coordenaÇÃo pedagÓgica: entre o proposto e o possível · meio de entrevistas não diretivas que...

12
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: Entre o proposto e o possível Ana Silvia Ferreira Martins. 1 RESUMO O presente trabalho faz uma contextualização teórico-prático da coordenação pedagógica, seus limites e desafios na escola pública. Nosso aporte metodológico foi construído, considerando a aproximação com o referencial teórico, que discute a temática e a realidade cotidiana, evidenciada por meio de entrevistas não diretivas que fundamentaram nossa discussão. O objetivo é analisar o papel desenvolvido pela coordenação pedagógica em uma Escola da educação básica da rede pública municipal do município de Ananindeua/Pa, com vista a verificar a atuação da coordenação nesse espaço escolar. Palavras-chave: Gestão; Gestão Educacional; Coordenação Pedagógica ABSTRACT The present work makes a theoretical-practical contextualization of pedagogical coordination, its limits and challenges in the public school. Our methodological contribution was constructed, considering the approximation with the theoretical reference, which discusses the thematic and the daily reality, evidenced through non-directive interviews that ground our discussion. The objective is to analyze the role played by the pedagogical coordination in a School of basic education of the municipal public network of the municipality of Ananindeua / Pa, in order to verify the performance of the coordination in this school space. Keywords: Management; Management Educational Management; Pedagogical Coordination 1 Graduada em Pedagogia Especialista em Diversidades Etnico Racial UFPA. [email protected]

Upload: nguyenthuy

Post on 02-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: Entre o proposto e o possível

Ana Silvia Ferreira Martins.1

RESUMO O presente trabalho faz uma contextualização teórico-prático da coordenação pedagógica, seus limites e desafios na escola pública. Nosso aporte metodológico foi construído, considerando a aproximação com o referencial teórico, que discute a temática e a realidade cotidiana, evidenciada por meio de entrevistas não diretivas que fundamentaram nossa discussão. O objetivo é analisar o papel desenvolvido pela coordenação pedagógica em uma Escola da educação básica da rede pública municipal do município de Ananindeua/Pa, com vista a verificar a atuação da coordenação nesse espaço escolar.

Palavras-chave: Gestão; Gestão Educacional; Coordenação Pedagógica

ABSTRACT

The present work makes a theoretical-practical contextualization of pedagogical coordination, its limits and challenges in the public school. Our methodological contribution was constructed, considering the approximation with the theoretical reference, which discusses the thematic and the daily reality, evidenced through non-directive interviews that ground our discussion. The objective is to analyze the role played by the pedagogical coordination in a School of basic education of the municipal public network of the municipality of Ananindeua / Pa, in order to verify the performance of the coordination in this school space. Keywords: Management; Management Educational Management; Pedagogical Coordination

1 Graduada em Pedagogia – Especialista em Diversidades Etnico Racial – UFPA.

[email protected]

I. INTRODUÇÃO

O conceito de gestão escolar e ou gestão pedagógica tem sido foco de

discussões de vários autores como Paro (2004), Saviani (2010) e Libâneo (2013), os quais

têm servido como base para outros estudos. Todavia não se pode dizer que o assunto

esteja esgotado. Algumas dessas discussões têm se detido em questionar se a gestão tem

sido efetivamente democrática ou se ainda está suas bases ancoradas na gestão

tradicional.

A gestão tradicional tem como característica o princípio da centralização do

poder, na figura do gestor. Segundo Weber2 (2004), o poder compreende uma possibilidade

de impor ao comportamento de terceiros uma vontade própria. As relações de poder

começam a se formar no momento em que alguém deseja algo que depende da vontade do

outro, entretanto, pode-se dizer que poder é a probabilidade de certo comando com um

conteúdo específico, fazendo com que as pessoas ajam de acordo com seus interesses.

Ao gestor, compete à interpretação dos objetivos propostos pela organização e

atuação, por meio de planejamento, da liderança, da direção e do controle, a fim de atingir

os objetivos. Portanto, o gestor é alguém que desenvolve os planos estratégicos e

operacionais os quais julga mais eficazes para atingir os objetivos propostos. Ele deve

conceber as estruturas, estabelecer as regras políticas e procedimentos mais adequados

aos planos desenvolvidos.

Para o desenvolvimento desse trabalho, organizamos o texto em três partes:

Iniciamos apresentando uma breve discussão sobre modelos de gestão, com base na

literatura consultada sobre o tema. Na segunda parte, abordamos a trajetória histórica da

função da supervisão escolar e a sua transformação para coordenação pedagógica e, na

terceira parte, analisamos o papel do coordenador pedagógico, seus conflitos e atitudes com

base na pesquisa realizada no interior de uma escola Pública, localizada no município de

Ananindeua.

II. OS MODELOS DE GESTÃO: CONCEITOS BASILARES

Partindo dos estudos de Libâneo (2013), podemos perceber que atualmente

existem três grandes modelos de gestão as quais podemos citar: técnico-cientifico, auto

gestionário e democrático participativo.

2 Weber (1922,1978,pg.33) define “poder” como a probabilidade de impor a própria vontade dentro de

uma relação social, mesmo que haja resistência, não importando o fundamento desta probabilidade.

No modelo de gestão técnico-cientifico, destacam-se as relações de

subordinação e a obediência às rigorosas determinações de funções extremamente

especializadas que Libâneo (2013) a denomina de “administração clássica ou burocrática”

podendo ser reconhecida como gestão de qualidade total e tem como principais

características:

Prescrição detalhada de funções e tarefas, acentuando-se a divisão técnica do trabalho escolar. Poder centralizado no diretor, destacando-se as relações de subordinação, em que uns têm mais autoridade do que outros. Ênfase na administração regulada (rígido sistema de normas, de regras e de procedimento burocráticos de controle de atividades), às vezes descuidando-se dos objetivos específicos da instituição escolar. Formas de comunicação verticalizadas (de cima para baixo) baseadas mais em formas e regras do que em consensos. Maior ênfase nas tarefas do que nas interações sociais. (LIBÂNEO, 2013. p. 103).

Nessa estrutura de trabalho de caráter capitalista, prevalece a burocracia nas

organizações escolares, as tomadas de decisões são centradas nas mãos do diretor, tendo

como objetivo maior a promoção dos alunos sem levar em consideração o processo de

ensino aprendizagem. A finalidade se reduz a reprodução do saber escolar e a melhoria dos

índices quantitativos exigidos pelo governo federal. Seguindo esse modelo de gestão, os

professores passam a ficar em suas salas de aulas agindo de maneira individualizada.

A concepção de gestão auto gestionária parte de uma visão em que haverá a

oposição a dominação dos indivíduos, levando em consideração as relações sociais. Esse

modelo se coloca em oposição total ao modelo técnico científico, privilegiando a autonomia

completa da escola em relação ao sistema e a valorização das relações interpessoais e

decisões auto gestionárias, caracterizadas por Libâneo (2013.p.104) como aquela que toma

“decisões coletivas por meio de assembleias e reuniões, buscando a eliminar todas as

formas de exercício de autoridade e poder”.

Já o modelo de gestão democrática e participativa tem como base a relação

orgânica entre a direção e a participação dos membros da equipe suas principais

características são:

Defende uma forma coletiva de tomada de decisões sem, todavia, desobrigar as pessoas da responsabilidade individual. Acentua a importância da busca de objetivos comuns assumidos por todos. Acompanhamento e avaliação sistemáticos com finalidades pedagógicas: diagnostico, acompanhamento dos trabalhos, reorientação de rumos e ações, tomada de decisões. (LIBÂNEO, 2013, p. 104-105)

Esse modelo tem sido reivindicado pelos movimentos de educadores, em

especial, por meio das entidades sindicais, estudantis e acadêmicas, como pode ser

constatado no Plano Nacional da Educação: proposta da sociedade brasileira3. Segundo

Luck (et all,1998) na década de 1980 houve um movimento que visava a democratização

das escolas públicas, esse movimento trouxe mudanças significativas nos aspectos

econômicos, sociais e culturais.

Essa democratização encontrou apoio no legislativo e teve três pilares básicos:

“Participação da comunidade escolar na seleção dos diretores; criação de um

colegiado/conselho escolar que tenha tanto autoridade deliberativa quanto poder decisório e

repasses de recursos às escolas e consequentemente aumento de sua autonomia” (LUCK

[et.al.] 1998, p.13).

III. A TRAJETÓRIA DA SUPERVISÃO À COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA

A história da supervisão educacional/coordenação pedagógica está relacionada

ao modelo de educação tecnicista que foi adotado no Brasil na década de 1970, com a

reforma promovida pela ditadura militar (1964-1985) com forte influência da ideologia norte

americana. Para compreensão do histórico e da função do supervisor/coordenador na

atualidade, foi feita uma revisão da literatura acerca do tema.

Para Foulquié (1971, p. 452), a função de supervisão pode ser compreendida

como uma “ação de velar sobre alguma coisa ou sobre alguém a fim de assegurar a

regularidade de seu funcionamento ou de seu comportamento”. Outros estudos dizem

também que “o supervisor é o profissional responsável por diretrizes, orientação, integração

e controle do processo ensino-aprendizagem que caracterizam uma rede de ensino”

(RANGEL; FREIRE, 2011. p. 32).

De acordo com os estudos de Rangel e Freire (2011, p. 33) apesar da educação

no Brasil ter sido construída de acordo com os moldes europeus por meio dos jesuítas, a

função do supervisor escolar foi inserida no país já no século XX com a industrialização do

país baseada no modelo fordista cuja especialização das tarefas era a base do

funcionamento da fábrica. Era preciso formar trabalhadores nesse modelo fabril.

A escola deveria seguir a forma de organização fragmentada e especializada da

estrutura fabril. A figura do supervisor se assemelhava aos fiscais de fábrica que tinham

como finalidade o controle do processo de produção da mercadoria, como ressalta

3 O Plano Nacional de Educação: proposta da sociedade brasileira foi elaborado pelas entidades da sociedade civil que integravam o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. que teve uma forte atuação no Congresso Estatuinte e organizou cinco Congressos Nacionais de Educação. Disponível: em:http://www.fedepsp.org.br/documentos/PNE%20-%20proposta%20da%20sociedade%20brasileira.pdf

Medeiros, (1985, p. 21): “A supervisão escolar brasileira surge do modelo norte-americano e

aqui chegou também como inspeção, predominando durante a Primeira República”.

É possível perceber que no final do século XVIII essa função já estava presente

no sistema escolar do país, mais precisamente em 1799 com a Carta Régia, que

determinava a inspeção privativa das escolas régias ou públicas de toda a colônia

(RANGEL; FREIRE 2011, p. 33). A supervisão, assim, tinha o caráter de fiscalizadora e

preocupava-se somente em melhorar o desempenho da escola em sua ação educativa,

perdurando dessa forma por mais de 30 anos, em que esse controle e vigilância foi evidente

nas escolas.

Com a independência do Brasil o professor absorve a função de professor e

supervisor como mostra Saviani (2006, p. 22) “Durante as horas de aula para as crianças, o

papel do professor limitou-se a supervisão ativa de círculo em círculo, de mesa em mesa,

cada círculo e cada mesa tendo à sua frente um monitor, um aluno mais avançado, que

ficava dirigindo”.

Com a promulgação da LDBEN N. 5692/71, o artigo 33, ressalta que “A

formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e demais

especialistas de educação será feita em curso superior de graduação, com duração plena

ou curta, ou de pós-graduação”. Assim, a formação desses profissionais era ministrada no

curso de Licenciatura em Pedagogia, viabilizando novas possibilidades para o curso, até

então desprestigiado, e também para os profissionais da área, principalmente para os

supervisores e orientadores educacionais.

Percebeu-se que na década de 1980, o Brasil vivenciava a luta pela democracia

no país e a questão da supervisão escolar que seguia o modelo tecnicista passa a ser

colocada em questão, pois, segundo Garcia (1994, p. 14) “Orientação Educacional e

Supervisão Educacional são antes de tudo, educadoras, e a finalidade de toda e qualquer

ação supervisora ou orientadora é educativa”.

Na década de 1990, houve uma reestruturação dos cargos de profissionais que

exerciam funções administrativas dentro da escola, sendo instituído o cargo Coordenador

Pedagógico, que passa a representar o profissional que tem como tarefa central, a de

organizar a gestão pedagógica da escola. Entretanto, as dificuldades do trabalho da

coordenação são herdadas da antiga supervisão escolar a qual tinha caráter fiscalizador,

criando resistências aos professores, dificultando o estabelecimento das parcerias

necessárias a qualquer discussão que envolva o processo de ensino aprendizagem.

O papel do coordenador pedagógico, então passa por um processo de

transformação e se destacam algumas características que serão pertinentes para o bom

desenvolvimento de sua função, Almeida (2006 apud CARKHUFF,1977 p. 40) menciona:

a) Atender: mostrar, por formas verbais e não verbais, a disponibilidade e o interesse pelo outro; b) Responder: comunicar, verbal ou corporalmente, a sua compreensão pelos sentimentos e ideias do outro; c) Personalizar: mostrar sua parcela de responsabilidade no problema que o outro está enfrentado; d) Orientar: avaliar, com o parceiro da relação as alternativas de ação possíveis para facilitar a escolha de uma delas.

Percebe-se que as características que permeiam as relações interpessoais no

cotidiano do coordenador pedagógico são de total relevância para que haja tranquilidade no

exercício da função e da tomada de decisão, pois o cotidiano do coordenador pedagógico é

recheado de intercorrências.

De acordo com Souza (2006, p. 94) pode-se postular uma descrição de

coordenação pedagógica como sendo “aquele que organiza, orienta e harmoniza o trabalho

de um grupo, por intermédio de determinados métodos, de acordo com o sistema que se

insere”, ou seja, esse profissional tem um papel importante no trabalho pedagógico da

escola para que o processo ensino aprendizagem ocorra.

Entretanto, essa relação deverá estar pautada em suas estruturas formais ou

leis escritas nas quais todos estão inseridos. Essas leis balizadoras de suas ações podem

estar estruturadas em níveis diferenciados de hierarquias como estabelece a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei n. 9.394/96) no art. 62 ao definir que o

profissional do magistério com diplomação em nível superior no curso de Pedagogia terá

condições “a administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional

para a educação básica” (BRASIL, 1996).

Ainda pautada no que regulamentam as leis escritas, por meio de pesquisa

documental realizada no Regimento Escolar das Escolas Públicas Estaduais de Educação

Básica do Estado do Pará, regulamentado na, Resolução N. 436/2004 – CEE – PA;

Subseção II – Do Serviço de Supervisão Educacional, foi possível constatar:

ART 46. – O serviço de Supervisão Educacional ficará a cargo de um profissional devidamente habilitado, a quem compete: I Articular ações visando atualização permanente do núcleo docente da unidade de ensino; II. Coordenar e ou assessorar as atividades curriculares da unidade de ensino no que tange a:

a)Colaboração do planejamento das atividades docentes;

b) Colaboração e acompanhamento da execução dos planos e instrumentos de avaliação e recuperação; c) Acompanhamento do registro de informações nos diários de classe; d) Participação, juntamente com os professores, da seleção dos livros didáticos a serem adotados; e) Acompanhamento do desempenho dos docentes por turma; f) Coordenação e acompanhamento da elaboração e aplicação do teste classificatório e do processo de reclassificação, em conjunto com o orientador educacional e o núcleo docente.

A Coordenação Pedagógica, segundo Libâneo (2013), é uma função dentro da

escola que vai tratar de administrar o pedagógico, e no exercício dessa função todas as

pessoas que constituem o ambiente escolar estarão envolvidas. Ao coordenador caberá a

“responsabilidade de integrar, reunir esforços, liderar, concatenar o trabalho de diversas

pessoas” e no exercício dessa função alguns fatores se sobressairão tais como:

responsabilidade, autoridade, decisão, disciplina e iniciativa.

A trajetória do cargo do coordenador bem como sua função tem sido palco de

muitas discussões e debates para vários autores como Rangel, Freire (2011) e Libâneo

(2013). Para esses autores, sua criação surgiu com o intuito de fiscalizar alunos e docentes

no interior da escola. Após diversas discussões em vários encontros seu papel muda e suas

ações passam a ser legitimadas por meio de leis federais.

Com base nas reflexões feitas a partir da literatura existente sobre o papel da

coordenação pedagógica e o processo de mutação desse trabalhador ao longo da história

da educação escolar, passamos a analisar a atuação da coordenação pedagógica no

interior de uma Escola pública no Estado do Pará, como segue.

IV. A ATUAÇÃO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA

Para analisarmos a atuação da coordenação Pedagógica da Escola utilizamos a

observação direta na prática das duas profissionais. Essa técnica permite acesso aos

fenômenos estudados (SEVERINO, 2007). Outra fonte de coleta de dados que adotamos foi

a aplicação de entrevista não diretiva. Na análise das entrevistas feitas com as duas

coordenadoras, ambas temporárias, optamos por identifica-las por meio das letras A e B.

No aspecto da Formação das Coordenadoras. Identificamos que a coordenadora

a coordenadora A atua no turno da manhã e possui formação em nível superior em

Pedagogia, cursado na Universidade Vale do Acaraú – UVA, no ano de 2008. A

coordenadora B que atua no turno da tarde possui formação em nível médio e iniciou o

curso de Pedagogia na modalidade a distância, na Faculdade Anhanguera no ano de 2014.

Quanto ao tempo de atuação e experiência profissional, pode se ver que a

coordenadora A, iniciou sua experiência como professora nesta escola, nas series iniciais no

ano de 2009. Ela menciona que durante esse período se identificou mais com o 5º. ano,

porém no ano de 2013, com a necessidade de se ter uma coordenadora pedagógica, a

docente foi convidada para ocupar o cargo.

O cotidiano de suas atividades começa pontualmente às 6h e 50min e suas

preocupações são de: fiscalizar o horário de chegada e possível falta dos professores para

que na ausência deste haja a substituição para que os alunos não voltem para casa; logo

em seguida inicia-se as atividades consideradas pedagógicas: conversar com responsáveis

a respeito de alunos, e há os mais diversos assuntos como desempenho escolar, “bagunça”

de alunos, e falar rotineiramente com professores sobre eventos que acontecerão na escola,

“cobrar” entrega de relatórios para que sejam feitos no prazo e planos de aula.

A coordenadora B iniciou sua experiência na educação como professora de uma

rede particular de ensino, ministrando aulas de ensino religioso. No ano de 2013, a docente

passou a compor o quadro de funcionários da escola como auxiliar administrativo na

secretaria, no segundo semestre por meio de uma amizade dela com a gestora e a

necessidade de se ter uma coordenadora pedagógica foi convidada a ocupar o cargo.

Em seus relatos, ela afirma que o seu cotidiano como coordenadora pedagógica

começa normalmente as 13h e entre suas atividades está a de organizar a entrada dos

alunos, após isso são resolvidas as questões de atrasos e ausência de professores, depois

desse momento a coordenadora relata que vai para a sua sala atender pais que aparecem

todos dias para resolver as mais diversas questões: “Toca o telefone, é um pai que não

pode comparecer à reunião de Pais e Mestres e quer marcar um horário para pegar as

avaliações do filho. Quando informo a hora a ele diz que não pode ir porque trabalha e pede

que entregue as provas ao filho (COORDENADORA B).

Questionamos se esse tipo de situação é comum ela respondeu que os

responsáveis dos alunos do 5º. ano deixam muito a desejar porque não comparecem a

escola. Em seu relato ela continua descrevendo o que vem a ser sua rotina: “De repente a

professora X coloca dois a três alunos para ficar de fora da sala de aula, porque não querem

fazer as tarefas do dia. Então converso com eles, e digo sobre o valor do estudo e que se

não fizerem as atividades não vão jogar bola no final do horário” (COORDENADORA B).

Dessa forma ela solicita a professora X que passe a atividade para o aluno e

pede que seja reportada caso ele não o faça. No decorrer do dia a coordenadora é chamada

a resolver algumas questões que competem à direção da escola, tal eventualidade se dá

devido as ausências da gestora, e para que o andamento da escola não pare a

coordenadora se dispõe a resolvê-los.

Observa-se que a coordenadora pedagógica B utiliza métodos tradicionais para

“convencer” os estudantes para realizarem suas tarefas escolares, por meio do sistema de

premiação ou castigo, ou seja, se, ao final do turno o estudante cumprir suas tarefas

escolares será “premiado” permitindo que “jogue bola”, caso contrário será castigado com o

impedimento da participação na brincadeira.

Quanto às dificuldades enfrentadas no desempenho da função a Coordenadora

A, afirma que o desempenho de sua função é algo muito conturbado durante o seu

cotidiano, devido às várias intercorrências que a mesma tem que resolver como: possíveis

substituições de professores faltosos, alunos indisciplinados entregues à coordenação pelos

professores, ela ressalta que uma de suas maiores dificuldades está em dar continuidade às

ações planejadas. A maioria dos planos e a culminância de projetos são adiados ou não

acontecem devido falta de planeamento e cumprimento do cronograma.

A Coordenadora B também tem as mesmas “queixas” no que se refere às

dificuldades em desempenhar seu papel, porém ela acrescenta como dificuldade o fato de

não conseguir falar com os responsáveis dos alunos nas reuniões da escola, o que ela

menciona os responsáveis do turno da tarde não são participativos nem frequentes aos

chamados da escola.

Para Christov (2006) existem várias hipóteses para que essas ações do

coordenador pedagógico não sejam concluídas junto aos professores entre elas podemos

destacar: as relações de poder impostas de maneira simbólica pela gestão que usa do cargo

para atribuir funções e distribuir tarefas. Ainda segundo o autor, pode-se destacar três

situações como:

1 A direção valoriza e compreende o papel do coordenador como formador dos professores e o interrompe neste papel por não dispor de um vice-diretor e compartilha a responsabilidade da gestão. 2 A direção conta com a vice-direção, mas por não valorizar o papel do coordenador em sua ação formadora junto aos professores, impõe situações em que a coordenação possa atuar resolvendo problemas burocráticos. 3 A direção independentemente de compreender ou não o papel do coordenador como formador dos professores…. usa de sua autoridade para desviar o profissional de suas funções. (CHRISTOV 2006, p. 66 e 67).

Consideramos importante poder identificar qual destas situações ocorrem no

interior da escola, para que se possa saber enfrentar as relações de poder observadas

nesse contexto.

No aspecto da Relação da Coordenação Pedagógica com a gestão, percebe-se

que a Coordenadora A em sua fala diz que não há problemas com a gestão e que ela

sempre a deixa a vontade nos seus afazeres e tomadas de decisão. A Coordenadora B diz

que sua relação é de amizade e que se conhecem há muitos anos, e que são amigas. Ela

diz que a gestora gosta do seu trabalho.

As duas coordenadoras mantêm uma boa relação com a gestora da escola e

talvez por isso ou por não compreenderem as atribuições específicas da coordenação

pedagógica não percebem que seu trabalho no cotidiano da escola está mais voltado para

questões de cunho administrativo do que pedagógico.

Quanto ao item que trata da Relação entre Coordenação Pedagógica e

Professores vemos que a Coordenadora A, detalha que sua relação com os professores é

um pouco difícil, pois os mesmos sempre discutem entre si e não concordam com o que é

passado nas reuniões e nem com sua maneira de agir. Em sua fala a Coordenadora A

menciona a necessidade de se manter a ordem e fazer com que suas determinações sejam

cumpridas.

Em nossas observações percebemos que há uma relação tensa de pouca

cordialidade entre professores e coordenação pedagógica, as relações de poder são

claramente evidenciadas pelas ações da coordenadora pedagógica com o intuito de haver o

cumprimento de suas determinações. As relações interpessoais são bastante tumultuadas.

Percebe-se claramente o modelo de gestão técnico-cientifica a qual Libâneo (2013) mostra

as seguintes característica “a valorização do poder e autoridade, exercidos unilateralmente.

Ressalta relações de subordinação e rígidas determinações de função” (p. 105).

A coordenadora A, raramente é solicitada pelos professores, quando requisitada

é para resolver problemas. As reuniões pedagógicas sempre são interrompidas por alunos.

Os alunos a respeitam quando a mesma fala: Faço os alunos perceberem que eu dou as

ordens, porque senão bagunça tudo, não pode conversar muito com eles (Coordenadora A.)

A Coordenadora B diz que gosta de ser amiga das crianças, porque elas são

muito carentes e “tem falta de amor”. Ela relata que as crianças sofrem o bastante com o

que a vida fez com elas: Tento ser compreensiva com elas, deixo brincarem de bola após o

horário da saída, gosto de ser amiga delas. Tento compensar porque são crianças que não

tem atenção em casa. Por isso libero a bola após o horário de aula por 30 minutos

(Coordenadora B.).

Percebe-se que, no turno da tarde, as relações interpessoais são mais

valorizadas. Almeida (2006, p. 40) menciona a importância de algumas características

relevantes que o coordenador deverá possuir no exercer de sua função: Atender: mostrar,

por formas verbais e não-verbais, a disponibilidade e o interesse pelo outro; Responder:

comunicar, verbal ou corporalmente, a sua compreensão pelos sentimentos e ideias do

outro.

No que concerne a Relação da Coordenadora com os demais integrantes da

escola vemos que a coordenadora A relata que sua relação com dos demais funcionários é

de pouca colaboração: “As vezes sinto que não gostam de mim, faço tudo para que o

ambiente de trabalho seja bom”. Porém a coordenadora B nos diz que seu relacionamento

com os demais funcionários é de colaboração e entendimento: “Procuro sempre me colocar

no lugar dos funcionários e sentir as dificuldades que eles passam no desenrolar de suas

funções”.

Com relação aos dois turnos o que se percebe no interior da escola é a

“taylorização” do trabalho pedagógico, evidenciando a divisão do trabalho tecnicista. Porém

o coordenador pedagógico no exercer de sua função não possui suas atividades

delimitadas, dessa forma ambas coordenadoras da escola investigada têm se comportado

mais como “apagadoras de incêndio” ou até mesmo como “cegas perdidas no tiroteio”.

A formação continuada do professor que deveria ser a premissa a nortear a

coordenação pedagógica, não tem acontecido. Percebe-se que uma de suas principais

funções evidenciadas no ambiente escolar é a coordenação do trabalho coletivo, dessa

forma ele funciona como articulador, de tudo que acontece no universo escolar, dentre

essas articulações está a formação continuada do professor que é deixada de lado.

Ressalta-se as relações interpessoais como divisor de água entre as duas

coordenadoras no sentido de que a coordenadora A exerce seu papel sob os mais diversos

tipos de conflitos, enquanto que a coordenara B, mesmo sem formação em nível superior,

consegue no seu cotidiano aplicar suas habilidades como saber atender e responder.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo evidenciou que, na escola investigada, todos os profissionais têm suas

funções muito bem delimitadas. Os coordenadores pedagógicos exercem diversos tipos de

funções que não seriam de sua competência, podemos chamar de “desvio de função” pois

as duas profissionais desenvolvem atividades que seriam atribuições do gestor da escola,

acompanhando a entrada dos estudantes na escola, a frequência dos professores, dentre

outras tarefas.

Dentre os pontos fortes identificados, constatou-se a existência de uma forte

colaboração entre os professores e coordenadora no turno da tarde, indicando um bom

relacionamento interpessoal o que é uma das características da gestão democrática. Há um

reconhecimento do esforço que a coordenação faz para exercer seu papel em determinadas

atribuições embora não tenha formação adequada para a função.

Em síntese, o papel de um coordenador pedagógico é fundamental para a

gestão do fazer pedagógico na perspectiva da busca pela qualidade do ensino. Nesse

sentido, sugerimos que os profissionais que atuam nesse campo busquem qualificar-se para

que possam, de fato, contribuir para a melhoria do trabalho pedagógico da escola e para o

desenvolvimento de uma gestão democrática e participativa.

Cientes das limitações do trabalho, uma vez que não era (e nem é) possível

esgotar a reflexão sobre essa temática, acreditamos que as reflexões podem contribuir para

que novos estudos possam ser realizados sobre o papel da coordenação pedagógica na

escola uma vez que a situação analisada nesta investigação não esgota o assunto, ao

contrário, pois ainda existem muitas lacunas que precisam ser mais bem investigadas e

aprofundadas.

REFERENCIAS

ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Um dia na vida de um coordenador pedagógico de escola pública. In: O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. 4ª. ed. São Paulo – SP. Edições Loyola, 2006. BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. RESOLUÇÃO CEB Nº 3, DE 8 DE OUTUBRO DE 1997. Fixa Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em: <www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/diretrizes_p0191-0194_c.pdf.> Acesso em 07 de Setembro de 2014. _________. Lei de Diretrizes e Bases. Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm> Acesso em 19 de março de 2017. CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Garota Interrompida: metáfora a ser enfrentada. In: O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. 4ª. ed. São Paulo – SP. Edições Loyola, 2006. FOULQUIÉ L. R. Dictionnaire de la langue pédagogique. Paris: PUF,1971. GARCIA, Regina Leite. Especialistas em Educação, os mais novos responsáveis pelo fracasso escolar. In: ALVES, Nilda; Garcia, Regina Leite. (Orgs.). O fazer e o pensar dos supervisores e orientadores educacionais. São Paulo: Edições Loyola, 1994. LIBANEO, José Carlos. Organização e Gestão da escola: teoria e prática. 6ª. ed. – Goiânia. Editora Alternativa, 2013. LUCK, Heloisa. Ação Integrada: administração supervisão e orientação educacional. 27 ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 1998. MEDEIROS, Luciene. Supervisão Educacional: possiblidades e limites / Luciene Medeiros e Solange Rosa. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1985. RANGEL, Mary. FREIRE, Wendel (orgs). Supervisão Escolar: Avanços de Conceitos e processos. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. SAVIANE, Demerval. A supervisão em perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da ideia. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (org). Supervisão Educacional para uma escola de qualidade. 8.ed.São Paulo: Cortez, 2006.p. 13-38. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Cientifico. – 23. Ed.rev. e atual. – São Paulo: Cortez, 2007. SOUSA, Vera Lucia Trevisan de. O Coordenador Pedagógico e o atendimento a diversidade. In: O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. 4ª. ed. São Paulo – SP. Edições Loyola, 2006.