Ferroviário foi um dos locais preferidos de

personalidades públicas e culturais, como o médico João Batista Carybé,

o ex-governador Roberto Santos, a cantora Sarajane, e o historiador Cid

Teixeira. Todos eles residiram muitos anos no Subúrbio. Há quem diga

que Chacrinha veraneava na região. Cid Teixeira conta que ao casar, em

1950, escolheu morar em Itacaranha com sua esposa. “Os grupos sociais

aos quais eu pertencia estranharam, pois podendo morar em bairros do

centro preferi o Subúrbio Ferroviário. Na década de 50, era muito bom

morar em Itacaranha. O Subúrbio era um dos lugares mais belos da

cidade”, lembra. Quem também já registrou sua passagem pelo local é o

escritor Jorge Amado. Foi em Periperi que o autor assinou o guia Bahia

de Todos os Santos, em 1944. Em 8 de março de 1979 surgia na região o

grupo Araketu, hoje sucesso nacional.

Aos três anos, o apresentador Raimundo Varela fixou-se na região

com sua família. “Nasci em Itabuna. Morei primeiro em Periperi e depois

em Paripe”, diz o apresentador. Varela Chegou ao Subúrbio em 1950, lá

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estudou e trabalhou durante 29 anos. Segundo ele, o motivo que o fez

sair do local foi um convite de trabalho do amigo França Teixeira para

que fosse trabalhar na Rádio Clube de Salvador, em Nazaré, e na TV

Itapoã, na Federação. “O França me pediu para morar no Jardim Baiano

por que era mais perto do trabalho e eu tinha que fazer resenha de

manhã, meio dia e de noite”, explica. Há cinco anos o apresentador mora

no Horto Florestal de Salvador.

As pessoas simples e antigos moradores do Subúrbio Ferroviário

contam muitas histórias sobre temporários visitantes que se renderam aos

encantos da área. “Soube, através de um colega de faculdade, que

Gregório de Matos morou em Praia Grande. Antônio Carlos Magalhães

teve em Itacaranha quando jovem, dizendo amar o local e que ia mudá-lo

um dia. As famílias Mendonça, Peixoto e Magalhães, de classe média,

vinham para as festas de veraneio e a gente ficava na janela observando”,

relata Sílvio Ribeiro, 31 anos, morador do Subúrbio desde os quatro

anos.

Passado de Glória

“Só de raro em raro um fato inesperado rompe a monotonia dessa

vida suburbana. Isso de março a novembro, porque nos três meses de

férias, dezembro, janeiro, fevereiro, todos esses arrabaldes da Leste

Brasileiro, dos quais Periperi é o maior, o mais populoso e o mais belo,

enchem-se de veranistas. Muitas das melhores residências ficam

fechadas durante quase todo o ano, pertencem a famílias da cidade,

abrem-se apenas no verão. Aí então anima-se Periperi, invadido de

repente por uma juventude álacre: rapazes a jogar futebol na praia,

moças de maiô estendidas ao sol na areia, barcos a cruzar as águas,

passeios, piqueniques, festinhas, namoros sob as árvores da praça ou na

sombra dos rochedos”.

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Assim o escritor Jorge Amado descreve a vida no Subúrbio

Ferroviário nas primeiras décadas do século. Amante de todos os cantos

de sua terra natal, a Bahia, o escritor escolheu o Bairro de Periperi para

ambiente físico do romance Os Velhos Marinheiros, em 1961. No livro,

Jorge Amado discute as aventuras do Comandante Vasco Moscoso de

Aragão, que ao chegar no Subúrbio de Periperi muda a pacata rotina dos

moradores. Ao mesmo tempo em que o leitor se delicia com a saga do

personagem fictício, ele visualiza, em certos momentos da leitura, um

panorama descritivo da população, do modo de vida e dos costumes do

bairro, na época, considerado a capital do Subúrbio Ferroviário:

“A população estável (se excetuarmos pescadores e uns poucos

comerciantes – donos da única padaria, de uns dois bares, de outros

tantos armazéns de secos e molhados, da farmácia -, alguns funcionários

da Leste Brasileiro nas casas ao lado da Estação) é formada de

aposentados e retirados dos negócios com suas respectivas famílias,

quase sempre apenas a esposa e, por vezes, uma irmã solteirona. Alguns

desses idosos personagens afirmam preferir Periperi no seu pacato

quotidiano de antes e depois do verão, mas, em verdade, todos eles

terminam por envolver-se, de uma ou de outra maneira, na turbulenta

agitação do veraneio. Quando não seja, para espiar, com olhos

compridos e cobiçosos, os corpos femininos seminus na praia – cada

pedaço de mulher – ou para comentar acidamente os casais de

namorados nos cantos escuros.”

Tempos de luta- Um visitante que veraneou nos velhos

tempos no Subúrbio surpreender-se-ia, de imediato, se voltasse hoje ao

local. A população de classe média foi substituída pela de baixa renda, as

residências expandiram-se para além do litoral, ocupando os morros e as

áreas da mata. O ar bucólico cedeu espaço ao caos urbano, na formação

de favelas e no crescimento desordenado das famílias. As praias,

poluídas, atraem apenas a população local, sem maiores recursos

financeiros.

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Sem trabalho, parte da população suburbana encontrou no comércio

informal uma alternativa para tirar o sustento da família. As varandas,

janelas, salas, garagens, ou simplesmente todo o compartimento térreo

das residências servem como ponto comercial. São inúmeras mercearias,

quitandas, bares, mercadinhos, armarinhos, barbearias, lanchonetes,

salões de beleza, borracharias e oficinas mecânicas e eletrônicas. A

renda média da população varia de meio a dois salários mínimos.

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Inserir foto: “Igrejas”

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Relíquias do passado

FFoi no alto de uma colina voltada para a Baía de Todos os Santos,

dentro da ermida (pequena igreja) de Nossa Senhora de Escada, no

Subúrbio Ferroviário, que o padre José de Anchieta abrigou-se, em 1566,

para curar-se de malária. A paz e a beleza do local ofereceram condições

ideais para o restabelecimento da saúde do jesuíta espanhol que veio

catequizar o indígena no Brasil. Primeira capela de pedra construída na

Bahia, a Igreja Nossa Senhora de Escada é um dos mais antigos

patrimônios históricos do Estado esquecidos no Subúrbio. Junto à

arquitetura colonial, o edifício é de grande significado para a cidade por

inserir-se no processo de sua fundação.

“A igreja de Escada é uma das raras edificações de Salvador que

data do século XVI. Independente de sua importância arquitetônica, é de

grande significado como marco de um processo social”, explica o

historiador Cid Teixeira. Construída em 1536 pelo português Lázaro

Arévolo, em terras de sua propriedade, a igreja foi local de desembarque

das tropas do príncipe holandês Maurício de Nassau, em 1638, na invasão

à capital. Outro fato marcante na história da edificação é que nele

exercitou-se o direito de asilo, “pela primeira vez que se tem notícia no

mundo”, diz Cid Teixeira (veja boxe).

Mais antigas que a Igreja de Escada só existem em Salvador a

Capela da Graça, fundada em 1525, a Igreja Matriz da Vitória, em 1531 e

a Igreja da Ajuda que, se não tivesse sido demolida pela Companhia

Circular, seria a mais velha da cidade. A Igreja de Escada apresenta

grande semelhança com capelas rurais da Bahia, como a de São José do

Genipapo, em Castro Alves; Nossa Senhora da Ajuda, em Cachoeira; e

Santo Antônio dos Velasques, em Itaparica.

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O templo de Nossa Senhora de Escada foi tombado pelo Instituto

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (ISPLAN), em 1962, que

refez a fachada tentando restabelecer a concepção original. Novas obras

de conservação voltaram a ser realizadas em 1974, incluindo pintura,

troca de telhado, conserto da parede e do piso. A igreja tem sido alvo

também de pequenos serviços, graças à mobilização dos leigos e do

diácono alemão Janusz Sojka, que está hoje na Rússia.

Males da boa intençãoMarceneiro, Janusk lapidou na madeira um ambão, a mesa do altar

e uma grande cruz dentro do templo. Também foi ele o responsável pela

substituição das pedras do piso no rol e dentro da igreja e pela

construção de um muro em torno dela, impedindo assim que casas da

vizinhança ocupassem o terreno. As boas intenções de Janusk, contudo,

nem sempre agradaram alguns membros da comunidade e,

principalmente, a Prefeitura. Para Sílvio Ribeiro, 31 anos, morador de

Itacaranha, a intervenção de religiosos de outros países ou regiões, que

quase nada conhecem sobre a história do lugar, pode ser prejudicial à

comunidade. “A igreja vai, aos poucos, perdendo a referência original”,

avalia.

Há 30 anos membro ativa da comunidade de Escada, Dona Silvina

Cerqueira Maia, 70 anos, queixa-se da falta de atenção com o patrimônio

religioso do local. “A gente não tem ajuda de ninguém. O prédio está se

acabando. E a comunidade não pode fazer nada. Quando uma professora

mandou pintar as paredes e passamos cimento no piso desgastado deu o

maior problema com a prefeitura”, diz. Composta de alpendre, capela-

mor, nave, sacristia e sineira em arco, a igreja teve boa parte de seus

bens perdidos nos períodos de reforma.

Todo os dias, D. Silvina sobe a pequena colina para, no horário

mariano, fazer soar o sino convidando os fiéis para a reza do terço,

prática que repete nas manhãs de domingo, dia de missa. O sino que D.

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Silvina toca não é o original, ele está entre as peças que foram roubadas,

como o órgão e os bancos antigos. Nem a imagem de Nossa Senhora da

Conceição de Escada escapou das ações inconseqüentes. A coroa

verdadeira e o anel, ambos de ouro, também sumiram. “Seo Luís, um

senhor que tinha muita devoção por Nossa Senhora da Escada, foi quem

doou outra coroa de metal para a santa”, conta D. Silvina.

Igual destino teve a escada verdadeira que se fixava ao longo da

imagem. Para não perder sua principal referência, a escultura ganhou da

comunidade uma escada simples, feita de madeira ao invés do ouro. De

origem portuguesa e esculpida no século XVIII, a imagem tem 95cm e

chama atenção pela beleza e olhar sublime. “Os olhos são muito bonitos.

Parecem reais”, observa a senhora que é também uma das zeladoras da

igreja. Apontando para o globo azul sobre o qual se apoia a imagem, ela

revela que um dos dois querubins que existiam aos pés da santa caiu no

chão e quebrou, numa das limpezas.

Existem duas versões para a origem do nome Nossa Senhora da

Escada, uma local e outra de Lisboa. Cláudio Silva de Jesus, 23 anos,

morador de Plataforma explica o que ouviu de velhos moradores do

Subúrbio e foi passado a cada geração. “Nossa Senhora de Escada tem

esse nome por causa das escadarias que haviam na colina para chegar da

beira da praia até a capela. Na construção da estrada de ferro, cortou-se a

parte da colina com as escadarias”. Segundo a tradição portuguesa, a

devoção à santa é anterior à conquista de Lisboa. Junto à velha ermita de

Santa Maria da Escada, os pescadores amarravam seus barcos e, de mãos

erguidas, pediam à virgem que protegesse suas redes.

Outras Igrejas

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Mais quatro igrejas enriquecem a história do Subúrbio Ferroviário.

A Igreja de São Brás, em Plataforma; Nossa Senhora do Ó, em Paripe,

Nossa Senhora das Neves, em Ilha de Maré e a Igreja de São Bartolomeu,

em Pirajá. Todas construídas no século XVII e igualmente subvalorizadas

pela cidade de Salvador. As igrejas de Nossa Senhora das Neves e Nossa

Senhora do Ó foram construídas pelos jesuítas em terras de propriedade

de fazendeiros da região. Ilha de Maré pertencia à família Dias D’Avila e

Paripe era propriedade de João Martim, primeiro fazendeiro do local.

A capela Nossa Senhora do Ó, em Paripe, foi construída em 1614

constituindo-se local de catequese dos índios Aratus. Cid Teixeira diz

que a origem do nome vem do verso da “Salve Rainha”, dedicada à

Maria. “Ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre virgem Maria”, explica.

Já a Igreja de São Bartolomeu data de 1638 e está localizada numa colina

de Pirajá, às margens do Rio do Cobre. Tem esse nome por que os

jesuítas chegaram ao local em 24 de agosto, dia de São Bartolomeu no

calendário católico.

Construída pelos jesuítas para catequizar os índios da área, a

exemplo das tribos Itacaranha e Pirajás, a capela de São Brás, em

Plataforma, era feita de taipa e coberta com palha de palmeiras. Da

mesma forma que a Igreja de Escada, ela serviu como local de

desembarque das tropas holandesas na terceira tentativa de invasão à

cidade, em 16 de abril de 1638. Os moradores de Plataforma festejam

sempre a data, por ser de significativa importância para o lugar. “Ë

lógico que os interesses dos holandeses eram contra os da colônia

portuguesa, mas o que nós comemoramos é a data como marco de um

processo social”, diz Cláudio Silva de Jesus.

João Francisco Almeida Brandão foi o primeiro fazendeiro de

Plataforma. Sua propriedade estendia-se até a região de Pirajá.

Responsável pela ampliação da capela, procurou manter os detalhes

originais colocados pelos jesuítas. “Conta-se que Álvaro Catharino, filho

de Bernardo Catharino, dono da fábrica de tecidos da região, levou para

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Portugal a imagem de São Brás em estilo barroco para restaurá-la, em

1955, mas até hoje a escultura original não foi devolvida”, explica. A

imagem de São Brás que está hoje no altar da igreja não é a verdadeira

deixada pelos catequizadores.

Para a igreja não ficar sem a imagem de seu padroeiro, a Fábrica

de Tecidos São Brás doou uma outra do mesmo santo, que mantinha numa

capela no interior da companhia. A escultura original pode estar numa

das outras igrejas de São Brás do Brasil. Nas reformas pelas quais

passou, a capela teve seu altar modificado. Ele era todo pintado em ouro.

As tribunas de madeiras e as duas imagens de querubins foram retiradas,

dando mais simplicidade ao local.

É notável a descaracterização que os edifícios antigos do Subúrbio

Ferroviário vêm sofrendo. “Na Capela de São Brás, que hoje está

reformada, muito alterada da fisionomia original, havia festas

ruidosíssimas, que se realizavam a cada ano no dia 03 de janeiro, dia

consagrado pela Igreja Católica a São Brás. As pessoas faziam romarias

para benzerem a garganta e ficar com voz bonita”, recorda Cid Teixeira.

Exposto à ação do tempo e falta de projetos adequados de recuperação, o

patrimônio religioso do Subúrbio corre o risco de extinguir-se, perdendo-

se parte da história da Bahia.

A Ferro e Brasa

O curioso fato aconteceu em 1576, quando Sebastião da Ponte,

um rico senhor de engenho refugiou-se na Igreja Nossa Senhora de

Escada. Cruel nos castigos aplicados nos seus servos, ele ferrou o

ombro de um homem branco como se crava no animal a marca do seu

dono. O ofendido viajou para Lisboa e, perante o rei, deixou cair a

capa que levava sobre os ombros, em lágrimas, mostrou-lhe o ferrete

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pedindo justiça. Diante da agressão sofrida pelo homem, o rei

escreveu uma carta ao governador ordenando a prisão de Sebastião.

Ao tomar conhecimento do mandado, Sebastião utilizou-se de

uma inteligente artimanha: começou a andar com hábito e refugiou-se

dentro da igreja. Como não era casado, alegou que tinha ordens

religiosas e que, sendo clérigo, estava num local de extra-

territorialidade. Razões que levaram o bispo D. Antônio Barreiros a

interceder para que o agressor não fosse preso. O fato gerou um

grave conflito com o Governador Geral do Brasil, Luís de Brito, como

narra o baiano Pirajá da Silva nos comentários referentes à obra,

Notícia do Brasil, de Gabriel Soares de Souza:

“Começou logo a preceder a censuras e, finalmente, chegou o

negócio a tanto que houveram de vir às armas, correndo com ela o povo

néscio e inconstante, já o bispo com o temor das censuras, já o

governador com pena do temor capital que, ao som da caixa, se

publicava.” Depois de um ano criando problemas de ordem jurídica,

religiosa e administrativa na cidade, Sebastião foi preso, levado para

Lisboa e recolhido à prisão onde morreu.

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Inserir foto “Caminho de ferro”

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Caminho de Ferro

BBons tempos aqueles em que viajar no trem suburbano era um

romântico passeio pela Baía de Todos os Santos, como canta Caetano,

vendo “As casas tão verde e rosa/ Que vão passando ao nos ver passar/

Os dois lados da janela/ E aquela num tom de azul/ Quase inexistente

azul que não há/ Azul que é pura memória de algum lugar”. O trecho da

música Trem das Cores do cantor e compositor traduz a lembrança dos

passageiros que acompanharam a melhor fase do trem no Subúrbio.

Difícil esquecer a velha “Marta Rocha”, o trem “Motriz”, o “Mochila”, o

“Corujão” e a “Andorinha”. Coloridas recordações da época em que cada

locomotiva era um “ente” querido, com nomes carinhosamente escolhidos

pelos usuários.

“As pessoas mais velhas do Subúrbio Ferroviário lembram muito

bem do Cabrito de Zé Penteado, que era um maquinista com muito

sucesso na área, e da curva de João Fininho. Coisas que ficaram na

memória dos moradores daquela região”, recorda o historiador Cid

Teixeira. Muitos maquinistas, operários e engenheiros da ferrovia

moravam no Subúrbio em casas alugadas da Leste Brasileiro. Isso

facilitava a proximidade entre os funcionários da companhia e os

moradores e veranistas que utilizavam seus serviços. “Até por que,

naquela época, Salvador tinha 200 mil habitantes e o Subúrbio não era

tão populoso”, comenta o apresentador Raimundo Varela referindo-se às

décadas anteriores a 1950.

Calçada – Paripe é o mais antigo trecho da extinta Estrada de Ferro

Bahia a São Francisco, primeira ferrovia construída na Bahia e terceira

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do Brasil. Partindo da Calçada, o trem de passageiros percorre nove

estações: Lobato, Almeida Brandão, Itacaranha, Escada, Praia Grande,

Periperi e Coutos, desembocando 13,5km depois em Paripe. Na trajetória,

o trem passa por baixo de dois viadutos, um na Baixa do Fiscal e outro

no Lobato, e corre a região ora avançando no sentido do mar ora fazendo

fronteira com ele. Antes o caminho de ferro servia também para o

transporte de cargas, mercadorias, bagagens, encomendas e animais. Hoje

é o único trecho da malha ferroviária da Bahia que opera com transporte

de passageiros.

Durante a viagem é possível vislumbrar as ruínas de antigas

oficinas e fábricas da Leste, ao mesmo tempo que se tenta reconstituir a

história da ferrovia e, desse modo, do local onde está inserida. Raimundo

Varela decepciona-se com a situação das locomotivas. “Os trens tinham

poltronas acolchoadas, reclináveis e ar-condicionado, não era essa

sujeira que está aí hoje”, critica. O choque entre os vestígios do passado

e a dura “face” do presente é inevitável. O Subúrbio cresceu, tornou-se

periferia da grande Salvador, e o transporte ferroviário, que já foi o

preferido, tornou-se obsoleto, incapaz de concorrer com a moderna

avenida construída ao seu lado, a rodovia Afrânio Peixoto.

Serviço PrecárioCom precários e escassos serviços de manutenção e infra-estrutura,

o primeiro trecho inaugurado da antiga Estrada de Ferro Bahia a São

Francisco, Calçada–Paripe, atende hoje apenas à pequena demanda de

passageiros que moram próximo às estações e que, mesmo assim, nem

sempre pagam passagem. Boa parte do caminho de ferro é aberto,

dificultando o controle pela Companhia Brasileira de Transportes

Urbanos (CBTU) dos usuários que utilizam o serviço sem pagar por ele.

O percurso Calçada-Paripe é feito em 30 min, variando o intervalo

entre um trem e outro de 20 em 20 min nos dias úteis, e de 30 em 30 nos

feriados. O transporte ferroviário de passageiros não funciona nos

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domingos. Os horários de funcionamento são de segunda a sexta das 6h

às 21hrs, sábado das 6h20 às 18h30 e feriados de 7h30 às 18hrs.

A tarifa cobrada é de R$0,36, o que representa uma economia de

60% em cada passagem de trem se comparada com a do transporte

rodoviário. O valor da passagem sofreu dois reajustes antes de completar

um ano. Até 5 de outubro pagava-se R$ 0,32, preço fixado em novembro

do ano passado. Mesmo com o baixo custo da tarifa, apenas 5.500

passageiros passam pelo guichê de um fluxo diário estimado em 10 mil,

explica o superintendente Al Melo. “Isso acontece por que nosso efetivo

de empregado está muito aquém da necessidade. Nós concentramos todo

nosso pessoal no horário de maior volume de passageiros”, diz o

superintendente.

Desde 1988, a CBTU controla, explora, ocupa e gerencia o

transporte de passageiros no Subúrbio. Atualmente, três velhas

composições elétricas, com dois carros motor e uma classe, cada, estão

em operação. A vida útil de uma locomotiva é de 30 anos; contudo, os

trens que operam no Subúrbio possuem 39 anos. Apesar da aparência

antiga, o superintendente da CBTU, Al Melo, garante que a estrutura das

composições não oferece perigo aos usuários. “Tendo em vista os novos

materiais rodantes existentes, cria-se uma certa ansiedade para que haja a

troca dos materiais. O que o trem precisa, na realidade, é substituição de

chaparia e pintura”, afirma.

A falta de segurança dentro dos trens e o estado de conservação

das máquinas causam revolta aos usuários. “Prefiro andar de ônibus, só

pego o trem quando não tem jeito”, diz Wagner Angelin da Silva, 28

anos. “O transporte ferroviário é uma negação, além de insuficiente, é

sujo, imundo”, denuncia o passageiro apontando para o chão e laterais da

locomotiva. Com muitas portas e grades das janelas arrancadas, o trem

suburbano expõe o passageiro ao alvo fácil das pedradas de moradores ao

longo da linha. Segurança deixou de ser uma qualidade do transporte

ferroviário, no Subúrbio.

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Alguns passageiros temem o rompimento da Ponte que liga o

bairro de São João a Plataforma, após constatarem a presença de algumas

fissuras. Al Melo garante que a empresa Tecnosolo realizou um estudo

das condições da ponte, afastando qualquer possibilidade de que haja

risco de colapso ou ruptura. “Eu posso garantir que o dimensionamento

daquela ponte foi feito para veículos ferroviários de carga, com

capacidade de 100 toneladas”, afirma o superintendente.

“Principalmente, se houvesse risco nós teríamos o cuidado com os

funcionários da CBTU”, diz Al Melo. Segundo ele, a ponte precisa

apenas da troca de pequenas peças enferrujadas

Trem de Superfície

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Antes do mais antigo trecho da estrada de ferro da Bahia se

transformar em ruína, face ao abandono em que se encontra, a Prefeitura

Municipal promete recuperá-lo. A integração do trem de passageiro do

Subúrbio Ferroviário ao Projeto Metrô de Salvador é esperada com

grande expectativa pelos moradores da região. Segundo Marcos Medrado,

só no trecho Calçada-Paripe serão investidos recursos da ordem de 20

milhões para restauração dos trilhos e substituição das antigas

locomotivas. Da estação da Calçada, o percurso vai se estender até o

Terminal da França e uma frota de ônibus alimentadores integrará o

trecho ao sistema metroviário.

Ao contrário do que pensam muitos usuários, os 13,5 Km da

ferrovia do Subúrbio não serão servidos por metrô e sim por trens mais

modernos. Segundo Geraldo Teixeira, diretor da Companhia de

Transporte de Salvador (CTS), a limitada demanda de passageiros no

Subúrbio não justifica a implantação de um sistema de alta capacidade

como o metrô, que chega a transportar 1250 pessoas em cada viagem. “O

número de usuários da região que prefere andar de trem indica que se

pode chegar a transportar algo em torno de 6 mil passageiros/dia, num

veículo menor”, afirma.

Geraldo Teixeira coloca também que o metrô, por ser de alta

velocidade, exige uma linha exclusiva, sem qualquer tipo de interferência

no percurso, o que torna inviável sua implementação no Subúrbio. Boa

parte do trecho Calçada-Paripe é aberto pois existem residências dos dois

lados da linha férrea. O início do processo de revitalização do transporte

ferroviário de passageiros está previsto para dois anos, tempo necessário

para a transferência de gestão da CBTU para a Prefeitura de Salvador. “É

um presente de grego”, diz referindo-se à degradação da estrada de ferro.

Depois de receber da CBTU a administração do trem de

passageiros no Subúrbio, a prefeitura vai abrir concorrência pública e

privatizar o sistema. “Ganha a empresa que oferecer as melhores taxas

para os usuários e locomotivas modernas”, informa Geraldo Teixeira. Ele

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foi especialmente a duas cidades francesas para estudar o que há de

melhor no transporte ferroviário no mundo. O Projeto do metrô é

desenvolvido pela Prefeitura de Salvador através da Secretaria Municipal

da Promoção de Investimentos (SEMPI), a CTS e os governos Federal e

do Estado. A primeira etapa, Lapa – Pirajá, começa a ser desenvolvida

em janeiro de 2000, com investimentos de cerca de US$ 302 milhões,

sendo US$ 150 milhões provenientes do Banco Mundial (BIRD).

A vantagem da adoção de um sistema de transporte como o metrô

em cidades grandes é seu custo/benefício, informa o superintendente da

CBTU, Al Melo. “Para implantar 1Km de rodovia gastaria-se hoje US$

de 1 a 2 milhões. Para implantar 1Km de via férrea para trem de

superfície seriam necessários de US$ 12 a 15 milhões, ao passo que para

a mesma distância de linha de metrô o custo ficaria em torno de US$ 50

a 60 milhões”, compara.

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.

Da Bahia ao “Velho Chico”

A Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco foi a primeira ferrovia

construída na Bahia e a terceira do Brasil. O primeiro trecho, Calçada –

Paripe, começou a ser construído em 1853 e foi inaugurado em 23 de

junho de 1860, com 15 Km de extensão. Segundo a engenheira Gildete

Batinga, 80 anos, essa estrada foi também a primeira a chegar até o Rio

São Francisco, objetivo de toda estrada de ferro construída na época.

“Julgava-se que quem chegasse até o rio ia enriquecer e desenvolver o

vale”, afirma. O projeto foi executado em Londres pela empresa “Bahia

and São Francisco Railway Company”.

Em 1911, a ferrovia baiana passou a ser administrada por uma

empresa francesa, a Companhia Este Brasileiro e, em 1º de junho de

1934, passou para o governo federal mudando sua razão social para

Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB). A partir de 1957 foi

incluída entre as 18 ferrovias que integravam a Rede Ferroviária Federal

S/A (RFFSA). “Antes a RFFSA operava com o transporte de passageiros

e carga. O trem de passageiros era de dois tipos: o do Subúrbio, que ia de

Salvador até Paripe, e o do interior”, explica o chefe da Divisão de

Patrimônio da Rede, Rider Alves de Matos.

O transporte ferroviário de passageiros no interior do estado foi

extinto e a RFFSA, em setembro de 1996, arrendou o transporte de carga

no interior para o Consórcio Ferroviário Atlântico. Em 1988, o Governo

Federal descentralizou a administração das ferrovias e a Companhia

Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) passou a explorar e gerenciar o

transporte de passageiros nos Subúrbios. Segundo Al Melo, dentro de

dois anos a CBTU será descentralizada e a prefeitura vai assumir a

exploração do trem suburbano.

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O Novo Subúrbio

Pouca gente sabe, mas a Avenida Suburbana chama-se, na verdade,

Avenida Afrânio Peixoto. Inaugurada em 1971, no governo de Luís Viana

Filho, a rodovia tem 14 Km e corta o Subúrbio paralela à estrada de

ferro. Engana-se quem pensa que o escritor baiano tenha algum vínculo

com o Subúrbio por ter merecido a homenagem. Segundo Cid Teixeira, o

governador Luís Viana Filho sempre foi amigo e admirador do escritor,

daí o motivo de presenteá-lo. “A homenagem é merecidíssima, Afrânio

Peixoto tem todo respeito pelo seu importante papel social na cultura

baiana, embora pessoalmente não esteja vinculado ao Subúrbio”.

A Avenida estende-se do bairro comercial da Calçada até Paripe,

sendo articulada com a BR-324 através da Ba-528. É a artéria central que

permite a ligação entre o centro da cidade e os bairros do Subúrbio.

Como a estrada de ferro, a rodovia também serve como denominação do

Subúrbio de uma forma geral, embora a expressão Avenida Suburbana

esteja muito mais relacionada à fase posterior à mudança funcional da

região: de local de veraneio para ocupação fixa. A implantação da

avenida facilitou o deslocamento de pessoas e de mercadorias,

possibilitando o surgimento de novos serviços nos bairros. Em

contrapartida, ocasionou a valorização de terras e dificultou sua

aquisição por parte da classe de baixa renda.

Acesso importante ao Centro Industrial de Aratu e à Base Naval, a

rodovia Afrânio Peixoto é uma das mais extensas de Salvador. Sua

implantação no Subúrbio Ferroviário e a conseqüente evolução

demográfica da área determinaram significativa redução do fluxo de

passageiros da estrada de ferro. Segundo Al Melo, “com a estagnação de

locais para moradia próximos a linha do trem, a população do Subúrbio

expandiu-se ocupando áreas dos morros. O transporte rodoviário deu

maior comodidade a essa população, evitando que precisasse descer para

andar de trem, apesar de ser mais barato”.

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A engenheira Gildete Batinga diz que faltou planejamento, pois a

função principal da rodovia no Subúrbio seria coletar a população dos

morros e transportá-las até as estações de trem. “Pode-se alimentar a

ferrovia com um bom transporte rodoviário”, afirma. Mas, como lembra

Rider Alves de Matos, chefe da Divisão de Patrimônio da Rede

Ferroviária federal, o transporte rodoviário é muito mais lucrativo. “a

construção de uma estrada de ferro é muito mais cara do que a de uma

estrada de rodagem, na qual o governo arrecada com os impostos e

pedágios cobrados, o que não é possível com a ferrovia, pois o dinheiro

da manutenção vem da empresa concessionada”.

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Surf sobre trilhos*

A bermuda de surfista mal pendia em sua cintura. Esquálido, magro e

pequeno, aproximou-se dos colegas encostados no que sobrou de uma

antiga porta do trem.

- Pô, Cuia morreu véi. Cuia morreu

Lamentou num tom sentido e manso, gesticulando as mãos no ar,

enquanto o trem seguia seus trilhos após parar em mais uma estação do

Subúrbio Ferroviário.

- Quem? - Perguntou um deles.

- Cuuuia! Aquele doidão de Plataforma. Cuia, o pintor.

Fiquei surpresa de imediato com aquela situação. Em pé, ao lado

deles, ouvi atenta a conversa que parecia tratar-se de um surfista vítima

de um acidente de trem fazia três dias.

- Caiu da Ponte de São João, sábado, bateu a cabeça no fio. O enterro

foi hoje.

Tirou um pequeno maço de dinheiro do bolso de trás da bermudona e

mostrou para os colegas dizendo:

- Tô com esse dinheiro aqui e vou lá em Paripe “fumar” na intenção

dele. O cara merece. Guardou o dinheiro embolado e, diante do

silêncio dos colegas, continuou consternado:

- Novinho, meu. Só tinha 22 anos.. . E os filhos? Deixou dois e a esposa

ainda tá gestante.

Hoje é dia das criança, olha o presente que ele deu pros filhos?

Curiosa, não percebi que observava demais a situação. Quando dei

por mim o “neguinho” me encarava com uma sombra de dúvida no olhar.

Havia dias buscado, em vão, informações sobre os surfistas. De estação

em estação, mudava da última classe para a primeira ou ficava no vagão

do meio, caçando, perguntando e observando propensos surfistas. Foi

* Crônica de impressões de viagens

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grande minha alegria ao perceber que o que tanto busquei chegou até

mim de forma inesperada. Para disfarçar meu constrangimento,

perguntei:

- Era seu colega? - ele assentiu.

- Sinto muito.

Ele mudou de assunto balbuciando palavras como “seu nego”, mas

minha mente estava muito longe para emitir qualquer raciocínio lógico

sobre outro assunto que não surf sob trilhos.

Lembrava-me da cena do dia anterior quando vi, pela primeira vez,

um garoto surfando. Como nas outras vezes, fiquei junto à porta na

expectativa de vê-los subir para o teto do trem. Enquanto tomava nota

de uns dois acidentes presenciados por um usuário, vi, perplexa, a

sombra dos vagões em movimento projetada no solo e, sobre um deles, a

figura de um rapaz equilibrando-se. Os braços estendidos, o tronco

curvado, ora agachado sob os fios de alta-tensão, ora em pé cambiante.

Ele estava tão perto de mim e ao mesmo tempo inacessível. Eufórica,

aguardei a próxima estação e gritei quando ele já estava em terra firme.

- Quero entrevistar você.

Cerca de 1,5 m era a altura que me separava do local em que ele

estava e poucos segundos o tempo que dispunha para me aproximar.

- Entrevistar?

Respondeu-me entre inseguro e zombativo e sumiu, deixando à porta

do trem, que já saía da estação, uma frustrada candidata à repórter. O

“pássaro” se foi da mesma forma que surgiu.

Tentei várias vezes falar com os jovens surfistas. Deixei papel e

caneta em casa ao notar que fugiam de mim com medo da fiscalização da

CBTU. Os que sabiam um pouco sobre o assunto calavam-se, diziam não

conhecer nenhum “maluco desses”. “Quem falar aqui morre”, alertou

um deles arrependendo-se em seguida: “Já falei demais”.

***

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Carência de Sonhos

É difícil encontrar um costumeiro passageiro de trem que nunca

tenha presenciado um acidente na malha ferroviária do Subúrbio. Cuia

foi mais um de uma série de jovens e adolescentes que, no surf sob

trilhos, supera a carência de altas ondas nas águas tranqüilas da orla

periférica. Após bater a cabeça num dos fios de alta-tensão, de 3 000 V,

da rede ferroviária, Cuia caiu, no dia 9 de outubro, entre duas colunas da

Ponte São João, que liga os Subúrbios de Lobato a Plataforma.

Os acidentes sucedem-se, mas não intimidam os surfistas. Manoel

de França, 24 anos, vendedor de jujubas e amendoins no interior dos

trens, diz que, antes de se lançarem em tão arriscado esporte, os surfistas

cheiram uma boa dose de entorpecentes para criar coragem e viver o

perigo. Manoel tem um colega que já sofreu um sério acidente nos trilhos

da ferrovia, teve hemorragia interna e perdeu peso, ficando com uma

parte do corpo deformada. “Mesmo com tudo que passou, ele não desiste

do surf”, conta.

Surfar em cima do trem não é a única modalidade do esporte

praticado por alguns jovens suburbanos. Até mesmo as crianças já se

habituaram a saltar com o trem ainda em movimento. Assustados, os

passageiros mais velhos balançam a cabeça em sinal de reprovação. Mas

as peripécias não se resumem a isso: muitos surfistas gostam de ficar

pendurados no fundo do trem ou entre um vagão e outro, “pegando

morcego”, na gíria dos aventureiros. Há também os que se equilibram nas

laterais como “aranhas”. Erivaldo de Souza Pontes, 16 anos, “pega

morcego” há um ano e já viu um colega morrer carbonizado. Para ele, a

sensação é de ficar “destilando”, como tentou traduzir a experiência.

Com idades entre 10 a 18 anos, os surfistas pouco se importam

com o perigo a que se expõem. Diferente da malha ferroviária do Rio de

Janeiro, na qual outros jovens desenvolvem a mesma prática, a ferrovia

de Salvador é mais arriscada. Os fios de alta-tensão ficam mais baixos e

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é pequena a distância entre uma linha de trem e a outra. O escuro e fétido

túnel entre as estações e o trepidar dos vagões na Ponte São João já

causaram muitas mortes, mas não intimidam os jovens, ao contrário,

aumentam sua adrenalina e o desejo de serem mais espertos do que os

que fracassaram.

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Inserir foto: “Lobato. Berço do Petróleo”

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Lobato. Berço do Petróleo

OO betume da construção dos célebres Jardins Suspensos da

Babilônia de Nabucodonosor; o impermeabilizador da Arca de Noé; os

egípcios o usaram para embalsamar os mortos e na construção de

pirâmides, enquanto gregos e romanos dele lançaram mão para fins

bélicos. O petróleo, o “ouro negro” capaz de erguer e destruir impérios,

jorrou pela primeira vez no Brasil no Subúrbio Ferroviário. Há 60 anos,

o baiano Oscar Cordeiro via concretizado, no campo do Lobato, o

resultado do exaustivo trabalho empreendido sem o apoio do governo do

Estado Novo.

Segundo o escritor Monteiro Lobato, no livro “O Escândalo do

Petróleo e Ferro”, o programa do Ministério da Agricultura da época

sempre foi “não tirar petróleo e nem deixar que outrem tire”. Monteiro

encampou uma verdadeira batalha para que o governo explorasse suas

riquezas petrolíferas, mas a polícia da ditadura mobilizava-se para

garantir a verdade dos americanos de Standard Oil, que diziam não haver

petróleo no país a fim de garantir mercado consumidor para seus poços,

e, posteriormente, adquirir as jazidas brasileiras.

Monteiro Lobato chegou a ser preso por afirmar a existência do

petróleo no país, mas o nome do bairro onde foi comprovado que o

escritor dizia a verdade não guarda nenhuma relação histórica com a

região. “O nome Lobato é muito anterior ao nascimento talvez do bisavô

de Monteiro Lobato. Coincidentemente, o petróleo na Bahia foi pela

primeira vez extraído na área do Lobato e o escritor paulista estava

vinculado ao assunto, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra”,

explica o historiador Cid Teixeira. O professor Pirajá da Silva, nas notas

biográficas de “Notícia do Brasil”, de Gabriel Soares de Souza, diz que

Francisco Rodrigues Lobato foi um senhor de engenho, dono da região

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onde existiu uma pedreira de nome Lobato e onde foram perfurados os

poços petrolíferos.

A história do petróleo no Lobato remonta ao ano de 1859, à época

da construção da Estrada de Ferro Bahia a São Francisco. Durante as

obras, o inglês Samuel Allport observou o gotejamento de óleo, a 8m da

ferrovia. Setenta anos depois, o engenheiro agrônomo, Manoel Inácio

Bastos, tomou conhecimento de que os moradores do Lobato usavam uma

lama preta oleosa para iluminar suas residências. A partir de então,

retornou várias vezes ao local para pesquisas e coletas de amostras para

levar a pessoas influentes.

Em 1932, o agrônomo entregou um relatório ao presidente Getúlio

Vargas, no Rio de Janeiro. Um ano depois, o engenheiro Bastos

conseguiu empolgar o Presidente da Bolsa de Mercadorias da Bahia,

Oscar Cordeiro, que passou a explorar a região em bases comerciais.

Com a criação do Conselho Nacional de Petróleo – CNP, em 1938, o

poço passou a ser perfurado com uma sonda que, em 21 de janeiro de

1939, revelou o petróleo no Lobato.

“No dia 22, domingo, fui cedíssimo para o Lobato e tive a mais

formidável sensação de minha vida. O petróleo manava da boca do poço

e corria pelo chão rumo ao leito da estrada de ferro!.. .” Narrou Oscar

Cordeiro no relatório que enviou para Monteiro Lobato, após a

constatação de suas pesquisas. Não tendo como ignorar a existência do

óleo, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, visitou o Subúrbio

Ferroviário acompanhado de altas autoridades, no dia 22 de outubro de

1940, inaugurando um marco, símbolo da riqueza brasileira, no local que

é hoje circundado por humildes residências.

Primeiro registroA existência de óleo no Estado já havia sido observada desde o

século XIX. Em 1858, um decreto assinado pelo Marquês de Olinda

concedeu ao cidadão José de Barros Pimentel a permissão para extrair o

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mineral betuminoso para a fabricação de gás de iluminação nos terrenos

situados às margens do rio Maraú, na Província da Bahia.

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Inserir foto “Rio do Cobre”

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Parque Pirajá/São BartolomeuPulmão do Subúrbio Ferroviário

SSantuário ecológico da cidade e santuário dos orixás, maior

parque urbano da América do Sul e maior reserva da Mata Atlântica

urbana do Brasil, são inúmeros os aspectos que caracterizam a

importância do Parque Metropolitano Pirajá/São Bartolomeu para

Salvador. Várias também são as razões para o Subúrbio Ferroviário

orgulhar-se por abrigar 1550 hectares de área, onde história, religião e

natureza estão integrados num só local. Depois de muito tempo entregue

à própria sorte, o parque reclama medidas urgentes de proteção e

recuperação, a exemplo da luta pelo seu reconhecimento pela Unesco

como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Antigo Baixo Urubu, em virtude da grande quantidade de urubus

que se alimentavam do mangue da região, o parque representa uma das

últimas áreas verdes de Salvador. Possui a Barragem do Cobre, a mais

importante reserva de água potável do Subúrbio; o mangue, onde os

Novos Alagados ergueram sua palafitas, três cascatas e duas rochas de

grande significado religioso. Sua flora contém plantas medicinais

utilizadas nos cultos do candomblé e pelas comunidades das redondezas

para o cura de certos males.

“Foi nesses três ecossistemas, o manguezal, o rio e a mata que a

população indígena se estabeleceu, nomeando o local no passado como

Baixo Urubu”, diz Sílvio Ribeiro, 31 anos, coordenador da Associação

Amigos do Parque São Bartolomeu. O local reuniu negros rebeldes contra

o sistema escravista, no século XIX, que formaram o Quilombo do

Urubu. O quilombo estendia-se da mata do São Bartolomeu até o Cabula.

Diversas lutas do processo civilizatório brasileiro aconteceram no local.

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Localizado entre a Avenida Suburbana e a BR 324, o bairro de

Pirajá foi palco das lutas pela independência da Bahia, travadas no dia 8

de novembro de 1822, culminando no triunfal Dois de Julho de 1823 e na

consolidação da Independência da Bahia. O "viveiro de peixes", Pirajá,

no idioma tupi, sediou também a Sabinada, em 1837, no processo

republicano da Província. Antes disso, a região já havia servido para o

levante de negros das nações Nagô e Haussá, em 1826, e a insurreição

dos Malês, em 1835.

Mangue em extinçãoA falta de segurança, a poluição e o desmatamento são os três

maiores problemas do Parque São Bartolomeu/ Pirajá. O módulo da

Polícia Florestal da área está desocupado e as guaritas de observação

ainda não foram construídas. Quando precisa levar um grupo de

visitantes para conhecer o parque, Silvio tem que fazer um ofício

pedindo escolta dos policiais. Falta também uma política de integração

entre as duas guarnições que vigiam o parque, uma da entrada do São

Bartolomeu até a primeira praça, a de Oxum, e outra desta até Pirajá.

O mangue formado pela interrupção do encontro da água doce do

Rio do Cobre com a água salgada da maré corre o risco de ser extinto.

“Quando a população se instalou nos manguezais tirou toda a fauna e

hoje degrada a flora”, relata João Reis, ogan do Terreiro Onzo de Angoro

(Casa de Angoro). Na parte de cima do parque, onde está localizada a

barragem do Rio do Cobre, o desmatamento, as queimadas e a retirada de

madeira para construção de palafitas, comprometem a reserva.

Sem qualquer tipo de portal, o parque vai sendo ocupado

desordenadamente pela população. Inúmeras pessoas residem há mais de

20 anos na área do manguezal. No ano passado, perto da nascente do rio

do Cobre, a Embasa retirou uma série de famílias que ocupava cerca de

100m2 da área. Construída em 1936, a Barragem do Rio do Cobre fornece

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água potável para vários bairros do Subúrbio e é fiscalizada

precariamente.

Ecologia da FéA Bahia tornou-se o ponto de convergência da cultura Yorubá

(origem sudanesa, pelos negros nagôs). O Olorum, como divindade

suprema, a quem se cultua através de intermediários, os Orixás. Dentre

estes estão o Abatolá , o maior de todos; Xangô , deus do trovão; Exú ,

encarnação do desafio, da vontade e da irreverência; Ogum , das lutas e

das guerras; Yemanjá, Yansan, Nanam, Oxum, Oxumaré, divindade das

águas; Oxóssi , deus caçador; Omolú , Orixá da varíola; Ibeji , os gêmeos e

outros.

Santuário religioso do candomblé, o Parque São Bartolomeu

representa a maior referência dos cultos afro-brasileiros na cidade e no e

no Estado. A floresta, as nascentes, as cascatas (Nanã, Oxum e Oxumaré)

e as rochas (Pedra do Tempo e Omolú), são áreas sagradas, objetos de

culto e peregrinação desde a metade do século XIX. “No catolicismo

Deus se faz homem para que o homem entendesse Deus, na cultura

iorubana Deus se faz natureza”, explica João Reis, ogan do Terreiro

Onzo de Angoro (Casa de Angoro).

Por ser uma religião extremamente ambientalista, o Candomblé

necessita do contato direto com a natureza, por isso cada elemento do

meio ambiente constitui-se um orixá. O Parque oferece uma grande

variedade de ervas sagradas e folhas medicinais indispensáveis aos ritos,

cerimônias, oferendas e “trabalhos” para uso individual e coletivo. A

Associação Amigos do parque São Bartolomeu realizou uma pesquisa de

plantas medicinais com a comunidade do parque e recolheu mais de 50

tipos diferentes de ervas na área.

As mais comuns são Murici, Capianga, São Gonçalinho, Aroeira,

Espada de Oxum, Espada de Oxossi, Espada de Elefante, Caiçara,

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Arruda, Corona . Muitas dessas ervas milagrosas são comercializadas na

Feira de São Joaquim. Outras como Abre-caminho, Tira-teima, Tira-

quizanga e Rompe-gibão não existem mais no Parque.

Só no Subúrbio Ferroviário existem mais de 100 terreiros de

Candomblé, destes, 20 estão diretamente ligados à Aliança para o Parque,

associação que estabelece parcerias com escolas, associações de bairro,

terreiros e outras entidades envolvidas na defesa do Parque São

Bartolomeu. A falta de segurança no local e a conseqüente violência fez

com que muitos terreiros deixassem de freqüentar o local. Outro

problema enfrentado pela religião no Parque São Bartolomeu é o

preconceito da população com o candomblé. “O povo que conhece sua

história tem uma ligação espiritual com a religião afro”, diz Sílvio

ressaltando a necessidade de um trabalho de conscientização com os

moradores do subúrbio e, mais especificamente, do parque.

Segundo o Ogan João Reis todas as oferendas, cultos e ritos

realizados no Parque São Bartolomeu são formas de fazer a energia da

natureza habitar no homem. Ao contrário do que muitos pensam, as

oferendas não são para os Orixás realizarem o serviço, nem são

oferecidas à natureza, são, sim, “formas egoístas de fazer com que seu

corpo perceba e entenda melhor a natureza”.

O Significado das CachoeirasOxumaré*

“Antigamente era um adivinho (babalaô). Fazia adivinhações para o rei

Oni, do reino iorubá. Foi chamado pela rainha Olokum para jogar o ifá

para curar uma doença de seu filho. Olokum o recompensou oferecendo-

lhe uma roupa azul feita de um rico tecido. De volta ao reino do rei Oni,

recebeu uma roupa do mais belo vermelho. Oxumararé não era amigo de

chuva. Quando chuva reuniu as nuvens, Oxumaré agitava sua faca de

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bronze e apontava em direção ao céu, como se riscasse de um lado a

outro. O arco-iris aparecia e chuva fugia.”

Oxum*

“Muito bonita, dengosa e vaidosa. Lavava suas jóias antes mesmo

de lavar suas crianças, como são geralmente as belas mulheres. Gostava

de panos vistosos, marrafas de tartaruga e tinha, sobretudo, uma grande

paixão pelas jóias de cobre na terra dos iorubás.”

*(Pierre Fatumbi Vergê – Lendas Africanas

dos Orixás, Editora Corrupio, RJ.)

Nanã*

“São os manguezais. É todo o princípio da vida e morte que se

renova a cada momento. São os carangueijos, a lama que fertiliza, que

dá origem, através dos mitos, a toda concepção de vida e de morte do

povo santo.”

*(Flávio Pessoa – decano da Universidade

Federal do Rio de Janeiro)

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Foto: “Itacaranha”

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Paraíso Perdido

“PPorém dentro habitada/ E’ muito bela, muito desejada,/ E’ como

a concha tosca e delustrosa,/ Que dentro cria a pérola formosa.” Assim

cantou o poeta baiano Manuel Botelho de Oliveira sobre a Ilha de Maré,

um pequeno paraíso integrante do Subúrbio Ferroviário. Para chegar até a

ilha faz-se um passeio de lancha ao custo de R$ 1,00 em dias úteis e R$

1,50 aos domingos enquanto se aprecia a beleza de Inema, uma praia de

propriedade da Base Naval de Aratu.

Foi em Inema, nesse escondido cantinho da marinha, que o

presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, preferiu passar

alguns dias de descanso em 1997 e outubro de 1998. O historiador Cid

Teixeira rendeu-se aos encantos do local e hoje ainda possui a casa onde

também morou muitos anos. “Meus netos passam mais tempo lá do que

em Salvador”, conta.

Outra praia famosa do Subúrbio é São Tomé de Paripe, batizada

como Praia do “Oi!” pela população por ser o ponto de encontro de

vizinhos e amigos nos feriados e finais de semana. Por causa de sua

beleza natural, São Tomé de Paripe serviu de área de locação para o

filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, na década de 70. Nesse bairro

morou o ex-governador Roberto Santos e é onde Marcos Medrado reside

há 26 anos, depois de ter morado em Periperi, Paripe e Plataforma,

únicos bairros do Subúrbio até os anos 30.

Mesmo poluídas, as praias de Itacaranha, Escada, Tubarão e

Periperi são ainda bastante freqüentadas nos dias de sol, oferecendo uma

bonita vista para quem passa de trem. As águas tranqüilas são convites

para as crianças e mais sossego para os adultos que as acompanha. Na

década de 40, foi através das águas da Baía de Todos os Santos, no

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litoral suburbano, que o presidente Getúlio Vargas conheceu o Subúrbio,

recepcionado por uma regata, esporte comum na época.

O perfil dos freqüentadores, hoje, difere muito da época em que o

Subúrbio Ferroviário era um aprazível local de veraneio. Com o

crescimento populacional desordenado da região, e a expansão de casas

no sentido litoral-morro, as praias passaram a ser depósitos de lixos e

redes de esgoto. “É uma pena, pois a tranqüilidade do mar no Subúrbio

era ótimo para o banho, e ainda podia-se desfrutar da bonita paisagem da

Ribeira”, lembra Seo Júlio Costa da Silva, 65 anos, morador de Paripe

desde 1955 .

Um dos efeitos mais danosos do tipo de ocupação da costa

suburbana é a anulação do efeito paisagístico. Com o surgimento da

ferrovia, o transporte hídrico tornou-se secundário no contexto urbano e

os pequenos cais e ancoradouros desapareceram. Dentro da lógica atual

de atração de visitantes e promoção de centros de lazer, a prefeitura está

realizando o programa Baía Azul para limpar as praias da Baía e acabar

com o esgoto a céu aberto.

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Foto: “Fábrica e Lindu”

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Memória do Subúrbio

OO sorriso sempre nos lábios é, sem dúvida, o que mais chama

atenção naquele senhor franzino que trabalhou 55 anos na Fábrica de

Tecidos São Brás (FATIBRÁS). Carinhosamente conhecido como “Seo

Lindu” no Bairro de Plataforma, Ormindo Souza, 91 anos, é daquelas

preciosidades escondidas onde menos se procura. Ex-funcionário da

indústria que pertenceu à Companhia Progresso e União Fabril da Bahia

S/A, Seo Lindu é memória viva de Plataforma, tanto quanto a fábrica que

determinou o desenvolvimento do bairro. Abandonadas, as ruínas da

FATIBRÁS são mais do que reflexo do descaso ao patrimônio histórico

do Subúrbio Ferroviário.

A indústria têxtil desempenhou uma função social de grande

importância em Plataforma. Ao mesmo tempo que empregou cerca de

1500 moradores do Subúrbio, 80% destes residentes no próprio bairro,

criou uma vila operária para os funcionários da estação. A casa onde Seo

Lindu mora até hoje continua sendo de propriedade da família Martins

Catharino, antiga dona da fábrica. Fundada em 1886, a FATIBRÁS era

conhecida como “Rainha da Bahia”, pois, segundo Seo Lindu era a

primeira do estado. “Depois vinha a Empório, na Boa Viagem”, diz.

Quase toda produção de tecido destinava-se aos Estados do Sul,

sendo 90% dela adquirida em São Paulo, Guanabara, Santa Catarina e Rio

Grande do Sul, e, em menor quantidade pelos Estados de Minas Gerais e

Paraná. A matéria prima usada era o algodão, contudo, o tipo de tecido

confeccionado não interessava ao comércio baiano, uma vez que a

largura era maior do que a utilizada na Bahia. Em 1942, como não havia

energia elétrica no Subúrbio, a FATIBRÁS forneceu energia para as

casas de alguns de seus funcionários, após ter inaugurado uma usina

geradora, com capacidade de 2000 HP para sanar as deficiências da

companhia.

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A fábrica foi construída num local estratégico de Plataforma, à

beira do mar, em frente à península de Itapagipe. Na época, Plataforma

era parte de uma grande fazenda de Almeida Brandão, cujo nome ficou

conhecido também como o da região. No local da companhia existia antes

uma antiga plataforma de canhões, criada pelos holandeses para defender

a terra invadida. Os moradores antigos contam que Almeida Brandão

destruiu a plataforma, aterrou o local e, em cima, construiu a fábrica.

Bernardo Catharino registrou, em cartório, o local como Fazenda

Plataforma fazendo memória à base de artilharia ali criada.

Cláudio Silva de Jesus, 23 anos, morador, realizou uma extensa

pesquisa sobre o bairro e descobriu que Bernardo Catharino foi um

imigrante português que tornou-se empregado da fábrica de Almeida

Brandão. “Aos poucos, Bernardo adquiriu ações da companhia,

enriqueceu e fez sociedade com o fazendeiro. Acabou comprando por

completo a FATIBRÁS”, explica.

Segundo os moradores de Plataforma, Seo Lindu é o único operário

da fábrica vivo na região. “Eu fico pensando nas pessoas que trabalharam

comigo. Não tem mais ninguém do meu tempo”, comenta batendo uma

mão na outra. Para trabalhar na fábrica, Seo Lindu teve que mentir sobre

sua idade já que tinha menos de 16 anos, a idade mínima exigida para o

emprego. Esforçado e inteligente, não foi difícil chegar a contramestre,

cargo que ocupou até aposentar-se em 1979. “A fábrica se acabou por

que os Catharinos venderam para uma pessoa que levou todo o

maquinário para o ferro velho. O novo dono agora está limpando dentro

para fazer um depósito de sisal, segundo ouvi falar”, diz, consternado, o

antigo contramestre.

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Foto “Alagados”

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Um projeto para Novos Alagados

HHoje eles somam 17.134 habitantes, residem em palafitas

construídas sob o mangue em pontes de madeira; ocupam 3Km às

margens da Enseada do Cabrito e do manguezal do Estuário do Rio do

Cobre. Chamam-se Novos Alagados, por que as primeiras invasões

ocuparam às margens da Enseada dos Tainheiros, na Baixa do Fiscal. São

biscateiros, pescadores, marisqueiros, vigilantes, feirantes lavadeiras e

faxineiras.

Este é o quadro da situação de vida das famílias da Invasão Novos

Alagados. Expressão do Subúrbio Ferroviário, a invasão é objeto de

interesse e estudo em vários países do mundo. Visando a recuperação

Ambiental e Promoção Social da região, a CONDER, em parceria com a

AVISI, uma ONG italiana, vem desenvolvendo, desde 1991, um trabalho

de reassentamento das famílias.

O Projeto Novos Alagados envolve reconstituição do manguezal,

quase represado com entulho e esgoto, e construção de novos embriões

habitacionais. O projeto entra em sua segunda fase, sem estar com a

primeira completamente concluída, faltando ainda 200 metros de

recuperação e infra-estrutura da avenida litorânea. “Fizemos

manifestação com a comunidade para que o projeto não pare, já que

ficamos sabendo que o escritório, em São Paulo, foi fechado”, diz o

presidente da Sociedade 1º de Maio, Idelson Moura de Oliveira. A 1º de

Maio é uma entidade que trabalha com programas de apoio às crianças e

adolescentes da invasão.

Segundo Silvana Oliviere, arquiteta que está trabalhando na

segunda fase do projeto, houve muitos erros na primeira etapa, pois foi

feito aterramento das palafitas, com instalações sanitárias e hidráulicas,

ao invés de tirá-las do local. A segunda etapa será executada com verbas

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de R$ 2 milhões, financiadas pelo Banco Mundial. Cerca de 630 casas,

com 22m2, serão passadas para 2200 famílias. Elas pagarão 10% do

salário mínimo pela moradia. Esse dinheiro será revertido para uma

cooperativa dos moradores de Novos Alagados, a Comunal e poderá ser

readquirido depois para a ampliação das casas, que podem chegar até

44m2.

“O objetivo é envolver as pessoas no projeto para a construção do

seu espaço. Queremos que elas sejam pessoas ativas na luta pelos seus

interesses e não fiquem esperando pelos políticos”, diz a arquiteta.

Reproduzindo a identidade criada nas palafitas, as casas ficarão juntas de

duas em duas no lote. O projeto envolve ainda recuperação e construção

de novos equipamentos comunitários, criação de duas creches, postos de

saúde, ciclovia, play ground, praças e pátios.

A Sociedade 1º de Maio

Há um ano, Joseane Alcântara dos Santos, 15 anos, passa às tardes

de terças e quintas-feiras aprendendo a fazer artesanato nas Oficinas

Culturais do Araketu, em Periperi. Nas manhãs de segunda a sexta recebe

aulas de reforço escolar na Sociedade 1º de Maio, no Subúrbio

Ferroviário, e à noite estuda numa escola estadual na Fazenda Grande do

Retiro, bairro onde mora com a avó, um tio e um primo. Joseane é um

exemplo das crianças e adolescentes que, em situação de risco,

conseguiram recompor sua vida com a ajuda de entidades assistenciais.

Constantemente castigada por sua mãe, em Camacã, no interior do

Estado, ela deixou a mãe e os cinco irmãos para morar em Salvador com

sua avó, a qual não mantém um relacionamento agradável. “Vim para a 1º

de Maio ocupar o tempo, brigo muito com minha avó”, diz. Depois de

viver entre as ruas e a casa da avó, em situação de risco, Joseane foi

amparada pela Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC), órgão

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do governo do Estado. E, há dois meses, é uma das 80 crianças que

recebem reforço escolar no Cluberê, uma escola da Sociedade 1º de

Maio.

Como Joseane, milhares de crianças e adolescentes que vivem em

Novos Alagados, na Enseada do Cabrito, no Subúrbio, passam por

situação de risco. Há 22 anos, a Sociedade 1º de Maio vem

desenvolvendo projetos para tirar as crianças e adolescentes da

comunidade das ruas, das drogas, do trabalho infantil e da prostituição.

“Inicialmente as famílias resistiam por que ia mudar totalmente a vida

desses meninos. Eles iriam passar a ter compromisso e responsabilidade

com a entidade, além de horário fixo, mas quando falávamos que ia ter

uma bolsa de benefício, os pais concordavam em deixar os filhos

participarem”, afirma Gilmara Cruz, assistente social da 1º de Maio.

A Sociedade atende a 1216 crianças e adolescentes através do

Cluberê; do Centro Profissional 1º de Maio (CEPRIMA), além de três

escolas de educação regular de 1ª a 4ª séries, com um total de 850

alunos: Escola Comunitária 1º de Novembro, em São Bartolomeu; Escola

Comunitária do Boiadeiro, no Boiadeiro; e Escola Popular Novos

Alagados, no núcleo sede em Novos Alagados.

O Cluberê, em Novos Alagados, atende a crianças de 8 a 12 anos,

com aulas de reforço escolar duas ou três vezes por semana. Para que os

filhos possam participar da Cluberê, os pais assumem um compromisso

de mantê- los na escola. Além de reforço escolar, profissionalização e

lazer, as crianças recebem uma bolsa de estudos para continuar a

contribuir com a renda familiar.

Em 1997, o valor da bolsa passou de R$ 20,00 para R$ 30,00

mensais, quando o Governo do Estado, através da FUNDAC, passou a

assumir o projeto. Desde 93, o Cluberê era financiado pela Cáritas, uma

ONG Suíça. “Em contrapartida ao apoio da FUNDAC, a 1º de Maio

atenderia a 120 crianças vindas de outros bairros e 80 da comunidade. Só

que nós não concordamos com isso e fazemos o contrário”, coloca o

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presidente da Sociedade Idelson Moura de Oliveira, “Eles estão

pressionando para que a gente cumpra o convênio”, completa.

No CEPRIMA, o núcleo mãe, as crianças entre 8 e 12 anos

freqüentam as oficinas de tecelagem, crochê ou sestaria; os adolescentes

entre 14 e 18 anos fazem cursos profissionalizantes de encadernação,

gráfica, eletricidade ou marcenaria. Paralelo a um desses cursos, as

crianças fazem datilografia e os adolescentes aprendem informática.

A Sociedade 1º de Maio foi criada, em 1977, por dois agentes

pastorais, o italiano Antônio Lazzarotto e a pedagoga brasileira Vera

Machado. O Casal fixou residência nos Novos Alagados, na época

conhecido como Beira-Mangue, e iniciou o trabalho de organização

popular com a comunidade. Lazarroto foi um dos jovens do grupo da

Irmandade Charles de Foucauld que faziam trabalhos voluntários, dentro

do Projeto de Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja Católica.

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Bugiganga tem valorna Feira do Rolo

AA Feira do Rolo começou perto estrada de ferro, na Baixa do

Fiscal. Já funcionou no Largo do Tanque e no São Joaquim. Em meio a

muitos acertos e desacertos com a prefeitura, por mais incrível que possa

parecer, funciona há uns dez anos na frente da Delegacia de Furtos e

Roubos, na Avenida Suburbana. Todo tipo de produto é comercializado,

sob qualquer condição. Não importa de onde venha, Paraguai, Japão,

primeira mão ou quinta categoria. Tem vendedores e compradores de

muitos e poucos afazeres, mas também sem nenhum. Até aquele ditado

vale: "Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão".

Seu nome é Edvaldo (ele, como os outros, prefere não dizer o

sobrenome), há 20 anos vende reatores para lâmpadas fluorescentes e diz

contrafeito com o juízo que fazem do local. "Esse comércio tem a fama

de ser fruto de roubos, mas não é bem isso. Tem muita gente honesta que

trabalha a semana toda e sempre aos domingos vem para cá". Seu

Antônio é um deles. Há mais tempo comercializando na área, ele mantém

a tradição desde 1949. "Isso aqui é um gosto", comenta satisfeito com o

que faz. Ele lembra que, certa vez, quando trabalhava numa oficina de

ferragens, pediu ao encarregado que não o colocasse para trabalhar nos

domingos, pois a atividade é sagrada para ele. É um dos poucos que

acompanhou o processo de expansão da Feira do Rolo.

Diferente das feiras comuns, a rotatividade lá é algo normal. Os

vendedores nunca são os mesmos e a variação de produtos vendidos

ocorre freqüentemente. A conversa certa resulta, muitas vezes, num bom

acordo de troca. O escambo está de volta! A ausência de Nota Fiscal

evidencia o caráter autônomo do comércio . "Aqui o jogo é a vista, ' toma

lá dá cá' , porque eu não te conheço, nem você me conhece. Não tem

como você saber onde eu moro, nem eu saber onde você mora", explica

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Renato. Encostado num poste, ele tenta fazer um “rolo” de R$ 80,00

numa bicicleta que diz ser sua e ter apenas oito meses, apesar da

aparência enferrujada. Cristina e Cristiane, duas irmãs que vendem

legumes há cinco anos próximo à entrada da Régis Pacheco, observam:

"Alguns produtos como aparelhos de TV e rádios velhos até que

funcionam mas, depois de três, quatro dias, o cliente volta para reclamar

e aí não acha o vendedor. Todo domingo ele muda de lugar".

A feira não atrai apenas consumidores paupérrimos. Pessoas de

classe média costumam freqüentar também o local. José Carlos de Castro

Júnior, estudante de comunicação da Universidade Federal da Bahia

(UFBa), é exemplo de um típico colecionador que esquadrinha onde quer

que seja em busca de mais um objeto para sua coleção. Seu hobby são os

discos de vinil e a Feira do Rolo já é, há quase dois anos, parada

obrigatória. "Aqui encontro discos de Jackson do Pandeiro a Luís

Gonzaga", afirma, lembrando que qualquer tentativa de venda é válida.

"Aqui dá pra arranjar algum trocado por uma bugiganga".

Afinal, toda bugiganga tem seu valor e seu público. Grande,

vendedor há vinte anos, que o diga. Mesmo com uma pequena resistência

a perguntas: medo dos fiscais da prefeitura, ele conta que faz em média

R$ 50,00 à R$ 60,00 por domingo, comprando e vendendo vaso sanitário,

porta sabonete e porta papel higiênico de louça usado: "A mercadoria

daqui sai pela metade do preço ou abaixo dele", diz, taxativo.

"Eu bebo a semana inteira, quando chego em casa domingo de

madrugada e vou 'bater ' um banho pra sair, minha mãe diz que já vou

pagar a promessa. Se eu não vir para essa feira eu fico doente", declara

Edvaldo com entusiasmo. Ele garante que a feira acaba se transformando

num vício na vida das pessoas. "Se você trouxer duas blusas suas pra

vender, você vai gostar e querer vir pra cá todo domingo", afirma

convicto, alertando aos possíveis desavisados ou vendedores de primeira

viagem que “a moda pega”.

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Duas vezes por mês, o Ibama faz visitas de rotina na Feira do Rolo.

O objetivo é recolher os animais silvestres comercializados no local e

indiciar seus vendedores. Os pássaros engrossam a lista das apreensões já

realizadas. Mas não é incomum encontrar uma raposa sendo vendida

como cachorro de raça. Edvaldo afirma que, certa vez, uma senhora

comprou em sua mão um bicho preguiça pensando que estava levando

para casa uma tartaruga. De acordo com o coordenador de Fiscalização

do Ibama, Alberto Gonçalves, as multas para esse tipo de comércio

variam de R$ 49,00 à 4.900,00 e, a depender do caso, o a pessoa pode

pegar de dois a cinco anos de prisão

Incluindo a feira de legumes, que existe há apenas cinco anos,

pode-se dizer que a Feira do Rolo vai da entrada da Rua Régis Pacheco,

passa por debaixo do viaduto dos motoristas (tem este nome por ser local

de encontro para troca de turno de motoristas e cobradores dos ônibus

que circulam na Suburbana) e termina no chamado Curtume, em frente à

delegacia referida. Com todas as mudanças, a feira chega a ter mais de

meio século de existência. Ela funciona todos os domingos das 5:30h às

15h ou 16h, mas no sábado os comerciantes já começam a montar seu

ponto de venda.

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Inserir foto: Calçada1

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O Futuro está no ar

PPesquisas, debates, palestras e projetos tendo a região do Subúrbio

Ferroviário como tema não faltam na cidade. O mais recente foi o

Concurso “Desenho Urbano de Macro-Áreas”, promovido em janeiro

deste ano pela Prefeitura Municipal de Salvador, em parceria com o

Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), seção Bahia, a Fundação Mário

Leal Ferreira e a Secretaria de Planejamento Municipal. A prefeitura

estimulou que vários arquitetos apresentassem propostas de intervenções

em cinco macro-áreas: Plataforma, orlas de Itacaranha/Escada e Praia

Grande/Periperi, Vale do Paraguari e Núcleo de Paripe.

Segundo o arquiteto Roberto Cortizo, coordenador do concurso “há

interesses coletivos, públicos e preocupação social”, com a região. A

implantação dos projetos vencedores deve começar a ocorrer dentro de

um ano e meio, conforme anuncia Cortizo, com recursos da ordem de

US$ 200 milhões oriundos do Banco Mundial (BID). A inserção do trem

de superfície no Subúrbio é um dos mais significativos projetos a serem

implementados.

Muito mais do que a urbanização da área proposta pela prefeitura,

como oferta de água encanada, rede de esgoto e pavimentação, os

arquitetos vencedores propõem a requalificação do espaço, orientando-se

o uso e a ocupação do solo suburbano. Os projetos selecionados aliam o

desenho urbanístico ao sentimento de comunidade entre os moradores a

partir da criação de logradouros, praças públicas e áreas de lazer. “A

adesão e a participação da comunidade no processo de urbanização é

fundamental do ponto de vista da cidadania e para a conservação das

melhorias”, diz Cortizo.

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Marcos Medrado diz que os projetos são ousados, bonitos e

caríssimos e que serviram de base para as possibilidades de intervenções

da prefeitura dentro dos limites dos recursos disponíveis. “Estamos

encaminhando os projetos vencedores para os governo do Estado e

Federal, mas é muito difícil de realizar. Aquilo custaria muito, seria a

transformação do Subúrbio de uma hora para a outra, mas falta dinheiro.

Todo o trabalho avaliado está em torno de 360 milhões de dólares”, diz.

A dificuldade observada pelo vice-prefeito à execução a curto

prazo dos trabalhos diverge da opinião de Cid Teixeira. Para o

historiador, o que falta é interesse político pelo desenvolvimento do

local. “Desejo que não seja um projeto que morra nas gavetas, nas

palestras e nas exposições. Que ele aconteça no chão para que o trator

trabalhe, a rua se faça e a rede de esgoto seja instalada. Para que não

fique na promessa e nem tão pouco na dissertação”. O presidente da

Associação Amigos do Parque São Bartolomeu, Sílvio Ribeiro, é mais

entusiasta. “O Subúrbio está em ebulição”, afirma referindo-se à atenção

maior que a região vem recebendo no contexto da cidade.

Junto a pequenas e esporádicas obras de infra-estrutura e

reestruturação urbana do Subúrbio Ferroviário, os programas

desenvolvidos até agora na área compreendem o Bahia Azul, segundo

Raimundo Varela, maior obra de saneamento da América Latina e o

projeto Novos Alagados, para recuperação do ambiente e promoção

social das famílias que vivem em palafitas sobre o mangue. Para a

geógrafa e professora Maria Auxiliadora da Silva, chefe do Departamento

de Geografia da UFBa, a prefeitura “está de olho na região” pelo

potencial que existe nela. Orientada pelo geógrafo Milton Santos, Maria

Auxiliadora desenvolveu uma pesquisa sobre os bairros de Escada e

Santa Terezinha, há 24 anos.

De acordo com a geógrafa, o Subúrbio não tem mais como se

expandir e com a nova política urbanística de valorização e resgate dos

espaços públicos, desenvolvida pelo governo do Estado, a área só tem a

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ganhar. A implantação na cidade do modelo turístico desejado, por outro

lado, pode também ser prejudicial à população pobre do Subúrbio. “Se

vier a ser feito lá, o que se fez em locais como o Parque de Pituaçu, a

Lagoa do Abaete, o Pelourinho e na área do novo Aeroclube, a população

terá que sair do local”, diz Auxiliadora. Como a geógrafa, Sílvio se

entristece com a transformação de praças verdes da cidade em selvas de

pedra. “Não cabem no Subúrbio modelos como o adotado na Praça da

Inglaterra e da Sé, por exemplo”.

Planos para o Subúrbio

São as seguintes, as atividades econômicas que se encontram em

estudo para serem implantadas no Subúrbio Ferroviário, através da ação

conjunta da Prefeitura de Salvador e do Governo do Estado:

• Marina Porto do Cais – Prevista para ser localizada em Periperi, na

Ponta da Sapoca. O projeto prevê além da hangaragem, um centro

comercial, restaurantes e serviços de apoio;

• Aratu Iate Clube – Ampliação da área de ancoragem;

• Marina na Baía de Aratu – próximo ao Aratu Iate Clube;

• Recuperação das instalações físicas da antiga Fábrica de Tecidos

São Brás para fins de hotelaria e apoio ao turismo náutico com

implantação de uma marina adjacente.

• Criação de mirantes e atividades de apoio ao turismo nos pontos altos

do relevo;

• Implantação de ancoradouros para fins de transportes para as ilhas

ou entre vários pontos na própria costa do Subúrbio;

• Criação de estruturas de suporte para esportes náuticos e

competições internacionais;

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• Transformação das praias em áreas balnearias com espaços para

esporte e lazer;

• Estabelecimento de Concessões de uso na orla para restaurantes e

atividades afins, priorizando a comercialização do pescado local a ser

explorado por cooperativas;

• Criação de um centro de referência com exposição permanente do

histórico no Subúrbio, sua inserção na dinâmica sócio econômica da

cidade e informações sobre os aspectos biológicos e marinhos da baia

neste trecho;

• Criação de circuitos turísticos ferroviários e náuticos para pontos de

valor histórico (Capela de Nossa Senhora da Escada – tombada em

1958 e Matriz N. Sr.ª das Neves – tombada em 1962; Igrejas de São

Tomé de Paripe e de São Bartolomeu de Pirajá), ecológico

(manguezais, fragmentos de mata atlântica), estético e paisagístico

(povoados, Baía de Aratu e etc).

• Implantação do trem de superfície Paripe/Terminal da França e

integração do Subsistema Ferroviário/Rodoviário.

O Subúrbio é agora um caso sem jeito”, diz o apresentador

Raimundo Varela, mas enquanto depender da boa memória do povo, o

velho ditado popular “a esperança é a última que morre” vai permanecer

no coração do suburbano.

***

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Inserir Mapa do Subúrbio

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