contribuições do debate modernidade/ pós-modernidade sobre...

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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015 Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ 1 Contribuições do debate Modernidade/ Pós-Modernidade sobre a crise socioambiental: um estudo sobre a produção teórica em Educação Ambiental Maria Fernanda Zanatta Zupelari Unesp- Campus de Rio Claro Rosa Maria Feiteiro Cavalari - Unesp- Campus de Rio Claro Resumo: Ao identificarmos que uma das facetas da crise socioambiental é a crise do conhecimento, sobretudo aquele produzido pela sociedade moderna sobre a natureza, entendemos que a forma de conhecer desta sociedade está em crise. Para debater como as compreensões da crise socioambiental são abordadas na pesquisa brasileira em educação ambiental este artigo apresenta parte dos resultados de uma investigação que teve como objetivo identificar e analisar as contribuições e possibilidades teóricas do debate da Modernidade/ Pós-Modernidade para a temática da crise socioambiental, segundo a análise interpretativa deste tema em dezessete teses e dissertações em Educação Ambiental, selecionadas no Catálogo produzido pelo Projeto “Educação Ambiental no Brasil: análise da produção acadêmica (teses e dissertações)”. De um total de dezessete documentos que constituem o corpus documental, treze são dissertações e quatro teses, defendidos entre os anos de 1992 e 2009, em quatorze instituições diferentes, majoritariamente no Sudeste e Sul do Brasil. Palavras-chave: Pesquisa em educação ambiental. Modernidade/pós-modernidade. Crise socioambiental. Abstract: Given the worsening environmental crisis, the environmental education research realize notoriety to promote and support reflection about the role of education. By identifying that one of the facets of the environmental crisis is a crisis of knowledge, especially the produced by modern society on nature, we understand that the way to know, organize and produce of this society is in crisis. So, the discussion about the understandings of environmental crisis can contribute to creation of a more balanced and fair way of relating to nature. For this purpose, this research aims to identify and analyze the contributions and discussion of theoretical possibilities of Modernity / Post- Modernity to reflect on the environmental crisis we are in, according to the characterization of this theme in seventeen dissertations and theses in the order of Environmental Education. Key-word: Environmental Education research. Modernity/Postmodernity. Environmental crisis. 1.A crise socioambiental como “crise do conhecimento” moderno A questão ambiental tornou-se clara no final da década de 1960, quando os limites da natureza como sustentáculo do progresso apontaram para uma nova problemática: a sobrevivência e reprodução da humanidade. Assim, a sociedade moderna ocidental, gradualmente, passou a tomar consciência da gravidade da crise socioambiental em que nos encontramos.

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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015

Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ

1

Contribuições do debate Modernidade/ Pós-Modernidade sobre a crise

socioambiental: um estudo sobre a produção teórica em Educação Ambiental

Maria Fernanda Zanatta Zupelari – Unesp- Campus de Rio Claro

Rosa Maria Feiteiro Cavalari - Unesp- Campus de Rio Claro

Resumo: Ao identificarmos que uma das facetas da crise socioambiental é a crise do

conhecimento, sobretudo aquele produzido pela sociedade moderna sobre a natureza,

entendemos que a forma de conhecer desta sociedade está em crise. Para debater como

as compreensões da crise socioambiental são abordadas na pesquisa brasileira em

educação ambiental este artigo apresenta parte dos resultados de uma investigação que

teve como objetivo identificar e analisar as contribuições e possibilidades teóricas do

debate da Modernidade/ Pós-Modernidade para a temática da crise socioambiental,

segundo a análise interpretativa deste tema em dezessete teses e dissertações em

Educação Ambiental, selecionadas no Catálogo produzido pelo Projeto “Educação

Ambiental no Brasil: análise da produção acadêmica (teses e dissertações)”. De um total

de dezessete documentos que constituem o corpus documental, treze são dissertações e

quatro teses, defendidos entre os anos de 1992 e 2009, em quatorze instituições

diferentes, majoritariamente no Sudeste e Sul do Brasil.

Palavras-chave: Pesquisa em educação ambiental. Modernidade/pós-modernidade. Crise

socioambiental.

Abstract: Given the worsening environmental crisis, the environmental education

research realize notoriety to promote and support reflection about the role of education.

By identifying that one of the facets of the environmental crisis is a crisis of knowledge,

especially the produced by modern society on nature, we understand that the way to

know, organize and produce of this society is in crisis. So, the discussion about the

understandings of environmental crisis can contribute to creation of a more balanced

and fair way of relating to nature. For this purpose, this research aims to identify and

analyze the contributions and discussion of theoretical possibilities of Modernity / Post-

Modernity to reflect on the environmental crisis we are in, according to the

characterization of this theme in seventeen dissertations and theses in the order of

Environmental Education.

Key-word: Environmental Education research. Modernity/Postmodernity.

Environmental crisis.

1.A crise socioambiental como “crise do conhecimento” moderno

A questão ambiental tornou-se clara no final da década de 1960, quando os

limites da natureza como sustentáculo do progresso apontaram para uma nova

problemática: a sobrevivência e reprodução da humanidade. Assim, a sociedade

moderna ocidental, gradualmente, passou a tomar consciência da gravidade da crise

socioambiental em que nos encontramos.

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Uma das possíveis formas de entender esta crise, ampla e de diferentes e

complementares escalas, é como uma possível manifestação da crise da organização e

produção da sociedade contemporânea, ou seja, da forma com que a nossa sociedade

conhece, compreende, relaciona-se, interage e intervém com e na natureza.

Em meio a esta crise que permeia a sociedade parece claro que o modelo de

conhecimento não atingiu o principal ideal traçado no Projeto da Modernidade: de obter

e disseminar o Esclarecimento, a partir da Ciência e da Técnica. Pois este objetivo

moderno guarda em si a grande contradição da civilização ocidental, qual seja, dizer que

“o homem foi condenado pela ciência e tecnologia a uma nova era de precariedade”

(BERMAN, 1988, p. 81), uma vez que “a maldição do progresso irrefreável é a sua

irrefreável regressão” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 41), ou seja, segundo a

Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, são a cultura e a barbárie elas mesmas, no molde

civilizacional moderno, partes indissociáveis do percurso da Humanidade.

Assim, as pessoas, ao tentarem libertar-se do medo de uma natureza

desconhecida e das explicações míticas para os fenômenos inexplicáveis, a partir das

elucidações científicas, desenvolveram uma espécie de “crença mítica” na verdade

absoluta produzida pelo conhecimento científico metódico e verificável. Este processo

de “desencantamento do mundo” sobrevalorizou o conhecimento objetivo, livre de

subjetividades e sensibilidades, mas por outro lado, desvalorizou a arte, e outras formas

de obtenção do conhecimento, como processo válido para conhecer o mundo

(ADORNO; HORKHEIMER, 2006).

Assim, na intenção de abranger todo o conhecimento sobre o mundo, a conjunção

de compreensões, valores, crenças, princípios que compõem a concepção de mundo da

Modernidade pode ter reduzido e fragmentado o conhecimento, e desta forma, pode ser

a visão moderna sobre o mundo entendida como uma das causas constituintes da crise

socioambiental e, dialeticamente, uma fonte de oportunidades para a minimização ou

resolução desta (RODRIGUES, 1994). Mas, para que se recuperem as possibilidades de

a Modernidade intervir positivamente na crise socioambiental contemporânea é preciso

que se reflita sobre o significado e as influências do projeto moderno, suas falhas e

contribuições.

A discussão acerca da insuficiência do modelo de conhecimento moderno sobre

o mundo gerou debates a respeito de novos paradigmas que poderiam abarcar realidades

e crises que a sociedade contemporânea passou a enfrentar, como por exemplo, a crise

socioambiental. Entretanto, a organização e produção social típicos da Modernidade

continua a impor sua forte presença nas sociedades pós-industriais, e assim, os

paradigmas que surgem não são exatamente alternativos à Modernidade, pois se referem

a esta, aprofundando-a ou contradizendo-a, de alguma forma. As teorias da Pós-

Modernidade e da Hipermodernidade (LIPOVETSKY, 2004) são ilustrativas a esse

respeito. Assim, o debate da Modernidade/ Pós-Modernidade sugere que exista uma

dificuldade para delimitar se há um paradigma orientador definido na sociedade de

capitalismo tardio, e ainda, se existe a necessidade de delimitá-la.

Neste sentido, Leff (2001) contextualiza a crise socioambiental como uma das

esferas da “crise da civilização ocidental”, cujos fundamentos estão na desordem de

como a Humanidade passou a conhecer o meio que a cerca, como segue:

A crise ambiental é a crise de nosso tempo. O risco ecológico questiona o

conhecimento do mundo. Esta crise apresenta-se a nós como um limite do

real [...] Mas também crise do pensamento ocidental: da determinação

metafísica que, ao pensar o ser como ente, abriu caminho para a

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racionalidade científica e instrumental que produziu a Modernidade como

uma ordem coisificada e fragmentada, como formas de domínio e controle

sobre o mundo. Por isso, a crise ambiental é, acima de tudo, um problema de

conhecimento. (LEFF, 2001, p.191)

Este conhecimento moderno, majoritariamente científico e metódico, apoiado

em princípios como a verdade absoluta, a objetividade, a dicotomia sujeito-objeto e a

fragmentação da realidade gradativamente perde força na sociedade contemporânea, ao

passo que alguns pensadores apontam para a insuficiência da ciência moderna para

resolver, sozinha, questões complexas como a questão ambiental. (GOERGEN, 2010).

Ao focar o problema da questão ambiental como “crise do conhecimento” fica

claro para nós que a minimização ou superação necessária da crise socioambiental não

poderá acontecer apenas com soluções dadas aos impactos ambientais negativos ou

inflexão da degradação dos recursos naturais. Pois, a partir desta compreensão de crise,

seu enfrentamento deverá acontecer por meio de reformulações da consciência do

homem, ocidental e moderno, sobre a constituição de si, e do entendimento que ele tem

sobre o meio ambiente,o conhecimento, e, enfim, sobre a verdade. Neste processo,

evidencia-se o papel da educação. Como crê Carvalho (1989) o processo educativo é

visto, pelos envolvidos na questão ambiental, como uma possibilidade de provocar

mudanças e alterar o quadro de crise. Acredita-se, desta forma, que a educação

ambiental se trabalhada em conjunto com outras propostas, pode colaborar para a

mudança gradual dos padrões de consumo, dos valores e das formas de conhecimento.

A pesquisa em educação ambiental surge, neste contexto, como uma das

contribuições para orientar as ações educativas dentro da questão ambiental, para

conhecer as diferentes realidades - ecológicas e sociais, as diferentes formas de

conceber e intervir no meio-ambiente, diante do jogo econômico e político do poder.

Apesar de sua importância, pesquisadores da área como Novicki (2003), Daniel e Marin

(2007) e Lindau (2009) apontam para a fragilidade do processo de consolidação da

pesquisa em Educação Ambiental como campo do conhecimento, em específico no que

tange aos aspectos teórico-metodológicos das pesquisas.

A pesquisa acadêmica sobre Educação Ambiental freqüentemente cita e critica

características da Modernidade, e da Ciência Moderna, como fatores impulsionadores e

que aprofundam a crise socioambiental. No entanto, interessa-nos saber se existe

consenso, ou falso consenso sobre a contribuição teórica dada pelo debate Modernidade/

Pós-Modernidade para compreender, contextualizar e explicar a crise socioambiental, e

desta forma fundamentar a pesquisa em Educação Ambiental do Brasil.

Especificamente, na visão desta investigação, o debate Modernidade/Pós-

Modernidade pode contribuir significantemente como aporte teórico para este campo de

pesquisa, pois o país encontra-se em um contexto de transição de país subdesenvolvido

para desenvolvido, o que podemos compreender como uma amálgama de características

arcaicas e tradicionais (pré-moderna), modernas típicas e, em algumas localidades

brasileiras, pós-industriais. Assim, ao contextualizar a Educação Ambiental no Brasil

dentro do debate da Modernidade/ Pós-Modernidade é importante que tenhamos em

vista a pluralidade de realidades brasileiras.

A intenção da investigação realizada é identificar e analisar como o debate da

Modernidade/ Pós-Modernidade contribui para a compreensão da crise socioambiental,

a partir das relações estabelecidas entre estes elementos pela pesquisa academica sobre

educação ambiental no Brasil Para tanto, foi feito um recorte a partir da análise de

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trabalhos selecionados no Banco de teses do Projeto “Educação Ambiental no Brasil:

análise da produção acadêmica (teses e dissertações)”1.

2 Procedimentos metodológicos

A pesquisa em questão insere-se no âmbito do Projeto “Educação Ambiental no

Brasil: análise da produção acadêmica (teses e dissertações), e inspira-se na pesquisa do

tipo “estado da arte”. A pesquisa do tipo “estado da arte” é aquela que pretende orientar

o quadro em que se encontra uma determinada área do conhecimento. Caracteriza-se

pelo caráter bibliográfico, e pretende identificar e refletir características dos campos

científicos: tendências, limites, aspectos privilegiados, lacunas no conhecimento,

intertextualidades, a distribuição geográfica e histórica, contextos da produção, e

reflexões acerca deste ou aquele campo do conhecimento. (FERREIRA, 2002).

Destacamos que a possibilidade de trabalhar a partir do Banco de teses do

Projeto mencionado trouxe benefícios para esta pesquisa porque os trabalhos ali

depositados já foram classificados como pesquisas de Educação Ambiental, por meio de

critérios definidos pelos pesquisadores que o realizam, e desta forma, torna a seleção

dos trabalhos mais consolidada.

Esse Banco de teses e dissertações de Educação Ambiental é constituído por

trabalhos defendidos no período entre 1989 e 2009, em instituições de ensino superior

brasileiras. Por meio de buscas no Banco é possível ter acesso as “fichas de

classificação dos trabalhos” elaboradas pela equipe do projeto. Essas fichas contemplam

os seguintes aspectos: os dados institucionais, o resumo, as palavras-chave, e a

classificação do trabalho quanto ao contexto no qual o trabalho se insere (escolar ou não

escolar), a área do conhecimento (definidas pela Capes), o tema ambiental, o tema de

estudo (foco da investigação), e o público envolvido (sujeitos de pesquisa).

O primeiro passo dado, após a exploração geral da temática na revisão

bibliográfica, foi definir quais teses e dissertações que seriam analisadas, ou seja, que

constituiriam o corpus documental. Assim, buscamos seis termos gerais sobre a

temática desta investigação nos títulos, resumos e palavras-chaves dos textos que

compõem o Banco de teses do Projeto já citado. Os termos foram: “modernidade”;

“pós-modernidade”; “moderno/a”; “pós-moderno/a”; “hipermoderno/a”; e “modern*.

Posteriormente, outras buscas foram realizadas no Banco do Projeto, com novos termos

identificados em artigos publicados em dois periódicos internacionais de pesquisa em

Educação Ambiental, a Environmental Education Reserach, EER, e a Canadian Journal

of Environmental Education, CJEE.

De um total de 362 resumos identificados pelas buscas no Catálogo do Projeto e

somente vinte trabalhos atendiam aos critérios definidos e, desta forma, constituíram o

corpus documental desta investigação. Para a definição do corpus foram selecionados os

1 O projeto “Educação Ambiental no Brasil: análise da produção acadêmica (teses e

dissertações)”, de caráter interinstitucional (UNESP/RC, UNICAMP, USP/RP) tem como finalidade

principal organizar um catálogo de todas as teses e dissertações sobre Educação Ambiental que foram

defendidas no Brasil até a data de 2009, quando foram selecionadas as pesquisas a partir do Banco de

Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes).

O Banco de Dissertações e Teses de Educação Ambiental produzido pelo Projeto é composto

pelos trabalhos que atenderam aos critérios definidos previamente pelos pesquisadores do Projeto e pode

ser acessado, desde seu lançamento em 13/03/2015, pelo endereço: http://www.earte.net/.

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trabalhos que relacionam o debate da Modernidade/ Pós-Modernidade com a crise

socioambiental como foco principal ou secundário de estudo. A partir deste critério,

dezessete trabalhos foram selecionados, e estão apresentados no Anexo A – Trabalhos

constituintes do corpus documental. A análise do material selecionado foi realizada a partir das seguintes estratégias

da “Análise de conteúdo” de Bardin (2009): a “pré-análise”, na qual foram

desenvolvidas as etapas de escolha dos documentos a ser analisados e da formulação de

hipótese e objetivos realizar ; a “leitura flutuante” que contribuiu para balizar a escolha

do material do corpus documental pelas regras de exaustividade (tentar encontrar todos

os possíveis elementos do corpus, sem esquivar-se de qualquer um), de homogeneidade

(todo documento foi selecionado pelos mesmos critérios), e de pertinência (toda escolha

de documento a ser analisado pretende responder aos objetivos de pesquisa). Nota-se

que, a partir de Bardin (2009), a etapa subsequente à escolha dos objetivos e do corpus

documental seria a de elaborar os indicadores segundo critérios frequenciais. Neste

caso, entendemos que não há necessidade de se referenciar índices ou elaborar

indicadores a partir do critério quantitativo. Ademais, foi considerado pertinente para

esta pesquisa o processo de “edição” dos documentos analisados, no qual há a

decomposição dos textos a partir dos objetivos da pesquisa, e posterior, reorganização

dos textos decompostos. Neste momento, ressalva-se que o tratamento dos dados foi

descritivo e interpretativo, e não estatístico.

Ressalva-se que por ser um trabalho de caráter qualitativo não há intenção de

generalizar as análises realizadas para todo o campo da pesquisa em Educação

Ambiental brasileiro, visto que estas são algumas possibilidades de relacionar os

elementos – crise e o debate Modernidade/Pós-Modernidade. Estas análises

interpretativas, então, são limitadas a este corpus documental, e a estes procedimentos

analíticos, neste momento, porém podem apresentar indícios ou caminhos teóricos

interessantes para o aprofundamento e o desenvolvimento do campo.

3 Caracterização do corpus documental

De um total de dezessete documentos que constituem o corpus documental, treze

são dissertações de mestrado e quatro, teses de doutorado. Notamos que em trabalhos de

“estado da arte” sobre produção acadêmica do Brasil a tendência é que seja maior a

quantidade de dissertações em relação à de teses de doutoramento, visto que em geral

são mais numerosos os programas de pós-graduação com matrículas de nível de

mestrado no Brasil. Ainda, destacamos que por esta pesquisa tratar de temáticas sobre

fundamentos em Educação é proporcionalmente maior o número de teses do que em

outras pesquisas realizadas dentro do projeto Educação Ambiental no Brasil: análise da

produção acadêmica (teses e dissertações)” (REIS, 2013, por exemplo).

Estes trabalhos foram defendidos entre os anos de 1992 e 2009. As teses e

dissertações foram defendidas em quatorze instituições de ensino e pesquisa diferentes,

com destaque para USP (foram três trabalhos defendidos), e a FURG (dois trabalhos).

Observa-se, então, que do total de trabalhos selecionados, aproximadamente 50 % dos

trabalhos estão localizados na região Sudeste, 35 % na região Sul, 10% na região

Centro-Oeste e por fim, 5 % na região Norte. A concentração de trabalhos defendidos

nas regiões Sudeste e Sul, já apontada por vários pesquisadores, não surpreende pois

mantém a proporção de produção científica concentrada nesta região do país, em

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consonância com a concentração de Universidades, Faculdades e Centros de Pesquisa,

principalmente em instituições públicas.

Destaca-se a grande diversidade de Programas de Pós-Graduação nos quais os

trabalhos analisados foram realizados: Ciências da religião ou Teologia (dois trabalhos);

Ecologia (um trabalho);Psicologia (dois trabalhos); Desenvolvimento (três trabalhos);

Educação Ambiental (dois trabalhos), e destaca-se a concentração de sete trabalhos

desenvolvidos em Programas de Educação.

Esta grande diversidade de programas de pós-graduação nos quais os trabalhos

foram desenvolvidos pode demonstrar que a problemática ambiental, temática

emergente na pesquisa brasileira, é abordada de forma dispersa nas áreas de

conhecimento. Mas, que especificamente os trabalhos sobre pesquisa em educação

ambiental provavelmente está concentrando-se em programas de Educação, ou em

programas de Educação Ambiental. Neste corpus documental, pouco mais da metade

dos trabalhos foram desenvolvidos nestes programas. Consideramos interessante este

foco em programas de pós-graduação em Educação e em Educação Ambiental, pois

assim as pesquisas devem preocupar-se mais com os fundamentos desta área do saber.

4 O debate da Modernidade/ Pós-Modernidade e suas relações com a crise

socioambiental nos documentos analisados

As dezessete pesquisas em educação ambiental analisadas concordam que a

Humanidade atravessa atualmente um momento de crise: “Crise da cultura ocidental”;

“espiritual”; “da desmesura”; “de percepção”;“de identidade”;“de valores”; “do

paradigma civilizacional”; “do pensamento”; “do conhecimento”; “de visão de mundo”;

“planetária”; “policrise”,ou, enfim, “da Modernidade”. Mesmo que variando entre

grandezas e enfoques, os trabalhos parecem indicar que existe um consenso de que esta

crise ecológica, ambiental ou sócio-ambiental é uma crise complexa, ampla, que já não

pode ser reduzida a fatores da escassez ou finitude de recursos naturais.

É interessante observar que houve casos de trabalhos que se utilizaram de mais

de uma faceta da crise para lhe caracterizar, o que pode ser interpretado como um

indício de sua complexidade inerente. O que, de certa forma, confirma a posição de

Silva (2007) que diz que “[...] a crise ambiental, ela mesma, é um objeto híbrido (mistos

de natureza e de cultura).” (p. 32).

Os termos que foram utilizados nos trabalhos para designar a crise variam entre

“crise ecológica”,“crise ambiental” e “crise socioambiental”. Nem sempre os trabalhos

estabelecem clara distinção entre os termos, visto que observamos, em certas ocasiões,

os termos serem utilizados como sinônimos, sem apoiar-se em nenhum critério. Ao

nosso entender, o termo “crise socioambiental” parece mais representativo desta crise à

que estamos submetidos, pois é capaz de expressar as desvantagens sociais e políticas

das classes menos favorecidas diante da situação de degradação ambiental acelerada.

Desta forma, é possível afirmar que, para os trabalhos analisados, o campo de

pesquisa em Educação Ambiental pode estabelecer reflexões sobre a crise

socioambiental a partir do debate da Modernidade/ Pós-Modernidade. Até mesmo,

chega a estabelecer uma direta relação entre estes dois elementos, quando afirma

enfaticamente que “[...] a crise ambiental é a crise da Modernidade” (GENZ,2005, p.

18, grifo nosso).

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Por ser esta uma afirmação muito generalista, é importante justificá-la, como foi

realizado por este autor, mesmo que para tanto seja necessária uma longa citação:

Pode parecer um contrassenso, mas é justamente a forma de pensar na

modernidade, com seu modelo analítico radical da realidade, que permite ao

ser humano perceber a crise ambiental como uma crise específica que pode

ser tomada à parte. Podemos dizer que o racionalismo científico deu

visibilidade ao que costumamos chamar de crise ambiental. [...] Uma crise

de modernidade. A crise ambiental é a crise da Modernidade. Deste

ponto de partida, não poderíamos tratar a crise ambiental de uma forma

isolada. Temos que vê-la como parte do todo. [...] podemos chegar a duas

conclusões básicas sobre a forma moderna de encarar o mundo: primeiro, é a

separação entre natureza e cultura que nos faz incapazes de entender nossa

origem biológica histórica, e, portanto, nos desenraiza de nossas origens

ocasionando um estranhamento com todo o mistério e tudo aquilo que não

pode ser explicado pela tecnociência. Esta separação foi determinada pela

possibilidade de conhecimento construído e alcançado pela modernidade.

Em segundo lugar, é só a partir do fracionamento do conhecimento e da

nossa visão de mundo que podemos perceber a crise ambiental. Só um

ser humano moderno poderá encarar a problemática ambiental

dissociada de outros aspectos constituintes do ser humano, como sua

espiritualidade, sua arte, ou seu modo de produção. (GENZ, 2005, p. 18,

grifo nosso).

Em síntese, pode-se compreender a Modernidade como constituinte preciso da

crise socioambiental, e a crise socioambiental como parte indissociável das condições

da Modernidade. Tal movimento pode ser considerado aporte das construções de

pensamento das pesquisas em Educação Ambiental analisadas. A relação entre a crise

socioambiental e a crise da Modernidade destacada por estas pesquisas caracteriza-se

pela inerência, pela indissociabilidade entre os dois elementos. Os autores Demajorovic

(2000), Kazue (1992), Sayão (1999), Silva (2002), Sagave (2009), Silva (2007) e

Piavowski (2004) justificam esta estreita relação entre os elementos.

Demajorovic (2000) destaca esta indissociabilidade entre a Modernidade e a

crise ambiental a partir do trecho destacado:

Com efeito, parece cada vez mais difícil dissociar “modernidade” de

”crise”. Crise do mercado do trabalho, crise econômica, crise ecológica, crise

social entre outras apontam para um futuro sombrio e nada promissor.

(DEMAJOROVIC, 2000, p. 1)[...] O agravamento dos problemas ambientais

está ligado a escolhas feitas no que diz respeito à forma como o

conhecimento técnico-científico vem sendo aplicado no processo produtivo.

Portanto, as catástrofes e danos ao meio ambiente não são surpresas ou

acontecimentos inesperados, e sim uma característica inerente à

modernidade, que mostra, acima de tudo, a incapacidade do conhecimento

construído neste século de controlar os efeitos gerados exatamente pelo

desenvolvimento industrial (Idem, p. 22, grifo nosso).

Kazue (1992) destaca que uma das características do pensamento moderno que o

torna inseparável de uma condição de crise socioambiental é “[...] esta tendência

humana [e moderna] à cisão, de criar polaridades”, a qual é responsável, segundo esta

autora, essencialmente pelos problemas modernos, ao passo que torna o ambiente e suas

relações incompreensível ao homem. Veja-se:

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Mais tarde percebi relacionada a esta tendência humana à cisão, de criar

polaridades a incompreensível dificuldade do homem em integrar as

diferenças e similaridades, em compor o par de opostos. Na realidade, parecia

que nossas constatações residiam a origem e a essência dos problemas

fundamentais do homem moderno, e, portanto, a civilização e do ambiente

atual. (KAZUE, 1992, p. 25, grifo nosso)

Sayão (1999) também encontra nas estruturas da modernidade, e no pensamento

dual, a impossibilidade de se pensar o ambiente como um todo, e portanto, de entender

e reverter a crise socioambiental de forma profunda, e justifica mais detalhadamente

esta relação com a passagem: Não há como negarmos o sentido de ambiente admitido pela sociedade

moderna. Os resultados desta mesma representação mostram-se

extremamente claros na crise generalizada que todos enfrentamos. (p. 142)

[...] A crise ambiental que hoje vemos deflagrar-se nos diferentes desastres

sociais, bem como, na destruição da própria natureza, emanam das

estruturas da modernidade e não das carências de dados informativos, visto

que, os grandes responsáveis pela destruição do meio natural e social são

eminentemente conscientes e bem informados do que fazem (SAYAO, 1999,

p. 159, grifo nosso).

Esta forma moderna de enxergar o mundo, centrada na razão instrumental, ou

“razão tecnológica”, é a razão apresentada por Sagave (2009), no seguinte trecho:

A degradação ambiental é nada menos do que um demonstrativo da crise de

uma civilização contextualizada na modernidade com base no predomínio

da razão tecnológica sobre a organização da Natureza (SAGAVE, 2009,

p. 34, grifo nosso).

Deste modo, os autores concordam que a forma de entender o mundo da

Modernidade está intimamente relacionada com o aprofundamento da crise, porque ele

mesmo, o pensamento moderno, está em crise, e uma das áreas que trouxe a

consciência de crise ao próprio pensamento é justamente a temática ambiental. É a partir

deste movimento dialético que Silva (2002) declara que a crise ambiental é também

“[...] a crise do projeto moderno de civilidade”, como se vê na seguinte passagem:

Em síntese, a compreensão de que os problemas ambientais implicam e são

implicados pelos valores e pelas concepções recorrentes na sociedade

disseminou o entendimento de que é o próprio pensamento, quer dizer, o

modo moderno de organização das ideias, da produção e dos estilos de

vida que está em crise. É a crise do projeto moderno de civilidade

(SILVA, 2002, p. 15, grifo nosso).

Apesar de a crise socioambiental poder ser compreendida como uma ampla “crise

da Modernidade”, é interessante destacar que nos trabalhos analisados atentam-se para a

questão de que a crise não afeta igualmente a todos os homens modernos. A injustiça

ambiental aliada ao poder hegemônico (atuante nos pólos econômico, político, social e

cultural) mantém a desigualdade de condições materiais e aprofunda cada vez mais a

degradação do ambiente, porque mesmo aqueles que não participam da Modernidade

em sua plenitude, ou por pobreza ou por escolhas, não conseguem viver em liberdade

seus parâmetros de organização social e até de espiritualidade.

No que concerne à esta temática da injustiça ambiental como parte constituinte

da crise ambiental, três trabalhos analisados revelam que existe a preocupação em tornar

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evidentes as questões da desigualdade social, e pensar como a desigualdade de acesso,

posse e uso dos recursos naturais é tão importante quanto pensar em alternativas aos

elementos modernos questionados. Para situar esta temática, Romero (2004) e Sagave

(2009) dialogam com Leonardo Boff sobre esta temática. Veja-se:

É por isto que é tão importante resolver a tríade de desafios que nos

circunda neste momento: a exaustão dos recursos naturais não

renováveis, a suportabilidade da terra e a injustiça social mundial e

somente será possível resolver isto na medida em que mudemos nossa

forma de pensar, de sentir, de avaliar e de agir frente ao mundo e frente ao

outro nosso irmão (BOFF, 1998, p. 26, apud ROMERO,2004, p. 67)

Este aspecto também é discutido em Genz (2005), como se pode observar no excerto:

Ora, se a dessacralização da natureza atinge somente um pequeno número de

“modernos”, o problema está no poder que este pequeno número de

indivíduos exerce sobre outras formas de pensar a relação homem e natureza.

O problema está no modo hegemônico que obriga indivíduos que, mesmo

tendo a natureza sacralizada, não podem ter acesso a esta forma de

religiosidade, ou não influenciam de modo concorrente a esta forma

hegemônica, talvez por não terem um discurso que seja válido nos círculos de

poder (p. 85)

Ressaltamos que, para este autor, a “dessacralização da natureza” cujo ápice

ocorreu na Modernidade, com a consolidação por um lado do método científico e do

desenvolvimento da técnica intervencionista, e por outro da consolidação do

Cristianismo, é o principal fator da crise socioambiental.

Assim, destituídos do “discurso válido nos círculos de poder”, a saber, o

discurso científico e ideológico, a força de intervenção dos grupos sociais excluídos

da plenitude da Modernidade permanece enfraquecida. Por este motivo, a Educação

Ambiental tem a intenção de dar espaço e voz às comunidades tradicionais que

pretendem estabelecer outras relações menos degradantes com a natureza, orientadas

por conhecimentos e valores diferentes dos modernos como apontado por Genz

(2005): Muitos autores têm traduzido a problemática ambiental como um problema

que teve sua origem na visão cristã de mundo. Outros vêm apontando para o

fato moderno da dessacralização da natureza, o que leva o ser humano a não

mais respeitar a natureza, ou em outras palavras, a ver a natureza objetificada,

dentro da razão instrumental moderna. As duas visões têm um fundo

teológico importante, e muito provavelmente são realmente fontes de

problemas ecológicos de nossos tempos, conjuntamente com outras questões

oriundas de outras instâncias, uma vez que estamos tratando de um problema

sistêmico e complexo. [...] a crise ambiental é na verdade a crise

civilizacional (p. 82, grifo nosso)

É possível estabelecer um diálogo entre tais ideias de Genz (2005) e de Morais

(2008), pois ambos trabalhos afirmam que a crise socioambiental tem fundamento na

crise dos valores da sociedade moderna, e discutem as influências do Cristianismo neste

processo. Neste sentido, Genz (2005) propõe que existam relações entre a crise de

valores do homem moderno e o rompimento do homem com sua própria natureza e da

sua crença quase absoluta na racionalidade. Nota-se que este trabalho não critica o

Cristianismo em sua composição como o culpado da crise socioambiental , mas destaca

10

uma confusão valorativa que os homens modernos enfrentam entre a “razão

instrumental” e o Humanismo que, impulsionado pela fé cristã (quando esta afirma que

o homem foi feito “à imagem e semelhança de Deus”), aprofundou a dicotomia entre

natureza e sociedade.

Genz e Morais que fazem esta relação entre o Cristianismo e a crise

socioambiental são bastante cuidadosos ao afirmar que esta dualidade homem/natureza,

corpo/espírito já existiam desde a Antiguidade, sendo que, segundo estes trabalhos foi

Platão quem os iniciou, porém o Cristianismo colaborou para consolidar as dualidades e

tornar possível a exploração da natureza como nunca antes.

A relação entre a constituição e aprofundamento da crise socioambiental e crise

do paradigma moderno além de encontrar base no Cristianismo, a partir dos trabalhos

analisados pudemos observar que também está expressa através do exame a alguns

outros elementos que compõem a Modernidade, a saber a racionalidade moderna, o

antropocentrismo, o eurocentrismo, a forma dicotômica de enxergar o mundo e a

fragmentação da realidade, e do conhecimento científico.

Observa-se, na crítica direcionada à racionalidade moderna, componentes

envolvidos com a constituição e o aprofundamento da crise, como se pode notar nos

trechos destacados nos trabalhos de Echeverri (1997) e Lindau (2009):

A racionalidade moderna transforma profundamente as relações entre

esta cultura racional e os ecossistemas propiciando desequilíbrios

ambientais nunca antes imaginados e possivelmente irreversíveis. (p. 6)

A desilusão da razão ocidental, que ocorre junto com o desvanecimento no ar

dos paradigmas mais sólidos da modernidade, a crise cultural dos valores e

normas, a crise ambiental que pede um novo tipo de eticidade nas formas de

relação da espécie humana consigo mesma, e com os outros seres, são

inegáveis chamados de atenção para sair da subjetividade ególotra que

historicamente tem sido fundamento da cultura moderna (ECHEVERRI,

1997, p. 91, grifo nosso).

Lindau aprofunda sua crítica direcionada à racionalidade moderna quando

afirma que a crise socioambiental atual foi gerada por esta forma de pensar moderna e

que esta “não só é profunda, como irreversível” (p. 94). As inter-relações entre a crise

ambiental e o antropocentrismo, princípio fundante do paradigma moderno, também

estão presentes na tese de Lindau (2009, p. 56), que “[...] identifica o antropocentrismo

como um dos elementos responsáveis pela devastação ambiental, como o pivô da

crise ecológica”. Assim como já o fizera Sayão (1999, p. 62): “A crise ambiental a que

assistimos tem sua origem na concepção de mundo que tem por base a ideia de que o

homem é o centro da natureza”.

A característica moderna de exaltar as dualidades de forma dicotômica é

apontada por Grun (1995) e Simons (2005), como se observa a partir do mesmo trecho

que foi destacado em ambos trabalhos, e está apresentado a seguir:

É na base deste dualismo [sujeito e objeto] que se encontra a gênese

filosófica da crise ecológica moderna, pois a partir desta cisão a natureza

não é mais que um objeto passivo a espera de um corte analítico. Os seres

humanos se retiram da natureza. [...] O processo de objetificação, implica

simultaneamente domínio, posse, mas também perda, afastamento da

natureza (GRUN, 1995, p. 32 apud SIMONS, 2005, p. 16).

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A fragmentação da realidade e do conhecimento foi identificada por Gasparello

(1994), Serrão (1995), Silva (2002) e Morais (2008) como elemento moderno que

aprofunda a crise socioambiental, como se pode observar a partir do trecho:

E é neste sentido que chamo a atenção para a fragmentação presente na

nossa sociedade como uma das grandes raízes da crise atual do

planeta. Como se justifica em: "Tal crise planetária, multidimensional em

sua abrangência, pode ser traduzida como uma crise de fragmentação,

atomização e desvinculação. Como nunca antes o homem encontra-se

esfacelado no seu conhecimento, atomizado no seu coração, dividido no

seu pensar e sentir, campartimentalizado no seu viver. Refletindo uma

cultura racional e tecnológica encontramo-nos fragmentados e encerrados

em compartimentos estanques. Interiormente divididos, em permanente

estado de conflito, vivemos num mundo também fracionado em

territórios e nacionalidades, em estado de guerra infindável."

(GASPARELLO, 1994, p. 29, grifo nosso).

Serrão (1995) acrescenta à este pensamento fragmentário moderno, a

fragmentação da ideia que o homem moderno se impôs, diante da separação da sua

condição natural: “Muito mais que a fragmentação da ciência, a fragmentação do

homem, a partir da sua separação da natureza, vem contribuindo para a destruição do

mundo e do próprio homem”. (p.21) Morais (2008) também adverte sobre o

anacronismo existente entre a crise complexa contemporâna e os instrumentos

científicos reducionistas para conhecê-la.

Quando se referem à relação entre o conhecimento científico moderno e a

possibilidade dada por este de intervenção na natureza os autores dos trabalhos

analisados prezam por dirigir uma crítica ao tipo de conhecimento que se propõe único

como forma de revelar a verdade. Entretanto, mesmo que estabelecendo críticas a este

modelo de conhecimento, é possível notar, nos trabalhos analisados, cautela sobre o

tema, quando por exemplo Silva (2007) relembra que o pensamento dual se acirra no

pensamento de Descartes, mas, no entanto, por este pensador fazer parte da tradição do

pensamento humanista (a qual estava se construindo durante a elaboração de “Discurso

do Método”) não deve ser culpado pelos desdobramentos de sua filosofia.

Compreendemos ser curioso que dentre os trabalhos que criticam o paradigma

moderno, muitos os quais propõem a transição para outro paradigma, somente um faça a

defesa explícita de que esta transição finalize com a supremacia da visão de mundo pós-

moderna sobre a moderna. Surpreendeu-nos também o fato de nenhuma pesquisa

analisada apontar as possibilidades, espaços, limites e dificuldades encontrados na Pós-

Modernidade, uma vez que em um contexto mais amplo, como o campo da Educação ou

das Ciências Humanas ou Sociais, estes são freqüentemente apontados e já discutidos.

5 Crise socioambiental como “rebeldia e oportunidade”

Diante da complexa crise socioambiental apresentada pelos trabalhos analisados,

é possível entendê-la como um espaço de esperanças, já que “a crise também é a mola

propulsora do existir, não fora ela a vida seria por demais monótona, vista deste ângulo

a crise apresenta um aspecto de transformação” (PIAVOWSKI, 2004, p. 37). Podemos

perceber este otimismo contido em seis dos trabalhos analisados, visto que “um

momento de crise não é um momento de desesperança, mas deve ser um momento de

discernimento, decisão” (GENZ, 2005, p.11).

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Neste sentido, Gasparello (1994) compreende a crise como um momento de

“expansão de consciência”: Os desastres que foram provocados na natureza também provocaram a

urgência de uma maior consciência em relação à condição humana. Ou seja,

a crise ecológica está dando a oportunidade de se recuperar o verdadeiro

sentido da palavra Universo - Um em diversos (p. 22) [...] toda crise é um

grande momento de expansão de consciência, na medida em que a velha

ordem está em perigo e surge a necessidade de procurar-se as raízes do

problema, que, uma vez identificadas, se tornam novas sementes de vida.

(p. 25)

Portanto, “por esta razão, a crise ambiental tem uma dimensão ou um potencial

crítico frente à exploração sem misericórdia do mundo e do outro, ética característica da

cultura moderna.” (SAYÃO, 1999, p. 77), e segundo Sayão, as chaves para exercer este

“potencial crítico” gerado pela crise está na “rebeldia e criatividade”, como defende no

fragmento em destaque: É lá, no âmago da consciência em crise que está a chave para a mudança, é na

conjuntura do ser, no cerne de sua condição que se estabelece o conflito,

numa espécie de campo de batalha onde se encontram o antigo e a

possibilidade do novo. Quanto maior a rebeldia, quanto maior a insatisfação

maior a possibilidade de mudança. Rebeldia e criatividade, neste sentido,

acabam andando juntas, tanto uma quanto a outra fazem com que o ser

humano recrie sua condição, e por colocar-se novamente frente a

possibilidade do inusitado, do desconhecido e do diferente este assume

novamente sua existência. A inquietude torna-se, neste sentido, peça chave

do processo de desconforto gerado pela não identificação com as estruturas

vigentes, e é esta insatisfação, este desconforto, que fazem com que a

sociedade não se acomode (T7169, p. 33-34).

Entendemos ser esta não-acomodação da sociedade, possibilitada pela crise

generalizada, uma grande oportunidade para a sociedade contemporânea de refletir

sobre sua constituição e desenvolvimento da forma de organizar-se e produzir, e

portanto, de relacionar-se com a natureza.

6 Considerações Finais

A partir da análise das teses e dissertações pudemos observar que o debate

Modernidade/Pós-Modernidade está presente nas pesquisas sobre Educação Ambiental

no Brasil, e que tece relações entre a crise socioambiental e a crise da Modernidade.

Nos trabalhos analisados, podemos perceber que a crise é compreendida como

complexa, de diferentes e complementares escalas, e que deve ser trabalhada como uma

crise dos conhecimentos privilegiados pela civilização moderna. Mesmo que profunda e

difícil de intervir, a crise também pode ser fonte de esperança e oportunidades para a

construção de formas de conhecer e intervir na natureza e em outras sociedades que

prezam pelo equilíbrio.

Existe um consenso entre os trabalhos analisados que algumas das características

modernas (as dualidades corpo e espírito; natureza e ser humano; a fragmentação da

realidade; a superespecialização do conhecimento) terão que ser superadas por outras

para que se possa de fato construir relações menos opressoras entre as pessoas, e entre

sociedade e natureza, e assim diminuir as desigualdades sócio-ambientais e a exploração

desenfreada dos recursos naturais e humanos.

13

Pode-se perceber, a existência de uma aspiração da pesquisa brasileira em

Educação Ambiental, por parte dos trabalhos analisados, no sentido de modificar a

Modernidade.

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