eugénio de andrade - antologia poética

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Antologia Poética Eugénio de Andrade (1923-2005)

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Poemas de Eugénio de Andrade selecionados por alunos de 10º ano.

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Page 1: Eugénio de Andrade - Antologia poética

Antologia Poética

Eugénio de Andrade

(1923-2005)

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Título: Antologia poética – Eugénio de Andrade

Capa: Jorge Ulisses, 1980 - Duplo Retrato (Tinta da China).

in http://alegna.no.sapo.pt/Recanto_da_Alegna_Ficheiros/Eugenio_Andrade.htm

Seleção de poemas e ilustrações: alunos do 10ºE

Coordenação: Adelaide Jordão (professora de Português)

Ano letivo: 2014/2015

Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco, Vila Real

Vila Real

Outubro 2014

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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As palavras são a nossa condenação. Com palavras se ama,

com palavras se odeia. E, suprema irrisão, ama-se e odeia-se

com as mesmas palavras!

In Rosto Precário

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Quase Haiku

Que terror te ergueu

pétala a pétala

para eu desfolhar,

ó manhã de oiro.

In Ostinato Rigore

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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A Sílaba

Toda a manhã procurei uma sílaba.

É pouca coisa, é certo: uma vogal,

uma consoante, quase nada.

Mas faz-me falta. Só eu sei

a falta que me faz.

Por isso a procurei com obstinação.

Só ela me podia defender

do frio de Janeiro, da estiagem

do verão. Uma sílaba.

Uma única sílaba.

A salvação.

In Ofício de Paciência

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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As Frágeis Hastes

Não voltarei à fonte dos teus flancos

ao fogo espesso do verão

a escorrer infatigável

dos espelhos, não voltarei.

Não voltarei ao leito breve

onde quebramos uma a uma

todas as frágeis

hastes do amor.

Eis o outono: cresce a prumo.

Anoitecidas águas

em febre em fúria em fogo

arrastam-me para o fundo.

In Obscuro Domínio

(poema selecionado por Beatriz Nogueira, nº 3)

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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O Amor

Estou a amar-te como o frio

corta os lábios

A arrancar a raiz

ao mais diminuto dos rios

A inundar-te de facas,

de saliva esperma lume

Estou a rodear de agulhas

a boca mais vulnerável

A marcar sobre os teus flancos

o itinerário da espuma

Assim é o amor: mortal e navegável.

In Obscuro Domínio

(poema selecionado por Carlos Capela, nº 4, e Filipa Gaspar, nº 8)

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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OS Amigos

Os amigos amei

despido de ternura

fatigada;

uns iam, outros vinham,

a nenhum perguntava

porque partia,

porque ficava;

era pouco o que tinha,

pouco o que dava,

mas também só queria

partilhar

a sede de alegria

por mais amarga.

in Coração do Dia

(poema selecionado por Diogo Miranda, nº 6, e Joana Silva, nº 10)

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Num exemplar das Geórgicas

Os livros. A sua cálida,

terna, serena pele. Amorosa

companhia. Dispostos sempre

a partilhar o sol

das suas águas. Tão dóceis,

tão calados, tão leais.

Tão luminosos na sua

branca e vegetal e cerrada

melancolia. Amados

como nenhuns outros companheiros

da alma. Tão musicais

no fluvial e transbordante

ardor de cada dia.

In Ofício de Paciência

(poema selecionado por Gonçalo Alves, nº 9)

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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O Sal da Língua

Escuta, escuta: tenho ainda

uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai

salvar o mundo, não mudará

a vida de ninguém — mas quem

é hoje capaz de salvar o mundo

ou apenas mudar o sentido

da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.

É coisa pouca, como a chuvinha

que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco

mais. Palavras que te quero confiar.

Para que não se extinga o seu lume,

o seu lume breve.

Palavras que muito amei,

que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.

In O Sal da Língua

(poema selecionado por Liliana, nº 12)

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Antologia poética – Eugénio de Andrade

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Photo credit: http://dilmitadotorg.wordpress.com/2012/07/10/hagamos-dieta-de-nuestras-palabras/

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O Silêncio

Quando a ternura

parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,

inda demora,

quando azuis irrompem

os teus olhos

e procuram

nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras

desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

In Obscuro Domínio

(poema selecionado por Inês Barbosa, nº 15, Maria Matos, nº 16, Vanessa, nº 23, e

Vítor Iria, nº 24)

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Poema à Mãe

No mais fundo de ti,

eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou

o retrato adormecido

no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras

que há leitos onde o frio não se demora

e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo

são duras, mãe,

e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas

que apertava junto ao coração

no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,

talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;

esqueceste que as minhas pernas cresceram,

que todo o meu corpo cresceu,

e até o meu coração

ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —

às vezes ainda sou o menino

que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração

rosas tão brancas

como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:

Era uma vez uma princesa

no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,

e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,

dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.

Guardo a tua voz dentro de mim.

E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

In "Os Amantes Sem Dinheiro"

(poema selecionado por Maria Feliciano, nº

17, e Rafael Marta, nº 26)

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As Mãos

Que tristeza tão inútil essas mãos que nem sempre são flores que se deem: abertas são apenas abandono, fechadas são pálpebras imensas carregadas de sono In Os Amantes sem Dinheiro

(poema selecionado por Micaela, nº 18)

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O meu país sabe a amoras bravas

O meu país sabe a amoras bravas

no verão.

Ninguém ignora que não é grande,

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce

de quem acorda cedo para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez

nem goste dele, mas quando um amigo

me traz amoras bravas

os seus muros parecem-me brancos,

reparo que também no meu país o céu é azul.

In O outro nome da terra

(poema selecionado por Rita Pereira, nº 21)

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Juventude

Sim, eu conheço, eu ainda amo

Esse rumor abrindo, luz molhada

Rosa branca. Não, não é solidão,

Nem frio, nem boca aprisionada.

Não é pedra nem espessura.

É juventude. Juventude ou claridade

É um azul puríssimo, propagado,

Isento de peso crueldade.

(poema selecionado por Carolina Rebanda, nº 27)

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Urgentemente

É urgente o amor

É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.

In "Até Amanhã"

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Em jeito de posfácio…

Um Poema

Não tenhas medo, ouve:

É um poema

Um misto de oração e de feitiço...

Sem qualquer compromisso,

Ouve-o atentamente,

De coração lavado.

Poderás decorá-lo

E rezá-lo

Ao deitar

Ao levantar,

Ou nas restantes horas de tristeza.

Na segura certeza

De que mal não te faz.

E pode acontecer que te dê paz...

Miguel Torga, Diário XIII