coração habitado - eugénio de andrade

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Coração Habitado Aqui estão as mãos. São os mais belos sinais da terra. Os anjos nascem aqui: frescos, matinais, quase de orvalho, de coração alegre e ovoado. !onho nelas a minha boca, resiro o sangue, o seu rumor branco, aqueço"as or dentro, abandonadas nas minhas, as equenas mãos do mundo. Alguns ensam que são as mãos de deus # eu sei que são as mãos de um homem, tr$mulas barcaças onde a %gua, a triste&a e as quatro estaç'es enetram, indiferentemente. (ão lhes toquem: são amor e bondade. )ais ainda: cheiram a madressilva. São o rimeiro homem, a rimeira mulher. * amanhece. Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã" Tópicos de análise: +.O oema trata o tema da interenetração entre a dimensão terrena e a dimensão divina do homem, sendo esta um rolongamento daquela -Os anjos nascem aqui /. 0.Os verbos no resente do indicativo aontam simultaneamente o alternadamente ara o momento vivenciado elo sujeito o$tico ara a intemoralidade qualquer temo/: -Aqui estão as mãos

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explicaçao do poema

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Corao HabitadoAqui esto as mos.So os mais belos sinais da terra.Os anjos nascem aqui:frescos, matinais, quase de orvalho,de corao alegre e povoado.

Ponho nelas a minha boca,respiro o sangue, o seu rumor branco,aqueo-as por dentro, abandonadasnas minhas, as pequenas mos do mundo.

Alguns pensam que so as mos de deus eu sei que so as mos de um homem,trmulas barcaas onde a gua,a tristeza e as quatro estaespenetram, indiferentemente.

No lhes toquem: so amor e bondade.Mais ainda: cheiram a madressilva.So o primeiro homem, a primeira mulher.E amanhece.

Eugnio de Andrade, in "At Amanh"

Tpicos de anlise:

1. O poema trata o tema da interpenetrao entre a dimenso terrena e a dimenso divina do homem, sendo esta um prolongamento daquela (Os anjos nascem aqui).

2. Os verbos no presente do indicativo apontam simultaneamente ou alternadamente para o momento vivenciado pelo sujeito potico e para a intemporalidade (qualquer tempo): Aqui esto as mos/ So os mais belos sinais da terra/ Os anjos nascem aqui. Exprime uma articulao entre o individual (relativo ao poeta) e o universal, o momentneo e o intemporal (relativo a todos os homens e todos os tempos).

3. O ser humano surge representado atravs de uma sindoque (referncia parte para significar o todo) em que as mos (a parte) representam o todo o homem. Esta imagem justifica-se pelo facto de as mos serem a parte mais sensvel do corpo atravs delas que estabelecemos contacto fsico com o mundo.

4. Alguns pensam que so as mos de deus / Os anjos nascem aquiO homem, preso limitao enquanto ser terreno pode projetar-se para alm dele e aceder dimenso divina sem deixar a sua condio humana. atravs das mos que o divino se revela. Assim, o presente do indicativo remete ao mesmo tempo para o aqui e o agora do homem e para o tempo eterno (intemporal) do divino, pois ambos coexistem na mesma realidade as mos.

5. Aqui esto as mosO advrbio aqui, associado ao presente do indicativo esto, remete para a associao das mos ao momento da enunciao, ou seja o momento da escrita, que realizada com as mos, e tambm para a exposio da fragilidade das mos do homem so frgeis porque esto expostas e sem qualquer proteo.

6. So os mais belos sinais da terraEste verso remete para a ideia de que as mos pertencem ao mundo concreto, terreno, mas vo-se progressivamente desligando dele mos de deus, Os anjos nascem aqui. tambm a passagem do plano terreno para o plano intemporal de conotao divina. A alternncia e contaminao entre estes dois mundos mantem-se ao longo de todo o poema: mos de deus/ mos de um homem.

7. So o primeiro homem, a primeira mulher.E amanhece.Estes versos sugerem dois planos: o momento da enunciao vivido pelo poeta (amanhece aqui e agora, considera o poeta) e o momento da criao da humanidade com a referncia ao primeiro homem e primeira mulher referncia bblica criao divina do ser humano o casal Ado e Eva.

8. Ponho nelas a minha boca,respiro o sangue, o seu rumor branco,aqueo-as por dentro, abandonadasnas minhas, as pequenas mos do mundo.O poeta usa as mos como intermedirias entre ele e o mundo. Atravs delas respira o mundo e atravs delas exprime poeticamente as suas realidades. Por isso, tambm as mos do poeta so as mos de deus porque esto povoadas de anjos que lhe permitem ver o mundo de uma forma especial. este olhar especial que d ao poeta e s suas mos um toque divino.

9. No entanto, o sujeito potico reconhece, logo a seguir, que no pode libertar-se realmente da sua condio humana e que tem necessariamente de conformar-se com ela e com as limitaes que ela acarreta:() so as mos de um homem,trmulas barcaas onde a gua,a tristeza e as quatro estaespenetram, indiferentemente.

o reforo da ideia fragilidade humana, representada nas mos desde o incio do poema, apesar de pertencerem a um ser (o poeta e todos os serem humanos) com um corao habitado por amor e bondade. So estas qualidades que tornam o ser humano divino, apesar de frgil. Por isso, o poeta afirma: No lhe(s) toquem.