contribuicoes da psicologia social ao estudo de uma comunidade ribeirinha no alto solimoes redes

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    MARCELO GUSTAVO AGUILAR CALEGARE

    Contribuies da Psicologia Social ao estudo de uma comunidade ribeirinha no Alto Solimes:

    redes comunitrias e identidades coletivas

    So Paulo 2010

  • MARCELO GUSTAVO AGUILAR CALEGARE

    Contribuies da Psicologia Social ao estudo de uma comunidade ribeirinha no Alto Solimes: redes comunitrias e identidades coletivas

    Tese apresentada ao Departamento de Psicologia Social e do Trabalho (PST) do Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo (IP-USP) como requisito para obteno do ttulo de Doutor em Psicologia Social.

    rea de Concentrao: Psicologia Social Orientador: Prof. Dr. Nelson da Silva Jnior

    So Paulo 2010

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao na publicao Biblioteca Dante Moreira Leite

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Calegare, Marcelo Gustavo Aguilar.

    Contribuies da Psicologia Social ao estudo de uma comunidade ribeirinha no Alto Solimes: redes comunitrias e identidades coletivas / Marcelo Gustavo Aguilar Calegare; orientador Nelson da Silva Jnior. -- So Paulo, 2010.

    322 f. Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Psicologia.

    rea de Concentrao: Psicologia Social) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.

    1. Comunidades 2. Psicologia Social 3. Desenvolvimento sustentvel 4. Redes sociais 5. Identidade I. Ttulo.

    HM753

  • FOLHA DE APROVAO

    ome: CALEGARE, Marcelo Gustavo Aguilar Ttulo: Contribuies da Psicologia Social ao estudo de uma comunidade ribeirinha no Alto Solimes: redes comunitrias e identidades coletivas.

    Tese apresentada ao Departamento de Psicologia Social e do Trabalho (PST) do Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo (IP-USP) como requisito para obteno do ttulo de Doutor em Psicologia Social.

    rea de Concentrao: Psicologia Social

    provado em: _______/______/_______

    BANCA EXAMINADORA

    rof. Dr. Nelson da Silva Jnior (Orientador)

    nstituio: IP-USP Assinatura:__________________________________

    rofa. Dr. Alessandro Soares da Silva

    nstituio: EACH-USP Assinatura: __________________________________

    rof. Dr. Antnio Carlos Sant'Ana Diegues

    nstituio: NUPAUB-USP Assinatura: __________________________________

    rof. Dr. Salvador Antonio Meireles Sandoval

    nstituio: PUC-SP / UNICAMP Assinatura: __________________________________

    rof. Dr. Marcelo Afonso Ribeiro

    nstituio: IP-USP Assinatura: __________________________________

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  • DEDICATRIA

    Dedico esta tese s pessoas que vivem beira

    do Paran da Saudade, Alto Solimes,

    comunidade de Tauaru. Por terem me ensinado

    que o carinho, convivncia e proximidade nos

    fazem sentir mais humanos.

  • PALAVRAS DE AGRADECIMENTO1 Saudaes ao mundo natural

    Os Povos Hoje ns estamos reunidos e vemos que os ciclos da vida continuam. A ns foi dada a misso de vivermos em equilbrio e harmonia uns com os outros e com todas as coisas vivas. Ento, neste momento unimos nossos pensamentos em um s, saudamos e agradecemos uns aos outros como Pessoas que somos. Agora nossos pensamentos so um.

    Me Terra Somos todos gratos a nossa Me Terra, pois ela nos d tudo que precisamos para viver. Ela apia nossos ps sobre o cho quando caminhamos sobre ela. Ela nos d a certeza de que continuar a cuidar de ns como tem cuidado desde o comeo dos tempos. A nossa Me Terra, enviamos nossa saudao e gratido. Agora nossos pensamentos so um. As guas Ns agradecemos a todas as guas do mundo por saciar a nossa sede e nos prover de foras. gua vida. Sua fora conhecida de diversas formas cachoeiras e chuva, orvalho e riachos, rios e oceanos. Com um pensamento, ns mandamos nossa saudao e gratido ao esprito da gua. Agora nossos pensamentos so um. Os Peixes Ns agora voltamos nossos pensamentos para todos os Peixes das guas. Eles foram instrudos a limpar e purificar a gua. Eles tambm se doam para ns em forma de alimento. Somos gratos por ainda podermos encontrar gua pura. Ento, ns nos dirigimos neste momento aos Peixes e mandamos nossa saudao e gratido. Agora nossos pensamentos so um. As Plantas Agora ns nos dirigimos aos vastos campos onde vivem as Plantas. To longe quando nossos olhos podem ver, as Plantas crescem, realizando muitas maravilhas. Elas sustentam muitas formas de vida. Com os nossos pensamentos reunidos, ns agradecemos e queremos ver as Plantas vivas por muitas geraes futuras. Agora nossos pensamentos so um. As Plantas que Alimentam Com um s pensamento, ns, neste momento honramos e agradecemos a todas as plantas que nos servem de alimento e que colhemos nas hortas e nos campos. Desde o comeo dos tempos, os gros, verduras, feijes e frutas tm ajudado os povos a sobreviverem. Muitas outras formas de vida retiram seu sustendo das plantas tambm. Ns reunimos todas as Plantas Alimentcias em uma e por ela mandamos nossa saudao e gratido. Agora nossos pensamentos so um. As ervas medicinais Agora ns nos dirigimos a todas as Ervas Medicinais de todo o mundo. Desde o princpio, elas foram instrudas a afastar as doenas. Elas esto sempre esperando, prontas para nos curar. Estamos felizes que ainda esto entre ns aquelas poucas pessoas especiais que se lembram como usar estas plantas para curar. Com um s pensamento, ns mandamos nossa

    1 Six Nations Indian Museum e The Tracking Project.

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  • saudao e gratido s Ervas Medicinais e aqueles que as preservam. Agora nossos pensamentos so um. Os Animais

    s reunimos nossos pensamentos para mandar nossa saudao e gratido a toda a vida Animal do planeta. Eles tm muitas coisas a nos ensinar como pessoas. Ns os vemos prximos de nossas casas e no silncio das florestas. Estamos felizes por eles ainda estarem aqui e esperamos que seja sempre assim. Agora nossos pensamentos so um. As rvores

    s agora dirigimos nossos pensamentos s rvores. A Terra tem muitas famlias de rvores que tm sua prpria misso e utilidade. Algumas nos fornecem abrigo e sombra, outras com frutos, beleza e outras coisas teis. Muitos povos do mundo usam a rvore como smbolo de paz e fora. Com um s pensamento, ns saudamos e agradecemos a vida das rvores. Agora nossos pensamentos so um.

    s Pssaros s reunimos nossos pensamentos e agradecemos a todos os Pssaros que se movimentam e

    voam sobre nossas cabeas. O Criador os presenteou com melodias maravilhosas. Todos os dias eles nos lembram que devemos aproveitar e apreciar a vida. A gua foi escolhida para ser o lder deles. A todos os Pssaros do menor ao maior ns mandamos nossa saudao mais alegre e nossa gratido. Agora nossos pensamentos so um.

    s Quatro Ventos omos gratos aos poderes conhecidos como Quatro Ventos. Ns ouvimos suas vozes no ar

    que se movimentam e eles nos refrescam e purificam o ar que respiramos. Eles ajudam a trazer a mudana das estaes. Das quatro direes que eles vm, trazendo mensagens e nos dando fora. Com um s pensamento, ns mandamos nossa saudao e gratido aos Quatro Ventos. Agora nossos pensamentos so um.

    s Troves gora, ns nos voltamos para o oeste onde nossos avs, os Seres Troves vivem. Com

    relmpagos e trovoadas, eles trazem com eles a gua que renova a vida. Ns reunimos nossos pensamentos em um s e mandamos nossa saudao e gratido aos nossos avs, os Troves. Agora nossos pensamentos so um.

    Sol s agora enviamos nossa saudao e gratido ao nosso Irmo Maior, o Sol. A cada dia, sem

    faltar, ele viaja pelo cu de leste a oeste, trazendo a luz de um novo dia. Ele a fonte de todo o fogo da vida. Com um s pensamento, ns enviamos nossa saudao e gratido ao nosso Irmo, o Sol. Agora nossos pensamentos so um.

    v Lua s reunimos nossos pensamentos e somos gratos Av Lua, a luz que ilumina a noite no

    cu. Ela a lder das mulheres em todo o mundo, e ela governa o movimento das mars nos oceanos. Com a mudana de sua face ns medimos o tempo, e a Lua que determina a chegada das crianas aqui na Terra. Com um s pensamento, ns mandamos nossa saudao e gratido a nossa Av-Lua. Agora nossos pensamentos so um.

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  • s Estrelas omos gratos s estrelas que esto espalhadas pelo cu como jias. Ns as vemos na noite,

    ajudando a Lua a iluminar a escurido trazendo o orvalho para os jardins e seres em crescimento. Com nossos pensamentos reunidos em um s, ns enviamos nossa saudao e gratido a todas as Estrelas. Agora nossos pensamentos so um.

    s Mestres Iluminados s reunimos nossos pensamentos para saudar e expressar nossa gratido aos Mestres

    Iluminados que tm vindo nos ajudar atravs dos tempos. Quando ns esquecemos como viver em harmonia, eles nos lembram a maneira pela qual fomos orientados a viver como pessoas. Com um s pensamento, ns mandamos nossa saudao e gratido a estes Mestres que olham por ns. Agora nossos pensamentos so um.

    Criador gora, ns dirigimos nossos pensamentos ao Criador, ou Grande Esprito, e enviamos nossa

    saudao e gratido por todos os presentes da Criao. Tudo que precisamos para viver est aqui na Me Terra. Por todo o amor que ainda est a nossa volta, ns reunimos nossos pensamentos em um s e mandamos nossas melhores palavras de saudao e gratido ao Criador. Agora nossos pensamentos so um.

    oncluso hegamos agora no momento onde conclumos nossas palavras. De todas as coisas que

    mencionamos, no foi nossa inteno deixar outras de fora. Se alguma coisa foi esquecida, ns deixamos que cada um mande sua saudao e gratido na sua prpria maneira. Agora nossos pensamentos so um.

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  • AGRADECIMENTOS

    Fora Superior, que me guarda, me ilumina, me fortalece e por sua infinita bondade, que me permite chegar at aqui.

    toda minha famlia, pela vida, apoio e compreenso, especialmente meu pai lvaro Jos, minha me Adriana Alicia e meus irmos lvaro Adrin, Leonardo Gabriel e Bruno Frederico. O auxlio deles foi fundamental nesta empreitada.

    Ao meu orientador, prof. Dr. Nelson da Silva Junior, por todos os conselhos, ensinamentos e exemplos. E tambm pelos muitos momentos que precisei de uma palavra amiga e confortadora.

    Profa. Dra. Maria do Perptuo Socorro Rodrigues Chaves, do Grupo Interdisciplinar de Estudos Scio-Ambiental e Desenvolvimento de Tecnologias Apropriadas na Amaznia (Grupo Inter-Ao/UFAM), que me chamou para integrar projeto de pesquisa que originou esta tese. E s colegas do Grupo Inter-Ao, com quem convivi durantes minha estadia em Manaus e que acrescentaram sustncia a meu trabalho.

    s minha amigas e pesquisadoras parceiras de campo: Maria Francenilda Gualberto de Oliveira, que me recebeu em sua casa ao chegar a Manaus e pelos bons debates tericos que ainda temos. Elane Cristina Lima da Silva, pela fora, conversas, mexericos e risadas.

    Aos professores e colegas que me receberam em seus respectivos grupos de pesquisa e que me deram importantssimas orientaes: prof. Dr. Salvador Antonio Mireles Sandoval, do Ncleo de Psicologia Poltica e Movimentos Sociais (NUPMOS/PUC-SP e UNICAMP); prof. Dr. Alessandro Soares da Silva, do Grupo de Pesquisa em Psicologia Poltica, Polticas Pblicas e Multiculturalismo (GEPSIPOLIM/EACH-USP); e prof. Dr. Antnio Carlos Sant'Ana Diegues, do Ncleo de Apoio Pesquisa sobre Populaes Humanas e reas midas Brasileiras (NUPAUB/USP).

    s simpticas bibliotecrias e profa. Dra. Lgia Terezinha Lopes Simonian, do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos (NAEA/UFPA), por terem sido solcitas e gentis nas minhas pesquisas junto a esse ncleo.

    Aos funcionrios, professores e alunos do Instituto de Psicologia da USP, pelos anos de convivncia, auxlio e conversas que guardarei por toda a vida.

    Aos amigos de So Paulo, do Brasil e do mundo, pelas muitas conversas, risadas, tristezas, apoio e discusses que acrescentaram elementos essenciais minha vida e a esta tese.

    Aos amigos que fiz em Manaus, interior do Amazonas e queles do Instituto Nacional de Pesquisas Amaznicas (INPA), que fizeram minha vida mais feliz nesses anos que passei no norte do pas.

    prefeitura municipal de Tabatinga e ao Instituto de Desenvolvimento Agropecurio e Florestal Sustentvel do Estado do Amazonas (IDAM), que subsidiaram parte de minhas viagens comunidade de Tauaru.

    Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pela concesso da bolsa de doutorado que me permitiu realizar esta pesquisa.

  • RESUMO CALEGARE, Marcelo Gustavo Aguilar. Contribuies da Psicologia Social ao estudo de uma comunidade ribeirinha no Alto Solimes: redes comunitrias e identidades coletivas. 2010. 322p. Tese (doutorado). Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010. Um dos modos de compreender a Amaznia por meio dos povos e comunidades tradicionais que nela habitam, dentre os quais destacamos os caboclos/ribeirinhos. A vida comunitria beira dos rios amaznicos configura-se segundo uma organizao social particular, com aspectos nicos e em comum a cada comunidade ribeirinha. Nessa perspectiva, nosso objetivo foi investigar as redes comunitrias e o processo de construo das identidades coletivas de uma comunidade do Alto Solimes, na zona rural do municpio de Tabatinga/Amazonas. Para tanto, dividimos este trabalho em trs partes. A primeira refere-se ao questionamento dos parmetros da produo cientfica e da construo do conhecimento no estudo de comunidades ribeirinhas amaznicas. Localizamos a Psicologia Social entre as cincias sociais e reforamos o argumento de que questes socioambientais requerem abordagem inter-/transdisciplinar. Desse modo, configuramos nossas estratgias metodolgicas como uma pesquisa qualitativa, com inspirao em atitude interdisciplinar haja visto que esta investigao foi realizada junto a equipe interdisciplinar. Foram feitas viagens a campo em perodos-chave ao longo de quatro anos, utilizando-se os seguintes instrumentos de pesquisa: questionrio socioeconmico, entrevistas semi-estruturadas, grupos focais, dirios de campo, realizao de reunies comunitrias, visitas domiciliares, elaborao de croqui, pesquisa documental e reunio de equipe. A segunda parte remete ao pano de fundo do estudo. Discutimos a respeito da emergncia e crise do racionalismo moderno (que d base ao paradigma cientfico moderno); a ciso Homem/natureza na modernidade, sob distintos ngulos; a idia de progresso e teorias desenvolvimentistas do sculo XX, o desenvolvimento sustentvel (antecedentes, emergncia, crticas e avanos) e novas perspectivas do conceito de 'desenvolvimento'; o momento de transio paradigmtica, abertura diversidade e pluralidade epistemolgica e adoo do pensamento complexo. Na terceira parte adentramos no universo amaznico. Mostramos as interpretaes a respeito da Amaznia em distintos momentos histricos, que direcionaram: sua insero no cenrio nacional e mundial, as polticas/aes sobre ela incidentes e a inveno de seus povos. Dentro desse debate, localizamos algumas classificaes: o caboclo/ribeirinho, como caso emprico do campesinato histrico amaznico; e povos e comunidades tradicionais, inicialmente dentro do contexto de reas de preservao e atualmente carregado pela dimenso ideolgica e poltica de luta por direitos e da autodefinio. Por fim, apresentamos a comunidade estudada, mostrando a origem das famlias, a fundao pela religio da Santa Cruz e o jogo de interferncias recprocas entre sua organizao interna e foras externas: fenmeno da terra cada; demarcao de terras indgenas na regio; o fomento institucionalizao de associaes; a incidncia de polticas ambientais (pesca) e de desenvolvimento pesqueiro/agrcola por rgos governamentais; a figura do lder e sua ligao com o governo municipal; o incio das lutas comunitrias por direitos. Enfocamos a particularidade de suas aes coletivas (luta por bens e servios sociais, bem-estar) e a relao com sua organizao social fundamentada na religio, associaes, laos de parentesco, processos de ajuda mtua e apropriao comunal dos recursos naturais o que expressam suas identidades coletivas: pescadores, agricultores, caboclos e, recentemente, a assuno da identidade indgena. Palavras-chave: comunidade ribeirinha; Psicologia Social; Desenvolvimento Sustentvel; redes comunitrias, identidade coletiva.

  • ABSTRACT CALEGARE, Marcelo Gustavo Aguilar. Social Psychologys contributions to the study of one riverine village on the Upper Solimes river: community networks and collective identities. 2010. 322p. Tese (doutorado). Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010. One way to understand the Amazon Rain Forest is through its traditional peoples and communities, among which we highlight the caboclos/riverines. Community life on the banks of Amazonian rivers is configured according to a particular social organization, with common and unique aspects to each riverine village. From this perspective, we aimed to investigate the community networks and the construction of collective identities in a riverine village on the Upper Solimes river, located at the rural area of Tabatinga/ Amazonas. To reach that scope, we divided this thesis into three parts. The first one is concerned with the questioning of the scientific parameters and the construction of knowledge in studies of Amazon riverine villages. We situate Social psychology as a Social Science and reinforce the argument that environmental issues require an inter-/transdisciplinar approach. Thus, we set our methodological strategies according to parameters of qualitative research, inspired on an interdisciplinary approach due to the fact that this investigation was conducted by an interdisciplinary team. Our field researches were made at key periods over four years, using the following instruments: socioeconomic questionnaires, semi-structured interviews, focus groups, field diaries, community meetings, home visits, preparation of maps, documentary research and team meeting. The second part refers to the background of the study. We discuss about the emergency and crisis of modern rationalism (which underlies the modern scientific paradigm); the separation Men/ nature in modernity, from different angles; the idea of progress and developmental theories of the twentieth century; the concept of sustainable development (antecedents, emergency, critics and advances) and prospects for the concept of Development; the moment of paradigm transition, openness to epistemological diversity and pluralism, adoption of the complex thinking. In the third part, we enter the Amazon universe. We show the interpretations of the Amazon in different historical moments, which directed: its inclusion in the national and global scenario, the conduction of policies and actions, the invention of its peoples. Within this debate, we locate some classifications: the caboclo/riverine, as an empirical example of historical Amazonian peasantry; and traditional peoples and communities, initially related to the context of protected areas and currently to ideological and political struggles for rights and self-definition. Finally, we present the riverine village studied, showing the origins of its families, its foundation by the Santa Cruz religion and the mutual interference between its internal organization and external forces: the lying land phenomenon, demarcation of indigenous lands in the region, the incentive for institutionalization of associations, the impact of environmental policies (fishery) and development of fishery/agriculture projects by governmental agencies, the role of the community leader and his connection to the municipal government, and the beginning of the communitys struggles for rights. We focus on the particularity of their collective actions (fight for goods and social services, welfare) and its relations with their social organization based on religion, associations, kinship ties, processes of mutual aid and communal usage of natural resources which express their collective identities: fishermen, farmers, caboclo and, recently, the assumption of indigenous identity. Keywords: Riverine Village; Social Psychology; Sustainable Development; Community networks; Collective Identity.

  • LISTA DE FIGURAS Figura 01 Localizao de Tauaru .............................................................................. p. 221 Figura 02 Perfil tpico das vrzeas na Amaznia Central ......................................... p. 228 Figura 03 Croqui Tauaru Antigo e fenmeno da terra cada .................................... p. 231 Figura 04 Croqui Tauaru Setembro/2008 ................................................................. p. 231 Figura 05 Casas e comunidades antes de 1977 ........................................................ p. 241

    igura 06 Relao das famlias e descendncia antes da fundao de Tauaru ....... p. 244 Figura 07 Documento da fundao de Tauaru .......................................................... p. 252

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  • LISTA DE TABELAS

    abela 01 Famlia de fundadores, descendncia atual na comunidade (pelo nmero de pessoas responsveis) ............................................................................ p. 254

    Tabela 02 Perfil da Santa Cruz em Tauaru ................................................................ p. 257 Tabela 03 Perfil da Associao de Pescadores de Tauaru (APT) .............................. p. 262 Tabela 04 Perfil da Associao de Produtores Rurais de Tauaru (APRT) ................. p. 264

    abela 05 Nmero de associados por entidade (2007) ............................................ p. 264

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  • LISTA DE SIGLAS AIS Agente Indgena de Sade AMCICT Presidente da Associao dos Moradores das Comunidades Indgenas

    Cocama e Ticuna APRT Associao de produtores rurais de Tauaru APT Associao de Pescadores de Tauaru Colnia Z-24 Colnia de Pescadores de Tabatinga Z-24 CGTT Conselho Geral da Tribo Ticuna COIAMA Coordenao de Apoio aos ndios Cocama DSEI-AS Distrito Sanitrio Especial Indgena do Alto Solimes FOCCIT Federao das Organizaes dos Caciques das Comunidades Indgenas

    Ticuna IBAMA Instituto Brasileiro Do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    Renovveis OCAS Associao dos Cambeba do Alto Solimes OGCCIPC Organizao Geral dos Caciques das Comunidades Indgenas do Povo

    Cocama OGPTB Organizao Geral dos Professores Ticunas Bilnges OSPTAS Organizao da Sade do Povo Ticuna do Alto Solimes OMSPT Organizao dos Monitores de Sade do Povo Ticuna OSPTAS Organizao de Sade do Povo Ticuna- Alto Solimes PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade SEDUC Secretaria Estadual de Educao UEA Universidade Estadual do Amazonas UFAM Universidade Federal do Amazonas

  • SUMRIO NTRODUO ............................................................................................................ p. 016

    ARTE 01. CONSIDERAES METODOLOGGICAS ........................................ p. 018 ap. 01. Cincia ........................................................................................................... p. 020

    .1. Introduo ....................................................................................................... p. 020

    .2. Forma e linguagem cientfica ......................................................................... p. 020

    .3. Primeiras crticas cincia moderna .............................................................. p. 023

    .4. Incompletude da cincia ................................................................................. p. 024

    .5. Concluso ....................................................................................................... p. 025 ap. 02. Entre cincias humanas e sociais: as 'Psicologias Sociais' ............................. p. 026

    .1. Introduo ....................................................................................................... p. 026

    .2. Consolidao da cincia moderna (cincias naturais) e diferenciao das cincias humanas/sociais ..................................................................................................... p. 026

    .3. As 'Psicologias Sociais': diferenciao das cincias naturais ................. p. 027

    .4. As principais tradies da Psicologia Social .................................................. p. 028

    .5. A crise da Psicologia Social: abordagens latino-americanas .......................... p. 033

    .6. Outras abordagens em Psicologia Social no Brasil ........................................ p. 037

    .7. Concluso ....................................................................................................... p. 039 Cap. 03. Da necessidade iminente do rompimento das barreiras disciplinares ............ p. 042

    3.1. Introduo ....................................................................................................... p.042 3.2. Consolidao e crise disciplinar .................................................................... p. 044 3.3. Multi- e pluridisciplinaridade ........................................................................ p. 047 3.4. Interdisciplinaridade ...................................................................................... p. 048

    3.4.1. Como nova inteligibilidade ................................................................. p. 049 3.4.2. Como interseo metodolgica ........................................................... p. 050 3.4.3. Como intercmbio de saberes .............................................................. p. 052

    3.5. Transdisciplinaridade ..................................................................................... p. 054 3.6. Concluso ...................................................................................................... p. 057

    Cap. 04. Estratgias metodolgicas (ou um psiclogo no 'paraso dos etnlogos') ......... p. 058 4.1. Introduo ...................................................................................................... p. 058 4.2. Parmetros metodolgicos ............................................................................. p. 059 4.3. Primeira configurao da pesquisa ................................................................ p. 065

    4.3.1. Local de pesquisa e pessoas envolvidas .............................................. p. 065 4.3.2. Projeto de pesquisa .............................................................................. p. 066 4.3.3. Financiamento, logstica e tempo de execuo ................................... p. 066 4.3.4. Insero Institucional .......................................................................... p. 067 4.3.5. Equipe de pesquisadores ..................................................................... p. 067 4.3.6. Referncia terica ................................................................................ p. 067 4.3.7. Metodologia ......................................................................................... p. 067 4.3.8. Primeiro objetivo do doutorado ........................................................... p. 068

    4.4. Da mudana de contingncia: novas dificuldades, novas estratgias ............ p. 069 4.4.1. Suspenso do financiamento ............................................................... p. 069 4.4.2. Reduo da equipe e eleio da comunidade estudada ....................... p. 069 4.4.3. Particularidades logsticas ................................................................... p. 070 4.4.4. Critrios de idas a campo e tempo de execuo .................................. p. 072 4.4.5. Objetivos da pesquisa .......................................................................... p. 073 4.4.6. Financiamento ao longo da pesquisa e viagens a campo ..................... p. 074 4.4.7. Instrumentos de pesquisa ..................................................................... p. 076

    I

    P C

    1 1 1 1 1

    C 2 2

    2 2 2 2 2

  • 4.5. Concluso ...................................................................................................... p. 080 Cap. 05. Consideraes parciais 01 .............................................................................. p. 081

    PARTE 02. RAZO E DESENVOLVIMENTO ........................................................... p.082 Cap. 06. Racionalismo moderno e crise da razo ......................................................... p. 085

    6.1. Introduo ...................................................................................................... p. 085 6.2. Universalizao do racionalismo .................................................................. p. 085 6.3. Crise do racionalismo moderno ..................................................................... p. 087 6.4. Desrazo e razo aberta ................................................................................. p. 088 6.5. Concluso ...................................................................................................... p. 087

    Cap. 07. Ciso Homem/natureza na modernidade ....................................................... p. 090 7.1. Introduo ..................................................................................................... p. 090 7.2. Pensamento cartesiano .................................................................................. p. 090 7.3. Organizao da sociabilidade e poltica ........................................................ p. 091 7.4. Reforo teolgico, antropocentrismo e reas de preservao ....................... p. 095 7.5. A construo social da relao Homem/natureza .......................................... p. 097 7.6. Concluso ...................................................................................................... p. 100

    Cap. 08. Desenvolvimento Sustentvel ........................................................................ p. 102 8.1. Introduo ..................................................................................................... p. 102 8.2. Desenvolvimento e progresso ....................................................................... p. 103 8.3. O ambiente pelas cincias econmicas e enfoques de desenvolvimento .......... p. 106 8.4. Do desenvolvimento sustentvel ................................................................... p. 113 8.5. Crticas e limites do desenvolvimento sustentvel ....................................... p. 122

    8.5.1. Universalizao de interesses sobre reas estratgicas ........................ p. 123 8.5.2. Viso nicas sobre a natureza .............................................................. p. 123 8.5.3. Inconsistncia cientfica ....................................................................... p. 124 8.5.4. No-equidade social ............................................................................. p. 125 8.5.5. Supremacia do econmico ................................................................... p. 125 8.5.6. Diferenas Norte / Sul .......................................................................... p. 128

    8.6. Avanos graas a discusso sobre desenvolvimento sustentvel .................. p. 130 8.6.1. Reconfigurao da cincia ................................................................... p. 130 8.6.2. Decises polticas ................................................................................. p. 131 8.6.3. Integrao de polticas ambientais e desenvolvimento econmico ......... p. 132 8.6.4. Explicitao das diferenas entre Norte / Sul ...................................... p. 132 8.6.5. Avano epistemolgico ........................................................................ p. 133

    8.7. Por uma nova concepo de desenvolvimento ............................................. p. 135 8.8. Concluso ...................................................................................................... p. 142

    Cap. 09. Da transio paradigmtica ............................................................................ p. 143 9.1. Introduo ..................................................................................................... p. 143 9.2. Diversidade e pluralidade epistemolgicas ................................................... p. 143 9.3. Pensamento complexo ................................................................................... p. 146 9.4. Desenvolvimento .......................................................................................... p. 148 9.5. Relao Homem/natureza ............................................................................. p. 150 9.6. Concluso: utopia ecolgica? ........................................................................ p. 152

    Cap. 10. Consideraes parciais 02 ............................................................................. p. 154 PARTE 03. UNIVERSO AMAZNICO ...................................................................... p. 156 Cap. 11. Interpretaes a respeito dos povos amaznicos ............................................ p. 161

    11.1. Introduo .................................................................................................... p. 161 11.2. Os primeiros engendramentos... .................................................................... p. 161

  • 11.3. ...e o caboclo ................................................................................................ p. 169 11.3.1. Uso coloquial, identidade e estereotipia ............................................. p. 171 11.3.2. Natureza conceitual: campesinato histrico ....................................... p. 176

    11.4. Novos engendramentos... .......................................................................... p. 182 11.5. ...e os povos e comunidades tradicionais ..................................................... p. 191

    11.5.1. No mbito do ambientalismo internacional ............................................ p. 193 11.5.2. A apropriao no mbito nacional .......................................................... p. 197 11.5.3. A apropriao pelos agentes locais e polticas governamentais ............. p. 204

    11.6. Concluso ..................................................................................................... p. 215 Cap. 12. Redes comunitrias e identidades coletivas em Tauaru ................................. p. 220

    12.1. Introduo .................................................................................................... p. 220 12.2. Identidades coletivas ................................................................................... p. 221 12.3. Comunidade ribeirinha ................................................................................ p. 226 12.4. Organizao social, gesto comunitria, redes comunitrias ...................... p. 231 12.5. Braso Novo de Tauaru ............................................................................... p. 327 12.6. Histrico de Tauaru ..................................................................................... p. 240

    12.6.1. Os primeiros moradores da regio ..................................................... p. 240 12.6.2. O padre santo e o plantio da Santa Cruz ........................................... p . 246

    12.7. Influncias externas na organizao social ................................................. p. 252 12.7.1. Influncia da religio ......................................................................... p. 254 12.7.2. As novas influncias .......................................................................... p. 259 12.7.3. A influncia indgena ......................................................................... p. 274

    12.8 Concluso .................................................................................................... p. 280 Cap. 13. Consideraes finais ...................................................................................... p. 282 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... p. 286 APNCIDE 01. Novas intersees interdisciplinares .................................................. p. 315 APNCIDE 02. Do compromisso tico e poltico do pesquisador .............................. p. 318 ANEXO ........................................................................................................................ p. 322

  • 16

    INTRODUO

    Este trabalho comea a ser escrito antes mesmo dele existir. Tudo inicia em

    setembro de 2004, no 2 Congresso Brasileiro de Extenso Universitria, quando eu ainda

    estava realizando mestrado em psicologia social. Logo no incio do evento, conheci Fran,

    uma pesquisadora da UFAM que desenvolvia trabalhos na Amaznia. Seus relatos

    despertaram o meu interesse e, igualmente, meu trabalho de interveno em instituies a

    fizeram querer conhecer melhor minha prtica profissional. Nessa poca, tinha na ponta da

    lngua jarges da psicossociologia, anlise institucional, anlise do discurso, processos

    grupais e institucionais, entre outras vertentes tericas que compem o quadro de

    conhecimentos de quem se interessa pela psicologia institucional.

    Na ocasio, apresentei um trabalho desenvolvido na FEBEM-SP, junto a uma colega

    pesquisadora. Igualmente, Fran estava com mais uma colega e com a Profa. Dr. Maria do

    Perptuo Socorro Rodrigues Chaves. Aps alguns dias de convvio, decidimos construir um

    projeto coletivamente. O congresso terminou e, em Outubro, meu nome e de minha colega

    faziam parte de uma grande pesquisa desenvolvida pelos pesquisadores do Grupo Inter-

    Ao. O tempo passou e, por demora na liberao de verbas da FAPEAM, somente em

    janeiro de 2006 fui convocado para realizar consultoria para o projeto que havamos

    idealizado. Fui para a Amaznia em fevereiro de 2006, pela primeira vez.

    A partir desse momento, esta tese comea a ganhar contornos. Entre idas e vindas,

    vou descobrindo que temas amaznicos so tratados com destaque pela mdia, por

    acadmicos, por pessoas que nunca foram conhecer a floresta, mas possuem opinio

    formada a respeito dos rumos necessrios resoluo do enigma amaznico.

    Aos olhos dos paulistanos, o ribeirinho o ndio da Amaznia. Isso me intrigava.

    Chego a Manaus, e descubro s duras penas que caboclo um termo ofensivo. Fao

    viagens ao interior do Amazonas, e percebo que h um quase completo descaso com

    aquelas pessoas vivendo beira dos rios.

    A resoluo desses estranhamentos veio pelo aprofundamento dos muitos pontos

    deste trabalho e pela convivncia com o povo do interior do Amazonas. Finalmente, o meu

    enigma amaznico vinha sendo desvendado.

    Na primeira parte desta tese temos uma srie de questionamentos dos instrumentos

    de pesquisa: ns mesmos. A cincia no uma entidade abstrata que vive fora dos crculos

    humanos. Ao compartilharmos de certos valores, pressupostos, crenas, com nossos pares,

    estamos fazendo cincia. Parti ento da delimitao cientfica dos modos de conhecer, para

    romper com esses parmetros e construir meu prprio caminho. Afinal de contas,

    compreender a Amaznia exige uma postura de abertura que a disciplinaridade no permite.

    Claro, sem deixar de adotar pontos de apoio inteligveis comunidade cientfica. Em outras

  • 17

    palavras, coloco em questo a produo cientfica e tento mostra que temos que partir da

    disciplina para prescindir dela. Esse trajeto percorrido pelo pesquisador o que constitui

    uma prtica verdadeiramente interdisciplinar. Deve-se dialogar com aqueles que possuem

    bases diferentes das nossas e isso se constitui no mais puro exerccio de convivncia.

    Portanto, ao invs de partir de um mtodo pronto, desconstru essas bases e a reconstru

    segundo minha convenincia. Tal atitude foi fundamental para realizar esta pesquisa:

    abertura aos fenmenos vivenciados pelo outro.

    Na segunda parte, trato de captar elementos que esto por trs dos coadjuvantes:

    nossa razo, compreenso do que a natureza, idia de progresso, de desenvolvimento,

    transio paradigmtica. Enfim, pontos importantes que permeia a vida daqueles moradores

    de uma comunidade ribeirinha, sem que eles saibam disso. A cada reinveno da

    Amaznia, por meio de projetos, programas, investidas de grupos e governos, quem arca

    com as conseqncias so justamente aqueles que no tiveram a chance de participar

    desse processo. Para transformar essa situao, necessitamos mudar o pano que est nos

    fundos do cenrio.

    Por fim, na terceira parte comeam a falar os atores amaznicos. Pessoas deixadas

    de lado nos processos decisrios. Sempre tem algum que sabe o que melhor para eles.

    E quem foi que parou para perguntar-lhes o que querem, quais suas aspiraes, anseios?

    Tento mostrar que a vida tranquila, que o observador imagina, no to fcil quanto se

    pensa. As lutas polticas vm fazendo parte do cotidiano dos amaznidas h alguns anos.

    Esta tese uma tentativa de mostrar como isso se processa no cotidiano dessas pessoas.

  • 18

    PARTE 1. CONSIDERAES METODOLGICAS

    No devemos nos contentar com a simples justaposio de nossos pontos de vista e abordagens: formam apenas uma abordagem dos pressupostos e saberes ligados a uma comunidade cientfica que reconhece como tal em torno do objeto que constri. Precisamos encontrar em seus componentes o gosto do risco, da inquietude e da ousadia prprios a toda descoberta, sem promover uma indiferenciao das demarches.

    Hilton Japiassu O estudo dos saberes do Outro sobre a Natureza um exerccio difcil, que explicita melhor a transformao das relaes com a natureza na sociedade do observador, do que na sociedade observada.

    Marie Rou

    De acordo com Suely VILELA (p. 07)2, a elaborao de uma tese consiste em duas

    etapas, divididas didaticamente: o desenvolvimento do projeto de pesquisa e a redao da

    tese, fundamentados em uma linguagem e forma cientfica. A linguagem cientfica se apia

    na literatura da rea e a forma em estruturas cientficas, ambas com objetivo de valorizar a

    metodologia e os resultados obtidos no projeto de pesquisa.

    Esta primeira parte desta tese trata de fundamentar todo o trabalho realizado

    segundo os parmetros cientfico, alinhado a essas duas etapas citadas por Vilela mais

    especificamente, aqueles pertencentes aos domnios das cincias humanas (Psicologia) e

    cincias sociais (Psicologia Social).

    Os quatro captulos que seguem no se resumem a meras descries de bases

    tericas, mtodos e procedimentos adotados. Trata-se de discusses suscitadas pela

    prpria conduo desta tese, que romperam com a linearidade tradicional de uma pesquisa

    cientfica: reviso de literatura, delineamento da parte emprica e posterior confrontao dos

    dados com a teoria. Neste trabalho, a construo terica foi sendo formulada ao longo das

    atividades de campo, em funo das inquietaes provocadas pelos debates com outros

    pesquisadores e com as experincias vividas junto aos habitantes de Tauaru.

    As discusses expressas nestes captulos iniciais serviram tambm para construir

    novas referncias prxis de um pesquisador/psiclogo, que partindo da Psicologia

    (graduao) e Psicologia Social (ps-graduao) se dedica s questes ligadas s pessoas

    que vivem em comunidades ribeirinhas da Amaznia. Isso vai ao encontro da prpria

    definio de uma tese, segundo a Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT apud

    2 VILELA, Suely (2004). Prefcio. In: FUNARO, Vnia M. B. De Oliveira et al. (coord.). Universidade de

    So Paulo. Sistema Integrado de Bibliotecas. Grupo DiTeses. Diretrizes para apresentao de dissertaes e teses da USP: documento eletrnico e impresso. So Paulo: SIBi-USP.

  • 19

    FUNARO, 2004, p.113): um documento que representa a exposio de um estudo cientfico

    de tema nico e bem delimitado, elaborado com base em investigao original e

    constituindo-se em real contribuio para a especialidade em questo4.

    Feitas tais consideraes, no captulo 01 descrevemos os critrios cientficos de

    forma e linguagem que adotamos, elaboramos as primeiras crticas aos paradigmas5 da

    cincia moderna e trouxemos alguns questionamentos e inquietaes centrais, que nos

    conduziram necessidade de reformulao dos parmetros cientficos que julgamos

    pertinentes aos estudos em comunidades ribeirinhas amaznicas. No captulo 02, situamos

    a emergncia das cincias humanas e sociais a partir das cincias naturais, localizamos a

    Psicologia Social nesse contexto, apresentamos as principais abordagens desta disciplina e

    aquelas em desenvolvimento especialmente as latino-americanas, cujas bases nos

    serviram de ponto de partida nesta tese. No captulo 03, reforamos o argumento de que as

    questes socioambientais no so apreensveis por uma nica disciplina, mas por uma

    abordagem inter-/transdisciplinar. Para tanto, discute-se sobre a consolidao das

    disciplinas cientficas, a necessidade de ruptura desse paradigma e as abordagens multi-,

    pluri-, inter- e transdisciplinar, localizando nossa fonte de inspirao metodolgica dentre

    desses questionamentos. Por fim, no captulo 04 apresentamos as estratgias

    metodolgicas, construo dos caminhos percorridos nesta tese (com as muitas

    dificuldades enfrentadas) e os instrumentos utilizados.

    3 FUNARO, Vnia Martins Bueno de Oliveira et al. (coord.). Universidade de So Paulo. Sistema Integrado

    de Bibliotecas. Grupo DiTeses. Diretrizes para apresentao de dissertaes e teses da USP: documento eletrnico e impresso. So Paulo: SIBi-USP.

    4 As mesmas diretrizes foram reeditadas e ampliadas em documento de 2009, cujas recomendaes tambm seguimos.

    FUNARO, Vnia Martins Bueno de Oliveira et al. (coord.) (2009). Universidade de So Paulo. Sistema Integrado de Bibliotecas da USP. Diretrizes para apresentao de dissertaes e teses da USP: documento eletrnico e impresso Parte I (ABNT). So Paulo: SIBi-USP. (Cadernos de Estudo, 9).

    5 Seguindo as leituras de Thomas Samuel KUHN (2006), entende-se por paradigma o conjunto de regras, padres, modelos e valores compartilhados por um determinado grupo de praticantes da cincia que legitimam um campo de pesquisa. Dessa maneira, a prtica cientfica real inclui leis, teorias, aplicao e instrumentao que proporcionam modelos dos quais brotam as tradies coerentes e especficas da pesquisa cientfica (idem, p. 30). Parte essencial dos paradigmas cientficos so as comunidades de cientistas: um paradigma aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade cientfica consiste em homens que partilham um paradigma (idem, p. 219).

    KUHN, Thomas Samuel (1962/2006). A estrutura das revolues cientficas. Traduo de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 9 Edio. So Paulo: Perspectiva.

  • 20

    Captulo 1. Cincia

    1.1. Introduo Como j expresso anteriormente, importante que toda pesquisa siga uma forma e

    uma linguagem cientfica. Neste primeiro captulo trataremos de explicitar quais os critrios

    cientficos utilizados nesta pesquisa, uma primeira crtica ao modelo de cincia moderna e,

    por fim, as experincias que trouxeram esses questionamentos e a necessidade de

    reformulao desses parmetros para estudos em comunidades ribeirinhas amaznicas.

    1.2. Forma e linguagem cientfica Podemos considerar a cincia, de acordo com as colocaes de Edgar MORIN

    (2008, p. 57)6, como uma atividade de investigao e pesquisa. Investigao e pesquisa da

    verdade, da realidade, etc.. Por um lado, configura-se como uma atividade cognitiva de

    cientistas e, por outro, sofre efeito de manipulao, de prtica, de poder e de interesses

    sociais de grupos pertencentes a uma determinada sociedade, que emolduram as

    condies de produo da cincia7.

    A pesquisa , segundo Maria Ceclia de Souza MINAYO (2007a, p. 16)8, a atividade

    bsica da cincia na sua indagao e construo da realidade. Embora seja uma prtica

    terica, vincula pensamento e ao. Alm disso, algo se torna intelectualmente um

    problema se, primeiramente, tiver sido um problema da vida prtica. Em outras palavras,

    Minayo explica que as questes de investigao esto, necessariamente, relacionadas a

    interesses e circunstncias socialmente condicionadas, o que significa que so fruto de

    determinada insero na vida real e nela encontrando suas razes e seus objetivos.

    Para concretizar a investigao segundo os moldes da cincia moderna, deve-se

    materializar a vontade de indagar segundo os modelos de um projeto de pesquisa, que nas

    palavras de Antnio Carlos Will LUDWIG (2009, p. 70)9 um documento que elaborado

    para nortear o trabalho de investigao e diz respeito a um tipo de planejamento que visa

    6 MORIN, Edgar. (1982/ 2008). Cincia com conscincia. Traduo de Maria D. Alexandre e Maria Alice

    Sampaio Dria. Ed. revista modificada pelo autor. 11 edio. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 7 Conforme dicionrio Larousse Cultural da lngua portuguesa, do latim scientia: conhecimento; arte;

    habilidade. 1. Conjunto organizado de conhecimentos relativos a determinada rea do saber, caracterizado por metodologia especfica. 2. Saber, conhecimento. 3. Conhecimento que se obtm atravs de leituras, estudos; instruo, erudio. 4. Conhecimento prtico usado para uma dada finalidade // Cincias ocultas, Ocultismo // Cincias naturais, cincia que estuda os animais, os vegetais, os minerais, como a zoologia, a botnica, a mineralogia. // Cincias sociais, disciplinas que estudam as sociedades humanas, sua cultura e evoluo. Podemos compreender que Morin, ao nomear a cincia como uma atividade, se refere aos significados 1, 3 e 4. Cincia, enquanto saber, conhecimento, o objetivo da atividade cientfica.

    8 MINAYO, Maria Ceclia de Souza (2007a). O desafio da pesquisa social. In: ______ (org.). Pesquisa social: teoria, mtodo e criatividade. 26 edio. Petrpolis: Vozes.

    9 LUDWIG, Antonio Carlos Will (2009). Fundamentos e prtica de metodologia cientfica. Petrpolis: Vozes.

  • 21

    garantir a viabilidade de um determinado estudo (idem, ibidem). Suely Ferreira

    DESLANTES (2007)10 destaca que um projeto de pesquisa constitui a sntese de mltiplos

    esforos intelectuais que se contrapem e se complementam: abstrao terico-conceitual e

    conexo com a realidade emprica, exaustividade e sntese, incluses e recortes, rigor e

    criatividade. A construo de um projeto de pesquisa artesanal (um artefato) e fruto do

    trabalho vivo do pesquisador, que articula informaes e conhecimentos disponveis (um

    amplo conjunto de saberes e tcnicas), usar certas tecnologias (o uso de internet e certos

    programas, por ex.), empregar sua imaginao e emprestar seu corpo ao esforo de realizar

    a tarefa (DESLANTES, 2007, p. 31).

    A realizao de um projeto de pesquisa deve contemplar alguns pilares centrais para

    que seja possvel sua concretizao. Um destes pilares a metodologia. De acordo com

    Minayo, deve-se entender esta ltima como o caminho do pensamento e a prtica exercida

    na abordagem da realidade (MINAYO, 2007a, p.14), o que inclui, simultaneamente, a teoria

    da abordagem (mtodo), os instrumentos de operacionalizao do conhecimento (tcnicas)

    e a criatividade do pesquisador (sua experincia, capacidade pessoal e sensibilidade).

    Por meio do estudo e desenho de um methodos11 a ser empregado, o pesquisador

    consegue investigar acerca de um fenmeno que sua vontade de conhecer o levou a

    buscar. Este caminho que conduz a um objetivo delimitado, em nosso ponto de vista,

    segundo alguns fatores: a) a referncia terica que inspira a leitura de uma determinada

    realidade; b) os instrumentos utilizados (em geral, previamente testados e aprovados na sua

    eficcia); c) o local de pesquisa; d) as pessoas envolvidas na co-construo do

    conhecimento (os 'sujeitos/objetos' de estudo); e) a equipe de pesquisadores; f) insero

    institucional e formao acadmica do pesquisador; g) o pertencimento a um projeto de

    pesquisa mais amplo ou no; h) as condies logsticas; i) a verba disponvel; j) o tempo de

    execuo; k) e, como apontado por Minayo, a marca da criatividade do pesquisador, que

    nossa 'grife' (ou seja, nossa experincia, intuio, capacidade de comunicao e de

    indagao) em qualquer trabalho de investigao (MINAYO, 2007a, p.16).

    Explorando mais a fundo as marcas do pesquisador na pesquisa, Paulo Salles de

    OLIVEIRA (1998, p.18)12 descreve que h relao ntima do tema eleito para pesquisa e a

    vida do pesquisador, complementando que os pensadores mais admirveis no separam

    seu trabalho de suas vidas. Encaram ambos demasiado a srio para permitir tal

    10 DELANDES, Suely Ferreira (2007). O projeto de pesquisa como exerccio cientfico e artesanato intelectual.

    In: MINAYO, Maria Ceclia de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, mtodo e criatividade. 26 edio. Petrpolis: Vozes.

    11 methodos significa uma investigao que segue um modo ou uma maneira planejada determinada para conhecer alguma coisa; procedimento racional para o conhecimento seguindo um percurso fixado (CHAU, 1994, p.354 in OLIVEIRA, 1998, p.17).

    12 OLIVEIRA, Paulo de Salles (1998). Caminhos de construo da pesquisa em cincias humanas. In: ______ (org.) Metodologia das cincias humanas. So Paulo: HUCITEC/ UNESP.

  • 22

    dissociao, e desejam usar cada uma dessas coisas para o enriquecimento da outra

    (WRIGHT MILLS, 1982, p.211-12 in OLIVEIRA, 1998, p. 19). Isso quer dizer que h

    consonncia entre pesquisa e biografia, e isto o que d vitalidade ao estudo. As vivncias

    do pesquisador so fundamentais no modo como ele levado a indagar sobre determinado

    fenmeno e, mais do que isso, a prpria conduo do projeto de pesquisa marca sua

    biografia. Esta trajetria pessoal, traduzida segundo a linguagem cientfico-acadmica

    (baseada em conceitos, proposies, hipteses, mtodos e tcnicas), tecida13 em um

    resultado final concreto inteligvel dentro desta linguagem no caso, esta tese de

    doutorado.

    Os caminhos percorridos pelo pesquisador e as necessidades da pesquisa o levam a

    fazer determinadas escolhas metodolgicas. Em geral, as mais seguras, familiares,

    previamente testadas e aprovadas pela comunidade cientfica. Nessa linha, nos diz Oliveira

    (1998, p. 17) que

    o mtodo no representa to-somente um caminho qualquer entre outros, mas um caminho seguro, uma via de acesso que permita interpretar com a maior coerncia e correo possveis as questes sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraada pelo pesquisador.

    A escolha das opes metodolgicas, segundo essa perspectiva, assinala um

    percurso escolhido entre outros possveis e, no caso de uma pesquisa realizada na

    Amaznia, esse caminho delimitado por contingncias muito particulares. Essas

    peculiaridades inerentes ao universo amaznico, que marcam a maneira de pesquisar neste

    contexto, sero descritas mais abaixo, no momento em que explicarmos quais as escolhas

    que fizemos e as dificuldades que enfrentamos para concretizar este estudo.

    Ainda versando sobre as marcas do pesquisador na construo da pesquisa o que

    remete diretamente tenso entre subjetividade/objetividade na construo do

    conhecimento, bem como ao questionamento da universalidade, despersonalizao e

    objetivismo da cincia moderna no h como pensar estas marcas sem ponderar o

    standpoint (ponto de partida) do pesquisador (e pesquisados). Vejamos do que se trata essa

    contribuio que vem das crticas feministas.

    13 A palavra texto provm do latim textum, que significa 'tecido, entrelaamento'. H, portanto, uma razo

    etimolgica para nunca esquecermos que o texto resulta da ao de tecer, de entrelaar unidades e partes a fim de formar um todo inter-relacionado. Da podermos falar em textura ou tessitura de um texto: a rede de relaes que garantem a sua coeso, sua unidade (INFANTE, 1998, p.90).

    INFANTES, Ulisses (1998). Do texto ao texto: curso prtico de leitura e redao. 5 Edio. So Paulo: Scipione.

  • 23

    1.3. Primeiras crticas cincia moderna Tal qual descrito por Donna HARAWAY (1995)14, a produo cientfica realizada

    sempre por pessoas que pertencem a determinados grupos: gnero, classe social, idade,

    etnia, categoria profissional, nao, entre muitos outros com intenes inerentes a esses

    grupos de pertencimento. Isso explicita que o conhecimento no possui a objetividade e

    neutralidade pretendida pelos cientistas, pois este est eminentemente marcado por suas

    condies de produo. Os questionamentos de Haraway demonstram que na cincia

    moderna se busca a traduo, convertibilidade, mobilidade de significados e universalidade

    segundo uma linguagem especfica, imposta como o parmetro, por determinados

    segmentos da sociedade (ocidental), para todas as tradues e converses. Isso o que

    caracteriza o etnocentrismo, que segundo Sandra HARDING (1993, p.58)15 a crena da

    superioridade inerente a seu prprio grupo tnico ou cultura. As contundentes crticas

    esboadas por Harding se dirigem ao androcentrismo (olhar masculino como centro),

    dualismo (subjetivismo imaterial impalpvel X objetivismo concreto cientfico), positivismo

    (como o mundo ordenado, segundo leis naturais universais, e progride, por meio de

    intervenes comprovadas pela cincia), neutralidade cientfica (desconsiderao da

    subjetividade na relao sujeito/ objeto) e invisibilidade de grupos marginalizados (no-

    reconhecimento de que estes entendem de si e do mundo a seu redor). Segundo a autora,

    esse cenrio pode ser transformado com: o rompimento da crena na objetividade,

    universalidade e neutralidade, vinda do ponto de vista androcentismo e etnocntrico;

    reformulao dos mtodos provenientes das cincias naturais e utilizao de novas

    perspectivas em cincias humanas e sociais; dar voz aos grupos considerados

    marginalizados (segundo a perspectiva etnocntrica) e s formas de conhecimentos

    produzidas por estes sobre sua realidade; e valorizar a subjetividade do pesquisador pra

    construir saberes no-hierrquicos e no-homogeneizantes, uma vez que sempre se est

    partindo de um ponto de partida, que lhe permite ter certo alcance e limite nas leituras do

    mundo a seu redor.

    Essas contribuies nos mostram que o conhecimento sempre situado e parcial,

    ou seja, a perspectiva pesquisada depende do ponto de partida do pesquisador e, por isso

    mesmo, relativa, incompleta e enviesada segundo sua 'posio social'16. Dentro dessa

    perspectiva, compreendemos que a construo de saberes deve ser realizada pelo dilogo

    entre pesquisadores e pesquisados, o que resulta numa srie de implicaes cientficas 14 HARAWAY, DONNA (1995). Saberes localizados: a questo da cincia para o feminismo e o privilgio da

    perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n 05, p.07-41. Disponvel em: . Acesso em: 03 de Ago, 2009.

    15 HARDING, Sandra (1993). Rethinking standpoit epitemology: what is strong objectivity? In: ALCOFF, Linda & POTTER, Elizabeth (eds.). Feminist epistemologies. New York: Routledge.

    16 Harding (1993, p. 54-5) descreve que a posio social o lugar do qual partimos (gnero, classe, idade, etc.) e que nos permite compreender sobre ns e o mundo ao nosso redor.

  • 24

    (tericas e metodolgicas), ticas e polticas. Dedicaremos ateno especial a estas

    colocaes ao longo desta primeira parte da tese. O que necessrio ressaltar, antes de

    prosseguir, que o dilogo entre pessoas de posies sociais diferentes causa impacto e

    transformaes em ambos. O modo como os pontos de referncias vo se modificando

    nessa interao um dos indcios valiosos na produo do conhecimento em cincias

    humanas e sociais. Como menos complicado fazer essa decodificao em si mesmo, ao

    invs de faz-lo no outro, podemos entender agora a importncia das colocaes feitas at

    ento.

    1.4. Incompletude da cincia Alm de partirmos de uma posio social diferente para produzirmos conhecimento,

    devemos abordar mais um de nossos pontos de partida, que torna este trabalho inteligvel a

    certos pares: a linguagem acadmica e as cincias humanas e sociais. Entretanto, o

    caminho percorrido segundo os parmetros cientficos teve de ser relativizado em funo: a)

    das limitaes da cincia moderna, da qual estamos buscando ser letrados; b) das

    impossibilidades de alcance para leitura de determinados fenmenos da Amaznia e seus

    povos, s compreensveis quando se adota postura de abertura ao outro e a seus saberes.

    Como lidar com o relato da viso de um arco-ris noturno, sem a presena da lua ou

    nuvens? Ou de um raio de luz vindo de uma estrela e iluminando diretamente a pessoa,

    como um holofote? Ou uma castanheira recoberta por chamas azuis em certas noites?

    Como compreender que uma pessoa curada de acidente vascular cerebral (AVC) por uma

    reza (fora da palavra)? O que dizer do padre santo, que caminhou num campo de barro e

    sua sandlia e batina branca no se sujaram de lama? Ou que ele celebrou um casamento

    de tarde com uma aparncia e, na manh seguinte, apareceu com outra? Como interpretar

    vidas regidas pela religio, sem cair na condenao laica tpica no pensamento cientfico? O

    que dizer sobre a viso do Curupira, Iara e outros seres encantados da floresta? Como

    entender a vida de pessoas cujos afazeres esto intimamente relacionados com os ciclos da

    natureza e laos de parentesco? Enfim, entre estes e outros questionamentos fruto do

    contato com povos da Amaznia, tivemos que nos conscientizar da incompletude da cincia

    moderna. Nas palavras de Hilton JAPIASSU (2005, p.07)17

    H mais de dois sculos prevalece a opinio: os progressos da cincia moderna fazem avanar triunfalmente as luzes da Razo e recuar inexoravelmente as supersties, os mitos e as religies. Doravante, finalmente liberto de magias, credulidades e supersties, o homem no se comporta mais como se a natureza com ele delirasse (Espinoza) ao sabor de seus medos e esperanas. Est empenhado em fazer de seu Saber um

    17 JAPIASSU, Hilton (2005). Cincia e destino humano. Rio de Janeiro: Imago.

  • 25

    Poder (Bacon) e realizar o projeto de tornar-se efetivamente mestre e possuidor da natureza (Descartes). E convicto de que pensar calcular! (Hobbes), e s real o que pode ser medido (Planck). Alguns viram nessa crena a promessa e o penhor de uma emancipao poltica do cidado. E passaram a crer no poder soberano e indiscutvel da Cincia.

    A abertura para o mito, crenas, religio, senso comum, supersties e outros

    conhecimentos inerentes queles que habitam na floresta amaznica s possvel com a

    relativizao dessa opinio prevalecente. Como nos ensina Morin (2008, p.189), no

    podemos continuar acreditando que aquilo que no quantificvel e formalizvel no existe

    ou s a escria do real, conforme pensamento unidimensional inerente cincia moderna.

    preciso ponderamos que existe valor em conhecimentos vindos para alm do mtodo

    experimental, que mensura, quantifica, delineia em termos racionais e lgico-matemticos

    legado do reforo positivista. O aprofundamento dessas discusses nos levaria s antigas,

    porm atuais, questes filosficas: o que a verdade? Como conhecemos? O que o

    Homem? Qual o sentido da vida?

    1.5. Concluso Essa trajetria de relativizao do conhecimento cientfico ser abordada,

    principalmente, nesta e na segunda parte da tese. Trata-se de adotar a interdisciplinaridade

    e/ou transdisciplinaridade (DIEGUES, 2000, 2001, 2004; MORIN, 2000, 2008; FAZENDA,

    2007, 2008; JAPIASSU, 2006; NICOLESCU, 1996), ou a diversidade e pluralidade

    epistemolgica (SANTOS, 2008), como atitude para conceber que existem diferentes

    formas de conhecer o mundo e que a cincia moderna, por sua fragmentao disciplinar,

    no consegue apreender os cenrios atuais. Tais noes e conceitos sero apresentados

    no devido momento, com seus respectivos autores. Isso significa colocar em xeque a

    prpria cincia da qual estamos partindo. Essa aprendizagem sobre o dilogo com outras

    maneiras de saber, fruto do relacionamento com os moradores da beira dos rios do estado

    do Amazonas, modificou o nosso modo de fazer cincia e recebe o devido destaque ao

    longo de toda esta tese.

  • 26

    Captulo 2. Entre cincias humanas e sociais: as 'Psicologias Sociais'

    2.1. Introduo Neste captulo anunciamos outro ponto de partida: referenciamos esta pesquisa

    como inscrita dentro dos parmetros das cincias humanas (Psicologia)18 e sociais

    (Psicologia Social). A importncia de explicitarmos este ponto de vista que estas possuem

    paradigmas diferentes das cincias naturais, no obstante tenham emergido usando os

    modelos destas ltimas e, de certo modo, ainda esto inscritas dentro dos parmetros da

    cincia moderna. Faremos uma breve e esquemtica apresentao da Psicologia Social,

    para localizarmos suas diferentes vertentes e sua contextualizao dentro do debate a

    respeito de mtodos quantitativos e qualitativos.

    2.2. Consolidao da cincia moderna (cincias naturais) e diferenciao das cincias humanas/sociais

    Tal qual exposto por Ludwing (2009), a cincia moderna surge em um determinado

    momento histrico, iniciando-se a partir do sculo XVII, embora seu embrio encontre-se no

    sculo precedente. O pensamento moderno, em linhas gerais, conseqncia do declnio

    da cultura medieval e se consolida pela necessidade de separao entre teologia, filosofia e

    as nascentes reas da cincia. Reforado pelo Iluminismo e pela Revoluo Francesa, um

    de seus aspectos centrais era o destaque concedido razo como instrumento de obteno

    do saber e, para tal, se aceitava somente as verdades resultantes da investigao da razo

    atravs de procedimentos demonstrativos (LUDWING, 2009, p.14). Nesse ponto que o

    mtodo cientfico ganha centralidade na produo do conhecimento. A construo do

    mtodo cientfico ocorreu, primeiramente, na rea das cincias da natureza e teve em

    Galileu Galilei (1564-1642) e Francis Bacon (1561-1626) alguns dos fundadores do mtodo

    experimental: observao de fatos, proposio de hiptese e verificao por meio de

    experincias controladas. O reforo desse tipo de mtodo veio no sculo XIX, com a

    emergncia do Positivismo, com seu rigor e acento na universalidade e objetividade

    cientfica.

    Graas ao mtodo experimental, a cincia moderna evoluiu de maneira consistente,

    em especial por meio das cincias da natureza, a saber, pela consolidao da Qumica,

    Fsica e Biologia. Vale ressaltar que, como campo de estudos e especulao, os temas

    envolvendo todas as disciplinas modernas so antigos, mas a maneira como se

    18 Considerar a Psicologia como cincia humana no consenso. Por exemplo, atualmente h os que a

    consideram como uma cincia da sade, alocando a formao de psiclogos dentro dos centros de sade.

  • 27

    constituram nesse perodo referido est marcada pelos modelos da cincia moderna. As

    cincias sociais e humanas se desenvolveram mais recentemente (final do sculo XIX e

    comeo do sculo XX) e vm se estabelecendo graas a mtodos prprios, no obstante

    tenham emergido usando mtodos das cincias naturais. Dentre esses novos mtodos,

    Ludwing enuncia os seguintes: dialtico, fenomenolgico, estrutural e funcionalista

    (LUDWING, 2009, p.17-20). Entre as cincias que se utilizam desses mtodos esto a

    Sociologia, Antropologia, Psicologia e Psicologia Social.

    2.3. As 'Psicologias Sociais': diferenciao das cincias naturais Cabe uma breve considerao sobre a Psicologia Social nesse contexto. O intuito da

    exposio que faremos nas pginas que seguintes mostrar que h diferentes abordagens

    em Psicologia Social e que a histria dessa disciplina est marcada pelos questionamentos

    terico, metodolgico e poltico que acompanham as cincias humanas e sociais desde sua

    diferenciao das cincias naturais. Alm disso, mostraremos as fragmentaes dentro da

    disciplina, o que traz primeiro um vis intra-disciplinar, para ento retomarmos a

    necessidade da interdisciplinaridade/ transdisciplinaridade, imposta pelos problemas

    contemporneos da fragmentao disciplinar. Por sua vez, estamos apresentando a

    existncia desta disciplina dentro das cincias sociais, para que tanto psiclogos quanto

    profissionais de outras reas conheam um pouco mais da Psicologia Social.

    Tal qual exposto por Jos Luis LVARO e Alicia GARRIDO (2006)19, esta veio

    constituindo-se como disciplina ao mesmo tempo em que tambm emergem a Psicologia e

    a Sociologia, num momento histrico em que as cincias humanas e sociais comeam a se

    diferenciar das cincias naturais, tanto no que se refere aos mtodos adotados, quantos aos

    objetos de estudo. A diversidade nas formas de entender os fenmenos psicossociais foi

    fundante de cada uma dessas disciplinas e marcou campos de estudo, mtodos, profisso e

    nicho de atuao. Como exposto pelos autores,

    Desde seu surgimento, no pensamento social europeu do sculo XIX, a psicologia social se definia como uma disciplina plural. A pluralidade, tanto de enfoques tericos como de objetos de estudo, continuou caracterizando a psicologia social medida que ocorria sua diferenciao e sua consolidao definitiva como disciplina cientfica independente, o que aconteceu simultaneamente na psicologia e na sociologia (LVARO & GARRIDO, 2006, p.40).

    19 LVARO, Jos Luis & GARRIDO, Alicia (2006). Psicologia social: perspectivas psicolgicas e

    sociolgicas. Traduo Miguel Cabrera Fernandes; reviso tcnica Raquel Rosas Torres. So Paulo: McGraw-Hill.

  • 28

    As razes da Psicologia Social moderna, na esteira de Robert M. FARR (1998)20, so

    encontradas na interface com a Psicologia e a Sociologia, o que resultou em enfoques de

    psicologia social psicolgica e de psicologia social sociolgica. A multiplicidade da

    Psicologia Social, dentre desse contexto, esteve estreitamente ligada utilizao de

    mtodos de investigao. Do lado da psicologia social psicolgica, o predomnio da

    experimentao em laboratrio e da compreenso de cincia segundo objetivismo e

    universalidade, inerentes viso positivista. Do lado da psicologia social sociolgica, a

    busca por novas metodologias, que resultou no desenvolvimento de pesquisas aplicadas e

    mtodos qualitativos, no obstante estes tenham coexistido com estudos de carter

    quantitativo.

    O desenvolvimento das 'Psicologias Sociais', acompanhando os debates das demais

    disciplinas das cincias humanas e sociais, tambm ocorreu sob o crivo das discusses

    sobre objetividade/ subjetividade, pesquisa quantitativa/ qualitativa, experimentalismo/

    pesquisa aplicada, marcando diferenas nos fundamentos epistemolgicos e estatuto

    ontolgico de cada linha terica. At hoje, tais discusses ainda permeiam as abordagens

    em Psicologia Social utilizadas para trabalhos de investigao e interveno, no havendo

    unidade entre elas. Como descrito por Danielle Monteiro CORGA (1998)21, a Psicologia

    Social uma disciplina que tenta entender o homem em seu contexto social, mas entre

    suas diferentes abordagens parece ter em acordo apenas o nome. Sua pluralidade (que

    gera tenses e divises) deve ser observada segundo dois tipos de diversidade:

    1) Diversidade Gestltica. A diversidade vista a partir da totalidade da Psicologia Social

    enquanto disciplina, cujas tenses de diviso aparecem pelos estudos centrados nas inter-

    relaes sociais a partir do ponto de vista do indivduo e por aqueles centrados nos

    aspectos sociolgicos das relaes sociais entre indivduos.

    2) Diversidade Analtica. Fruto desta primeira, a diversidade tratada analiticamente, em seus

    fundamentos cientficos, com delimitaes de objeto de estudo, mtodo, conceitos, teorias,

    etc.

    2.4. As principais tradies da Psicologia Social A partir dessa diversidade na disciplina, Corga circunscreve agrupamentos segundo

    20 FARR, Robert M. (1998). As razes da psicologia social moderna. Traduo: Pedrinho A. Guareschi e Paulo

    V. Maya. Petrpolis: Editora Vozes. 21 CORGA, Danielle Monteiro (1998). Uma histria da Psicologia Social: sua diversidade. 269f. Tese

    (doutorado) Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo. 1998.

  • 29

    quatro principais 'tradies'22 da Psicologia Social (CORGA, 1998, p.75-183):

    A) a tradio sociolgica americana do interacionismo simblico, iniciada por George

    Herbert Mead23 e desenvolvido por seus discpulos, entre eles, Herbert Blumer (1969)24,

    que alcunha o termo 'interacionismo simblico'; posteriormente, Theodore R. SARBIN25,

    com a teoria do papel; e Sheldon STRYKER26 e a teoria da identidade; entre muitos outros.

    As teorizaes de Mead continuam influenciando tericos contemporneos, como Jrgen

    HABERMAS, que afirma que a nica tentativa promissora de apreender conceitualmente o

    contedo pleno do significado da individualizao social encontra-se na psicologia social de

    G. H. Mead (HABERMAS, 1990, p. 185)27.

    B) a tradio sociolgica europia das representaes sociais, iniciada Serge MOSCOVICI

    (1978)28, a partir dos anos '60, com a publicao do livro 'A representao social da

    psicanlise'. Moscovici se inspira na obra de mile Durkheim (com seus conceitos de

    representao individual e coletiva), que critica duramente a Psicologia, mas que

    acrescenta:

    no temos nenhuma objeo a que se caracterize a sociologia como um tipo de psicologia, desde que tenhamos o cuidado de acrescentar que a psicologia social tem suas prprias leis, que no so as mesmas da psicologia individual (DURKHEIM, 1898 in FARR, 1998, p. 152-3).

    Nessa esteira que Moscovici vai constituindo sua obra, diferenciando-se de

    Durkheim, na qual pretende analisar os processos atravs dos quais os indivduos e os

    grupos em interao constroem uma 'teoria' sobre um objeto social, a qual nortear e

    orientar seus comportamentos, tomando como ponto de partida as representaes sociais

    22 compreendida, aqui, como um conjunto dos fundamentos, convices e expresses que compe e dinamiza

    uma cultura. Esse conjunto reconhecido por uma comunidade, tal qual suas marcas, como as caractersticas pertencentes a este grupo, e que, portanto, o diferencia dos demais (CORGA, 1998, p. 70). A autora complementa que por meio de congressos, sociedades cientficas, revistas, centros de ps-graduao e handbooks que tais tradies so cultivadas.

    23 Mead ministrou a cadeira de Psicologia Social no depto de Filosofia da Universidade de Chicago, entre 1900 e 1931. Lecionava sem o auxlio de notas. Por esse motivo, uma de suas publicaes mais importantes foi compilada por seu aluno Moris, no curso ministrado em 1927, que o considerava um behaviorista social. MEAD, George Herbert (1934/1962). Mind, Self and Society: from the standpoint of a social behaviorist. Edited by Charles W. Moris. Chicago: The University of Chicago Press.

    24 BLUMER, Herbert (1969). Symbolic interaction: perspective and method. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.

    25 SARBIN, Theodore R. & ALLEN, V. L. (1968) Role Theory. In: LINDZEY, Gardner & ARONSON, Elliot (orgs.). Handbook of Social Psychology. 2nd edition. Massachussets: Addison-Wesley. Vol. 1.

    26 STRYKER, Sheldon & BURKE, Peter J. (2000). The Past, Present, and Future of an Identity Theory. Social Psychology Quarterly, Vol. 63, No. 4, Dec., pp. 284-297. Special Millenium Issue on the State of Sociological Social Psychology. Disponvel em: . Acesso em: 22 de Mar. 2006.

    27 HABERMAS, Jrgen (1990). Pensamento Ps-Metafsico: estudos filosficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

    28 MOSCOVICI, Serge (1961/1978). A representao social da psicanlise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

  • 30

    da Psicanlise na Frana (CORGA, 1998, p. 95)29.

    C) a tradio do experimentalismo psicolgico (Psicologia Social Experimental), com seu

    desenvolvimento e transformaes por meio das influncias do behaviorismo (Floyd Henry

    Allport30), neobehaviorismo (Clark Leonard Hull31 e Burrhus Frederick Skinner32), Gestalt

    (Kurt Lewin33, que alcunha os termos 'dinmica de grupo' e 'action research'; Solomon E.

    Asch34), e psicologia cognitiva35. A Psicologia Social ganhou visibilidade principalmente

    pelos autores provenientes desta tradio.

    D) a tradio dos 'estudos de grupos sociais'. Corga localiza vrios autores que contribuem

    para a edificao desta tradio, nos primeiros anos de produo acadmica norte-

    americana: 1) os estudos de Elton Mayo36, com pequenos grupos de trabalhadores da

    Western Electric Company em Hawthorne, Chicago, entre 1924 e 1932; 2) os estudos

    sociolgicos da Escola de Sociologia de Chicago, nos anos '30, em ambientes naturais; 3)

    alguns trabalhos de F. H. Allport, sobre 'facilitao social' e 'conformismo'; 4) as inovaes

    29 lvaro & Garrido localizam as contribuies de Moscovici dentro do contexto da Psicologia, por se tratar de

    um psiclogo, no obstante tenha se inspirado em idias de Durkheim. Suas teorizaes possuem discordncias da psicologia social cognitiva tradicional, com o enfoque individualista para leituras dos processos cognitivos e, por isso, Corga o insere dentro da tradio sociolgica de psicologia social.

    30 ALLPORT, Floyd Henry (1924). Social Psychology. Boston; New York:Houghton Mifflin. 31 HULL, Clark Leonard (1952). Behavior system: an introduction to behavior theory concerning the

    individual organism. New York Science Editions. 32 SKINNER, Burrhus Frederick (1938). The behavior of organisms: an experimental analysis. New York;

    London: D. Appleton-Century Company incorporated. 33 LEWIN, Kurt (1970). Problemas de dinmica de grupo. So Paulo: Editora Cutrix. Livro editado por sua

    mulher, aps seu precoce falecimento. ______ (1951). Field theory in social science: selected theoretical papers. Edited by Dorwin Cartwright.

    New York: Harper. 34 ASCH, Solomon Elliott (1952/1977). Psicologia Social. 4 edio. Traduo de Dante Moreira Leite e

    Miriam Moreira Leite. So Paulo: Nacional. 35 Farr (1998) aponta S. Asch como um dos precursores da psicologia social cognitiva, nos EUA. No entanto,

    por ter boa parte de suas idias inspiradas na Gestalt, Corga o localiza ainda sob as influncias desta ltima, e no da psicologia cognitiva.

    36 MAYO, Elton (1933/1945). The social problems of an industrial civilization. Boston: Division of Research, Graduate School of Business Administration, Harvard University.

  • 31

    de Jacob Levy Moreno no trabalho de psicoterapia de grupo37; 5) as contribuies de

    Muzafer Sherif38, que em 1936 publica 'A psicologia das normas sociais', na qual aponta

    como os sujeitos se aproximam no grupo para criar normas para situaes ainda no

    estruturadas. Posteriormente, na dcada de '60, com o prosseguimento das pesquisas,

    elabora um modelo explicativo das relaes intergrupais para a questo do conflito e

    cooperao intergrupo. 6) as contribuies de Lewin, que mesmo considerado como

    consolidador da Psicologia Social Experimental, tem em sua obra importante marco para as

    pesquisas nesta tradio39. 7) os trabalhos de Leon Festinger40, com sua teoria de

    'comparao social' e 'dissonncia cognitiva'; a 'teoria do intercmbio social', de John N.

    Thibaut e Harold H. Kelley41; as pesquisas sobre a 'Personalidade Autoritria', de Theodore

    W. Adorno et al., publicada em 195042; os trabalhos do socilogo George Caspar Homans43,

    37 Cabem aqui dois parnteses. 1) Moreno cria uma tcnica de grupo, centrando tanto nas tcnicas

    sociomtricas para a investigao social, quanto na dramatizao de conflitos psicolgicos para obter efeitos teraputicos (Psicodrama). Suas teorizaes, no entanto, pertencem mais ao ramo da Psicologia (Clnica) do que ao da Psicologia Social. Outros trabalhos em grupo, com finalidade teraputica ('psicoterapia de grupo', cujo primeiro trabalho creditado ao mdico J. Pratts, em 1906), foram surgindo ao longo do sculo passado. Entretanto, como apontado por Saidon (1983, p. 17), as inmeras prticas grupoteraputicas tm origens em trs tendncias originais: a 'microssociologia' de K. Lewin; a Psicanlise; e o Psicodrama (entre 1930 e 1962). O prprio Moreno, aliado a outras figuras, cria a International Association of Group Pshycotherapy (IAGP). Inevitavelmente, os subseqentes autores que se debruaram sobre essas abordagens tericas tambm se detiveram nas investigaes sobre processos grupais (e institucionais). Dos subseqentes desenvolvimentos tericos e renovaes tcnicas (assim como da absoro ou crticas das outras correntes), desdobram-se as correntes da Psicanlise de Grupos e Instituies (com as escolas inglesa, argentina e francesa), da Psicossociologia francesa e da Anlise Institucional, que re-posicionam seus postulados para a interveno social (com maior ou menor amplitude, em interface direta ou indireta com a 'clnica'), tendo no grupo e na instituio centralidade de reflexo e ao. 2) No que tange aos trabalhos que envolvem 'dinmica de grupo', Gregrio Baremblitt (1986) aponta que esta no pertence ao domnio de uma s disciplina e que deve ser pensada a partir de suas mltiplas origens geogrficas, histricas, epistemolgicas, tcnicas, campo da vida social em que se aplicam e finalidade. Por outro lado, aponta o carter ideolgico, reprodutivista e meramente tcnico que o uso da 'dinmica de grupo' pode adquirir em sua utilizao. Logo, suas proposies so no sentido do carter transformador da utilizao do referencial tcnico-terico que subsidia a 'dinmica de grupo'.

    BAREMBLITT, Gregrio (1986). Notas estratgicas a respeito da orientao da dinmica de grupo na Amrica Latina. In: ______ (org). Grupos: teoria e tcnica. Rio de Janeiro: Edies graal. 2 edio.

    MORENO, Jacob Levy (1999). Psicoterapia de grupo e psicodrama: introduo teoria e prtica. Traduo Jos Carlos Vitor Gomes. 3 ed. revisada. Campinas: Livro pleno.

    SAIDON, Osvaldo I. (1983). Prticas grupais. Rio de Janeiro: Campus. 38 SHERIF, Muzaref (1948). An outline of social psychology. New York: Harper. ______ (1962). Intergroups relations and leadership approaches and research in industrial, ethnic, cultural,

    and political areas. New York: John Wiley. 39 Alm do Centro de Pesquisas em Dinmica de Grupo, Lewin tambm funda um outro centro, nomeado

    'comisso para inter-relaes comunitrias', no qual guiou estudos sobre as razes do anti-semitismo, prticas de socializao para a conscientizao coletiva da discriminao social e sobre o preconceito de forma global.

    40 FESTINGER, Leon (org.) (1974). Pesquisa na psicologia social. Rio de Janeiro: FGV. ______ (1957/1975). Teoria da dissonncia cognitiva. Traduo Eduardo Almeida. Rio de Janeiro: Zahar. ______; SCHACHTER, Stanley & BACK, Kurt. (1950/1963). Social pressures in informal groups: a study

    of human factors in housing. London: Tavistock. 41 THIBAUT, John N. & KELLEY, Harold. H. (1959/1967). Social psychology of groups. New York: John

    Wiley. 42 ADORNO, Theodore W. et al. (1950/1965). La personalidad autoritaria. Buenos Aires: Editorial

    Proyeccin.

  • 32

    com a teoria do intercmbio e a proposta de uma anlise sociolgica alternativa ao

    funcionalismo; e as contribuies de S. Asch nas investigaes sobre as minorias.

    Os estudos sobre grupos sociais diminuram consideravelmente nos anos '60, nos

    EUA, devido aos contextos scio-poltico-econmicos. Entretanto, o interesse dos

    psiclogos sociais a respeito de processos grupais e intergrupais retomado no final dos

    anos '70. Desta vez, com fora na Europa, perdurando e tendo produo expressiva at

    hoje. Algumas escolas (grupos universitrios) representam tal tradio, como, por exemplo,

    a Escola de Bristol (com estudos sobre a compreenso das relaes intergrupais, seus

    conflitos e discriminaes, atravs de conceitos como identidade social, categorizao

    social e comparao social, cuja figura proeminente seu precursor Henri Tajfel44 alm de

    John C. Turner45, com a teoria da auto-categorizao, entre outros autores), a Escola de

    Genebra, entre outros grupos de pesquisadores ingleses, americanos, canadenses e

    alemes.

    Como se nota, h abordagens em Psicologia Social no contexto da sociologia e

    aquelas no contexto da psicologia, como preferem descrever lvaro & Garrido (2006), com

    tericos que se influenciam mutuamente e que so, prioritariamente, de origens europia e

    norte-americana. De modo geral e grosso modo, as Psicologias Sociais no contexto da

    sociologia seguiram inovaes metodologias das abordagens quantitativas, enquanto

    aquelas no contexto da psicologia desenvolveram-se segundo metodologias qualitativas,

    como j apontado anteriormente.

    Como descrito por Silvia Tatiana Maurer LANE (1981, p. 76-7)46, a produo da

    Psicologia Social (prioritariamente experimental, norte-americana, de vis pragmtico),

    desde seu florescimento at os anos '60, tinha seus focos de pesquisas centradas nos

    estudos dos fenmenos de liderana, opinio pblica, propaganda, preconceito, mudanas

    de atitudes, comunicao, relaes raciais, conflitos de valores, relaes grupais, etc. Todos

    estudos e experimentos que procuravam procedimentos e tcnicas de interveno nas

    relaes sociais, que se traduziam em frmulas de ajustamento e adequao de

    comportamentos individuais ao contexto social.

    A importncia dos norte-americanos para a Psicologia Social vai alm do

    desenvolvimento terico-metodolgico de teorias que tentassem explicar os fenmenos

    43 HOMANS, George Caspar (1951). The human group. London: Routledge & K. Paul. 44 TAJFEL, Henri (1972). La categorisation sociale. In: MOSCOVICI, S. (org.). Introduction la psychologie

    sociale. Paris: Larousse, v. 1. ______ (1978). Differentiation between social groups. London: Academic Press. ______ (1981). Human groups and social categories: studies in social psychology. Cambridge

    [Cambridgeshire]; New York: Cambridge University Press. 45 TURNER, John C. (1987). Rediscovering the social group: a self-categorization theory. Oxford: Basil

    Blackwell. 46 LANE, Silvia Tatiana Maurer (1981). O que Psicologia Social. So Paulo: editora brasiliense. Coleo

    primeiros passos. N 39.

  • 33

    psicossociais (com as ressalvas das diferenas j explicitadas). Segundo Farr (1998, p. 28-

    31), aps a Segunda Guerra, muitos psiclogos sociais norte-americanos ajudaram os

    europeus, com suas pesquisas at ento isoladas, no apoio logstico necessrio para a

    constituio de sociedades cientficas (entre elas, a Associao Europia de Psiclogos

    Sociais Experimentais), que fora liderada por personalidades proeminen