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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA TRABALHO, TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO MATHEUS BERNARDO SILVA CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR PARA A FORMAÇÃO OMNILATERAL DO SER SOCIAL: UMA REFLEXÃO À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Curitiba 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA TRABALHO, TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO

MATHEUS BERNARDO SILVA

CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR PARA A

FORMAÇÃO OMNILATERAL DO SER SOCIAL:

UMA REFLEXÃO À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

E DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Curitiba

2014

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MATHEUS BERNARDO SILVA

CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR PARA A

FORMAÇÃO OMNILATERAL DO SER SOCIAL:

UMA REFLEXÃO À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

E DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Dissertação apresentada como requisito parcial à

obtenção do grau de Mestre em Educação na área de

Educação, Linha de Pesquisa Trabalho, Tecnologia e

Educação do Programa de Pós-Graduação em

Educação, Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Dra Maria Auxiliadora Cavazotti

Co-Orientadora: Dra Lígia Regina Klein

Curitiba

2014

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Catalogação na publicação

Fernanda Emanoéla Nogueira – CRB 9/1607

Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR

Silva, Matheus Bernardo

Contribuições da educação física escolar para formação omnilateral do ser social:

uma reflexão à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica /

Matheus Bernardo Silva – Curitiba, 2014.

223 f.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Auxiliadora Cavazotti

Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação da

Universidade Federal do Paraná.

1. Educação física para crianças - Estudo e ensino. 2. Materialismo histórico. 3. Materialismo dialético. 4. Imagem corporal. 5. Psicologia educacional. I.Título.

CDD 372.86

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4

TERMO DE APROVAÇÃO

CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR PARA A FORMAÇÃO

OMNILATERAL DO SER SOCIAL:

UMA REFLEXÃO À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E DA

PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Matheus Bernardo Silva

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação,

no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, pela

comissão formada pelos docentes:

Maria Auxiliadora Cavazotti - Orientadora________________________________________

Pós-Doutora em Educação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Doutora em Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Docente na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Lígia Regina Klein - Co-orientadora______________________________________________

Pós-Doutora em Educação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Doutora em Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Docente na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Astrid Baecker Ávila__________________________________________________________

Doutora em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Docente na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Celi Nelza Zülke Taffarel______________________________________________________

Pós-Doutora em Educação Física, Universitat Oldenburg (Alemanha).

Doutora em Educação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Docente na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Lígia Márcia Martins__________________________________________________________

Livre-Docente em Psicologia da Educação, Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru).

Doutora em Educação, Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília).

Docente na Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru-Araraquara).

Noela Invernizzi (suplente)_____________________________________________________

Pós-Doutora, Columbia University (Estados Unidos).

Doutora em Política Científica e Tecnológica, Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP).

Docente na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Curitiba, 17 de março de 2014

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6

Aos meus pais (in memorian): José Luiz Silva e Antonio

Juvêncio Bernardo, por todo amor e carinho.

As minhas mães: Marli Peres Bernardo e Maria de Fátima

Peres Bernardo, a quem devo tudo.

Aos meus mestres e para sempre amigos: Vidalcir Ortigara,

Lígia Regina Klein, Carlos Augusto Euzébio (Kabuki), Maria

Auxiliadora Cavazotti, Ana Lúcia Cardoso e Ademir Damazio,

por simplesmente coabitarem em mim em todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

As minhas mães, Marli e Fátima, por todo o amor, carinho e incentivo a todas as minhas

decisões.

Aos meus pais, José Luiz e Antônio, por sempre me incentivarem a estudar e darem

possibilidades para que isso se tornasse possível. Com muitas saudades... esse trabalho é de

vocês!

Aos meus mestres, Vidal, Lígia Klein, Carlos (Kabuki), Maria Auxiliadora, Ana e

Ademir, por guiarem os meus caminhos dentro e fora do espaço acadêmico.

A banca examinadora, professoras Celi N. Z. Taffarel, Lígia M. Martins e Astrid B.

Ávila, pelas considerações ao meu trabalho e, principalmente, pela imensa

contribuição teórica e prática que dispõe em proveito de uma educação de qualidade

e para todos.

Aos meus familiares, em especial a vó Bia, a tia Nete, ao “Go”, ao Lucas e a Mariana.

A minha companheira, Joice, por todos os momentos em que passamos e passaremos juntos.

Aos meus verdadeiros amigos e irmãos, pelo apreço, fidelidade e carinho em todos os

momentos.

Aos amigos e colegas de mestrado, em especial ao Rafa (Baiano) e ao Lalo, por essa amizade

distante, porém verdadeira.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR, especialmente as secretárias por toda

a atenção disponibilizada.

A CAPES pelo auxílio financeiro.

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Todavia não é a natureza aprimorada por meio algum

Senão por um meio por ela própria feito; assim, além

Da arte que, dizes, contribui à natureza, está uma arte

Que a natureza faz... Essa é uma arte que,

De fato, melhora a natureza – melhor, transforma-a

Mas essa arte é ela mesma natureza.

(Políxenes em, Um conto de inverno, de Shakespeare)

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9

Tomo a liberdade de chamar a Vossa Excelência para o fato de a

natureza nos dever exclusivamente a vida, ao passo que a sociedade

nos deve a felicidade.

(Honorina em, A comédia humana, de Honoré de Balzac)

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O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira

omnilateral, portanto como um homem total. Cada uma das suas

relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir,

pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos

da sua individualidade, assim como os órgãos que são imediatamente

em sua forma como órgãos comunitários, […] são no seu

comportamento objetivo ou no seu comportamento para com o objeto a

apropriação do mesmo, a apropriação da efetividade humana; seu

comportamento para com o objeto é o acionamento da efetividade

humana (por isso ela é precisamente tão multíplice (vielfach) quanto

multíplices são as determinações essenciais e atividades humanas),

eficiência humana e sofrimento humano, pois o sofrimento,

humanamente apreendido, é uma autofruição do ser humano.

(Manuscrito econômico-filosóficos, de Karl Marx)

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A simples tentativa de abordar a alma cientificamente, o esforço de

livre pensamento para compreender a mente, por mais que isso tenha

sido obscurecido e paralisado pela mitologia… é onde reside todo

futuro caminho da psicologia, visto que a ciência é o caminho da

verdade, embora avance por erros. E esse é o caminho de nossa ciência

também, lutando, superando os erros, as dificuldades improváveis e

uma luta desumana contra preconceitos milenares. Não queremos ser

Ivans que não se lembram de suas origens; não sofremos de mania de

grandeza, achando que a história começou conosco; não queremos que

a história nos dê um nome limpo e sem brilho: queremos um nome

sobre o qual a poeira dos séculos tenha se assentado. Aí vemos nosso

direito histórico, uma indicação de nosso papel histórico […].

Precisamos nos ver no contexto e em relação àquilo que nos precedeu;

baseamo-nos nisso até mesmo quando o negamos.

(Collected works (vol. 02), de Lev S. Vygotsky)

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Que outra forma poderíamos encontrar de “produzir, em cada

indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e

coletivamente pelo conjunto dos homens” senão fazendo-os mergulhar

na própria história e, aplicando o critério do “clássico”, permitir-lhes

vivenciar os momentos mais significativos dessa verdadeira aventura

temporal humana?

(A pedagogia no Brasil: história e teoria, de Dermeval Saviani)

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RESUMO

Está instaurada, no cenário nacional, a discussão da Educação Física escolar e o seu objeto de

conhecimento. No bojo dessa discussão há uma tendência teórico-metodológica intitulada

crítico-superadora que surgiu no início da década de 1990 no Brasil. Essa tendência baseia-se

no materialismo histórico-dialético e propõe como objeto de conhecimento a categoria cultura

corporal. Contudo, compreendemos que a crítico-superadora necessita de uma reafirmação

enquanto tendência teórico-metodológica para a Educação Física escolar, capaz de, no âmbito

dessa área do conhecimento, contribuir para a apresentação de subsídios para a análise e para

o entendimento da totalidade concreta do mundo real. Atuando, assim, para a luta em proveito

de um projeto histórico superador, perspectivando a formação omnilateral do indivíduo. Daí

deriva o problema do presente estudo: (a) Qual é o objeto próprio da Educação Física no

contexto da sociedade capitalista, quer do ponto vista subordinado quer do ponto de vista

crítico? (b) Quais são os fundamentos explicitados na proposição pedagógica da tendência

crítico-superadora para a Educação Física escolar? (c) Como podem ser aprofundadas as

categorias fundamentais desta tendência pedagógica, como é a cultura corporal, a partir da

mediação da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica? Nesse contexto,

formulamos a seguinte hipótese: a ênfase na categoria cultura corporal como objeto de

conhecimento da Educação Física escolar pela tendência crítico-superadora trouxe um novo

patamar de análise para essa área do conhecimento, que se encontra, porém, ainda factível de

avanço por meio de uma maior precisão de sua categoria fundante. Tivemos como objetivo

analisar a categoria cultura corporal, nas suas determinações e contradições do modo de

produção capitalista e, com isso, intentar contribuir para o debate sobre o objeto da Educação

Física escolar a partir dos fundamentos da psicologia histórico-cultural e da pedagogia

histórico-crítica. Tomamos como principal embasamento para essa pesquisa, de cunho

teórico, o materialismo histórico-dialético como estofo metodológico. Portanto, o presente

estudo foi elaborado por meio de três capítulos, a citar: 1) a discussão sobre a Educação Física

escolar e seu objeto de conhecimento no bojo do modo de produção capitalista, dando ênfase

ao atual estágio desse modo de produção, isto é, a acumulação flexível do capital; 2) a

reflexão sobre a relação das categorias cultura e cultura corporal com a Educação Física

escolar, tomando como aporte teórico de análise o materialismo histórico-dialético; 3) por

fim, explicitamos fundamentos e pressupostos da psicologia histórico-cultural e da pedagogia

histórico-crítica para a análise da categoria cultura corporal. Enfatizando, desse modo,

principalmente, o desenvolvimento do psiquismo humano, a relação entre aprendizagem,

ensino e desenvolvimento e a explicitação de elementos teórico-metodológico para a prática

pedagógica. Concluímos esse estudo confirmando a nossa hipótese, ou seja, na necessidade de

reafirmar a cultura corporal como objeto de conhecimento da Educação Física escolar.

Todavia, a mesma necessita de um maior aprofundamento que se dá, a nosso juízo, por meio

da mediação da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica, tendo como

estofo metodológico o materialismo histórico-dialético.

Palavras-chave: Materialismo Histórico-Dialético; Psicologia Histórico-Cultural; Pedagogia

Histórico-Crítica; Educação Física Escolar; Metodologia do Ensino Crítico-Superadora;

Cultura Corporal.

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ABSTRACT

Is established in the national scene, the discussion of school Physical Education and their

subject knowledge. At the core of this discussion there is a theoretical-methodological

critical-surpassing entitled surpassing that emerged in the early 1990s in Brazil. This trend is

based on the historical and dialectical materialism and proposes as an object of knowledge

category body culture. However, we understand that critical-surpassing requires a

reaffirmation trended theoretical and methodological for Physical Education classes, able to,

within this area of knowledge, contribute to the presentation of information for analysis and to

understand the concrete totality of the real world. Acting thus for the fight in favor of a

historical project superseder, viewing omnilateral the formation of the individual. Hence the

problem derives from the present study: (a) What is the proper object of Physical Education

in the context of capitalist society, from the point view of both the subordinate critical point

of view? (b) What are the reasons explained in the critical-pedagogical proposition

overmastering tendency for Physical Education? (c) As can be deepened the fundamental

categories of this pedagogical trend, as is the body culture, from the mediation of cultural-

historical psychology and historical-critical pedagogy? In this context, we formulate the

following hypothesis: the emphasis in the category body culture as an object of knowledge of

Physical Education for critical-surpassing trend has brought a new level of analysis for this

area of knowledge, which is, however, still doable feed per through greater accuracy from its

founding category. We had to analyze the category body culture in its determinations and

contradictions of the capitalist mode of production and, thus, contribute to bring the debate on

the subject of Physical Education from the foundations of cultural-historical psychology and

historical-critical pedagogy. We take as the main basis for this research, a theoretical nature,

the historical-dialectical materialism as a methodological padding. Therefore, the present

study was prepared by three chapters, quote: 1) a discussion of the Physical Education and its

object of knowledge in the core of the capitalist mode of production, emphasizing the current

stage of this mode of production, is the flexible accumulation of capital; 2) reflection on the

relationship of culture and physical culture classes with the Physical Education classes, taking

as the theoretical analysis of the historical-dialectical materialism; 3) Finally, we underline

foundations and assumptions of cultural-historical psychology and the historical-critical

pedagogy for the analysis of body culture category. Emphasizing thereby mainly the

development of the human psyche, the relationship between learning, teaching and

development and explanation of theoretical and methodological elements for pedagogical

practice. We conclude this study confirm our hypothesis, is, the need to reaffirm body culture

as an object of knowledge of Physical Education. However, it requires a greater depth to give,

in our opinion, through the mediation of cultural-historical psychology and historical-critical

pedagogy, and the methodological padding historical-dialectical materialism.

Key-Words: Historical-Dialectical Materialism; Cultural-Historical Psychology; Historical-

Critical Pedagogy; School Physical Education; Methodology of Teaching Critical-Surpassing;

Body Culture.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 17

CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SEU OBJETO DE

CONHECIMENTO: TEORIZAÇÕES SOBRE A CULTURA CORPORAL E SUA

RELAÇÃO COM O ATUAL MODO DE PRODUÇÃO.................................................. 37

1.1 A categoria modo de produção capitalista e a cultura da acumulação flexível do

capital: o posicionamento da educação escolar e da Educação Física escolar ................. 40

1.1.1 A categoria modo de produção capitalista e seu atual estágio de desenvolvimento ....... 41

1.1.2 A educação escolar e a Educação Física escolar no interior da acumulação flexível do

capital .................................................................................................................................. 55

1.2 A Educação Física no âmbito da educação escolar no modo de produção capitalista:

primeiras aproximações com a tendência teórico-metodológica crítico-superadora ...... 73

CAPÍTULO II – A RELAÇÃO DAS CATEGORIAS CULTURA E CULTURA

CORPORAL COM A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR................................................ 88

2.1 Apontamentos sobre a categoria cultura na contemporaneidade .............................. 89

2.1.1 Contribuição dos fundamentos do materialismo histórico-dialético para uma

compreensão da categoria cultura ......................................................................................... 91

2.1.2 Relação da categoria cultura com a educação escolar: em busca da superação do

relativismo cultural das teorizações pós-modernas ............................................................. 110

2.2 A tendência teórico-metodológica crítico-superadora e a categoria cultura corporal

.......................................................................................................................................... 117

CAPÍTULO III – PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E PEDAGOGIA

HISTÓRICO-CRÍTICA: PRESSUPOSTOS E FUNDAMENTOS NA ANÁLISE DA

CATEGORIA CULTURA CORPORAL ........................................................................ 147

3.1 Concepção de desenvolvimento humano para a psicologia histórico-cultural: o ser

humano em atividade ....................................................................................................... 154

3.2 Fundamentos da pedagogia histórico-crítica: pressupostos para a prática pedagógica

.......................................................................................................................................... 171

3.3 A psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica como fundamentação

para a compreensão e a prática pedagógica da categoria cultura corporal na Educação

Física escolar: uma contribuição para a formação omnilateral do ser social ................ 181

3.3.1 A Educação Física e a relação entre aprendizagem, ensino e desenvolvimento: por uma

prática pedagógica histórico-cultural .................................................................................. 188

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16

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 201

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 210

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INTRODUÇÃO

Não há entrada já aberta para a ciência e só aqueles que não

temem a fadiga de galgar suas escarpas abruptas é que têm a

chance de chegar a seus cimos luminosos.

(Karl Marx)

Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a

miséria da existência humana.

(Bertolt Brecht)

No atual cenário da Educação Física escolar encontra-se em voga o debate sobre a

especificidade pedagógica dessa área do conhecimento, ou seja, está instaurado, ainda, na

discussão acadêmica, o objeto de conhecimento da Educação Física escolar. Com isso, no

Brasil existem distintas teorizações que propõem e justificam a singularidade pedagógica da

Educação Física. Tais teorizações vão desde proposições alavancadas em elementos

positivistas até as mais recentes propostas ligadas implícita ou explicitamente às teorizações

pós-modernas.

Dentre as vozes em debate uma há que desenvolve sua teorização em confronto com

os pressupostos conservadores existentes na área pedagógica da Educação Física.

Coadunamos, então, com essa proposta pedagógica que tem como base teórica os

fundamentos mais gerais do materialismo histórico-dialético. Essa tendência de cunho

teórico-metodológico denomina-se “crítico-superadora” e apresenta como um dos seus

objetivos defender que o objeto de conhecimento da Educação Física escolar é a categoria1

“cultura corporal”.

Nas especificidades da tendência crítico-superadora, daremos enfoque no

aprofundamento e na investigação da sua categoria central: a cultura corporal. Deste modo,

mencionamos que o objeto de estudo da presente pesquisa situa-se a fim de contribuir para o

debate em torno do objeto de conhecimento da Educação Física escolar de acordo com a

tendência crítico-superadora.

1 Compreendemos como categoria a expressão da máxima adestração de dado objeto, de dado movimento do

real, justamente, por conter maior concreticidade (o concreto, nesse caso, é o mais abstrato na perspectiva da

totalidade). Categoria, desse modo, é uma unidade de análise, ou seja, é síntese de múltiplas determinações (por

isso, que ela é mais abrangente) que se desencadeia em uma produção abstrata do trabalho intelectual da

capacidade humana de decodificar a realidade, o mundo real. De acordo com Cheptulin (1982, p. 05) “A

definição da natureza das categorias, de seu lugar e de seu papel, no desenvolvimento do conhecimento está

diretamente ligada à resolução do problema da correlação entre o particular e o geral na realidade objetiva e na

consciência, assim como à colocação em evidência da origem das essências ideais e da relação destas últimas

com as formações materiais, como os fenômenos da realidade objetiva”.

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18

Para efetivarmos este estudo nos apoiamos em um tripé teórico: o materialismo

histórico-dialético, a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica.

Encontramos elementos e determinações nessas teorizações para não só para reafirmarmos

essa tendência pedagógica (oriunda da Educação Física), mas para aprofundarmos algumas

categorias existentes na discussão da tendência crítico-superadora e, também, para

colocarmos em pauta outras categorias que compreendemos ser pertinentes para este estudo.

Destacamos, portanto, que a proposta dessa tendência encontra-se, atualmente, no

cenário nacional, em relação à Educação Física escolar, como a mais avançada2, detentora de

um posicionamento crítico e que, ao mesmo tempo, não poupa esforços para apresentar

elementos para a área da Educação Física escolar no sentido de perspectivar uma

transformação social e de ter como proposta educacional a formação omnilateral3 do ser

social4.

Para nos reportarmos a uma condição de análise de tal tendência levamos em conta –

segundo a perspectiva do materialismo histórico-dialético – que a Educação Física escolar

encontra-se inserida na educação escolar, isto é, faz parte do currículo escolar, que, por sua

vez, integra o sistema social vigente. Aqui já firmamos posição de que a reflexão no bojo da

Educação Física escolar deve levar em conta, indiscutivelmente, o movimento social oriundo

do atual sistema societário capitalista.

Para isso, abordamos no decorrer do nosso estudo categorias que nos permitiram

compreender como se dá o processo social e a formação humana preconizada pelo

capitalismo, bem como no avesso, indagar sobre as possibilidades de resistência desses

processos oriundos da ordem do capital. Partimos de uma crítica dos fundamentos precários

proporcionados pela ideologia que sustenta o atual modo de produção e que impossibilita uma

formação na máxima possibilidade do ser social.

2 Concordamos com Taffarel e Escobar (2009b, s/p.) sobre o conceito dado a “avançado”: “Entende-se por

avançada uma teoria que defenda a historicidade da cultura e a necessidade da sua preservação através da

participação coletiva do povo na sua produção e evolução, no marco de um projeto histórico anticapitalista no qual ‘cultura’ recupere o seu significado real de resultado da vida e da atividade do homem em busca da sua

superação”.

3 Na dicção de Manacorda (2010b, p. 96) omnilateralidade é “[…] a chegada histórica do homem a uma

totalidade de capacidades de produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e

prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais

o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho”.

4 De acordo com Lukács (2012; 2013), o ser social tem como capacidade e especificidade a produção do novo,

por meio da transformação da natureza que o cerca. Essa transformação e, por sua vez, essa produção se dá de

maneira consciente (orientada) e teleologicamente posta.

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19

Procuramos, ainda, averiguar e propor as contribuições possíveis da Educação Física

escolar para que ela integre, de forma arrojada, um grande projeto histórico orientado para

uma transformação social.

Destarte, afirmamos que efetivar uma reflexão no campo da formação omnilateral5

em consonância com a educação escolar e mais precisamente no nosso recorte de estudo, com

a Educação Física escolar, nos conduz necessariamente a iniciarmos a nossa problemática por

apontamentos sobre a atividade humana, pois a mesma é um conjunto de atividades

inaugurado pela necessidade humana.

Partimos do pressuposto de que o primeiro elemento da história humana é a

existência de seres humanos. O ser humano possui a capacidade de produzir intencionalmente

os seus meios de produção. Ao realizar essa ação ocorre indiretamente – seguindo Marx e

Engels (2007) – a produção da vida material do ser humano. Tomamos como base, então, uma

tese central para Marx (2011a): as relações entre os homens estão condicionadas aos aspectos

da produção da vida material, ou seja, a vida material é que condiciona todas as ações

humanas.

De acordo com Sánchez Vázquez (2011, p. 411), o ser humano produz sua essência

como ser social e como ser que produz. “O homem é um ser que produz socialmente, e que

nesse processo se produz a si mesmo.” O autor ainda menciona que “[…] a essência do

homem se realiza na história, nos homens reais, mas concebidos não como indivíduos

isolados, e sim como seres sociais” (idem, p. 413).

O ser humano, portanto, torna-se humano (ser social) na sua atividade. A atividade

humana é, por conseguinte, uma atividade objetivadora. Nesse sentido, Lukács (2012, p. 287)

esclarece:

As formas de objetividade do ser social se desenvolvem à medida que a práxis social

surge e se explicita a partir do ser natural, tornando-se cada vez mais claramente

sociais. Esse desenvolvimento, todavia, é um processo dialético, que começa com

um salto, com o pôr teleológico no trabalho, para o qual não pode haver nenhuma

analogia na natureza.

A consistência da objetivação se dá na relação dialética da transformação da

atividade do sujeito sobre o objeto6. O ser social age interagindo e transformando os objetos a

sua volta para poder atender as suas necessidades. Resulta daí que, para as sucessivas

5 Doravante, ao longo do texto, utilizaremos a nomenclatura “omnilateralidade”, exceto quando se tratar de

citações, as quais, obviamente, seguirão fielmente o termo empregado na obra citada.

6 Aqui, tomamos o termo “objeto” no sentido de algo da realidade sobre o qual o homem (sujeito) atua para

transformá-lo em um produto que satisfaz alguma necessidade humana.

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gerações, é primordial fazer com que os indivíduos se apropriem dos bens culturais – dos

produtos culturais – resultantes das atividades humanas, no seu ponto de acúmulo histórico e

social. A cultura “sintetiza” a atividade humana por meio do processo de objetivação

(DUARTE, 2012; 2013a).

Uma locução mais detalhada encontra-se em Leontiev (2007, p. 92), para quem:

A atividade humana (tanto mental como material), tal como se manifesta no

processo de produção, está cristalizada no produto; o que num extremo se manifesta como ação, movimento, no outro extremo, o do produto, transforma-se numa

propriedade estavelmente definida. A mesma transformação é um processo no qual

se produz uma objetivação das capacidades humanas: as conquistas histórico-sociais

da espécie. Qualquer objeto criado pelo homem […] realiza tanto a experiência

histórica do gênero humano como as capacidades intelectuais formadas nesta

experiência.

Referimo-nos à produção dos meios necessários à satisfação das necessidades

humanas. Esse trabalho que ocorre primeiramente na transformação da natureza – trabalho

material – aos poucos irá produzir outras formas de trabalhos que podemos denominar de

trabalho não material (NETTO; BRAZ, 2011). Esta última forma é um trabalho que atua de

maneira indireta na transformação, na modificação da natureza.

O trabalho, no sentido que aqui estamos tomando, reveste-se de uma natureza

histórica a qual explica, a partir de cada modo social específico de sua organização e

realização, a “essência” histórica do homem. Pensamos aqui no homem como um ser em

permanente transformação, a qual é determinada pelo modo de produção de sua existência.

Essa determinação histórica, bem como a perspectiva teórico-metodológica em que

nos fundamentamos, nos impõe refletir de maneira crítica sobre o trabalho no bojo do modo

de produção contemporâneo ao nosso objeto de estudo.

Nosso objeto – a Educação Física escolar no Brasil contemporâneo e a cultura

corporal – insere-se no modo de produção capitalista e a compreensão de qualquer objeto

inserido nesse modo de produção exige levar em conta a sociedade fragmentada pelas classes

do capital e do trabalho, bem como o modelo de propriedade, de desenvolvimento tecnológico

e da divisão técnica do trabalho. Esses são elementos minimamente necessários para a

compreensão da totalidade social e, nas suas contradições, buscarmos elementos para

perspectivar uma superação dessa atual sociedade.

No que tange às classes sociais, evidencia-se que duas classes são fundamentais à

existência do capitalismo e essa divisão da sociedade se deve às condições de proprietário dos

objetos e meios do trabalho, pelo capitalista ou classe dominante, e de expropriado dos meios

de produção, exceto sua própria força de trabalho, no que se refere à classe trabalhadora.

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Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico do trabalho, já assentado no

desenvolvimento das relações capitalistas de produção, permite a chamada divisão técnica do

trabalho, separando planejamento e execução. Assim, a sociedade capitalista atua em um

âmbito específico da produção da alienação, cadenciando o ser social para uma formação

unilateral. Manacorda (2010b, p. 83) explicita que

A divisão do trabalho condiciona a divisão da sociedade em classes e, com ela, a

divisão do homem [unilateralidade]; e como esta se torna verdadeiramente tal apenas quando se apresenta como divisão entre trabalho manual e trabalho mental, assim as

duas dimensões do homem dividido, cada uma das quais unilateral, são

essencialmente as do trabalhador manual e operário, e as do intelectual.

A unilateralidade é manifestada até mesmo na própria classe dirigente da sociedade,

como nos mostra Manacorda, apoiando-se em Marx:

Em primeiro lugar, deve-se observar que tudo o que se manifesta no operário como

atividade de expropriação, de alienação, se manifesta no não-trabalhador como estado de apropriação, de alienação, e a imoralidade, a monstruosidade, o hilotismo,

são, conjuntamente, dos operários e dos capitalistas, e se um poder desumano

domina o operário, isso também vale para o capitalista (idem, p. 86).

Vive-se um momento no qual a tendência hegemônica, tanto no âmbito geral da

sociedade capitalista como na especificidade da educação escolar – e, portanto, também na

Educação Física escolar –, conduz as ações humanas para uma naturalização do processo

inerente ao modo de produção capitalista, ou seja, a naturalização da divisão do trabalho, da

propriedade privada, em suma, da sociedade dividida em classes. A unilateralidade, nesse

contexto histórico, torna-se a (de)formação predominante do ser social.

Todavia, Manacorda (2010b, p. 90, itálicos nosso), ao discutir as contradições desse

modo de produção, aponta as brechas positivas do ser social unilateral e esboça uma possível

perspectiva de avanço para uma formação omnilateral: “Talvez se possa dizer, parafraseando

o discurso de Marx sobre o que é trabalho segundo a realidade e segundo a possibilidade, que

o trabalhador é, segundo a realidade, unilateral, e, segundo a possibilidade, onilateral”.

Buscamos fundamentos nessa concepção do desenvolvimento do ser social e tendo a

educação escolar como um importante elemento para tencionar a contradição entre uma

formação unilateral e uma formação omnilateral. Em termos práticos, bem fundamentado no

materialismo histórico-dialético, Saviani (2010, p. vii) adverte que cabe à educação escolar

“[…] a tarefa de possibilitar aos educandos o acesso ao conhecimento científico como

elemento produzido pela humanidade e que ocupa lugar central na vida do homem moderno”.

Compreendemos, então, que a educação escolar, e nela a Educação Física, é um

campo de disputa de classes que está inserido no processo de luta coletiva para a superação da

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sociedade capitalista em prol de uma sociedade socialista. Para isso, a Educação Física escolar

deve ter em seu horizonte uma prática pedagógica que objetive a formação omnilateral do ser

social, enfatizando no cerne do processo de ensino e aprendizagem o conhecimento na sua

forma mais desenvolvida, mais elaborada – o conhecimento científico, filosófico e artístico.

Afirmamos “[…] a educação escolar como processo privilegiado para, no âmbito da

transmissão dos conhecimentos, opor-se às […] desigualdades [sociais]”. (MARTINS, 2013b,

p. 272). Torna-se fundamental, portanto, que a Educação Física escolar participe da

oportunização ao ser humano da “[…] apropriação do conhecimento historicamente

sistematizado […] tendo em vista a elevação para além das significações mais imediatas e

aparentes disponibilizadas pelas dimensões meramente empíricas dos fenômenos” (idem,

ibidem). A escola, em síntese, deve socializar esse conhecimento no sentido de se articular em

um processo mais amplo de luta para a superação do status quo.

Obviamente não estamos defendendo que a escola, ou melhor, a educação escolar é

a única detentora do “suposto poder” de mudar a sociedade por um todo, entretanto, essa

transformação social não ocorrerá se o ser social não se apropriar do conhecimento que

explica a realidade concreta. E cabe à educação escolar assumir essa função de transmissão do

conhecimento na sua forma mais elaborada para haver uma vigilância e uma intervenção

crítica no atual modo de produção capitalista.

Partindo desse pressuposto é que pretendemos situar e fundamentar a nossa pesquisa,

apoiando-nos no aporte teórico-metodológico do materialismo histórico-dialético. Dessa

forma, teremos em nosso horizonte a psicologia histórico-cultural7 e a pedagogia histórico-

crítica8, uma vez compreendido que esses dois aportes, em uma unidade filosófica, assentam-

se nos preceitos do materialismo histórico-dialético. (DUARTE, 2012; 2013a; MARTINS,

2011b, 2013b; SAVIANI, 2011b; SCALCON, 2002). É por essa referência que pretendemos

desenvolver a nossa pesquisa sobre a Educação Física escolar. Buscando, assim, princípios

para refletir e propor uma intervenção no âmbito da prática pedagógica.

Metodologicamente consideramos

7 Segundo Scalcon (2002, p. 51), a psicologia “[…] histórico-cultural entende que o homem é um ser histórico

que se constrói através de suas relações com o mundo natural e social. Mais do que isso, é um homem que se

diferencia como espécie pela capacidade de transformar a natureza através do seu trabalho, por meio de

instrumentos por ele mesmo criados e aperfeiçoados ao longo do desenvolvimento histórico humano”.

8 Nas palavras do formulador da pedagogia histórico-crítica: “Numa síntese bastante apertada, pode-se

considerar que a pedagogia histórico-crítica é tributária da concepção dialética, especificadamente na versão do

materialismo histórico, tendo fortes afinidades, no que se refere às suas bases psicológicas, com a psicologia

histórico-cultural desenvolvida pela ‘Escola de Vigotski” (SAVIANI, 2011, p. 421).

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o movimento que vai das observações empíricas (“o todo figurado na intuição”) ao

concreto (“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela

mediação do abstrato (“a análise, os conceitos e as determinações mais simples”)

constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos

conhecimentos (o método científico) como para o processo de ensino (o método

pedagógico) (SAVIANI, 2012c, p. 78-79).

Sendo assim, vale-nos lembrar que a metodologia utilizada em nosso estudo está

assentada no materialismo histórico-dialético e, dada a especificidade desse estudo, nas

formulações da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Com essa base

teórica podemos propor contribuições para a Educação Física escolar sob a égide de uma

formação omnilateral do ser social. Conforme Frigotto (1991, p. 77):

Na perspectiva materialista histórica, o método está vinculado a uma concepção de

realidade, de mundo e de vida no seu conjunto. A questão da postura, neste sentido,

antecede o método. Este constitui-se numa espécie de mediação no processo de

apreender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e transformação dos

fenômenos sociais.

Nessa perspectiva, é necessário apreender de forma clara e suficiente as

determinações da atual realidade social, ou seja, como ocorre a produção da realidade social,

ou melhor, analisar a gênese do processo histórico e dialético dos fatos reais. 9

A adoção dessa

perspectiva aponta um interesse de classe, vale dizer, a busca de elementos para a ruptura do

movimento social do atual modo de produção. Essa é a forma de instaurar o método baseado

na perspectiva do materialismo histórico-dialético para a investigação e análise do objeto do

presente estudo, qual seja a “cultura corporal” enquanto fundamento para a prática pedagógica

da Educação Física.

Marx (2011d, p. 26-27), no posfácio à segunda edição de O Capital, expõe o seu

método por meio de um dos seus críticos:

Para Marx só uma coisa importa: descobrir a lei dos fenômenos que ele pesquisa.

Importa-lhe não apenas a lei que os rege, enquanto têm forma definida e os liga

relação observada em dado período histórico. O mais importante de tudo, para ele, é

a lei de sua transformação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma

para outra, de uma ordem de relações para outra. Descoberta esta lei, investiga ele,

em pormenor, os efeitos pelos quais ela se manifesta na vida social. […] Em

consequência, todo o esforço de Marx visa demonstrar, através de escrupulosa investigação científica, a necessidade de determinadas ordens de relações sociais e,

tanto quanto possível, verificar, de maneira irrepreensível, os fatos que lhes servem

de base e de ponto de partida.

9 “O não-entendimento do método ligado à concepção da realidade e o não-inventário rigoroso desta concepção

não só definem claramente o horizonte positivista que separa o sujeito do objeto, a consciência da realidade,

como nos indicam que muitos trabalhos de investigação que se definem como críticos e dialéticos seguem, na

prática, os parâmetros positivistas” (FRIGOTTO, 1991, p. 78).

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Na sequência dessa citação, Marx (idem, p. 28) adverte: “Ao retratar, fielmente, o

que chama de meu verdadeiro método, pintando o emprego que a ele dei com cores

benévolas, que faz o autor senão caracterizar o método dialético?”

Na interpretação de Frigotto (1991), podemos encontrar a dialética materialista na

especificidade de uma concepção, de uma metodologia de investigação e principalmente de

uma práxis no sentido de perspectivar a superação e transformação do status quo.

Ao voltarmos o nosso olhar para a sociedade hodierna, compreendemos que é uma

totalidade concreta composta por inúmeras outras totalidades de menor complexidade. Essa

sociedade se movimenta baseando-se em uma totalidade dinâmica e esse movimento resulta

em um caráter contraditório entre todas as totalidades que compõem a totalidade

macroscópica. Entretanto, essas relações não são diretas, atuam de maneira mediada de

acordo com a especificidade da estrutura de cada totalidade (NETTO, 2011).

Kosik (2010, p. 41), coadunando com os posicionamentos marxianos, explicita que

“Do ponto de vista da totalidade, compreende-se a dialética da lei e da causalidade dos

fenômenos, da essência interna e dos aspectos fenomênicos da realidade, das partes e do todo,

do produto e da produção e assim por diante”.

Na busca de ser fidedigno à ontologia marxista – com o materialismo histórico-

dialético –, desenvolvemos a nossa pesquisa observando

a prioridade do elemento material na essência, na constituição do ser social, por um

lado, mas, por outro e ao mesmo tempo, a necessidade de compreender que uma

concepção materialista da realidade nada tem em comum com a capitulação, habitual em nossos dias, diante dos particularismos objetivos ou subjetivos

(LUKÁCS, 2009, p. 244).

Partimos, então, de categorias que permitem esclarecer e caracterizar o objeto e seu

movimento na totalidade concreta. Compreendemos – segundo Marx (2011a) – o concreto

como síntese de múltiplas determinações e o objeto do real inserido primeiramente no

concreto e posteriormente no pensamento que captura – ou melhor, que reflete – a imagem do

real, a fim de estabelecer determinações abstratas à luz do concreto. Nesse caso, “O desafio

do pensamento – cujo campo próprio de mover-se é o plano abstrato, teórico – é trazer para o

plano do conhecimento essa dialética10

do real” (FRIGOTTO, 1991, p. 75).

10 Frigotto (1991, p. 75), afirma que “A dialética situa-se, então, no plano da realidade, no plano histórico, sob a

forma de trama de relações contraditórias, conflitantes, de leis de construção, desenvolvimento e transformação

de fatos”.

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Bem como afirma Marx (2011d, p. 28), contrapondo-se ao método hegeliano: “Para

mim, […], o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por

ela interpretado”.

Por sua vez, Lukács (2009, p. 226, itálicos nosso), ao explicitar elementos de Marx,

no que se refere a diagnosticar uma ontologia histórico-materialista em sua obra, elucida

alguns posicionamentos do método marxiano:

o que […] nos propomos é mostrar como o elemento filosoficamente decisivo na

ação de Marx consistiu em ter esboçado os lineamentos de uma ontologia histórico-

materialista, superando teórica e praticamente o idealismo lógico-ontológico de

Hegel. […] A ontologia marxiana se diferencia da de Hegel por afastar todo elemento lógico-

dedutivo e, no plano da evolução histórica, todo elemento teleológico. Com esse ato

materialista de “colocar sobre os próprios pés”, não podia deixar de desaparecer da

série dos momentos motores do processo também a síntese do elemento simples. Em

Marx, o ponto de partida não é dado nem pelo átomo (como nos velhos

materialistas), nem pelo simples ser abstrato (como em Hegel). Aqui, no plano

ontológico, não existe nada análogo. Todo existente deve ser sempre objetivo, ou

seja, deve ser sempre parte (movente e movida) de um complexo concreto. Isso

conduz, portanto, a duas consequências fundamentais. Em primeiro lugar, o ser em

seu conjunto é visto como um processo histórico; em segundo, as categorias não são

tidas como enunciados sobre algo que é ou que se torna, mas sim como formas

moventes e movidas da própria matéria: “formas do ser, determinações da existência”.

No âmbito da educação escolar, concordamos com Cavazotti (2010, p. 02, itálicos

nossos), que na “[…] perspectiva [do materialismo histórico-dialético], a escola é analisada na

sua emergência e no seu desenvolvimento no interior da totalidade mais ampla que a institui:

a sociedade capitalista”.

Tomamos como base, no âmbito da escola, a sua categoria mais geral: a organização

pedagógica11

. Com base na organização pedagógica é que podemos refletir sobre a

especificidade da Educação Física no âmbito escolar. Sobre essa questão Cavazotti (idem, p.

02) explicita que

Dentre os elementos constitutivos da existência concreta da escola, destaca-se o

conhecimento sistematizado, que ocupa lugar central na sua organização e, ao

mesmo tempo, estabelece íntima relação com os demais elementos. O conteúdo

ministrado articula-se com o processo didático de sua transmissão e apropriação, e

com os recursos tecnológicos de ensino disponíveis. O ensino-aprendizagem realiza-

se na relação entre trabalho docente e discente, nas condições socialmente

oferecidas.

11 De acordo com Cavazotti (2010, p. 02), é “[…] no movimento de mudanças que realiza como manifestações

das diferentes determinações do processo produtivo do capital e, como decorrência, sua própria organização

pedagógica”. Devemos, portanto, apreender a especificidade da Educação Física escolar no movimento das

mudanças que ocorrem no seio do atual modo de produção.

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Sustentando-nos nessa categoria, no seio da educação escolar, buscamos apreender o

objeto de estudo da Educação Física escolar e, neste estudo, tomamos a cultura corporal, tal

como formulada pelo “Coletivo de Autores” (1992), pela sua perspectiva crítica e pela sua

atualidade.

Como categorias de análise do objeto proposto, recorremos, fundamentalmente, às

seguintes: a totalidade, a historicidade e a dialética. Alves (2006, p. 10) esclarece que a

totalidade e a historicidade

não são exclusivas, porém, ao serem enfatizadas, permitem a explicitação de

aspectos importantes do tratamento teórico-metodológico dado ao objeto. A

totalidade, para efeito de ilustração, por se identificar com a própria sociedade

capitalista, impõe, previamente ao esforço de análise da educação e da escola, o

entendimento das leis que regem o funcionamento dessa forma histórica de

organização social dos homens.

A dialética, por sua vez, está presente, também, como balizadora em nossas análises.

Cavazotti (2010, p. 02) afirma que essa categoria metodológica “[…] possibilita apreender as

contradições que se operam no processo de desenvolvimento do capital, cujo movimento de

produção é, ao mesmo tempo, atingido pelas crises de sua reprodução” 12

.

Em síntese, o método dialético materialista, conforme Sánchez Gamboa (2012, p.

127-128, itálicos nosso), “[…] considera os fenômenos em permanente transformação, sendo

determinados pela sua ‘historicidade’. Para serem compreendidos, é necessário revelar sua

dinâmica e suas fases de transformação”. Sendo assim, “[…] todo fenômeno deve ser

entendido como parte de um processo histórico maior. No caso da educação, suas

transformações estão relacionadas com as transformações culturais e sociais”.

Perante esse método, este estudo tem como preocupação ir para além da

pseudoconcreticidade13

muito presente no âmbito da educação escolar e, no nosso caso, no

cerne do objeto de estudo da Educação Física escolar. Para isso, acreditamos ser fundamental

levarmos em consideração os seguintes elementos:

12 Tsé-tung (1999, p. 43), explicita a importância da dialética para a compreensão dos fenômenos histórico-

sociais: “Na sociedade, as mudanças devem-se principalmente ao desenvolvimento das contradições que existem

no seu seio, isto é, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, a contradição entre as

classes e a contradição entre o novo e o velho; é o desenvolvimento dessas contradições que faz avançar a

sociedade e determina a substituição da velha sociedade por uma nova”.

13 Sobre a pseudoconcreticidade, Kosik (2010, p. 15) expõe a seguinte questão: “O mundo da

pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O

fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de

modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele

mesmo e vive apenas graças ao seu contrário. A essência não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno e,

portanto, se manifesta em algo diferente daquilo que é. A essência se manifesta no fenômeno. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento e demonstra que a essência não é inerte nem passiva. Justamente

por isso o fenômeno revela a essência. A manifestação da essência é precisamente a atividade do fenômeno”.

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1) crítica revolucionária da praxis (sic.) da humanidade, que coincide com o devenir

humano do homem, com o processo de “humanização do homem” (A. Kolman), do

qual as revoluções sociais constituem as etapas-chaves; 2) pensamento dialético, que

dissolve o mundo fetichizado da aparência para atingir a realidade e a “coisa em si”;

3) realizações da verdade e criação da realidade humana em um proceso (sic.)

ontogenético, visto que para cada indivíduo humano o mundo da verdade é, ao

mesmo tempo, uma sua criação própria, espiritual como indivíduo social-histórico.

Cada indivíduo – pessoalmente e sem que ninguém possa substituí-lo – tem de se

formar uma cultura e viver a sua vida (KOSIK, 2010, p. 23-24, itálicos no original).

No seio dessas contribuições, baseadas em um “tríplice” aporte teórico marxista – na

filosofia/ontologia, na psicologia e na pedagogia –, postulamos que a Educação Física escolar

encontra-se ainda aberta ao desenvolvimento crítico e pode receber elementos pertinentes para

o desenvolvimento dessa prática pedagógica. Pontuamos essa questão, pois consideramos que

há uma carência no sentido de produções científicas que contribuam com o aclaramento do

objeto de conhecimento da Educação Física e que o situe com possibilidades concretas de

contribuir para uma educação de qualidade, universal e para todos.

À vista disso, ao nos depararmos com a atual condição da Educação Física escolar,

em âmbito nacional, observamos diversas tendências que, subordinadas à lógica do capital,

desenvolvem ainda uma pedagogia explícita ou implicitamente comprometida com a

formação unilateral do ser social, intervindo de maneira acrítica e anistórica no âmbito escolar

e, portanto, na realidade concreta.14

Contudo, as contradições manifestas nessa prática provocaram outras correntes que

buscaram opor-se às primeiras. Assim, entre as décadas de 1980 e 1990, no Brasil, emergiram

tendências pedagógicas que, de certa maneira, avançaram para uma condição de maior

possibilidade coletiva nas intervenções no âmbito da Educação Física escolar. Essas

tendências se situam em um campo mais progressista no bojo da Educação Física escolar.

Taffarel e Escobar (2009a, s/p.), a respeito desse movimento sociometabólico das

teorizações sobre a Educação Física escolar, afirmam que

As décadas de 80 e 90 foram profícuas em produções teóricas também de caráter

interpretativo fenomenológico. Muito se produziu sobre o “corpo” dando a este a

conotação de algo abstraído do real, pairando sobre as relações concretas da vida

historicamente situadas, como se o “ser humano” tivesse um corpo. […]

Desenvolveram-se teorias idealistas de corporeidade presentes na escola pública, em

especial, na Educação Física e nos Esportes. O velho dualismo determinado

historicamente, que passou séculos alienando às consciências, mantém-se enraizado

nas bases teóricas dos cursos de Graduação em Educação Física, em forma especial,

14 Em nota de ilustração, ao estudarmos a história recente da Educação Física escolar no Brasil, constatamos a

hegemonia de uma teoria conservadora no momento em que o país passava pela ditadura militar. A Educação

Física escolar nessa época tinha como limite e possibilidade a racionalização da atividade pedagógica,

enaltecendo a eficiência, a produtividade e, principalmente, a neutralidade científica. Esse movimento entrou

numa crise junto com o regime militar – movimento pós-64 (LOUREIRO, 1996).

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e de outras Disciplinas envolvidas com o ensino e a aprendizagem da leitura e da

escrita.

Por sua vez, Kunz (2006b, p. 11) expõe que a Educação Física brasileira, entre as

décadas supracitadas, transitou para um desenvolvimento díspar dos movimentos anteriores,

tradicionais, partindo ainda, entretanto, de uma perspectiva conservadora, uma vez que

apoiado numa suposta neutralidade científica

que pretende preservar os objetivos básicos da disciplina conforme previstos nas

próprias legislações oficiais, os quais se configuram, basicamente, no

desenvolvimento das modalidades esportivas e por intermédio deste a consecução de

metas sócio-educacionais como o fomento à saúde e a formação da personalidade.

Por outro lado, ocorre cada vez mais intensamente o desenvolvimento de projetos

para uma Educação Física Escolar comprometida com finalidades mais amplas; ou

seja, além da sua especificidade, deve ainda se inserir nas propostas político-

educacionais de tendência crítica da educação brasileira.

Mencionamos, a seguir, entre essas tendências pedagógicas que têm como

especificidade cunhar um posicionamento crítico no seio da Educação Física escolar no

Brasil:

1) Concepções abertas no ensino da educação física: que pode ser encontrada na obra de

mesmo título, elaborada por Reiner Hildebrandt e Ralf Laging (1986). Os autores partem do

pressuposto de que o ensino da Educação Física não pode se prender apenas ao âmbito da

“[…] aprendizagem, treinamento e aplicação de conteúdos esportivos, mas é preciso

considerar o plano pedagógico de interação e o plano social de igual importância, isto é, o

ensino deve ser colocado num conjunto de ações sócio-cognitivo-afetivo-educacionais”

(HILDEBRANDT; LAGING, 1986, p. 08-09).

Seguindo as formulações dessa tendência, o aluno encontra-se em lugar central, ou

seja, “[…] o ensino deveria orientar-se para os alunos e não para o conteúdo ou os

professores. […] (Fazendo) do aluno o ponto de partida e, ao mesmo tempo, o ponto central

das reflexões didáticas” (idem, p. 18).

Isso credenciaria a atividade pedagógica como um preparo de “[…] situações de

ensino de tal maneira que estimulem o aluno a agir e que os problemas e questionamentos do

aluno possam ser resolvidos por ele, com base na condição de poder fazer e de suas

experiências” (idem, p. 24). Isto é, tratar-se-ia de tomar o aluno como um “ser ativo” no

processo de ensino e aprendizagem, conduzindo a atividade pedagógica de acordo com o

mundo vivido do aluno e as possíveis necessidades (empíricas) deste.

2) Tendência crítico-emancipatória: formulada por Elenor Kunz (2006a; 2006b) e

precisamente exposta na obra Transformação didático-pedagógica do esporte. Fundamentado

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principalmente na fenomenologia francesa de Merleau-Ponty e nos subsídios da teoria crítica

da Escola de Frankfurt, em especial na dialética do esclarecimento e na teoria comunicativa

de Habermas, Kunz (2006b) preocupa-se em efetivar uma reflexão sobre as possibilidades no

ensino dos esportes, aderindo a uma transformação didático-pedagógica no sentido de

contribuir para uma formação, uma educação crítica e emancipatória do ser social. Nas

palavras do autor:

Uma teoria pedagógica no sentido crítico-emancipatório precisa, na prática, estar

acompanhada de uma didática comunicativa, pois ela deverá fundamentar a função

do esclarecimento e da prevalência racional de todo agir educacional. E uma

racionalidade com o sentido do esclarecimento implica sempre uma racionalidade comunicativa. Devemos pressupor que a educação é sempre um processo onde se

desenvolvem “ações comunicativas”. O aluno enquanto sujeito do processo de

ensino deve ser capacitado para sua participação na vida social, cultural e esportiva,

o que significa não somente a aquisição de uma capacidade de ação funcional, mas a

capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados nesta

vida, através da reflexão crítica (KUNZ, 2006b, p. 31).

Taffarel (2009a, s/p), ao desenvolver uma análise sobre a tendência crítico-

emancipatória sob o conceito de emancipação humana, afirma:

KUNZ defende o ensino crítico, pois é a partir dele que os alunos passam a

compreender a estrutura autoritária dos processos institucionalizados da sociedade e

que formam as falsas convicções, interesses e desejos. Assim, a tarefa da Educação

crítica é promover condições para que estas estruturas autoritárias sejam suspensas e

o ensino encaminha no sentido de uma emancipação, possibilitado pelo uso da

linguagem.

Seguindo, ainda, a análise de Taffarel, para Kunz

A linguagem tem papel importante no agir comunicativo funciona como uma forma

de expressão de entendimentos do mundo social, para que todos possam participar

em todas as instâncias de decisão, na formulação de interesses e preferências e agir

de acordo com as situações e condições do grupo em que está inserido e do trabalho

no esforço de conhecer, desenvolver e apropriar-se de cultura (idem, ibdem).

3) Tendência crítico-superadora: tende a aproximar-se dos pressupostos teóricos do

materialismo histórico-dialético. É a partir das contribuições dessa última tendência e mesmo

no seio dela que procuramos desenvolver uma reflexão sobre a formação omnilateral na

Educação Física escolar. Vale dizer, buscamos reafirmar e ao mesmo tempo desenvolver os

elementos dessa tendência com a contribuição da fundamentação já mencionada.

Nesse sentido, pressupomos

A especificidade da Educação Física como uma disciplina escolar – metodologia –

se reconhece no contexto da visão materialista da Pedagogia como ciência prática

aplicada, “da e para a educação” […] que estuda o processo educacional em sua

totalidade e em sua especificidade qualitativas. Não tendo status epistemológico

próprio, recebe esse suporte de ciências individuais como a Psicologia, Sociologia e

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outras. Mas, o seu território não é o de outras ciências a partir das quais o pedagogo

olha para o fato educacional, é o das problemáticas próprias da educação em relação

com o processo real da vida do homem, suas relações sociais, suas relações de

classe, seu trabalho, seu modo de produção entre outros aspectos (TAFFAREL;

ESCOBAR, 2009b, s/p).

Os pressupostos teórico-metodológicos da tendência crítico-superadora podem ser

encontrados principalmente na obra Metodologia do ensino de educação física15

, formulada

por um Coletivo de Autores16

(1992). Tal tendência tem como objeto de intervenção, no seio

da Educação Física escolar, o conhecimento inerente à cultura corporal. “Esta perspectiva

[tendência] tem seu principal fundamento no conteúdo e experimentação daquele

conhecimento produzido e sistematizado socialmente, constituindo-se a chamada Cultura

Corporal” (SILVA, 2011, p. 94).

Seguindo as orientações do Coletivo de Autores (1992, p. 38), a intervenção no

âmbito da Educação Física escolar deverá

desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do

mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela

expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte […] e outros,

que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades

vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidos.

Nessa contextualização, ou melhor, nessa apreciação da Educação Física inserida na

educação escolar, encontramos elementos que se aproximam dos fundamentos

teórico/metodológico/pedagógico da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-

crítica.

Taffarel e Escobar (2009b), ao argumentarem sobre a Educação Física escolar,

contrapondo-se ao simplismo intelectual muito comum atualmente na área, mencionam e

justificam a necessidade de reafirmar o materialismo histórico-dialético como embasamento

teórico-metodológico, evidenciando que a pesquisa e a prática pedagógica devem estar

atreladas às necessidades práticas que fomentam o pensamento a identificar os problemas

sociais e na apresentação de novos sentidos para a superação destes. Desse modo, Taffarel e

Escobar (idem, s/p), reafirmam

15 Loureiro (1996, p. 08-09), mencionando a referida obra, expõe que “Em 1992, inaugura-se uma nova fase na

qual essa pretensão de identificação mecânica é substituída por um diálogo mais complexo que envolve

recriações e reinterpretações. A proposta de uma Educação Física crítico-superadora pode ser entendida como

resultado dessa nova relação estabelecida. Isso contribui não só para o avanço da disciplina pedagógica em

particular, mas também da teoria pedagógica no seu âmbito geral”.

16 Os autores que compõem esse coletivo são: Carmen Lúcia Soares, Celi Nelza Zülke Taffarel, Elizabeth Varjal,

Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht.

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o enfoque materialista histórico-dialético que demonstra a existência de uma teoria

educacional interpretativa e de intervenção da prática pedagógica da escola e de uma

teoria pedagógica, elaborada como categorias de prática, que investiga as

regularidades subjacentes ao processo de trabalho pedagógico e medeia as relações

entre a teoria educacional e as metodologias específicas, destinadas ao ensino dos

conteúdos escolares que dizem respeito à própria prática da sala de aula.

Ou seja, encontramos nessas explanações uma aproximação com a referência teórico-

metodológica que tomamos como fundamento do nosso estudo. Assim podemos afirmar

também uma aproximação com a tendência crítico-superadora no âmbito da Educação Física

escolar. 17

Em suma, perante a presente argumentação compreendemos que a Educação Física

escolar no campo nacional possui tendências pedagógicas que pressupõem distintas

especificidades para a prática pedagógica. Dentre elas, como já afirmamos, encontra-se a

tendência crítico-superadora, que considera a Educação Física escolar como elemento que

trata do conhecimento denominado cultura corporal.

Acreditamos que a tendência crítico-superadora necessite de uma reafirmação

enquanto tendência teórico-metodológica para a Educação Física escolar, capaz de, no âmbito

dessa prática pedagógica, contribuir para a apresentação de subsídios para uma compreensão

da totalidade concreta da realidade e para a luta transformadora em direção a uma sociedade

que efetivamente possibilite a formação omnilateral do ser social.

Entretanto, a leitura atenta dessa tendência nos permitiu depreender que, não obstante

o seu avanço significativo – que de fato a coloca como a proposta pedagógica da Educação

Física escolar mais progressista –, pode ser aprofundada em uma questão central, qual seja, o

objeto próprio da Educação Física, que a distingue das demais disciplinas escolares.

Daí deriva o nosso problema que pode ser assim formulado: (a) Qual é o objeto

próprio da Educação Física no contexto da sociedade capitalista, quer do ponto vista

subordinado quer do ponto de vista crítico? (b) Quais são os fundamentos explicitados na

proposição pedagógica da tendência crítico-superadora para a Educação Física escolar? (c)

Como podem ser aprofundadas as categorias fundamentais desta tendência pedagógica, como

é a cultura corporal, a partir da mediação da psicologia histórico-cultural e da pedagogia

histórico-crítica?

Sem explicitar seu objeto próprio, com muita precisão, a Educação Física escolar

corre o risco de perder sua finalidade própria, passando a competir com outras áreas, e, o que

17 Loureiro (1996, p. 08, itálico no original), especifica que a tendência crítico-superadora efetivou uma “[…]

primeira aproximação da Educação Física com os pressupostos da pedagogia histórico-crítica. Esta fase se

caracterizou pela tentativa de elaborar uma proposta identificada com esta concepção pedagógica”.

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é mais problemático, não alcançando as suas possibilidades próprias de crítica à cultura

corporal apropriada pelo capitalismo como um modismo que enseja um vasto mercado de

produtos e serviços os mais diversos.

Nesse contexto, formulamos a seguinte hipótese: a ênfase na cultura corporal como

objeto de conhecimento da Educação Física escolar pela tendência crítico-superadora trouxe

um novo patamar de análise para essa área do conhecimento, que se encontra, porém, ainda

factível de avanço por meio de uma maior precisão de sua categoria fundante, a cultura

corporal.

A respeito da “legitimação” da cultura corporal como objeto de conhecimento da

Educação Física escolar, apontamos para o texto de Frizzo (2013) que expõe um aprofundado

estudo sobre o objeto de estudo (de conhecimento) da Educação Física, analisando as

concepções materialistas e idealistas desse objeto na produção de conhecimento em Educação

Física. Dessa maneira, o autor explicita e tece uma crítica as concepções idealistas e

materialistas mecanicistas da compreensão sobre o objeto de conhecimento da Educação

Física e, por conseguinte, coaduna com a compreensão do Coletivo de Autores (1992) de que

o objeto de conhecimento da Educação Física é a cultura corporal. Segundo as palavras de

Frizzo (2013, p. 203-204) “A cultura corporal parte da categoria trabalho enquanto atividade

humana produtiva de suas condições objetivas e subjetivas de existência, onde a cultura é

produto da atividade do ser humano e das relações que estabelece com os demais”. E, assim, o

autor conclui a sua análise: “A defesa da cultura corporal é, portanto, a síntese científica e

filosófica da EF18

que se opõe a este projeto [capitalista] de sociedade que esgotou suas

possibilidades de humanização”.

O presente estudo tem, portanto, como objetivo: analisar essa categoria central, a

cultura corporal, nas suas determinações e contradições do modo de produção capitalista e,

com isso, intentar contribuir para o debate sobre o objeto da Educação Física escolar a partir

da mediação dos fundamentos da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-

crítica.

Tomamos como principal embasamento para a realização da presente pesquisa tendo

o materialismo histórico-dialético como estofo metodológico não somente para o nosso

estudo, mas para as teorizações específicas da área da psicologia e da pedagogia; a unidade

entre a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica como fios condutores para

contribuir nos fundamentos e nos pressupostos em proveito da análise do nosso objeto de

18 Refere-se a Educação Física.

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estudo, isto é, na análise da tendência crítico-superadora – mais especificamente na sua

categoria central, a cultura corporal – que, por sua vez, encontra-se pontos de afinidades com

as leis mais gerais do materialismo histórico-dialético e também parte-se de alguns elementos

tanto da psicologia histórico-cultural como da pedagogia histórico-crítico.

Cabe, portanto, a nós contribuir na verificação das congruências e das limitações que

a tendência crítico-superadora possui frente aos embasamentos teóricos supracitados, ou seja,

até que ponto essa tendência de cunho teórico-metodológico, específica no trato do

conhecimento do objeto de conhecimento da Educação Física, incorpora os argumentos e

proposições que se fundam no materialismo histórico-dialético e, por conseguinte, na

psicologia histórico-cultural e na pedagogia histórico-crítica. “[…] partimos do princípio de

que o materialismo histórico – como teoria da história e, portanto, como instrumento lógico

de interpretação da realidade – contém em sua essência a lógica dialética […]” para, assim,

assentarmos a nossa investigação (MARTINS, 2013b, p. 08).

Destarte, coadunamos com a seguinte hipótese de Martins (2013b, p. 07), no que diz

respeito a articulação entre a unidade psicopedagógica da psicologia histórico-cultural e da

pedagogia histórico-crítica, no que se refere a função social da educação escolar e, a nosso

ver, também da Educação Física escolar, no aspecto da formação humana, ou seja, baseando-

se no

preceito vigotskiano segundo o qual o desenvolvimento do psiquismo humano

identifica-se com a formação dos comportamentos complexos culturalmente

instituídos – com a formação das funções psíquicas superiores, radica a afirmação do ensino sistematicamente orientado à transmissão dos conceitos científicos, não

cotidianos, tal como preconizado pela pedagogia histórico-crítica.

Temos, como principal intenção, neste estudo, corroborar em proveito de uma leitura

materialista, histórica e dialética sobre o atual modo de produção e, com isso, analisar a

Educação Física escolar como um dos condicionantes que compõem esse modo de produção.

Compreendidos os pressupostos do modo de produção capitalista e, por sua vez, da Educação

Física escolar, tomamos como hipótese e, ao mesmo tempo, como uma proposição concreta,

os fundamentos da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica, a fim de

apresentar subsídios reais para compreender e propor uma Educação Física escolar crítica

frente à atual sociedade. Enfocando, assim, na possibilidade de uma formação omnilateral e

no auxílio de um projeto histórico superador em prol da transformação social.

Dessa forma, alertamos que a formatação deste estudo está realizada no formato

espiralado. Os elementos aprofundados no decorrer do estudo possuem uma ligação íntima

com outros elementos e pressupostos abarcados no estudo. Portanto, estamos mencionando

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que os elementos abordados não estão sendo utilizados de maneira estática, pois estão no bojo

de várias relações.

Optamos, destarte, na análise de maneira espiralada, isto é, a cada capítulo os

elementos e as categorias analisadas anteriormente vão sendo incorporadas e podem (ou não)

nas suas relações com outras modificar-se. Explicitamos essa questão pelo fato de que

compreendemos que esses elementos e essas categorias não permanecem imutáveis no seio

das relações e que, por isso, vão sendo cada vez mais enriquecidas e esclarecidas.

Tendo em vista a consecução do objetivo deste estudo, a organização estrutural se

deu da seguinte maneira:

No capítulo 01 abordamos a relação da Educação Física escolar com o modo de

produção capitalista, enfatizando o atual estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista,

isto é, a acumulação flexível do capital. Alocando, assim, a educação escolar, a Educação

Física e a cultura corporal no bojo desse modelo de produção.

O percurso trilhado foi, primeiramente, a exposição da especificidade do modo de

produção capitalista, dando ênfase nos elementos e nas determinações da acumulação flexível

do capital. Buscando efetivar uma exposição cumprindo a seguinte lógica: partindo da macro

para a microestrutura, ou seja, do geral para o particular. Dessa forma, em seguida, entramos

na reflexão do posicionamento e da relação da educação escolar e da Educação Física com o

modo de produção capitalista, principalmente no interior da acumulação flexível do capital.

Sendo assim, explicitamos as principais bases econômico-pedagógicas para a educação

escolar que tomaram expressão no final do século passado e, posteriormente, apontamos as

bases filosófico-pedagógicas que deram rumo para a Educação Física escolar nesse cenário e

período histórico. No segundo momento, descrevemos a principal obra – Metodologia do

ensino da educação física (COLETIVO DE AUTORES, 1992) – que fundamenta e propõe a

cultura corporal como o objeto de conhecimento da Educação Física escolar. Tal tendência

pedagógica parte do pressuposto da crítica radical ao modo de produção capitalista, propondo,

assim, uma intervenção pedagógica que tenha como por teleológico a Educação Física escolar

e, por consequência, a cultura corporal em proveito da classe trabalhadora. Isto é: em última

instância, busca-se enfatizar e apresentar subsídios concretos para um projeto histórico

transformador.

Buscamos neste capítulo expor o atual modo de produção e quais as consequências

que possui perante a educação escolar e a Educação Física. Averiguamos que esse modo de

produção almeja e objetiva apenas a formação unilateral do ser social. E, desse modo, a

educação escolar e a Educação Física atuam como elementos que possuem potencial de

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intervir rumo a essa perspectiva conservadora e fragmentada da formação humana. Já o

Coletivo de Autores (idem) parte de uma crítica consubstanciada dessa compreensão da

educação escolar e da Educação Física, partindo, assim, para explicitar e propor uma

educação que vislumbre e apresente fundamentos, pressupostos e desdobramentos para uma

formação omnilateral do ser social e para uma possível e coerente transformação social.

No capítulo 02 apresentamos a reflexão sobre a cultura corporal, proposta pelo

Coletivo de Autores (idem). A discussão à luz dessa categoria ocorreu na seguinte

formatação: a) apresentamos, primeiramente, a categoria cultura, colocando em evidência a

nossa compreensão do conceito dessa categoria, conforme os pressupostos onto-filosóficos do

materialismo histórico-dialético. Para isso, trazemos à tona quatro outras categorias que

permitem uma melhor compreensão do conceito de cultura, a citar: apropriação/objetivação e

humanização/alienação; b) após a conceituação de cultura, demos ênfase a uma reflexão

crítica, a qual compreendemos ser pertinente no atual momento histórico da educação escolar,

da Educação Física escolar e também das diversas áreas do conhecimento. Estamos nos

referindo à análise das teorizações pós-modernas que atualmente partem para uma

pluralização, diversificação, fragmentação e relativização da cultura. Em nossa compreensão,

as teorizações pós-modernas incidem com a cultura hegemônica, ou seja, contribuem de

maneira implícita e/ou explícita com o modo de produção capitalista e, concomitantemente,

com a formatação e difusão da acumulação flexível do capital em diversas esferas sociais; c)

no terceiro instante, enfatizamos a discussão travada a respeito da cultura corporal. O formato

da exposição sobre a cultura corporal se deu em quatro circunstâncias: 1a) na apresentação

descritiva dessa categoria, de acordo com o Coletivo de Autores (idem), realizando, assim, a

descrição do nosso dado de pesquisa; 2a) na apresentação das principais críticas sobre o

posicionamento do Coletivo em relação à cultura corporal; 3a) na apresentação da “crítica às

críticas” das argumentações do Coletivo; 4a) na indicação de uma contribuição e da

reafirmação do nosso dado de pesquisa (a cultura corporal), agora já analisado, apontando

para os pressupostos e os desdobramentos da psicologia histórico-cultural e da pedagogia

histórico-crítica que foi abordada no capítulo posterior.

No capítulo 03 foram enfatizados os fundamentos da psicologia histórico-cultural e

da pedagogia histórico-crítica como elementos teóricos para balizar a compreensão da cultura

corporal, como categoria que pode contribuir para a formação omnilateral do ser humano e

para uma transformação social. Enfatizamos os seguintes aprofundamentos: por parte da

psicologia histórico-cultural no desenvolvimento do psiquismo humano e na relação

aprendizagem-ensino-desenvolvimento; por parte da pedagogia histórico-crítica nos

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pressupostos e nos fundamentos que embasam a definição do objeto da educação e na

proposição de elementos didático-metodológicos para a prática pedagógica.

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CAPÍTULO I – A Educação Física escolar e seu objeto de conhecimento:

teorizações sobre a cultura corporal e sua relação com o atual modo de

produção

A lei me assegurou plena igualdade de direitos, porém me

recusou meios de conhecê-la. Eu devo depender só da lei, mas

minha ignorância me torna dependente de tudo que me cerca. Ensinaram-me suficientemente na minha infância aquilo que

precisava saber, mas, forçado a trabalhar para viver, essas

primeiras noções foram rapidamente esquecidas, e só me resta

a dor de sentir na minha ignorância, não a vontade da

natureza, mas a injustiça da sociedade.

(CONDORCET)

Nosso estudo leva em consideração e, portanto, reflete sobre o objeto de

conhecimento da Educação Física escolar, buscando evidenciar e expressar as determinações

histórico-sociais19

que se encontram na raiz do debate no campo da Educação Física escolar

no cenário brasileiro, com força capaz de “despertar” a necessidade de elaboração de novas

perspectivas no campo progressista da Educação Física, como ocorreu no caso da emergência

da tendência teórico-metodológica crítico-superadora.

A justificativa para esse intento é que, no nosso campo teórico-metodológico, o

debate investigativo deve ser realizado na perspectiva das determinações do mundo do

trabalho (ALVES, 2006). Destarte, a Educação Física escolar deve ser aprofundada

indiscutivelmente no contexto da gênese dos movimentos contraditórios inerente à sociedade

hodierna. São limitadas e ideologizadas as possibilidades de reflexão sobre a Educação Física

escolar de maneira abstrata e fora dos condicionantes sociais.

Ao situarmos a discussão sobre a Educação Física escolar no âmago das condições

sociais que, por sua vez, ocorrem por meio da produção da existência humana, remetemo-nos

à tentativa de compreensão do vigente modo de produção, como bem afirmamos na

introdução desse estudo.

Faz-se necessário retomarmos um importante posicionamento de Marx e Engels

(2007, p. 32-33) de que

19 Para a compreensão mais aprofundada do movimento histórico da Educação Física escolar no Brasil,

recomendamos as seguintes obras: Caparroz (2007); Castellani Filho (1991; 2002); Coletivo de Autores (1992);

Ghiraldelli Jr. (2004); Soares (2007).

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o primeiro pressuposto de toda a existência humana e também, portanto, de toda a

história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver

para poder “fazer história”. Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida,

bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois,

a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria

vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de

toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida

diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos.

Portanto, Lombardi (2011, p. 99, itálicos no original) apoiado-se, também, nesse

pressuposto, menciona que o “modo de produção” não pode ser compreendido como uma

simples reprodução da existência física, “biológica (natural)” do ser humano. “Trata-se de um

modo determinado de atividade e de manifestação da vida, isto é, como um ‘modo de vida

determinado’, em que o que se produz é indissociável da maneira pela qual os homens

produzem”.

Assim como os elementos culturais determinados pelo atual modo de produção, a

educação escolar e, concomitantemente, a Educação Física escolar, assumem um caráter

importante no âmbito social, ou seja, no bojo do processo de produção da existência do ser

social. Para isso, tomamos como condição que o posicionamento das especificidades da

educação escolar – e, assim, da Educação Física – deve intervir no processo de formação dos

indivíduos por meio de três movimentos indissociados, tal como propõe Lombardi (idem, p.

102): (a) possibilitar e efetivar “[…] uma profunda crítica do ensino burguês […]”; (b)

destacar e problematizar “[…] como, nas condições contraditórias desse modo de produção,

se dá a educação do proletariado, o que abre perspectivas para uma educação diferenciada,

ainda sob a hegemonia burguesa […]”; (c) por em questão e de maneira contraditória que

“[…] a crítica ao ensino burguês e o desvelamento da educação realizada para o proletariado

torna possível delinear as premissas gerais da educação do futuro; não como utopia, mas

como projeto estratégico em processo de construção pelo proletariado”.

Afirmar a educação escolar e a Educação Física escolar como autônomas ao processo

social e/ou cadenciando esses elementos sociais a serem realizados fora das três

determinações expostas acima seria colocá-las em um vazio de sentido e intervenção perante a

formação humana na sua máxima possibilidade, ou seja, na sua formação omnilateral. Nesse

sentido, apontando os limites e os problemas dessa dissociação, ter-se-ia uma concepção

negativa da educação escolar e da Educação Física escolar, que conteria acriticamente “[…] o

processo de ‘interiorização’ das condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho

como mercadoria, para induzi-los [os trabalhadores] à sua aceitação passiva” (SADER, 2009,

p. 17).

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Levando em consideração os pressupostos supracitados, no momento seguinte do

nosso estudo trazemos à tona o modo de produção capitalista. A exposição dessa categoria

será realizada em três momentos, a seguir arrolada: (a) efetivando apontamentos referentes às

questões macroestruturais do modo de produção capitalista, dando ênfase ao atual estágio

desse modo de produção, ou seja, a acumulação flexível do capital; (b) tomando como

embasamento a exposição anterior, ou seja, levando em consideração os elementos e as

determinações do modo de produção capitalista, em especial a acumulação flexível do capital,

apresentaremos as implicações e as consequências que as ações provenientes desse modo de

produção influenciam no bojo das ações da educação escolar e a posteriori da Educação

Física escolar no cenário nacional; (c) adentraremos exclusivamente nos condicionantes ou

nas especificidades da Educação Física escolar, explicitando os posicionamentos e os

conceitos intrínsecos da tendência teórico-metodológica crítico-superadora no se refere a

analisar a Educação Física escolar no interior do modo de produção capitalista, isto é, a

Educação Física escolar como elemento que determina e é determinada pelo movimento

constante da atual sociedade.

Partimos do pressuposto de que a influência exercida pelos preceitos do modo de

produção capitalista atualmente no estágio da acumulação flexível engrandece e condiciona a

educação escolar e, portanto, a Educação Física Escolar para aquilo que Antunes (2009a)

intitula de “pragmatismo da liofilização20

flexibilizada”. E, Saviani (2011b), por sua vez,

afirma que a partir da década de 1990 encontra-se em voga no âmbito educacional no Brasil a

presença do “neoprodutivismo e suas variantes (o neoescolanovismo, o neoconstrutivismo e o

neotecnicismo)”.

Dessa forma, nos referiremos às bases pedagógicas que apresentam subsídios

teóricos de preceitos característicos da acumulação flexível do capital e cunhados nas

teorizações conservadoras das teorizações pós-modernas21

. A justificativa de entrarmos nessa

temática decorre para que, posteriormente, possamos inquirir e compreender o papel que a

20 Antunes (2009a, p. 31), realiza a seguinte explicação: “[…] como liofilização não é um termo das ciências

sociais, uma explicação rápida. Na química, liofilizar significa, em um processo de temperatura baixar, secar,

reduzir as substâncias vivas. O leite em pó é um leite liofilizado. Então você seca a substancia viva […]”.

21 Segundo Wood (1999, p. 13) “[…] o fio principal que perpassa todos […] [os] princípios pós-modernos é a

ênfase na natureza fragmentada do mundo e do conhecimento humano. As implicações políticas de tudo isso não

são bem claras: o self humano é tão fluido e fragmentado (o ‘sujeito descentrado’) e nossas identidades, tão

variáveis, incertas e frágeis que não pode haver base para solidariedade e ação coletiva fundamentadas em uma

‘identidade’ social comum (uma classe), em uma experiência comum, em interesses comuns”. Quanto a essa

relação sobre as perspectivas pós-modernas destinadas a contribuírem com a manutenção da ofensiva neoliberal

vigente, pode ser aprofundar sobre tal temática nas seguintes obras: Anderson (1999); Cavazotti (2010); Della

Fonte (2010); Duarte (2006); Eagleton (1998); Jameson (2006); Lombardi (2009a); Moraes (2003a); Sánchez

Gamboa (2009); Taffarel e Albuquerque (2010); Wood (1999).

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Educação Física escolar deve realizar como crítica à cultura corporal “moldada” nos atuais

parâmetros conservadores que inviabilizam a formação omnilateral do ser social, provocando

a expropriação do humano e a expropriação do conhecimento acumulado histórica e

socialmente. Serão, por conseguinte, essas temáticas aprofundadas no decorrer deste capítulo.

1.1 A categoria modo de produção capitalista e a cultura da acumulação flexível do

capital: o posicionamento da educação escolar e da Educação Física escolar

Aludir à categoria modo de produção22

capitalista, principalmente a sua relação com

a educação escolar e a Educação Física escolar, nos impõe um desafio complexo, pois uma

interpretação errônea, que porventura não avance no conhecimento das condições históricas e

sociais e suas relações com o objeto em análise, nos direciona para uma perspectiva

conjuntural conservadora. Isso nos inviabilizaria a formulação adequada e, consequentemente,

o anseio de intervir criticamente na relação modo de produção capitalista e Educação Física

escolar.

Dessa maneira, faz total sentido mergulhamos na compreensão da formação do ser

social e na reprodução social para, posteriormente, analisarmos o atual estágio do modo

societal. Obviamente não iremos esgotar o debate nessas temáticas – até porque a obra

marxiana ainda se apresenta insuperável no se refere aos seus fundamentos e seus

detalhamentos das leis gerais do capital. Vamos nos limitar, portanto, à apropriação dos

fundamentos marxianos e de alguns interlocutores marxistas naquilo que for necessário e

suficiente para compreendermos a localização da Educação Física como componente

curricular do sistema educacional no bojo das relações sociais sob a ordem vigente.

22 Vale lembrar que “Marx e Engels, […] não tomaram a categoria modo de produção como uma categoria geral

e abstrata, idealizadora e mistificadora, a-histórica, mecânica ou determinista. Por se tratar de uma articulação

teórica de premissas onto-gnosiológicas, fundadas num homem que, cotidiana e historicamente, têm de produzir

e reproduzir as condições necessárias à sua existência física, social e espiritual, a concepção resultante tem de

apreender o processo de desenvolvimento real dos homens, realizando sob condições historicamente

determinadas” (LOMBARDI, 2011, p. 99, itálicos no original).

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1.1.1 A categoria modo de produção capitalista e seu atual estágio de desenvolvimento

Para iniciarmos essa reflexão sobre o modo de produção capitalista, dando ênfase no

estágio da acumulação flexível do capital ou no capitalismo contemporâneo, torna-se

necessário compreendermos, mesmo que brevemente, a reprodução social dos indivíduos

levando em consideração a dialética e a história como fios condutores dos processos de

desenvolvimento das ações humanas inseridas em uma dada sociedade. Portanto, afirmamos,

apoiados nos posicionamentos de Lukács (2012; 2013), que o movimento histórico de

formação do ser social ocorre por meio de processos que se iniciam pelos pequenos grupos e

tribais primitivas se articulam por meio de formações sociais que vão se complexificando

cada vez mais. Atualmente esse processo ocorre em escala mundial, no qual a questão

primordial se dá pela intensidade e frequência da existência real (concreta) de cada ser social

que ocorre de maneia indissociável à trajetória da humanidade no seu respectivo modo de

produção.

Para chegar a essa condição, Martins (2013b, p. 28) afirma que o “[…] salto

qualitativo, pelo qual a vida do homem já não mais se fez garantida pela adaptação natural ao

meio, tornou-se possível por um modo especial de intercâmbio com a natureza, isto é, pelo

trabalho social”. O ser social, por mais que seja um “ser particular”, “singular”, é da mesma

forma uma totalidade, ou seja, a totalidade subjetiva da sociedade, atuando e contribuindo

para si.

Portanto, no movimento da sociedade o ser social é um resultado da sua existência

social, mas também “[…] uma totalidade de externação humana de vida” (MARX, 2008, p.

108). Em outras palavras,

o homem produz o homem, a si mesmo e ao outro homem; assim como [produz] o

objeto, que é o acionamento (Betätigung) imediato da sua individualidade e ao

mesmo tempo a sua própria existência para o outro homem, [para] a existência

deste, e a existência deste para ele (idem, p. 106).

O ser social é, então, síntese de múltiplas determinações sociais, porém, não atua de

maneira passiva frente aos movimentos da realidade que o permeia. Duarte (2013a, p. 08),

baseado numa perspectiva fundamentada pelo materialismo histórico-dialético, afirma que

“[…] o desenvolvimento do indivíduo como síntese de inúmeras relações sociais precisa ser

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concebido como um processo situado no interior de outro, o do desenvolvimento histórico do

ser humano como um ser social”.

Como sabemos, e está muito bem explicitado em A ideologia alemã, de Marx e

Engels (2007), o ser social tem que possuir condições de viver23

, para que possa construir a

sua história. Para tanto, é necessário haver a produção dos meios que satisfaçam as

necessidades humanas. O ser humano irá encontrar esses instrumentos na natureza24

que o

cerca. A ação do indivíduo na transformação da natureza circundante para saciar as suas

necessidades denomina-se trabalho.

O trabalho é uma condição inerente da existência humana, ou seja, é a atividade vital

humana. “[…] é ele que torna possível a produção de qualquer bem, criando os valores que

constituem a riqueza social” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 39, itálicos no original).

É na relação das esferas ontológicas – a esfera inorgânica (tem como essência tornar-

se outro mineral), a esfera orgânica (tem como essência repor a própria reprodução da vida) e

o ser social (tem como essência produzir o novo de maneira consciente e teleologicamente

posta) – que o indivíduo se forma. Ou seja, “[…] um ser social só pode surgir e se

desenvolver com base em um ser orgânico e que esse último pode fazer o mesmo apenas com

base no ser inorgânico” (LUKÁCS, 2009, p. 227).

É sob essa interação ou sob essa necessidade mútua entre as três esferas que o

indivíduo busca atender as suas necessidades para a sobrevivência, para a manutenção e para

a inovação dos produtos obtidos na relação/transformação da natureza, a qual subsidia a

continuidade da existência atual dos indivíduos e das próximas gerações.

Nesse sentido, Lukács (2010, p. 41-42, itálicos nosso) afirma que

23 Adiante veremos que, sob o capitalismo, a classe trabalhadora é condenada à mera sobrevivência, o que difere

substancialmente da vida plena.

24 Harvey (2011, p. 151), apresenta de maneira intensa e exemplificativa sobre a intervenção humana na

natureza: “O chamado ‘ambiente natural’ é objeto de transformação pela atividade humana. Os campos são

preparados para a agricultura; os pântanos, drenados; as cidades, estradas e pontes, construídas; as plantas e os

animais são domesticados e criados; os habitats, transformados; as florestas, cortadas; as terras, irrigadas; os rios,

represados; as paisagens, devastadas (servindo de alimento para ovinos e caprinos); os climas, alterados.

Montanhas inteiras são cortadas ao meio à medida que minerais são extraídos, criando cicatrizes de pedreiras nas paisagens, com fluxos de resíduos em córregos, rios e oceanos; a agricultura devasta o solo e, por centenas de

quilômetros quadrados, florestas e matos são erradicados acidentalmente como resultado da ação humana,

enquanto a queima das florestas na Amazônia, consequência da ação voraz e ilegal de pecuaristas e produtores

de soja, leva à erosão da terra, ao mesmo tempo que o governo chinês anuncia um vasto programa de

reflorestamento. Mas os britânicos amam caminhar em sua paisagem enevoada e admirar a herança das casas de

campo, os galeses amam seus vales, os escoceses, seus campos, os irlandeses, seus pântanos verde-esmeralda, os

alemães, suas florestas, o francês, seus distintos pays com vinhos e queijos locais. Os apaches acreditam que a

sabedoria repousa no lugar, e grupos indígenas em toda a parte, da Amazônia à Colúmbia Britânica e montanhas

de Taiwan, celebram sua união de longa data e inquebrável com a terra em que habitam”.

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É preciso ter sempre em mente que uma fundamentação ontológica correta de nossa

imagem de mundo pressupõe as duas coisas, tanto o conhecimento da propriedade

específica de cada modo de ser como o de suas interações, inter-relações etc. com os

outros. […] O Ser humano pertence ao mesmo tempo (e de maneira mais difícil de

separar, mesmo no pensamento) à natureza e à sociedade. Esse ser simultâneo foi

mais claramente reconhecido por Marx como processo, na medida em que diz,

repetidas vezes, que o processo do devir humano traz consigo um recuo das

barreiras naturais. É importante enfatizar: fala-se de um recuo, não de um

desaparecimento das barreiras naturais, jamais sua supressão total. O homem

nunca é, de um lado, essência humana, social, e, de outro, pertencente à natureza;

sua humanização, sua sociabilização, não significa uma clivagem de seu ser em espírito (alma) e corpo. De outro lado, vê-se que, também aquelas funções do seu

ser que permanecem sempre naturalmente fundadas, no curso do desenvolvimento

da humanidade se sociabilizam cada vez mais.

O indivíduo é o único ser que tem a capacidade de fazer com que a natureza possa

atender as suas necessidades. Com essa ação, o indivíduo transforma a natureza e, ao mesmo

tempo, está transformando a si mesmo, isto é, por meio da objetivação e da apropriação25

dos

inúmeros elementos encontrados na natureza dá-se a formação do indivíduo. No que se refere

a essa atuação sociometabólica do indivíduo com a natureza torna-se interessante revisitarmos

A ideologia alemã para considerarmos o seguinte pressuposto de Marx e Engels (2007, p. 34)

em relação à gênese da história humana:

A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação,

aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação natural, de

outro como relação social –, social no sentido de que por ela se entende a

cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a

finalidade.

Com isso, abre-se um precedente para – tendo como base o pressuposto acima citado

– compreendermos que todo modo de produção está ligado, de maneira indissociável, a um

determinado formato de cooperação ou de determinada fase social, logo, esse modo de

produção e, portanto, a formação do ser social só pode se dar por meio das suas relações no

interior de uma dada sociedade que, por sua vez, é regida por um modo de produção

específico.

Destarte, cabe indagarmos: (a) qual a formatação de cooperação que é específica do

modo de produção capitalista? (b) Quais as características principais que são oriundas da

relação, ontológica, entre indivíduo e natureza no modo de produção capitalista? (c) Qual a

fase social em que o modo de produção capitalista se encontra atualmente?

Para podermos adentrar na reflexão e na exposição das indagações mencionadas,

vale lembrar, de maneira sistemática, que para compreender as especificidades do atual modo

25 No capítulo 02, no item 2.1, aprofundaremos essas duas categorias: as categorias objetivação e apropriação,

juntamente com a categoria humanização e alienação, com o intuito, de nos posicionarmos sobre a compreensão

do conceito mais geral de cultura.

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de produção temos que levar em consideração que é por meio das relações sociais que o ser

social efetiva a sua produção em proveito de suprir as necessidades que lhe outorga a

manutenção e a reprodução da vida social.

Marx (2012b, p. 97) afirma que “[…] o modo de produção da vida material

condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral”. Por essa

contextualização, torna-se necessário compreender elementos essenciais que, em

consequência, permite constar da totalidade concreta que compõe, na nossa análise, o modo

de produção, na especificidade da sociedade capitalista.

Assim, como já viemos expondo o nosso embasamento perante a compreensão da

constituição e da manutenção da vida social, lembramo-nos da necessidade de ter os seguintes

elementos como fio condutor em um duplo sentido: a) o sentido ontológico, isto é, tomando

como pressuposto a existência real da vida social, o seu caráter histórico-concreto, pois esses

elementos “[…] são formas, modos de existência do ser social, que funcionam e operam

efetivamente na vida em sociedade, independentemente do conhecimento que tenham os

homens a seu respeito […]”; b) o sentido reflexivo (intelectivo), isto é, por meio do

pensamento racional e teórico é que “[…] os homens tomam consciência delas, conseguindo

apreender a sua estrutura fundamental (a sua essência) a partir da visibilidade imediata que

apresentam (a sua aparência) […]” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 64, itálicos no original).

O ponto fulcral é que a produção dos bens que tem como função manter a reprodução

da vida social ocorre por meio do processo de trabalho. Porém, para que esse processo torne-

se eficaz é preciso levar a cabo os seguintes elementos: a) meios de trabalho, que são os

instrumentos utilizados pelo ser social, por exemplo, a terra, que é o meio universal do

trabalho; b) objetos de trabalho, que são os elementos que incorrem no trabalho; c) força de

trabalho que, conforme Netto e Braz (idem, p. 68, itálicos nosso), “[…] trata-se da energia

humana que, no processo de trabalho, é utilizada para, valendo-se dos meios de trabalho,

transformar os objetos de trabalho em bens úteis à satisfação de necessidades” 26

.

A união desses elementos é denominada de forças produtivas. Marx (2012b, p. 100)

assevera esse debate consolidando que “[…] as forças produtivas são o resultado da energia

prática dos homens, mas esta mesma energia é circunscrita pelas condições em que os homens

se acham colocados, pelas forças produtivas, pela forma social anterior, que não foi criada por

eles e é produto da geração precedente”.

26 Netto e Braz (2011, p. 68, itálicos no original) ressaltam que “A força de trabalho, energia humana empregada

no processo de trabalho, não deve ser fundida com o trabalho realizado, que é o produto da aplicação da força

de trabalho”.

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As relações de cunho técnico e social – de maneira simplória, pontuamos: a questão

técnica é o grau de complexidade e especialização do trabalho, as tecnologias empregadas; a

questão social é determinada pelo regime de propriedade que possui suas especificidades

mutáveis no decorrer da história da humanidade – são estabelecidas no âmago das forças

produtivas, que constituem aquilo que denominamos de “relações de produção”.

Portanto, em epítome, a articulação entre as determinações das forças produtivas e

das relações de produção é o modo de produção e, diga-se de passagem, é extremamente

complexo e que varia “[…] ao longo da história e exigindo, para a sua compreensão, análises

rigorosas e detalhadas” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 70).

Pois bem, antes de apresentar com mais profundidade o modo de produção

capitalista, temos que deixar em evidência que esse não foi e não tem a necessidade de ser a

única maneira que o ser humano possui para manter-se efetiva a reprodução da vida social.

Tivemos, por exemplo, ao longo da história, o modo de produção regido pelos moldes

oriundos do escravagismo, do feudalismo. 27

Netto e Braz (idem, p. 179-180, itálicos no original), sobre o desenvolvimento

histórico do modo de produção capitalista, afirma que

Ao longo de sua existência, o capitalismo moveu-se (move-se) e transformou-se

(transforma-se); mobilidade e transformação estão sempre presentes nele:

mobilidade e transformação constituem o capitalismo, graças ao rápido e intenso

desenvolvimento de forças produtivas que é a sua marca. A expressão sociopolítica

das suas contradições, que surge nas lutas de classes, permeia e penetra todos os

passos da sua dinâmica. A história do capitalismo – a sua evolução –, portanto, é

produto da interação, da imbricação, da intercorrência do desenvolvimento de forças

produtivas, de alterações nas atividades estritamente econômicas, de inovações

tecnológicas e organizacionais e de processos sociopolíticos e culturais que envolvem as classes sociais em presença numa dada quadra histórica. E todos esses

vetores não só se transformam eles mesmos: as suas interações também se alteram

no curso do desenvolvimento do MPC [modo de produção capitalista].

Marx (2011d), no capítulo 13 d´O Capital, efetiva uma extensa e complexa descrição

sobre o modo de produção capitalista. Conduz a sua exposição desde a maquinaria até a

indústria moderna, buscando explicitar como se deu o desenvolvimento da maquinaria, o

impacto causado no trabalhador em virtude da implantação de novas tecnologias (da produção

mecanizada), a transição da força de trabalho predominante pela manufatura, partindo para os

preceitos da indústria moderna, etc.

27 O presente estudo não tem como intenção descrever as várias formas de modo de produção que foram

estabelecidas no decorrer da história. Chamamos atenção nesse momento apenas para indicar ao leitor que o

modo de produção capitalista não é e nem foi o único na vida dos indivíduos. A respeito da descrição desses

momentos históricos indicamos as seguintes obras: Marx (2008); Marx e Engels (2007); Netto e Braz (2011);

Harvey (2013).

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O trabalho inserido no modo de produção capitalista continua em uma posição

relevante no âmbito da produção humana. Desde que se tornou sólido, entre o século XVIII e

XIX, o capitalismo veio se atualizando por meio de uma complexa evolução. Tanto que o

capitalismo

atualmente não se confronta com nenhum desafio externo à sua própria dinâmica:

impera na economia das sociedades mais desenvolvidas (centrais) e vigora na

economia das sociedades menos desenvolvidas (periféricas), nas quais, por vezes,

subordina modos de produção precedentes” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 105, itálicos

no original).

Até o presente momento, estamos inseridos no modo de produção mais avançado que

já existiu na história da humanidade, ou seja, o modo de produção capitalista. Contudo, temos

como pressuposto que o atual momento do modo de produção capitalista assevera uma

degradação na vida dos indivíduos de maneira geral.28

Marx (2011c, p. 58), sobre essa

questão do grande desenvolvimento que a sociedade capitalista acumulou, expõe na famosa

citação que

A sociedade burguesa é a mais desenvolvida e diversificada organização histórica da

produção. Por essa razão, as categorias que expressam suas relações e a

compreensão de sua estrutura permitem simultaneamente compreender a

organização e as relações de produção de todas as formas de sociedade

desaparecidas, com cujos escombros e elementos edificou-se, parte dos quais ainda

carrega consigo como resíduos não superados, parte [que] nela se desenvolvem de

meros indícios em significações plenas etc.

Hegemônico, ao nível planetário, o modo de produção capitalista advoga pelo

estabelecimento de elementos que, no conjunto de sua especificidade, atuam de maneira

inerente à exploração do trabalhador (do ser social) pelo trabalho, ou seja, para seu

fortalecimento, o capital fomenta a expropriação do humano.

Alguns dos elementos fundamentais nesse modo de produção são: o lucro; a

produção de mais-valia e a repartição da mais-valia; a relação de salário e trabalho

concreto/abstrato; a exploração do trabalho; o capital como comandante do processo de

28 Sobre a questão da necessidade de superação do atual modo de produção, já foi mencionado de maneira breve

em nossa introdução, entretanto, voltaremos a esse debate no capítulo 03, onde pretendemos expor a função

social que a educação escolar e, por conseguinte, a Educação Física escolar devem assumir enquanto

condicionantes sociais constituintes do modo de produção capitalista. Tomaremos como fundamento os

pressupostos da psicologia histórico-cultural, da pedagogia histórico-crítica e como plano de fundo para tais

teorizações o materialismo histórico-dialético para podermos firmar a necessidade e a possibilidade de uma

superação concreta do status quo. Tendo a educação escolar e a Educação Física escolar como elementos

contribuintes para essa transformação social.

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trabalho; a relação entre trabalhador coletivo e trabalho produtivo/improdutivo; a distribuição

da renda nacional. 29

Portanto, temos que deixar bem exposta uma questão que não se costuma disseminar

e/ou apontar como principal fundamento do modo de produção capitalista: a exploração do

trabalho. O capitalismo em si somente tem força e nexo quando há a exploração do trabalho

de um indivíduo sobre o outro. Não tem a possibilidade de no capitalismo haver uma

produção que ocorra de maneira igual, sem que uma das partes saia prejudicada, ou melhor,

saia explorada.

Disso decorre aquilo que mencionamos acima, isto é, o lucro como um dos principais

objetivos do modo de produção voltado para os fundamentos do capitalismo. Netto e Braz

(2011, p. 106) afirmam que o que exprime o movimento do capital é que “[…] o ponto de

partida é o dinheiro e o ponto de chegada é mais dinheiro. […] a partir do dinheiro, produzir

mercadorias para conseguir mais dinheiro”. A busca pelo lucro nesse modelo societal ocorre

de maneira interminável, mesmo que o fim dessa ação seja a barbárie.

Todas as ações realizadas pelos indivíduos, todos os produtos produzidos e até

mesmo todos os indivíduos se tornam uma mercadoria no seio do capitalismo. Marx, nos

Manuscritos de 1844, ao abordar a especificidade do modo de produção capitalista levanta

como uma das suas problematizações as questões provenientes do trabalho estranhado e da

propriedade privada. Dessa forma, Marx narra a subsequente inquirição:

constatamos que o trabalhador baixa à condição de mercadoria e à de mais miserável

mercadoria, que a miséria do trabalhador põe-se em relação inversa à potência

(Macht) e à grandeza (Grüsse) da sua produção, que o resultado necessário da

concorrência é a acumulação de capital em poucas mãos, portanto a mais tremenda

restauração do monopólio, que no fim a diferença entre o capitalista e o rentista

fundiário (Grundrentner) desaparece, assim como entre o agricultor e o trabalhador em manufatura, e que, no final das contas, toda a sociedade tem de decompor-se nas

duas classes dos proprietários e dos trabalhadores sem propriedade (MARX, 2008,

p. 79, itálicos no original).

O modo de produção capitalista parte do fato “dado e acabado” da propriedade

privada como essência para a existência e manutenção do atual status quo. A interligação que

a propriedade privada possui perante o lucro, a mais-valia, a expropriação do humano, etc.

ocorre unicamente por meio do trabalho estranhado tendo como embasamento o sistema

29 Obviamente que os elementos específicos do modo de produção capitalista não se esgota nos supracitados.

Mas, o nosso objetivo nesse momento é apenas explicitar de maneira breve alguns pressupostos sobre esse modo

de produção. Para maior aprofundamento, além de mencionarmos a extensa obra de Marx em O capital,

sugerimos também o trabalho de Netto e Braz (2011) em a Economia política: uma introdução crítica, que de

maneira simples e clara, mas ao mesmo tempo, não redundante, apresenta diversos elementos do modo de

produção capitalista, inclusive, desdobrando aquelas categorias que mencionamos acima.

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regido pelo dinheiro. Ou seja, o produto e o produtor são meras mercadorias no capitalismo.

“Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a

desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt)”. Nessa condição, “[…] o trabalho não

produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria,

e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral” (MARX, 2008, p. 80, itálicos

no original). Por isso que Marx (idem) coloca em evidência o “estranhamento”30

, isto é, por

meio do trabalho que se produz o produto, no entanto, esse produto não pertence ao

trabalhador que o produziu, o produto, nesse caso, se torna um “ser estranho” ao trabalhador.

Em síntese, o trabalhador no modo de produção capitalista não se apropria do

produto que ele mesmo produziu. O trabalhador se apropria da natureza para poder

transformá-la, mas não se apropria do produto resultante dessa transformação. Seguindo as

orientações de Marx (idem, p. 81), “[…] a apropriação do objeto tanto aparece como

estranhamento (Entfremdung) que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos

pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital”.

O capitalismo se apresenta como condutor dos preceitos deliberativos da produção

social humana e suas relações sociais, desenvolvendo, entretanto, as contradições oriundas do

antagonismo existente entre as classes sociais. O conjunto das relações para produção da

existência do ser social elabora a estrutura econômica da atual sociedade. Atua, então, no

desenvolvimento da vida social e nas esferas sociais existentes. Lombardi (2011, p. 99,

itálicos no original) a respeito dessa questão comenta:

Homens determinados, que produzem de modo determinado e estabelecem uma teia

indissociável de relações, é como Marx e Engels teceram teoricamente seu

entendimento sobre totalidade histórico-social, expressa na categoria modo de

produção. Assim, forças produtivas, apropriação dos meios de produção, relações de

produção, divisão social do trabalho, relações sociais (e estrutura social), relações

políticas (e Estado), ideias ou representações (ou consciência dos homens),

ideologias (como teorização invertida de um mundo invertido) são categorias que

vão aparecendo teoricamente, dando complexidade contraditória ao existir social dos

homens, desvelando um encadeamento sincrônico e diacrônico que se expressa como totalidade na categoria modo de produção.

Contudo, o modo de produção capitalista não ficou de maneira imutável desde a sua

gênese até os dias atuais. Pelo contrário, o capitalismo no decorrer da sua história passou por

vários estágios para a sua manutenção. É por meio de fatores sociometabólicos que o

30 Marx (2008, p. 82) de maneira coerente e densa expõe que “[…] o estranhamento do trabalhador em seu

objeto se expressa, pelas leias nacional-econômicas, em que quanto mais o trabalhados produz, menos tem para

consumir; que quanto mais valores cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem formado o seu

produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; que

quanto mais poderoso, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espírito o trabalho, mais pobre

de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador”.

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capitalismo foi criando formas distintas para se conservar como o principal modo de

produção. A sua essência desumanizadora foi se intensificando conforme a necessidade de

fortalecimento do capital.

Taffarel et al. (2008, p. 22) afirmam que

Para serem superados os modos de produção e passarmos das formações econômicas

pré-capitalistas, com suas correspondentes culturas, para o capitalismo como

vivemos atualmente, foram sendo adotadas pela humanidade práxis que culminam

com a forma do capital organizar a produção, ou seja, em uma forma de relação em

que o trabalhador não é mais condição de produção, mas sim somente o seu

trabalho. Neste percurso ocorre a dissolução das relações entre o trabalhador e suas

condições objetivas de trabalho em decorrência da propriedade privada, inicialmente

a propriedade primitiva da terra ao atual sistema de propriedade privada da terra – o

latifúndio.

Na atual sociedade, no qual a propriedade privada dos meios de produção torna-se o

principal elemento do modo de produção, a condução da principal atividade humana, o

trabalho, ocorre à custa da alienação e do estranhamento, posto para impor um distanciamento

entre o ser social e o produto de sua criação.

Pontuamos que a relação entre o ser social e os pressupostos da propriedade privada

e, assim, do modo de produção capitalista induz o indivíduo por meio do estranhamento do

produto de sua criação e por meio da alienação frente às condições sociais pertinentes no

modo de produção supracitado a uma condição unilateral, um recuo das máximas

possibilidades produzidas histórica e socialmente pela humanidade.

Destarte, mesmo após mais de 150 anos da elaboração do Manifesto comunista de

Marx e Engels (2010) e mais de 80 anos de o Imperialismo, estágio superior do capitalismo

de Lênin (2012), observamos traços atuais nos seus escritos em relação ao movimento

realizado pelo atual status do capitalismo. Mostrando, matreiramente, a degradação da

existência humana.

Chesnais (1997, p. 07) aponta que “[…] a angústia vivida pelas grandes massas,

praticamente no mundo todo, vem da constatação pela classe operária, a juventude e as

massas oprimidas, da degradação acelerada das suas condições de existência […]”. Esse recuo

da possibilidade integral da formação humana pode ser observado nas estratégias

estabelecidas pelo acúmulo do capital no atual estágio do modo de produção capitalista como,

por exemplo: a mundialização do capital como cenário de ataque contra as massas; a

economia mundial atuando de maneira que se aglutina em uma unidade diferenciada e

hierarquizada; o clássico fetichismo que há nas relações sociais; etc. (CHESNAIS, 1997).

O atual movimento do capitalismo nos leva a lembrar e compreender como ainda é

pertinente a exposição de Marx e Engels, no manifesto, sobre o processo de opressão entre as

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classes, e que para isso acontecer é necessário fazer com que exista as mínimas possibilidades

possíveis para o ser social oprimido continuar na sua ação por meio da produção estranhada:

para oprimir uma classe é preciso poder garantir-lhe condições tais que lhe permitam

pelo menos uma existência servil. O servo, em plena servidão, conseguiu tornar-se

membro comuna, da mesma forma que o pequeno burguês, sob o jugo do

absolutismo feudal, elevou-se à categoria de burguês. O operário moderno, pelo

contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria [do capitalismo], desce cada vez mais, caindo abaixo das condições de sua própria classe. O trabalhador

torna-se um indigente e o pauperismo cresce ainda mais rapidamente do que a

população e a riqueza. Fica assim evidente que a burguesia é incapaz de continuar

desempenhando o papel de classe dominante e de impor à sociedade, como lei

suprema, as condições de existência de sua classe (MARX; ENGELS, 2010, p. 50,

itálicos nosso).

Netto e Braz (2011), em relação ao atual estágio do capitalismo, afirmam,

contextualizando historicamente, que a configuração tomada por esse modo de produção na

contemporaneidade inicia-se nos anos de 1970, dando ainda mais ênfase na exploração do ser

social por meio do monopólio. Assim, o capitalismo contemporâneo assume a terceira fase no

cerne do estágio imperialista.

Nos devidos termos de Lênin (2012, p. 47-48):

O capitalismo, em seu estágio imperialista, conduz praticamente à socialização

integral da produção; arrasta, por assim dizer, os capitalistas, contra sua vontade e

sem que disso tenham consciência, para uma nova ordem social, de transição entre a

mais livre concorrência e a completa socialização.

A produção passa a ser social, mas a apropriação continua a ser privada. Os meios

sociais de produção continuam a ser propriedade privada de um reduzido número de

indivíduos. Mantém-se o quadro geral da livre concorrência formalmente

reconhecida, e o jugo de uns quantos monopolistas sobre o resto da população torna-

se cem vezes mais pesado, mais sensível, mais insuportável.

Lênin (idem, p. 167) menciona que esse atual momento do modo de produção se

caracteriza pela subsunção da exploração cada vez mais exacerbada das pequenas nações por

um número reduzido de nações opulentas e/ou muito mais corpulentas, originando assim os

traços do imperialismo “[…] que obrigam a caracterizá-lo como capitalismo parasitário ou em

estado de decomposição”.

Assim, com tamanha força e rapidez que o capitalismo em seu estágio do

imperialismo vai se “modificando” 31

ou “completando”. Alguns autores já até denominam

31 Essas modificações ocorrem por meio de crises, uma vez compreendido que o modo de produção anterior e

suas variáveis não se sustentam e/ou carecem de uma nova reformulação para que, nesse caso, nos moldes do

capitalismo, ocorra uma exploração ainda mais eficiente do ser social. A respeito das crises no capitalismo,

Holloway (1987 apud ANTUNES, 2009b, p. 33) aponta: “A crise capitalista não é outra coisa senão a ruptura de um padrão de dominação de classe relativamente estável. Aparece como uma crise econômica, que se expressa

na queda da taxa de lucro. Seu núcleo, entretanto, é marcado pelo fracasso de um padrão de dominação

estabelecido […]. Para o capital, a crise somente pode encontrar sua resolução pela luta, mediante o

estabelecimento da autoridade e por meio de uma difícil busca de novos padrões de dominação”.

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esse atual momento como o “novo imperialismo”. Pois, com a mudança realizada na transição

da década de 1960 à década de 1970, ocorreu o fim do chamado “anos dourados” 32

. Anderson

(2012, p. 342) sobre esse novo momento do modelo societal explicita que

A comparação sociocultural não é tão clara quanto a material ou a letal, mas a ênfase

da narrativa é dada às “décadas de crise” dos anos de 1970 e 1980, quando os laços

morais que davam coesão imemorial à vida humana – família, origem, trabalho,

religião, classe social – se romperam. O resultado foi a disseminação de um

“individualismo absolutamente a-social”, cujos custos psicológicos foram

compensados cada vez mais pela excêntrica fixação coletiva nas políticas de

identidade. Aqui, é certamente mais plausível assumir um desenvolvimento unidirecional amplo do que no caso de crescimento econômico ou morte violento.

Verifica-se uma impetuosa mudança no cenário econômico, social, político e cultural

em prol da mundialização do capital. Por consequência, inicia-se um processo de transição da

acumulação rígida, presente no taylorismo-fordismo, para iniciar a denominada terceira fase

do estágio imperialista, caracterizada pela acumulação flexível do capital (HARVEY, 2012;

NETTO; BRAZ, 2011).

Nas orientações de Harvey (2012, p. 140) a acumulação flexível do capital

se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos

produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de

produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços

financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de

inovação comercial, tecnológica e organizacional.

O resultado desse novo modelo de exploração do trabalhador se dá pelo fato de que

“Esses poderes aumentados de flexibilidade e mobilidade permitem que os empregadores

exerçam pressões mais fortes de controle do trabalho sobre uma força de trabalho de qualquer

maneira enfraquecida por dois surtos selvagens de deflação […]” (idem, p. 140-141).

A transição do modelo capitalista fordista para a acumulação flexível se deu, em

grande parte, pelas mudanças ocorridas no campo tecnológico, da automação, na tentativa de

buscar e produzir novas linhas de produtos, a ocupação de grandes multinacionais em locais

do mundo em que se tem uma facilidade maior no que se refere ao controle do trabalho, a

necessidade do aumento do tempo de giro do capital. Estas foram algumas estratégias

32 Hobsbawn (2009, p. 253), em a Era dos extremos: o breve século XX, relata sobre os anos dourados que

“Durante os anos 50, sobretudo nos países ‘desenvolvidos’ cada vez mais prósperos, muita gente sabia que os

tempos tinham de fato melhorado, especialmente se suas lembranças alcançavam os anos anteriores à Segunda

Guerra Mundial. […] Contudo, só depois que passou o grande boom, nos perturbados anos 70, à espera dos

traumáticos 80, os observadores – sobretudo, para início de conversa, os economistas – começaram a perceber

que o mundo, em particular o mundo do capitalismo desenvolvido, passara por uma fase excepcional de sua

história; talvez uma fase única. Buscaram nomes para descrevê-la: ‘os trinta anos gloriosos’ dos franceses (les

trente glorieuses), a Era de Ouro de um quarto século dos anglo-americanos (Marglin & Schor, 1990). O

dourado fulgiu com mais brilho contra o pano de fundo baço e escuro das posteriores Décadas de Crise”.

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adotadas inicialmente nessa fase do modo de produção capitalista. Em consequência, Harvey

(idem, p. 141) argumenta que o modelo da acumulação flexível “[…] parece implicar níveis

relativamente altos de desemprego ‘estrutural’ (em oposição a ‘friccional’), a rápida

destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais […]

e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista”.

No que se refere ao mercado de trabalho, ocorreu uma grande reestruturação,

enfatizada na alta competitividade, na diminuição das margens de lucro, na imposição de

contratos e regimes de trabalhos mais flexíveis em virtude do debilitamento do poder sindical

e do grande número de força de trabalho excedente (devido à alta taxa de desempregados e

subempregados no mercado).

Conhecemos nessa nova formatação de exploração do trabalhador tendências no

mercado que partiram para uma concepção de superfluidade dos produtos produzidos, isto é,

para uma “vida” útil menor desses produtos. É fomentado um ritmo intenso na produção de

novos produtos e em paralelo ocorre a “[…] exploração de nichos de mercado altamente

especializados e de pequena escala” (idem, p. 148). Portanto, para que isso pudesse se tornar

constante no mundo do trabalho, ou melhor, para que pudesse dar uma maior vazão dessa

produção que ocorre de maneira acelerada, torna-se necessário uma redução do tempo de

consumo dos produtos. 33

Outra questão que compreendemos ser importante a respeito das ações e estratégias

adotadas por esse modo de produção é sobre o acesso ao conhecimento científico e técnico no

bojo da intensa determinação da competitividade. Não obstante, nas demais formatações de

modo de produção capitalista o conhecimento científico e técnico teve a sua parcela relevante

na luta competitiva, entretanto, no estágio produtivo caracterizado pela acumulação flexível

do capital houve uma renovação no sentido do interesse da ênfase a ser dada para o

conhecimento científico e técnico.

Tendo em vista essa tendência da superfluidade, isto é, essa tendência que culmina

para um número elevado de distintas produções e um número reduzido do tempo de consumo

dos produtos – por motivo de grande dinâmica que se tomou no que tange a mudança de

33 Como nota de exemplo, apresentamos, conforme Harvey (2012, p. 148, itálicos nosso), uma comparação entre

os produtos produzidos no momento histórico do fordismo e, então, do atual modo de acumulação flexível: “A

meia vida de um produto fordista típico, por exemplo, era de cinco a sete anos, mas a acumulação flexível

diminuiu isso em mais da metade em certos setores (como têxtil e o do vestuário), enquanto em outros – tais

como as chamadas indústrias de ‘thoughtware’ (por exemplo, videogames e programas de computador) – a meia

vida está caindo para menos de dezoito anos. A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do consumo,

portanto, por uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilização de todos os artifícios de indução

de necessidades e de transformação cultural que isso implica”.

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gostos e hábitos –, o conhecimento científico e técnico passou a ter que acompanhar tal

tendência. O conhecimento apropriado do mais novo produto produzido, da mais nova

descoberta científica, indica alcançar um elevado patamar na luta da competitividade, nesse

atual modo de produção. Observamos, consequentemente, que “[…] o próprio saber se torna

uma mercadoria-chave, a ser produzida e vendida a quem pagar mais, sob condições que são

elas mesmas cada vez mais organizadas em bases competitivas” (idem, p. 151).

Longe de termos esgotado as inúmeras especificidades oriundas do modo de

produção da acumulação flexível, mas que nos parece cabível para o objetivo de trabalho. 34

Portanto, como Antunes no alerta para uma reflexão crítica frente essa nova formatação de

linhagem específica do modo de produção capitalista é que “[…] as mutações em curso são

expressão de reorganização do papel do capital com vistas à retomada do seu patamar de

acumulação e ao seu projeto global de dominação” (ANTUNES, 2009b, p. 52).

Destarte, a questão importante para nós, nesse momento, sobre a acumulação flexível

se dá em compreendermos o impacto proveniente desse modo de produção para a formação

humana e, concomitantemente, no estabelecimento de relações entre o trabalho e a instrução,

isto é, na ligação do trabalho com o sistema educacional – e, portanto, com a Educação Física.

Em uma síntese bem apertada, concluímos que no bojo da acumulação flexível do

capital, isto é, por meio do team work, prepara-se um “novo trabalhador” em proveito de uma

intensificação da exploração do seu trabalho, seja pelo fato de que esse trabalhador passa a ter

que realizar mais funções distintas e de maneira simultânea, seja pelo ritmo elevado da

produção e seja pela alta velocidade da cadeia de produção. Logo: “[…] presencia-se uma

intensificação do ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de trabalho ou até mesmo quando

este se reduz” (idem, p. 58, itálicos no original).

Observamos uma ação do capital em assolar a consciência de classe dos

trabalhadores. Postulando um discurso, a fim de “mascarar” as formas maiores ainda de

exploração: dando ênfase, assim, para um “[…] discurso de que a empresa é a sua ‘casa’ e que

eles [trabalhadores] devem vincular o seu êxito pessoal ao êxito da empresa; não por acaso, os

capitalistas já não se referem a eles como ‘operários’ ou ‘empregados’ – agora, são

‘colaboradores’, ‘cooperadores’, ‘associados’ etc.” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 227).

Por sua vez, Antunes (2009b, p. 54, itálicos nosso) assevera esse debate afirmando

que o padrão de acumulação flexível

34 Para uma análise mais detalhada dos pressupostos da acumulação flexível do capital, indicamos as seguintes

obras: Antunes (2009b), capítulo 04; Harvey (2012); Netto e Braz (2011), mais precisamente o capítulo 09.

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se fundamenta num padrão produtivo organizacional e tecnologicamente avançado,

resultado da introdução de técnicas de gestão da força de trabalho próprias da fase

informacional, bem como da introdução ampliada dos computadores no processo

produtivo e de serviços. Desenvolve-se em uma estrutura produtiva mais flexível,

recorrendo frequentemente à desconcentração produtiva, às empresas terceirizadas

etc. Utiliza-se de novas técnicas de gestão da força de trabalho, do trabalho em

equipe, das “células de produção”, dos “times de trabalho”, dos grupos

“semiautônomos”, além de requerer, ao menos no plano discursivo, o

“envolvimento participativo” dos trabalhadores, em verdade uma participação

manipuladora e que preserva, na essência, as condições do trabalho alienado e

estranhado. O “trabalho polivalente”, “multifuncional”, “qualificado”, combinado com uma estrutura mais horizontalizada e integrada entre diversas empresas,

inclusive nas empresas terceirizadas, tem como finalidade a redução do tempo de

trabalho.

Portanto, em tempos atuais, observamos, por exemplo, o grande avanço no campo

científico voltado para a saúde, para o transporte, para a educação, para a sustentabilidade do

mundo, enfim, para saciar desde os elementos mais básicos até mesmo os mais complexos da

(sobre)vivência do ser social e, assim, poder propiciar o verdadeiro bem-estar (em um sentido

omnilateral); também houve avanços no campo tecnológico, que tem, atualmente, a condição

de proporcionar uma diminuição considerável da jornada de trabalho do trabalhador.

Entretanto, todos esses avanços são utilizados ainda mais para a precarização da vida

social de cada trabalhador. O avanço tecnológico caminha a passos largos e de maneira

drástica para uma maior exploração da força de trabalho; a condição de ter acesso à

especificidade da cultura de outras localidades, das maneiras de “viver a vida” por formas

distintas da habitual de certo indivíduo que reside em certo lugar do mundo, ou seja, a

possibilidade de trocas de experiências não imediatistas é ofuscada pelos preceitos

conservadores e unilaterais da sociedade capitalista; na educação é evidente a tentativa de um

deslocamento do conhecimento mais elaborado para enfocar no empirismo de cada indivíduo,

impossibilitando um salto qualitativo na intelectualidade de cada ser e, destarte, recusando a

análise e a diligência crítica sobre a realidade social.

Levando em consideração as análises realizadas até esse momento em relação à

contemporânea formatação da acumulação do capital regida pelos moldes flexíveis,

passaremos a seguir a compreender como a educação escolar e, concomitantemente, a

Educação Física escolar foram refletidas e direcionadas nessa nova contextualização de

produção. Explicitaremos as tendências e as dinamizações por que passaram,

predominantemente, em nível nacional, a fazer com que esse condicionante social atenda a

prerrogativa de contribuir no que refere à formação do ser social em proveito de extrair a

máxima capacidade deste em relação a sua força de trabalho nos meios de produção.

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Por esta forma, apresentaremos primeiramente, baseado, principalmente, em Saviani

(2011b; 2013a), a discussão realizada em torno da educação escolar para, posteriormente,

adentrarmos nas especificidades da Educação Física, na tentativa de confrontar as tendências

pedagógicas e a política educacional dessa área do conhecimento e suas proposições em

relação ao objeto de conhecimento com a função social da mesma. Ou seja, analisaremos, em

última instância, as possibilidades e limitações dessas teorizações perante o regime da

acumulação flexível do capital.

1.1.2 A educação escolar e a Educação Física escolar no interior da acumulação flexível

do capital

A relação entre modo de produção capitalista e educação é um tema que já vem

sendo discutido há muito tempo por vários intelectuais, tanto para os conservadores como

para aqueles que pressupõem a educação como um elemento que pode contribuir de maneira

concreta para a transformação social. Portanto, cabe a nós nesse momento pontuarmos e

explicitarmos algumas teorizações que compreendem a educação como um importante

elemento, cuja função social é apresentar reflexões e proposições concretas para que

possamos almejar uma possível superação do status quo.

Para que essa sistematização esteja coerente com a perspectiva de uma transformação

social, devemos nos apoiar em produções que procuraram compreender o movimento da

educação no bojo do modo de produção capitalista e, a partir desse pressuposto, estabelecer

sob a égide de uma postura histórica e dialética sobre a atual fase do modo de produção

capitalista. Dessa forma, abordaremos nesse momento, primeiramente, as questões do

dinamismo da educação escolar na sua relação com o modo de produção capitalista no que se

refere, principalmente, às especificidades da acumulação flexível do capital; para,

posteriormente, apontarmos quais as consequências da relação citada para com a Educação

Física escolar.

Portanto, partimos do pressuposto de que o sistema educacional, e

concomitantemente a Educação Física escolar como componente curricular desse sistema que,

por sua vez, está inserido no modo de produção capitalista, pode assumir duas únicas funções

e, diga-se de passagem, são totalmente antagônicas: (a) aderindo aos pressupostos do

capitalismo e, portanto, contribuindo implícita ou explicitamente para a manutenção de tais

condições, proporcionando uma formação passiva dos indivíduos sob os condicionantes

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sociais; (b) assumindo um posicionamento crítico frente ao sistema capitalista, mas, para isso,

torna-se eminente que se assuma como principal horizonte a possibilidade da transformação

social, ou seja, é necessário se sustentar numa teoria pedagógica que estimule e apresente

subsídios para que os indivíduos se apropriem dos elementos necessários para o

desenvolvimento de uma consciência de classe que os impulsione na superação do status

quo.35

Acreditamos que atualmente a única maneira que temos acesso a essa possibilidade

de perspectivar uma revolução da realidade social é sob o apoio e a fundamentação do

materialismo histórico-dialético. A teoria que se baseia nesse suporte apresenta uma oposição

radical ao mundo do capital e propõe uma formação humana realmente humanizada. Assim,

como está dito no Manifesto comunista:

De todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o proletariado é uma

classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com

o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é seu produto

mais autêntico (MARX; ENGELS, 2010, p. 49).

Por essa contextualização, os autores também expõem:

Todos os movimentos históricos têm sido, até hoje, movimentos de minorias ou em

proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento autônomo da imensa

maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada mais baixa da

sociedade atual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos

superpostos que constituem a sociedade oficial (idem, p. 50).

Como sabemos, Marx não elaborou uma teoria pedagógica, mas encontramos,

diluídos no decorrer de sua obra, apontamentos e subsídios para a reflexão no campo

educacional. Essa condição que Marx nos possibilita de refletir sobre as especificidades de

uma teoria pedagógica se dá, indubitavelmente, pela sua contribuição teórica não só para o

campo pedagógico, mas como para todas as esferas sociais. Esse acúmulo e essa possibilidade

ocorrem justamente pelo método elaborado por Marx, ou seja, por todas as indicações que

encontramos em sua obra e, portanto, no materialismo histórico-dialético que nos permitem

explicar e compreender o movimento da realidade concreta na sua forma mais fidedigna

possível.

Refletindo e elucidando as questões sobre uma teoria pedagógica oriunda do

materialismo histórico-dialético existe, a nosso ver, grandes comentadores da obra de Marx

que se dedicaram ao aprofundamento da educação sob a ótica marxiana. Podemos citar, em

35 Basta lembrarmos a afirmação de Marx e Engels (2010, p. 40-41) com relação à composição da sociedade

voltada aos moldes capitalistas: “A sociedade divide-se cada vez mais em dois campos opostos, em duas grandes

classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado”.

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nota ilustrativa, o filósofo polonês Bogdan Suchodolski, o pedagogo italiano Mario Alighiero

Manacorda36

e, entre nós, destacamos o professor e pesquisador Dermeval Saviani.

Manacorda (2010a, p. 357, itálicos nosso), sobre a relação entre a educação ou sobre

uma teoria pedagógica e a sociedade atual, argumenta que

O socialismo marxista, ao contrário daquele dos utópicos, apresenta-se como o

antagonista e, ao mesmo tempo, o herdeiro de toda a tradição burguesa; nele não há

nada daquelas tentações negativas, próprias do democratismo pequeno-burguês e do

anarquista, tais como se manifestam na instintiva volta à natureza de Rousseau ou na

ostensiva necessidade de destruir tudo, inclusive a cultural, por exemplo, de

Vincenzio Russo ou de Stirner; mas encontramos nele uma avaliação crítica e

consciente da “função civilizadora do capital”. Tal é considerada por Marx também

aquela que poderia ser chamada a “pedagogia social” do capital, isto é, a ação

histórica desenvolvida por ele na fábrica para disciplinar o trabalho e, até, para

educar para o sobretrabalho: este tempo de trabalho excedente às necessidades vitais do operário, que na sociedade capitalista é destinada a aumentar o capital, pode e

deve tornar-se o tempo de trabalho e de crescimento intelectual destinado a

aumentar a riqueza social, a atender às necessidades superiores de todos os homens.

Desse modo, ao nos depararmos com algumas colocações explícitas de Marx em

relação à educação, iremos encontrar um posicionamento – como afirma Manacorda (2010a)

–, por exemplo, positivo sobre alguns avanços da educação regida pelos fundamentos

burgueses (capitalistas), isto é: “[…] universalidade, laicidade, estatalidade, gratuidade,

renovação cultural, assunção da temática do trabalho, como também a compreensão dos

aspectos literário, intelectual, moral, físico, industrial e cívico” (idem, ibidem).

Trazemos a tona, em nota ilustrativa, os importantes escritos de Condorcet (2010)

sobre a instrução (educação) pública da Revolução Francesa. Tendo como grande objetivo o

afastamento da educação perante a tutela religiosa, negando a existência de um ser absoluto.

Um grande avanço para a época histórica que Condorcet (2010) residia – isto é, o processo

pós modo de produção feudal. Nas palavras do autor a instrução deveria:

Cultivar, enfim, em cada geração, as faculdades físicas, psíquicas, intelectuais e

morais;

E, por esse meio, contribuir para um aperfeiçoamento geral e gradual da espécie

humana, finalidade última para a qual toda instituição social deve ser dirigida:

Tal deve ser o objetivo da instrução.

36 A respeito de Mário Alighere Manacorda, como sabemos esse autor elaborou uma importante obra para a educação, isto é, a obra História da Educação, no qual caracterizamos como um marco para essa área do

conhecimento. Por conseguinte, Manacorda elaborou outro legado de suma importância, mas que não foi

publicado ainda. Trata-se de um manuscrito referente a História da Educação Física e dos Esportes intitulado

DIANA E LE MUSE: Tre Millenni di sport nella letteratura. O conteúdo da obra está assim estruturado:

Volume I – In Grecia e a Roma; Volume II - Medioevo, Umanesimo e Rinascimento; Volume III - Dalla

Contrariforma All’illuminismo; Volume IV - Della Rivoluzione francese a oggi. Segue ainda, um texto

elaborado pelos editores dirigido aos leitores intitulado Al lettore, e, por fim, um índice de teste com os seguintes

títulos Volume I - Lo sport nell’antica Grecia e nel mondo latino ( Sec. XIII a.C. – VI d.C.); Volume II - Il

Medioevo ( sec. VI-XV); Volume IIII - L’Età moderna (sec. XV-XVIII); Volume IV – L’Età recente (1789-2000).

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E é, para o poder público, um dever imposto pelo interesse comum da sociedade e

da humanidade inteira (CONDORCET, 2010, p. 22-23).

Todavia, no âmbito de explicitar um posicionamento marxista sobre a educação,

Manacorda (2010a, p. 357), nos explicita:

O que o marxismo acrescente de próprio é, além de uma dura crítica à burguesia

pela incapacidade de realizar estes seus programas, uma assunção radical e

consequente destas premissas e uma concepção mais orgânica da união instrução-trabalho na perspectiva oweniana de uma formação total de todos os homens.

Tomamos, nesse momento, passagens dos manuscritos de Marx sobre a educação e

como a mesma deveria interagir juntamente com o trabalho e também no que se refere sobre a

direção política a ser tomada no processo da formação humana.

Citamos, primeiramente, a passagem de Marx (2010, p. 45-46, itálicos no original),

em as Glosas críticas ao artigo “‘O rei da Prússia e a reforma social’. De um prussiano”, no

qual o autor efetiva uma crítica radical ao nível da instrução na Alemanha no que se refere à

educação designada aos proletariados:

É preciso reconhecer que o proletariado alemão constitui o teórico do proletariado

europeu, assim como o proletariado inglês é seu economista político e o proletariado

francês seu político. É preciso reconhecer que a Alemanha possui uma vocação

clássica para a revolução social, que é do tamanho da sua incapacidade para a

revolução política. […] O descompasso entre o desenvolvimento filosófico e

desenvolvimento político na Alemanha não constitui nenhuma anormalidade. Trata-

se de um descompasso necessário. Somente no socialismo um povo filosófico encontrará a práxis que lhe corresponde, ou seja, somente no proletariado encontrará

o elemento ativo de sua libertação.

Em sequência, expomos outra argumentação que Marx (2012a, p. 45-46, itálicos no

original) realiza em relação às indagações a respeito da educação, nos manuscritos da Crítica

do programa de Gotha:

Educação popular igual? O que se entende por essas palavras? Crê-se que na

sociedade atual (e apenas ela está em questão aqui) a educação possa ser igual para

todas as classes? Ou se exige que as classes altas também devam ser forçadamente

reduzidas à módica educação da escola pública, a única compatível com as

condições econômicas não só do trabalhador assalariado, mas também do

camponês? “Escolarização universal obrigatória. Instrução gratuita.” A primeira existe

Alemanha, a segunda na Suíça [e] nos Estados Unidos, para escolas públicas. Que

em alguns estados deste último também sejam “gratuitas” as instituições de ensino

“superior” significa apenas, na verdade, que nesses lugares os custos da educação

das classes altas são cobertos pelo fundo geral dos impostos. […] O parágrafo sobre

as escolas devia ao menos ter exigido escolas técnicas (teóricas e práticas)

combinadas com a escola pública.

Observamos alguns importantes elementos para uma possível pedagogia marxista, a

citar: a união de ensino e trabalho produtivo, a necessidade de escolas técnicas com um duplo

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caráter – teórico e prático (MANACORDA, 2010b). A necessidade principal para essa

“escola do futuro” é disponibilizar de maneira universal e gratuita o conhecimento mais

elaborado, a fim de possibilitar a apropriação desse conhecimento de maneira crítica por parte

da classe operária para que ela possa elevar a sua cultura. Manacorda (idem, p. 58) expõe que

o vínculo entre ensino-trabalho sob a ótica de Marx “[…] aparece aqui formulado como um

dos mais potentes meios de transformação da sociedade atual”.

Em termos práticos, compreendemos, com o auxílio de Lombardi (2011), três eixos

fundamentais para aderir e atuar por meio dos pressupostos teóricos de uma pedagogia de

cunho marxista: primeiro é a crítica radical sobre a educação, o ensino e a qualificação

profissional estanque aos pressupostos do modo de produção capitalista; segundo é a

necessidade de haver uma relação coesa entre o proletariado e a ciência, a cultura e a

educação; terceiro é perspectivar e concretizar a educação nos moldes comunistas e que se

evidencie a formação omnilateral do ser social. Assim sendo, completamos com uma citação

de Manacorda (2010b, p. 83, itálicos nosso) afirmando que: a “[…] onilateralidade é

considerada objetivamente como o fim da educação”.

Contudo, para alguns o que acabamos de mencionar é algo infundado, sem sentido,

digno de uma utopia não coesa e sem fundamentação. Entretanto, o que estes opositores não

levam em conta é a simples e, ao mesmo tempo, complexa e importante questão de que a

educação assim como os inúmeros outros elementos que constituem o mundo dos homens é

uma atividade humana que surge em dadas condições e necessidades histórica e socialmente

estabelecidas para o ser social. Há, portanto, a possibilidade de elencar outras necessidades

para a educação, dando um sentido opositor ao pensamento burguês. Lombardi (2011, p. 102)

nos afirma que

A educação é um campo da atividade humana e os profissionais da educação não

construíram esse campo segundo ideias próprias, mas em conformidade com

condições materiais e objetivas, que correspondem às forças produtivas e relações de

produção adequadas aos diferentes modos e organizações da produção,

historicamente construídas pelos homens e particularmente consolidadas nas mais

diferentes formações sociais.

Estamos perante a compreensão da totalidade concreta da formação humana

vinculada com o modo de produção próprio de cada época histórica, ou seja, estamos

assentando “sobre os nossos próprios pés” o movimento oriundo do ser social e da sociedade

em que este constitui e é constituído.

Dito isso, compreendemos que não há no decorrer da história do capitalismo uma

atuação relevante de uma teoria crítica que efetivamente assuma a função social

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transformadora da educação, da Educação Física e, em suma, de cada indivíduo em benefício

de uma superação do desumanizante modo de produção hodierno, a não ser a teoria

fundamentada pelo materialismo histórico-dialético.

Lombardi (2011), na sua análise da obra marxiana sobre o modo de produção

capitalista e a educação, menciona que para refletir sobre a educação na perspectiva do

trabalho e de maneira histórica torna-se necessário acompanhá-la no seio do processo de

mutação e transformação das relações existentes no atual modo de produção. Entretanto, a

problemática da educação não é tratada na obra de Marx de maneira exclusiva, “[…] mas é

parte integrante do quadro teórico fundamental da análise de Marx sobre o processo de

subordinação do trabalho ao capital” (idem, p. 107).

Nesse viés, Lombardi (idem) acompanha a análise de Marx sobre o processo e as

mutações realizadas no decorrer das transformações do modo de produção capitalista e efetiva

uma tentativa de compreender, no seio dessa análise, como Marx caracteriza a educação. O

autor adentra a sua análise da obra marxiana nas seguintes transformações do modo de

produção capitalista: (a) na acumulação primitiva de capital; (b) na divisão do trabalho,

cooperação e manufatura; (c) na maquinaria e grande indústria.

Evidentemente o nosso estudo não irá explicitar especificamente cada um desses

modos de produção capitalista. Objetivamos, nesse momento, expor a contribuição de

Lombardi (idem) nessa análise complexa e densa de apresentar a educação no interior do

quadro teórico formulado por Marx e também por Engels. Tivemos como propósito, até esse

momento, expor que o movimento da educação possui extrema vinculação com os

movimentos contraditórios existentes na especificidade de cada modo de produção capitalista.

Portanto, no atual estágio do modo de produção capitalista, ou seja, na acumulação

flexível do capital, a educação – pelo fato de ser também um condicionante social – sofre

grande interferência desse atual modo de produção. Mas, com efeito, também atua como

condicionante que interfere no hodierno movimento social.

Com isso, com a vigência do exacerbado avanço tecnológico que serviu para alterar

os padrões de produção em benefício da acumulação flexível – como vimos anteriormente –,

deslocando “[…] os mecanismos de controle para o interior das próprias empresas,

secundarizando o papel dos sindicatos e do Estado […]”, a educação passou a ser refletida e

proposta com o objetivo de fazer com que contribuísse como a “nova formatação de

indivíduo” para que atendesse os pressupostos provenientes da acumulação flexível

(SAVIANI, 2013a, p. 96).

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A educação, nesse momento histórico, é colocada à mercê da determinação direta

oriunda das condições do mercado capitalista. Segundo Saviani (idem, p. 97), “[…] é, com

efeito, aquilo que poderíamos chamar de ‘concepção produtivista de educação’, que domina o

panorama educativo da segunda metade do século XX”. A educação passa a ter uma

importância não só nos motes sociais e culturais, mas entra como pertinente elemento que

contribui para os fins econômicos. Investir em educação seria um investimento de maior

compensação do que outras maneiras de investimentos no que se refere à produção material.

Na busca pela competitividade, pela racionalidade que, em suma, impõe para a

questão de fomentar a excelência em resultados com o mínimo de dispêndio, com inspiração

na acumulação flexível do capital,

se busca flexibilizar a organização das escolas e o trabalho pedagógico, assim como

as formas de investimento, secundarizando, neste último caso, o papel do Estado e

apelando-se para a benemerência e o voluntariado. […] Assim, também a educação

se aperfeiçoam os mecanismos de controle, inserindo-a no processo mais geral de gerenciamento das crises no interesse da manutenção da ordem vigente (idem, p.

98).

De acordo com Antunes (2009a, p. 31, itálicos no original), a educação, ou melhor, o

sistema educacional no contexto da “[…] era da acumulação flexível, volátil, financeirizada e

liofilizada […]”, se propõe a uma nova formatação pedagógica, para poder atender aos

moldes do novo dinamicismo do modo de produção capitalista atrelado aos preceitos da

acumulação flexível do capital.

Alguns ideólogos do reino do capital mensuram que a educação tem como principal

compromisso social atender unicamente ao “receituário” oriundo do modo de produção

capitalista. Antunes (idem, ibidem), contrapondo tal argumentação, expõe criticamente que a

educação voltada para esses pressupostos conservadores parte para um movimento que

incentiva as seguintes formulações: “[…] ‘ágil’, ‘flexível’ e ‘enxuta’, como são as empresas

capitalistas hoje”. Por esse contexto, o mesmo autor menciona que o projeto proveniente da

educação conservadora na atualidade está atrelado a um grande pressuposto: a qualificação

para o mercado de trabalho (mundo do trabalho), por meio da especialização, do tipo parcelar.

É a mais nova forma para conduzir a educação aos moldes unilaterais, isto é, a formação

humana voltada “[…] para o exercício do trabalho unilateralizado, seja nas escolas técnicas

profissionalizantes, seja nas escolas superiores […]”. Para essa ação, Antunes (idem, ibidem)

denomina de pragmática da especialização fragmentada, isto é, “[…] a educação moldada

por uma pragmática tecno-científica, qualificadora do mercado de trabalho gerencial,

profissional, coisificado”.

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Pontualmente, no âmbito do acúmulo teórico das ideias pedagógicas no Brasil, vale

relembrar os problemas das intervenções pedagógicas, já anunciados no final da década de

1980 em teorizações baseadas em um campo de esquerda. Mais especificamente, iremos

encontrar o trato das questões pedagógicas nas discussões que contemplavam as temáticas

“Estado e educação” e “Trabalho e educação”. Verificam-se, também, “incursões” na

problemática do neoliberalismo, da mudança das bases produtivas e da qualificação para o

mundo do trabalho. Destacamos nesse período histórico o movimento filosófico-cultural

denominado “pós-moderno”, o qual ocorreu em conciliação com a revolução da informática.

Conforme Saviani (2011b, p. 428):

Nesse novo contexto, as ideias pedagógicas sofrem grande inflexão: passa-se a assumir no próprio discurso o fracasso da escola pública, justificando sua

decadência como algo inerente à incapacidade do Estado de gerir o bem comum.

Com isso advoga, também no âmbito da educação, a primazia da iniciativa privada

pelas leis do mercado.

Vale mencionar que estamos perante um elemento que contribui para a expropriação

do humano, continuando na caminhada da degradação do ser social, na formação de um

humano desumanizado. Dessa forma, Saviani (idem, ibidem) cita:

Não é fácil caracterizar em suas grandes linhas essa nova fase das ideias

pedagógicas. Isso porque se trata de um momento marcado por descentramento e

desconstrução das ideias anteriores, que lança mão de expressões intercambiáveis e

suscetíveis de grande volatilidade. Não há, pois, um núcleo que possa definir

positivamente as ideias que passam a circular já nos anos de 1980 e que se tornam hegemônicas na década 1990. Por isso sua referência se encontra fora delas, mais

precisamente nos movimento que as precederam. Daí que sua denominação tenda a

se fazer lançando mão das categorias precedentes às quais antepõem prefixos do tipo

“pós” ou “neo”.

Dito isso, mencionaremos a seguir, fundamentando-nos em Saviani (idem), as bases

de cunho econômico atreladas aos condicionantes pedagógicos que se tornaram presentes em

nível nacional. Tais bases podem ser assim definidas:

Reconversão produtiva, neoprodutivismo e a “pedagogia da exclusão”

Tais encaminhamentos derivam da influência da crise realizada na década de 1970 na

sociedade capitalista que eclodiu na necessidade de reestruturação dos processos produtivos

do capital, partindo para o movimento apontado acima, intitulado como acumulação flexível

do capital, promulgada pela orientação e ação do modelo toyotista de produção. “Trata-se de

preparar os indivíduos para, mediante sucessivos cursos dos mais diferentes tipos, se tornarem

cada vez mais empregáveis, visando a escapar da condição de excluídos” (idem, p. 431).

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Eis aí uma função que a “pedagogia da exclusão” assume: que “[…] caso não o

consigam [o emprego], a pedagogia da exclusão lhes terá ensinado a introjetar a

responsabilidade por essa condição” (idem, ibidem). Impõe, portanto, no indivíduo a

responsabilidade de estar em tal situação, sendo ele mesmo detentor do suposto mérito ou

fracasso que o carrega na sua existência.

O “aprender a aprender” e sua dispersão pelos diferentes espaços sociais

(neoescolanovismo)

Esse lema é consubstanciado pelas ideias pedagógicas escolanovistas. Em suma, tal

posicionamento didático-pedagógico se caracteriza no deslocamento do

eixo do processo educativo do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos para

os métodos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para

a espontaneidade, configurou-se uma teoria pedagógica em que o mais importante

não é ensinar e nem mesmo aprender algo, isto é, assimilar determinados conhecimentos. O importante é aprender a aprender, isto é, aprender a estudar, a

buscar conhecimentos, a lidar com situações novas (idem, ibidem).

Há uma descentralização pedagógica do conhecimento elaborado, ou melhor, o

conhecimento é afastado das atuações pedagógicas enquanto formadoras de formação de cada

ser social. Com isso, a possibilidade de um avanço intelectual do aluno ser torna impossível,

uma vez compreendido que o aluno continuará estagnado no acúmulo do conhecimento

empírico já apropriado por si mesmo. Não ocorre um salto qualitativo na formação humana do

ser social. Essa é outra base didático-pedagógica muito proveitosa para a atuação pós-

moderna e para a manutenção da sociedade atual, da sociedade da superfluidade. 37

A reorientação das atividades construtivas da criança (neoconstrutivismo) e a “pedagogia

das competências”

Tem como principal embasamento o escolanovismo e os pressupostos da fonte

primária identificada com a obra de Piaget. Dessa forma, consideramos “[…] que se encontra

aí a teoria que veio a dar base científica para o lema pedagógico ‘aprender a aprender’” (idem,

p. 434).

A “pedagogia das competências” também assume um lugar de relevância sobre os

aspectos destinados à prática pedagógica. Em síntese, Saviani (idem, p. 437) expõe que

37 Para uma compreensão crítica sobre o (neo)construtivismo ver os seguintes trabalhos: Duarte (2005; 2006;

2008), Facci (2011) e Rossler (2006).

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a “pedagogia das competências” apresenta-se como outra face da “pedagogia do

aprender a aprender”, cujo objetivo é dotar os indivíduos de comportamentos

flexíveis que lhes permitam ajustar-se às condições de uma sociedade em que as

próprias necessidades de sobrevivência não estão garantidas. Sua satisfação deixou

de ser um compromisso coletivo, ficando sob a responsabilidade dos próprios

sujeitos que, segundo a raiz etimológica dessa palavra, se encontram subjugados à

“mão invisível do mercado”.

Em outras palavras: “O discurso é claro: não basta apenas educar, é preciso assegurar

o desenvolvimento de ‘competências’ […], valor agregado a um processo que, todavia, não é

o mesmo para todos” (MORAES, 2009, p. 319).

A reorganização das escolas e redefinição do papel do Estado (neotecnicismo); “qualidade

total” e “pedagogia corporativa”

Tendo em pauta, em escala mundial, a tentativa de formar “novos indivíduos” que

contribuam com as proposições elencadas no atual modelo de sociedade, isto é, por meio da

reorganização do processo produtivo, a educação escolar sofreu diversas modulações para

fomentar essa nova formação humana. Essas modulações se deram pela transição, no âmbito

escolar, do ensino centrado nas disciplinas de conhecimento para o ensino por competências

destinadas na resolução de certas situações-problema na prática imediata.

Nessa contextualização de educação mantém-se a lógica da competição, da

racionalidade e da eficiência. Principalmente na década de 1990 assumiu na educação uma

recente conotação: “[…] advoga-se a valorização dos mecanismos de mercado, o apelo à

iniciativa privada e às organizações não governamentais, a redução do tamanho do Estado e

das iniciativas do setor público” (SAVIANI, 2011b, p. 438).

Na busca de haver um estilo preconizado que atenda as “demandas” conservadoras

do capital, tais teorizações que alicerçam as contemporâneas pedagogias supracitadas surgem

com o intuito de contribuir inerentemente aos preceitos sociais hodiernos. Segundo Mazzeu

(2011, p. 148)

As demandas da reestruturação produtiva para a formação ou qualificação do

trabalhador, apoiadas na tese da reintegração das atividades de trabalho e da

necessidade de emprego de mão de obra qualificada, têm sua difusão intensificada

no Brasil a partir da década de 1990. Nesse período, é possível observar a promoção

de reformas educacionais e a elaboração de programas pautados na competitividade em decorrência da centralidade assumida pela educação no interior dos novos

modelos de produção que adotam a flexibilidade, a autonomia e a polivalência como

conceitos-chave.

Nessa forma, observamos o processo constitutivo das políticas públicas para o

sistema educacional no Brasil no seio da década de 1990. Fomentados pelo Ministério da

Educação, no período do capitalismo contemporâneo ou no regime da acumulação flexível do

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capital – isto é, em consonância e fomentando a reestruturação produtiva –, instaura-se no

Brasil as reformas educacionais como: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n.

9.394/96), os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação de Professores da Educação Básica, etc.

Nos anos de 1990 a educação e mais especificamente a formação de professores em

todas as áreas, dentre elas a Educação Física, sofreu alterações. São elaboradas e

implementadas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei 9394/96) e os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) – respectivamente – que estão

permeados pelas recomendações e orientações das políticas de cunho neoliberal,

direcionando assim os vários campos do saber como a própria Educação Física

(TAFFAREL, 2010a, p. 32).

Estamos diante das políticas públicas que regem o nosso sistema educacional. E,

portanto, as partes constituintes do currículo escolar: Gramática, História, Arte, Matemática,

Educação Física, etc. Ocorre uma redefinição da função do Estado e das escolas para um viés

de flexibilização do processo. Saviani (2011b, p. 439) afirma que

Estamos, pois, diante de um neotecnicismo: o controle decisivo desloca-se do

processo para os resultados. É pela avaliação dos resultados que se buscará garantir

a eficiência e produtividade. E a avaliação converte-se no papel principal a ser exercido pelo Estado, seja mediatamente, pela criação das agências reguladoras, seja

diretamente, como vem ocorrendo no caso da educação. […]

O neotecnicismo se faz presente alimentando a busca da “qualidade total” na

educação e a penetração da “pedagogia corporativa”.

Portanto, estão instaurados no seio da educação escolar os processos que constituem

normativas para uma “melhor” assimilação por parte dos indivíduos à reconversão produtiva,

estabelecida pelas contribuições da acumulação flexível do capital.

Em suma, as ideias pedagógicas no Brasil da última década do século XX

expressam-se no neoprodutivismo, nova versão da teoria do capital humano que

surge em consequência das transformações materiais que marcaram a passagem do

fordismo ao toyotismo, determinando uma orientação educativa que se expressa na “pedagogia da exclusão”. Em correspondência, o neoescolanovismo retoma o lema

“aprender a aprender” como orientação pedagógica. Essa reordena, pelo

neoconstrutivismo, a concepção psicológica do sentido do aprender como atividade

construtiva do aluno, por sua vez objetivada no neotecnicismo, enquanto forma de

organização das escolas por parte de um Estado que busca maximizar os resultados

dos recursos aplicados na educação. Os caminhos dessa maximização desembocam

na “pedagogia da qualidade total” e na “pedagogia corporativa” (idem, p. 441-442).

Concluímos que esse dinamismo está forçando a conduzir o debate e a intervenção

no campo da educação escolar via as propulsões capitalistas, no molde da acumulação flexível

do capital. Essas atrelações ocorrem, então, apenas para o fomento da ofensiva neoliberal com

a intenção de uma sociabilidade adaptativa.

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Reportando-nos para as especificidades da Educação Física no bojo das

especificidades da relação do modo de produção capitalista e da educação escolar, nos faz ter

condições para compreender melhor o “espaço e o lugar” da Educação Física escolar nesse

movimento social. Dito isso, já anunciamos a priori que não se tem uma grande mudança a

respeito do posicionamento da educação escolar para a Educação Física escolar na sua

vinculação com o modo de produção capitalista, nos moldes da acumulação flexível.

O processo histórico dessa área do conhecimento não se distingue por completo das

ações provenientes na relação educação e modo de produção capitalista. Por conseguinte,

afirmamos que a Educação Física surge dada uma necessidade humana e, portanto, com o

objetivo de suprimir algum fator no cerne do modo de produção, nesse caso, desde o seu

surgimento, do modo de produção capitalista. Durante todo o seu processo evolutivo, a

Educação Física assumia posicionamentos para contribuir com a sociedade do capital.

Em nota de exemplo: ora para a construção e consolidação da sociedade capitalista –

tendo como período e momento histórico a Europa no fim do século XVIII e no início do

século XIX –, os exercícios físicos foram postos como necessidade, ou seja, na tentativa de

contribuir para que os “corpos” estivessem aptos a serem explorados enquanto fornecedores

da força de trabalho; ora calcada por preceitos higienistas na busca de desenvolvimento da

aptidão física do ser social. Daí observa-se a necessidade da intervenção por meio dos valores

e normas vigentes das instituições militares. “Constrói-se, nesse sentido, um projeto de

homem disciplinado, obediente, submisso, profundo e respeitador da hierarquia social”

(COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 53).

No entanto, nosso objetivo não é exaurir a gênese histórico-social da Educação Física

em nosso estudo. Mencionamos alguns fatos históricos para demonstrar que a necessidade da

Educação Física derivava – e para alguns ainda deriva – das determinações da ordem

hegemônica. Ou seja, a necessidade de formar o ser social em um homem produtivo/homem

biológico; a preocupação com a saúde do “corpo biológico” e posteriormente com a saúde do

“corpo social” – aqui há a introdução do pensamento higienista em prol da definição da

família moderna –, em suma, a Educação Física na busca de ser um instrumento da ordem

social (SOARES, 2007).

No Brasil, a Educação Física ainda assume, na contemporaneidade,

predominantemente, um caráter direcionado a atender as demandas oriundas da classe

dirigente. No bojo da organização escolar essa área do conhecimento não se aloca, na maioria

das vezes, sob a égide de uma postura científica e cultural. As determinações que conduzem a

ótica sobre a Educação Física dessa maneira podem se encontrar em distintos campos de

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atuação, porém, em última instância, acabam por preconizar uma Educação Física “sem

tempo e lugar” no cerne da educação escolar, priorizando unicamente o modelo de

sociabilidade adaptativa.

Julgamos que uma pertinente parcela dessa modulação perante a Educação Física na

atualidade deriva da forte influência dos aportes filosóficos do positivismo, da fenomenologia

e das teorizações pós-modernas. Essa afirmação se consolida ao averiguarmos que na

contemporaneidade da Educação Física, no cenário nacional, os movimentos sociais que se

reorganizam a partir da década de 1980 sofrem um influxo em razão do adensamento das

contradições no âmbito estrutural do capital, se avolumando e eclodindo no início da década

de 1990. Nesse momento histórico ocorre na Educação Física direcionamentos de cunho

teórico-metodológico que culminavam, principalmente, com a conjetura do positivismo, da

fenomenologia e das teorizações pós-modernas (AVILA, 2008; SÁNCHEZ GAMBOA, 2009;

2013; TAFFAREL; ESCOBAR, 2009a; TAFFAREL; ALBUQUERQUE, 2010).

Taffarel e Escobar (2009a) atentam, acertadamente, para os limites e equívocos da

compreensão positivista de totalidade relativamente ao humano, muito comum nos

embasamentos das tendências pedagógicas da Educação Física que surgiram em meados da

década de 1980 no Brasil. Nos limites do positivismo a formação do corpo humano é

determinada por meio de três entidades: a afetiva, a cognitiva e a motora.

Assim, com base nesse conceito positivista de totalidade, a educação integral teria

como objeto a formação de uma “unidade” harmônica entre tais entidades. Para essa crítica,

vale-nos expor uma citação um pouco extensa, mas que se justifica porque esclarece a

unilateralidade preconizada por tais tendências, benéficas somente para o reino do capital:

A amarração forçada de um espírito e de um corpo, que resultaria na totalidade

"Homem", é um conceito positivista de totalidade, pois a explica como soma de

partes. Esse princípio também é responsável pela ideia corriqueira na sala de aula de que se deve dar atenção às três entidades contidas no corpo dos nossos alunos: a

afetiva, a cognitiva e a motora, pois, procedendo desse modo, estar-se-á abordando-

o como totalidade e, portanto, dando conta de uma educação integral. Vê-se que esse

conceito foi elaborado tendo como pressuposto teórico que a explicação sobre um

determinado objeto encontra-se no próprio objeto, ou, dito de outro modo, que a

explicação do que seja o Homem só pode ser encontrada no seu corpo, pois ele

representa a sua presença no mundo. Esse conceito também faz pensar, visto que

sensorialmente perceptível, que o homem realiza movimentos a partir de um

propósito que lhe permite combiná-los pelo impulso do seu conhecimento e da sua

afetividade, quer dizer, pela vontade de fazer aquilo, conduzindo à conclusão de que

o movimento é a chave da vida e que há dentro de nosso corpo um movimento contínuo de todas as nossas manifestações vitais, enquanto no exterior, o movimento

do homem é determinado pelos ensinamentos do passado, pelas circunstâncias

ambientais e pelas exigências do momento. Disso decorreria a necessidade de todo

homem desenvolver condições para compreender o movimento muscular,

fisiológico, social, psicológico e neurológico se aspira servir-se eficientemente dos

fatores que integram o conjunto de um movimento (Harrow, 1978). Nessa lógica

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torna-se natural pensar que todo movimento que o homem realiza é possível porque

possui uma estrutura própria para tratar do movimento – a psicomotricidade ou

motricidade – sendo-lhe inerente correr, saltar, escalar, levantar, carregar, pendurar-

se ou arremessar. Em tal modo de raciocínio essas atividades são consideradas "atos

naturais" que representam a necessidade de atividade do organismo, além do que,

sendo naturais, esses movimentos não precisam ser ensinados e podem ser tratados a

partir de simples classificações, tais como: a dos movimentos locomotores, não

locomotores e manipulativos naturais (idem, s/p.).

As fecundas contribuições positivistas assentam para uma orientação no âmbito de

um modelo científico-natural que “esvazia” os seus pressupostos de que “[…] todo o

conhecimento e interpretação da realidade social estão ligados, direta ou indiretamente, a uma

das grandes visões sociais de mundo, a uma perspectiva global socialmente condicionada

[…]”; ou como “[…] Pierre Bourdieu denomina, numa expressão feliz, ‘as categorias de

pensamento impensadas que delimitam o pensável e predeterminam o pensamento’” (LÖWY,

2009, p. 17, itálicos no original).

As argumentações positivistas fogem das “invariáveis” presentes na realidade social,

isto é, desconsideram as contradições inerentes no atual modo de produção. Tendo em vista

almejar uma “suposta” neutralidade científica, um pensamento linear para efetivar as suas

análises. Löwy (idem, p. 20, itálicos no original e nosso respectivamente) afirma que

O axioma da neutralidade valorativa das ciências sociais conduz, logicamente, o

positivismo, a negar – ou melhor, a ignorar – o condicionamento histórico-social do

conhecimento. A própria questão da relação entre conhecimento científico e classes

sociais não é colocada: é uma problemática que escapa ao campo conceitual e

teórico do positivismo.

Outro enfrentamento que se impõem diz respeito à perspectiva fenomenológica já

então incorporada como superadora do positivismo presente na área da Educação Física

escolar. A inconsistência filosófica da fenomenologia, no sentido de buscar compreender os

movimentos contraditórios da realidade social, ocorre, pois esta em momento algum se

interessa em apreender os dados da realidade social via a historicidade, isto é, da historicidade

dos fenômenos (TRIVIÑOS, 2009). Enaltecendo, então, uma dimensão a-histórica e

cadenciando para uma compreensão conservadora da realidade social.

Saviani (2012a, p. 159-160) afirma que

Nessa perspectiva, o ato educativo é entendido como possibilitando a abertura das

consciências para o mundo, empenhando-se os alunos em compreender o sentido

dos fenômenos constitutivos do mundo vivido, exercitando, para isso, sua

capacidade de operar reduções. Aprenderão, diante de determinado problema, a

colocar entre parêntesis as opiniões corretas, as crenças, os preconceitos e, até mesmo, as teorias já formuladas começando pela análise direta dos fenômenos

implicados no enunciado do problema que se quer esclarecer.

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Esse movimento unicamente empírico em relação à abstração dos dados da realidade

social induz o indivíduo apenas para apreender os fatos e “viver” sob uma práxis utilitária,

isto é, “[…] a praxis (sic.) fragmentária dos indivíduos, baseada na divisão do trabalho, na

divisão da sociedade em classes e na hierarquia de posições sociais que sobre ela se ergue”

(KOSIK, 2010, p. 14, itálicos no original).

A reflexão pedagógica com base nesses pressupostos fenomenológicos

conservadores carece da investigação e intervenção para que apenas haja um “esclarecimento”

sobre os condicionantes sociais, e esse “esclarecimento” ocorre ainda de maneira distorcida

entre a subjetividade do indivíduo e a imagem do real. As exclusões dos conflitos entre as

camadas sociais limitam a compreensão da realidade dos fenômenos apenas de maneira

superficial, não conseguindo atingir a essência dos movimentos oriundos do modo de

produção hodierno.

Sendo assim, tal proposição caminha, mesmo não afirmando explicitamente esse

posicionamento, para a manutenção do status quo, hipertrofiando de certa maneira a

“subjetividade objetiva” dos indivíduos. Não há, portanto, por meio desses pressupostos a

concepção de “[…] Homem que vive numa dada sociedade num dado momento histórico

determinado por uma configuração social e por um desenvolvimento material concreto e, por

isso, com determinadas e específicas exigências no plano educativo” (ESCOBAR, 1995, p.

92, itálico no original).

Citaremos a seguir, então, algumas proposições epistemológicas que coadunam ou

que essas orientações positivistas e fenomenológicas “coabitam” em suas propostas

pedagógicas. Taffarel (1997, p. 114), no final do século passado, expõe um quadro de

proposições de cunho epistemológico que foi elaborado a partir de eixos norteadores que

apresentavam as indagações sobre o que é Ciência e o que é Educação Física e o seu objeto de

estudo. Dentro dessas indagações surgiram propostas pedagógicas para a Educação Física,

predominantemente, influenciadas pelo positivismo e pela fenomenologia. Ainda direcionado

pela exposição de Taffarel, citamos algumas proposições epistemológicas para a Educação

Física: “[…] Educação Física/Ciências do Esporte (CBCE), Ciência do Movimento Humano

(LE BOULCH), Ciência da Motricidade Humana (MANOEL SERGIO), Ciências das

Atividades Corporais (CAGIGAL), Ciência do Esporte (FROGNER) […]”.

Também se encontra em voga as “vozes” das teorizações pós-modernas, no qual

toma-se como postura o ceticismo epistemológico e o relativismo ontológico. Em última

instância, essas teorizações apresentam elementos para a conformação e para a adaptação a

atual lógica do modo de produção, ou seja, a lógica capitalista, acentuando, dessa forma, a

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dicotomia/fragmentação entre corpo-mente, objetividade-subjetividade e teoria-prática, por

exemplo (AVILA, 2008; MELLO, 2009). Consubstanciando, assim, para um esvaziamento do

conhecimento no âmbito da Educação Física escolar.

Em acordo com Avila (2008), mencionamos que as teorizações pós-modernas estão,

atualmente, em ápice no que tange a produção de conhecimento na Educação Física escolar.

Realizando, principalmente severas críticas as contribuições marxistas nessa área do

conhecimento em proveito da legitimação da reflexão e do discurso pós-moderno.

Preconizando, destarte, a necessidade de fundamentar a pesquisa educacional por meio dos

giros linguísticos (SÁNCHEZ GAMBOA, 2009), no qual encaminha a pesquisa em Educação

Física para as dicotomias mencionadas acima.38

A condução da Educação Física escolar nesses sentidos conservadores39

– positivista

fenomenológico e pós-moderno – enaltece unicamente a formação unilateral do ser social, ou

seja, atua como condicionante em fazer com que sejam apreendidos pelo ser social apenas

elementos pertinentes para a manutenção do status quo.40

Nesse movimento, a Educação

Física escolar se efetiva de maneira insuficiente, dados os limites dos elementos teóricos, para

perspectivar uma educação que tenha como fundamento a apresentação de subsídios para uma

possível formação omnilateral e para a transformação social.

Com efeito, na primeira década deste no novo milênio podemos encontrar ainda

teorizações que conduzem a cabo a compreensão da Educação Física e seu objeto de

conhecimento para uma interpretação, ainda, anistórica, a-dialética e acrítica frente os atuais

condicionantes sociais. Taffarel (2010a, p. 32) afirma que no âmbito da formação profissional

em Educação Física os

estudos continuam indicando como problemáticas: a formação acrítica, a-histórica e

a-científica; os currículos desportivizados […]; a ênfase no paradigma da aptidão

38 Apresentaremos no próximo capítulo uma contribuição mais detalhada sobre as teorizações pós-modernas no

campo da educação escolar e, por conseguinte, serve de ponderações para a Educação Física escolar. No entanto,

apontamos as seguintes obras como esclarecedoras desse debate: Avila, 2009; Mello, 2009; Sánchez Gamboa,

2009; 2013; Taffarel e Albuquerque, 2010.

39 Caracterizamos como conservador tanto as teorias que desvinculam a educação escolar do modo de sociabilidade como as teorias que atrelam a educação escolar aos movimentos da sociedade, mas que acabam por

não apresentar proposições para uma possível superação dessa hegemonia – “a crítica sem proposição”

(SAVIANI, 2009; 2011).

40 Também mencionamos o estudo de Vivan (2010) que procurou apresentar as implicações do processo de

mercantilização das práticas corporais (principalmente, no setor do fitness e bem-estar), levando em

consideração os pressupostos e fundamentos do processo de reestruturação produtiva do capital, ou seja, da

acumulação flexível do capital. Concluiu-se que há uma redução do preço da força de trabalho, sendo assim, os

trabalhadores inseridos nesse processo se veem obrigados a aumentar a sua jornada de trabalho, algo precípuo da

acumulação flexível do capital.

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física com forte influência da área biológica, apesar de usarem terminologias como

saúde e qualidade de vida (TAFFAREL, 2010a, p. 32).

Portanto, se a formação profissional direciona a formação dos indivíduos inseridos

nesse processo para esse mote, isto é, para uma formação precária no que se refere a

compreender a função social da Educação Física, continua-se a ter uma produção do

conhecimento alavancada pela fenomenologia e, essencialmente, pelo positivismo.

Como se não bastasse tamanha precariedade no interior da Educação Física,

podemos mencionar outro fator que também interfere para o direcionamento da Educação

Física em busca de uma fidedigna contribuição para a ordem do capital. Referimo-nos às

atuais políticas educacionais que regem o sistema educacional e, com isso, a Educação Física

no cenário brasileiro. Em um dos nossos trabalhos afirmamos que

as atuais políticas educacionais no Brasil buscam atender os pressupostos elencados

pelos órgãos multilaterais41 internacionais e nacionais que, por sua vez, atendem as

necessidades oriundas do atual estágio do modo de produção capitalista, isto é, a

acumulação flexível do capital (BERNARDO SILVA; KLEIN; CAVAZOTTI,

2014, s/p.).

Mais especificamente no âmbito da formação profissional em Educação Física, ou

seja, no seio da formação que em tese deve orientar o trabalho pedagógico docente e, com

isso, contribuir eminentemente para situar “o tempo e o lugar” da Educação Física no âmbito

da educação escolar, as políticas educacionais aderem a

uma formação fragmentada que ocorre durante um pequeno espaço de tempo. Aloca

essa formação nos critérios e nas estratégias preconizados pelo processo de

formação que caracteriza a acumulação flexível do capital, ademais, parafraseando

Saviani (2004), no fomento “[d]a formação de professores curtos”. Estamos perante

uma contradição necessária para o “sustento” da ordem do capital, ou seja, sucede uma desqualificação do processo de formação de professores de Educação Física em

proveito das necessidades do mercado, da manutenção do status quo (idem, ibidem).

As estratégias das vigentes políticas educacionais no Brasil atribuem as bases

econômico-pedagógicas supradito e que em última instância ou em uma análise mais geral

preconizam o esvaziamento do conhecimento, promovem a desqualificação do docente e

“induzem” o sistema educacional a apropriar-se de “slogans pedagógicos” que se

fundamentam, principalmente, pelos pressupostos que direcionam a prática pedagógica e

41 Segundo Moraes (2003b, p. 08, itálicos nosso) “No caso da educação, a literatura especializada tem indicado o

balizamento do processo em curso segundo as recomentações de organismos multilaterais (Banco Mundial,

Cepal, Unesco, Unicef, Orealc, entre outros) que são apropriadas e difundidas pela vaga legislativa à mercê de

interesses particulares.

Essas recomendações conciliam-se com o desidrato do Estado brasileiro […] em reduzir gastos com as áreas

sociais e em fomentar a passagem de responsabilidade pública para a esfera privada. Ademais, esse lineamentos

harmonizaram-se com o peculiar interesse de empresários pelo ‘trabalhador de novo perfil’, dotado de maiores

competências técnicas e atitudinais, mais adequadas à produção flexível”.

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“[…] a formação de professores fundados na promoção dos meios para o desenvolvimento do

pensamento autônomo e no incentivo às estratégias de autoformação, nos quais grande ênfase

é concebida ao desenvolvimento pessoal” (MARTINS, 2011a, p. 09).

Essas orientações e essas indicações para o sistema educacional encaminham-se, por

exemplo, para as pedagogias da competência e da exclusão, ou seja, que “o fracasso ou o

êxito profissional” parte apenas do indivíduo na sua singularidade e o que vai “julgar” esse

fracasso ou êxito é a suposta “mão invisível do mercado”.

Em epítome, Taffarel (2010a, p. 33) salienta, sobre o direcionamento das políticas

educacionais na envergadura da formação profissional em Educação Física e no trabalho

pedagógico, a seguinte questão:

O que nos fica evidente considerando as proposições de reformulações curriculares

da Educação Física da década de 1930 aos anos 2000 é que ocorreu um processo de

desqualificação do professor de Educação Física e essa desqualificação é mediada

pela organização do trabalho pedagógico, com ênfase na dimensão do controle ideológico dos conteúdos e métodos. E isso é evidente nas propostas curriculares.

[…]

O que nos fica evidente analisando as propostas curriculares e os dispositivos legais

é que continuam atuais as posições que não abandonam a análise das leis mais gerais

do modo do capital produzir os bens materiais e imateriais, as leis que regem o

estado burguês daí decorrente e suas relações de poder, as leis gerais da luta de

classes decorrente da subsunção do trabalho ao capital que se expressa, não de

maneira mecânica, mas, por mediações, na formação dos professores de educação

física.

Dados os limites ideológicos dessas perspectivas e do posicionamento e

direcionamento fomentado pelas vigentes políticas educacionais no Brasil, entende-se que há

a necessidade de um direcionamento no âmbito educacional e na Educação Física escolar que

vá de encontro dos atuais condicionantes sociais. Vale dizer, põe-se a necessidade de

questionar as determinações e limitações do modo de produção capitalista.

Entretanto, para haver um projeto direcionado à superação das atuais relações sociais

torna-se pertinente a formulação e atuação de uma nova teoria educacional que objetive ações

para uma educação escolar que lute em benefício de uma transformação social. Nesse caso, é

necessário efetivar a recusa e ir para além dos métodos desenvolvidos unicamente por

atribuições empíricas por meio do conceptualismo, sensualismo e associanismo inseridos nos

processos didático-metodológicos (TAFFAREL; ESCOBAR, 2009a).

E, na tentativa de efetivar uma crítica à Educação Física escolar benéfica ao modo de

produção capitalista, a tendência crítico-superadora não poupou esforços para apresentar

diretrizes críticas no processo de ensino e aprendizagem no campo da Educação Física

escolar. Tanto que o Coletivo de Autores (1992) expõe explicitamente a tentativa de

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apresentar pressupostos de cunho teórico-metodológico para o desenvolvimento de

determinada forma de consciência de classe do ser social, buscando, também, apresentar

elementos para desconstruir os fatores provenientes da desigualdade social, que contribui

unicamente para a minoria pertencente à classe dominante. Os autores buscam apresentar uma

reflexão pedagógica, a fim de preconizar uma teleologia transformadora dos dados oriundos

da vigente realidade social.

Para tentar expor esse acúmulo teórico, apresentaremos adiante os principais

pressupostos encontrados na obra formulada pelo Coletivo de Autores (1992), a qual é o

principal trabalho científico que fundamenta e divulga a tendência crítico-superadora. Para

isso, a nossa ação se dará no próximo momento na descrição do manuscrito elaborado pelo

Coletivo de Autores (idem), tendo como principal intuito apresentar a problemática e o

embasamento utilizado por esse Coletivo para situar e justificar o seu posicionamento sobre a

Educação Física e sobre o seu objeto de conhecimento, a cultura corporal.

Portanto, vale destacar, no próximo momento será dado ênfase na descrição dos

elementos que compreendemos serem pertinentes para a compreensão da exposição do

Coletivo no que se refere a sua sustentação teórica. Dessa forma, a análise do nosso objeto de

pesquisa, a cultura corporal, será realizada no próximo capítulo do nosso trabalho. Nesse

momento (no próximo capítulo), passaremos a analisá-la com base no tríplice aporte teórico

utilizado neste trabalho, ou seja, o materialismo histórico-dialético que, por sua vez, embasa

também a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica.

1.2 A Educação Física no âmbito da educação escolar no modo de produção capitalista:

primeiras aproximações com a tendência teórico-metodológica crítico-superadora

Estaremos, nesse momento, descrevendo a tendência teórico-metodológica crítico-

superadora situado na sua principal obra, ou seja, o Coletivo de Autores (idem). Temos como

objetivo para essa descrição estar explicitando os principais conteúdos e conceitos contidos

em tal obra que justificam e sustenta a cultura corporal como objeto de conhecimento da

Educação Física escolar.

Dito isso, mencionamos que o livro denominado Metodologia do ensino de educação

física, assinado de “Coletivo de Autores” – a fim de expressar um caráter de elaboração

coletiva –, foi editado pela Editora Cortez em 1992. Os autores que constituem esse Coletivo

são: Carmen Lúcia Soares (à época e atualmente é docente na Universidade Estadual de

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Campinas); Celi Nelza Zülke Taffarel (à época era docente na Universidade Federal de

Pernambuco e atualmente na Universidade Federal da Bahia); Elizabeth Varjal (à época era

docente vinculada à Secretaria de Educação de Pernambuco e atualmente na Universidade

Federal de Pernambuco); Lino Castellani Filho (à época e atualmente é docente na

Universidade Estadual de Campinas); Micheli Ortega Escobar (à época era docente na

Universidade Federal de Pernambuco e atualmente na Universidade Federal da Bahia); Valter

Bracht (à época era docente na Universidade Estadual de Maringá e atualmente na

Universidade Federal do Espírito Santo).

Depois de duas décadas de circulação o livro ainda apresenta grande relevância

ideológica e teórico-metodológica no cerne da Educação Física escolar no Brasil. Estamos,

em nossa opinião, perante a obra mais avançada, em nível nacional, na produção acadêmica

em Educação Física escolar.

Como afirmam Souza Júnior et al. (2011, p. 393), “[…] o livro continua sendo

referência central para a formação inicial e continuada de profissionais de Educação Física,

tornando-se, poderíamos dizer, uma leitura imprescindível, um clássico da área, para aqueles

que atuam na Educação Física escolar”. Quanto ao aspecto quantitativo, os mesmos autores

mencionam que

Em 2011, 40.891 professores das séries finais do ensino fundamental de escolas públicas do Brasil […] [receberam] a segunda edição do Coletivo de Autores

(CASTELLANI FILHO et al, 2009). O livro foi selecionado entre os concorrentes

do edital para o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). O Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) […] [distribuiu] a obra por

meio do PNDE do professor – 2010 […] (idem, ibidem).

Ao observamos a introdução da obra formulada pelo Coletivo de Autores (1992),

encontramos posicionamentos e preocupações em elaborar um trabalho que levasse em conta

as condições histórico-sociais que a Educação Física escolar sofre atualmente, juntamente

com os profissionais no seu cotidiano – os baixos salários, as péssimas condições de carreira e

de trabalho (a desvalorização docente), etc.

Vale mencionar que o Coletivo expõe que a sua obra não adere ou se propõe ser um

receituário de atividades pedagógicas para que os profissionais tivessem em mãos um

instrumento para alicerçar suas aulas. 42

Ao contrário, a obra pretende apontar e apresentar

42 Carmen Lúcia Soares (uma das autoras pertencente ao Coletivo) em uma entrevista cedida a Loureiro (1996, p.

246, itálicos nosso) faz uma afirmação e ao mesmo tempo um “alerta” sobre a “aplicabilidade” dos pressupostos

oriundos da obra: “Eu vejo que é um livro que as pessoas lêem muito. E lêem mais pelo o que ele diz de

propositivo, do que pelo que ele diz de ideológico. Eu vejo assim, o Coletivo de Autores é muito mais lido por

pessoas que estão preocupadas com problemas pedagógicos específicos, quer dizer, organizar os conteúdos da

Educação Física na escola”.

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“[…] elementos teóricos para a assimilação consciente do conhecimento, de modo que possa

auxiliar o professor a pensar autonomamente […]”, enaltecendo que “[…] a apropriação ativa

e consciente do conhecimento é uma das formas de emancipação humana” (COLETIVO DE

AUTORES, 1992, p. 17). Dessa forma, observamos uma categoria importante para esse

Coletivo: a emancipação humana 43

.

O Coletivo aponta que o conhecimento, na sua forma mais elaborada, contribui para

os docentes atuarem em sala de aula, podendo assim enfrentar os problemas pedagógicos

existentes e, também, podendo reelaborar os conhecimentos já acumulados histórica e

socialmente, de modo que os alunos possam apropriar-se destes.

A obra Metodologia do ensino de Educação Física buscou expor e discutir “[…]

questões teórico-metodológicas da Educação Física, tomando-a como matéria escolar que

trata, pedagogicamente, temas da cultura corporal, ou seja, os jogos, a ginástica, as lutas, as

acrobacias, a mímica, o esporte e outros” (COLETIVO DE AUTORES, p. 18, itálico nosso).

Descreveremos, a seguir, a organização adotada pelo Coletivo na exposição da obra,

tendo como intuito explicitar os principais elementos abordados e suas determinações

teóricas. Portanto, alertamos que o Coletivo de Autores (1992, p. 18, itálicos no original)

expõe que pretende no decorrer da sua obra apresentar de forma indissociada elementos

básicos para a elaboração de uma teoria pedagógica – “[…] a explicação elucidativa sobre o

que se entende por pedagógico e didático para daí se abordar o conhecimento na escola […]”

– e a elaboração de um programa específico para cada um dos graus de ensino – isso “[…]

significa uma dada organização e sistematização do conhecimento selecionado”. Nesse

sentido, de acordo ainda com o Coletivo, “[…] teoria e programa se interpenetram a todo

momento”.

Por essa contextualização, explicitamos que a obra formulada pelo Coletivo é

composta por quatro capítulos, como segue:

1o) “A Educação Física no currículo escolar: desenvolvimento da aptidão física ou reflexão

sobre a cultura corporal”

Nesse capítulo inicia a reflexão e a explicitação do embasamento teórico utilizado

pelo Coletivo para sustentar a sua concepção epistemológica a respeito do objeto de

conhecimento da Educação Física. Com isso, os autores partem de uma severa crítica ao

43 Sobre a categoria “emancipação humana”: pode-se ser aprofundada tal categoria, tendo um embasamento

ontológico e filosófico no materialista histórico-dialético, na obra de Ivo Tonet (2005), intitulada Educação,

cidadania e emancipação humana.

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discurso neoliberal vigente, na tentativa de apresentar elementos para que a atividade

pedagógica no bojo das aulas de Educação Física possa atender aos “[…] interesses históricos

da classe trabalhadora [que] vem se expressando através da luta e da vontade política para

tomar a direção da sociedade […]”. A reflexão pedagógica, influenciada por essa tendência,

admite as seguintes funções que se interagem dialeticamente: Diagnóstica: com o intuito de

analisar os dados oriundos da realidade social; Judicativa: com base na abstração dos dados

dessa realidade, possa efetivar um juízo de valor, buscando atender as necessidades da classe

trabalhadora; Teleológica: tendo como busca um alvo em comum, objetivando estabelecer

uma reflexão “[…] transformadora dos dados da realidade diagnosticados e julgados”

(COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 24-25).

Por esse caminho, o Coletivo de Autores (idem) efetivou nesse capítulo uma crítica

aos pressupostos positivistas balizadores da concepção de Educação Física voltada para a

aptidão física e, posteriormente, apresenta uma reflexão crítica sobre o objeto de

conhecimento da Educação Física, na compreensão desses autores, a categoria máxima desse

componente curricular: a cultura corporal. Nessa sequência, o Coletivo aborda uma concepção

de currículo ampliado, visando incentivar na prática pedagógica a totalidade, a lógica

dialética, a historicidade, etc.

Para o Coletivo de Autores (idem, p. 28-29)

A visão de totalidade se constrói à medida que ele faz uma síntese, no seu

pensamento, da contribuição das diferentes ciências para a explicação da realidade.

Por esse motivo, nessa perspectiva curricular, nenhuma disciplina se legitima no currículo de forma isolada. É o tratamento articulado do conhecimento sistematizado

nas diferentes áreas que permite o aluno constatar, interpretar, compreender e

explicar a realidade social complexa, formulando uma síntese no seu pensamento à

medida que vai se apropriando do conhecimento científico universal sistematizado

pelas diferentes ciências ou áreas do conhecimento.

O posicionamento na busca de efetivar uma intervenção que tenha articulação entre

as disciplinas que compõem o currículo escolar é intitulado, segundo o Coletivo, como

currículo ampliado. Com base nessa concepção de currículo ampliado – a dinâmica curricular

– “[…] o trato com o conhecimento corresponderia à necessidade de criar as condições para

que se dêem a assimilação e a transmissão do saber escolar” (idem, p. 30). Sobre a

organização pedagógica é exposto na obra que

A apresentação do saber na escola se dá num tempo organizado sob a forma de horários, turno, jornadas, séries, sessões, encontros, módulos, seminários etc. Tempo

que é organizado nos limites dos espaços físico-pedagógicos: salas de aula,

auditórios, recreio cobertos, biblioteca, quadras, campos etc. (idem, ibidem).

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Uma vez compreendida a formulação do currículo da Educação Física, a sua

organização pedagógica no âmbito escolar, o Coletivo de Autores (idem, p. 31-33) apresenta

seus “princípios curriculares” 44

, a saber:

Princípio da relevância social do conteúdo: seria a compreensão do sentido e do

significado do conteúdo para a intervenção pedagógica. Segundo o Coletivo, “este deverá

estar vinculado à explicação da realidade social concreta e oferecer subsídios para a

compreensão dos determinantes sócio-históricos do aluno, particularmente a sua condição

de classe social […]”;

Princípio da contemporaneidade do conteúdo: a seleção do conteúdo, realizada pelo

docente, deverá contemplar aquilo que há de mais avançado, mais complexo do mundo

contemporâneo – podemos fazer uma alusão, por exemplo, nesse princípio sobre a

argumentação de Marx: para que consigamos compreender a anatomia do macaco

devemos compreender a anatomia humana, isto é, a anatomia humana é a chave da

anatomia do macaco45

(“do mais complexo para o menos complexo”);

Princípio da adequação às possibilidades sócio-cognoscitivas do aluno: ao estabelecer o

conteúdo, deve-se levar em consideração e, portanto, adequá-lo dadas as condições

cognitivas e a prática social do aluno. Levando em consideração o “[…] seu próprio

conhecimento e as suas possibilidades enquanto sujeito histórico”. Assim, o Coletivo

aponta a necessidade de haver um confronto dos “saberes”, ou seja, o “[…] saber popular

(senso comum) com o conhecimento científico universal selecionado pela escola, o saber

escolar, é, do ponto de vista metodológico, fundamental para a reflexão pedagógica […]”;

Princípio da simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade: nesse

momento os conteúdos são organizados aos alunos de maneira simultânea. “Esse

princípio confronta com o etapismo, idéia tão presente na organização curricular

conservadora que fundamenta os famosos ‘pré-requisitos’ do conhecimento” 46

;

44 “O trato com o conhecimento reflete a sua direção epistemológica e informa os requisitos para selecionar,

organizar e sistematizar os conteúdos de ensino. Pode-se dizer que os conteúdos de ensino emergem de conteúdos culturais universais, constituindo-se em domínio de conhecimento relativamente, em face da realidade

social (Libâneo, 1985:39)” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 30).

45 A respeito desse posicionamento, ver com mais precisão em Duarte (2008b) no capítulo 03.

46 O Coletivo de Autores (1992, p. 32-33, itálicos no original) expõe que “Numa perspectiva dialética, os

conteúdos teriam que ser apresentados aos alunos a partir do princípio da simultaneidade, explicitando a relação

que mantêm entre si para desenvolver a compreensão de que são dados da realidade que não podem ser pensados

nem explicados isoladamente. Nessa perspectiva o que mudaria de uma unidade para outra seria a amplitude das

referências sobre cada dado, isso porque ‘o conhecimento não é pensado por etapas. Ele é construído no

pensamento de forma espiralada e vai se ampliando’ (Varjal, 1991: 35)”.

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Princípio da espiralidade da incorporação das referências do pensamento: “Significa

compreender as diferentes formas de organizar as referências do pensamento sobre o

conhecimento para ampliá-las” (idem, ibdem);

Princípio da provisoriedade do conhecimento: cabe, baseado nesse princípio, dar ênfase

na organização e sistematização dos conteúdos, a fim de proceder a um status de

continuidade, priorizando os aspectos históricos, com intuito de fazer com que o aluno se

compreenda em um emaranhado movimento histórico, ou seja, o aluno enquanto sujeito

histórico.

Por esses princípios, o Coletivo de Autores (1992, p. 33) afirma a concretude do

currículo para a Educação Física escolar. Na compreensão dos autores, esse currículo

se materializa quando penetra no pensamento do aluno dando uma qualidade a esse

pensamento. Tal qualidade vai sendo construída através de aproximações sucessivas

do sujeito que pensa com o objeto pensado, mediado pelo conhecimento. Por essa

razão se afirma o entendimento de que o conhecimento é uma representação do real

no pensamento.

No intento dessa compreensão de currículo e aspectos norteadores para a

sistematização e organização do conhecimento no seio da atividade pedagógica na Educação

Física, o Coletivo adota a organização dos “ciclos de escolarização” que têm como objetivo

tratar os conteúdos Educação Física de maneira simultânea e com o passar do tempo esses

conteúdos vão se ampliando e se complexificando de forma espiralada. Assim existe a

possibilidade de o aluno conseguir apreender os dados da realidade, “[…] interpretá-los,

compreendê-los e explicá-los” (idem, p. 34). Os ciclos são assim denominados pelo Coletivo:

Primeiro ciclo: pré-escola até a terceira série (Ciclo de organização da identidade dos

dados da realidade): nesse ciclo o aluno possui ainda uma visão sincrética da realidade

social. Esses dados da realidade estão em contato com esse indivíduo (aluno) de maneira

confusa, aleatória, isto é, sem um sentido concreto do significado desses dados. A escola

e, mais precisamente, o docente, tem como objetivo nesse processo de formação do aluno

organizar didática e metodologicamente os dados provenientes da especificidade da

Educação Física que foram apreendidos e descritos pelo aluno, a fim de fazer com que ele

possa estabelecer nexos, realizar relações entres os dados, enfim, apropriar desses dados,

tendo, nesse momento, um sentido concreto e coerente dos elementos abstraídos pelo

indivíduo/aluno. “Nesse ciclo o aluno se encontra no momento da ‘experiência sensível’,

onde prevalecem as referências sensoriais na sua relação com o conhecimento” (idem, p.

35). A classificação, a associação e a categorização dos objetos é o salto qualitativo nesse

ciclo de escolarização;

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Segundo ciclo: quarta até a sexta série (Ciclo de iniciação à sistematização do

conhecimento): o indivíduo, conforme o Coletivo, encontra-se em uma situação em que

irá obter uma relação mais complexa, ou seja, inicia-se a fase de o indivíduo ter

consciência da sua atividade mental, tem-se a possibilidade de cotejar os dados oriundos

da realidade com as representações já abstraídas pelo indivíduo. Por tais circunstâncias, o

aluno tem a capacidade de dar um salto qualitativo, quando inicia esse processo de

generalizações;

Terceiro ciclo: sétima e oitava série (Ciclo de ampliação da sistematização do

conhecimento): nesse ciclo ocorre o aumento da dimensão das referências conceituais do

pensamento do indivíduo. Empunha-se a consciência da atividade teórica ou do

pensamento teórico, isto é, “[…] de que uma operação mental exige a reconstituição [o

reflexo] dessa mesma operação na sua imaginação para atingir a expressão discursiva,

leitura teórica da realidade” (idem, ibidem). O salto qualitativo, nesse momento, se dá

quando o indivíduo identifica e reorganiza os dados da realidade por meio do pensamento

teórico;

Quarto ciclo: ensino médio (Ciclo de aprofundamento da sistematização do

conhecimento): nesse ciclo há uma relação mais aprofundada em relação ao objeto, no

qual o indivíduo de apropria. Essa relação mais aprofundada permite que o indivíduo

reflita sobre o objeto, ou seja, faz com que possa compreender as propriedades comuns e

regulares do objeto. O salto qualitativo ocorre quando há o estabelecimento e a

compreensão das regularidades dos objetos em análise ou em estudo. “É nesse ciclo que o

aluno lida com a regularidade científica, podendo a partir dele adquirir algumas

condições objetivas para ser produtor de conhecimento científico47

quando submetido a

atividade de pesquisa” (idem, ibidem).

No momento seguinte desse capítulo os autores apresentam o “confronto das

perspectivas da Educação Física escolar na dinâmica curricular”. Está em cheque nesse

subtópico a crítica à perspectiva que destina o fim da Educação Física ao estudo do

desenvolvimento biológico, por meio da aptidão física. O Coletivo afirma que atrelar a

Educação Física à aptidão física enaltece e/ou prevalece apenas a classe dirigente, isto é,

contribui para a manutenção do atual modo de produção.

47 De acordo com o Coletivo de Autores (1992, p. 36, itálicos no original) “O conhecimento científico é

referendado pela ciência na instância da pesquisa. Esse é um dos motivos pelos quais se afirma que não se cabe à

escolar básica formar o historiador, o geógrafo, o matemático, o lingüista, enfim, o cientista. Cabe-lhe formar o

cidadão crítico e consciente da realidade social em que vive, para poder nela intervir na direção dos seus

interesses de classe”.

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80

Os autores explicitam que essa perspectiva de orientação para esse componente

curricular fundamenta-se, predominantemente, nos elementos biológicos no sentido de educar

os indivíduos. Prevalecendo a educação do homem competitivo – forte, ágil, apto,

empreendedor –, que tem como principal objetivo galgar um espaço privilegiado na sociedade

capitalista. “O conhecimento que se pretende que o aluno apreenda é o exercício de atividades

corporais que lhe permitam atingir o máximo rendimento de sua capacidade física”. Os

conteúdos são elencados “[…] de acordo com a perspectiva do conhecimento que a escola

elege para apresentar ao aluno” (idem, p. 36).

Na perspectiva direcionada para a aptidão física, o esporte assume um espaço

privilegiado, pois é um conjunto de elementos que direciona para a execução do exercício de

alto rendimento e, destarte, assume como um dos elementos pedagógicos que mais contribui

para a internalização por parte dos alunos/indivíduos para uma “educação do homem

competitivo”.

Em contraponto a essa perspectiva, o Coletivo de Autores (idem) apresenta a

perspectiva da reflexão sobre a cultura corporal. Essa perspectiva, de acordo com o Coletivo,

atrela fundamentos e orientações de cunho teórico-metodológico contrários à perspectiva

anterior. Busca-se desenvolver uma reflexão, no âmbito da Educação Física escolar, sobre as

diversas formas de representações do mundo – que foram construídas histórico e socialmente

pelos indivíduos e transmitidas de geração em geração – que são exteriorizadas por meio da

expressão corporal.

A justificativa do Coletivo em especificar essa categoria é de que o homem na sua

época mais primitiva não tinha a postura do homem contemporâneo. Essa mutação ou

transformação ocorreram no decorrer da história da humanidade pelo motivo de que os

homens tinham que suprir as suas necessidades na relação com a natureza. Essa relação com a

natureza foi ocorrendo em comum com outros homens, ou seja, de maneira coletiva, e com o

passar do tempo foi se complexificando.

Essa produção humana, ou seja, esse acúmulo de atividades, é considerada pelo

Coletivo como patrimônio cultural da humanidade. Uma dessas atividades foi a transformação

que ocorreu do homem quadrúpede para o homem bípede. Tal atividade se deu por meio da

necessidade de superação do homem frente os desafios oriundos da natureza. Essa atividade é

uma atividade corporal, por exemplo. Dito isso, os autores enaltecem a materialidade corpórea

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que foi e é construída histórica e socialmente e, com isso, argumenta-se que há uma cultura

corporal. 48

Como o enfoque dado à cultura corporal será explicitado no próximo capítulo,

passaremos para a exposição do segundo capítulo da obra Metodologia do ensino de educação

física, que tem como principal objetivo apresentar elementos e determinações sob a égide de

uma postura histórica para explicitar argumentos científicos no que tange à legitimação da

Educação Física no bojo da escola no Brasil.

2o) “Educação Física escolar: na direção da construção de uma nova síntese”

Partindo da recente história da Educação Física no âmbito nacional, a partir da

década de 1980, foram elaborados os primeiros trabalhos que efetivaram uma crítica à função

social conservadora desse componente curricular no interior do ambiente escolar. Dessa

forma, o Coletivo opta como objetivo para esse capítulo da obra explicitar algumas ideias,

mudanças e proposições voltadas para um campo crítico ou progressista da Educação Física

escolar, procurando, em última instância, apresentar uma síntese superadora de alguns

fundamentos. “O objetivo é oferecer aos professores de Educação Física um referencial

teórico capaz de orientar uma prática docente comprometida com o processo de

transformação social” (idem, p. 49).

A primeira questão abordada foi a compreensão do que seria a Educação Física. O

pressuposto de que o Coletivo parte é que só faz sentido fazer a pergunta de “o que é

Educação Física?” quando se tem como motivo ou finalidade compreender essa prática

pedagógica e social com o intuito de transformá-la.

O esclarecimento dessa questão, realizada pelo Coletivo de Autores (idem, p. 50), é

explicitada da seguinte maneira:

provisoriamente, diremos que a Educação Física é uma prática pedagógica que, no

âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais como: jogo,

esporte, dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento

que podemos chamar de cultura corporal.

No entanto, para compreender efetivamente o que de fato é a Educação Física e quais

os sentidos de propor como objeto de conhecimento a cultura corporal torna-se necessário,

conforme expõe o Coletivo, “[…] ocupar-se da tensão entre o que vem sendo e o que deveria

48 A respeito dessa questão voltaremos a descrição e a análise da concepção fundada pelo Coletivo de Autores

(1992) sobre a categoria cultura corporal no próximo capítulo de trabalho. Metodologicamente, explicitaremos: a

compreensão dessa categoria para o Coletivo; a crítica realizada de outros intelectuais fundamentados em

distintas orientações filosóficas, ontológicas, epistemológicas e gnosiológicas; a crítica da crítica; e, por fim, a

nossa compreensão e contribuição do objeto analisado.

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ser, ou seja, da dialética entre o velho e o novo” (idem, ibidem). Para isso, os autores abordam

brevemente o histórico da Educação Física, expondo desde a sua gênese até as especificidades

da Educação Física no Brasil na década de 1970.

Após esse relato histórico são abordadas algumas novas teorizações que surgiram na

Educação Física em nível nacional, a partir do final década de 1970 e início da década de

1980. Esse processo foi intitulado de “movimento renovadores na Educação Física” pelo

Coletivo. Os destaques conferidos pelo Coletivo nesse processo histórico foi para a teorização

da “Psicomotricidade” (de Le Boulch), a teorização à luz da “pedagogia humanista”, a

teorização que se aproxima dos princípios humanistas, mas em que é dado um viés para o

esporte, intitulado de “Esporte Para Todos (EPT)”.

Os autores acreditam que a exposição do histórico da Educação Física e a

explicitação dos “movimentos renovadores” na Educação Física no Brasil “[…] fornece os

elementos de base para a construção de uma perspectiva pedagógica superadora, que venha

responder a questão colocada no início deste capítulo: o que é Educação Física?” (idem, p.

56).

Dessa forma, passamos para a descrição do próximo capítulo, que tem como objetivo

apresentar elementos pedagógicos de um programa específico para a Educação Física

destinado ao ensino fundamental e médio. Ou seja, encontra-se no terceiro capítulo uma

proposta de sistematizar, organizar e distribuir os conteúdos oriundos, segundo o Coletivo, da

cultura corporal.

3o) “Metodologia do ensino da educação física: a questão da organização do conhecimento

e sua abordagem metodológica”

Nesse capítulo apresenta-se um programa específico da Educação Física para o

ensino fundamental e médio. O livro, nesse momento, trata dos dados da realidade da cultura

corporal (que engloba temas como o jogo, a ginástica, o esporte, entre outros), a partir das

condições cognoscitivas do indivíduo inserido no ensino escolar. Na especificidade desse

capítulo encontra-se o debate sobre o conhecimento de que trata a Educação Física, bem como

o tempo pedagogicamente necessário para o processo de assimilação desse conhecimento.

Nesse intento, o Coletivo explicita o conhecimento de que trata a Educação Física no

campo escolar e, novamente, evidencia-se que o objeto de conhecimento dessa disciplina

escolar é a cultura corporal. Com isso, é exposto que a cultura corporal é compreendida e

possui como denotação os temas ou as formas de atividades que se reportam, em particular, às

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atividades corporais. “O estudo desse conhecimento visa apreender a expressão corporal

como linguagem” (idem, p. 62).

A apropriação do indivíduo da cultura corporal é efetivada de maneira consciente e

intencional “[…] para o lúdico, a artístico, o agonístico, o estético ou outros, que são

representações, idéias, conceitos produzidos pela consciência social” (idem, ibibem). Para

embasar essa conceitualização referente ao formato da apropriação por parte dos indivíduos

dos componentes da cultura corporal, busca subsídios em algumas categorias que foram

desenvolvidas pelos primeiros autores da Escola de Vigotski, ou seja, da psicologia histórico-

cultural. Mais precisamente apoiaram-se em Leontiev para caracterizar como “significações

objetivas” esse processo de apropriação.

O Coletivo, ainda seguindo as orientações de Leontiev, afirma que os indivíduos

possuem a capacidade de desenvolver um “sentido pessoal” que se manifesta na subjetividade

dos indivíduos e se relaciona com as significações objetivas presentes no cotidiano do

indivíduo. Por essa questão, o Coletivo de Autores (idem, ibidem) interpreta:

Segundo Leontiev (1981), as significações não são eleitas pelo homem, elas

penetram as relações com as pessoas que formam sua esfera de comunicações reais.

Isso quer dizer que o aluno atribui um sentido próprio às atividades que o professor

lhe propõe. Mas essas atividades têm uma significação dada socialmente, e nem sempre coincide com a expectativa do aluno.

Afirma-se, então, que os conteúdos ou os temas da cultura corporal trabalhados no

âmbito escolar possui um sentido/significado onde penetram-se reciprocamente com a

intencionalidade dos indivíduos, tendo como critério supremo ou critério de verdade a prática

social.

A escola, na perspectiva de uma pedagogia crítica superadora aqui defendida, deve

fazer uma seleção dos conteúdos da Educação Física. Essa seleção e organização de

conteúdos exige coerência com o objetivo de promover a leitura da realidade. Para

que isso ocorra, devemos analisar a origem do conteúdo e conhecer o que

determinou a necessidade de seu ensino. Outro aspecto a considerar na seleção de

conteúdos49 é a realidade material da escola, uma vez que a apropriação do

conhecimento da Educação Física supõe a adequação de instrumentos teóricos e

práticos, sendo que algumas habilidades corporais exigem, ainda, materiais

específicos (idem, p. 63-64).

Com o intuito de ser um pouco mais didático, no segundo momento desse capítulo do

Coletivo são explicitados alguns conteúdos da cultura corporal, juntamente com os possíveis

desdobramentos didático-pedagógicos e com um “teor” de sugestão quanto à abrangência de

49 O Coletivo explica e justifica a sua opção por usar “conteúdo” da seguinte maneira: “Sendo usual, para o

professor, o uso do termo ‘conteúdo’, neste livro também será adotado, fazendo-se a ressalva que sempre

significará ‘conhecimento’” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 64).

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certo conteúdo no que se refere à periodização do desenvolvimento humano – lembramos,

então, novamente, dos princípios com o trato do conhecimento e dos ciclos de escolarização

para que se possa compreender nesse recorte da obra do Coletivo “o tempo necessário para o

processo de assimilação do conhecimento”.

A justificativa do Coletivo de abordar as determinações para fazer com que o aluno

possa assimilar o conhecimento, tendo como principal objetivo compreender e poder atuar

pedagogicamente no interior de certo período da formação humana do indivíduo/aluno, é

efetivada, pois, na tentativa de estabelecer uma nova compreensão/perspectiva para a

Educação Física. Torna-se necessário se reportar para alguns critérios que influenciam

diretamente na organização, sistematização e distribuição do conhecimento em certa fase dos

alunos. Esses critérios estão voltados na tentativa de colocar em prática uma evolução

espiralada no que diz respeito à assimilação do conhecimento por parte dos alunos. Destarte,

expomos um exemplo utilizado pelo Coletivo de Autores (idem, 65):

Saltar representa a atividade historicamente formada e culturalmente desenvolvida de ultrapassar obstáculos, seja em altura ou extensão/distância. No primeiro ciclo do

ensino fundamental (organização da identificação dos dados da realidade), o aluno já

a conhece e a executa a partir de uma imagem da ação tomada no seu cotidiano. Ele

a executa com movimentos espontâneos que lhe são particulares. A ênfase

pedagógica deve incidir na solução do problema: como desprender-se da ação da

gravidade e cair sem machucar-se? Das respostas encontradas pelos alunos, surgirão

as primeiras referências comuns à atividade “saltar”. No decorrer dos ciclos

seguintes, o aluno implicará seu domínio sobre formas de saltar. É interessante

destacar que uma habilidade corporal envolve, simultaneamente, domínio de

conhecimento, de hábitos mentais e habilidades técnicas.

No quarto ciclo, o aluno sistematiza o conhecimento sobre os saltos e os conceitos

que explicam o conteúdo e a estrutura de totalidade do objeto “salto”, desde as leis físicas e

características da ação no nível cinésio/fisiológico, até às explicações político-filosóficas da

existência de modelos de salto. Pode ainda explicar o significado deles para si próprio, como

sujeito do processo de aprendizagem e para a população em geral. Sob a égide da organização

pedagógica supracitada, pontuamos que o Coletivo utiliza o mesmo formato de intervenção na

sequência desse capítulo. Entretanto, os autores mensuram tais elementos e determinações

pedagógicas exemplificando alguns conteúdos e sua relação com os ciclos do processo de

ensino e aprendizagem já exposto pelo Coletivo. Mais especificamente, os autores apresentam

possibilidades pedagógicas para os temas: jogo, esporte (futebol, atletismo, voleibol,

basquetebol), capoeira, ginástica e dança. Após essa exposição, é evidenciado, ainda nesse

capítulo, os procedimentos didático-metodológicos, isto é, abre-se a reflexão e a

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exemplificação da estruturação de aulas. O Coletivo apresenta, em nota de exemplo, uma

possível tematização de aulas de ginástica.

Esses foram os motes apresentados no terceiro capítulo da obra do Coletivo de

Autores (idem). No momento subsequente da nossa descrição, apresentaremos o quarto e

último capítulo que compõe a obra Metodologia do ensino de educação física, no qual expõe

uma nova concepção de avaliação para a Educação Física. Tal concepção surge contrapondo o

método positivista e linear “de começo, meio e fim” da avaliação, comum no âmbito escolar

e, principalmente, no componente curricular Educação Física. O destaque que se dá nessa

nova concepção de avaliação, de acordo com o Coletivo (idem, p. 19), é “[…] a existência de

freqüentes momentos avaliativos formais e informais, explícitos ou ocultos, presentes à vida

da escola”.

4o) “Avaliação do processo ensino-aprendizagem em educação física”

Iniciando a exposição referente à avaliação na Educação Física, o Coletivo expõe o

significado da avaliação do processo de ensino e aprendizagem na especificidade da Educação

Física, partindo de uma crítica aos métodos avaliativos atuais – lembrando que essa obra foi

elaborada em 1992.

A proposta de avaliação pelo Coletivo se dá, entre outras determinações, pela

conciliação com o projeto político pedagógico da escola e pela importância de inter-

relacionamento do trabalho pedagógico, de maneira dialética, com os condicionantes

existentes no interior da escola e também com os condicionantes sociais que interferem direta

ou indiretamente na escola. Ou seja, compreendendo a escola como um elemento concreto da

sociedade e que, então, está inserido na trama de relações sociais intrínsecas do modo de

produção capitalista.

Os autores dessa obra, partindo do pressuposto de que a Educação Física é um

componente curricular da escola e, por sua vez, deve ter como objeto de conhecimento e

estudo a expressão corporal como linguagem, asseveram que tal objeto é um meio de

mediação do “[…] processo de sociabilização das crianças e jovens na busca da apreensão e

atuação autônoma e crítica na realidade, através do conhecimento sistematizado, ampliado,

aprofundado, especificamente no âmbito da cultura corporal”. Dessa maneira, essa proposta

incide no que diz respeito à avaliação: de fazer com que esta “[…] sirva de referência para a

análise da aproximação ou distanciamento do eixo curricular que norteia o projeto político da

escola” (idem, p. 103).

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Portanto, são apresentados como elementos para alocar a avaliação como

instrumento pedagógico: a) as finalidades, o conteúdo e a forma para uma proposta de

avaliação, ou seja, é preciso levar em consideração um projeto histórico, as condutas

humanas, as decisões em conjunto, o tempo pedagogicamente necessário para a

aprendizagem, a compreensão da crítica da realidade, as intencionalidades e as intenções, a

reinterpretação e redefinição de valores e normas, etc; b) as implicações pedagógicas, ou seja,

englobando o fazer coletivo, os conteúdos e as metodologias, as normas e os critérios, os

níveis de desenvolvimento dos alunos, na emissão de conceitos, na interpretação do insucesso

e do erro, na utilização de instrumentos, nos eventos avaliativos, etc.

Com essa exposição, encerramos a explicitação das partes constitutivas da obra do

Coletivo. No entanto, deixamos, novamente, em alerta que essa obra foi elaborada com o

objetivo de contribuir para a atividade docente, todavia, não se reduz a uma mera prescrição

de como deve agir o docente nas aulas de Educação Física. Essa obra pretende ir mais fundo,

superando o reducionismo tecnicista conservador. O Coletivo possui, portanto, um

posicionamento ideológico que vai de encontro aos pressupostos estabelecidos pela atual

ordem social, isto é, pela expropriação do humano e pela expropriação do conhecimento.

Em síntese, podemos compreender que a obra Metodologia do ensino de Educação

Física é um esforço coletivo que atualmente possui sua relevância e a sua contribuição com a

Educação Física escolar para perspectivar uma formação omnilateral do ser social e que ruma

para uma transformação social. Estamos diante de uma obra que precisa ser reafirmada e cada

vez mais aprofundada para que possamos primar por uma educação integral do ser social, que

tenha como principal característica a transmissão do conhecimento científico, que possibilite

ao indivíduo a compreensão da atual realidade social e propicie ações para uma vigilância e

intervenção crítica frente ao modo de produção capitalista.

E assim esperamos com o presente trabalho fazer parte da reafirmação de tal obra.

Pois, como a autora Celi Nelza Zülke Taffarel deixou registrado, como dedicatória no nosso

exemplar do livro em estudo: “A construção deste livro foi, é e será obra coletiva. Contamos

com você [no caso o autor da presente dissertação] para esta tarefa inacabada”. Assim

sendo, não iremos poupar esforços para contribuir com essa produção.

Em síntese, argumentamos, nesse primeiro capítulo, que a educação escolar – e,

portanto, a Educação Física escolar – são condicionantes sociais que interagem diretamente

com o atual modo de produção, ou seja, expomos que é impossível e inviável compreender

esses condicionantes sociais de maneira meramente abstrata e deslocada da influência do atual

modo de produção capitalista.

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Para finalizar este capítulo e partir para o próximo momento do nosso trabalho que se

traduz em analisar uma proposição pedagógica que tem como objetivo situar-se em um campo

crítico no bojo da Educação Física, temos que ter uma questão importante em nosso

horizonte. Esta questão pode ser explicitada através de um alerta realizado por Tuleski, Facci

e Barroco (2013, p. 297, itálicos nosso): “Trabalhar na contramão deste processo [modo de

produção capitalista] não é tarefa fácil, porém, justamente por não sê-lo, ainda é maior sua

importância neste momento histórico”.

Portanto, a reflexão e a prática pedagógica no bojo da educação escolar e da

Educação Física escolar devem ser tomadas como postura para uma criticidade aos moldes da

ordem vigente. Isto nos credencia a efetivar por meio da teoria e da prática uma rejeição aos

pressupostos conservadores inclusos nas políticas públicas educacionais e nas teorias

pedagógicas presentes em nível nacional. Enfim, buscamos posicionar a Educação Física

escolar em um projeto que tenha como práxis a “práxis revolucionária”.

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CAPÍTULO II – A relação das categorias cultura e cultura corporal com a

Educação Física escolar

[…] a atividade complexa dos animais superiores, submetida a

relações naturais entre coisas, transforma-se, no homem, numa

atividade submetida a relações sociais desde a sua origem.

Esta é a causa imediata que dá origem à forma

especificamente humana do reflexo da realidade: a

consciência humana.

(ALEXIS N. LEONTIEV)

Podemos, pois, dizer que a natureza humana não é dada ao

homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza

humana biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o

ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo

singular, a humanidade que é produzida histórica e

coletivamente pelo conjunto dos homens.

(DERMEVAL SAVIANI) 50

Ao nos reportarmos à cultura corporal como o nosso objeto de investigação, tornou-

se necessário compreender também a cultura sob a égide dos fundamentos do materialismo

histórico-dialético. Entretanto, ao adentrarmos na reflexão sobre a cultura, compreendemos

que estamos perante uma categoria que carrega considerável complexidade na sua

conceituação.

Partimos do pressuposto que a cultura ocorre exclusivamente por meio da produção

social do indivíduo e que se acumula historicamente com o passar de gerações em gerações,

atuando, constantemente, na formação do homem como um ser social. À vista disso,

concordamos com Lukács (1920, s/p, itálicos nosso) que “O desenvolvimento da sociedade é

um processo unitário. Isto significa que não se pode determinar uma certa fase do

desenvolvimento num aspecto social sem que seus efeitos repercutam sobre todos os outros”.

A partir dessa reflexão, daremos sequência na exposição das fundamentações do

presente trabalho que nos possibilitam compreender a cultura como síntese da produção social

acumulada historicamente. Por mais que essa contextualização tenha sido no decorrer dos

50 Inspiramo-nos no texto de Martins (2011) – “Psicologia histórico-cultural e pedagogia histórico-crítica” –

para anexar tais citações em formato de epígrafe. A justificativa se dá, pois compreendemos que tais

explicitações norteiam, respectivamente, a concepção de cultura que estamos nos embasando na sua relação com

a formação humana – principalmente, no que tange ao desenvolvimento psíquico do ser social – e; sobre a nossa

compreensão da função social da educação escolar – portanto, sobre a Educação Física escolar – no bojo da

reflexão sobre a cultura.

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tempos muito apontada e discutida e que, para alguns, possa soar como mais uma vez “aquela

velha canção aos vossos ouvidos”, ela é fulcral na nossa argumentação.

Contudo, não iremos enfocar a discussão terminológica e polissêmica de “cultura”, o

objetivo nesse momento é de aprofundar o conceito da cultura sob a base ontológica e

filosófica do materialismo histórico-dialético. Para isso, apresentaremos, primeiramente, a

discussão sobre a cultura, trazendo à tona, principalmente, os conceitos de

objetivação/apropriação e humanização/alienação.

Portanto, uma vez que tomamos tal aporte teórico para fundamentar essa discussão,

temos que compreender a cultura, obviamente, no bojo do atual modo de produção, ou seja,

no capitalismo no estágio da acumulação flexível do capital. Dessa forma, efetivaremos, no

segundo momento deste capítulo, uma análise de uma vigente tese promulgada pelas

teorizações pós-modernas que possui em um de seus corolários a negação e a crítica da

compreensão de universalidade da cultura. Posicionando-se, assim, aos critérios e aos

interesses únicos da classe dominante, a qual direciona a cultura aos seus interesses

particulares, ou seja, contribuindo para a ordem hegemônica.

No terceiro e último momento do capítulo, adentramos na discussão a respeito da

cultura corporal no âmago da Educação Física escolar. Essa reflexão foi efetivada pela

formatação a seguir arrolada: a) exposição da cultura corporal com base na tendência crítico-

superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992); b) discussão das críticas existentes sobre os

pressupostos dessa tendência sobre a categoria supracitada; c) exposição da “crítica às

críticas”; d) indicação de uma contribuição e da reafirmação do nosso dado de pesquisa (a

cultura corporal), apontando como aprofundamento os pressupostos e os desdobramentos da

psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica que será abordado no último

capítulo.

2.1 Apontamentos sobre a categoria cultura na contemporaneidade

Com o intuito de adentrarmos na reflexão sobre a cultura, encontramos no interior

dos nossos estudos uma gama extensa de interpretações sobre o conceito dessa categoria. Um

dos problemas averiguado foi na ênfase dada na fragmentação do conceito dessa categoria,

destinando-a, assim, a explicar as ações humanas em uma fase microssocial, ou seja, projeta-

se a compreensão das diversas ações em mote social de dada região que possui costumes e

hábitos específicos, singulares, desconexa do modo de produção capitalista. É comum

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encontrar, portanto, interpretações a respeito da cultura que atribui a ela, por exemplo, certas

manifestações artísticas, aos movimentos sociais, aos saberes produzidos por um determinado

grupo, etc. que fragmenta a compreensão da realidade concreta, ofuscando uma possível

compreensão da totalidade do mundo real.

Eagleton (2011, p. 09) afirma que a palavra “cultura” é caracterizada como uma das

duas ou três palavras mais complexas da nossa língua. O autor complementa essa afirmação

pontuando que apenas mais complexa que a palavra “cultura” somente a palavra “natureza”

que, por sua vez, é o seu oposto. Sobre a oposição entre natureza-cultura, o autor menciona

que “[…] o conceito de cultura, etimologicamente falando, é um conceito derivado do de

natureza. Um de seus significados originais é ‘lavoura’ ou ‘cultivo agrícola’, o cultivo do que

cresce naturalmente”.

Já Abbagnano (2007) realiza um desdobramento sobre o conceito de cultura no

âmbito da filosofia. Explicitaremos, aqui, a discussão realizada pelo autor sobre a(s)

concepção(ões) de cultura na contemporaneidade. Assim, Abbagnano (2007, p. 265) comenta:

C.[ultura], em outras palavras, é um termo com que se pode designar tanto a

civilização mais progressista quanto as formas de vida social mais rústicas e

primitivas. Nesse significado neutro, esse termo é empregado por filósofos,

sociólogos e antropólogos contemporâneos. Tem ainda a vantagem de não privilegiar um modo de vida em relação a outro na descrição de um todo cultural.

[…] O caráter global (mas nem por isso sistemático) de uma C.[ultura], que

corresponde às necessidades fundamentais de um grupo humano, a diversidade dos

modos como as várias C.[ulturas] correspondem a essas necessidades e o caráter de

aprendizado ou transmissão da C.[ultura] são traços característicos expressos por

essas definições, traços que se repetem em quase todas as definições que hoje podem

ser consideradas válidas.

Como observamos, no seio da recente história da humanidade o conceito da cultura

se manifestou de diversas maneiras no sentido de se aproximar ou não do conceito de

civilização. Abbagnano (idem, p. 261, itálicos no original) expõe que há um significado sobre

cultura que indica “[…] o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados,

polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização”.

Contudo, como já anunciamos anteriormente, não temos a intenção de aglutinar ao

nosso estudo a extensa e complexa discussão sobre a questão etimológica e polissêmica do

conceito da cultura, pois corremos o risco de ser incipientes se não expusermos uma discussão

profunda e coerente à luz dessa temática.

Partimos, com isso, do pressuposto de que cultura é “[…] toda construção humana

que permeia a relação dos homens com outros homens e destes com a natureza” (SFORNI,

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2004, p. 20). Em outras palavras, conforme Lukács (1920, s/p.) ao explicitar o conceito de

cultura de maneira mais restrita:

o conceito de cultura (em oposição a civilização […]) compreende o conjunto das

atividades e dos produtos dotados de valor que são supérfluos em relação ao

sustento imediato. Por exemplo, a beleza interna de uma casa pertence ao conceito

de cultura; não sua solidez, nem sua calefação, etc. Se então nos perguntamos: em

que consiste a possibilidade social da cultura? devemos (sic.) responder que ela é oferecida pela sociedade na qual as necessidades primárias foram satisfeitas de tal

maneira que não se requer um trabalho tão pesado que esgote por completo as forças

vitais. isto (sic.) é, onde existem energias disponíveis para a cultura.

Lukács (idem) procura expor que as produções sociais tanto de cunho material

quanto de cunho espiritual no interior das contradições vigentes oriundas da sociedade

capitalista que, atualmente, conduzem cada vez mais para o “mundo da superfluidade”51

, para

as vicissitudes da atual “sociedade involucral” que fomenta a geração das produções

descartáveis e supérfluas para que aja um maior número de consumo.

Portanto, temos em tela a intenção de nos apoiar nos fundamentos do materialismo

histórico-dialético para compreendermos e, do mesmo modo, para que possamos gozar de

uma exposição efetivamente embasada e coerente sobre a cultura. Com efeito, mencionamos,

primeiramente, que tanto Marx como Engels não se preocuparam em debruçar-se em seus

estudos na explicação da cultura.

Destarte, o principal pressuposto para assentarmos o conceito de cultura aos

fundamentos marxianos é compreender que a cultura não pode estar desarticulada da

produção social dos indivíduos, lembrando que, por sinal, indagar essa relação sob um

parâmetro desarticulado é conceituá-la de maneira naturalizada, sub-repticiamente. Tal

relação encontra-se frequentemente nas discussões das teorias hegemônicas sobre o conceito

de cultura, isto é, analisando-a de maneira irracionalista, acrítica e anistórica.

2.1.1 Contribuição dos fundamentos do materialismo histórico-dialético para uma

compreensão da categoria cultura

Como já mencionamos, tanto Marx como Engels não se posicionaram

especificamente ao conceito de cultura, porém, no decorrer das suas produções teóricas

podemos encontrar inúmeras indicações sobre a formação da cultura do ser humano. Afinal,

51 A respeito do conceito de “superfluidade” indicamos o trabalho de Antunes (2005) para uma maior precisão e

explicitação.

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quando mencionamos a concepção de cultura, sob os pressupostos marxianos, estamos

argumentando sobre a produção acumulada histórica e socialmente pelos indivíduos.

Não há a possibilidade de compreendermos a cultura vigente sem observarmos o

movimento inerente da sociedade e o seu modo de produção. Essa produção acumulada pela

história ocorre por meio de apropriações e objetivações da vinculação de gerações em

gerações de seres humanos com os seres orgânicos e inorgânicos presentes na natureza e,

também, da própria relação social entre esses seres humanos.

Com base nessa condição, temos que trazer a cabo, novamente, o caráter ontológico

da categoria trabalho para que assim possamos compreender o conceito de cultura sob a égide

do materialismo histórico-dialético. Isso porque tomamos como síntese do conceito de cultura

as objetivações dos indivíduos que ocorrem unicamente pela necessidade mais elementar da

transformação da natureza, ou seja, pela execução do trabalho. Com isso, concordamos com

Lukács sobre o caráter que do trabalho e, dessa forma, buscaremos explicitar esse

posicionamento neste capítulo. Ou seja, procuraremos afirmar que o trabalho

dá lugar a uma dupla transformação. Por um lado, o próprio ser humano que trabalha

é transformado por seu trabalho; ele atua sobre a natureza exterior e modifica, ao

mesmo tempo, sua própria natureza, desenvolve “as potências que nela se encontram

latentes” e sujeita as forças da natureza “a seu próprio domínio”. Por outro lado, os objetos e as forças da natureza são transformados em meios de trabalho, em objetos

de trabalho, em matérias-primas etc. (LUKÁCS, 2012, p. 286).

Através dele [do trabalho] realiza-se, no âmbito do ser material, um por teleológico

enquanto surgimento de uma nova objetividade. Assim, o trabalho se torna o modelo

de toda práxis social, na qual, com efeito – mesmo que através de mediações às

vezes muito complexas –, sempre se realizam pores teleológicos, em última análise,

de ordem material. É claro, […] que não se deve exagerar de maneira esquemática

esse caráter de modelo do trabalho em relação ao agir humano em sociedade;

precisamente a consideração das diferenças se revela que o trabalho pode servir de

modelo para compreender os outros pores socioteleológicos, já que, quanto ao ser,

ele é sua forma originária (LUKÁCS, 2013, p. 47).

Por conseguinte, em nossa compreensão, a cultura, nessa contextualização, vai se

formando e se complexificando por meio de dois processos que ocorrem dialeticamente

indissociados um do outro e se aplicam, fundamentalmente, pelo trabalho: o processo de

desenvolvimento do indivíduo como síntese de inúmeras relações sociais; e desse processo no

interior do processo de “[…] desenvolvimento histórico do ser humano como um ser social”

(DUARTE, 2013a, p. 08). Com efeito, trazemos a essa discussão as subsequentes categorias,

com o intuito de apresentar os pressupostos e as determinações que utilizamos para

compreender o conceito de cultura.

Primeiramente, explicitaremos as categorias objetivação e apropriação, por

compreender, em acordo com Duarte (idem, p. 09), que ambas “[…] expressam a dinâmica do

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processo pelo qual o ser humano se autoconstrói ao longo da história […]”. E, posteriormente,

as categorias humanização e alienação, por expressarem “[…] o caráter contraditório com que

os processos de objetivação e apropriação têm se realizado no processo histórico marcado

pela luta de classes […]”.

Detendo-nos na compreensão e na explicitação da objetivação e da apropriação,

recorremos a deixar bem exposto a dialética que há entre essas duas categorias e como

conciliam-se no bojo da atividade vital do ser social, isto é, do trabalho. Assim, afirmamos,

conforme Duarte (idem, p. 10, itálicos nosso), que

A dialética entre objetivação e apropriação faz-se presente na teoria marxista na

concepção de trabalho como atividade que, em sua forma primeira e fundamental, se

apresenta como transformação da natureza. Nessa atividade, os seres humanos

apropriam-se da natureza e objetivam-se nos produtos do trabalho. Para que isso

ocorra, é necessária, entretanto, a apropriação prévia das forças produtivas já

existentes na sociedade. A dialética entre objetivação e apropriação é essencial

para compreender-se a relação entre o desenvolvimento histórico da humanidade e

o desenvolvimento do indivíduo.

Para podermos compreender essa dialética que há entre a objetivação e a

apropriação, urge como necessidade a explicitação acerca da atividade vital do ser humano e,

portanto, se faz necessário distinguir essa atividade inerente da espécie humana para a

atividade específica da espécie animal.

Quando nos referimos à atividade vital, temos como compreensão de que tudo aquilo

que tanto o animal como o ser humano executam para reproduzir as suas vidas. É tudo aquilo

que essas espécies realizam para poder existir e reproduzir a si mesmo. No entanto, a

sobrevivência apenas biofísica do ser humano e a sua reprodução no sentido biológico

cadenciam exclusivamente a continuidade da espécie do ser humano em um âmbito biológico,

não permitindo avançar no que tange à reprodução do ser humano enquanto gênero humano52

.

O trabalho, nesse caso, como a atividade vital do ser humano, atua no seu processo

de formação não apenas no sentido de reproduzir o ser humano no seu contexto biológico,

mas sim em assegurar a sobrevivência dessa determinação biológica e, principalmente,

assegurar a existência da sociedade, isto é, da vida do ser humano em sociedade (DUARTE,

2013a).

52 A respeito da categoria gênero humano, Duarte (2013, p. 09, itálico nosso) esclarece que a mesma é “[…] o

resultado da história social humana, da história da atividade objetivante dos seres humanos (a formação do

indivíduo é a formação do homem singular como um ser genérico, um pertencente ao gênero humano)”.

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Como observamos, a atividade específica do ser humano é uma atividade vital, livre

e consciente, a qual distingue da atividade do animal, como bem nos lembra Marx (2008, p.

84, itálicos no original):

O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É

ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua

consciência. Ele tem atividade vital consciente. Esta não é uma determinidade

(Bestimmtheit) com a qual ele coincide imediatamente. A atividade vital consciente

distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, [e] só por

isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria

vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico. Eis por que a sua atividade é atividade livre.

O ser humano, ao produzir, por meio do trabalho, os meios necessários para

satisfazer as suas condições mais elementares e mais complexas de sua existência, está

humanizando a sua atividade e se auto-humanizando. Pois, “[…] a transformação objetiva é

acompanhada da transformação subjetiva. A atividade de trabalho cria, portanto, uma

realidade humanizada tanto objetiva quanto subjetivamente” (DUARTE, 2013a, p. 26).

O ser social pela sua capacidade de transformar intencional e conscientemente a

natureza circundante para seu próprio benefício cria a condição de se apropriar da natureza, a

fim de transformá-la para si próprio. Com isso, o ser social “objetiva-se” a si próprio no

interior dessa transformação. “Por sua vez, essa atividade humana objetivada nos produtos e

fenômenos culturais passa a ser ela também objeto de apropriação, isto é, o ser humano deve

se apropriar daquilo que de humano ele criou” (idem, p. 27). Essa ação, humanamente

possível, faz com que ocorram novas necessidades humanas que, por conseguinte, exigem

uma nova atividade específica, efetivando, assim, um processo sem fim no âmbito da

formação do ser social.

Para alguns, esse processo de apropriação dos elementos da natureza pode ser

realizado também por meio da atividade específica do animal. Contudo, Duarte (idem,

ibidem), afirma que

Mesmo quando a apropriação animal se caracteriza pela produção de algo, por uma forma elementar de objetivação, esse processo não se realiza como um processo

gerador de uma realidade qualitativamente nova, enquanto um processo gerador de

história. Isso porque essas formas animais elementares de objetivação e apropriação

são determinadas e limitadas pelo organismo do animal, isto é, pela objetividade

biológica da espécie, que lhe é transmitida geneticamente em seu organismo.

Tomamos o macaco como exemplo: se observarmos as ações do macaco no que se

referem a suprir as suas necessidades de sobrevivência, vamos poder observar que essa

espécie animal tem a capacidade de transformar um simples galho de árvore como extensão

de seu corpo e pode, dessa maneira, alcançar uma fruta que esteja longe do seu alcance.

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Entretanto, essa ação de objetivação e de apropriação do macaco não condiz com uma ação

equiparada com a atividade do ser humano, pois o macaco utiliza uma única vez aquele galho

de árvore para suprir a sua necessidade imediata. Em outro momento que ele tiver a

necessidade de colher outra fruta para se alimentar, ele irá procurar outro galho para auxiliá-lo

na execução dessa atividade.

O que notamos nesse processo é que não há uma atividade vital “intencional” e

“consciente”. O macaco não se apropria daquele objeto e não o transforma em um “objeto

humanizado”; o macaco não capta a imagem subjetiva do real e efetiva, assim, a conversão

dessa imagem em “imagem cognitiva” (conforme veremos no item 3.1 do próximo capítulo).

Ou seja, o macaco não tem a capacidade de adequar a sua atividade a um fim, compreendendo

que matéria se aplica em determinada atividade e quais os meios cabíveis para realizar certa

atividade.

Com efeito, a essa explicitação expomos a famosa citação de Marx em “O Capital”

ao afirmar que nem a melhor abelha tem a capacidade de sobrepor ao pior arquiteto:

Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa

operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao

construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que

ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade [imagem subjetiva do real]. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já

existia antes idealmente na imaginação do trabalhador (MARX, 2011d, p. 212).

Com essa breve explicitação, retomamos a nossa exposição a respeito da objetivação

e da apropriação. Sendo assim, concordamos com Duarte (2013a) que uma grande diferença

entre a atividade animal e atividade humana é a atividade de produção de instrumentos. Essa

atividade, afirma o autor, é, ao mesmo tempo, um processo de apropriação da natureza pelo

ser humano e um processo de objetivação desse mesmo ser.

O instrumento, nesse caso, não possui como única função um utensílio a ser utilizado

em uma ação imediata e esporádica – tal como o galho de árvore para o macaco, por exemplo.

Esse elemento tem como função ir mais além dessa simples ação imediatizada, isto é, o

instrumento após ser apropriado e objetivado pelo ser social passa a ter uma função social,

“[…] uma significação que é dada pela atividade social”. Podemos, portanto, caracterizar o

instrumento como “[…] objeto que é transformado para servir a determinadas finalidades no

interior da prática social. O ser humano cria novo significado para o objeto” (idem, p. 28).

Mas, para isso, o ser social necessita conhecer as propriedades dos objetos encontrados na

natureza e, dessa forma, poderá analisar e dar um posicionamento ou uma finalidade aos

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objetos em uma dada sociedade, ou seja, parafraseando Duarte (idem): dando um significado

social para os objetos.

Um exemplo dessa questão da atividade de produção de instrumentos que incide na

relação direta do ser social com o objeto, ou melhor, na relação sujeito-objeto, é o

posicionamento que a ciência assume no interior da sociedade. Ela “[…] permite cada vez

mais conhecer a natureza na sua dinâmica própria, interna, a qual, em sua origem, não resulta

da atividade humana, ou seja, não resulta de nenhuma forma de consciência” (idem, p. 30).

Entretanto, o posicionamento valorativo que a ciência possui é, justamente, fazer com que

possamos entender o que pode ou não realizar com dado objeto para que tenha uma função

social. Teremos a condição de analisar as propriedades desse objeto e conseguir extrair dele as

máximas possibilidades em proveito do ser social.

Contudo, a objetivação humana não ocorre apenas pela produção de objetos

materiais. Existem outras formas de se efetivar as objetivações humanas, e uma delas é uma

importante atividade no que tange ao processo de formação do ser social, ou seja, a

linguagem. A produção da linguagem é uma atividade relevante para as determinações que há

na formação do ser humano em um ser humanizado ou em um ser social. Tanto que a

atividade produção da linguagem atua intensamente na atividade de produção de

instrumentos. Essa atividade preconiza, essencialmente, a comunicação entre os indivíduos.

Sobre essa atividade, Duarte (idem, p. 34, itálicos nosso) assevera a seguinte indagação:

A atividade vital humana, sendo originalmente uma atividade imediatamente

coletiva, exige a atividade de comunicação, que se foi objetivando, ao longo da

história primitiva, em signos e em sistemas de signos, isto é, a linguagem. Esses

sistemas de signos transformam-se em sistemas internos, orientadores da atividade

de pensamento, num processo infinito de interiorização. A apropriação da

linguagem é a apropriação da atividade histórica e social de comunicação que nela se acumulou, se sintetizou.53

A objetivação e a apropriação geram um acúmulo de experiência, de contato e de

intervenção do ser social com a natureza, de uma síntese das potenciais capacidades que o ser

social possui na atuação perante a natureza para a sua benfeitoria. Como anunciamos, essas

categorias interagem dialeticamente e preconizam o movimento inerente da sociedade. A

especificidade da atividade vital humana, por meio da objetivação e da apropriação, se efetiva

com o passar do tempo como um processo de humanização da natureza e também como

processo do gênero humano.

53 Daremos ênfase na discussão a respeito da atividade de produção da linguagem e sua relação com o

pensamento no capítulo a seguir, no item 3.1.

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Esse processo do gênero humano, com efeito, não se constitui por meio da

transmissão da herança genética do ser social. Essa afirmação é importante e se torna

necessária para fundamentar que as características desse processo do gênero humano são

constituídas e estabelecidas, de acordo com Duarte (idem, p. 37-38), pelo extenso e complexo

movimento “[…] do processo histórico de apropriação da natureza pela atividade social e de

objetivação dos seres humanos na natureza formada”.

Seguindo ainda nessa interlocução materialista, histórica e dialética de Duarte (idem,

ibidem), sintetizamos que esse processo de objetivação e apropriação do ser social que finda

no processo do gênero humano faz com que “[…] a atividade, ao longo da história, vai

construindo as objetivações, desde os objetos stricto sensu, bem como a linguagem e as

relações cotidianas entre os seres humanos, até as formas mais elevadas de objetivação

humana, como a arte, a ciência e a filosofia”. Portanto, colocamos nesse campo de

objetivação humana a educação escolar e a Educação Física escolar juntamente com os seus

pressupostos e desdobramentos.

Compreendemos, então, que por meio da objetivação e da apropriação efetiva-se a

essência do ser humano, ou melhor, a essência da humanização. Essa efetivação se dá tanto no

próprio processo do gênero humano quanto no indivíduo singular. Tal processo é o principal

que faz com que tomemos essa larga distinção da atividade vital dos animais. A dinâmica

estabelecida nessa relação apropriação e objetivação no bojo da atividade vital humana ocorre

de maneira abrangente e por meio de diversos elementos e determinações históricas e sociais.

Com isso, o ser humano para se tornar humano ou um ser social é preciso objetivar-

se do emaranhado de atividade de produção já estabelecida por outros seres humanos para

poder inserir-se no processo histórico do gênero humano. “A objetivação do indivíduo,

gerando produtos materiais e mentais, realiza-se num nível tão mais rico e elevado quanto

mais ele, por meio da apropriação das objetivações do gênero humano, faça destas os ‘órgãos

da sua individualidade’” (idem, p. 53).

Partindo das orientações do materialismo histórico-dialético vimos que as categorias

objetivação e apropriação não podem ser compreendidas – como aparecem em diversas

teorizações no campo pedagógico e psicológico – na lógica do ser humano como uma

aposição entre elementos sociais e biológicos ou até mesmo dos elementos sociais com os

elementos inatos/hereditários. A essência da humanização do ser humano não se limita a um

processo adaptativo ao seu meio ou simplesmente a um processo de interação entre o ser

humano com o meio ambiente e/ou meio social.

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Todavia, veremos a seguir ao explicitarmos as categorias humanização e alienação

que o processo do gênero humano – diga-se a relação apropriação e objetivação – no âmago

do modo de produção capitalista preconiza intensamente a formação do ser social por meio de

uma lógica adaptativa e passiva. Sobre essa afirmação argumentaremos subsequentemente.

Trataremos, também, sobre a impossibilidade do ser social objetivar as máximas

produções elaboradas histórica e socialmente por outros seres humanos no seio do modo de

produção capitalista. O trabalho – a objetividade humana – nesse modo de produção se torna

meramente mercadoria que possui como principal função a sua venda em troca do mínimo de

possibilidade de sobrevivência da maioria dos seres humanos, ou seja, da classe trabalhadora.

Na relação da humanização e da alienação, por essa contextualização, ocorre uma usurpação

das possibilidades da maioria dos seres humanos se humanizarem, restringindo, assim, à

classe trabalhadora, o acesso ao que de mais avançado se produziu ao longo da história do

processo de gênero humano.

Como vimos, a efetivação da relação entre objetivação e apropriação assume um

caráter ineliminável no processo de humanização. Entretanto, Duarte (idem, p. 55) adverte

que a compreensão da relação objetivação e apropriação – que discutimos anteriormente – se

dá apenas no plano da abstração e, “[…] por si só, ainda não permite a plena compreensão da

concretude histórica da formação tanto do gênero humano quanto dos indivíduos”. Como

proposição para avançar dessa abstração – que, por sua vez, não deixa de ser menos

importante – rumo à concretude, dando ênfase às diversas relações e determinações, é

necessário refletir e compreender sobre “[…] a relação entre objetivação e apropriação no

interior da luta de classes54

; isto é, do longo período histórico que se estende até a atualidade

[…]”.

Abrangendo essa questão da luta de classes e tomando como pressuposto a relação

dialética entre objetivação e apropriação que caracteriza o processo de gênero humano e a

formação do indivíduo singular, faz-se indispensável abordar a humanização – como síntese

das múltiplas determinações efetivadas pela relação da objetivação e da apropriação – e, nesse

intento – da luta de classes –, vem à tona a alienação.

54 Duarte (2013, p. 56, itálicos nosso) em questão a luta de classes expõe a seguinte inquirição: “Sobre luta de

classes, faz-se necessária uma observação. Não foram poucos os que acreditaram, no período posterior à

Segunda Guerra Mundial, com o ‘Estado do Bem-Estar Social’ (Welfare State), que a luta de classes teria

acabado. Mas com o amadurecimento mundial da exploração do trabalho, nas décadas finais do século XX e na

primeira década deste século, mostrou que a luta de classes nunca deixou de existir na sociedade capitalista,

independentemente do grau de consciência que dela tenham a classe trabalhadora e a burguesia. A relação entre

capital e trabalho é sempre e necessariamente luta de classes. Enquanto existirem as classes haverá luta entre

elas”.

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No seio do atual modo de produção, a alienação assume um papel relevante na sua

relação com o processo de humanização dos seres humanos, uma vez que na sociedade

capitalista a essência magna é a exploração do ser social em proveito de uma baixa camada da

sociedade. Como Duarte (idem) aponta, a alienação contribui ou impossibilita que as

características essenciais do gênero humano e, assim, do processo de humanização do ser

social, se concretizem para uma ou para outra classe social.

Na atual sociedade é impossível que o caráter social da atividade humana se

direcione a uma “socialidade para si”, fazendo com que os indivíduos tenham o controle

consciente, coletivo e livre dos produtos produzidos histórica e socialmente por outros

indivíduos. Somente no âmbito da socialidade para si é possível o desenvolvimento da

individualidade humana livre, universal e, sendo assim, na formação omnilateral do ser social.

Estaremos, nesse momento, analisando a relação dialética entre objetivação do

processo de gênero humano e a apropriação dos produtos sociais diante das determinações do

modo de produção capitalista, isto é, averiguaremos “[…] a humanização realizando-se por

meio das relações sociais alienadas” (idem, p. 58). Portanto, o que podemos configurar com as

seguintes problematizações: o que é ser humano? O que é alienação tomando como base o ser

humano?

A respeito da primeira indagação (o que é ser humano?), salientamos ao longo deste

capítulo uma boa base conceitual à luz do materialismo histórico-dialético. Pontuando a

principal distinção da atividade vital humana para a atividade vital animal; esclarecendo as

categorias objetivação e apropriação como um processo consciente e intencional e, por essa

forma, fazendo com que o ser humano consiga transformar a natureza circundante em seu

proveito. Todavia, o que se faz necessário nesse momento é compreender como ocorrem essas

características “de como é o ser humano” (sua formação) no processo de exploração do

capital, ou seja, por meio da alienação.

Ainda seguindo as orientações de Duarte (idem) pautamos a alienação como um

fenômeno que é inteiramente histórico-social e concreto. É um processo no modo de produção

capitalista que apresenta um antagonismo bem definido, isto é, a classe trabalhadora

subsumida, impedida ou, em última instância, limitada de ter acesso às máximas

possibilidades da vida humana produzidas histórica e socialmente por gerações passadas.

O ser humano aliena-se perante as forças essenciais humanas efetivamente

existentes porque as relações sociais, nas quais se realizam a objetivação e apropriação dessas forças essenciais, são relações que são postas, pelos seres

humanos e aos seres humanos, como relações naturais, não como produtos da

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atividade social, não como algo que possa ser transformado por seus criadores, os

seres humanos (idem, p. 60).

A alienação, em sua gênese, realiza-se pelo fato de que o ser social não possui o

domínio de maneira coletiva (frisa-se o caráter coletivo) os elementos e as determinações das

relações sociais, com isso, é submetido a essas relações como se elas fossem um poder

transcendental, superior, estranho ao ser social. As relações sociais no modo de produção

capitalista têm a capacidade em efetivar essa possibilidade de domínio sobre os indivíduos.

Nessa questão há uma contradição – em meio a diversas contradições que “alimentam” a

sociedade da ordem do capital – muito bem sintetizada por Duarte (idem, ibidem):

O ser humano vê-se dominado, explorado, humilhado e até morto pelas relações

sociais que foram criadas pela própria humanidade. Ao mesmo tempo, o ser humano

cria possibilidades de uma vida plena de sentido e dignidade, repleta de conteúdo e

desenvolvimento, em suma, uma vida livre e universal. Mas essas possibilidades

pouco ou nada se concretizam na vida da maior parte das pessoas.

Tomando tais argumentações sobre a alienação, passamos a averiguar como ocorre o

trabalho, ou seja, a atividade humana – tendo como dinâmica a objetivação e apropriação – no

âmago do caráter humanizador e, no bojo da sociedade capitalista, do caráter alienador. Essa

relação humanização-alienação na atual sociedade encontra-se posta por meio de uma

contradição. Tudo aquilo que é objetivado e o que foi apropriado dessa objetivação são

instauradas como elementos ocultos, estranhados da maioria dos indivíduos ou da classe

trabalhadora. Há uma alienação, um estranhamento55

daquilo que foi e é produzido pela classe

trabalhadora deles mesmos.

Sobre essa contradição entre trabalho humanizador e trabalho alienador,

revisitaremos os Manuscritos econômico-filosóficos de Marx (2008) com o intuito de

contribuir sobre essa relação. Entendemos que essa obra elaborada na juventude do autor

apresenta uma análise coerente, aprofundada e, ao mesmo tempo, explicita um sentimento de

aversão despertado pelas ações indignas oriundas da contradição que o modo de produção

capitalista imprime na possibilidade de humanização e alienação dos indivíduos fracionados

em classes sociais.

Marx (idem, p. 80, itálicos no original) explica desenvolvidamente a contradição

existente no trabalho, na atividade vital humana, ou seja, sobre a produção do objeto feita pelo

55 Compreendemos a categoria estranhamento como similar/sinônimo da categoria alienação. Assim como

Duarte (2013, p. 71) não concordamos “[…] com alguns autores marxistas e tradutores de obras de Marx que

usam esses dois termos como se fossem dois conceitos distintos em Marx, ou seja, separam estranhamento de

alienação e passam a usar o termo ‘alienação’ praticamente como sinônimo de objetivação. Isso cria uma enorme

confusão e, pior ainda, gera a possibilidade de se pensar que a alienação seja parte essencial da vida humana”.

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trabalhador e a sua relação com este, seguindo as determinações de alienação/estranhamento

da sociedade capitalista:

Este fato nada mais exprime, senão: o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o

seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do

produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal

(sachlich), é a objetivação (Vergegenständlichung) do trabalho. A efetivação

(Verwirklichung) do trabalho é a sua objetivação. Está efetivação aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a

objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, apropriação como

estranhamento (Entfremdung), como alienação (Entäusserung).56

Nesse sentido, a contradição se dá, pois quanto mais o indivíduo (o trabalhador) se

apropria das objetivações do mundo externo a ele, pelo seu trabalho, mais esse trabalhador se

torna desprovido do acesso aos seus meios de vida. Adapta o trabalhador ao fato de que

somente ele enquanto trabalhador consegue manter-se um sujeito físico, consegue sobreviver

e, por isso, por ele ser um sujeito físico é um trabalhador. Aqui encontramos a contradição

inerente da possibilidade de humanização e a “prevalência” da alienação do trabalhador: “[…]

que quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; que quanto mais valores

cria, mais sem-valor e indigno ele se torna […]” (idem, p. 82).

Complementamos essa questão ainda seguindo as indagações marxianas: “[…] na

medida em que o trabalho estranhado [alienado] 1) estranha do homem a natureza, 2) [e o

homem] de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua vontade e da sua consciência”

(idem, p. 84). A atividade vital consciente do homem, nesse caso, deixa de ser uma atividade

que contribua com a sua essência, preconizando apenas as suas ações para [buscar] sanar as

necessidades meramente da sua existência, isto é, há uma inversão da possibilidade de

compreender o ser social como um ser consciente genérico.

Em síntese, a apropriação da natureza pelo ser social que ocorre pelo trabalho, nessa

formatação de produção e compreensão da formação humana, essa apropriação surge

alienada/estranhada ao trabalhador, e a produção do objeto – extraído da natureza – é,

também, alienada/estranhada ao trabalhador.

Insistimos em dizer: na atual sociedade a produção final da atividade trabalho, ou

seja, o produto é transfigurado em capital que, por sua vez, a ordem do capital é a ordem

hegemônica que detém e explora esse produto e a atividade por inteira do trabalhador. A

alienação está a todo o momento nessa vinculação entre atividade trabalho e os pressupostos

56 Para nós, nessa tradução do alemão para o português elaborada pela Editora Boitempo expõe o conceito de

alienação e estranhamento como sinônimos. E, como já afirmamos na nota de rodapé acima, é a forma que

entendemos ser a interpretação de Marx e que consta no decorrer das suas produções.

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oriundos da ordem do capital, do modo de produção capitalista. A classe trabalhadora, isto é,

a maioria dos seres humanos tem os produtos alienados de si mesma, ou melhor, esse produto

“[…] torna-se algo alheio, estranho, exterior e hostil a ela, em uma palavra, torna-se capital”

(DUARTE, 2013a, p. 73, itálicos nosso).

Com tais aprofundamentos, no que se refere à compreensão da relação dialética entre

objetivação e apropriação e como essa relação se dá no seio do modo de produção capitalista,

ou seja, na relação da humanização e da alienação, podemos nos embasar a respeito do nosso

objeto de estudo nesse primeiro momento do capítulo, a lembrar: o conceito da cultura

seguindo as orientações do materialismo histórico-dialético.

Concluímos que a relação entre objetivação e apropriação, o cerne da atividade

humana “[…] caracteriza a especificidade do mundo da cultura diante do mundo da natureza

[…]”, com efeito, na atual sociedade fracionada por classes “[…] tanto a objetivação quanto a

apropriação do que foi objetivado são marcadas pela contradição entre humanização e

alienação” (idem, p. 69).

Entretanto, após essa discussão passamos a compreender um possível conceito de

cultura tendo como ênfase o materialismo histórico-dialético. Para isso, tomaremos como base

intelectuais que se propuseram a apresentar indícios e concretizações sobre a cultura

elucidadas pelas teorizações marxianas. Portanto, apresentamos um posicionamento de Duarte

(2006, p. 118, itálicos nosso), que seguindo as orientações de Marx afirma:

O homem, ao produzir os meios para a satisfação de suas necessidades básicas de

existência, ao produzir uma realidade humanizada pela sua atividade, humaniza a si

próprio, na medida em que a transformação objetiva requer dele uma transformação

subjetiva. Cria, portanto, uma realidade humanizada tanto objetiva como

subjetivamente. Ao se apropriar da natureza, transformando-a para satisfazer suas

necessidades, objetiva-se nessa transformação. Por sua vez, essa atividade humana objetivada passa a ser ela também objeto de apropriação pelo homem, pois os

indivíduos devem se apropriar daquilo que é criado pelos próprios seres humanos.

Tal apropriação gera nos seres humanos necessidades de novo tipo, necessidades

exclusivamente socioculturais, que não existiam anteriormente e que, por sua vez,

levarão os homens as novas objetivações e a novas apropriações, num processo sem

fim.

Resgatando, sinteticamente, a discussão efetivada acima, o que a citação supracitada

acaba de reluzir? Nada mais é a cultura se efetivando a cada momento da vida do ser social

que é, ao mesmo tempo, um ser singular, mas que só tem condições de sobreviver na sua

relação com os demais indivíduos e com a natureza, ou seja, em sociedade. Marx (2012b, p.

97) afirmara que “Na produção social da sua vida, os homens estabelecem relações

determinadas, necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que

correspondem a uma dada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais”.

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103

No entanto, concebemos que há especificidades da cultura dos homens; cada local do

mundo em que vivemos possui suas ações específicas que lhe dão o título de cultura de

determinada região. Mas essas especificidades, na predominância do modo de produção

capitalista, isto é, pela contradição humanização e alienação, ocorrem sob determinação de

uma “macro” cultura que é efetivada por meio das objetivações e apropriações do ser social

nos seus ciclos de vida e de determinada geração. Assim vai se construindo a história, ou

melhor, a cultura do ser social, enquanto um ser ativo, mas, ao mesmo tempo, alienado no seu

meio circundante.

Como podemos perceber, a nossa compreensão em relação à formação humana, a

cultura hodierna, caminha junto em prol da existência do ser social no seio de uma dada

sociedade, no nosso caso, a sociedade capitalista. Dito isso, deixamos claro a nossa reflexão e

intervenção levando em consideração um importante fundamento que é “deixar sobre os

nossos próprios pés” – para utilizar as palavras de Lukács – o desenvolvimento total do ser

social e da dinâmica da sociedade.

Apoiamo-nos em Leontiev (1978b, p. 261) – intelectual da Escola de Vigotski que se

propôs a refletir e discutir sobre a cultura e os seus desdobramentos na formação do ser social

– quando afirma ignorar quaisquer possibilidades de existir um ser absoluto, divino que

orienta e formula a formação humana e suas ações. Como o próprio autor diz: “[…] admitir

uma tal teoria é colocarmo-nos fora da ciência”. O autor soviético parte do pressuposto “[…]

de que o homem é um ser de natureza social, que tudo o que tem de humano nele provém da

sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade” (idem, ibidem, itálicos no

original).

A definição de Leontiev (idem, p. 263-264) sobre o homem se constitui em uma

interessante análise histórico-social da formação humana. O homem é, para o autor, o

sujeito do processo social de trabalho, sob a acção de duas espécies de leis: em

primeiro lugar, as leis biológicas, em virtude das quais os seus órgãos se adaptaram

às condições e às necessidades da produção; em segundo lugar, às leis sócio-

históricas que regiam o desenvolvimento da própria produção e os fenómenos que

ela engendra. […]

O homem não está evidentemente subtraído ao campo de acções das leis biológicas.

O que é verdade é que as modificações biológicas hereditárias não determinam o

desenvolvimento sócio-histórico do homem e da humanidade; este é doravante

movido por outras forças que não as leis da variação e da hereditariedade biológicas.

O acúmulo que ocorre no processo de produção, seja ele qual for – primitivo,

escravagista, feudalista e capitalista –, efetiva, impreterivelmente, um legado a ser deixado

para as próximas gerações. A questão é que cada processo de produção tem suas

especificidades que corroboram para o recuo das máximas possibilidades já formuladas pela

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humanidade para dada classe da sociedade e oferece essas possibilidades a outra classe da

mesma sociedade, tendo, destarte, como principal diferença algumas condições condizentes

com cada momento histórico.

Na sociedade capitalista ocorre esse afastamento de maneira muito explícita, dando a

entender por parte de grande parcela da humanidade que esse processo é inerente da

sociedade em que habitamos, ou seja, é dado como algo natural. Há, então, um processo de

naturalização fomentado pelas variadas esferas sociais conservadoras.

Dadas as condições supracitadas sobre a apropriação da riqueza já produzida

histórica e socialmente, Leontiev (idem, p. 266-267, itálicos no original) nos esclarece que o

ser social

apropria-se das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas

diversas formas de actividade social e desenvolvendo assim as aptidões

especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse mundo.

[…] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi

alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana.

Completamos esse posicionamento com a seguinte afirmação:

As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenómenos objectivos da cultura material e

espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes

resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos da sua individualidade”, a

criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenómenos do mundo

circundante através doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles.

Assim, a criança aprende a actividade adequada. Pela sua função, este processo é,

portanto, um processo de educação (idem, p. 272, itálicos no original).

Chegamos, nesse momento, a um dos principais momentos da nossa reflexão sobre a

cultura e, consequentemente, sobre o processo da produção humana. Uma vez compreendido

que, conforme o ser social vai produzindo elementos para poder manter-se vivo, ocorre

intrinsecamente a formação cultural desse ser social e da sociedade circundante, ou seja, o

processo de produção e a cultura se efetivam na transmissão dos segmentos estabelecidos

histórica e socialmente pela humanidade. Essa ação ocorre via o progresso histórico

humanizador.

E, como vimos debatendo em todo o percurso desse trabalho, concordamos que o

atual modo de produção está sob a vigência dos moldes capitalistas, ou seja, sob os marcos da

propriedade privada dos meios de produção, da divisão técnica e social do trabalho, da

sociedade fragmentada por classes sociais, da alienação social e no estranhamento do ser

social perante o produto de sua própria criação.

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Pela divisão do trabalho, na sociedade capitalista, o produto do trabalho se torna um

objeto que possui como função social a troca. Nessa relação, “[…] o produto toma um

carácter totalmente impessoal e começa a sua vida própria, independente do homem, a sua

vida de mercadoria” (idem, p. 277, itálicos no original).

Leontiev (idem, p. 277-278, itálicos nosso) nos mostra que “[…] a concentração das

riquezas materiais nas mãos de uma classe dominante é acompanhada de uma concentração da

cultura intelectual nas mesmas mãos”. Assim sendo, o autor soviético completa a sua reflexão

afirmando: “A concentração e a estratificação da cultura não se produzem apenas no interior

das nações ou dos países. A desigualdade de desenvolvimento cultural dos homens manifesta-

se ainda mais cruamente à escala do mundo, da humanidade inteira”.

Mostrando-nos a impossibilidade de refletirmos sobre a cultura, sobre a produção

humana de maneira fragmentada, deixando de lado algumas categorias pertinentes para a

compreensão e intervenção na atual realidade social. Esse movimento é oportuno para as

perspectivas pós-modernas e pelos ideários concordantes com o modelo econômico

neoliberal, em prol, no atual momento, para a acumulação flexível do capital, por exemplo.

Ainda seguindo nas orientações de Leontiev (idem, p. 280, itálico nosso), ressaltamos

a explanação do autor sobre as consequências fornecidas pela alienação e pelo estranhamento

no âmbito da formação humana e, pode-se dizer, da formação cultural do ser social: a

alienação provocou uma ruptura entre, por um lado, as gigantescas possibilidades

desenvolvidas pelo homem e, por outro, a pobreza e a estreiteza de desenvolvimento

que, se bem que em graus diferentes, é a parte que cabe aos homens concretos. Esta ruptura não é todavia eterna, como não são eternas as relações sócio-económicas que

lhe deram origem.

Resgatando a discussão sobre a alienação, pontuamos que é por meio da reprodução

social que a alienação “assenta-se” no modo de produção capitalista. Com o desenvolvimento

cada vez mais aguçado do mercado mundial, foi-se ocasionando e tencionando entre as

sociedades esse modo de produção, por intermédio desse elemento social. Por essa questão,

na atualidade “[…] a humanidade está efetivamente integrada numa vida social comum. […]

Hoje, como nunca na história da humanidade, os indivíduos compartilham de uma mesma

história”. Não estamos negando a existência de distintas sociedades, nações e, principalmente,

culturas. No entanto, compreendemos “[…] que essas diferenças não impedem que a vida de

todos os indivíduos do planeta Terra esteja articulada de forma bastante estreita” (LESSA;

TONET, 2009, p. 74).

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Engels (2012, p. 103, itálicos no original) salienta seguindo sob os fundamentos do

materialismo histórico-dialético que “[…] o fator que em última instância determina a história

é a produção e a reprodução da vida real”. Sendo assim,

O desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico etc. se

funda no desenvolvimento econômico. Mas estes elementos interagem entre si e

reatuam também sobre a base econômica. Não é que a situação econômica seja a

causa, e a única atuante, enquanto todo o resto seja efeito passivo. Ao contrário, há

todo um jogo de ações e reações à base da necessidade econômica, que, em última

instância, sempre se impõe (idem, p. 104, itálicos no original).

Por essa argumentação, afirmamos que pelo movimento da atual sociedade a

formação das sociedades (mesmo com as suas especificidades) e a cultura dos indivíduos

seguem cada vez mais, no âmbito do desenvolvimento social, para uma heterogeneidade

social e mais complexa. Instaura, por esse contexto, necessidades mais complexas para a

formação humana. O desenvolvimento social trilhado atualmente é para “[…] uma vida social

mais complexa [e que] exige indivíduos mais capacitados” (LESSA; TONET, 2009, p. 75).

Tendo, assim, como intuito, saciar as necessidades surgidas por meio das relações sociais.

A crítica de Marx no cerne do debate cultural pode-se encontrar no sentido de

efetivar uma reflexão realista. Jameson (2010, p. 232-234), ao adentrar na discussão, fundado

em Marx, sobre a cultura e o capital financeiro, nos alerta:

a teoria cultural marxista se dedicou quase exclusivamente à questão do realismo, à

medida que ele é associado a uma cultura da classe burguesa, com o que, em sua

maior parte (com algumas famosas e sintomáticas exceções), a sua análise do

modernismo tomou uma forma crítica e negativa: como e por que este último desvia

do caminho realista? […]

A sua equivalência através da forma de dinheiro (algo que na economia marxista padrão é compreendido como a superação do uso e da função concretos por um

“fetichismo da mercadoria” essencialmente idealista e abstrato) leva aqui a um

interesse mais realista pelo corpo do mundo e pelas novas relações mais

intensamente humanas desenvolvidas pelo comércio. Os mercadores e seus

consumidores precisam ter um interesse mais aguçado pela natureza sensória de seus

produtos, assim como pelos traços psicológicos e característicos de seus

interlocutores; tudo isso pode ser pensado como sendo causa de novos tipos de

visão, tanto física quanto social – novos modos de ver, novos tipos de

comportamento –, que, no final das contas, criam as condições nas quais formas de

arte mais realistas não apenas são possíveis, mas também desejáveis e estimuladas

pelo seu novo público.

A cultura está “atuando” e sendo “atuada” no vigente desenvolvimento social, ou

seja, atribuindo aos condicionantes sociais flexíveis do modo de produção – como

demonstramos no capítulo anterior –, intuindo, excepcionalmente, para a descrença da

consciência de classe, impelindo o ser social a agir cada vez mais de maneira individual em

prol de uma devastadora produção de produtos a serem consumidos por meio de uma

dinâmica estimulada pela superfluidade. A cultura unilateral, englobada nesse contexto, tem

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107

como função atender aos preceitos conservadores, beneficentes ao atual imperialismo,

“protetor” e “saciador” apenas da classe dirigente. Com efeito, somente essa classe tem acesso

à cultura na sua forma mais complexa e elaborada.

Ahmad (1999, p. 118, itálicos nosso e no original, respectivamente), em relação a

ordem do capital e sua tendência de exploração, afirma

que a lógica do capital é a destruir a integridade de todos os valores de uso e impor o

valor de troca a toda produção de valor. Isto, por seu lado, significa que a lógica cultural do capitalismo consiste em produzir uma cultura uniforme de puro

consumo, de puro fetichismo da mercadoria. Não quero dizer que as culturas reais,

historicamente constituídas, das sociedades capitalistas sejam assim. O capital

jamais consegue resolver as contradições que ele mesmo cria. Mas, de fato, penso

que a tendência lógica do capital orienta-se na direção do subconsumo de todos os

valores culturais, sob o fetichismo da mercadoria.

A lógica do capital ou a ordem hegemônica em que o capital impera nas mais

variadas esferas sociais em escala mundial prioriza de forma implícita e/ou explícita a

contradição entre humanização e alienação no que se refere à atividade vital do ser social e,

concomitantemente, no que se refere à produção de maneira geral de bens culturais tanto

objetivos como subjetivos. Portanto, há também uma contradição da cultura na atual

sociedade.

Ocorre, nesse contexto, aquilo que já mencionamos e que Duarte e Martins (2013)

trazem à tona: a unificação mundial pelas relações sociais capitalistas e, ao mesmo tempo e de

maneira contraditória, ocorre a divisão da cultura ou, como os autores mensuram, a divisão

em culturas segmentais.

A justificativa em afirmarmos essa questão, além dos posicionamentos acima citados

de Jameson (2010) e de Ahmad (1999), respectivamente, também pode ser concretizada ao

observarmos que o capitalismo atualmente se impõe em escala mundial, atuando,

principalmente, por meio da intitulada economia globalizada e por meio das forças militares.

No entanto, de acordo com Duarte e Martins (2013, p. 64), “[…] a retórica da

diversidade cultural é [também] cada vez mais explicitamente a outra face do processo de

subordinação de todos os países e todas as dimensões da vida humana à dinâmica

socioeconômica capitalista”.

Os seres humanos na atualidade estão unidos, impreterivelmente, pela lógica oriunda

da atual fase do modo de produção capitalista, isto é, pela lógica da acumulação flexível do

capital. Como isso, nota-se uma estratégia ideológica e política de cunho conservadora para

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dar ênfase em até certo ponto às microculturas ou as culturas segmentais57

. Nessa maneira, se

torna mais difícil a possibilidade de ter uma consciência de classe, uma coletividade, em

suma, uma visão da totalidade concreta das condições sociais vigentes que servem apenas

para a manutenção do status quo.

O fomento às culturas segmentais torna-se uma excelente tendência para a ordem do

capital, pois efetiva-se uma recusa ao acesso na relação entre objetivação e apropriação dos

indivíduos no seio da luta de classes. Em outras palavras, contribuem para um (im)possível

apaziguamento social ou para a manipulação em prol da diluição das classes sociais e os seus

conflitos concretos.

Observando “friamente” as ações sociometabólicas do capitalismo em seu estágio

atual, concluiremos que pouco importa o “[…] conteúdo concreto da individualidade das

pessoas que realizam as atividades sociais”. Não importa a sua opção sexual, qual a sua

nação, se é ou não religioso, etc. O que importa são as suas ações em benefício da ordem do

capital, isto é, em benefício da manutenção da cultura do capital. “A língua universal do

capital é o dinheiro” (DUARTE; MARTINS, 2013, p. 67). Em síntese, não há a possibilidade

de excluir a existência de uma cultura universal. A razão disso se dá ao reportarmos para as

ações individuais e coletivas dos indivíduos que respondem aos “estímulos” do capitalismo.

A possibilidade para a superação dessa modulação conservadora de pressupostos

referente à cultura é exposta por Duarte e Martins (idem, ibidem) na proposição a seguir

arrolada:

O desafio consiste em superar essa forma unilateral e alienante de cultura universal,

por outra que preserve a universalidade superando, porém, sua forma capitalista.

Somente assim as culturas segmentais poderão ser ao mesmo tempo transformadas

nos seus aspectos limitantes, conservadas nos seus aspectos enriquecedores da vida

humana e elevadas a patamares superiores de todas as pessoas.

Na busca da efetividade dessa proposta, englobamos elementos – dessa vez apoiados

em Eagleton (2011, p. 154, itálico nosso) –, com o objetivo de asseverar essa discussão

firmando ainda mais os preceitos do materialismo histórico-dialético:

O marxismo vislumbra uma época em que homens e mulheres serão capazes de viver em grande medida pela cultura, livres do aguilhão da necessidade material.

Mas se seu tropo dominante é a ironia, é porque entende que não levar a necessidade

material muito a sério exige certas precondições materiais. A estetização da vida

social – o emprego por homens e mulheres de suas energias largamente para o seu

57 Segundo Duarte e Martins (2013, p. 65), o conceito segmental “[…] não desconsidera a dimensão geográfica,

mas não se limita a ela, dando margem à consideração de universos culturais que não se circunscrevem a um

território geograficamente delimitado, como, por exemplo, grupos religiosos que podem se espalhar por várias

regiões do planeta. A amplitude geográfica maior ou menor não define necessariamente o quão limitado possa

ser esse universo cultural”.

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próprio deleite, em vez de simplesmente no sobreviver – não pode se alcançada

apenas por meio da estética.

A consolidação dessa perspectiva deve se manifestar em todas as esferas sociais, ou

seja, um parâmetro em comum para um projeto histórico que viabilize possibilidades de uma

transformação social. Sendo assim, por consequência, a formação integral, omnilateral do ser

social se configurará no decorrer da articulação e intervenção desse projeto histórico. Temos,

então, como compreensão e posição sobre a cultura na envergadura da produção social

humana, a necessidade de um salto qualitativo que será capaz de fazer com que a classe

proletária tenha acesso aos bens culturais na sua forma mais elaborada.

Não obstante, atualmente, tanto no cenário educacional como nas mais diversas

esferas sociais, se torna presente uma perspectiva que se apoia em teorizações, que culminam

na prevalência das culturas segmentais, sem que estejam articuladas com a cultura universal,

ou seja, com a cultura da ordem do capital. Essas teorizações, mais especificamente as

teorizações pós-modernas, implicam o não-reconhecimento da sociedade atual fundada na

divisão de classes e na expropriação do humano. Suas análises partem do prognóstico de que

não existe a possibilidade de haver uma cultura universal.

Com isso, segundo Duarte (2010, p. 102, itálico nosso), “[…] os pós-modernos

afirmam que qualquer projeto educacional pautado explícita ou implicitamente no suposto da

existência ou mesmo da possibilidade de uma cultura universal é conservador, autoritário e

etnocêntrico”. Em resposta a essa “não” viabilidade de existir uma cultura universal, as

teorizações pós-modernas “[…] postulam o relativismo cultural como um dos pilares da

educação em geral, incluída nesta a educação escolar”.

Para tanto, se torna impossível deixarmos de lado essa questão, tendo em vista que,

atualmente, há uma avassaladora corrente de teorizações pós-modernas que culminam tais

indicações em diversas esferas sociais e, dessa forma, na educação escolar,

concomitantemente, na Educação Física escolar. Além disso, o pós-modernismo carrega

consigo um posicionamento ideológico, ou seja, possui uma concepção de homem e de

mundo estabelecida e, diga-se de passagem, é uma concepção totalmente conservadora –

conforme veremos a seguir.

Com isso, no próximo momento deste capítulo efetivaremos apontamentos referentes

à relação existente perante a cultura e a educação escolar sob a égide do relativismo cultural

preconizado pelas teorizações pós-modernas. Estamos cientes que essa é uma extensa e

complexa discussão, entretanto, seria leviano da nossa parte não abordarmos essa temática

mesmo de maneira breve para que, assim, possamos afirmar a nossa repulsa frente a esses

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firmamentos e alocar as possibilidades de um projeto educacional no âmago de um projeto

maior que é a possível e concreta transformação social, mas para isso tomamos como

embasamento o materialismo histórico-dialético.

Posto isso, passamos para a outra etapa do nosso trabalho e lembramos uma aguda e

irônica afirmação de Vygotski (1995 apud FACCI; BARROCO; LEONARDO, 2009, p. 107,

itálicos nosso), que simpatiza muito com a crítica que realizaremos no próximo instante desse

capítulo: “[…] é mais fácil estabelecer mil fatos novos em qualquer âmbito que um ponto de

vista novo sobre uns poucos fatos já conhecidos”.

2.1.2 Relação da categoria cultura com a educação escolar: em busca da superação do

relativismo cultural das teorizações pós-modernas

Criar uma nova cultura não significa apenas fazer

individualmente descobertas “originais”; significa também, e

sobre tudo, difundir criticamente verdades já descobertas,

“socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em bases de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem

intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens

seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a

realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante

e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio”

filosófico, de uma verdade que permaneça como patrimônio de

pequenos grupos intelectuais.

(Antonio Gramsci)

Para situarmos as teorizações que se encontram em voga na discussão do pós-

modernismo, precisamos esclarecer a priori a distinção entre a modernidade e a pós-

modernidade. De maneira sintética, afirmamos que estamos perante embates ideológicos de

teorizações que têm como intuito compreender, explicar e, principalmente, se posicionar

frente aos movimentos oriundos da sociedade em que vivemos. Deixamos claro, portanto, que

em nossa compreensão não existe a pós-modernidade e, muito menos, a sociedade pós-

moderna. Entretanto, existe o pós-modernismo, as teorizações pós-modernas.

Concordamos com a tese de que existe o pós-modernismo – ou as teorizações pós-

modernas –, pois as compreendemos como uma reflexão ideológica. Contudo, conforme

Duarte (2013b), essas teorizações pós-modernas defendem, equivocadamente, que atualmente

estamos residindo em uma sociedade pós-moderna, ou seja, o período que habitamos nesse

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momento seria posterior ao período da modernidade, posterior ao modo de produção

capitalista.

Com efeito, caracterizamos o período moderno ou a modernidade como a sociedade

regida pelo modo de produção capitalista, isto é, a sociedade capitalista. Ora, se a

modernidade é o período capitalista de produção, percebemos, sem grandes esforços, que

ainda permanecemos e continuamos a ser explorados no bojo dessa sociedade. Portanto, é

impossível viabilizar e pensar outra nomeação ou outro conceito do atual momento que

(sobre)vivemos, a não ser a sociedade capitalista com o seu principal meio de ação: a

expropriação do humano, a extração da mais valia, etc.

O que mencionamos é que essa sociedade ainda não foi transformada, não procedeu

um salto qualitativo sobre ela. Como isso, ainda (sobre)vivemos sob os moldes do

capitalismo. Dessa forma, não há a possibilidade de vivermos em outra sociedade ou em uma

sociedade pós-moderna – como o pós-modernismo costuma declarar –, uma vez que ainda

estamos sob orientações capitalistas.

No entanto, concordamos que estamos atualmente em um estágio do capitalismo que

sofreu diversas modificações sociometabólicas que se traduzem em um modo de viver

diferente desse início de século com o início do século passado, por exemplo. Relembrando o

capítulo anterior de nosso trabalho, caracterizamos o atual momento da nossa sociedade como

o modo de produção capitalista regido pela acumulação flexível do capital, sendo que anterior

a essa formatação de produção se propagava a produção capitalista orquestrada pelos

pressupostos fordista de produção – a produção seriada, o trabalho repetitivo, etc.

Pode-se intitular diversos títulos para a nossa atual sociedade – sociedade pós-

industrial, sociedade do conhecimento, sociedade da informação, etc. –, porém, todas essas

“sociedades” são orientadas em escala mundial pela ordem hegemônica, pela ordem do

capital. São, portanto, adjetivações da mesma sociedade: da sociedade capitalista.

Após esse breve momento de contextualização a respeito da distinção entre

modernidade e pós-modernidade, deixando exposto também a nossa compreensão sobre essa

divisão, passamos a expor a condição histórica e conceitual do pós-modernismo ou das

teorizações pós-modernas.

Cavazotti (2010, p.19, itálicos no original) afirma que “[…] a guinada do termo ‘pós-

moderno’ de forma inteiramente nova e inesperada para o campo da filosofia se deu com a

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publicação do livro A condição pós-moderna por Jean-François Lyotard58

, em Paris, em 1979

[…]”.

Na mesma perspectiva, lembramos o posicionamento de Anderson (1999, p. 32-33,

itálicos no original), que nos esclarece:

O traço definidor da condição pós-moderna, ao contrário, é a perda da credibilidade

dessas metanarrativas. Para Lyotard, elas foram desfeitas pela evolução imanente

das próprias ciências: por um lado, através de uma pluralização de argumentos, com

a proliferação do paradoxo e do paralogismo – antecipados na filosofia por

Nietzsche, Wittgenstein e Levinas; e, por outro lado, por uma tecnificação da prova,

na qual aparatos dispendiosos comandados pelo capital ou pelo Estado reduzem a

“verdade” ao desempenho. A ciência a serviço do poder encontra uma nova

legitimação na eficiência. Mas o autêntico pragmatismo da ciência pós-moderna está

não na busca do performático, mas na produção do paralogístico – na microfísica, os

fractais, as descobertas do caos, “teorizando sua própria evolução como descontínua, catastrófica, incorrigível e paradoxal”. […] Seu análogo social, onde termina A

condição pós-moderna, é a tendência para o contrato temporário em todas as áreas

da existência humana: a ocupacional, a emocional, a sexual, a política – laços mais

econômicos, flexíveis e criativos que os da modernidade.

Sanfelice (2009, p. 05-07, itálicos no original), sustentando-se na explanação de

Fredric Jameson em uma conferência sobre a pós-modernidade em 1982, destaca:

O mais fundamental – a ancoragem do pós-modernismo em alterações objetivas da

ordem econômica do próprio capital. A pós-modernidade entendida como sinal cultural de um novo estágio da história do modo de produção reinante; […]

Entre os traços da nova subjetividade está a perda de qualquer senso ativo de

história, seja como esperança, seja como memória. […]

A cumplicidade pós-moderna com a lógica do mercado e do espetáculo é

inequívoca. […]

Uma crítica autêntica da pós-modernidade não pode ser uma recusa ideológica da

mesma. Ao contrário, a tarefa dialética seria abrir caminho por meio dela, de forma

tão completa que nosso entendimento da época emergisse transformado. Uma

compreensão totalizante do novo capitalismo ilimitado – teoria adequada à escala

global de suas conexões e disjunções – continua sendo irrenunciável projeto

marxista.

Estamos diante de um fenômeno que se expressa e que atua por meio da cultura

hegemônica, ou seja, da cultura da globalização no ideário do capitalismo, da acumulação

flexível do capital (SANFELICE, 2009). A não transformação desse movimento social

implica, indubitavelmente, conduzirmos para o caminho que o destino único será a barbárie, a

destruição total da natureza e da natureza social.

Dada a intensa degradação tanto no cerne da natureza como na possibilidade do ser

social de conseguir continuar a fazer a sua história, isto é, continuar a sobreviver, nos remete a

refletirmos sob a égide de duas únicas possibilidades – parafraseando o título da obra de

58 Segundo Cavazotti (2010, p. 19), na reflexão e no acúmulo teórico de Lyotard “[…] encontramos as temáticas

pós-modernas aplicadas atualmente nos vários campos das ciências sociais, principalmente na educação”.

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Mészáros (2009b) –: O século XXI: socialismo ou barbárie?. O autor assevera esse debate

afirmando que “[…] a cada nova fase de protelação forçada, as contradições do sistema do

capital só se podem agravar, trazendo consigo um perigo ainda maior para a própria

sobrevivência da humanidade” (MÉSZÁROS, 2009b, p. 15).

Como observamos, o pós-modernismo efetiva uma sustentação, embora não

explicitada por seus teóricos, para a manutenção da sociedade atual. No âmbito da educação,

da Educação Física, das ciências humanas e sociais, em suma, da cultura, o pós-modernismo

atua em um status de imbricar em prol de um ceticismo epistemológico e um relativismo no

campo da ontologia. De acordo com Moraes (2009, p. 318, itálicos nosso),

observa-se […] o embaralhamento entre ceticismo epistemológico e relativismo ontológico, de acentuado perfil pós-moderno. Nossos conhecimentos são relativos,

dizem, porque são sociais, históricos, contextualizados, conjunturais, culturais, etc.,

e desse caráter transitório e relativo de nosso conhecimento infere-se que ele não

pode ser objetivo, será sempre um ponto de vista individual, de um grupo, de uma

cultura. […]

Nessa perspectiva cética e relativista, o mundo social é esvaziado de qualquer

dimensão estrutural duradoura que apenas o esforço teórico pode alcançar. Por

conseguinte, a teoria que se constrói, nivelada em seu conjunto por indiferenciado

relativismo, se restringe a descrever e, quando muito, a nomear as formas

fenomênicas do cotidiano.

Eagleton (2011, p. 134-135) assevera esse debate afirmando que

Os relativistas culturais não gostam de falar sobre universais, mas essa fala é uma

parte integrante de muitos referenciais culturais, e não apenas do Ocidente. Esse é

um dos vários sentidos em que o local e o universal não são de forma alguma

opostos polares, não importa o que um pós-modernismo supostamente hostil a oposições binárias possa acreditar.

Uma das questões primordiais que imbricam na não compreensão por parte das

teorizações pós-modernas no que se refere à compreensão da sociedade em uma totalidade

concreta é que há de maneira implícita e explícita um critério de verdade que é para todos,

tornando-se impossível a compreensão relativizada dos dados da realidade, o deslocamento

entre os elementos e as determinações macroculturais com as ações pormenores. Esse critério

é a prática social e, essa, por sua vez, está indissociável, no atual momento, por meio do

capital em todas as culturas segmentais (pormenores).

Tais teorizações não atingiram a capacidade de compreender a contradição inerente

da sociedade capitalista, ou seja, a contradição entre aquilo que foi produzido pelos seres

humanos no decorrer da história e o esvaziamento por parte da alienação/estranhamento –

promulgado pelo capitalismo – dessas riquezas produzidas pelas relações sociais.

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Para tanto, as teorizações pós-modernas buscam explicar essa determinação pela

construção de “[…] discursos que misturam a eternização do esvaziamento próprio da

cotidianidade contemporânea a visões românticas de um passado ressignificado livremente

pela subjetividade fragmentada do indivíduo pós-moderno” (DUARTE, 2010, p. 106).

Nesse mote também existem teorizações que buscam explicar esse esvaziamento pela

cultivação ao relativismo cultural e ao discurso que cadencia a diversidade como um princípio

ético. Cavazotti (2010, p. 13-14) argumenta que

os pós-modernos se recusam a fazer qualquer distinção conceitual entre o campo

cultural e a esfera social e política mais geral da sociedade, empregando

denominações distintas. Ao contrário, é característica importante das ideias pós-

modernas a preocupação em apagar “as linhas divisórias entre os reinos da

sociedade – político, econômico, social e cultural” […]

a teoria pós-moderna admite o pluralismo e a diversidade da sociedade e, ao mesmo

tempo, rejeita a determinação de qualquer princípio unificador […] A sociedade como “condição de fragmentação” é uma concepção que se origina no

interior da cultura, cuja conotação é ser essencialmente pluralista, chegando até

mesmo ao predomínio do “relativismo cultural”, após sucessivos alargamentos do

conceito de “universos culturais fechados” […] O caráter plural e até mesmo

“fragmentário” da cultura será reafirmado como princípio constitutivo da sociedade

pós-moderna.

Dessa forma, no campo educacional surgem posicionamentos com sustentação na

teorização pós-moderna que desqualifica a atividade docente, o processo de ensino e

aprendizagem, ocorrendo um esvaziamento do conhecimento. Tais “slogans pedagógicos”

são, por exemplo: “epistemologias da prática” de Tardif; a supervalorização do saber tácito da

“experiência pela experiência” de Schön; a tentativa de uma “pequena revolução cultural” de

Perrenoud; as proposições da concepção “sócio-construtivista”, predominante na formação de

docentes em Portugal, etc. (MORAES, 2009).

Moraes (2003a, p. 156, itálicos nosso), de maneira corretamente intransigente quanto a

esses movimentos das teorizações pós-modernas, afirma:

Procedeu-se a uma verdadeira sanitarização na “racionalidade moderna e

iluminista”, vertendo-se fora não só a impurezas detectadas pela a inspeção crítica,

mas o próprio objeto da inspeção; não apenas os métodos empregados para validar o

conhecimento sistemático e arrazoado, mas a verdade, o racional, a objetividade,

enfim, a própria possibilidade de cognição do real […]. Instaurou-se, então, um mal-

estar epistemológico que, em seu profundo ceticismo e desencanto, motivou a

pensar além de si mesmo, propondo a agenda que abrigou os “pós-“, os “neo”, os

“anti-” e termos que tais, que ainda infestam a intelectualidade de nossos dias.

A ocultação do embate entre as classes sociais, a descrença na existência da

totalidade, da expropriação do humano, a concepção de uma ruptura da cultura, a ênfase dada

ao “multiculturalismo” conduz o debate e a intervenção para a conservação do capitalismo e

mais especificamente para a manutenção do atual modelo de produção, a acumulação flexível

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do capital. A fragmentação da sociedade para as “microculturas” ou “culturas segmentadas”, a

forma de atuar exclusivamente por pequenos grupos sociais, por nações – muito parecidas

com os posicionamentos positivistas de Max Weber (em relação à “ciência livre de

julgamentos de valor”) (LÖWY, 2009) –, nos mostra a concepção fragilizada em certo ponto

das teorizações pós-modernas, porém, por outro lado efetiva um dinamismo implícito para a

sustentação da atual realidade social.

Na caracterização da teorização pós-moderna ou numa “hipotética” ação pós-

moderna, no âmbito da cultura, Eagleton efetiva uma exposição crítica relacionando com os

condicionantes que movem o modo de produção capitalista:

Para fazer jus à marca registrada de “pós-moderno”, entretanto, algo mais era necessário. O que se sentiu que foi alterado não foi apenas o conteúdo da cultura,

mas o seu status. Era a sua influência transformadora nos outros níveis da sociedade

que importava, não apenas o fato de que ela estava cada vez mais presente. O que

estava acontecendo, nas palavras de Fredric Jameson, era “uma prodigiosa expansão

da cultura por meio do âmbito social, a um ponto em que se pode dizer que tudo na

nossa vida social – do valor econômico e do poder do Estado até as práticas e a

estrutura da própria psique – tornou-se ‘cultural’ num sentido original e ainda não

teorizado”. […] “Cultura” significava que a vida social era “construída”, e portanto

mutável, múltipla e transitória, de uma forma que tanto os ativistas radicais como os

peritos em consumo podiam aprovar (idem, p. 177-178).

O culto pós-moderno do corpo construído socialmente, apesar de toda a sua engenhosa crítica do naturalismo, tem estado estreitamente ligado ao abandono da

própria ideia de uma política de resistência global – e isso em uma época em que a

política de dominação global está mais importuna do que nunca (idem, p. 158).

As constantes tentativas das teorizações pós-modernas em abdicar do movimento

concreto da atual sociedade implicam, portanto, ignorar as contradições exercidas nela,

tecendo desafios para um relativismo cultural, o qual cada indivíduo pode compreender as

inúmeras manifestações culturais, a riqueza humana sob um olhar singular, ou seja, ocorre no

âmago da discussão do pós-modernismo a constante tentativa de não responder a principal

pergunta no campo da ontologia: o que é a realidade? Há um “espasmo” para o pós-

modernismo na explicação da realidade caracterizando-a pela materialidade, pelo

historicismo, pela dialética e, principalmente, pela universalidade.

Dessa forma, no campo da conceitual da cultura, no cerne das teorizações pós-

modernas, em nossa compreensão, enfatiza-se a um conceito limitado e ao mesmo tempo

relativo. Torna-se comum a compreensão de cultura com “apostos” que preconiza a

compreensão da cultura de maneira fragmenta e dispare da realidade social concreta. Portanto,

é comum observamos as seguintes expressões, por exemplo: cultura indígena, cultura

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pedagógica, cultura esportiva, cultura de gênero, cultura popular, cultura erudita, etc.59

Duarte

e Martins (2013, p. 65) afirmam que existe, nesse campo ideológico pós-moderno uma “[…]

atitude romântica, em relação às culturas segmentais, [que] tem sido bastante cultivada na

contemporaneidade, é uma compreensível reação ao avassalador processo de expansão e

radicalização da dinâmica social capitalista”.

À guisa de síntese, tomamos de Jameson a seguinte indagação e reflexão irônicas e

contundentes, sobre as perspectivas pós-modernas:

com que violência a benevolência é comprada

que custo em gestos produz a justiça

que equívocos envolvem os direitos domésticos

que sorrateiro

esse silêncio (JAMESON, s/d. apud ANDERSON, 1999, p. 154).

Em perspectiva oposta às ideias acima criticadas, coadunamos com Moraes (2009, p.

339), no momento que autora fala sobre a possível e necessária intervenção a ser realizada

frente os condicionantes sociais oriundos do capitalismo: “Ao contrário das receitas para o

futuro, que nada mais fazem do que perenizar o presente, é a ‘análise crítica do existente’ que

pode revelar os possíveis futuros que ele encerra”.

Fica-nos o alerta ao observamos desde a formação de professores até mesmo aos

projetos educacionais como se dá o propósito de discutir e refletir a relação cultura e

educação. Sob a égide do pós-modernismo encontra-se em voga, por exemplo, a necessidade

de resgatar a cultura popular.

O problema é que essa cultura só é popular por fazer parte do cotidiano dos

indivíduos, consequentemente, não há necessidade de ser trabalhada no âmbito escolar;

entretanto, o problema maior se dá ao compreendermos de maneira histórica o entendimento

de cultura popular, pois ela é “[…] frequentemente constituída de elementos herdados das

classes e grupos dominantes […]” (DUARTE; MARTINS, 2013, p. 66).

59 Para alguns, nesse momento do nosso estudo, podemos estar nos contradizendo no se refere a própria

concepção que temos sobre a categoria cultura corporal que é o nosso objeto de estudo. Entretanto, pelo conjunto

desse trabalho e por uma visão histórico-dialética, o leitor poderá observar que a compreensão sobre a categoria cultura corporal está situada no interior da discussão que temos sobre a relação objetivação e apropriação no

embate da luta de classes. Estamos, nesse momento, tratando de uma especificidade do emaranhado de

objetivações humanas estabelecidas histórica e socialmente. Portanto, ao contrário da noção fracionada, comum

das teorizações pós-modernas, analisamos, refletimos e propomos a compreensão da categoria cultura corporal

como um dos diversos elementos que podem contribuir concretamente com um projeto histórico que vislumbre e

apresente subsídios para uma possível transformação social. Não é a toa que estamos discutindo essa categoria

no seio do atual modo de produção e que essa discussão se dá embasada pelo materialismo histórico-dialético;

logo, efetivando uma crítica a todos os pressupostos conservadores, desde os apontamentos positivistas até as

teorizações pós-modernas, por exemplo.

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Dito isso, passamos para o segundo momento deste capítulo, tendo em tela a

discussão realizada desde o processo de objetivação e apropriação no embate da luta de

classes, caracterizando-o como a principal determinação para se compreender e conceituar a

cultura até mesmo ao contemporâneo debate ideológico do pós-modernismo que se encontra

muito em voga em diversas esferas sociais, mas, principalmente, no campo da educação

escolar. A seguir, tomando os debates acima como base, passamos a compreender a cultura

corporal segundo as afirmações provenientes da tendência teórico-metodológica crítico-

superadora.

2.2 A tendência teórico-metodológica crítico-superadora e a categoria cultura corporal

Anteriormente explicitamos a complexidade que é analisar e discutir a cultura.

Optamos em analisá-la seguindo os fundamentos do materialismo histórico-dialético,

concluindo, assim, que a cultura nada mais é senão o acúmulo da riqueza humana produzida

na relação entre objetivação e apropriação dos seres humanos no interior das relações sociais

e, atualmente, pela luta de classes.

O debate acerca da cultura e sua relação com a possível definição do objeto de

conhecimento da Educação Física escolar também é uma discussão densa e repleta de

interpretações e fundamentações teóricas distintas. Tais discussões iniciaram no Brasil mais

precisamente no final do século passado. Contudo, não iremos nos deter em apresentar essa

extensa gama de reflexões em torno do posicionamento epistemológico do objeto de estudo da

Educação Física escolar.

Nosso objetivo é apresentar a cultura corporal seguindo as orientações do Coletivo

de Autores e, posteriormente, trazer à tona o “estado da arte” sobre as críticas realizadas para

o Coletivo, a crítica às críticas e, por fim, a nosso diagnóstico e apontamento a respeito da

cultura corporal.

Com isso, averiguando a história recente da Educação Física escolar e do seu objeto

de conhecimento, podemos constatar que a inserção da cultura no âmbito desse componente

escolar não é hegemônico, ou melhor, não é único.

Bracht (2007), no seio desse emaranhado debate sobre o enraizamento de um objeto

de conhecimento para a Educação Física escolar, nos apresenta três grandes grupos que

procuraram e, ainda, procuram apresentar distintas concepções sobre o objeto da Educação

Física. Para o autor, as expressões-chave para a identificação desse objeto foram – ou ainda

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são: 1) a da “atividade física”, podendo se desdobrar em “atividades físico-esportivas e

recreativas”; 2) a do “movimento humano” e algumas variações: “movimento corporal

humano”, “motricidade humana” ou “movimento humano consciente”; 3) a da “cultura

corporal”, “cultura de movimento” ou “cultura corporal de movimento”.

Os dois primeiros grupos sofrem influências de distintas concepções filosóficas, mas

que acabam por não apresentar subsídios para uma reflexão inerente da Educação Física

frente aos moldes da atual sociedade.

Sobre a “atividade física” ocorre uma influência de condicionantes de cunho

positivista na função de uma perspectiva voltada para o fomento da aptidão física do ser

social. Segundo as suas orientações: “[…] por meio das atividades físicas, promove a

educação integral do ser humano – mas a conotação, na prática, é a do desenvolvimento

físico-motor ou da aptidão física, servindo a ‘educação integral do ser humano’ para satisfazer

o discurso pedagógico”.

No âmbito do “movimento humano” cai-se para a psicologia comportamentalista, ou

seja, a discussão em torno da aprendizagem motora. “A definição clássica, nesse caso, é a de

que a EF60

é a educação do e pelo movimento” (BRACHT, 2007, p. 43-44, itálicos no

original).

Ainda nos apontamentos de Bracht (idem, p. 44-45),

As duas definições, ou melhor, construção do objeto da EF, tratadas até aqui

(biologia/psicologia do desenvolvimento), permitem ver o objeto não como

construção social e histórica e, sim, como elemento natural e universal, portanto, não histórico, neutro politica e ideologicamente, características que marcam, também, a

concepção de ciência onde vão sustentar suas propostas.

O terceiro grupo passa a ter – segundo Bracht (2007; 2011) – uma reflexão mais

avançada em relação ao objeto de conhecimento da Educação Física escolar. 61

O mesmo

autor ainda afirma: “[…] o conceito que, no meu entendimento, indica uma construção nova

de nosso ‘objeto’ é o de cultura.” (BRACHT, 2011, p. 99).

60 Bracht (2007) põe “EF” como a abreviação para a “Educação Física”.

61 Segundo Bracht (2011, p. 101): “Uma das razões para utilizar o termo cultura é a de que ela força uma

redefinição da relação da Educação Física com a Natureza e com seu conhecimento fundamentador. É preciso

superar um certo ‘naturalismo’ presente historicamente na nossa área. Tudo na nossa área era (em parte ainda é)

considerado natural: o corpo é algo da natureza, as ciências que nos fundamentam são as da natureza, a própria

existência e/ou necessidade da Educação Física é natural. Entender nosso saber como uma dimensão da cultura

não elimina sua dimensão natural, mas a redimensiona e abre nossa área para outros saberes, outras ciências

(outras interpretações) e amplia nossa visão dos saberes a serem tratados”.

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Todavia, no seio desse grupo há distintas compreensões teóricas sobre os

pressupostos da Educação Física escolar que, nas palavras de Assmann (1993 apud BRACHT,

2007, p. 45), “[…] não são apenas festejos diferentes de linguagem”.

Ainda sobre a cultura como objeto de conhecimento da Educação Física escolar,

encontramos, no “Dicionário crítico de Educação Física” (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER,

2005), o verbete62

“cultura corporal de movimento” que aponta – na interpretação de Pich

(2005) – como sendo o conceito de grande repercussão no campo pedagógico da Educação

Física no Brasil em meados da década de 1990. O autor menciona “[…] que até o presente

momento a tentativa de referenciar a Educação Física na cultura permitiu grandes avanços na

área no sentido de superar uma perspectiva reducionista de concepção do ser humano” (PICH,

2005, p. 110).

Passamos para a descrição da cultura corporal seguindo as orientações da tendência

crítico-superadora. Com efeito, deixamos em evidência o posicionamento de Mészáros para

situar a ótica da nossa descrição. Mesmo que estejamos apenas efetivando uma descrição,

argumentamos na impossibilidade de efetivar uma análise, uma descrição de maneira neutra,

ou seja, por meio de uma neutralidade científica.

Mészáros (2009a, p. 79), para nos esclarecer a crítica marxiana e marxista, no âmbito

da educação e da formação do ser social, contribuindo, assim, para a nossa reflexão de

maneira mais ampla e restrita sobre a Educação Física escolar, afirma:

O papel da educação não poderia ser maior na tarefa de assegurar uma

transformação socialista plenamente sustentável. A concepção de educação aqui

referida – considerada não como um período estritamente limitado da vida dos

indivíduos, mas como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista na

sociedade como um todo – assinala um afastamento radical das práticas

educacionais dominantes sob o capitalismo avançado. É compreendida como a extensão historicamente válida e a transformação radical dos grandes ideais

educacionais defendidos no passado mais remoto.

Assim sendo,

não é surpreendente que na concepção marxista a “efetiva transcendência da autoalienação do trabalho” seja caracterizada como uma tarefa inevitavelmente

educacional.

A esse respeito, dois conceitos principais devem ser postos em primeiro plano: a

universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade

humana autorrealizadora (idem, p. 65, itálicos no original).

62 Os verbetes que mais se aproximavam com a nomenclatura da nossa principal categoria de análise “cultura

corporal”, encontramos: “cultura corporal de movimento”, “cultura de movimento”, “cultura esportiva”, “cultura

física”. Dessa forma, iremos nos deter em observar apenas primeira categoria mencionada, a “cultura corporal de

movimento”, com a justificativa de que compreendemos ser a categoria que mais se aproxima com a categoria

do nosso enfoque, ou seja, com a “cultura corporal”.

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Dito isso, retomamos a orientação da tendência crítico-superadora (COLETIVO DE

AUTORES, 1992) sobre a cultura corporal, no seu contexto sócio-histórico, isto é: na sua

relação subordinada aos preceitos capitalistas; na sua distinção das demais disciplinas da

organização pedagógica e, principalmente, na sua possibilidade de contribuir para um projeto

histórico que possibilite uma formação omnilateral do ser social e a transformação da atual

realidade social.

Como já anunciamos, o Coletivo de Autores (1992) aponta a cultura corporal como o

objeto de conhecimento da Educação Física escolar. Os autores expõem que

Na perspectiva da reflexão sobre a cultura corporal, a dinâmica curricular, no âmbito

da Educação Física […]. Busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o

acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no

decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas,

exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que

podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades

vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas (idem, p.

38).

Os autores do Coletivo tentam explicitar que o ser social não se originou com as

características corporais do homem moderno. Essa transformação se deu pelas necessidades

que ocorreram ao longo da história para a sobrevivência deste. A explicação para a “saída do

homem quadrúpede para o bípede” é que esse processo ocorreu por meio da relação com a

natureza e com os outros indivíduos, isto é, pela relação entre as categorias de objetivação e

apropriação.

Destarte, essas produções humanas constituem o acervo que podemos denominar de

patrimônio cultural da humanidade e, diferentemente dos animais, o ser social possui

condições sócio-cognoscitivas para se apropriar das produções anteriormente efetivadas por

outros seres humanos e que se transmitem e complexificam de geração a geração.

Por isso, se afirma que a materialidade corpórea foi historicamente construída e,

portanto, existe uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente

produzidos e historicamente acumulados pela humanidade que necessitam ser

retraçados e transmitidos para os alunos na escola. […]

É fundamental para essa perspectiva da prática pedagógica da Educação Física o

desenvolvimento da noção de historicidade da cultura corporal. É preciso que o

aluno entenda que o homem não nasceu pulando, saltando, arremessando, balançando, jogando etc. Todas essas atividades corporais foram construídas em

determinadas épocas históricas, como respostas a determinados estímulos, desafios

ou necessidades humanas.

Contemporaneamente pode-se afirmar que a dimensão corpórea do homem se

materializa nas três atividades produtivas da história da humanidade: linguagem,

trabalho e poder (idem, p. 39, itálicos nosso).

Os autores argumentam que têm como objetivo e expectativa que a reflexão sobre

cultura corporal possa contribuir

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para a afirmação dos interesses de classe das camadas populares, na medida em que

desenvolve uma reflexão pedagógica sobre valores como solidariedade substituindo

individualismo, cooperação confrontando a disputa, distribuição em confronto com

apropriação, sobretudo enfatizando a liberdade de expressão dos movimentos – a

emancipação –, negando a dominação e submissão do homem pelo homem. […]

O conhecimento é tratado metodologicamente de forma a favorecer a compreensão

dos princípios da lógica dialética materialista: totalidade, movimento, mudança

qualitativa e contradição. É organizado de modo a ser compreendido como

provisório, produzido historicamente e de forma espiralada vai ampliando a

referência do pensamento do aluno através dos ciclos já referidos (idem, p. 40-41,

itálicos nosso).

Na fundamentação crítico-superadora, a cultura corporal deve ser organizada por

meio de temas ou formas de atividades, especificamente corporais, isto é, procurando se

aprofundar e apreender o conhecimento oriundo da expressão corporal como linguagem.

Segundo o Coletivo de Autores (idem, p. 62-63)

O homem se apropria da cultura corporal dispondo sua intencionalidade para o

lúdico, o artístico, o agonístico, o estético ou outros, que são representações, idéias,

conceitos produzidos pela consciência social e que chamaremos de “significações

objetivas”. Em face delas, ele desenvolve um “sentido pessoal” que exprime sua

subjetividade e relaciona as significações objetivas com a realidade da sua própria

vida, do seu modo e das suas motivações. […]

os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido/significado

onde se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as

intenções/objetivos da sociedade.

Tratar desse sentido/significado abrange a compreensão das relações de

interdependência que jogo, esporte, ginástica e dança, ou outros temas que venham a compor um programa de Educação Física, têm com os grandes problemas sócio-

políticos atuais como: ecologia, papéis sexuais, saúde pública, relações sociais do

trabalho, preconceitos sociais, raciais, da deficiência, da velhice, distribuição do solo

urbano, distribuição da renda, dívida externa e outros. A reflexão sobre esses

problemas é necessária se existe a pretensão de possibilitar ao aluno da escola

pública entender a realidade social interpretando-a e explicando-a a partir dos seus

interesses de classe social. Isso quer dizer que cabe à escola promover a apreensão

da prática social. Portanto, os conteúdos devem ser buscados dentro dela.

Seguindo ainda as formulações do Coletivo, vale mencionar o compromisso social

que os autores, balizados pela tendência crítico-superadora, expressam como função da

escola:

fazer uma seleção dos conteúdos da Educação Física. Essa seleção e organização de

conteúdos exige coerência com o objetivo de promover a leitura da realidade. Para

que isso ocorra, devemos analisar a origem do conteúdo e conhecer o que

determinou a necessidade de seu ensino. […]

Os conteúdos são conhecimentos necessários à apreensão do desenvolvimento

sócio-histórico das próprias atividades corporais e à explicitação das suas

significações objetivas (idem, p. 63-64).

É por essas questões elementares que o Coletivo de Autores (1992) apresenta uma

proposição crítica, tendo como intuito apresentar elementos concretos para contribuir no seio

de um projeto histórico superador.

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122

Contudo, com esse embasamento e proposição acerca da Educação Física escolar

tendo a cultura corporal como seu objeto de conhecimento, há no âmbito acadêmico críticas

frente à produção formulada pelo Coletivo de Autores (idem). Com isso, passamos a explicitar

as principais críticas, em nossa opinião, a respeito da obra do Coletivo.

É fundamental destacar as críticas que o Coletivo vem enfrentando no decorrer de sua

história. A atenção a tais críticas é necessária, pois podem contribuir para a reafirmação das

teorizações do Coletivo, como para o seu aprimoramento. Tal obra, dada a grande repercussão

causada pela polêmica instaurada e, ao mesmo tempo, pela contundência que há na ótica

sobre a exposição no campo da política, da cultura e da econômica (por exemplo), gera

aflições e críticas de fundamentações filosóficas distintas ao materialismo histórico-dialético.

Nesse quadro, encontramos críticas que se fundamentam, por exemplo, na

fenomenologia, na hermenêutica e nas teorizações pós-modernas – onde é negado o valor das

principais categorias para a análise e intervenção crítica, tais como: a razão, a objetividade, a

totalidade, a revolução, etc.

Taffarel (2009b, p. 162) menciona que há críticas perante o Coletivo no que se refere à

“[…] concepção de história, concepção de cultura e a questão da ênfase nas relações entre

sociedade e estado em detrimento da ênfase a ser dada na ontogênese do ser social e a crítica

em relação à dificuldade para implementar a proposta na rede de ensino”. Outra crítica que a

autora menciona é quanto à questão de uma suposta perspectiva culturalista63

atribuída às

teorizações do Coletivo. Também se observam críticas no âmbito dos “[…] aspectos políticos

da relação Estado sociedade com a subsunção de explicações de ordem mais ontológica”

(idem, p. 164).

Apresentamos, também, a crítica efetivada por Bracht64

(2011). Este autor esclarece

que a categoria explicitada pelo termo “corporal” não situa a especificidade do objeto de

conhecimento da Educação Física. O termo corporal, nesse sentido, estaria pregando uma

redundância no termo e, assim, tangenciando a caracterização de tal especificidade, uma vez

compreendido – ainda segundo Bracht (idem) – que toda “cultura” é “corporal”. Por essa

63

No entanto, Taffarel (2009b, p. 162) explicita que na sua compreensão, para o Coletivo não há uma separação

entre a “[…] base material da existência, o processo de desenvolvimento humano da construção da cultura”.

64 Não esqueçamos que Bracht é justamente um dos autores que fez parte do Coletivo. Entretanto, em nossa

compreensão, com o passar do tempo o autor aderiu outras teorizações que caminham longe da teorização

oriunda do materialismo histórico-dialético.

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contextualização, o autor defende como especificidade pedagógica da Educação Física a

“cultura corporal de movimento” 65

. Bracht explica o seu posicionamento afirmando que

Quando trabalhamos com o conceito de cultura corporal de movimento (minha

preferência), a movimentalidade e a corporeidade estão ali presentes de uma

determinada forma, diferente da Matemática, do Português66, da Educação Artística.

As manifestações da cultura corporal de movimento significam (no sentido de

conferir significado) historicamente a corporeidade e a movimentalidade – são expressões concretas, históricas, modos de viver, de experenciar, de entender o

corpo e movimento e as nossas relações com o contexto – nós construímos,

conformamos, confirmamos e reformamos sentidos e significados nas práticas

corporais (BRACHT, 2011, p. 102).

Para elaborar a sua reflexão, Bracht apoia-se em um apontamento realizado pela

filósofa Marilena Chauí em “Convite à filosofia”, no momento em que a autora expõe uma

argumentação, segundo Bracht, sobre uma “nova ontologia” – isto é, a ontologia que efetiva

uma tentativa de superação do realismo e do idealismo – e, na especificidade dessa

argumentação, a autora levanta a discussão sobre o “corpo”:

Visível-vidente, táctil-tocante, sonoro-ouvinte/falante, meu corpo se vê vendo, se

toca tocando, se escuta escutando e falando. Meu corpo não é coisa, não é maquina,

não é feixe de ossos, músculos e sangue, não é uma rede de causas e efeitos, não é

um receptáculo para a alma ou para uma consciência: é meu modo fundamental de

ser e de estar no mundo, de me relacionar com ele e dele se relacionar comigo. Meu

corpo é um sensível que sente e se sente, que se sabe sentir e se sentido. É uma

interioridade exteriorizada e uma exterioridade interiorizada. É esse ser ou a

essência do meu corpo. Meu corpo tem, como todos os entes, uma dimensão

metafísica ou ontológica (CHAUÍ, 1995 apud BRACHT, 2011, p. 105).

Seguindo as reflexões de Bracht (2011) em relação ao objeto de conhecimento da

Educação Física escolar, lembramos que o referido autor menciona que para efetivarmos uma

nova construção da Educação Física escolar é preciso “deixar para trás” os embasamentos

mecanicistas, “naturalizantes”, idealistas, e enfocar nos condicionantes sociais que refletem

nos aspectos filosóficos, epistemológicos, ontológicos e gnosiológicos. Alertando-nos, então,

para a uma possível “peregrinação” de (re)configuração da Educação Física escolar em prol

do “universo simbólico”, ou seja,

tendo como carro-chefe a idéia do movimentar-se humano como manifestação

cultural, portanto não mais como habitante do mundo natural (dos objetos que não

podem ser sujeitos históricos e, sim, parte da natureza a ser conhecida, modificada,

65 Conforme Pich (2005, p. 109), “O conceito de cultura corporal de movimento deve ser entendido a partir do

processo de ruptura com a visão biologicista-mecanicista do corpo e do movimento situado de forma

hegemônica na Educação Física até o início da crise epistemológica ocorrida nos anos de 80. Assim sendo, o

conceito veio representar a dimensão histórico-social ou cultural do corpo e do movimento”.

66 Bracht (2011, p. 102) em uma nota de rodapé esclarece que: “Nogueira (2003) lembra que toda educação é

corporal e que a leitura também é incorporada”.

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manipulada, enfim, dominada pela razão), mas como habitante do universo

simbólico (BRACHT, idem, p. 106).

Bracht (idem), enfim, conclui a sua reflexão ressaltando a necessidade de superação

do objeto de conhecimento da Educação Física escolar que há na questão da dicotomia corpo-

mente – corpo-espírito. Observa-se, portanto, que Bracht (idem), na tentativa de posicionar-se

em proveito de uma perspectiva que leve em consideração o corpo/ser social como sujeito

histórico, como um ser criativo, cai numa “armadilha” ao “tomar para-si” uma indagação do

autor Tomaz Tadeu da Silva como provocação para possíveis reflexões sobre o objeto de

conhecimento da Educação Física escolar.

Bracht (idem, p. 107), de fato, apoia-se no seguinte questionamento: “[…] a pergunta

não é mais, quem é o sujeito, mas, queremos, ainda, ser sujeitos? Quem precisa de sujeito?

Quem tem nostalgia do sujeito, e, mais radicalmente, talvez, quem vem depois do sujeito?”

Compreendemos que o autor cai, nesse momento, no logro das teorizações pós-

modernas, pois aponta uma “variável” para a função e atuação do sujeito/ser social no seu

meio circundante. Dando ênfase ao discurso, deixa assim a possibilidade de qualquer “efeito”,

“trocadilho”, inerente ao discurso como constitutivo dos dados da realidade objetiva. Há,

portanto, um deslocamento do ser social em relação à produção social, isto é, à relação

dialética que existe constantemente na formação do ser social perante as ações oriunda do

modo de produção.

Enaltecendo, segundo o próprio Silva, “[…] um ‘relativismo forte’ ou ‘relativismo’,

posto que a validade do conhecimento nem sequer é considerada” (CAVAZOTTI, 2010, p.

46). Nesse viés, “[…] todos os conhecimentos são meros discursos, textos ou signos […]”

(SILVA, 1996 apud CAVAZOTTI, 2010, p. 46). Ocorre um esvaziamento do conhecimento

no âmbito das relações educacionais e, uma vez compreendendo a Educação Física escolar

nesse mote, acaba contribuindo em última análise para o campo neoliberal vigente.

Outra crítica que destacamos é a do intelectual Daolio (2007; 2011). Esse autor em

uma obra tratou de analisar o conceito da cultura, com base principalmente no antropólogo

Clifford Geertz, dos principais autores da área da Educação Física no campo escolar. Dessa

forma, na tentativa de compreender e efetivar uma crítica ao conceito de cultura exposto na

obra do Coletivo de Autores (1992), Daolio apresenta a seguinte análise:

Os autores apresentam uma determinada proposta metodológica de educação física

centrada nos interesses da classe trabalhadora ou das camadas populares. Mas, como

definir os conteúdos do ponto de vista da classe trabalhadora? Quais seriam esses

conteúdos? Quem iria defini-los? Como saber se os conteúdos estão sendo

desenvolvidos dentro dos valores explicitados? Os alunos da classe dominante

teriam outra educação física? Os conteúdos que não são interessantes do ponto de

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vista da classe trabalhadora seriam desconsiderados? Há uma cultura corporal da

classe trabalhadora e outra da classe dominante?

Essas perguntas, na verdade, expõem fragilidades da abordagem em questão, sendo

a principal delas, como afirmei, a dificuldade em considerar a dimensão simbólica

dos seres humanos (DAOLIO, 2007, p. 32).

O autor menciona que a falta de aprofundamento sobre a dimensão simbólica é

encontrada no próprio referencial teórico do Coletivo de Autores (1992), ou seja, Daolio

(2007) alerta que não há uma discussão sobre esse elemento na extensa e complexa obra de

Marx. Sendo assim, Daolio (2007, p. 33-34) equivocadamente ressalta que

De fato, parece-me simplista achar que todas as diferenças entre os seres humanos

acabariam após a transformação da sociedade rumo a um mundo socialista. Da

mesma forma que me parece simplista considerar que as diferenças ocorrem

somente entre as classes sociais e não no interior de cada classe social.

Tais indagações se limitam em efetivar uma crítica superficial aos posicionamentos

do Coletivo de Autores (1992) e de Marx. Com isso, Daolio (2007), ainda, acrescenta que

alguns fenômenos sociais são relevantes e que não necessariamente estão ligados à dominação

de classes.

Impõe-se, portanto, rebater tais críticas, com o suporte do método marxiano. Vale

dizer: explicitando que a produção social de nossas vidas – portanto, a produção da cultura –

corresponde não à maneira singular, mas à tessitura do conjunto das ações dos seres humanos,

consubstanciados no acervo teórico e prático de elementos materiais e espirituais da fase de

desenvolvimento da vigente força produtiva. Ou seja, por meio da objetivação e da

apropriação no âmago da relação humanização e alienação preconizada pelo atual modo de

produção.

Marx (2012b, p. 97) argumenta que “[…] a totalidade destas relações de produção

constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma

superestrutura jurídica e política e a que correspondem determinadas formas de consciência

social”. A produção humana, então, não ocorre apenas de maneira material e, portanto, fora

do “alcance” e das intervenções teóricas dos seres humanos.

Daolio (2007) interpreta, erroneamente, a dinâmica da realidade social, no que tange

à atuação humana perante tal dinâmica que o Coletivo explicita – fundamentado no

materialismo histórico-dialético – em sua obra. De fato, para Marx e assim para o Coletivo, a

produção humana não se dá pelo universo externo aos indivíduos, há nessa questão uma

ligação que atua de maneira dialética perante os objetos já existentes no mundo real e a

transformação que os indivíduos são capazes de efetivar sobre estes.

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As funções psicológicas superiores – que são resultado da lenta e complexa

construção humana – possibilita-o efetivar uma “prévia-ideação” de dado produto, fazendo

com que possa compreender as propriedades do objeto e como poderá integrar o produto

concreto, no empenho de realizar as transformações necessárias para suprir suas necessidades.

Assim concordamos com Marx (2012b, p. 97) que “[…] não é a consciência do homem que

determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”.

Dito isso, voltamos observar o desenvolvimento da sociedade, mais uma vez apoiando na

reflexão marxiana:

Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas

materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção

existentes ou, o que não é mais que a sua expressão jurídica, com as relações de

propriedade no interior das quais se tinham movido ate então. De formas de

desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em suas travas.

E assim se abre uma época de revolução social. Transformando-se a base

econômica, transforma-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa

superestrutura erigida sobre ela. No estudo dessas transformações, há que se

distinguir sempre entre as transformações materiais das condições econômicas, que

podem ser verificadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas – numa palavra, as formas

ideológicas através das quais os homens adquirem consciência deste conflito e lutam

para resolvê-lo. […]

A produção das ideias e representações, da consciência, aparece a princípio

diretamente entrelaçada à atividade material e ao intercâmbio material dos

homens, como a linguagem da vida real (idem, p. 97-98, itálicos nosso).

Compreendemos que a produção de Marx apresenta subsídios suficientes para a

compreensão da totalidade da realidade por meio da concreticidade que o ser humano assume

diretamente nesse processo. A realidade não se dá unicamente de maneira idealista e nem por

meio do materialismo caracterizado como mecanicista. Ocorre uma interação histórica e

dialética que permite fazer com que nós enquanto seres humanos, ontologicamente, tenhamos

condições de modificar a natureza circundante para planejar e concretizar os meios de suprir

as nossas necessidades.

E, em uma sociedade em que a principal relação funda-se na “exploração dos

homens sobre os próprios homens”, não há a possibilidade de compreender as ações histórico-

sociais sem levar em consideração que a totalidade social se encontra cindida em classes

antagônicas, onde a grande maioria passa por inúmeras necessidades para a sua sobrevivência

em prol de uma camada social pequena que desfruta de toda a riqueza produzida pela maioria

subalterna. Assim, concordamos em parte com Daolio (2007) sobre a questão que há

problemas sociais que ocorrem no bojo de cada classe social, contudo, tais problemas ocorrem

dadas as condições “macro estruturais” que regem o modo de produção capitalista.

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A análise equivocada de Daolio (idem) só nos leva a crer que o autor tentou efetivar

uma crítica aos pressupostos marxianos e marxistas por meio de seu referencial teórico. E

que, por sua vez, incorre em conclusões infundadas em sua análise da sociedade de uma

maneira totalizante, caindo assim numa interpretação por meio dos aspectos fenomênicos da

realidade social, proclamando uma pseudoconcreticidade. Com isso, trazemos novamente o

posicionamento de Marx para contribuir com nossa reflexão:

em toda a ciência histórica ou social em geral, é preciso nunca esquecer, a propósito

da evolução das categorias econômicas, que o objeto, neste caso a sociedade

burguesa moderna, é dado, tanto na realidade como no cérebro; não esquecer que as

categorias exprimem portanto formas de existência, condições de existência determinadas, muitas vezes simples aspectos particulares desta sociedade

determinada, deste objeto, e que, por conseguinte, esta sociedade de maneira

nenhuma começa a existir, inclusive do ponto de vista científico, somente a partir do

momento em que ela está em questão como tal (MARX, 2011a, p. 255, itálicos no

original).

Baseados nos pressupostos do materialismo histórico-dialético e mais precisamente

nos fundamentos da psicologia histórico-cultural, concebemos que a forma de apropriação da

cultura por parte dos indivíduos ocorre de maneira histórico-social, sendo assim na

contemporaneidade, no cerne das contradições oriundas do modo de produção capitalista. De

acordo com Duarte (2004, p. 50), “[…] a apropriação da cultura é o processo mediador entre o

processo histórico de formação do gênero humano e o processo de formação de cada

indivíduo como um ser humano”.

Embora não exaurindo o debate sobre o posicionamento de Daolio (2007) – quanto à

sua abordagem sobre a concepção de cultura, sobre os condicionantes sociais inerentes ao

atual modo de produção e sobre a discussão em torno dos elementos simbólicos que

contribuem para a formação humana, portanto, na produção de cultura –, acreditamos ter

apresentado apontamentos suficientes para uma oposição à sua infundada crítica ao Coletivo

de Autores (1992).

Outra crítica dirigida ao Coletivo de Autores (idem) foi desenvolvida por Kunz

(2006b) que, com base em uma perspectiva habermesiana e fenomenológica, explicita as

seguintes controvérsias:

os autores utilizam-se do conceito de “Cultura Corporal” para definir uma “área de

conhecimentos” específicos da Educação Física. O interessante é que isso pode

significar que esses autores estejam reforçando o velho dualismo de corpo e mente,

muito discutido no contexto da Educação Física. Porém, com toda certeza esses

autores sabem que, pela concepção dualista de homem, se existe uma cultura humana que é apenas corporal, devem existir outras que não o são, que devem ser

então mentais ou espirituais e, certamente, não incluiriam a cultura corporal do jogo,

do esporte, da ginástica e da dança como cultura “corporal” na concepção dualista.

[…] É, de qualquer forma, um conceito tautológico, uma vez que não pode existir

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nenhuma atividade culturalmente produzida pelo homem que não seja corporal. O

homem como um “ser-no-mundo” é sempre a presença de um corpo

fenomenológico, na concepção de Merleau-Ponty (1966). Nesse conceito de corpo o

pensar é tão corporal como o correr, não podendo, então, haver essa distinção como

muitos pretendem mostrar, ou seja, que atividades lúdicas como o jogo tenham de

pertencer à chamada “cultura corporal” e a leitura de pertencer à “cultura

intelectual” (idem, p. 19-20, itálicos no original).

Kunz (2006a; 2006b), então, se contrapõe à perspectiva teórico-metodológica

formulada pelo Coletivo, pois compreende que tomar a cultura corporal como objeto da

Educação Física escolar é estar (re)afirmando o “velho” e tão presente dualismo na área da

Educação Física. E, como proposição, o autor parte para uma compreensão fenomenológica67

da “atuação” do ser humano no mundo que o rodeia. Aderindo a uma proposta crítico-

emancipatória, Kunz (2006a, p. 19) expõe que a

Educação Física precisa analisar e testar muito bem a forma e o sentido da utilização

da cultura de movimento na relação com concepções especificamente desenvolvidas

para a área, como corpo e movimento, por exemplo, e assim poder ser tematizada e

encenada para favorecer, realmente, aspectos educacionais explicitados nessa

pedagogia [crítico-emancipatória].

Kunz (idem, p. 21) define que o movimento humano

como um “se-movimentar”, é um fenômeno relacional de “Ser Humano-Mundo” , e

concretiza-se, sempre, como uma espécie de “ diálogo”. Uma de nossas melhores

linguagens de relacionamento nos diferentes contextos socioculturais, portanto,

realiza-se via movimento. A exploração e o desenvolvimento dessa linguagem

abrem horizontes imprevisíveis e impressionantes, especialmente entre crianças e

jovens, na vida de relações não apenas profissionais, mas especialmente afetivas,

emocionais e de sensibilidade com a natureza e a cultura. Trabalhar com o ensino do movimento humano que leva à cópia e imitação é reprimir e até eliminar

sentimentos, emoções e realizações mais importantes da vida de uma pessoa.

Concordamos com Kunz (2006b), no sentido de não poder haver uma fragmentação

entre matéria e espírito. No entanto, entendemos reducionista a compreensão do ser humano

como linguagem com o meio circundante. Ao contrário, entendemos que antes de afirmarmos

o “diálogo” entre ser humano e o seu meio circundante, temos que compreender que ligação é

essa entre o homem enquanto um ser social e a natureza enquanto o mundo que o homem

modifica para seu próprio benefício.

Em outros termos, a compreensão desse “diálogo” não precede a compreensão de

como se dá o modo de produção, isto é, as ações humanas orientadas para a satisfação de

67 Sustentamo-nos em Saviani (2012a, p. 159, itálicos nosso e no original, respectivamente) definir a

fenomenologia, elemento com a qual Kunz baseia-se para expor a sua concepção sobre as diretrizes e o objeto de

conhecimento da Educação Física escolar: “A fenomenologia resume-se, pois, a uma atitude mediante a qual o

homem se volta para as coisas, para o mundo dado e passa a descrevê-lo tal como ele aprece à consciência de

forma imediata. Essa atitude é possível em virtude da intencionalidade da consciência”.

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necessidades propriamente humanas na forma vigente do modo de produção capitalista. Nessa

contextualização, como já vimos, o principal movimento da atual realidade social é a

exploração entre os homens e, destarte, caracteriza um conflito de interesses para a

(sobre)vivência dos sujeitos, dada a sua condição de inserção em determinada classe social.

Todavia, Kunz (2006a, p. 31) afirma que

O aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capacitado para sua

participação na vida social, cultural e esportiva, o que significa não somente a aquisição de uma capacidade de ação funcional, mas a capacidade de conhecer,

reconhecer e problematizar sentidos e significados nesta vida, através da reflexão

crítica. A capacidade comunicativa não é algo dado, simples produto da natureza,

mas deve ser desenvolvida. E para desenvolvê-la temos um atributo que nos destaca

do mundo dos animais, como afirma Habermas68 (1981, p. 65), “o que nos eleva

acima da natureza é a única coisa que podemos conhecer de acordo com sua própria

natureza: a linguagem. Através de sua estrutura coloca-se para nós a maioridade”.

A tendência supracitada conduz para uma pretensão de apaziguamento entre as

classes, ou seja, apresenta elementos de maneira implícita para uma impossível harmonia

entre as classes sociais. A reflexão pedagógica se dá por meio da comunicação como Kunz

(2006a) cita no momento que apresenta as diretrizes para uma atividade baseada nos

pressupostos da tendência crítico-emancipatória.

A investigação e a intervenção para que possa haver um “esclarecimento” ocorre de

maneira distorcida entre a subjetividade do ser social com a imagem do real, pois a exclusão

dos conflitos entre as classes e frações de classes sociais limita a compreensão da realidade

apenas aos fenômenos imediatos. Logo, implica uma análise superficial, não conseguindo

atingir a essência dos movimentos oriundos do modo de produção hodierno.

Sendo assim, tal proposição caminha, mesmo sem querer, para uma manutenção do

status quo, hipertrofiando de certa maneira a “subjetividade objetiva” do ser humano. Não há,

portanto, por meio desses pressupostos, a concepção de “[…] Homem que vive numa dada

sociedade num dado momento histórico determinado por uma configuração social e por um

desenvolvimento material concreto e, por isso, com determinadas e específicas exigências no

plano educativo” (ESCOBAR, 1995, p. 92, itálico no original).

Obviamente, há outros elementos sobre os quais se poderiam encetar a crítica sobre o

posicionamento de Daolio (2007; 2011) e Kunz (2006; 2006a) acerca da especificidade da

Educação Física escolar. Entretanto, o nosso objetivo nesse momento foi focar nas

divergências relevantes quanto à cultura corporal e da concepção teórico-metodológica do

68 Habermas (1968 apud, KUNZ, 2006a, p. 31) define “Ações Comunicativas como uma interação

simbolicamente me-diada. Ela se orienta em normas obrigatoriamente válidas, que definem as expectativas

recíprocas de conduta e que devem ser compreendidas e reconhecidas por no mínimo dois sujeitos agentes.”

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Coletivo de Autores (1992). E por essa forma sustentar que a crítica e/ou a proposição que se

pode realizar em relação ao objeto de conhecimento da Educação Física escolar em prol de

uma possível contribuição com um projeto histórico superador só pode ocorrer por meio de

uma fidedigna reflexão sustentada no materialismo histórico-dialético.

Portanto, o que vimos até o presente momento foi a interpretação de alguns

intelectuais da área da Educação Física escolar que tentaram, de uma maneira ou de outra,

apresentar críticas frente à concepção da cultura corporal fundada pelos pressupostos do

Coletivo. Também ao analisarmos o estado da arte sobre a cultura corporal e suas variáveis,

analisamos que a denominação mais comum – quando se fundamenta tal objeto por meio da

cultura – traduz-se como “cultura corporal do movimento”.

Entretanto, acreditamos que tais posicionamentos apresentam limitações e, de certa

forma, tangenciam a compreensão concreta da realidade social. Embora ambas afirmem levar

em consideração os condicionantes histórico-sociais para poder refletir o objeto de

conhecimento da Educação Física, não encontramos uma discussão suficiente sobre a

Educação Física e seu objeto de conhecimento no seio de categorias e de leis necessárias para

sua compreensão e, principalmente, que possibilitem elementos para uma intervenção e

vigilância crítica perante a realidade social, enfim, caindo no “antigo” e ao mesmo tempo

“atual” dilema das proposições crítico-reprodutivistas.

Sem o “pôr teleológico” sintonizado com a função social de apresentar elementos

concretos para a extinção da sociedade fragmentada por classes, avilta-se em possibilidades

de haver um objeto de conhecimento que possa atuar ativamente de maneira crítica frente à

ordem hegemônica. Essa condição crítica e, portanto, de legitimação do conhecimento

específico da Educação Física, só poderá ser investigada e consolidada mediante os preceitos

ontológicos, filosóficos e gnosiológicos, a nosso juízo, do materialismo histórico-dialético.

Nesse intento, a reflexão sobre o objeto de conhecimento da Educação Física e como

este se estabelece na ordem hegemônica deve ser realizada por meio da crítica marxiana

frente à tendência conservadora da formação fragmentada, unilateral do ser humano no bojo

do modo de produção capitalista.

Para isso, passamos a explicitar algumas discussões a respeito da Educação Física

tendo como objeto a cultura corporal. Apresentaremos trabalhos que procuraram basear-se e,

ao mesmo, reafirmar os fundamentos postos na obra do Coletivo de Autores (1992). Tais

produções caminham tanto, como já afirmamos, para a reafirmação do Coletivo como para a

crítica às críticas realizadas sobre a tendência crítico-superadora.

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Iniciamos com o trabalho de Escobar (1995) intitulado “Cultura corporal na escola:

tarefas da educação física”, que tem como principal objetivo aprofundar o conceito da cultura

corporal. A autora afirma que toma como ponto de partida a tendência crítico-superadora,

tendo como justificativa o projeto histórico que esta defende e em razão de lhe ser subjacente

ao projeto marxiano de crítica radical ao modo de produção capitalista.

Longe de levar a um status de “reformismo pedagógico”, Escobar (1995), de maneira

sucinta, expõe a concepção de cultura no âmbito da tendência crítico-superadora, tendo,

sobretudo, o legado marxiano como baliza:

O aprofundamento na história leva a compreender que a atividade prática do

homem, motivada pelos desafios da natureza, desde o erguer-se da posição

quadrúpede até o refinamento do uso da sua mão, foi o motor da construção da sua

materialidade corpórea e das habilidades que lhe permitiram transformar a natureza.

Este agir sobre a natureza, para extrair dela sua subsistência, deu início à construção

do mundo humano, do mundo da cultura. Por isso, “cultura” implica apreender o

processo de transformação do mundo natural a partir dos modos históricos da

existência real dos homens nas suas relações na sociedade e com a natureza

(ESCOBAR, 1995, p. 93, itálicos nosso e no original, respectivamente).

Dada essa reflexão, a autora explicita que o resultado da construção social – e,

portanto, da construção histórica – no âmbito da nossa corporeidade proporciona atualmente

um patrimônio de atividades, cunhadas na expressão e na comunicação – assim sendo, em

forma de linguagem – com certos sentidos e significados nas ações tanto no campo objetivo

como no subjetivo dos indivíduos.

Há, então, a relevância da historicidade na reflexão sobre a especificidade da

Educação Física escolar e sobre a atividade pedagógica, isto é, a transmissão do conhecimento

deverá ter como “fio condutor” o conhecimento de maneira “historicizada” 69

.

Quanto ao conceito de cultura corporal, Escobar (1995, p. 94) define como a

representação de um vasto campo da cultura que culmina na “[…] produção de práticas

expressivo-comunicativas, essencialmente subjetivas que, como tal, externalizam-se pela

expressão corporal”. Dessa forma, a autora rebate as críticas que o Coletivo de Autores (1992)

recebeu no que tange à nomenclatura utilizada para caracterizar o objeto de conhecimento da

Educação Física escolar.

69 Escobar (1995, p. 94, itálicos e negrito no original) nos alerta que “[…] para concretizar a historicização, o

professor deve propor problemas que demandem investigar e reproduzir, pedagogicamente, as condições

materiais-objetivas da procedência do conteúdo da prática em questão. Historicizar não é definir ou conceituar

essas práticas, apenas, com base num retorno temporal a-histórico, quer dizer, através de uma narrativa dos

aspectos exteriores e superficiais do conteúdo, porque dessa maneira impede-se a apreensão fiel do caráter dado

pelo modo de produção às etapas de desenvolvimento dessas atividades como fenômeno social”.

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Escobar (1995), contrariando o posicionamento utilizado por alguns críticos – indo

principalmente de encontro à crítica exercida por Kunz (2006a) –, afirma que o conceito

adotado pelo Coletivo de Autores (1992) sobre a especificidade da Educação Física escolar

não remete a um dualismo entre matéria e espírito. Tal compreensão, errônea, é feita, pois

Kunz (2006a) – e outros críticos – não analisam o conceito contido na “cultura corporal”

baseado nos fundamentos do materialismo histórico-dialético, ou seja, refutando

principalmente a atual prática social que possui como estofo o embate entre as classes sociais.

Isto é, não compreendem a cultura e, portanto, a cultura corporal como o acervo de

ações históricas e sociais que ocorreram por meio da objetivação e da apropriação dos

indivíduos ao longo da história da humanidade como ações pertinentes a fim de suprir as suas

próprias necessidades. E, portanto, no intento, da ordem do capital esse acervo de ações se

consolidam por meio da humanização e alienação no bojo da luta de classes. E que esse

acúmulo é transferido de gerações para gerações, e nessas transferências tais ações sofrem

modificações, a fim de aperfeiçoá-las para conseguir de uma melhor maneira contemplar as

necessidades humanas. Assim, a cultura corporal é compreendida como ações que atuam no

campo simbólico e subjetivo do ser humano, contribuindo, então, para que esse ser possa

apropriar-se do acúmulo realizado nesse campo do conhecimento.

No decorrer da sua contribuição, Escobar (1995) deixa bem exposto a necessidade da

historicização do procedimento pedagógico para a apropriação do conhecimento inerente da

cultura corporal por parte dos alunos. Com efeito, esse procedimento pedagógico deve ter em

caráter relevantes instrumentos e elementos que contribuam para uma apropriação crítica de

tais conhecimentos.

Isso significa que nas aulas de Educação Física deve haver intervenções didático-

metodológicas que permitam a melhor compreensão por parte dos alunos dos movimentos da

realidade social que acontecem no bojo dos conhecimentos inseridos na cultura corporal, a

citar: o “mundo da superfluidade”, as transformações dos jogos tradicionais que em grande

parte assumiram um posicionamento de interação entre os indivíduos para atender os

pressupostos oriundos da sociedade capitalista (a competição, o incentivo à agressividade, a

sobrepujança, etc.).

Nesse sentido, Escobar (1995) apresenta elementos que caracterizam a cultura

corporal sob as determinações capitalistas e procura apresentar subsídios para uma crítica e

uma desconstrução das ações propagadas pelo modo de produção hodierno. A autora

apresenta uma reflexão sobre a Educação Física escolar no sentido de contribuir para uma

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133

possível “nova cultura”, na busca de efetivar um esvaziamento de condicionantes

conservadores do atual modo de produção no seio da Educação Física. Daí seu alerta:

a Educação Física deve introduzir na escola a preocupação pela própria produção

cultural, vez que a emergência de uma nova cultura deve afirmar-se não apenas pela

extensão da alfabetização e da educação escolarizada, mas no acesso das camadas

populares ao campo da produção cultural da sociedade no sentido mais abrangente

(idem, p. 96, itálicos nosso).

É pertinente a proposição de Escobar (1995), pois ainda encontramos concepções

acerca da função social da Educação Física escolar, atreladas aos posicionamentos

positivistas, fenomenológicos, pós-modernos que partem para uma compreensão equivocada

entre as relações sociais e a especificidade da Educação Física.

Essas concepções descaracterizam o papel desse componente curricular quanto à

reflexão sobre os condicionantes sociais – como o caso da qualidade de vida, do lazer, a

relação entre conhecimento popular e erudito, etc. – de maneira crítica, isto é, levando em

consideração as posições desiguais das classes que integram o sistema socioeconômico. Para

o enfrentamento desses reducionismos, a autora menciona algumas tarefas, da atividade

pedagógica, as quais apontamos na íntegra:

Que na seleção do conhecimento sejam consideradas as modalidades que

encerrem um maior potencial de universalidade e compreensão dos elementos

gerais circundantes, empregando os critérios de atual e de útil na perspectiva

de classes sociais;

Que se privilegie a unidade metodológica, como possibilidade da

interdisciplinaridade na escola;

Que os instrumentos de avaliação sejam buscados no próprio mecanismo de

construção das práticas corporais;

Que o professor seja um trabalhador orgânico da educação e do ensino.

Organizador, divulgador, incentivador e pesquisador – engajado na dinâmica

socio-cultural (sic.) da comunidade escolar – que se utiliza, como mais

experiente, da atividade prática, o trabalho social, como única mediação

entre o homem e o conhecimento para a promoção da autoconsciência dos

alunos;

Que as possibilidades da prática esportiva sejam relacionadas às possibilidades dadas pela ação nas áreas de saúde, cultura, bem estar social, habitação e

planejamento urbano, entre outras;

Que o entendimento de “democratização” dos espaços e equipamentos de

esporte implique o gerenciamento de recursos pela própria escola e pela

comunidade que faz seu chão. (idem, p. 98-99, itálicos e negrito no original

respectivamente).

Para a autora, embora essas tarefas não sejam nada fáceis de serem efetivadas, são

ações que contribuem para uma formação – tanto dos docentes quanto dos alunos – crítica à

realidade social, fazendo com que esses sujeitos possam intervir em seu meio circundante em

benefício das camadas populares. Tais proposições e justificativas apresentadas por Escobar

(1995) coadunam totalmente com os pressupostos já mencionados pelo Coletivo de Autores

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(1992), enfocando, principalmente, em uma formação ideológica para que se possa atuar no

universo escolar.

Seguindo, ainda, pelas diretrizes adotadas e expostas por Escobar (1995) em relação

ao objeto de conhecimento da Educação física escolar, explicitaremos, na sequência, a análise

de um trabalho de Escobar em coautoria com Taffarel, cujo tema é ainda sobre a cultura

corporal, mas tendo como principal enfoque: efetivar a crítica aos dualismos que são

necessários para a manutenção do atual modo de produção. Nesse sentido, propõem, na

especificidade da Educação Física escolar, a cultura corporal no processo de ensino e

aprendizagem enquanto transmissão/apropriação do conhecimento científico oriundo da

cultura corporal como um dos importantes elementos que compõem o projeto histórico em

uma perspectiva de transformação social e, sendo assim, para a formação omnilateral do ser

social.

Trazemos à tona, também, o texto de Pereira e Peixoto (2009), “Crítica à

metodologia do ensino da educação física à pedagogia crítico superadora”, no qual objetiva

realizar uma reflexão sobre a tendência crítico-superadora, no sentido de expor a sua

construção que se desencadeia na obra formulada pelo Coletivo de Autores (1992). Após,

mencionar as bases ou as influências teóricas do Coletivo, Pereira e Peixoto (2009, s/p.)

expõem as seguintes contribuições, limites e desafios para a tendência crítico-superadora, a

citar:

O Metodologia do ensino de educação física, ou Coletivo de Autores, inova em

relação ao que vinha sendo publicado no período, quando (1) apresenta a educação

física como matéria escolar cuja atribuição é garantir a apropriação da cultura

corporal da humanidade; (2) precisa os conhecimentos que devem ser abordados nas

aulas, com indicação da organização do trabalho didático; (3) explicita que os

conteúdos e o ensino da educação física se relacionam com interesses de classes antagônicas em conflito; (4) cobra aos professores a necessidade de tomada de uma

posição de classe; (5) aponta a necessidade de situar os conteúdos do ensino de

educação física na história; (6) faz uma crítica clara à perspectiva da aptidão física

como respondendo aos interesses do capital; (7) traz uma teoria do conhecimento

subjacente a teoria curricular que orientava o trato com o conhecimento em ciclos de

ensino, enfim, (8) quando apresenta uma proposta pedagógica apoiada em uma

teoria pedagógica superadora do ponto de vista dos conteúdos, da organização do

trabalho didático e da avaliação.

E concluem:

O texto é elaborado por professores com vasta experiência no ensino superior e

ensino escolar. Eles conhecem profundamente os professores aos quais se dirigem.

Os autores estão preocupados em produzir, em uma linguagem acessível, um

diálogo com professores de educação física habituados a manuais, no qual todo o

ensino de educação física nas escolas é colocado em cheque, e uma teoria

pedagógica comprometida com os interesses da classe submetida aos interesses hegemônicos é proposta. Esta teoria pedagógica sinaliza, claramente, o lugar que

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cabe à educação física assumir na escola e o lugar que os professores de educação

física têm de tomar.

Trata-se, entretanto, de um texto datado, muito próximo do movimento docente,

respondendo às necessidades sociais que se colocavam como demandas urgentes.

Um texto que traz contribuições relevantes. Entretanto, temos um trabalho que fica

inacabado, no qual não estão desenvolvidas, em sua plenitude, a teoria social que o

orienta e a proposta pedagógica defendida. Isto se reflete, por exemplo, na

imprecisão quanto às relações entre o capitalismo, o trabalho e a educação física; os

conteúdos e as formações históricas nas quais são produzidos; entre os conteúdos, as

pedagogias, os projetos políticos pedagógicos e a classe trabalhadora; sobre o papel

do trabalho no desenvolvimento humano e na produção da cultura; sobre o movimento e as disputas entre classes pelos meios de produção e os bens

socialmente produzidos. Os autores e os coletivos de pesquisa que têm absorvido a

proposição ficam devendo a continuidade ao debate.

Taffarel e Escobar (2009a) em “Cultura corporal e os dualismos necessários à

ordem do capital” nos apresentam elementos históricos relacionados com a Educação Física

escolar em nível nacional, mais precisamente entre as décadas de 1980 e 1990, que explicitam

claramente os posicionamentos conservadores. Conforme a crítica das autoras, tais

posicionamentos enraízam-se em perspectivas que caracterizam a Educação Física escolar

como detentora do conhecimento do movimento humano via a concepção psicológica

desenvolvimentista e também por meio de reflexões e interpretações da realidade sob

pressupostos fenomenológicos.

Com o intuito de reafirmar a cultura corporal – com base na perspectiva do

materialismo histórico-dialético – como objeto de conhecimento da Educação Física escolar,

as autoras apresentam a seguinte argumentação:

Faz-se evidente que o objeto de estudo da Educação Física é o fenômeno das

práticas cuja conexão geral ou primigênia – essência do objeto e o nexo interno das

suas propriedades – determinante do seu conteúdo e estrutura de totalidade é dada

pela materialização em forma de atividades – sejam criativas ou imitativas – das relações múltiplas de experiências ideológicas, políticas, filosóficas e outras,

subordinadas à leis histórico-sociais. O geral dessas atividades é que são

valorizadas em si mesmas; seu produto não material é inseparável do ato da

produção e recebe do homem um valor de uso particular por atender aos seus

sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonísticos, competitivos, e outros,

relacionados à sua realidade e às suas motivações. Elas se realizam com modelos

socialmente elaborados que são portadores de significados ideais do mundo objetal,

das suas propriedades, nexos e relações descobertos pela prática social conjunta. A

essa área de conhecimento que se constrói a partir dessas atividades, no momento, a

denominamos de "Cultura Corporal", não obstante seja alvo de críticas por "sugerir

a existência de tipos de cultura". Pensamos não haver necessidade de polemizar a tal

respeito, apenas queremos destacar que, para toda interpretação, deve prevalecer a conceituação materialista histórico-dialética de cultura (TAFFAREL; ESCOBAR,

2009a, s/p., itálicos nosso).

Assim, as autoras elucidam a concepção de cultura corporal, reiterando a posição do

Coletivo de Autores (1992) e de Escobar (1995), de que o estudo, a análise, o aprofundamento

e a reflexão sobre a cultura corporal devem estar embasados pelos pressupostos precedentes

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do materialismo histórico-dialético. Nessa contextualização, Taffarel e Escobar70

(2009a, s/p,

itálicos nosso) argumentam que

Assinalar à disciplina Educação Física o campo da Cultura Corporal como objeto de

estudo não significa perder de vista os objetivos relacionados com a formação

corporal, física, dos alunos, senão, recolocá-los no âmbito espaço-temporal da vida

real de uma sociedade de classes. Se a escola atual assume o aperfeiçoamento da

capacidade de rendimento físico, o desenvolvimento de capacidades motoras básicas, hábitos higiênicos e capacidades vitais e desportivas, pela sua própria

função seletiva não oculta objetivos de seleção eugênica dos alunos. À escola,

inserida num projeto histórico superador, cabe a elaboração e socialização do

conhecimento necessário à formação omnilateral. Capacidade de rendimento físico,

desenvolvimento de capacidades motoras básicas, hábitos higiênicos e capacidades

vitais e desportivas são absolutamente dependentes das condições materiais de vida

dos indivíduos e seu desenvolvimento, incremento e aperfeiçoamento são possíveis,

somente, a partir de um projeto coletivo que se concretiza pela ação decisiva do

Estado na promoção das condições materiais básicas para toda a população.

As autoras atestam que a função social da escola e da Educação Física (como

componente curricular) é apresentar elementos para um projeto histórico superador e, com

isso, um projeto que atenda e preconize as características da formação omnilateral do ser

social. Com efeito, não há a possibilidade de formação plena do aluno – no sentido da

formação omnilateral – a partir de um interesse conservador, capitalista. Há de se enfrentar a

atual formação fragmentada do ser social e atuar na direção de uma transformação social.

Nesse caminho, Taffarel e Escobar (2009a), em nota propositiva, expõem sobre a

necessidade de superação total da alienação e do estranhamento habitual e “fio condutor” da

sociedade capitalista. Torna-se necessário, para a realização da emancipação perante o modo

de produção regido pela alienação e pelo estranhamento, de acordo com as autoras, fazer com

que os indivíduos se compreendam como seres concretos, sínteses de múltiplas determinações

e com a imensa capacidade de suprir as suas necessidades. E, então, de efetivar suas ações de

maneira coletiva, excluindo permanentemente as desigualdades que há no seio da sociedade

findada pelas classes sociais. No que se refere às ações pedagógicas, Taffarel e Escobar

(2009a, s/p) advertem e propõem:

a construção de alternativa para o trabalho pedagógico e de produção do

conhecimento deve apontar para a elaboração da teoria como categorias da prática e

a partir da consideração da prática e sua descrição empírica, de um referencial que

explique esta prática na perspectiva da compreensão da sua totalidade e radicalidade

e da elaboração de proposições coletivas, solidárias, alternativas, superadoras. Este é

o enfrentamento para o próximo período, se quisermos agir na linha da superação

dos elementos que constitui a contradição de fundo e que mantém a maioria excluída

70 Marcílio et al. (2011, p. 396) afirma que “Taffarel e Escobar (1987) ao abordar a respeito da cultura corporal

brasileira, e citando Rubem Alves, afirma que ‘não existe cultura sem corpo’. As autoras falam sobre o corpo

como sendo o próprio indivíduo e como tal é elemento que constitui o centro da cultura de todo povo, pois é a

partir dele que o ser humano exprime a essência de seus costumes e de sua identidade cultural”.

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do acesso aos bens culturais, entre os quais a educação física e o esporte. A questão

de fundo não é a inclusão, mas sim, a resistência, a ocupação, a produção e a

preservação a partir da determinação responsável e voluntária de produtores

associados que têm como elemento regulador, nos planejamentos de baixo para cima

do sistema de produção e troca, não as leis do mercado, mas, fundamentalmente as

necessidades vitais do SER HUMANO.

Por sua vez, mencionamos o texto de Teixeira e Dias (2011) intitulado “A

necessidade histórica da cultua corporal: limites e possibilidades sob a ordem capitalista”.

Tal produção teve como principal objetivo expor a cultura corporal como objeto de

conhecimento da Educação Física e, sendo assim, buscando investigar a sua constituição

histórica e como ocorreu/ocorre a sua dinâmica no bojo do atual modo de produção.

Após o momento introdutório e balizador teoricamente do texto – e diga-se que este

contou com os fundamentos do materialismo histórico-dialético –, no qual os autores

posicionaram a cultura corporal como produção humana estabelecida histórica e socialmente,

é exposto um importante aprofundamento acerca da cultura corporal como elemento

participativo na recomposição e disciplinamento em prol da força de trabalho – característica

do modo de produção capitalista. A força de trabalho, nesse contexto social, é adjetivada por

Teixeira e Dias (idem), apoiando-se em Marx, como a principal mercadoria no âmbito da

sociedade capitalista.

O estudo desses autores sobre a cultura corporal no âmbito da Educação Física

escolar que, por sua vez, é integrante da sociedade capitalista, tem como característica a

adaptação do indivíduo perante as necessidades sociais, ou seja, objetivando a contribuição de

suprimir os “problemas” ou as “mazelas” da vida social urbana e, também, formar indivíduos

aptos fisicamente para que possam ser exploradas suas forças de trabalho.

Outra característica apresentada pelos autores é que atualmente aloca-se a cultura

corporal como elemento para efetivar um impossível apaziguamento social, isto é, institui-se

essa categoria “[…] como a salvação das mazelas produzidas, e/ou para recuperação das

vítimas desta forma social” (idem, p. 104).

Teixeira e Dias (idem, ibidem) concluem que há uma

relação permanente, mediada, e necessária entre os elementos da cultura corporal e o

trabalho. No intuito de perpetuar a sua dominação, os capitalistas não abrem mão do

controle sobre os trabalhadores, tentando impedir a todo custo à organização e o

desenvolvimento da consciência de classe dos trabalhadores, e nesse esforço utiliza-

se também das práticas corporais.

Como nota propositiva e em contraface aos preceitos conservados que a cultura

corporal sofre interferência é apresentada no texto uma compreensão sobre a possibilidade de

reflexão e intervenção dessa categoria para além da ordem estabelecida pelo capital.

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Ou seja, como proposição foi discutida a possibilidade de a cultura corporal

contribuir na superação do modo de produção capitalista e, nesse engajamento, refletir como

pode servir para a classe trabalhadora como um elemento para a luta contra a ofensiva do

capitalismo. Apresentou-se, portanto, a necessidade de um por teleológico não conservador no

que se refere ao trato com o conhecimento da cultura corporal. Esse trato do conhecimento

não pode ser designado a

qualquer prática, muito menos a predominante na sociedade capitalista. Trata-se de

apresentar outros princípios (como a solidariedade de classe, o desenvolvimento

criativo das práticas corporais, a ampliação do repertório cultura corporal, o

autoconhecimento corporal e etc.), que auxiliem no processo de emancipação humana e na transformação radical da sociedade (idem, p. 107).

É por essas indicações, grosso modo, que Teixeira e Dias (idem) compreendem a

cultura corporal no âmbito da sociedade capitalista e como essa categoria deve ser trabalhada,

a fim de que ela possa apresentar subsídios concretos para uma possível transformação social.

Explicitamos, também, as principais ideias de um grupo de autores que lançaram

recentemente uma obra – organizado por Reis et al. (2013b) – tendo como principal conteúdo

a possibilidade de relação entre a pedagogia histórico-crítica e a Educação Física escolar.

Dentro dessa obra destacamos o segundo capítulo, intitulado “O ensino da Educação Física e

a formação de sujeitos históricos: em busca dos fundamentos teóricos metodológicos”, dos

autores Reis et al. (2013a).

Nesse texto os autores procuram explicitar os fundamentos de cunho teórico e

metodológico no âmbito da Educação Física escolar tendo como principal eixo norteador o

mesmo que consta na obra do Coletivo, ou seja, a análise e a reflexão crítica sobre a cultura

corporal. Posicionando a Educação Física como um condicionante social, Reis et al. (idem)

afirmam que a discussão sobre esse condicionante se dá apenas por dois caminhos

antagônicos e contraditórios, indo ao encontro ou de encontro ao atual modo de produção

capitalista.

A fundamentação teórica utilizada nesse texto, segundo os autores, são o

materialismo histórico-dialético, a pedagogia histórico-crítica e a tendência crítico-

superadora. Dessa forma, é feita inicialmente uma explanação sobre a relação trabalho e

educação no modo de produção capitalista em seu atual estágio, alertando, principalmente,

sobre as atuais tendências educacionais que preconizam a educação escolar como fundamento

para contribuir no processo de adaptação dos indivíduos no atual modo de produção – os

autores fazem menção sobre a pedagogia do aprender a aprender.

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Na sequência, Reis et al. (idem) têm como intuito expor a perspectiva histórico-

crítica na Educação Física escolar. O fio condutor para realizar a ligação da perspectiva

histórico-crítica com a Educação Física escolar se dá por meio da tendência crítico-

superadora. Nesse contexto, é afirmado no decorrer do texto que as orientações didático-

metodológicas da tendência crítico-superadora com os fundamentos da pedagogia histórico-

crítica “[…] buscam propor novos caminhos para a apropriação do conhecimento na escola,

inclusive pela organização metodológica fundamentada em cinco passos do método dialético

de transmissão do conhecimento […]”.

Esse método dialético, para os autores, é: “[…] identificação da prática social,

problematização, instrumentalização, catarse e retorno à prática social” (idem, p. 58). Para

apresentar esses “passos” do método dialético, Reis et al. (idem) embasaram-se,

essencialmente, nas argumentações de Gasparin (2005) no sentido de exemplificar as

possibilidades de reflexão e intervenção para o objeto de conhecimento da Educação Física

escolar.

Em síntese, foram essas as abordagens utilizadas pelos autores para apresentar

possibilidades de contribuição da pedagogia (perspectiva) histórico-crítica para a Educação

Física escolar. Propondo, desse modo, que o objetivo da Educação Física escolar no seio das

aulas deve “[…] promover uma reflexão crítica sobre os conteúdos/temas da cultura corporal,

seguindo um caminho metodológico que busca ampliar a compreensão e ação dos sujeitos

sobre a realidade em que vivem” (idem, p. 61).

Explicitamos, também, um artigo de Frizzo71

(2013) que busca analisar o “Objeto de

estudo da educação física: as concepções materialistas e idealistas na produção do

conhecimento”. Desse modo, ao autor aponta a cultura corporal como a mais fidedigna

possibilidade de compreensão do objeto de conhecimento da Educação Física, alicerçando-se

nas categorias trabalho e atividade, de acordo com o materialismo histórico-dialético. Frizzo

(idem, p. 203) defende que

A definição da cultura corporal como objeto de estudo da EF, assume princípios

científicos e filosóficos materialistas onde a atividade humana (e não o movimento)

é o fundamento da produção desta parte da cultura, as suas manifestações são concebidas através de suas significações socialmente construídas e de seu sentido de

momento histórico.

71 Esse texto é síntese da tese de doutorado, defendido em 2012 por Frizzo na Escola de Educação Física do

Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS), intitulada: “A organização do trabalho pedagógico da educação física na escola capitalista”.

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Por fim, outro texto que ressaltamos é de uma recente tese de doutorado, defendida

por Nascimento (2014), na Universidade de São Paulo (USP), intitulada “A atividade

pedagógica da educação física: a proposição dos objetos de ensino e o desenvolvimento das

atividades da cultura corporal”, no qual partiu do pressuposto de que a atividade pedagógica

específica da Educação Física são as atividades oriundas da cultura corporal. Em seu estudo a

autora defendeu a tese de que os objetos de ensino relacionados a essa área do conhecimento

devem ser refletidos com base na explicação e sistematização das dimensões genéricas

inseridas no bojo da cultura corporal.

Fundamentando-se no materialismo histórico-dialético e na psicologia histórico-

cultural, Nascimento (idem) investigou a gênese das atividades da cultura corporal e as

relações sociais que as constituem, ou seja, a sua estrutura. Como síntese de sua investigação,

foi destacado em sua tese: a) as dimensões humanizadora e alienadora – em suas contradições

– das atividades da cultura corporal que se desencadeiam, principalmente, no fenômeno

esporte; b) as proposições das relações essenciais da cultura corporal que são a criação de uma

imagem artística com as ações corporais, o controle da ação corporal do outro e o domínio da

própria ação corporal.

Em conclusão, Nascimento (idem) propõem que a Educação Física abranger essas

relações (gerais e essenciais) que se manifestam em distintas e em várias formas das

atividades da cultura corporal que destinam as capacidades humano-genéricas alocadas na

prática social. De acordo com a autora (idem, p. 284-285, itálicos no original):

O fato de as atividades da cultura corporal e, consequentemente, de seus objetos de

ensino não poderem ser concebidos desvinculados da contradição entre as

capacidades humano-genéricas e as condições alienadoras de sua existência, não

significa que o ensino deva ser organizado necessariamente ou mesmo

prioritariamente de modo a “denunciar” essa contradição para os estudantes. Em

nossa sociedade, que tem na práxis cotidiana a forma hegemônica para a maioria dos

indivíduos viverem as suas individualidades e se relacionar com o gênero humano,

afirmar e realizar o trabalho pedagógico escolar como um trabalho que tenha como

seu objeto principal e inegociável os conceitos teóricos – portanto, uma compreensão teórica dos objetos de ensino nas diferentes áreas de conhecimento,

dentre as quais incluímos as atividades da cultura corporal – nos parece ser uma

contribuição importante na luta pela efetivação de outra sociabilidade possível para

os sujeitos.

Indubitavelmente que o debate e a reflexão de maneira divergente ou não sobre o

objeto de conhecimento da Educação Física escolar estão longe de serem concluídos. Por um

lado, é sempre vigoroso haver o debate sobre os variados objetos de análise em distintas

pesquisas. Partimos do pressuposto que esses debates sobre vários objetos de pesquisa e, no

nosso caso, sobre Educação Física escolar e seu objeto de conhecimento, tenham que ser

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realizados e sustentados por elemento filosófico, ontológico, gnosiológico, didático-

metodológico, etc., que perspectivem um salto qualitativo na formação humana. Todavia, por

outro lado, podemos concluir após a análise de algumas produções teóricas – supracitadas –

sobre a Educação Física escolar e a cultura corporal que há produções teóricas que buscam

atender o interesse da ordem do capital e, com isso, se apoiam em fatos e teorias anistóricos,

acríticos e não dialéticos.

Encontramos essas características nas formulações teóricas de cunho positivista,

assentadas no ideal do desenvolvimento higiênico e caráter eugênico; formulações que

seguem para o desenvolvimento por meio das “ações motoras”; formulações fenomenológicas

que “excluem” a essência do objeto para tentar “explicar” os elementos fenomênicos de

maneira fragmentada, enaltecendo, assim, uma compreensão da realidade por meio da

pseudoconcreticidade. Formulações, oriundas das teorizações pós-modernas, que procuram

negar a “metafísica do sujeito”, efetivando a crítica à consciência, ao critério de verdade, em

suma, buscando apresentar elementos por meio de “jogos de linguagens” em prol de um

relativismo cultural.

Porém, em meio a tantas falácias que contribuem unicamente para uma

descaracterização da possibilidade de atuarmos por meio de um projeto histórico superador,

há na Educação Física escolar contribuições que nos levam a apostar no aprofundamento da

discussão sobre o seu objeto de conhecimento que contribua para a superação do status quo.

A tendência crítico-superadora, assim como as contribuições que surgiram no decorrer da sua

história, nos explicita a possibilidade de tratarmos o conhecimento inerente da Educação

Física escolar sob a égide de uma pedagogia emergente na busca de responder as indagações

pertinentes para a classe trabalhadora.

Dessa forma, compreendemos que a relação da educação escolar (a instrução) com as

partes “moventes” e “movidas” do modo de produção capitalista deve ter por horizonte, na

vigência social, uma reflexão de Marx, reproduzida por Manacorda (2012, p. 74) ao discutir

as ações provenientes sobre a instrução e o trabalho. Ou seja, devemos levar em consideração,

considerando a atual conjuntura social, que as nossas posições atuando de maneira crítica

devem referir-se “[…] tanto ao político quanto ao social, isto é, tanto à liberdade de ensino,

que é princípio liberal, quanto à união de ensino e trabalho, que é princípio socialista”.

A pertinência dessa argumentação se apoia na indagação sobre qual o destino dos

sujeitos sociais aos quais dedicamos nossas intervenções no campo educacional. Referimo-

nos aos indivíduos como membros “conscientes”, “ativos” e “livres” da sociedade. Portanto, o

ser social como sujeito que modifica e é modificado dadas as suas relações com a natureza e

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entre os seus próprios pares que, por sua vez, possui totais condições de modificar o atual

modo de produção, tendo a contribuição da educação escolar e prosseguir com base em

fundamentações e práticas superadoras para conseguir dar um salto qualitativo perante o atual

status social.

No que diz respeito à educação e a Educação Física escolar, nos apoiamos na terceira

“Tese sobre Feuerbach” de Marx e Engels (2007) para explicitarmos a necessidade de

mudança das circunstâncias sociais. Para isso é necessário não apenas os alunos se

modificarem, bem como os “educadores serem educados” sob a égide de uma nova sociedade,

fora dos preceitos desiguais entre os homens.

A doutrina materialista sobre a mudança das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são mudadas pelos homens e que o próprio educador tem que

ser educado. E, por isso, deve separar a sociedade em duas partes: uma das quais se

eleva sobre a outra. (MARX; ENGELS, s/d. apud MANACORDA, 2012, p. 75).

Dadas as condições concretas para a superação dos moldes fragmentários do sistema

capitalista, Engels, ao efetivar severas críticas sobre os elementos capitalistas em relação à

formação humana, revela a sua compreensão de ensino em proveito de uma formação integral

do ser social. Nas suas palavras:

O ensino permitirá aos jovens seguir todo o sistema da produção. Eliminará dos

jovens o caráter unilateral impresso em todo indivíduo pela atual divisão do

trabalho. Desse modo, a sociedade organizada pelo regime comunista oferecerá a

seus membros ocasião para aplicar onilateralmente […] suas atitudes desenvolvidas

onilateralmente […].

o desenvolvimento onilateral das capacidades de todos os membros da sociedade,

por meio da eliminação da atual divisão do trabalho que existe até agora, através do

ensino industrial […], por meio da alternância das atividades (ENGELS, s/d. apud MANACORDA, 2012, p. 76-77).

A justificativa elencada acima nos propôs explicitar as condições sociais e, portanto,

as condições de ensino que pretendemos almejar. Para isso, na especificidade da Educação

Física escolar e nos demais elementos da escola deve-se ter como principal objetivo, caminho

a ser trilhado, o tratamento “[…] do pleno desenvolvimento do ser humano: que não seja ou

sapateiro ou filósofo, mas ambos e algo mais ‘onilateralmente’” (MANACORDA, 2012, p.

79).

Dessa forma, com as argumentações redigidas neste capítulo frente à cultura e a

cultura corporal, compreendemos que existe a possibilidade de apresentar elementos

concretos para uma pedagogia emergente que subsidie a Educação Física escolar em proveito

de uma contribuição para a formação omnilateral e para um projeto histórico superador.

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143

Mas, para isso, temos que compreender a cultura e, assim, a cultura corporal como

uma riqueza humana e que estas devem ser transmitidas a todas as camadas sociais,

principalmente a classe trabalhadora, que atualmente encontra-se “inócua” ao acesso à cultura

e à cultura corporal em um sentido mais avançado.

Desse modo, percebemos a necessidade de alocarmos a cultura corporal no seio das

condições da cultura universal, ou seja, no interior da cultura da ordem do capital. Para que no

interior dessa condição histórico-social possamos estabelecer determinações e pressupostos

que partam para uma aversão a esse modelo de cultura universal, isto é, para que possamos

preconizar a superação dessa cultura.

Portanto, voltando a nossa atenção para a cultura corporal, formulada pela tendência

crítico-superadora, acreditamos ainda que existe a necessidade de aprofundarmos alguns

pressupostos e fundamentos no cerne da cultura corporal como objeto de conhecimento da

Educação Física escolar. Como se pode observar em nossa exposição até o presente momento,

buscamos realizar um aprofundamento sobre categorias que não foram discutidas e/ou que

estão no Coletivo de maneira perene.

Tratamos, portanto, de aprofundar a modo de produção capitalista, principalmente,

abordando os elementos e as determinações do seu atual estágio de desenvolvimento, ou seja,

a acumulação flexível do capital. Com a análise dessa categoria, estabelecemos, por meio de

um estudo teórico, a relação da acumulação flexível do capital com a educação escolar e,

concomitantemente, com a Educação Física escolar.

Já neste segundo capítulo abordamos a cultura tendo como embasamento o

materialismo histórico-dialético. No âmago dessa abordagem surgiram como necessárias

outras categorias para que possamos compreender fidedignamente o conceito de cultura tendo

como amparo o referencial acima citado. Estamos nos referindo a objetivação, a apropriação,

a humanização e a alienação.

Finalizando a primeira parte deste capítulo, buscamos compreender a relação da

cultura com a educação escolar. Enfocou-se, nesse momento, em realizar uma crítica às

teorizações pós-modernas que atualmente, em nossa opinião, se tornaram uma alavanca

concreta para os estudos – voltados para a educação escolar – que de maneira explícita ou

implícita buscam apresentar elementos para a manutenção do status quo. Tornou-se

necessário aprofundar essas categorias, pois são inexistentes ou são apresentadas de maneira

sucinta na obra do Coletivo de Autores (1992).

Entretanto, obviamente, o Coletivo não pode, nos limites de um livro e do momento

histórico em que este foi elaborado, esgotar todas as questões que delineiam uma proposta

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144

pedagógica emergente – que achamos pertinentes e merecem ser aprofundadas –, uma vez

compreendido que o seu objetivo foi contribuir com aspectos de cunho teórico-metodológico

para a Educação Física escolar e na legitimidade da cultura corporal como seu objeto de

conhecimento. Mas em momento algum os autores explicitaram os elementos nessa obra de

forma superficial e/ou reducionista à luz do conhecimento tratado.

Com efeito, frisamos novamente: não pretendemos apontar que as nossas

proposições sejam vistas como contraposição ao Coletivo de Autores (idem). Nosso objetivo,

baseando no tripé materialismo histórico-dialético, psicologia histórico-cultural e pedagogia

histórico-crítica, é apresentar argumentações que possam contribuir com o desenvolvimento

do acúmulo teórico já desenvolvido pelo Coletivo e por outros intelectuais que se

preocuparam em refletir e apresentar elementos “positivos” sobre a cultura corporal.

É na esteira da vertente do tripé mencionado que encetamos a nossa tentativa de

contribuir com as reflexões acerca da cultura corporal nos pressupostos da tendência crítico-

superadora. Isto é, na busca de contribuir para um projeto histórico que supere a desigualdade

e a exploração oriunda do modo de produção capitalista, assim como preconizam os

pressupostos marxianos. Dessa forma, levamos em consideração para refletirmos e propormos

ações frente os condicionantes já citados o seguinte questionamento:

Os aspectos históricos e ontológicos da formação humana unem-se no pensamento de Marx numa perspectiva dialética de criação das condições de humanização a

partir das relações sociais alienadas. Superar a alienação para alcançar-se o pleno

desenvolvimento da individualidade livre e universal: essa é a perspectiva da

sociedade comunista em Marx (SAVIANI; DUARTE, 2012a, p. 30, itálicos nosso).

É por esse caminho que pretendemos seguir e contribuir no nosso campo, em

específico a Educação Física escolar. No entanto, ao mesmo tempo, temos a intenção de

contribuir de maneira dialética com o projeto histórico superador.

Dessa forma, no próximo capítulo, efetivaremos a reflexão, primeiramente, sobre os

principais fundamentos da psicologia histórico-cultural, tendo como intuito compreender a

formação humana. Ou seja, de maneira mais restrita, buscaremos compreender como ocorre a

dinâmica histórico-social do desenvolvimento do psiquismo e da atividade humana, isto é,

como o ser humano se caracteriza enquanto “ser humano”, sendo o único ser com a

capacidade de “pensar”, ou melhor, o único ser a ter “consciência” e a ter desenvolvido as

funções psicológicas superiores, bem como argumenta Vigotski (2010; 2012).

No segundo momento passamos a aprofundar os fundamentos da pedagogia

histórico-crítica, tendo como principal objetivo obter elementos sobre a prática pedagógica.

Procuramos averiguar possibilidades para a Educação Física escolar sobre o processo de

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145

transmissão e apropriação do conhecimento da cultura corporal por parte dos alunos como

contribuição ao desenvolvimento do psiquismo humano e, em última instância, a uma

formação de consciência de classe pelos indivíduos envolvidos nesse processo.

Portanto, além da psicologia histórico-cultural, estaremos, também, nos

fundamentando em uma pedagogia para que possa ter elementos suficientes para uma práxis

educativa completa e de qualidade. Pois, como nos lembra Duarte (2013c), a psicologia

histórico-cultural por si só não contempla de maneira exclusiva a prática pedagógica, há

sempre a mediação de uma teoria pedagógica entre ambos os “polos”. Nas palavras do autor:

As relações entre psicologia e educação estão no próprio núcleo teórico e prático da

psicologia histórico-cultural. Muitos educadores buscam, atualmente, nessa teoria

psicológica, fundamentos para sua prática pedagógica. Nesse aspecto, entretanto,

alguns cuidados, delimitações e precisões se tornam necessários. […] a psicologia

histórico-cultural é tão somente um dos fundamentos da educação escolar. Trata-se,

por certo, de um importante fundamento, mas para que ele possa, de fato, contribuir

para o trabalho educativo é necessário inseri-lo numa teoria pedagógica, para cuja

construção também contribuem a Filosofia, a Sociologia, a História, a Didática e

outros campos dos estudos educacionais. Em outras palavras, entre a psicologia

histórico cultural e a prática educativa, sempre existe a mediação de uma teoria pedagógica. A psicologia histórico-cultural não é e nem pode ser uma pedagogia, o

que ela pode ser é um dos fundamentos de uma pedagogia (DUARTE, 2013c, p. 19-

20).

Coadunando com o posicionamento do autor, iremos nos apoiar na pedagogia

histórico-crítica, a fim de no alicerçar em fundamentos relevantes para a práxis educativa na

Educação Física escolar. Evidentemente, tal escolha não se fez de maneira aleatória, por

considerarmos que essa pedagogia está totalmente vinculada ao materialismo histórico-

dialético.

Queremos dizer que consideramos a pedagogia histórico-crítica como uma pedagogia

marxista, e em consonância com a psicologia histórico-cultural há pressupostos e

desdobramentos necessários e suficientes para contribuir com a Educação Física na

perspectiva de um projeto revolucionário (histórico superador) em direção a uma sociedade

transitória, a socialista, para posterior consolidação do comunismo.

Diante a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica – e o

materialismo histórico-dialético como unidade teórica – é que buscamos no decorrer deste

estudo aprofundar elementos em proveito da Educação Física escolar. Por essa

contextualização, passamos no último momento do terceiro capítulo a expor apontamentos

sobre a prática pedagógica que caracterizamos importantes para perspectivarmos uma

Educação Física escolar que tenha a cultura corporal como o seu objeto de conhecimento e

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146

que esta possa transmitir o conhecimento na sua forma mais elaborada para contribuir na

formação omnilateral do ser humano.

Com esse embasamento, temos a condição de aprofundar os nossos estudos na

compreensão da relação do desenvolvimento humano com a educação escolar, bem como com

a Educação Física, pontuando a capacidade da cultura corporal de atender os preceitos da

psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica em benefício de um projeto

histórico transformador. Buscamos uma reflexão e, principalmente, um enfrentamento teórico,

político, ideológico e pedagógico frente às posições conservadoras que existem no campo

educacional. Assim, finalizamos esse segundo capítulo com a exortação gramsciana,

reproduzida do prefácio de Saviani e Duarte (2012c) da obra “Pedagogia histórico-crítica e

luta de classes na educação escolar”:

Instruí-vos, porque teremos necessidade de toda a nossa inteligência.

Agitai-vos, porque teremos necessidade de todo o nosso entusiasmo.

Organizai-vos, porque teremos necessidade de toda a nossa força.

(Antonio Gramsci)

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147

CAPÍTULO III – Psicologia histórico-cultural e pedagogia histórico-crítica:

pressupostos e fundamentos na análise da categoria cultura corporal

Conclamar as pessoas a acabarem com as ilusões acerca de

uma situação é conclamá-las a acabarem com uma situação

que precisa de ilusões.

A crítica não retira das cadeias as flores ilusórias para que o

homem suporte as sombrias e nuas cadeias, mas sim para que

se liberte delas e brotem flores vivas.

(Karl Marx)

Como as coisas não se mostram ao homem diretamente tal

qual são e como o homem não tem a faculdade de ver as coisas diretamente na sua essência, a humanidade faz um détour para

conhecer as coisas e sua estrutura. Justamente porque tal

détour é o único caminho acessível ao homem para chegar à

verdade, periodicamente a humanidade tenta poupar-se o

trabalho desse desvio e procura observar diretamente a

essência das coisas.

(Karel Kosik)

Ao adentrarmos na especificidade do acúmulo teórico específico da psicologia

histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica, se faz necessário compreender o motivo

pelo qual optamos por tais embasamentos, no sentido de auxiliar-nos na compreensão da

concepção de formação humana, da função social que a educação escolar e a Educação Física

escolar possuem no que tange a contribuir para a formação do ser social.

Prevalecendo, obviamente, a perspectivar a formação omnilateral do ser social em

prol de um projeto histórico superador. Para isso, iniciamos a nossa reflexão alertando a

seguinte indagação elaborada por Lessa e Tonet (2009, p. 11): “É ADMISSÍVEL, HOJE, DE

qualquer ponto de vista, que alguém viva do trabalho alheio? É justificável, hoje, a exploração

do homem pelo homem?”

Por essa argumentação e interrogação é que cabe a discussão sobre o

desenvolvimento humano e sobre a Educação Física escolar, enquanto um dos condicionantes

criado pela humanidade para contribuir na formação dos indivíduos. As perguntas de Lessa e

Tonet (idem) nos remetem para uma situação complexa e crucial com duas únicas saídas: a) a

manutenção da “exploração do homem pelo homem”; b) ou a possibilidade de transformação

do atual status social, tendo como fim a sociedade nos moldes de uma sociedade socialista e

posteriormente em uma sociedade comunista, isto é, excluindo totalmente a exploração entre

os indivíduos.

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Esse dilema é central para as várias áreas do conhecimento, como a filosofia, a

sociologia, a educação, a psicologia, a história, etc. Ainda seguindo na direção de Lessa e

Tonet (idem, ibdem), compreendemos que tais áreas “[…] oferecem uma resposta a esse

dilema, às vezes explicitamente, outras vezes de modo velado e sutil; às vezes com um

discurso aberto, outras vezes pretendendo ignorar o tema”.

A resposta conservadora argumenta que não há a possibilidade de superação da

exploração dos seres humanos, pois compactuam da ideia de que essa ação – “de exploração”

– faz parte da essência humana. Tal argumentação, conforme Lessa e Tonet (idem, p. 19), é

corroborada por intelectuais como, por exemplo, Heidegger, Habermas, Arendt, Bobbio,

Rawls, etc., que apesar de suas distintas compreensões no campo teórico-filosófico findam a

condescender da compreensão que as mudanças sociais são impossíveis de acontecer fora da

esfera do Estado. Nesse sentido, compreendemos que os intelectuais sobreditos direcionam

suas reflexões para a ideia de que “[…] o capitalismo, a democracia burguesa e o mercado são

as mediações insuperáveis da vida civilizada”.

No âmago das orientações de cunho pedagógico da Educação Física escolar também

encontramos teorias pedagógicas que apresentam elementos que contribuam unicamente para

a manutenção do status quo. Exaltando, por exemplo, “a construção de corpos saudáveis” em

proveito da exploração necessária na sociedade capitalista; apresentando elementos

pedagógicos que substanciam um (im)possível apaziguamento social, isto é, atrelando à

prática educativa as diversas facetas, filiações e interfaces oriundas dos modismos

(neo)construtivistas que deslocam a aprendizagem de cada indivíduo “para si mesmo”,

ausentando a transmissão de conhecimento por parte de outros indivíduos, conduzindo, assim,

a formação do indivíduo pelas vias da empiria e da pseudoconcreticidade.

Na psicologia essa resposta conservadora também é comum. Scalcon (2002), na

busca de expor os posicionamentos elaborados ao longo da história no cerne da psicologia,

efetiva uma análise – indo ao encontro das raízes de cunho teórico que a psicologia científica

originou e evoluiu – sobre a influência exercida pela psicologia no bojo da educação, no

sentido de explicitar as diferentes concepções de compreender “[…] tanto a relação homem-

mundo como as categorias de sujeito e objeto diante da possibilidade humana de

conhecimento” (idem, p. 18).

Perante essa análise a autora elencou as seguintes concepções de ordem filosófico-

epistemológica: o objetivismo, o subjetivismo, o interacionismo e a perspectiva histórico-

cultural. Essas concepções atuam impreterivelmente em uma das duas grandes características

totalmente antagônicas no que se refere ao seu “[…] caráter histórico e a-histórico, crítico e

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acrítico do modo como concebem o homem e seu desenvolvimento cognitivo no contexto em

que vive” (idem, ibdem).

Dentre essas características, as três primeiras concepções enunciadas – o

objetivismo, o subjetivismo e o interacionismo –, em nossa opinião, expõe, de maneira,

explícita ou implícita contribuições às respostas que se encaixam nos moldes conservadores

oriundos da sociedade hodierna, ou seja, tomam como objeto de conhecimento “[…] o

indivíduo empírico, abstrato, por meio do aparente, do que é sensível, em detrimento da

compreensão do indivíduo concreto, histórico” (FACCI; BARROCO; LEONARDO, 2009, p.

125).

Portanto, se mostra insuficiente para compreender a formação humana em sua

maneira omnilateral, não superando a pseudoconcreticidade tão comum na atual sociedade.

As argumentações dessas concepções não levam em consideração que “[…] todas as criações

humanas, sejam materiais ou espirituais, e estas últimas, por mais abstratas que nos pareçam,

decorrem das relações objetivas que estabelecemos com a realidade” (TULESKI, 2009b, p.

163).

No âmbito de compreender e explicitar as suas fundamentações no que tange a expor

uma reflexão sobre o desenvolvimento cognitivo do ser social, as concepções de cunho

psicológico, tais como o objetivismo, o subjetivismo e o interacionismo, “trilham” sob os

cânones da análise da relação entre a subjetividade e a objetividade e/ou a intersubjetividade

por via da lógica formal, isto é, por meio de uma exclusão dos polos opostos. Excluindo,

dessa forma, a lógica de compreender a materialidade dessa relação, ou seja, a lógica da

dialética, “[…] em que os pólos opostos não se excluem mas se incluem, determinando-se

reciprocamente” (SAVIANI, 2004, p. 26).

Fazemos essa reflexão sobre a impossibilidade de compreender a realidade concreta

seguindo os direcionamentos de um embasamento situado na lógica formal também no campo

da pedagogia. Atuando, então, cunhadas nas teorias da educação, como instrumento para

contribuir no apaziguamento social, isto é, em uma (im)possível equalização social; e/ou

atuando por meio do enfoque de expor que a educação escolar age de modo a subsumir o

indivíduo no ato da contribuição de sua formação, atrelando, assim, aos condicionantes de

uma discriminação social. Entretanto, essa última interpretação sobre a educação escolar não

oferece subsídios para uma superação desse processo de alienação e de estranhamento que os

indivíduos sobrevivem no emaranhado do atual modo de produção (SAVIANI, 2009).

Em suma, de maneira errônea, as concepções conservadoras – tanto no campo da

filosofia, da psicologia, da educação escolar, da Educação Física escolar, etc. – partem do

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princípio de “[…] que há uma essência humana que faz dos homens seres necessariamente

individualistas. Esta essência não poderia ser alterada pela história, o que impossibilitaria a

superação da forma da sociedade atual por uma outra sem classes e sem opressão” (LESSA;

TONET, 2009, p. 14).

Compartilhamos, evidentemente, com as argumentações que partem para uma

oposição da anterior, ou seja, partimos do pressuposto da afirmação dos revolucionários, pois

pontuam que não só é possível a transformação social como é necessária a emancipação

humana da atual sociedade. Almejando, então, uma sociedade em que não haja a distinção de

classes sociais, a oposição e interesses distintos entre os indivíduos, a proclamação de

princípios particulares, etc. (MARX; ENGELS, 2010).

Contudo, ao mesmo tempo em que há teorias que caminham pela criticidade, não

podemos colocar todas essas teorias críticas em um mesmo caminho e em uma mesma

maneira de intervenção, seja na educação em geral e/ou na educação escolar em particular.

Nesse sentido, cabe examinar atentamente os fundamentos e as proposições que tais teorias

possuem no que diz respeito à desfetichização dos elementos e das determinações utilizadas

no âmago da educação em geral e na educação escolar a respeito da reprodução da atual

sociedade.

Duarte (2013a), na apresentação da edição comemorativa da obra “A individualidade

para si: contribuição a uma teoria histórico-crítica da formação do indivíduo”, afirma que

tais teorias – isso se encaixa tanto para a educação como para as diversas áreas de

conhecimento e, portanto, no nosso enfoque, se encaixa na psicologia, na pedagogia e na

Educação Física escolar – por partirem de um posicionamento em comum não quer dizer que

não possuem complexas e grandes divergências relacionadas as suas teorias e as suas

maneiras de refletir e intervir na realidade concreta.

Por esse motivo, Duarte (idem, p. 02) explicita algumas indagações a serem feitas

que permitem compreender as distinções ou aproximações dessas teorias frente ao atual modo

de produção, ou seja, frente à reprodução das relações de dominação:

Quais são essas relações de dominação? Qual sua origem? Qual o papel da educação

em sua reprodução? Por meio de quais formas se realiza essa produção na educação

em geral e na educação escolar em particular? É possível realizar algo em educação

que contribua para a superação das relações sociais de dominação? Estas são, entre

outras, indagações a partir das quais as teorias críticas diferem uma das outras e não raro colidem entre si.

Dessa forma, ou melhor, por esse segmento, acreditamos que no campo da psicologia

e, ao mesmo tempo, na tentativa de apresentar direta ou indiretamente subsídios teóricos para

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151

a compreensão e a intervenção da educação escolar e, consequentemente, da Educação Física

escolar, aderimos aos pressupostos da psicologia histórico-cultural. A nosso ver, a psicologia

histórico-cultural consubstanciada pelo seu acúmulo teórico – que tem como principal

embasamento o materialismo histórico-dialético – pode ser apropriada como uma teoria – ou

uma área de conhecimento – de cunho revolucionário.

A psicologia histórico-cultural72

, formulada e difundida por Vigotski73

e por demais

psicólogos colaboradores, a exemplo de Luria e de Leontiev, “[…] defenderam que o estudo

do desenvolvimento social do psiquismo humano fosse o verdadeiro objeto da psicologia

científica” (MARTINS, 2013b, p. 02, itálicos no original).

Assim, ainda baseando-se na contribuição de Martins (idem, ibdem, itálicos nosso),

as reflexões efetivadas no seio da psicologia histórico-cultural “[…] não perderam de vista a

unidade contraditória entre as dimensões naturais e sociais, entre produto e processo, entre

objetividade e subjetividade etc., que faz da vida humana um contínuo processo de formação

e transformação”.

Os idealizadores da psicologia histórico-cultural dedicaram também seus estudos na

compreensão e na diferenciação do desenvolvimento humano e animal, esclarecendo, então,

que a especificidade do desenvolvimento humano se dá por meio do desenvolvimento de

propriedades que é desencadeado pela apropriação da cultura, tal como pudemos observar no

capítulo anterior do nosso estudo.

72 Como sabemos a psicologia histórico-cultural tem seu início nos estudos de Lev Semyonovitch Vigotski

(1896-1934). Com intuito de realizar um aprofundamento sobre a atividade psicológica humana, Vigotski,

juntamente com seus colaboradores Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev

(1903-1979) deram início a uma longa e profunda discussão para a formulação de uma nova psicologia baseada principalmente nos preceitos do materialismo histórico-dialético. A psicologia histórico-cultural parte da

premissa de que o desenvolvimento humano é impreterivelmente histórico-social, defendendo: “[…]

rigorosamente propostas de humanização e transformação de práticas sociais com vistas ao pleno

desenvolvimento das funções psicológicas superiores que compõem a consciência […]” e; que a reflexão deve

ser realizada sobre a formação histórica e social do ser social e a “[…] sua vinculação com o processo de

escolarização, tendo como norte a defesa da apropriação dos conhecimentos científicos como instrumentos para

a análise da realidade objetiva […]” (TULESKI; FACCI; BARROCO, 2013, p. 281).

73 Seguiremos a mesma diretriz de Serrão (2006, p. 91, itálicos nosso) em relação à forma adotada na

nomenclatura Vigotski. Pois, “Muitas são as formas de escrita do nome desse autor de origem russa, devido

principalmente aos procedimentos de transliteração do alfabeto cirílico para o ocidental. Assim, neste texto será assumida a grafia utilizada nas recentes publicações desse autor traduzidas diretamente de sua língua natal para o

português, ou seja, ‘Vigotski’. Entretanto, quando se fizer necessária alguma referência bibliográfica desse autor

em outra língua ou tradução de outra língua, manter-se-á a grafia que consta em tais publicações”.

Também deixamos exposto que a compreensão e a interpretação de que temos sobre a contribuição vigotskiana,

é que a mesma está fundamentada nos preceitos do materialismo histórico-dialético. Ao contrário de algumas

leituras equivocadas que efetiva aproximações de Vigotski com o construtivismo e com as teorizações pós-

modernas. Para isso, sugerimos textos que efetivam uma crítica a essa colocação indevida da obra vigotskiana

em condicionantes conservadores, a citar: Duarte (2006); Facci (2009; 2011); Prestes (2012); Tuleski (2009a).

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152

Com isso, observamos o salto qualitativo sob a orientação histórico-ontológica

marxiana da psicologia histórico-cultural das demais formas de compreensão da consciência

humana. Esse salto ocorre, principalmente, pelo fato de que o posicionamento teórico oriundo

da “Escola de Vigotski” se afasta da compreensão naturalizante da consciência humana, ou

seja, considera-se

que o desenvolvimento das funções psíquicas é condicionado pelas apropriações

culturais, sob condições históricas nas quais elas não são disponibilizadas equitativamente entre os indivíduos, a análise do desenvolvimento psíquico deve

reconhecer a propriedade da análise das condições objetivas nas quais ele ocorre, no

que se inclui a própria condição escolar (idem, p. 09).

Na busca de ser fidedigno com as orientações marxiana, de acordo com Martins

(2013b), Vigotski utilizou em suas pesquisas o método histórico, ressaltando que o objeto da

psicologia científica não deveria ser o psiquismo ou as funções psíquicas, mas sim o

desenvolvimento de tais elementos.

Por conseguinte, o autor colocou no centro de suas investigações e proposições o

método materialista dialético, segundo o qual cada fenômeno ou objeto deve ser

captado naquilo que congrega não apenas em seu estado atual, em suas

manifestações fenomênicas circunstancias, mas, especialmente, naquilo que revela o

curso de sua formação, as linhas que regem seu desenvolvimento (idem, p. 10-11).

Aceitamos os desdobramentos elencados pela psicologia histórico-cultural e, dessa

maneira, compreendemos que esta contribui imensamente como um dos fundamentos

necessários para a reflexão, a organização e a intervenção no campo educacional.

Consideramos, com base na perspectiva da psicologia histórico-cultural, que a educação

escolar e, portanto, a Educação Física escolar são relevantes meios em proveito do

desenvolvimento dos indivíduos sob a égide histórica e social, em um ponto de vista crítico

frente à atual realidade social. Ou seja, de acordo com Delari Jr. (2013, p. 45), “[…] o valor

fundamental para a psicologia histórico-cultural é a própria humanidade. Contudo, não se

trata de um humanismo ingênuo, nem liberal, mas crítico de raiz marxista”. 74

Destarte, ainda seguindo a orientações de Delari Jr. (idem, p. 46), na especificidade

da psicologia histórico-cultural e, mais especificamente, nas produções mais radicais de

Vigotski encontram-se desdobramentos no que tange a abordar determinações em relação aos

“[…] campos da educação, da saúde mental e de todo engajamento da ciência na luta de

74 Facci, Barroco e Leonardo (2009, p.107), afirmam que a psicologia histórico-cultural, “[…] fundamentada no

marxismo, pode esclarecer a concepção de como o homem se constitui como tal, de como produz elaborações

materiais e não materiais e de como estas se voltam a ele, incidindo em sua humanização”. Em síntese, por esses

embasamentos – materialismo histórico-dialético e a psicologia histórico-cultural – teóricos podemos nos

aprofundar no âmbito do modo de produção atual e, simultaneamente, no bojo da cultura hodierna.

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153

classes”. Concebendo no âmbito da prática pedagógica uma contribuição para explicitar as

ações pedagógicas no sentido da “[…] transmissão/apropriação da cultura nas relações sociais

das novas gerações com suas predecessoras”.

Por tais recomendações, Delari Jr. (idem), assim como Duarte (2013c), nos alertam

para compreender os fundamentos da psicologia, no nosso caso, da psicologia histórico-

cultural, como apenas um dos conhecimentos necessários para compor a educação, não

conferindo ser nem o único e nem o principal conhecimento arrematador de todas as

fundamentações, as reflexões e as intervenções.

Estaremos, então, refletindo sobre a Educação Física escolar, no sentido do seu

objeto de conhecimento e da sua prática pedagógica, considerando e caracterizando “[…] o

conhecimento em suas múltiplas dimensões, como produto da atividade humana. […] em

cada conceito está encarnado o processo sócio-histórico de sua produção” (RIGON,

ASBAHR, MORETTI, 2010, p. 24).

Nesse sentido estaremos refletindo na tentativa de conciliar a psicologia histórico-

cultural no seio da prática pedagógica na Educação Física, partindo do pressuposto de que

A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da

atividade psicológica tendo como base as operações com signos. Os processos

psicológicos, tal como aparecem nos animais, realmente deixam de existir, são

incorporados nesse sistema de comportamento e são culturalmente reconstituídos e

desenvolvidos para formar uma nova entidade psicológica. […]

A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do

salto quantitativo da psicologia animal para a psicologia humana (VIGOTSKI,

2012, p. 58, itálicos nosso).

Consequentemente, afirmamos, novamente, a interseção entre a psicologia histórico-

cultural e a pedagogia histórico-crítica. Portanto, como mencionamos anteriormente, a

questão levantada por Delari Jr. (2013) e Duarte (2013c), a psicologia histórico-cultural trata-

se de um dos elementos necessários para refletirmos e intervirmos sobre a prática pedagógica

no seio da educação escolar e também da Educação Física escolar.

Dessa forma, há a necessidade de outros elementos que podem contribuir para a

concreta efetivação da prática pedagógica. Um desses elementos são os fundamentos da

pedagogia, no nosso caso, os fundamentos da pedagogia histórico-crítica.

Parafraseando Della Fonte (2011) no sentido de explicitarmos a nossa compreensão

dos fundamentos da pedagogia histórico-crítica, mencionamos que essa pedagogia apresenta

elementos que nos faz compreender que “a realidade existe e é cognoscível”. Dessa

afirmativa, sob orientações de Della Fonte (idem, p. 36, itálicos nossos e no original,

respectivamente), mencionamos as seguintes proposições à luz da pedagogia histórico-crítica:

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154

Tendo em vista a luta pela socialização da riqueza material e simbólica que o ser

humano produziu e acumulou historicamente, cabe-nos, como intelectuais, por um

lado, realizar uma crítica ácida à escola e aos seus mecanismos de privatização do

conhecimento e de reprodução da lógica social vigente; por outro, potencializar as

fissuras e contradições que permeiam essa instituição e a tornam também espaço de

conflito.

A luta política pela valorização da escola e pelo acirramento das tensões que ela vive

passa pela afirmação de um projeto de formação humana omnilateral, entendido

como a apropriação ativa do patrimônio cultural pelo indivíduo no processo de

autofazer-se membro do gênero humano. […] trata-se de defender a função

mediadora que a escola exerce entre o conhecimento espontâneo e as formas culturais elaboradas (SAVIANI, 1991), entre a particularidade do indivíduo e a

universalidade do gênero, entre a existência em-si e a para-si.

São essas contextualizações que pretendemos aprofundar neste capítulo. Na busca de

estudar e explicitar: 1) a concepção de desenvolvimento humano, conforme os pressupostos e

fundamentos da psicologia histórico-cultural. Buscando compreender a unidade que existe

entre matéria-ideia ou material-ideal, ou seja, o metabolismo do indivíduo sob as condições

postas pela natureza; 2) os princípios e os fundamentos disponibilizados pela pedagogia

histórico-crítica para compreendermos os elementos necessários para contribuir para a prática

pedagógica da Educação Física; 3) por fim, efetivaremos uma reflexão sobre a Educação

Física escolar sob os preceitos do tripé: materialismo histórico-dialético, psicologia histórico-

cultural e pedagogia histórico-crítica.

Tendo como intuito contribuir para uma prática pedagógica, levando em

consideração a cultura corporal como o objeto de conhecimento da Educação Física e

apresentando possíveis desdobramentos teórico-metodológicos que possam contribuir para a

formação omnilateral do ser humano e, assim, vislumbrar e interceder para um projeto

histórico superador.

3.1 Concepção de desenvolvimento humano para a psicologia histórico-cultural: o ser

humano em atividade

A discussão sobre a concepção do desenvolvimento humano no decorrer do tempo

foi e vem sendo compreendida de diversas maneiras distintas. Cunhando desde os

pressupostos “naturalizantes” até as perspectivas que compreendem a formação humana sob

as circunstâncias histórica, cultural e social, atrelando o indivíduo como ativo nessa relação

com a natureza e a sociedade, no qual reside. Dessa maneira, se obtém diversas indagações

para responder a perguntas que, em um primeiro momento, possa soar de maneira simples,

mas que certamente possuem um alto grau de complexidade, como por exemplo: Como o

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155

homem se torna realmente homem? O homem nasce humano? O homem é “naturalmente”

humano?

Não iremos neste estudo nos deter a explicitar as várias concepções que existem para

compreender a relação do desenvolvimento humano. Temos como objetivo aprofundar a

concepção fundamentada pela teoria da psicologia histórico-cultural, no intento de conceber a

formação humana por uma lógica dialética, via as formulações encontradas no materialismo

histórico-dialético.

Vigotski, na busca por colocar em questão essas “múltiplas” reflexões e

fundamentações sobre a psicologia, apresenta a seguinte indagação:

O que é que têm em comum todos os fatos que a psicologia estuda, o que é que converte os fenômenos mais diversos em fatos psíquicos – desde a salivação dos

cachorros até o prazer pela tragédia – o que têm em comum os devaneios de um

louco e os rigorosíssimos cálculos de matemático? A psicologia tradicional

responde: o que têm em comum é que todos eles são fenômenos psíquicos, que não

se desenvolvem no espaço e só são acessíveis à percepção do sujeito que os vive. A

reflexologia responde: o que têm em comum é que todos esses fenômenos são fatos

de comportamento, processos correlativos de atividade, reflexos, atos de resposta do

organismo. Os psicanalistas dizem: o que há de comum a todos esses fatos, o mais

primário, o que os une e constitui sua base é o inconsciente. Portanto, essas três

respostas estabelecem três significados distintos da psicologia geral, a que definem

como ciência: 1) do psíquico e suas propriedades; 2) do comportamento ou, 3) do

inconsciente (VYGOTSKI, 1997 apud MARTINS, 2013b, p. 18).

Posicionamo-nos, então, sob a luz do enfoque vigotskiano e, assim, da psicologia

histórico-cultural, para afirmar e asseverar que a única contribuição que a psicologia pode

oferecer no sentido de compreender os fenômenos psíquicos é por meio de uma raiz histórica

e dialética.

Segundo Davydov e Zinchenko (1994), para Vigotski75

a compreensão da mente

humana – do psiquismo humano – não poderia se dar por uma abordagem leviana, elencando

elementos apenas biológicos. Ele defendia e preconizava a apropriação dos fundamentos da

psicologia pelo método formal de Marx, levando em consideração as implicações da

construção de uma ciência e como se podia estudar os desdobramentos da mente humana, do

psiquismo humano.

75 Davydov e Zinchenko (1994, p. 151-152, itálicos nosso) afirmam que Vigotski “Trabalhou nas mais variadas

áreas da psicologia: escreveu trabalhos geniais sobre metodologia e história da psicologia; sobre psicologia geral,

educacional e do desenvolvimento; sobre psicologia da arte; sobre psicologia do desenvolvimento anormal; e

sobre neurologia clínica […]. Mas uma área em que se concentrava seu interesse científico: o desenvolvimento

da consciência humana, o desenvolvimento da mente humana. Vygotsky criou uma teoria fundamental do

desenvolvimento da mente humana que ainda tem significado prático importante para a educação de crianças e a

educação em geral”.

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156

Para Martins (2013b, p.18, itálicos no original), Vigotski, contrapondo a maneira a-

dialética e anistórica da psicologia como ciência, edificou a psicologia histórico-cultural.

“Para essa edificação, o autor postulou a necessidade de a psicologia superar-se como ciência

multifacetada, ou resolver sua crise e, para tanto, defendeu como premissa a formulação de

uma psicologia geral, tendo como base o materialismo dialético”.

Levando em consideração esses apontamentos em relação ao método utilizado por

Vigotski e seus colaboradores, passamos a apresentar a sua concepção de desenvolvimento

humano. Tomaremos como base para esse estudo, principalmente, uma recente e contundente

obra intitulada “O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz

da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica”, da autora e pesquisadora

Lígia M. Martins (2013b).

Adentrando na concepção de desenvolvimento humano seguindo as orientações da

“Escola de Vigotski”, tomamos como ponto de início: a compreensão do desenvolvimento do

psiquismo humano. Afirmamos, desde então, em conformidade com Martins (idem), que o

processo de desenvolvimento do psiquismo humano ocorre por meio de elementos e de

determinações que estão alocados na cultura histórica e socialmente desenvolvida pela

atividade vital do ser social, ou seja, pelo trabalho.

Concordamos com Martins (idem) que, seguindo a orientação filosófica do

materialismo histórico-dialético e psicológica da psicologia histórico-cultural, o psiquismo

humano se traduz pela imagem subjetiva do real no seio do acúmulo produzido historicamente

e, deste modo, disponível na existência social. Entretanto, para aprofundarmos esse

posicionamento, direcionamos, primeiramente, para a discussão sobre a evolução do

psiquismo humano influenciado, eminentemente, pela cultura.

Afirmamos que a evolução do psiquismo humano se dá pela capacidade que o

organismo do ser humano tem em se complexificar mediante o auxílio dos seus órgãos

funcionais vitais que, por sua vez, tiveram como função efetivar o intercâmbio dos

condicionantes anatomofisiológicos do ser humano.

O desenvolvimento do cérebro, por exemplo, “[…] insere-se nesse trânsito evolutivo

como resultado da complexificação da matéria viva altamente organizada, por determinação

do confronto entre o ser e a natureza” (idem, p. 19-20). Há de se destacar, novamente, a

atividade como um importante elemento nesse processo de evolução. Tomamos,

consequentemente, essa categoria como primordial/central na formação e no desenvolvimento

psíquico do ser humano.

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157

Para conseguirmos dissertar sobre a atividade, partimos do pressuposto da ligação

direta e indissociável entre essa categoria e a categoria trabalho. O trabalho ocorre “[…] como

processo que exige a prévia construção da imagem mental do resultado a ser por ele

alcançado, que exige a consciência de uma finalidade, gerou transformações psíquicas

radicais que se tornaram possíveis graças ao desenvolvimento dos recursos externos […]”

(DUARTE; MARTINS, 2013, p. 56, itálicos nosso).

Atividade, por sua vez, seguindo a psicologia histórico-cultural, é uma estrutura

(cadeia) de ações engendradas por motivos que condicionam as finalidades. Dessa forma,

concebemos que a análise da atividade se dá pelo aspecto estrutural – atividade, operação e

ação – e pelo processo psicodinâmico – motivo, finalidade e condição objetiva. A atividade

ocorre, portanto, na relação do ser humano com a natureza, ou seja, com o mundo objetivo e,

ao mesmo tempo, transforma-o em uma realidade subjetiva, isto é, em uma imagem subjetiva

do real.

Martins (2013a) baseada em Leontiev76

analisa a atividade tendo em seu fundamento

principal o caráter ontológico da categoria trabalho, o qual permite que o ser humano tenha

condições objetivas de se humanizar, enfim, de se tornar realmente humano. Relembramos,

novamente, o processo dialético entre objetivação e apropriação do indivíduo (DUARTE,

2013a) para podermos afirmar que a produção da existência humana ocorreu de forma lenta,

gradativa e altamente complexa. Essa produção foi, portanto, se complexificando e, assim,

modificando-se por meio das necessidades encontradas pelo ser humano na natureza e nas

suas formas de conseguir sanar tais necessidades.

Daí inicia-se a construção de objetos/instrumentos e de procedimentos que são

apropriados pelos seres humanos com o intuito de haver um acervo de condições materiais e

espirituais, a fim de suprir as necessidades recorrentes na história dos indivíduos. Entretanto,

a partir do momento em que é sanada uma necessidade surgem outras, por sua vez, mais

76 Pautamos que Leontiev (1978a; 1978b) foi um dos autores da psicologia histórico-cultural que aprofundou os

estudos sobre a categoria atividade, formulando, assim, a Teoria da Atividade. Por tal questão, surgiu e ainda se

faz presente controvérsias que apontam para um distanciamento ou não entre a produção de Vigotski e a

produção de Leontiev. Obviamente essa discussão não está no estofo do nosso estudo, no entanto, compreendemos que se faz necessário afirmar que o nosso posicionamento é de que tanto a produção de Vigotski

como a produção de Leontiev estão inseridos no acúmulo teórico da psicologia histórico-cultural. Sendo assim,

fazemos o seguinte esclarecimento, seguindo o posicionamento de Sforni (2004, p. 11-113): “Segundo Wertsch

(1995), havia um debate aberto na antiga URSS acerca de até que ponto a teoria da atividade de Leontiev estende

ou distorce as idéias básicas de Vygotsky. Para Zinchenko (1998), a Psicologia histórico-cultural e a teoria

psicológica da atividade são dois paradigmas científicos, duas linhas de pesquisa dentro de uma mesma escola,

uma tendo como unidade de análise o signo, outra a atividade. Colegas de Vygotsky insistem em que a maioria

das raízes essências da teoria da atividade pode ser encontrada nos próprios escritos de Vygotsky, e que,

possivelmente, ele mesmo chegaria a formulá-la se tivesse vivido por mais anos”.

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complexas e que exigem a apropriação de novos meios, de objetos/instrumentos e de

procedimentos.

No que se refere a estrutura da atividade expomos, primeiramente, a ação. Uma ação

é sempre um processo, no qual o motivo não se equipara com o seu objeto, ou seja, aquilo que

o indivíduo visa (põe como finalidade), pelo fato de estar inserido em uma atividade. Mas

Serrão (2006, p. 110) alerta que “[…] é necessário que o sujeito perceba o objetivo da ação e

o relacione com o da ‘atividade’ […]”. Ademais, “[…] o sentido da ação muda de ‘atividade’

para a ‘atividade’”.

A ação é sempre efetivada pelos indivíduos, sendo que pode ser externa ou interna ao

indivíduo que executa a atividade, pode ser individual ou coletiva, entretanto, a sua dimensão

será sempre social, cultural. “[…] mesmo quando um sujeito estiver realizando ações,

aparentemente sozinho, estará interagindo com outros pela mediação dos produtos culturais

materiais ou dos instrumentos simbólicos internalizados que compõem o seu ‘próprio’ acervo

psicológico, que é social, cultural” (idem, ibidem).

Outro elemento que estrutura a atividade são as operações. Não há a possibilidade de

compreender a atividade distante das ações que a preconizam, e tampouco se pode

compreender as ações sem mencionar e atribuir a função correta das operações. Segundo

Martins (2013a, p. 05), “As operações compreendem os procedimentos requeridos à

realização da ação, subordinando-se às condições objetivas que lhes conferem sustentação”.

As operações, portanto, atuam no sentido de apresentar maneiras de efetivar dada ação,

perante algumas condições específicas.

Quanto ao processo psicodinâmico, afirmamos que ocorre o estímulo/impulso

primário da atividade, uma vez que apenas como produto da relação sujeito – objeto

(sic.) a realidade concreta passa a orientar e dirigir a inserção do indivíduo nela.

Nesse processo reside o elemento matricial do conceito de motivo, concebido como gênese da atividade humana (idem, p. 03, itálicos nossos).

Mas, o que é o motivo? Por que esse elemento se caracteriza como a gênese da

atividade? O motivo se dá no bojo da atividade por meio de uma unidade entre a necessidade

e o objeto que tem a capacidade de atender essa necessidade. Para Leontiev (1978a, p. 82,

itálicos no original), “[…] o conceito de atividade está necessariamente unido ao conceito de

motivo. Não há atividade sem motivo; a atividade ‘não motivada’ não é uma atividade carente

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159

de motivo, senão uma atividade com um motivo subjetivo e objetivamente oculto”. 77

Porém,

ressaltamos que necessidade e motivo não são sinônimos.

O motivo, na sua especificidade, é a principal estrutura da atividade, é o mesmo que

“faz movimentar” a atividade. Ou seja, o motivo é uma síntese da necessidade do ser humano

com o objeto/procedimento e que, por meio da sua ação, consegue suprir as necessidades

elencadas por ele mesmo. Em síntese, o motivo “[…] coloca as condições objetivas de vida

dos indivíduos como lastro da construção de sua própria maneira de ser […]” (MARTINS,

2013a, p. 04).

Já a necessidade é a primeira condição para que haja atividade e seus

desdobramentos. Entretanto, esse elemento não pressupõe e nem determina a orientação

concreta da atividade, pois essa orientação apenas ocorrerá por meio do objeto da atividade.

E, assim, a necessidade tem a capacidade de se “objetivar no objeto” (LEONTIEV, 1978b).

As necessidades “[…] se manifestam em desejos e tendências, mas, segundo Leontiev […], é

preciso que haja condições determinadas para que estes se concretizem e se direcionem a um

fim, um objetivo que estimule a pessoa a agir numa direção específica” (SERRÃO, 2006, p.

106).

Não deixando de lado o caráter ontológico do trabalho e, por meio dele, a

possibilidade de uma constante complexificação da atividade, eis que podemos avaliar a

atividade como um conjunto de ações que englobam ações singulares e ações sociais que

atuam de maneira indissociável. Essas ações, como elementos da atividade do ser humano,

são definidas “[…] diretamente por suas finalidades específicas e indiretamente pelos motivos

da atividade que interagem”. A relação entre o motivo e a ação da atividade é estabelecida da

seguinte forma: “Entre motivo da atividade (seu ‘porque’) e finalidade da ação (seu ‘para

que’) se estabelece uma relação de condicionabilidade recíproca, na qual radica a dinâmica

entre a atividade e as ações que a estruturam”. Entretanto, o ser humano inserido atualmente

no modo de produção capitalista está sob os “domínios” da alienação, e esta categoria incide

no sentido de romper a unidade motivo da atividade e a finalidade da ação (MARTINS,

2013a, p. 04-05). 78

77 Na versão do espanhol do original russo lê-se: “[…] el concepto de actividad está necesariamente unido al

concepto de motivo. No hay actividad sin motivo; la actividad ‘no motivada’ no es una actividad carente de

motivo, sino uma actividad com um motivo subjetiva y objetivamente oculto” (LEONTIEV, 1978a, p. 82,

itálicos no original).

78 Sobre a categoria alienação, já efetivamos apontamentos na primeira parte do segundo capítulo desse estudo,

no entanto, indicamos a leitura dos estudos de Duarte (2004; 2013a), Leontiev (1978b) e Martins (2011a).

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Tais elementos supracitados são as estruturas e o processo psicodinâmico que ocorre

no cerne da atividade. Cada elemento desempenha um papel fundante para que a atividade

possa acontecer de maneira coesa e completa. Em síntese, a atividade assume, de acordo com

as produções teóricas da psicologia histórico-cultural, uma importante função no

desenvolvimento psíquico humano, sobretudo, por se caracterizar pelas seguintes afirmações:

a) a atividade é analisada por vários níveis, diferenciando-se das ações e operações,

elementos que a constituem e caracterizam as especificidades de cada atividade desenvolvida pelo indivíduo;

b) a atividade é composta por necessidades, objetivos, motivos, condições, objeto,

ações e operações;

c) a atividade ocorre sempre pela mediação, por instrumentos materiais e

psicológicos, destacando-se, entre eles, a supremacia dos signos;

d) a atividade proporciona a formação do processo de significação e o

compartilhamento de significados;

e) a atividade sempre tem um sentido (pessoal) para o sujeito que a realiza;

f) a atividade promove o desenvolvimento humano, especialmente a formação dos

processos psicológicos superiores;

g) a atividade desenvolve-se pelas interações sociais, pelas relações entre adultos e crianças, entre adultos e entre as próprias crianças;

h) a atividade humana é eminentemente social e cultural, sendo que seu

desenvolvimento promove os processos de interiorização e apropriação,

fundamentais para a constituição do ser humano (idem, p. 115, itálicos nosso).

Obviamente, não esgotamos a discussão sobre a estrutura e o processo psicodinâmico

da atividade, pois a compreendemos como uma categoria complexa e, dessa maneira, de suma

importância no que se refere ao entendimento da formação e do desenvolvimento psíquico do

ser humano e, em última análise, da formação humana. Em relação ainda à estrutura da

atividade e sua contribuição com o desenvolvimento psíquico, Martins (2013a, p. 05, itálicos

nosso) realiza a seguinte ponderação:

a estrutura da atividade demanda que o sujeito da ação possa refletir psiquicamente as relações entre necessidades, ações em seus fins específicos e as operações que

garantam a consecução dos mesmos, ou por outra, as ligações entre as finalidades

das ações, os motivos da atividade que integram e as condições concretas de sua

realização. Para que essas relações se estabeleçam, há que se instituir, do ponto de

vista psíquico, um sistema apto a garantir que tais conexões, originadas nas ações

concretas, se conservem sob a forma de ideias. Há que se instituir, portanto, a

consciência.

Levando em consideração que o indivíduo, ao apropriar-se do processo de gênero

humano, realiza um salto qualitativo em que não depende mais da sua adaptação natural ao

meio e, nesse salto, adquiriu possibilidades mais complexas no seu contato e transformação da

natureza. Portanto, por essa evolução do ser humano que, no bojo da sua atividade de

trabalho, principalmente pela interação constante entre as mãos, o cérebro e a linguagem,

houve um aperfeiçoamento, em um sentido anatomofisiológico, do córtex cerebral que

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possibilitou “[…] um modo de relação entre homem e suas condições de existência marcado

em definitivo pela mediação da consciência” (MARTINS, 2013b, p. 28, itálicos nosso).

Consciência é um sistema de conhecimento que, por sua vez, é o universo simbólico

que ocorre pela representação semântica da realidade, no qual Vigotski intitulou de signos.

Segundo Martins (2013a, p. 05)

a consciência representa um sistema de conhecimentos pelo qual os fenômenos

podem ser captados no complexo de relações que os sustentam e que, orientando o ser na realidade, viabilizem a atividade como encadeamento de ações. Suas origens

remontam à captação sensorial ativa dos objetos e fenômenos, pela qual se institui o

‘reflexo psíquico’ dos mesmos sob a forma de ideias, de conceitos e juízos. Como

resultado do pareamento entre as representações e as palavras da linguagem, a

consciência se estrutura, e a atividade mediada por ela se liberta dos ditames da

relação sensorial imediata entre sujeito e objeto.

A consciência é, portanto, uma categoria inerente do ser humano e tem como

capacidade realizar a atividade abstrata, teórica e subjetiva. Efetivando, assim, uma

possibilidade concreta no avanço do ser humano frente às “barreiras” naturais, para que ele

possa atuar no sentindo de transformá-la em seu benefício. Ontologicamente, concebemos que

é por essa possibilidade que o ser humano orgânico se perpetua como um ser humano social.

Nesse viés, avaliamos que a consciência é a “expressão ideal do psiquismo”; tem-se,

nesse momento, a possibilidade de haver a existência objetivada em uma imagem idealizada

psíquica, isto é, tem-se um reflexo79

da realidade concreta pela ideia que a consciência

constrói perante essa realidade concreta/objetivada. “Para Vygotsky, a determinação da

consciência individual segue este esquema: atividade social coletivo – cultura-signos-

atividade individual – consciência individual” (DAVYDOV; ZINCHENKO, 1994, p. 164,

itálicos nosso).

Ainda sobre a consciência, a compreendemos como um ato psíquico realizado pelo

ser humano e é, simultaneamente, influenciado pelas relações sociais com os demais seres

humanos e com o mundo circundante. O psiquismo, nesse sentido, se desenvolve e atua por

duas determinações: a) de maneira objetiva, manifestando-se pela atividade; b) de maneira

subjetiva, manifestando-se por meio da imagem/expressão do real, isto é, pela consciência.

Atividade e consciência para a teoria que fundamenta a psicologia histórico-cultural

são as categorias essenciais para o psiquismo humano. Por conseguinte, “[…] afirmar unidade

entre atividade e consciência implica conceber o psiquismo humano como um processo no

79 Compreendemos que “O reflexo representa a faculdade de uma formação material reagir de uma maneira

determinada, sob a influência de uma outra a formação material, e, através das modificações correspondentes de

certas propriedades ou estados , a faculdade de representar ou de reproduzir as particularidades desta outra

formação material”.

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162

qual a atividade condiciona a formação da consciência e esta, por sua vez, a regula” 80

(MARTINS, 2013b, p. 29, itálicos nosso). Por essa afirmação, posicionamos que a atividade

prática ocorre de maneira primária, concebendo a posteriori a atividade mental (interna).

No entanto, temos que ter uma compreensão dialética entre essas atividades para que

consigamos analisá-las de maneira concreta e totalizante. É na relação dialética entre “[…]

atividade individual, externa e interna, e atividade social (ou coletiva) […]” que o processo de

internalização ocorre. Isto é, por meio da transmutação “[…] dos processos interpsíquicos em

processos intrapsíquicos”. Nesse sentido, “[…] a internalização, por sua vez, ocorre por meio

da apropriação dos signos, que são, segundo Vigotski, os mediadores semióticos das relações

dos homens com a cultura humana e, consequentemente, constituintes centrais do

desenvolvimento psíquico” (idem, p. 30, itálicos no original).

De acordo com Davydov e Zinchenko (1994, p. 163), “Vygotsky determina

internalização a transição da realização conjunta de uma atividade para a realização

individual. As novas funções mentais ou as novas estruturas nascem e tomam forma na

pessoa, pela primeira vez, nesse processo”. 81

Sinteticamente, concluímos que o psiquismo humano se desenvolve pela interação

que ocorre na unidade material-ideal (objetivo-subjetivo) no seio da atividade humana.

Tratamos o psiquismo “[…] como um fenômeno que comporta a subjetivação do objetivo e a

objetivação do subjetivado, isto é, a dinâmica apropriação/objetivação […]” (DUARTE;

MARTINS, 2013, p. 54). Portanto, o psiquismo humano, como a imagem subjetiva do real,

tem a capacidade de se desenvolver somente no âmbito social, por meio da relação dialética

entre objetivação e apropriação por parte dos indivíduos.

Essa conclusão imbrica em uma complexa compreensão, metodológica, da

explicação sobre o processo de captação da imagem subjetiva do real por parte dos

indivíduos. Utilizando os preceitos marxianos, entendemos que a existência de todos os

objetos e de todos os fenômenos ocorre, primeiramente, de maneira objetivada e, com isso,

independe de quaisquer objeções subjetivas dos indivíduos.

O ser humano, porém, tem a capacidade de captar/refletir essa imagem do real. Dessa

forma, avaliamos que as questões abstratas, teóricas, subjetivas se instituem, apenas, pelos

condicionantes sociais e práticos. Essa dinâmica sobre o reflexo da imagem do real é

80

Por meio dessa unidade é que Marx inaugura e aprofunda a categoria práxis, por exemplo.

81 Retornaremos a discussão sobre o processo de internalização no terceiro momento desse capítulo, buscando

refletir sobre a função do professor como um portador de signos que, por sua vez, deve transmitir os mesmos na

sua forma mais elaborada e complexa, tendo uma estratégia didático-metodológica, a fim de que os alunos

possam apropriá-los.

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concebida pelos pressupostos do materialismo histórico-dialético com um posicionamento

realista e objetivista. Nas palavras de Saviani (2012c, p. 63):

estamos diante de uma concepção claramente realista, em termos ontológicos, e

objetivista, em termos gnosiológicos. Assenta-se, portanto, em duas premissas

fundamentais:

1) as coisas existem independentemente do pensamento, com o corolário: é a

realidade que determina as ideias e não ao contrário; 2) a realidade é cognoscível, com o corolário: o ato de conhecer é criativo não

enquanto produção do próprio objeto de conhecimento, mas enquanto produção das

categorias que permitam a reprodução, em pensamento, do objeto que se busca

conhecer.

Não iremos exaurir essa discussão complexa neste estudo, tivemos como objetivo

explicitar, brevemente, como ocorre essa determinação do psiquismo humano como imagem

subjetiva do real. E, com isso, acrescentar, nesse momento, que o pensamento pode ser

compreendida, com base nos argumentos supracitados, como uma expressão psíquica

complexa que ocorre por meio de um “[…] processo produtivo, plasmado nas ideias, nos

conceitos, juízos, projetos e objetivos que orientam a atividade humana ao mesmo tempo em

que a ela se subordinam” (MARTINS, 2013b, p. 33).

Adotando um dos postulantes misters do materialismo histórico-dialético,

enfatizamos, novamente, a necessidade da compreensão de que apenas na prática82

(na

materialidade) é possível compreender, analisar, intervir e transformar um dado objeto da

natureza. Somente pela condição prática tem-se a possibilidade do indivíduo produzir a

demanda necessária para a sua sobrevivência.

Por meio dessa ação prática é que se inclui todo o desenvolvimento de propriedades

do indivíduo, seja em termos físicos como em termos espirituais/psíquicos. Sobre a condição

das propriedades oriundas do pensamento no que se refere à reprodução teórica do real,

expomos a seguinte indicação de Martins (idem, ibidem, itálicos no original), que por sua vez

se baseia no filósofo Iliénkov:

82 Partimos do pressuposto de que prática não significa ações do sujeito particular. A prática que compreendemos

é a prática social construída pelo conjunto dos homens no decorrer de sua história, ou seja, no decorrer da

existência humana. Indicamos os estudos de Oliveira (2005) e Martins (2005), no qual as autoras realizam uma

reflexão sobre o singular-particular-universal, apontando, assim, um posicionamento materialista, histórico e dialético, a cerca da formação humana no bojo da prática social. Em nota ilustrativa, explicitamos a seguinte

argumentação: “(…) Marx fundamenta a construção do conhecimento na dialética entre singularidade,

particularidade e universalidade expressa em todos os fenômenos, dentre os quais se incluem o homem e o

próprio pensamento. (…) o particular representa para o materialismo dialético a expressão lógica das categorias

de mediação entre os homens singulares e a sociedade. A sociedade, porém, não é uma abstração em face do

indivíduo, tendo em vista que este é um ser social (o singular é universal), sendo portanto a própria manifestação

e afirmação da vida social (o universal se manifesta no singular). A vida social e a vida genérica não são

distintas, ainda que a vida individual possa expressar sua genericidade de modo mais particular ou mais geral, e a

vida genérica seja mais particular ou mais geral vida individual” (MARTINS, 2005, p. 118-119, itálicos nosso).

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164

partindo do preceito metodológico marxiano de ascensão do abstrato ao concreto,

considerou que a conversão do real em conceito, isto é, a redução da universalidade

concreta da realidade em expressão conceitual, abreviada, não é meramente a

condição prévia de assimilação do mundo, mas, sobretudo, o aspecto decisivo de

estruturação da atividade teórico-prática , de tal forma que o processo teórico que

visa o conhecimento concreto deva ser, em todas as suas etapas, também um

processo de redução do concreto ao abstrato.

Tal posicionamento nos mostra a necessidade e, ao mesmo tempo, a inconsistência

de inúmeras teorizações que se incumbiram de apresentar elementos para a compreensão da

realidade. Mostra-se a necessidade de ter que ir para além da artificialidade, da compreensão

empírica, isto é, da pseudoconcreticidade. Concebendo, desse modo, que a existência do real

– dos fenômenos, dos objetos, etc. – existem independentemente da consciência do ser social.

A possibilidade do indivíduo se dá, portanto, na sua capacidade de refletir, ou seja,

de captar a imagem do real em sua consciência. Esse reflexo atua não simplesmente na

captação da imagem de um objeto, mas efetiva a conversão dessa captação em uma imagem

cognitiva. Em outras palavras, essa captação é convertida em um conceito.

Por meio dessa discussão, via o materialismo histórico-dialético e a psicologia

histórico-cultural, verificamos que o desenvolvimento do psiquismo humano ocorre na

concreticidade que há na unidade contraditória entre a estrutura orgânica do indivíduo e a

imagem do real que esse ser tem condições de captar. Portanto, as bases concretas e abstratas

que compõem e desenvolvem o psiquismo humano são dadas pelo seu desenvolvimento,

eminentemente, cultural, isto é, pela produção humana histórico-social. Basta lembrarmos a

importante

afirmação de Vygotsky de que o desenvolvimento mental humano, com suas origens

sociais, é mediado pela relação do homem com essas origens (ou, mais precisamente, por sua própria atividade na realidade social) é da maior importância

teórica, já que nos permite superar a visão de que a influência do ambiente social no

homem determina, por si mesma, o desenvolvimento da consciência e da mente

humanas (DAVYDOV; ZINCHENKO, 1994, p. 159-160).

O desenvolvimento psíquico humano ocorre por meio do legado social/cultural,

tendo no trabalho, assim como na atividade, o papel fundante para o seu desenvolvimento.

Conforme Martins (2013b, p. 39), foi pelo progresso e complexificação da atividade vital do

ser humano e, destarte, pela necessidade da complexificação entre, por exemplo, as mãos, o

cérebro e a linguagem que se deu o salto qualitativo do psiquismo humano. Tal questão

inaugura “[…] um processo histórico de desenvolvimento de funções afetivo-cognitivas cada

vez mais complexos”.

Com a superação dos limites meramente biológicos, partindo para uma condição

histórico-social de resolução da atividade humana, o indivíduo executa-a

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165

por motivos humanos, construídos na atividade que possibilita o “encontro” entre

dado estado carencial (necessidade) e o objeto apto a atendê-lo, determina,

continuamente, a aquisição de novos conhecimentos mediadores não apenas da

satisfação e do atendimento aos motivos existentes, mas, sobretudo, na criação de

novas fontes motivadoras ou necessidades socialmente edificadas (idem, ibidem,

itálicos no original).

Dadas essas condições sobre a atividade humana, podemos afirmar que esta é uma

atividade intencional e, mais do que isso, é uma atividade consciente. Essa atividade segue o

caminho estabelecido pelo conhecimento que, em tese, deve ser o mais profundo e o mais

complexo possível para que o indivíduo transcenda as meras possibilidades superficiais da

compreensão de dado objeto e/ou fenômeno. A atividade consciente, por sua vez, efetiva uma

ação extremamente importante no que se refere ao desenvolvimento não só psíquico, mas

integral do ser humano, ou seja, por meio da atividade vital humana e “consciente” é possível

assimilar os resultados de experiências já obtidos por diversas gerações passadas que

constituem a humanidade.

Diz Martins (idem, p. 40) sobre essa questão: “[…] as ações e habilidades humanas

resultam das apropriações do legado construído histórico-socialmente. Por essa via, a

existência individual condensa habilidades humanas que foram criadas ao longo dos

milênios”. Há, portanto, um acervo de objetivações que o ser humano tem a capacidade de se

apropriar, por meio das dadas condições de vida e de educação. Entretanto, como veremos no

final deste capítulo, esse acervo, ou melhor, esse conhecimento produzido historicamente é

fracionado e ofuscado para a maior parcela dos indivíduos que se desenvolvem no atual modo

de produção.

Como vimos, o psiquismo se “legitima” por meio da captação/reflexo da imagem do

real – reflexo psíquico da realidade – e se desenvolve e atua, inexoravelmente, pelas relações

sociais. Dessa forma, seguindo os postulados de Vigotski, Martins (idem, p. 42, itálicos no

original) aponta que uma das particularidades do psiquismo humano é a capacidade de se

formar “[…] na transformação dos processos naturais – que ligam de modo imediato o ser ao

meio – em processos mediados, que dirigem o comportamento por intermédio do signo”.

Outra particularidade é a unidade que ocorre entre a primeira mencionada com “[…] a origem

dos processos psíquicos mediados, postulando que estes se formam a partir de atividades

práticas externas, sob condições de comunicação entre os seres humanos”.

Contudo, realizamos o seguinte questionamento: quais as determinações que, de fato,

integram a unidade entre os processos supracitados e que contribuem tanto para a manutenção

das condições biológicas do ser humano como permitem um salto qualitativo no que se refere

à apropriação dos bens produzidos histórica e socialmente pela humanidade?

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166

Por essa indagação podemos afirmar que “[…] a reorganização dos mecanismos

naturais dos processos psíquicos, por decorrência da apropriação da cultura […]” é que

assegura as condições primárias (elementares) desses processos, ou seja, assegura as

características biológicas dos indivíduos e, ainda, permite que haja o acréscimo de funções

que são oriundas do processo histórico-social dos indivíduos que de maneira singular se

apropriam por meio da interiorização dos signos (idem, p. 42-43, itálicos no original).

Essa particularidade humana é intitulada de funções psíquicas superiores.

Novamente, apoiando-se em Vigotski, Martins (idem, ibidem, itálicos no original) adverte que

“[…] o desenvolvimento do psiquismo humano e suas funções não resultam de uma

complexificação natural evolutiva, mas da sua própria natureza social”. Dissertaremos,

também, com mais precisão a respeito das funções psíquicas superiores no decorrer deste

capítulo, abordando, principalmente, o seu aspecto de desenvolvimento por meio do legado

social e no seio dessa discussão apontaremos as suas determinações para a educação escolar e,

consequentemente, para a Educação Física escolar.

Denotando-se o caráter histórico-social do desenvolvimento humano, pontuamos que

cada fase/etapa desse desenvolvimento não se dá por meio apenas dos aspectos

hereditários/biológicos. Ocorre um confronto desse desenvolvimento com os condicionantes

sociais, nos quais os indivíduos estão inseridos cotidianamente. Seguindo o direcionamento

proposto pela teoria da psicologia histórico-cultural, compreendemos que o desenvolvimento

do ser humano ocorre pelas circunstâncias culturais em que o indivíduo está submerso,

principalmente, pelo viés do emprego de signos.

Há, portanto, pelo emprego de signos no processo de formação humana o ato

instrumental que atua na interação do indivíduo com o meio circundante. O signo, nesse caso,

“[…] opera como um estímulo de segunda ordem que, retroagindo sobre as funções psíquicas,

transforma suas expressões espontâneas em expressões volitivas”. As operações designadas

para as expressões volitivas concebem um papel novo, mais complexo das funções psíquicas

e, com isso, “[…] o psiquismo humano adquire um funcionamento qualitativamente superior

e liberto tanto dos determinismos biológicos quanto do contexto imediato de ação” (idem, p.

44-45, itálicos no original).

Para compreendermos melhor esse papel fundamental dos signos perante a sua

contribuição para o desenvolvimento humano, torna-se pertinente a definição ou a

conceitualização do signo. Baseamo-nos para essa definição em Martins e em Vigotski,

respectivamente, ao afirmarem:

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167

Os signos são meios auxiliares para a solução de tarefas psicológicas e,

analogamente às ferramentas ou aos instrumentos técnicos de trabalho, exigem

adaptação do comportamento a eles, do que resulta a transformação psíquica

estrutural que promovem. Com isso, Vigotski afirmou que o real significado do

papel do signo na conduta humana só pode ser encontrado na função instrumental

que assume. Para explicar essa premissa, ele recorreu a três proposições: a primeira

diz respeito às semelhanças, e aos pontos de contato entre o emprego de ferramentas

e o emprego de signos; a segunda visa suas divergências; e a terceira busca indicar

as reais correspondências psicológicas entre eles (MARTINS, 2013b, p. 45, itálicos

no original).

estímulos-instrumentos convencionais, introduzidos pelo homem na situação psicológica e que cumprem a função de auto-estimulação, dando ao termo signo um

sentido mais amplo e, ao mesmo tempo, mais preciso, que seu uso habitual. Segundo

nossa definição, qualquer estímulo condicional (criado artificialmente pelo homem),

que seja veículo para o domínio da conduta, alheia ou própria, é signo. Portanto, há

2 momentos essenciais para o conceito de signo: sua origem e sua função

(VUIGOTSKIJ, 1987 apud SERRÃO, 2006, p. 101, itálico no original).

Seguindo a explanação de Martins (2013b) e Vigotski, pontuamos que o ponto em

que há semelhança entre tais aspectos estão inclusos no conceito de atividade mediadora.

Vejamos bem: está em voga mais uma categoria complexa no mote do desenvolvimento

humano e que, na sua especificidade como mediação, possibilita que o indivíduo transcenda a

relação aparente dos objetos e dos fenômenos.

Inserindo-se, assim, na possibilidade de compreensão das propriedades mais

essenciais dos objetos e dos fenômenos. O percurso da atividade mediadora sucede “[…]

dadas propriedades de um objeto (primeira dimensão) agem sobre propriedades de outro

objeto (segunda dimensão) à vista do objetivo da atividade em questão (terceira dimensão)”

(MARTINS, 2013b, p. 45).

Tomamos como exemplo para ilustrar esses procedimentos da atividade mediadora

um componente – de acordo com o Coletivo de Autores (1992) – da cultura corporal: o

esporte moderno. Exemplificamos uma das especificidades do futebol – esporte comum no

bojo da prática social contemporânea no Brasil –: para que o indivíduo efetive a ação

principal nesse esporte, ou seja, realizar o “gol”, é preciso que o mesmo chute a bola no alvo

(terceira dimensão), para isso, o indivíduo tem que dominar as características ou as

propriedades do instrumento – nesse caso a bola – (primeira dimensão) na sua relação com o

alvo – a baliza – (segunda dimensão). Esses procedimentos da atividade mediadora ocorrem

em diversas e em distintas formas de atividade no cotidiano dos indivíduos. 83

83 Alicerçamo-nos para expor o nosso exemplo na exemplificação de Martins (2013b, p. 45 itálicos no original):

“[…] para tomar uma pedra como potencializadora da pressão sobre um objeto (terceira dimensão) é necessário

dominar as características da pedra (primeira dimensão) na relação com seu alvo (segunda dimensão)”.

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As dimensões supracitadas não ocorrem, em hipótese alguma, de maneira

fragmentada, fracionada. A mediação assume um papel de condensação entre as três

dimensões. Essas dimensões, por meio da interiorização de signos, consolidam as

preconizações defendidas neste estudo sobre a questão do desenvolvimento psíquico do ser

humano por meio da natureza histórico-social. Dito isso, essas dimensões estão condensadas

pela mediação e ambas estão sob a interferência de que é “[…] a sociedade que comporta os

signos; […] o ser social que os porta por interiorização; e […] a decorrente transformação que

ela (interiorização) provoca nos processos psíquicos existentes até então” (MARTINS, 2013b,

p. 46).

Em síntese, é pelo ato instrumental, ou seja, pela aplicação de signos que o ser

humano possui capacidade de dominar a si próprio. É pela situação contraditória existente

entre a cultura humana e a condição biológica humana que a intersecção entre o ato

instrumental e a atividade mediadora é realizada.

Portanto, sucede a superação, por meio da contradição, dos fatores biológicos –

formas primitivas de desenvolvimento – para as formas culturalmente desenvolvidas no que

se refere ao comportamento, “[…] cuja base estrutural não é outra coisa senão a atividade

mediadora, a utilização de signos externos a transmutarem-se como signos internos,

configurando-se como meios, como ‘ferramentas psíquicas’, para o desenvolvimento ulterior

da conduta complexa” (idem, p. 46).

Compreendemos o signo como uma conversão da imagem cognitiva e, nesse

direcionamento, pelo conjunto de signos estabelece-se um sistema de signos que é

denominado de linguagem. Esse sistema de signos, ou melhor, a linguagem opera por meio da

comunicação e do intercâmbio entre os seres humanos e também concebe como instrumento

da atividade intelectual. É graças à linguagem que “[…] a imagem subjetiva da realidade

objetiva pode ser convertida em signos”. Estamos comentando sobre uma categoria

extremamente pertinente para o desenvolvimento cultural do psiquismo humano, pois é pela

linguagem que o indivíduo “[…] sintetiza o acúmulo da experiência social da humanidade

[…]”, contribuindo, dessa maneira, com “[…] os mais decisivos saltos qualitativos dos

indivíduos, tanto do ponto de vista filogenético quanto do ontogenético” (idem, p. 167-168,

itálicos no original).

A linguagem é composta por elementos que contribuem para a efetivação da sua

função no bojo do desenvolvimento psíquico humano. A unidade mínima da linguagem é a

palavra e, conforme Martins (idem, p. 167), “[…] urge sabê-la como matriz complexa de

diferentes pistas e conexões acústicas, morfológicas, léxicas e semânticas […]”. Essa unidade,

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por sua vez, faz parte de outra unidade: a fala, que é o “[…] meio especial de comunicação

vocal e oral que usa a linguagem para, fundamentalmente, transmitir informações”.

Por fim, a língua é outra unidade que compõe a linguagem. Ela “[…] representa um

sistema específico de comunicação por meio da linguagem, que se estrutura por vocabulário,

gramática e sistema fonológico específicos”. Eis que estamos perante um complexo de

unidades que contribuem, de uma maneira ou de outra, no desenvolvimento da linguagem ou

na apropriação por parte dos indivíduos dos inúmeros sistemas de signos.

Graças ao desenvolvimento da linguagem, requerido pela natureza da atividade

humana, superamos os limites da representação sensorial imediata da realidade,

própria também aos animais, passando a representá-la cognitivamente por meio de

palavras. Dessa superação resulta a possibilidade para a construção de ideias, que

são, a rigor, os conteúdos do pensamento (MARTINS, 2011b, p. 47, itálicos no

original).

Reportando-nos sobre o pensamento, compreendemos que é uma atividade inerente

do ser humano. Essa atividade prática ocorre na relação do indivíduo com a realidade

objetiva, concreta. Portanto, o pensamento surge por meio do reconhecimento sensorial da

realidade objetiva e dá um salto qualitativo pelo viés da linguagem e das operações racionais,

ou seja, pela “[…] análise/síntese, comparação, generalização e abstração” (idem, p. 48). É,

portanto, por meio dessas condições – funções cognitivas e afetivas – que o desenvolvimento

do psiquismo humano se desenvolve e, assim, coloca-se a dispor da inteligibilidade do real.

Fator, este, muito importante para a educação escolar e, por conseguinte, para a Educação

Física escolar.

À guisa de conclusão: buscamos concretizar que a tese central de Vigotski e a

posteriori da “Escola de Vigotski” (diga-se Leontiev e Luria), que o desenvolvimento humano

e, portanto, o desenvolvimento psíquico humano se evolui e se transforma por meio das

complexas formas culturais desenvolvidas pelo próprio ser humano na sua transformação da

natureza no decorrer da história. Obviamente, Vigotski e seus seguidores não excluem o

desenvolvimento orgânico do indivíduo. Entretanto, com o trabalho, o ser humano

possibilitou formar a natureza social e, por sua vez, essa natureza precede as implicações da

linha de desenvolvimento orgânico.

Destarte, voltamos a apresentar um breve apontamento sobre as funções psíquicas

superiores, tal qual já foi brevemente mencionada anteriormente. O objetivo de adentrar na

especificidade desse elemento se dá pelo fato de que esta é singular da espécie humana; pelo

fato de que essas funções expressam as características que componham o gênero humano e,

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por fim, pelo fato de que as funções psíquicas superiores para a educação escolar assumem

um importante papel.

Uma vez compreendido o que são essas funções, as formas com que se

desencadeiam, podem-se retirar delas elementos e determinações para o processo de

aprendizagem do ser humano. Além disso, Vigotski, ao compreender essas funções, permitiu

posicionar o desenvolvimento psíquico sob o mundo material, sob as objetivações humanas

ou culturais.

Para Martins (2013b, p. 109), foi no artigo “Estrutura das funções psíquicas” que

Vigotski apresentou de maneira mais sistematizada uma caracterização das funções psíquicas

superiores. A respeito dessa sistematização, a autora enumera quatro características, a seguir

arroladas:

a) o comportamento cultural é o resultado da intervenção da cultura em suas bases

naturais; b) as funções complexas se instituem como sistema interfuncional; c) a

atividade mediadora é a base estrutural de formas culturais de comportamento; d) o

desenvolvimento cultural pressupõe unidade entre a formação das funções e domínio

sobre elas, ou seja, pressupõe o controle interno da conduta com vista à consecução

de seu objeto.

Todavia, Martins (2013b) menciona que mesmo com essa formatação mais

sistematizada a respeito das funções psíquicas superiores, Vigotski não explicitou elementos

específicos para pautar quais seriam essas funções. Delari Jr. (2011), por sua vez, realiza um

estudo que busca apresentar apontamentos da obra de Vigotski no que se refere à intitulação

das funções psíquicas superiores.

Esse estudo, em nossa compreensão, mostrou aquilo que Martins mencionara em sua

discussão a respeito das funções psíquicas superiores. Ou seja, partimos do pressuposto de

que não há uma sistematização mais profunda em relação ao seu vocábulo por parte de

Vigostki a respeito dessas funções.84

Portanto, consubstanciamos ao nosso estudo as

características propostas por Martins e que estão citadas acima sobre as funções psíquicas

superiores.

Para finalizar tais especificações sobre o desenvolvimento psíquico do ser humano à

luz da psicologia histórico-cultural e trazendo à tona um posicionamento a respeito dessas

funções, expomos a seguinte contextualização:

84 Contudo, cabe a nós lembrarmos que a obra de Vigotski no original está no idioma russo e, portanto, pode

haver problemas no que se refere à tradução de tais manuscritos para a língua portuguesa, gerando, assim,

possíveis “descompassos” na precisão de termos e conceitos explicitados pelo autor. Portanto, não nos permite

explicitar e interpretar por completa precisão a produção vigotskiana, pois não estamos estudando-o pelo seu

manuscrito russo.

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as funções psíquicas superiores, próprias aos seres humanos, só se desenvolvem no

exercício de seu funcionamento. Isso significa dizer que não existe função alheia ao

ato de funcionar e à maneira pela qual funciona. Portanto o grau de complexidade

requerido nas ações dos indivíduos e a qualidade das mediações disponibilizadas

para sua execução condicionam todo desenvolvimento psíquico […]. Em suma,

funções complexas não se desenvolvem na base de atividades que não exijam e

possibilitem, e essa tarefa deve ser assumida na prática pedagógica por meio da

transmissão dos conhecimentos clássicos (MARTINS, 2011b, p. 56).

Pelas indicações supracitadas, passamos para o momento seguinte do nosso estudo.

Buscando averiguar possíveis e concretas possibilidades nos fundamentos da pedagogia

histórico-crítica que contribuam com uma prática pedagógica em proveito de estimular no

indivíduo o alto grau de complexidade nas suas ações, tomando, assim, com base a cultura

humana em sua forma mais avançada e complexa. E, para que essa possibilidade seja

consolidada, somente, como afirma Martins (idem), por meio da transmissão dos

conhecimentos clássicos.

Assim, passamos para o próximo item deste terceiro capítulo, enfocando no

aprofundamento dos fundamentos ontológico e filosófico da pedagogia histórico-crítica que

norteiam a sua proposição para a prática pedagógica que vislumbre e apresente elementos

concretos para a formação do pensamento do indivíduo para além da empiria fetichizada

comum na esfera educacional e nas diversas esferas sociais que compõem o atual modo de

produção, portanto, a formação que eleve o pensamento teórico. Compreendendo, dessa

forma, que a instrumentalização do indivíduo promulgue “[…] a atividade consciente, para a

transformação das circunstâncias e de si mesmo” (idem, p. 57).

3.2 Fundamentos da pedagogia histórico-crítica: pressupostos para a prática pedagógica

No decorrer deste estudo explicitamos diversas vezes que a pedagogia histórico-

crítica é tributária da concepção dialética promulgada pelo materialismo histórico e que,

conforme afirma o seu precursor – professor Dermeval Saviani (2012a) – possui afinidades

com as bases psicológicas da teoria da psicologia histórico-cultural.

A fundamentação teórica dessa pedagogia está baseada nas agudas formulações de

Marx “[…] sobre as condições históricas de produção da existência humana que resultaram na

forma da sociedade atual dominada pelo capital” (idem, p. 160). No entanto, Saviani não

extraiu dos clássicos de Marx, Engels, Lênin, etc. as contribuições de uma teoria pedagógica,

pois esses intelectuais não se propuseram a elaborar uma específica teoria para a educação

escolar. Portanto, encontramos na pedagogia histórico-crítica uma concepção pedagógica em

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consonância com a compreensão de homem e de mundo calcada no materialismo histórico-

dialético.

A gênese da pedagogia histórico-crítica, segundo Saviani (2008; 2011a), se deu na

tentativa de apresentar respostas como alternativa para as propostas pedagógicas dominantes.

A formação dessa pedagogia inicia-se no final da década de 1970, no âmago da discussão e do

desenvolvimento das “teorias críticas da educação”. 85

Não podemos esquecer, portanto, que foi exatamente na década de 1970 que, de

acordo com Saviani (2011a, p. 218), “[…] o clima cultural, político e pedagógico que se

instaurou no contexto da crítica à política educacional e à pedagogia oficial do regime militar

alimentada pelo que chamei de ‘teorias crítico-reprodutivistas’ […]”. Contudo, a pedagogia

histórico-crítica evolui “[…] para a busca de alternativas à orientação oficial, o que colocava a

necessidade de se elaborar uma teoria pedagógica que fosse crítica, mas não reprodutivista”

(idem, ibidem, itálicos nossos). 86

Coadunando com os pressupostos do materialismo histórico-dialético e da psicologia

histórico-cultural, a pedagogia histórico-crítica compreende o indivíduo como um ser humano

(social) que, por meio das suas interações conscientes e intencionais com a natureza e com os

outros seres humanos, tem como principal possibilidade transformar a natureza para o seu

benefício próprio. A essa atividade chamamos de trabalho, isto é, a atividade vital do ser

humano.

Assim, o processo de produção da existência humana implica, primeiramente, a

garantia da sua subsistência material com a conseqüente produção, em escalas cada

vez mais amplas e complexas, de bens materiais; tal processo nós podemos traduzir

na rubrica de “trabalho material”. Entretanto, para produzir o trabalho

materialmente, o homem necessita antecipar em idéias os objetivos da ação, o que

significa que ele representa mentalmente os objetivos reais. Essa representação inclui o aspecto de conhecimento das propriedades do mundo real (ciência), de

valorização (ética) e de simbolização (arte) [ou seja, o “trabalho não-material]. […]

Numa palavra, trata-se da produção do saber, seja do saber sobre a natureza, seja do

saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana (SAVIANI, 2008, p.

12).

A educação, para a pedagogia histórico-crítica, é um fenômeno intrínseco da espécie

humana. Isso remete para a questão de que é um fenômeno social que atua como exigência do

e para o trabalho e, também, como um trabalho. A especificidade da educação, portanto, deve

ser compreendida como um meio que busca suprir as necessidades oriundas do indivíduo.

85 Ver Saviani (2009).

86 Não iremos nos deter nesse estudo na exposição da contextualização histórica e teórica da pedagogia histórico-

crítica e, tampouco, das teorias (não-críticas, critico-reprodutivistas, etc.) vigentes nesse mesmo período

histórico no Brasil. Sobre essa discussão indicamos os seguintes trabalhos: Saviani (2008; 2009; 2011a).

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173

Logo, pontuamos que aquilo que a natureza não garante para a sobrevivência humana deve ser

produzido histórica e socialmente pelos próprios indivíduos, isto é, a natureza humana não é

algo dado e acabado aos indivíduos, é necessário que ele mesmo o produza com base na

natureza biofísica.

Dessa maneira, compreendemos em acordo com Saviani (2008, p. 13) que a

compreensão “geral”87

do “[…] trabalho educativo é o ato de produzir, direta e

intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e

coletivamente pelo conjunto dos homens”. Por tal circunstância, o objeto da educação escolar

deve atender, por um lado, “[…] à identificação dos elementos culturais que precisam ser

assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos […]” e, por

outro lado e de maneira indissociável, “[…] à descoberta das formas mais adequadas para

atingir esse objetivo”.

Em relação, ainda, ao objeto da educação segundo a pedagogia histórico-crítica,

Saviani (idem) explicita que a identificação dos elementos está pautada na distinção entre o

essencial e o acidental, o que é principal e o secundário, etc. Dessa forma, o autor menciona a

ideia de “clássico” como um elemento primordial no que se refere à identificação dos

elementos culturais. O clássico em nada se aproxima do “tradicional” e, também, não se opõe

nem ao próprio tradicional e, tampouco, ao moderno. Baseando-nos em Saviani (idem),

compreendemos como clássico aquilo que na atualidade ainda é fundamental, isto é, essencial.

Por sua vez, Martins (2013b, p. 274) entende

que os conhecimentos clássicos são aqueles que se colocam mais decisivamente a

serviço desse ideal. Todavia, é preciso reconhecer também que a posse dos atributos

requeridos à construção do conhecimento objetivo por parte de cada indivíduo é um

processo socialmente dependente. Para que tais atributos se desenvolvam, torna-se

necessário que forças objetivas operem a esse favor e, tal como postulado pela

pedagogia histórico-crítica […], atuar nessa direção é a função precípua da educação

escolar, à qual compete promover a socialização dos conhecimentos universais,

representativos das máximas conquistas científicas e culturais da humanidade, em

cuja ausência a captação das leis regem o desenvolvimento histórico de todos os fenômenos se torna impossível.

Tal elemento, destarte, é um critério pertinente para a seleção dos conteúdos da

prática pedagógica.

Sobre o segundo ponto mencionado por Saviani (2008) – a descoberta por formas

adequadas sobre o desenvolvimento da prática pedagógica –, direciona-se para a organização

87 E, dessa forma, compreendemos o trabalho educativo na Educação Física escolar como uma expressão

particular da compreensão mais “geral” do trabalho educativo na educação escolar apresentada por Saviani

(2008).

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dos meios pedagógicos, ou seja, a formatação que os conteúdos, os espaços pedagógicos, o

tempo necessário, os procedimentos terão no bojo dessa prática. Levando, assim, em

consideração, que o contato do indivíduo-aluno com os meios pedagógicos, e estes, por meio

de uma organização, irá proporcionar, paulatinamente, em cada indivíduo de maneira singular

a apropriação da humanidade produzida historicamente.

Nesse contexto, Saviani (idem) explicita que a escola deve ter a seguinte função:

socializar o saber sistematizado. À primeira vista esta afirmação parece simples e de fácil

execução. No entanto, é comum, atualmente, haver discussões sobre a educação escolar que

preconize o saber. Esse saber, por sua vez, na maioria das vezes, fica apenas na empiria

fetichizada dos indivíduos que fazem parte desse processo, pois se advoga em prol da

tentativa de resgate da cultura popular, por exemplo. E, como afirmam Duarte e Martins

(2013, p. 66): “[…] essa cultura só pode ser popular se fizer parte da vida do povo e, nesse

caso, ela não precisa ser ‘resgatada’ nem trabalhada na escola, pois o povo já a conhece”.

Pois bem, qual seria esse saber sistematizado para a pedagogia histórico-crítica?

Quais as possibilidades concretas, no que se refere à transmissão desse saber, para que

possamos almejar, uma vez assimilado o posicionamento ideológico dessa pedagogia? Quais

as contribuições desse saber (conhecimento) no processo de vida dos seres humanos?

Passamos, então, a indicar alguns apontamentos em relação a essas indagações.

Conforme Saviani (idem, p. 14), para a pedagogia histórico-crítica não se trata de

qualquer tipo de saber, trata-se de dar enfoque “[…] ao conhecimento elaborado e não ao

conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura

erudita e não à cultura popular”.

Daí a necessidade de compreender algumas teses que na contemporaneidade são

compreendidas de maneiras difusas, entretanto, a pedagogia histórico-crítica nos propõe

fundamentos que permitem a compreensão dessas teses, com base na totalidade e na dialética

preconizada pelo materialismo histórico-dialético. Abordaremos alguns posicionamentos em

relação aos fundamentos da pedagogia histórico-crítica, tomando como base um diagnóstico

explicitado por Della Fonte (2011, p. 27-28, itálico no original) e que transcreveremos em

seguida na íntegra:

O contexto histórico impõe aos intelectuais vinculados a proposições pedagógicas

socialistas um duplo esforço em termos teóricos: criticar as correntes burguesas no

campo educacional (tarefa mais complexa que outrora, tendo em vista a credencial

de esquerda que muitos intelectuais hoje vinculados ao pós possuem); e estruturar

fundamentos para a sua própria proposição (desafio já detectado no início dos anos

de 1980 por Dermeval Saviani e que ainda se apresenta atual).

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Sucedemos, portanto, as argumentações dessa autora que de antemão apresenta,

conforme a pedagogia histórico-crítica, que a realidade a ser compreendida pelo indivíduo

“existe” e é “cognoscível”. Obviamente, já dissertamos várias vezes sobre essa determinação,

só que tal determinação assume um estágio pertinente para a prática pedagógica –

principalmente em meio a tantas falácias e mazelas que encontramos no âmbito das teorias

pedagógicas atualmente.

A pedagogia histórico-crítica se opõe às teorizações que explicam que somente se

forma em ser aquilo que se encontra na esfera da relação humana. Pelo contrário, a natureza

antecede a relação humana, isto é, a natureza está dada com ou sem a nossa atuação nela –

conforme expomos no decorrer deste estudo. Há, portanto, uma negação dessas teorizações no

campo da ontologia a respeito da subjetividade da realidade do mundo objetivo e da

impossibilidade de ter acesso a ele. Para Della Fontes (idem, p. 29, itálicos no original), “[…]

há, assim, a transmutação de questões ontológicas em gnosiológicas: a coisa em-si é

descartada (porque considerada inexistente ou inacessível) em detrimento da coisa para-nós”.

A realidade, por meio do emaranhado e indissociável conjunto de leis que, por sua

vez, são articulações de determinações e de tendências históricas, desencadeia em uma intensa

e complexa possibilidade de representações. Com isso, o real/a realidade é mais multiforme

do que as melhores abstrações (conceitualizações) sobre ela. “Assim, por mais atento que seja

o pensamento, a realidade é mais complexa que o seu reflexo, desafia previsões e, por isso

mesmo, alarga e enriquece a consciência” (idem, ibidem).

O conhecimento, por conseguinte, é o reflexo da realidade. Todavia, não podemos

compreendê-lo como uma identidade da realidade. Ele é tão somente isso – mesmo assim é

algo extremamente complexo –, ou seja, o reflexo da realidade refletida. O conhecimento,

portanto, assume um caráter aproximativo do real, porém esse caráter em nada “[…] conduz a

uma postura cética e relativista, mas ratifica a historicidade constitutiva de todo ser existente:

o mundo natural, o ser social e suas objetivações” (idem, p. 30).

Outra questão fundamental para a pedagogia histórico-crítica e com que também

compactuamos é a problemática de que a objetividade jamais poderá ser compreendida como

uma neutralidade. A objetividade a que estamos nos reportando tem vinculação com o objeto

– “[…] termo proveniente do latim objectus, que significa ação de pôr adiante, interposição,

obstáculo, barreira; objeto que se apresenta aos olhos” (idem, ibidem). Della Fontes (idem)

apoiando-se em Marx explicita que ser objetivo, ou seja, ter em questão a objetividade é

consentir o seu ser fora de si.

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Tal entendimento se dá para qualquer existente-objetivo, inclusive para o ser

humano. Em outras palavras: o ser objetivo é, ao mesmo tempo, o ser objeto para outro ser.

Nesse ponto, na objetividade aloca-se a questão relacional que há na interação objetiva entre

os seres que compõem essa ação mútua.

A essência humana, portanto, desde a sua gênese é um desdobramento que

externaliza a si e, dessa forma, constitui novas objetividades. “Somente com a apropriação

desse universo de objetivações produzidas histórica e socialmente o sujeito pode formar-se.

Portanto, a subjetividade humana só se constitui a partir dessa base objetiva sobre a qual ela,

ao ser constituída, também age” (idem, p. 31).

Consequentemente, tal posicionamento desconstrói um caráter de neutralidade da

objetividade e lhe impõe nas determinações da totalidade e da história. Tanto no âmbito

natural como no social “[…] a objetividade remete para a existência de objetos antepostos e

na condição de inter-relacionamento” (idem, ibidem).

O conhecimento, nesse caso, possui cada vez mais formas variadas, minuciosas e

complexas de compreender e apreender a realidade. Ocorrendo momentos distintos nessa

apreensão do conhecimento, ou seja, deixando-o ou na compreensão empírica, na “aparência”

dos fenômenos ou na compreensão para além do empírico, compreendendo a “essência” de

certa prática específica, fazendo, assim, generalizações sobre alguma finalidade.

O conhecimento com a sua peculiaridade/especificidade está intensamente ligado e

interagindo com outras maneiras de conhecer, tendo como finalidade uma aproximação sem

fim com a realidade objetiva. “Desse modo, o conhecimento objetivo orienta-se pela

perspectiva da totalidade, apreende e expressa, em um esforço aproximativo, as

processualidades históricas que tecem o real” (idem, p. 32).

Vimos, portanto, dois posicionamentos a respeito do conhecimento no âmbito da

interpretação de Della Fonte (idem) à luz da teoria que fundamenta a pedagogia histórico-

crítica. Avaliamos o conhecimento em uma realidade que existe e é, ao mesmo tempo,

cognoscível e que, também, é orientado pela totalidade da realidade, porém apresenta um

caráter aproximativo, por mais complexo que este possa ser.

O conhecimento, nesse caso, é literalmente o reflexo da realidade objetiva, ou seja, é

um reflexo da realidade da produção humana (da cultura) histórico-social. Pois, o

conhecimento, na concepção marxiana, é o produto do trabalho intelectual de decodificação

abstrata da realidade concreta. Com isso, apresentamos, nesse momento, mesmo que de

maneira implícita, mais uma aversão ao relativismo cultural, presente em diversas teorizações

pedagógicas na contemporaneidade.

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Em uma oposição às argumentações das teorizações que preconizam o relativismo

cultural e, portanto, ao ceticismo, a pedagogia histórico-crítica tem como intuito apresentar

elementos concretos para a prática pedagógica que culmine na função da educação escolar, a

transmissão do conhecimento mais elaborado, mais complexo, tomando como principal

questão o posicionamento crítico frente ao atual modo de produção.

Perspectivando a luta pela socialização para que todos os indivíduos se apropriem da

riqueza material e não material que o ser humano produziu histórica e socialmente no decorrer

de gerações em gerações. E por meio dessa socialização consubstanciar para uma formação de

uma consciência de classe que tenha como principal objetivo a transformação social.

Como afirmamos, a pedagogia histórico-crítica pauta-se nos fundamentos de

compreender a totalidade concreta da realidade objetiva e subjetiva. A realidade objetiva,

efetivamente, precede a realidade subjetiva; o conhecimento, por sua vez, é um reflexo da

realidade objetiva, mas que assume um caráter aproximativo, jamais um caráter fiel à

realidade objetiva. No entanto, com essa tentativa de cada vez mais se aproximar da

compreensão mais complexa e mais profunda da realidade objetiva, o indivíduo possibilita a

complexificação e uma maior compreensão da realidade objetiva refletida por ele.

Portanto, com base nessa contextualização, a pedagogia histórico-crítica posiciona-se

na compreensão do indivíduo como um ser concreto “formado” e “formador” pela prática

social. E, assim, contrapondo diversas teorizações que não consubstanciam seus pressupostos

nas argumentações acima mencionadas, Saviani (2012c, p. 79, itálico nosso) explicita a

concepção de homem e, por essa forma, a compreensão do que é o indivíduo (educando-

aluno) concreto para a pedagogia histórico-crítica:

a pedagogia histórico-crítica considera que os educandos, enquanto indivíduos

concretos, manifestam-se como unidade da diversidade, “uma rica totalidade de

determinações e de relações numerosas”, síntese de relações sociais. Portanto, o que é do interesse deste aluno concreto diz respeiro às condições em que se encontra e

que ele não escolheu. Assim, também a geração atual não escolhe os meio e as

relações de produção que herda da geração anterior e a sua criatividade não é

absoluta, mas se faz presente. Sua criatividade vai expressa na forma como assimila

estas relações e as transforma. Então, os educandos, enquanto concretos, também

sintetizam relações sociais que não escolheram. Isto anula a ideia de que os alunos

pode fazer tudo pela sua própria escolha. Essa ideia não corresponde à realidade

humana.

Caracterizando a pedagogia histórico-crítica, buscando intensamente orientar-se

pelas sendas de Marx, Saviani (idem, p. 80) assevera que essa pedagogia vai para além das

pedagogias tradicional e moderna, pois a pedagogia histórico-crítica possui fundamentos e

“ferramentas ontológica-filosófica-ideológica-política-pedagógica” que culminam a habilitar-

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se “[…] a enfrentar os desafios postos à educação pela sociedade atual para além do horizonte

do capitalismo e da sua forma social correspondente, a sociedade burguesa”.

Nesse ensejo, Duarte (2013a, p. 03-04), ao comentar a finalidade da pedagogia

histórico-crítica para a educação escolar, enfatiza que essa pedagogia só tem sentido se a

estiver “[…] na perspectiva da superação revolucionária da sociedade capitalista”. Com isso,

o autor realiza outras indicações a respeito dessa pedagogia na sua relação com o modo de

produção capitalista:

É claro que, em se tratando de uma pedagogia orientada pelo materialismo histórico

e dialético, a participação da escola num processo revolucionário precisa ser

compreendida a partir da análise das contradições que se fazem presentes neste tipo

peculiar de prática social que é o trabalho educativo. […]

A superação da sociedade capitalista não pode prescindir da apropriação, pela classe

dominada, dos conhecimentos que permitam a compreensão da dinâmica das

relações sociais para além das aparências fetichistas e para além das ilusões tão largamente difundidas no cotidiano da sociedade atual. […]

É preciso, principalmente, entender-se a dialética entre os processos de

transformação das estruturas sociais mais amplas e as ações que ocorrem no dia a

dia das escolas brasileiras. Igualmente é necessária a construção das mediações

teóricas entre o campo dos estudos sobre os fundamentos filosóficos, históricos,

sociológicos e psicológicos da educação e o campo dos estudos sobre questões

pedagógicas específicas aos campos do currículo, da didática, dos métodos de

ensino, dos recursos pedagógicos etc.

Seguindo tais posicionamentos, passaremos a explicitar o nosso estudo sobre a

cultura corporal no bojo da Educação Física escolar. São essas as condições que nos

nortearam no que diz respeito à análise e à proposição sobre a cultura corporal e a Educação

Física escolar. Isto é, tomando como embasamento as argumentações tanto da psicologia

histórico-cultural como da pedagogia histórico-crítica.

Porém, os mais assíduos ou mesmo para os iniciantes leitores das obras que discutem

a pedagogia histórico-crítica podem estar se perguntando: por que não foram abordadas até o

presente momento as questões metodológicas fomentadas por essa pedagogia? Indicamos aos

leitores que essa questão sobre o método pedagógico da pedagogia histórico-crítica será

abordada no próximo momento do nosso estudo. E, de antemão, firmamos que esse método é

um dos elementos que julgamos ser necessário para a Educação Física escolar, ou seja,

apontamos o método preconizado pela pedagogia histórico-crítica como um subsídio para a

tendência teórico-metodológica crítico-superadora na sua relação com a cultura corporal e na

sua proposição pedagógica para a própria Educação Física escolar.

Obviamente atrelado a esse método, estaremos pontuando outros elementos e

determinações oriundos da psicologia histórico-cultural e da própria pedagogia histórico-

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crítica, a fim de aprofundarmos o nosso objeto de estudo seguindo os pressupostos

psicológicos e pedagógicos apresentados por tais teorizações.

Contudo, antes de abordarmos as questões específicas da Educação Física escolar,

fazemos menção que atualmente no cenário acadêmico e educacional no Brasil o debate, a

produção, a reflexão sobre a pedagogia histórico-crítica têm sido realizados com grande

frequência. Há estudos que buscam relacionar e/ou propor essa pedagogia com as mais

diversas esferas no campo da educação.

À guisa de exemplo mencionamos discussões e produções teóricas pautadas na

pedagogia histórico-crítica nos seguintes campos: da psicologia, mais precisamente

relacionando-a com a psicologia histórico-cultural (MARTINS, 2011b; 2013b); da educação

infantil (MARSIGLIA, 2013b; PASQUALINI, 2011; 2013b); da política educacional e da

formação de professores (MAZZEU, 2011; TEIXEIRA, 2013); da educação especial

(BARROCO, 2011); da relação da luta de classes na educação escolar (SAVIANI; DUARTE,

2012b); da prática pedagógica (MARSIGLIA, 2011a; 2013a); da educação física (REIS et al.,

2013b), etc. 88

No caso específico da Educação Física escolar, as contribuições da pedagogia

histórico-crítica ainda estão em um estágio inicial. São poucas as produções e os relatos de

pesquisas que apresentam detalhes referentes a essa pedagogia no contexto da Educação

Física escolar (SILVA, 2013). Conforme destacamos acima, há uma recente produção que

procurou emergir em alguns fundamentos da pedagogia histórico-crítica para a Educação

Física escolar.

Entretanto, trata-se de uma obra (REIS et al., 2013) organizada por um grupo de

autores que explicitaram uma seleção de textos que buscaram de maneira isolada pontuar

temáticas da Educação Física tomando como base a pedagogia histórico-crítica.

Evidentemente caracterizamos essa obra como uma tentativa de avançar na discussão sobre a

Educação Física escolar e em uma reafirmação da obra do Coletivo de autores (1992). Porém,

ainda há uma carência na área e uma lacuna extensa de produções e intervenções entre a

publicação do Coletivo e os dias atuais.

88 Lombardi (2013, p. 08) aponta, também, para a direção da relevância obtida pela pedagogia histórico-crítica

no âmbito nacional. Damos destaque a uma passagem desse autor sobre a sua análise de um evento realizado em

2009, em Araraquara, intitulado “Pedagogia histórico-crítica: 30 anos”, organizado pelo professor Newton

Duarte frente os embates com outras teorizações do campo pedagógico: “Não se deixou de foca no confronto da

pedagogia histórico-crítica com outras perspectivas teóricas, notadamente a contemporânea expressão da

decadência ideológica burguesa – a pós-modernidade. Não se deixou também de fazer o confronto da pedagogia

histórico-crítica com os modismos pedagógicos atuais, principalmente as pedagogias do ‘aprender a aprender’”.

Vale lembrar que a discussão realizada nesse evento resultou em um livro organizado por Marsiglia (2011b).

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Como veremos a seguir, na contemporaneidade, no âmbito nacional, há uma

proliferação de teorizações pós-modernas e ainda uma manutenção de pressupostos

positivistas e fenomenológicos no bojo da produção e da intervenção na Educação Física

escolar.

Cabe, portanto, a nós – dados os nossos limites – contribuir para uma aversão fulcral

a essas teorizações e como proposição apresentar elementos concretos que possibilitem aos

indivíduos compreenderem a essência histórica e socialmente elaborada do processo que

constitui a formação dos seres humanos como seres sociais, ou melhor, como seres humanos

sociais. E, assim, poder perspectivar e concretizar uma transformação social.

A escola (a educação escolar) seguindo os fundamentos da pedagogia histórico-

crítica deve ser compreendida na sua especificidade e no trabalho educativo como um

elemento necessário e pertinente para contribuir no desenvolvimento cultural dos indivíduos,

e dessa forma auxiliar na formação humana em geral. Pois, como bem nos lembra Saviani

(2008, p. 103):

A escola é, pois, compreendida com base no desenvolvimento histórico da

sociedade; assim compreendida, torna-se possível a sua articulação com a superação

da sociedade vigente em direção a uma sociedade sem classes, a uma sociedade

socialista. É dessa forma que se articula a concepção política socialista com a concepção histórico-crítica, ambas fundamentadas no mesmo conceito geral de

realidade, que envolve a compreensão da realidade humana como sendo construída

pelos próprios homens, a partir do processo de trabalho, ou seja, da produção das

condições materiais ao longo do tempo.

Por tal questionamento e proposição é que justificamos a pertinência do nosso

estudo. Ou seja, poder compreender o objeto de conhecimento da Educação Física escolar

com base no materialismo histórico-dialético e, por essa forma, averiguar e intervir na

compreensão desse objeto, ou seja, da cultura corporal, com base na psicologia histórico-

cultural e na pedagogia histórico-crítica.

Concebemos que a pedagogia histórico-crítica deve e está articulada “[…] de forma

crítica à sociedade, a partir do entendimento de que sua estrutura é marcada pelo antagonismo

de classes, cujos interesses são irreconciliáveis. Portanto, caminha em desencontro aos

interesses da classe dominante, gerando embates no interior da educação” (BATISTA; LIMA,

2012, p. 32).

Já quanto à psicologia histórico-cultural, no que se refere à educação escolar,

conforme Sforni (2004, p. 40), afirma-se “[…] que a escolarização tem papel fundamental na

constituição do psiquismo e essa constituição depende do desenvolvimento do sistema

nervoso e da qualidade das trocas que se dão entre os indivíduos”. Destarte, a autora expõe

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que “se as estruturas psíquicas são diferenciadas de acordo com os instrumentos de

pensamento disponíveis a cada criança [indivíduo] no curso de seu desenvolvimento, a

educação ganha papel de destaque nesse processo”.

Por isso, cabe a nós, os defensores dessas teorias, “[…] buscar construir a hegemonia

dos subalternos no interior da escola, instrumentalizando e adequando esse espaço aos

interesses da classe trabalhadora” (BATISTA; LIMA, 2012, p. 32). Pontuamos, portanto, essa

tarefa como fundamental para a Educação Física escolar juntamente com os professores e

intelectuais dessa área do conhecimento.

3.3 A psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica como fundamentação

para a compreensão e a prática pedagógica da categoria cultura corporal na Educação

Física escolar: uma contribuição para a formação omnilateral do ser social

Se os homens são formados pelas circunstâncias, é preciso

formar as circunstâncias humanamente.

(Karl Marx; Friedrich Engels)

Todos os pedagogos do universo estão de acordo sobre este

ponto: as crianças querem as coisas sem saber por que as

querem; mas que homens feitos se arrastem, cambaleando,

pelo globo, como as crianças, sem saberem, como elas, de

onde vêm nem para onde vão, que não tenham mais

conhecimentos dos seus atos e que igualmente se deixem

governar com açoutes e bolos, eis o que custa acreditar. E, não

obstante, é tudo quanto há de mais verdadeiro.

(Werther Goethe)

Trazendo à tona, novamente, o nosso objeto de estudo, podemos observar na

Educação Física o seu movimento hegemônico tendo como influência a atual cultura, isto é, a

cultura da sociedade capitalista. Observamos que está instaurado nos mais variados meios

sociais o debate sobre a Educação Física como um condicionante social que pode contribuir

para a promoção da saúde dos indivíduos; todavia, sobre essa indagação ocorrem questões

pertinentes, mas que são ofuscadas pelos discursos complacentes com o atual sistema.

Vejamos quatro ilustrações:

1) o incentivo à promoção da saúde em prol de uma suposta qualidade de vida se faz por

necessário para haver seres humanos aptos a continuarem sendo explorados via os meios de

produções, ou seja, esses meios de produções atuam na vida desses indivíduos como

deterioradores de seus corpos – matéria e espírito – na busca da máxima exploração para o

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acúmulo de riqueza por parte dos “dominadores” – patrões –, mas, com isso, há a necessidade

de recuperação desses corpos para que a exploração continue. E, destarte, promove-se um

discurso “maquiado” – enaltecendo um determinado tipo de corpo, de dieta alimentar, em

suma, de “hábitos de vida saudáveis” – de elementos no que tange à qualidade de vida dos

seres humanos, mas que ocorrem severamente para a recuperação desses “corpos mutilados”

pela ordem do capital em proveito de uma maior exploração;

2) como se não bastasse tamanha “crueldade”, o capital ainda expõe outra forma de

exploração que se dá, por exemplo, por meio do consumo de trajes da “moda” – mas que,

como afirmamos, atua de maneira rápida e supérflua –, a ida em ambientes “diferenciados”

(academias, SPAs, etc.) para que possa ter a tão promulgada qualidade de vida;

3) ocorre o fomento à formação profissional cada vez mais rápida e flexível dos indivíduos

para essa área, a fim de atender esse setor econômico;

4) por meio das especificidades da reestruturação produtiva (em proveito dos moldes da

acumulação flexível do capital) as práticas corporais tornam-se mercadorias e são vendidas

com base nos seguintes elementos, em acordo com Vivan (2010, p. 12): a necessidade de

atrair e preservar os clientes (alunos); a utilização de elementos e de estratégias no que se

refere a terceirização; massificação das práticas corporais como mercadorias, adotando, assim,

a segmentação da oferta dessas práticas; a “(…) obsolescência planejada pela qual passam as

práticas corporais, sendo renovadas e modificadas em sua superfície de forma cada vez mais

rápida [supérflua]”.

Em síntese, são ações que auxiliam na legitimação e no fortalecimento da ordem do

capital. Estamos perante uma alienação e um estranhamento intensivo que ocorre no

cotidiano, mas que não é difundido para não prejudicar a ordem “natural” do capital. Isso

nada mais é que a imposição da cultura das classes dominantes sob determinados valores e

juízos sociais, desvinculada de qualquer preocupação com a classe subalterna. É uma

verdadeira degradação do humano em lucro de uma pequena parcela da sociedade. 89

Lukács (1920, s/p.) assevera a discussão sobre a relação da restrição que o capital

impera perante a cultura:

Da mesma maneira que a independência dos homens das preocupações de sustento e

a livre utilização de suas próprias forças como fim em si são a condição humana e

social preliminar da cultura, assim tudo o que a cultura produz pode ter valor

cultural autêntico só quando tem valor para si. No momento em que assume o

89 Em relação a essas “novas estratégias conservadoras”, Taffarel (2010b, p. 81, itálicos nosso) afirma: “Não há

nada de novo na ‘contemporaneidade’ ou na ‘pós-modernidade’, exceto a forma de exploração e suas

conseqüências ‘culturais’. A essência é a mesma”.

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caráter de mercadoria e entra no sistema de relações que o transforma em

mercadoria, cessa ainda sua autonomia, a possibilidade da cultura.

Tais argumentações devem ser levadas em consideração no âmbito escolar, pois a

cultura para a educação escolar e para a Educação Física, em nossa compreensão, é o “[…]

objeto do ensino, seu conteúdo e sua justificativa” (SFORNI, 2004, p. 21). Dessa forma,

Sforni comenta que

A apropriação da cultura é propiciada pela educação, tendo a educação escolar um

papel significativo. Dessa forma, o acesso ao ensino não é apenas direito do cidadão,

ou apenas necessário à formação para o trabalho; nem se destina a desenvolver

resistência ou adequação do indivíduo à sociedade; mas é condição para a aquisição

de instrumentos cognitivos que permitam o trânsito consciente no interior da

sociedade em que está inserido, é o meio de se adquirir competência no uso de

signos, códigos e instrumentos desenvolvidos socialmente. Por ser humano, somente

por ser humano, cada indivíduo, estando em uma sociedade letrada, deve ter acesso a essa cultura (idem, p. 23-24).

Ainda sobre as reflexões de Sforni (idem), ela nos chama a atenção para o importante

papel que a educação escolar deve assumir, no sentido de disponibilizar o conhecimento na

sua forma mais elaborada, pois o atual sistema social desloca esse conhecimento da classe

trabalhadora e, com isso, desloca o acesso à cultura erudita dessa camada social.

A cultura erudita se torna algo distante da maioria dos seres humanos para que eles

não consigam compreender as condições objetivas que regem o modo de produção capitalista,

isto é, o “produzir-para-o-mercado” e o “consumir-para-o-mercado”. A repulsa desse

movimento que o atual modo de produção acumula para a sua própria sustentabilidade nos faz

refletir que a Educação Física escolar deve atuar como um elemento partícipe de um projeto

histórico que busque apresentar subsídios concretos para uma transformação social. Pois,

como Sforni (idem, p. 23) explicita:

apesar de vivermos sob a organização de um modo de vida com extensa produção

cultural e o alto grau de desenvolvimento tecnológico, o que implica elevado

desenvolvimento do conhecimento científico, muitos praticamente não dominam e

não interferem na produção dos elementos da cultura em que estão imersos. Convém

destacar que estar imerso não significa ser beneficiado pelos resultados do

desenvolvimento, mas viver sob a repercussão desse modo de organização social.

Assim, os indivíduos ou grupos excluídos do processo produtivo estão também incluídos na qualidade de humano-genérico [gênero humano] no grau de civilização

alcançado, mesmo não tendo acesso à cultura correspondente.

Portanto, a Educação Física escolar deve ter como ação perante o seu objeto de

conhecimento uma interpretação dos dados da realidade, ou seja, um aprofundamento na sua

especificidade tendo como principal pressuposto a transmissão da cultura erudita – do

conhecimento mais elaborado (científico). Essa cultura deve ser transmitida de maneira crítica

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frente os posicionamentos do modo de produção capitalista que exaltam a expropriação do

humano e a expropriação do conhecimento.

Com efeito, coadunamos com a pedagogia histórico-crítica sobre uma das funções

primordiais da escola e, por conseguinte, da Educação Física escolar: propiciar “[…] a

aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como

o próprio acesso aos rudimentos desse saber” (SAVIANI, 2008, p. 15).

Dessa maneira, optamos por trazer como contribuição da psicologia histórico-

cultural90

e da pedagogia histórico-crítica91

elementos e categorias que permitem uma reflexão

sobre a Educação Física escolar e o seu processo de ensino e aprendizagem tendo como fio

condutor a concepção de homem-mundo (no atual modo de produção e a sua possibilidade

enquanto ser humano), concepção de conhecimento (como compreensão e assimilação da

produção humana histórico-social) desses dois aportes teóricos – e, é claro, como estofo para

ambos e para o nosso estudo, o materialismo histórico-dialético.

Para que assim possamos avançar na nossa discussão, tendo em vista a hipótese

norteadora deste estudo, a seguir arrolada: a ênfase na cultura corporal como objeto de

conhecimento da Educação Física escolar pela tendência crítico-superadora trouxe um novo

patamar de análise para essa área do conhecimento, que se encontra, porém, ainda factível de

avanço por meio de uma maior precisão de sua categoria fundante.

Portanto, trazemos à tona algumas interlocuções entre a psicologia histórico-cultural

e a pedagogia histórico-crítica em relação à concepção de homem-mundo e de conhecimento

preconizada por essas teorizações.

90

Seron, Barbosa-Rinaldi e Tuleski (2011) ao desenvolverem uma investigação de como ocorreu a apropriação

dos conceitos de Vigotski na recente produção de conhecimento em Educação Física no Brasil (mais

precisamente nas produções realizadas entre 1990 e 2007) apontou, em última instância, sobre a necessidade de

avançar nos estudos de Vigostki (logo, em nossa compreensão, nos estudos da psicologia histórico-cultural

também), no sentido de precisar o mais fidedigno rigor epistemológico com as produções vigotskiana e, destarte,

com a Escola de Vigostki. Conforme as autoras: “Ao investigar a apropriação dos conceitos de Vigotski em

trabalhos científicos publicados na área da educação física, desde o ano de 1990 até 2007, percebemos que ainda

temos muito a avançar, no sentido de potencializar estudos acadêmicos de maior rigor epistemológico. É com a

visão desse contexto, no qual está inserida a escola, que a educação, e também a educação física, devem

materializar suas pesquisas, buscando superar os discursos pragmáticos, avançar para um aprofundamento

teórico e negar produções superficiais, desprovidas de reflexões que revelem contradições sociais. Os reflexos deste exercício dialético poderão ser observados paulatinamente, contudo trarão os efeitos esperados pela

sociedade no que diz respeito às possibilidades educacionais” (SERON; BARBOSA-RINALDI; TULESKI,

2011, p. 87-88).

91 Silva (2013) realizou um estudo com o intuito de analisar a produção de conhecimento sobre a pedagogia

histórico-crítico no âmbito da Educação Física. Analisando a produção acadêmica desde o início da elaboração

dessa pedagogia, ou seja, desde 1984 até 2012. Como conclusão, Silva apontou que a pedagogia histórico-crítica

ainda é muito incipiente no cerne da produção acadêmica na Educação Física brasileira. Apontando, portanto,

que há a necessidade de novas pesquisas nessa área do conhecimento que fomentem a construção coletiva da

pedagogia histórico-crítica em todas as áreas do currículo escolar, inclusive, nesse caso, na Educação Física.

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185

Martins (2013b) nos lembra que em ambas teorizações, por estarem fundamentadas

pelo materialismo histórico-dialético, o homem é um ser social ativo e consciente, cuja

capacidade – distinta dos demais animais – é a possibilidade de transformar a natureza para

suprir a sua necessidade biofísica.

Entretanto, esse ser não possui propriedades desde o seu nascimento que o

caracterizem como um ser humano. Ele necessita se apropriar das objetivações já

concretizadas por gerações passadas da humanidade para que possa ser tornar um ser humano.

Por essa questão, para os indivíduos adquirirem as particularidades humanas é necessário,

indubitavelmente, que se apropriem do legado cultural objetivado histórica e socialmente

pelos demais indivíduos. A esse processo de apropriação ocorre a internalização dos bens

culturais por parte dos seres humanos.

Os processos de internalização, por sua vez, se interpõem entre os planos

interpessoais (interpsíquicas) e das relações intrapessoais (intrapsíquicas); o que

significa dizer que instituem-se a partir do universo de objetivações disponibilizadas

para cada indivíduo singular pela mediação de outros indivíduos, ou seja, por meio

de processos educativos. (idem, p. 271, itálicos nosso).

A psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica estão de acordo com

essa questão de que o ser humano não nasce humanizado, mas ele vai se humanizando

conforme irá se apropriando do legado cultural produzido histórica e socialmente. Refuta-se a

possibilidade de uma compreensão de transformação natural dos indivíduos no decorrer da

sua história.

Com isso, esse dois aportes teóricos também se conciliam ao analisarem a formação

humana nas condições objetivas da atual sociedade de classes. Tais teorizações, segundo

Martins (idem), compreendem que esse processo de humanização ocorre nessa sociedade de

classes de maneira desigual.

Essa formação desigual não se dá pelo fato de que os seres humanos são diferentes,

mas sim pela condição econômico-social que preconiza a propriedade privada do trabalho

humano (trabalho tanto manual como intelectual). Tais teorizações advertem e apresentam

subsídios concretos para a superação dessa fragmentação social e, por consequência,

fragmentação dos indivíduos (indivíduos unilaterais).

Segundo Martins (idem), esses dois aportes teóricos colocam a educação escolar

como um processo privilegiado/destacado para opor-se essa formação unilateral dos

indivíduos. Para isso, evidencia no seio da educação escolar a transmissão do conhecimento

na sua forma mais elaborada, mais complexa.

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186

É a serviço do desenvolvimento equânime [omnilateral] dos indivíduos que a

educação escolar desponta como um processo ao qual compete oportunizar a

apropriação do conhecimento historicamente sistematizado – o enriquecimento do

universo de significações –, tendo em vista a elevação para além das significações

mais imediatas e aparentes disponibilizadas pelas dimensões meramente empíricas

dos fenômenos (idem, p. 272).

Ficamos atentos, portanto, para a posição fundamental tomada pelo conhecimento no

âmbito dessas teorizações. Pela construção do conhecimento objetivo desencadeiam-se várias

questões no que se refere ao desenvolvimento do indivíduo. Uma delas é a contribuição no

desenvolvimento do pensamento. Não obstante, é que assim como a pedagogia histórico-

crítica fazemos uma crítica às teorizações de cunho pedagógico que situam o processo de

ensino e aprendizagem apenas pela exaltação do conhecimento empírico, utilitário e

pragmático, deixando, assim, de lado o conhecimento na sua forma mais elaborada, ou

melhor, os conhecimentos clássicos.

Em oposição ao condicionamento de uma passividade e de uma adaptação dos

indivíduos, a pedagogia histórico-crítica, conforme já mencionamos, coloca como essencial

no âmbito escolar a transmissão do conhecimento historicamente produzido e sistematizado.

Entretanto, esta se opõe, também, à transmissão de conhecimento meramente pela lógica

formal, em proveito da prática fetichizada, ou seja, o conhecimento a ser transmitido, de

acordo com essa pedagogia, vai para além e supera o conhecimento fetichizado, conservador.

“Isso porque […], a transmissão dos referidos conhecimentos vincula-se a determinadas

formas de ação constitutivas da atividade de estudo” (idem, p. 275).

Avaliamos, destarte, que a pedagogia histórico-crítica ao promulgar a transmissão do

conhecimento científico na sua forma mais elaborada (historicamente sistematizado) coloca

em evidência a recusa da lógica formal, evidenciada pelo ensino verbalista e abstrato (ensino

sem um sentido pessoal aos indivíduos). Põe-se em destaque um direcionamento de ensino

seguindo a lógica dialética entre forma e conteúdo que, por sua vez, são constituídos e

sistematizados historicamente.

Esse postulante da pedagogia histórico-crítica, de acordo com Martins (idem, p. 276),

encontra amparo na teoria da psicologia histórico-cultural, principalmente em Vigotski e em

Leontiev, pois “[…] para quem as funções psíquicas só se desenvolvem por meio de

atividades que as determinem. Isso significa dizer que não existe função alheia ao ato de

funcionar e à maneira pela qual funciona”.

Concluímos, por conseguinte, que a relação do nível de complexidade necessário

para suprir determinada ação e a qualidade das mediações necessárias e, ao mesmo tempo,

disponibilizadas para que o indivíduo possa realizar a ação, direcionam as condições

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187

primárias para o desenvolvimento do psiquismo humano. As funções psíquicas apenas se

desenvolvem por meio das atividades que exigem e possibilitem o desenvolvimento de tais

funções psíquicas. “Nessa tarefa radica, a nosso juízo, o objetivo maior da transmissão dos

conhecimentos clássicos – historicamente sistematizados” (idem, ibidem, itálicos nosso).

Dessa forma, a prática pedagógica tanto para a psicologia histórico-cultural quanto

para a pedagogia histórico-crítica, com a qual comungamos, recusa

o nível dos pseudoconceitos, dos quais resultam pseudoconhecimentos, que os seres

humanos conquistam a inteligibilidade do real, isto é, representam na forma de

imagem subjetiva a realidade objetiva com a máxima fidedignidade. Os conceitos

requeridos para tanto são, por sua vez, mediações culturais do desenvolvimento psíquico; operam como ferramentas, como instrumentos psicológicos para a

orientação da conduta e para o enfrentamento das tarefas requeridas no trato com a

realidade (idem, ibidem, itálicos no original).

No âmbito da Educação Física escolar o direcionamento dos estudos e das reflexões

em relação ao seu objeto de conhecimento e a sua prática pedagógica, na contemporaneidade,

explicitam posicionamentos que incidem no nível dos pseudoconceitos, promulgando, assim,

em última instância, a análise incoerente, difusa da realidade social.

Esses discursos no campo acadêmico repercutem no campo escolar de maneira

negativa no que se refere à prática pedagógica, pois não se tem um consenso acerca do objeto

de conhecimento da Educação Física escolar e muito menos acerca da prática pedagógica.

Está instaurada, por meio de “slogans pedagógicos”, no seio da educação escolar uma

predominância de teorizações que advertem a prática pedagógica como um simples meio

passivo na sua contribuição na formação dos indivíduos.

Isto é, essa prática e o professor são meros elementos que têm como função

“primordial” contribuir de maneira passiva, ou melhor, auxiliar o indivíduo a se formar a si

próprio, levando unicamente em questão o conhecimento (empírico-fetichizado-

pseudoconhecimento) apropriado por esse indivíduo de maneira difusa, concebendo, assim,

apenas a compreensão da pseudoconcreticidade da realidade social. Obviamente essa lógica

apresenta indícios legítimos de uma prática no seio da educação escolar e da Educação Física

que objetive uma formação adaptativa dos indivíduos.

De maneira sintética, essas teorizações que persistem em afirmar um caráter

inovador no trato, por exemplo, com o conteúdo, a metodologia e a avaliação, assumem “[…]

um caráter muito mais utilitário que propriamente de formação intelectual” (SFORNI, 2004,

p. 76).

Ao contrário desse sistema educacional que propaga a formação desqualificada e

adaptativa do ser humano é que compreendemos que a Educação Física escolar, em nível

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nacional, deve atender aos pressupostos da tendência teórico-metodológica crítico-superadora,

elencando a cultura corporal sob as orientações teóricas do materialismo histórico-dialético

como o seu objeto de conhecimento.

Com isso, propomos – conforme vimos enfatizando neste estudo – a necessidade de

reafirmação dessa tendência, porém julgamos a necessidade de aprofundamentos em algumas

determinações e em alguns elementos para que possa legitimar essa área do conhecimento no

bojo da educação escolar como um componente ativo no que se propõe a função da educação

escolar e, assim, a sua função: transmitir o conhecimento mais complexo (historicamente

sistematizado) sob a égide de uma formação omnilateral do indivíduo e de um projeto

histórico transformador da atual realidade.

Portanto, encontramos subsídios teóricos não somente no materialismo histórico-

dialético, como na psicologia histórico-cultural e na pedagogia histórico-crítica. Ademais,

conforme afirma Davídov (1988), citando um posicionamento de Rubinstein, existe uma

relação íntima entre a ciência psicológica e a ciência pedagógica, ou seja, é que o objeto de

uma é condição para outra.

Seguindo essas condições, apresentaremos na sequência a discussão sobre os

conceitos (científicos) no interior do processo de aprendizagem e ensino. Concebendo os

conceitos – conforme mencionado na citação acima de Martins (2013b) – como mediações

culturais do desenvolvimento psíquico, e, dessa forma, julgamos que são os fios condutores

do processo de aprendizagem e ensino na educação escolar e, no nosso caso, na Educação

Física.

À vista disso, “[…] na qualidade de objetivações, os conceitos, na exata acepção do

termo, precisam ser disponibilizados a cada geração para que deles se aproprie, dado que nos

remete à questão da aprendizagem e do ensino” (idem, p. 277). Eis que para a psicologia

histórico-cultural e para a pedagogia histórico-crítica a aprendizagem e o ensino estão em uma

posição principal no que se refere à afirmação da natureza social do ser humano na sua

máxima possibilidade.

3.3.1 A Educação Física e a relação entre aprendizagem, ensino e desenvolvimento: por

uma prática pedagógica histórico-cultural

Iniciamos a nossa exposição pela afirmação de que o ensino é a principal mediação

entre a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo. Tomando a psicologia histórico-

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189

cultural como parâmetro para essa afirmação, pontuamos que Vigotski dedicou boa parcela de

seus estudos no aprofundamento dessa relação: ensino (instrução) e desenvolvimento. Para

ele, o ensino é a condição principal para o desenvolvimento do indivíduo. Essa relação se dá

pela lógica da dialética, principalmente, pela lei da quantidade e qualidade. “[…] a

‘quantidade’ de aprendizagens promovidas pelo ensino qualifica o desenvolvimento, à mesma

medida que a ‘quantidade’ de desenvolvimento qualifica as possibilidades para o ensino.”

(idem, p. 278).

À vista disso, Vigotski (2010, p. 322) expõe

que a aprendizagem está sempre adiante do desenvolvimento, que a criança adquire

certos hábitos e habilidades numa área específica antes de aprender a aplicá-los de

modo consciente e arbitrário. […] sempre há discrepância e nunca paralelismo entre

o processo de aprendizagem escolar e o desenvolvimento das funções

correspondentes.

Entretanto, trazemos à tona que o estudo de Vigotski, de acordo com Martins

(2013b), não pressupõe uma dupla e distinta natureza (biológica e social). Pelo contrário, ele

afirma que o desenvolvimento do ser humano ocorre nas contradições existentes entre os

processos biológicos e culturais. É no esteio da condição social que essas contradições

ocorrem, pelo fato de que o ser humano possui a capacidade de se apropriar dos signos

oriundos da cultura.

Direcionando essa reflexão para a aprendizagem, no âmbito escolar, certificamos que

a seleção dos conteúdos e a maneira de organização da aprendizagem não estão em segundo

plano tanto para a psicologia histórico-cultural quanto para a pedagogia histórico-crítica.

Vigotski tinha como tese o ensino do conhecimento científico, ou seja, o

conhecimento não cotidiano, não empírico, não espontâneo, enfim, o não

pseudoconhecimento. Para o autor, “[…] a formação de conceitos reorganiza todas as funções

psíquicas, ou seja, requalifica o sistema psíquico”. Dessa maneira, “[…] ao requalificar as

funções psíquicas, a aprendizagem escolar cumpre uma de suas principais funções – incidir na

personalidade dos indivíduos, posto que nela sintetizam-se todas as propriedades

culturalmente formadas” (MARTINS, 2013b, p. 279, itálicos no original).

Coadunando com tal tese, Saviani e, portanto, a pedagogia histórico-crítica

compreendem que a educação escolar deve assumir uma função de planejar de maneira

intencional a forma e o conteúdo e, assim, consubstanciá-los de elementos didático-

pedagógicos que enalteçam o conhecimento científico historicamente sistematizado. Para ele,

“[…] a relevância dos conteúdos representa dado nuclear da educação escolar, posto que, na

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ausência de conteúdos significativos, a aprendizagem esvazia-se, transformando-se no

arremedo daquilo que de fato deveria ser” (idem, ibidem).

Observamos, nesse momento, uma aproximação entre um fundamento da pedagogia

histórico-crítica – que assume a tese supracitada de Vigotski – e dos princípios curriculares92

elencados pelo Coletivo de Autores (1992) – pela tendência crítico-superadora – no trato com

o conhecimento da cultura corporal.

Ou seja, conforme adverte Saviani, o Coletivo apresenta também como implicação

para a prática pedagógica a relevância social do conteúdo. Sendo que esse princípio, para o

Coletivo, é acompanhado por outros princípios, como por exemplo: a adequação às

possibilidades sócio-cognoscitivas do indivíduo, o confronto do saber popular com o saber

científico universal, etc.

Portanto, a cultura corporal no âmago da prática pedagógica da Educação Física,

seguindo os fundamentos da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica, em

nossa opinião, deve ser compreendida e transmitida por meio dos conceitos científicos

oriundos desse objeto de conhecimento. Tomamos como base uma das teses vigotskianas que

o ensino conduz o desenvolvimento do indivíduo. Destarte, o ensino de conceitos científicos –

em nosso caso, o ensino de conceitos científicos da cultura corporal – supera, de maneira

qualitativa, o ensino de conceitos cotidianos, isto é, supera os conceitos que estão submersos

no saber popular ou na cultura popular.

Com essa afirmativa, explicitamos uma contextualização de Martins (2013b, p. 280)

sobre o ensino (instrução escolar) e o desenvolvimento de conceitos:

O processo de desenvolvimento de conceitos, afirmou Vigotski, exige e se articula a

uma série de funções, a exemplo da atenção voluntária, da memória lógica, da

comparação, generalização, abstração, etc. Por isso, diante de processos tão

complexos, não pode ser o processo de instrução escolar que de fato vise a esse

desenvolvimento.

Para tanto, Martins (idem, p. 281) expõe três princípios extraídos da produção teórica

de Vigotski sobre o ensino de conceitos científicos e o desenvolvimento do indivíduo e que

compreendemos ser pertinente para a prática pedagógica da Educação Física: 1) “[…] os

conceitos científicos não são assimilados pela criança como aquisição da memória, mas se

formam na tensão problematizadora de uma vasta gama de atividades que colocam o

pensamento em curso”; 2) “[…] a aquisição dos conceitos científicos pela criança contém

92 Lembramos que explicitamos os princípios curriculares propostos pelo Coletivo de Autores (1992) no item 1.2

do primeiro capítulo. Portanto, estaremos apenas pontuando-os no momento com qual compreendemos que

exista uma ligação com os pressupostos teóricos tanto da psicologia histórico-cultural como da pedagogia

histórico-crítica.

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tanto traços distintos quanto comuns ao processo de aquisição dos conceitos espontâneos”.

Com isso, a ligação do “[…] desenvolvimento dos conceitos científicos e cotidianos conflui

em um mesmo e único processo – o de formação de conceitos, que se realiza em diferentes

circunstâncias externas e internas”. Entretanto, há uma superioridade dos conceitos científicos

sobre os conceitos cotidianos; 3) “[…] a propriedade do ensino de conceitos durante toda a

idade escolar, na raiz do qual a instrução escolar poderá conduzir, sistematicamente, o curso

de formação do pensamento infantil”.

Por tais princípios, afirmamos, ainda, seguindo as orientações de Martins (idem, p.

284), que “[…] em última instância, os conceitos científicos são mediados por outros

conceitos em um sistema de conexões internas, apresentando o objeto ao pensamento de

forma multilateral e profunda”. A apropriação dos indivíduos dos conceitos científicos “[…]

pressupõe, necessariamente, o processo de generalização e abstração […]”.

Nesse intento, a apropriação dos conceitos científicos, ao contrário dos conceitos

espontâneos (cotidianos), possibilita ao indivíduo assegurar a generalização dos demais

conceitos. Indo assim para além da assimilação irreflexiva que em nada contribui para a

análise desse indivíduo sobre a essência dos fenômenos e dos objetos que consubstanciam o

mundo real.

Martins (idem), baseando-se em Vigotski, faz um alerta de que é impossível que o

ser humano tenha consciência do mundo real na sua máxima possibilidade se não houver o

pensamento em conceitos, principalmente em conceitos científicos. Tanto que Vigotski (2010,

p. 241) sobre essa questão realizou a seguinte indagação: “O desenvolvimento dos conceitos

científicos na idade escolar é, antes de tudo, uma questão prática de imensa importância –

talvez até primordial – do ponto de vista das tarefas que a escola tem diante de si quando

inicia a criança no sistema de conceitos científicos”.

Como avaliamos, o desenvolvimento (psíquico) do ser humano é, impreterivelmente,

dependente do ensino, ou seja, da instrução escolar. Podemos averiguar essa afirmação ao

explicitarmos, segundo Vigotski, os conceitos do nível de desenvolvimento real e da área do

desenvolvimento iminente93

.

Martins (2013b, p. 286, itálicos no original) nos apresenta uma valiosa e contundente

síntese da obra vigotskiana em relação ao conceito desses dois elementos. Seguindo as

orientações dessa autora, o nível de desenvolvimento real são conexões interfuncionais já

93 Utilizaremos a expressão iminente, ao invés de, proximal ou imediata. Tal justificativa se dá por acatarmos as

indicações fornecidas por Prestes (2012) e, assim, compactuando com a tradução mais coerente, em nossa

opinião.

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192

estabelecidas pelo indivíduo. As tarefas e as ações que o indivíduo realiza, nesse nível de

desenvolvimento, são identificadas por ele mesmo. Entretanto, não é pelo fato de que o

indivíduo consegue identificar suas tarefas e suas ações que esse desenvolvimento está em um

estágio finalizado. Pelo contrário, está ainda se iniciando. Tal condição se dá pelo movimento

inerente da aprendizagem, “[…] ao fato de que ela demanda o estabelecimento de relações

internas entre funções psíquicas, convertidas em operações mentais, em conceitos e

práticas”.

A prática pedagógica, por essa interpretação, dá um salto qualitativo no nível de

desenvolvimento real: “[…] o que ela [a prática pedagógica] faz com as funções psíquicas que

a criança já desenvolveu expressas naquilo que já sabe – quer esse saber seja resultado das

experiências prévias da criança, quer tenha sido adquirido por ação do ensino escolar”. Dessa

forma, Martins afirma que para Vigotski o trabalho pedagógico incide “[…] no fornecimento

de elementos que orientem o trabalho na área de desenvolvimento iminente, isto é, na direção

de outras e mais complexas relações interfuncionais” (idem, p. 287, itálicos no original).

Nas palavras do autor soviético: “[…] a zona de desenvolvimento imediato94

, que

determina esse campo das transições acessíveis à criança, é a que representa o momento mais

determinante na relação da aprendizagem com o desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2010, p.

331).

A área do desenvolvimento iminente incide na evolução intelectual do indivíduo.

Essa área tem como capacidade interferir no sentido de ampliar e complexificar as conexões

interfuncionais, no qual o indivíduo não teve a capacidade de ainda estabelecer. Novamente

observamos a importância do ensino. Conforme Martins (2013b, p. 287, itálico no original),

“É nesse sentido que essa área se institui como iminência de desenvolvimento, como algo que

está pendente, inacabado, mas em vias de acontecer por meio do ensino”.

Por essas condições, o nível de desenvolvimento real e a área de desenvolvimento

iminente não podem ser compreendidos de maneira fragmentada.

Há, portanto, um vínculo entre o nível de desenvolvimento real e a área de

desenvolvimento iminente representado pela complexificação das funções psíquicas

que pautam as tarefas do ensino, no qual a referida área se apresenta como superação do nível de desenvolvimento real na direção da formação de conceitos.

Por isso, Vigotski afirmou recorrentemente que, ao nível do desenvolvimento real, a

formação de conceitos está sempre “começando” (idem, ibidem, itálicos no original).

Portanto, a educação escolar – e, diga-se, a Educação Física – juntamente com a

colaboração ativa externa do aluno, isto é, com a colaboração do professor como um

94 Entende-se iminente, ao invés de imediato.

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indivíduo mais desenvolvido e experiente, assume um papel crucial na formação psíquica do

aluno. Desse modo, o professor assume uma função crucial na prática pedagógica, que em

nada pode ser comparada com a simples interação de um aluno com o outro, por mais

experiente que ele possa ser.

Destarte, é de suma importância a necessidade de professores capacitados para

atuarem na formação dos alunos no âmbito escolar. Essa capacidade se dá pela formação

sólida de professores, ou seja, pela formação que disponibilize aportes teóricos, elementos

didático-metodológicos, espaço físico e materiais pedagógicos suficientes para a atuação ativa

do professor no seio do processo de ensino e aprendizagem.

Trazemos à discussão, portanto, nesse momento, a proposição didático-metodológica

pautada na pedagogia histórico-crítica como um elemento pertinente para objetivarmos um

ensino que interfira concretamente na área de desenvolvimento iminente do indivíduo,

preconizando, assim, a formação psíquica cada vez mais complexa do ser humano.

Por conseguinte, ao compactuarmos com essa proposta didático-metodológica,

compreendemos que esta deve incidir na prática pedagógica na Educação Física. Ou seja, essa

proposta, em nossa opinião, deve ser incorporada pelos fundamentos oriundos da tendência

crítico-superadora no que se refere ao trato do conhecimento da cultura corporal.

Ao reportarmos para a produção teórica da pedagogia histórico-crítica com o intuito

de analisarmos a sistematização e o seu método pedagógico, há um método pautado em cinco

passos ou orientações que devem ser compreendidos de maneira dependente e articulada. Não

podendo, portanto, ser compreendido como um método “congelado”, que não sofre alterações

por possíveis variáveis.

Frisamos: não se trata de um método, tal qual é preconizado pelo positivismo que

atribui na análise de dado objeto ou fenômeno excluindo quaisquer tipos de variáveis e/ou

condicionantes no âmbito social. Entretanto, também não segue a linha metodológica das

teorizações pós-modernas, no qual se imbrica um relativismo e um ceticismo que exclui

categorias concretas como a prática social, por exemplo.

Ao contrário desses posicionamentos, o método adotado por Saviani para a

pedagogia histórico-crítica aponta os cinco passos – que mencionaremos a seguir – levando

em consideração a prática social como principal componente de análise e intervenção.

Concebendo, também, de maneira intrínseca, nas suas produções a relação entre ensino

(instrução escolar) e o desenvolvimento do indivíduo, conforme a psicologia histórico-

cultural.

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194

Passamos a observar, portanto, esse método da pedagogia histórico-crítica com mais

clareza. Conforme Saviani (2012c, p. 78-79, itálico nosso) esse método pedagógico parte da

lógica dialética no bojo das implicações e dos desdobramentos da educação e, por

consequência, da educação escolar. O movimento inerente desse método parte das

observações empíricas ao concreto, isto é, vai do “[…] todo figurado na intuição […]” a “[…]

uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas […]”. Essa movimentação se

dá pela mediação da abstração, ou seja, “[…] a análise, os conceitos e as determinações mais

simples […]” que “[…] constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta

de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de ensino (o método

pedagógico)”.

Pois bem, aí está mencionado o processo de compreensão dos fenômenos que devem

balizar a prática pedagógica. Saviani aponta esse método pedagógico como um elemento que

está inserido em uma pedagogia concreta, isto é, na pedagogia histórico-crítica. Com isso, a

compreensão que se tem dos alunos ou dos educandos, nessa pedagogia, é de indivíduos

concretos, síntese de múltiplas determinações.

Dessa maneira, esses indivíduos atuam por meio de relações e de condições que não

escolheram para atuar, pois a vigente geração está sob a base de meios e de relações

estabelecidas a priori do seu tempo histórico. Porém, esses indivíduos têm a capacidade de

intervir nessa atual realidade por meio da sua criatividade. Essa criatividade é fomentada de

acordo com a maneira que o indivíduo assimila as hodiernas relações e como pode

transformá-las.

Nesse momento, observamos um forte potencial da educação escolar em intervir

nesse processo de criatividade do indivíduo em proveito de outra realidade do mundo real,

cujas bases teóricas podemos encontrar no materialismo histórico-dialético, na psicologia

histórico-cultural, na pedagogia histórico-crítica e, no nosso caso, nos apontamentos da

tendência crítico-superadora que, por sua vez, deve estar bem fundamentada e em

consonância com o tripé teórico mencionado acima.

“Daí, a grande importância de distinguir, na compreensão dos interesses dos alunos,

entre o aluno empírico e o aluno concreto, firmando-se o princípio de que o atendimento aos

interesses dos alunos deve corresponder sempre aos interesses do aluno concreto” (idem, p.

80). Com isso, o mesmo autor, ainda, completa a citação supracitada mencionando a questão

da transmissão e da assimilação do conhecimento sistematizado:

É nesse âmbito que se situa o problema do conhecimento sistematizado, que é

produzido historicamente e integra o conjunto dos meios de produção. Esse

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conhecimento sistematizado pode não ser do interesse do aluno empírico, ou seja, o

aluno, em termos imediatos, pode não ter interesse no domínio desse conhecimento;

mas ele corresponde diretamente aos interesses do aluno concreto, pois enquanto

síntese de relações sociais, o aluno está situado numa sociedade que põe a exigência

do domínio desse tipo de conhecimento. E é, sem dúvida, tarefa precípua da escola

viabilizar o acesso a esse tipo de saber. (idem, ibidem).

Elucidadas essas questões, passamos a explicitar os passos que caracterizam o

método pedagógico da pedagógica histórico-crítica. O primeiro passo é referente à prática

social inicial, ou melhor, a prática social como início da prática pedagógica (do trabalho

pedagógico). Nesse momento, professor e aluno são compreendidos como indivíduos

inseridos no âmbito social, porém possuem distintas formas de atuar como ser social.

O professor tem uma compreensão de “síntese precária” em relação à prática social.

Essa prática é sintética95

pela questão dos domínios que o professor já possui perante a prática

social e, ao mesmo tempo, é precária, pois no ponto de partida da prática social esse agente

social não conhece o nível de abstração que os seus alunos dispõem da realidade do mundo

real.

Já o aluno, nesse primeiro passo, possui uma compreensão “sincrética” sobre a

prática social, pois para ele não existe, ainda, uma relação entre a sua experiência no âmbito

escolar – efetivada, logicamente, pela intervenção ativa do professor – e sua experiência no

âmbito social para além desta. Não há apropriação de elementos, nesse momento do processo,

por parte do aluno, que permita que o capacite a compreender, de maneira articulada, os

pressupostos de sua escolarização com a decodificação dos dados oriundos da realidade do

mundo real. “Tais articulações, por sua vez, impõem-se como objetivos da prática

pedagógica, o que as coloca na decisiva dependência da qualidade com a qual essa prática se

realiza” (MARTINS, 2013b, p. 290, itálico nosso).

Todavia, ao compreender a prática social como começo – e, como veremos, também

como ponto final desse método pedagógico – nos faz indagar a educação escolar como um

complexo inserido em um complexo de complexos que é a sociedade vigente. Tendo, assim,

sobretudo, como especificidade propagada pela pedagogia histórico-crítica a identificação da

realidade dessa sociedade com o objetivo de opor aos pressupostos que a legitimam.

O segundo passo é a identificação dos principais problemas oriundos da prática

social. A esse momento Saviani (2009, p. 64) intitulou de problematização. Trata-se, para o

95 “Nota-se que a dimensão sintética resulta dos conhecimentos disponibilizados ao docente, fundamentalmente

por sua formação acadêmica, acerca das condições sociais objetivas que, em última instância, pautam o seu

trabalho. Destarte, quanto maior a fragilidade dessa formação, maios o embotamento da síntese a favor da

precariedade, que deixa de se referir apenas à ‘parcela da realidade que disporá como alunos’, passando a se

expressar como precariedade na compreensão acerca da própria realidade” (MARTINS, 2013b, p. 289).

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autor, nesse momento de “[…] detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito

escolar da prática social e, em consequência, que conhecimento é necessário dominar”.

Martins (2013b, p. 291, itálicos no original) complementa a especificação desse

segundo passo do método pedagógico, afirmando que se trata “[…] da identificação dos

problemas impostos à prática pedagógica, ao trabalho do professor, à vista dos

encaminhamentos de suas possíveis resoluções”.

Seguindo, ainda, sob guia da autora, pontuamos que a concepção de “problema”

alocado nas argumentações de Saviani refere-se ao seu sentido filosófico e não o sentido

empírico, cotidiano. Com isso, Martins expõe que “o problema, filosoficamente, compreende

as demandas necessárias à existência de determinado fenômeno que impulsionam à ação

tendo em vista o seu atendimento. O problema se identifica, assim, com aquilo que ainda não

existe, mas precisa existir”.

Nesse caso, do ponto de vista tanto da psicologia histórico-cultural como da

pedagogia histórico-crítica o problema no bojo da educação escolar se concentra no ensino

que fomente o desenvolvimento do indivíduo na sua máxima potencialidade e possibilidade,

isto é, no desenvolvimento omnilateral. Assim, comungamos a seguinte explanação de

Martins (idem, ibidem, itálicos no original):

Portanto, em nosso entendimento, o segundo momento aponta na direção das condições requeridas ao trabalho pedagógico, à prática social docente. Aspectos

infraestruturais, salariais, domínios teórico-técnicos, estrutura organizativa da escola

e, sobretudo, a qualidade da formação docente são algumas questões a serem

problematizadas. Da mesma forma deve se impor à problematização as razoes das

conquistas e também dos fracassos que permeiam a aprendizagem dos alunos – dado

umbilicalmente relacionado à qualidade de ensino, quiçá o verdadeiro e maior

problema enfrentado pela educação escolar – especialmente, a pública.

Após a identificação do problema da prática social a ser abordado no âmbito escolar,

passa-se para o terceiro passo, que é intitulado de instrumentalização. Cabe, nesse momento,

efetivar a apropriação dos instrumentos de cunho teórico e prático necessários para suprir o

problema enaltecido no passo anterior desse método pedagógico.

Trata-se do acúmulo de bens culturais apropriado pelo professor e que ele utilizará

no seu ato de ensinar, isto é, na sua prática pedagógica. Pelo contexto do aluno, é o momento

que ele terá de se apropriar do acúmulo cultural que é indispensável para a sua formação

escolar. Tal acúmulo cultural que irá permitir a superação do aluno do seu pensamento

“sincrético” em direção ao pensamento “sintético”.

De acordo com Saviani (2009, p. 64), “[…] como tais instrumentos são produzidos

socialmente e preservados historicamente, a sua apropriação pelos alunos está na dependência

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de sua transmissão direta ou indireta por parte do professor”. No entanto, em nada podemos

polemizar – como é comum atualmente por críticos da pedagogia histórico-crítica – sobre essa

questão da transmissão direta ou indireta, pois, como o próprio autor explica: “Digo

transmissão direta ou indireta porque o professor tanto pode transmiti-los diretamente como

pode indicar os meios pelos quais a transmissão venha a se efetivar”.

Há uma relação interpessoal constante do professor com o aluno, seguindo os moldes

da pedagogia histórico-crítica, por meio dos conhecimentos que devem, inexoravelmente, ser

transmitidos. De maneira mais específica e imbricando um posicionamento político, Saviani

(idem, ibidem) efetiva a seguinte colocação: “Trata-se da apropriação pelas camadas

populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se

libertar das condições de exploração em que vivem”.

O quarto passo é intitulado como catarse. Nesse momento, Saviani apoia-se em

Gramsci96

e, dessa forma, explicita que “trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos

culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social”. Em relação,

ainda, ao quarto passo, Martins (2013b, p. 292), parafraseando a psicologia histórico-cultural,

principalmente Vigotski, assevera essa explicação: “A catarse, correspondendo aos resultados

que tornam possível afirmar que houve aprendizagem, produz, como diria Vigotski,

‘rearranjos’ dos processos psíquicos na base dos quais se instituem os comportamentos

complexos, culturalmente formados”.

O ponto de chegada, ou seja, o quinto passo, é a própria prática social. No entanto,

nesse momento o aluno não mais compreende os conhecimentos por termos sincréticos. O

aluno transcende para o nível sintético, no qual o professor já se encontrava no ponto de

partida desse método pedagógico. A elevação do aluno para o nível do professor é um ponto

crucial para a pedagogia histórico-crítica, pois é por esse contexto que podemos compreender

a especificidade da relação pedagógica.

Daí por que o momento catártico pode ser considerado o ponto culminante do

processo educativo, já que é aí que se realiza, pela mediação da análise levada a

cabo no processo de ensino, a passagem de síncrese à síntese; em consequência,

manifesta-se nos alunos a capacidade de expressarem uma compreensão da prática

em termos tão elaborados quanto era possível ao professor. (SAVIANI, 2009, p. 65).

Em epítome: para a pedagogia histórico-crítica a educação é compreendida pelo ato

de produzir de maneira intencional e direta no indivíduo aquilo que foi produzido histórica e

socialmente pela humanidade. Ou seja, “[…] a educação é entendida como mediação no seio

96 De acordo com Saviani (2009, p. 64): “Chamamos este quarto passo de catarse, entendida na acepção

gramsciana de ‘elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens’ […]”.

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da prática social global. A prática social põe-se, portanto, como o ponto de partida e o ponto

de chegada da prática educativa” (SAVIANI, 2012a, p. 160, itálico nosso). É por essa

contextualização que ocorre o método pedagógico preconizado por Saviani e, por

conseguinte, pela pedagogia histórico-crítica.

Avaliamos e apontamos como proposição para a Educação Física escolar a prática

pedagógica instruída pelos elementos supracitados. Essa prática não se consubstancia nos

moldes meramente técnicos ou por meio de regras estáticas voltadas para a questão

operacional. É instituído o método dialético como fio condutor da prática pedagógica e do

trabalho educativo, com o intuito de fazer com que o indivíduo (o aluno) possa se apropriar do

conhecimento na sua forma mais elaborada – historicamente sistematizado.

Compactuamos com a tendência crítico-superadora, porém pontuamos como

necessidade o aprofundamento de alguns elementos e pressupostos, em nossa compreensão,

auxiliam essa tendência a legitimarem o seu objeto de conhecimento, a cultura corporal e o

trato com esse conhecimento. Ou seja, a finalidade da Educação Física em transmitir o

conhecimento científico dessa categoria, tendo em vista a sua socialização, objetivando,

assim, uma passagem da prática social em-si à prática social para-si.

Os dados oriundos da realidade social da cultura corporal, portanto, podem ser

compreendidos e difundidos por meio da prática social em-si, isto é, atrelando aos

movimentos conservadores do atual modo de produção. Capitalizando, destarte, a formação

do indivíduo a uma adaptação passiva dos condicionantes sociais. A Educação Física escolar

transmitindo o conhecimento dessa forma estará indo ao encontro das necessidades da ordem

do capital. O que é mister, por exemplo, das teorizações positivistas, fenomenológicas e pós-

modernas.

Em sentido contrário, perspectivando a transmissão do conhecimento da cultural

corporal sob a égide de um posicionamento crítico, devemos alocar a prática pedagógica da

Educação Física escolar por uma crítica e, simultaneamente, apresentando posicionamentos e

elementos concretos para ir além da compreensão do papel dessa área do conhecimento de

maneira deslocada, autonomizada da sociedade.

Esses posicionamentos conservadores, em sua maioria, apresentam novos

conhecimentos, porém, sem sentido (pessoal) e sem contexto social para o aluno; apresentam

apenas problemas pedagógicos com o intuito de fazer com que o aluno, por si mesmo, possa

encontrar direcionamentos para saná-lo; coincide o conhecimento como uma assimilação de

conteúdos que, por sua vez, são transmitidos pelo professor, porém, caracterizando este como

uma comparação de conhecimentos anteriores; evidenciando a aplicação ou a experimentação

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de algum dado isolado da realidade; em suma, tais direcionamentos em nada contribuem para

a apropriação dos bens culturais na sua essência.

Cabe à educação escolar e à Educação Física – como uma área do conhecimento

inserida na própria educação escolar – “[…] garantir a apropriação da cultura, para que o

sujeito possa objetivar-se e objetivar a realidade nas suas formas mais complexas e assim, em

movimento permanente, se enriquecer” (MARSIGLIA, 2013a, p. 225).

É fulcral, portanto, para o percurso do ensino da cultura corporal, que esteja em um

percurso ou em um movimento, sob o domínio do professor, em que prevaleça a lógica do

geral para o particular97

, ou seja, “[…] do abstrato para o concreto, do não cotidiano para o

cotidiano, pautando-se em conceitos, propriamente ditos, a serviço da superação da síncrese

do aluno” (MARTINS, 2013b, p. 294). Tornando-se necessário

que o percurso lógico do trabalho do professor não reproduza o percurso lógico do

pensamento infantil, do pensamento primários, mas que encerre um profundo

conhecimento sobre ele para poder transformá-lo, isto é, alçar uma “prática social

qualitativamente superior no ponto de chegada”. (idem, p. 295).

A prática pedagógica, juntamente com a colaboração externa do aluno – o professor

–, tem como função primordial fazer com que o indivíduo (o aluno) ultrapasse os limites das

manifestações imediatas, promulgadas pelos pseudoconhecimentos, para que possa

compreender as raízes, as essencialidades processuais que desencadeiam na compreensão da

totalidade onde essas manifestações ocorrem. “Dizendo de outra forma: é preciso

compreender o processo ontológico da realidade humana e de como esse processo tem se

efetivado, historicamente dentro das relações sociais de produção” (OLIVEIRA, 2005, p. 36).

Delimitada essa gama de proposições para a prática pedagógica da Educação Física –

estando, obviamente, em consonância com a tendência crítico-superadora –, concluímos que

esta deve ser um processo que atue diretamente na formação multilateral – omnilateral – do

ser humano, privilegiando a transmissão do conhecimento científico historicamente

sistematizado em um sentido que forneça subsídios para o aluno em proveito de uma prática

social para-si. Pautando-se, assim, em uma prática pedagógica, na especificidade da

Educação Física, que contribua para o aluno compreender a prática social na sua totalidade,

isto é, nas máximas possibilidades existentes no que se refere à liberdade e à universalidade

dessa prática social (DUARTE et al., 2012; MARTINS, 2013b).

97 A respeito da discussão e do aprofundamento sobre o geral e o particular, ou melhor, sobre a relação singular-

particular-universal indicamos o estudo de Cheptulin (1982) e Oliveira (2005).

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Coadunamos com Saviani (2012c, p. 81, itálicos nosso) ao indagar as necessidades

para a construção de uma pedagogia coerente com os fundamentos do materialismo histórico-

dialético. Dessa forma, fizemos as suas palavras as nossas em relação, em nosso caso, a

construção de uma prática pedagógica da Educação Física coerente com tais fundamentos e,

por isso, que preconize uma prática revolucionária:

Penso que a tarefa da construção de uma pedagogia inspirada no marxismo implica a

apreensão da concepção de fundo (de ordem ontológica, epistemológica e metodológica) que caracteriza o materialismo histórico. Imbuído dessa concepção,

trata-se de penetrar no interior dos processos pedagógicos, reconstruindo suas

características objetivas e formulando as diretrizes pedagógicas que possibilitarão a

reorganização do trabalho educativo sob os aspectos das finalidades e objetivos da

educação, das instituições formadoras, dos agentes educativos, dos conteúdos

curriculares e dos procedimentos pedagógico-didáticos que movimentarão um novo

éthos educativo voltado à construção de uma nova sociedade, uma nova cultura, um

novo homem.

São essas que pontuamos ser necessárias para a legitimação da Educação Física

escolar e da cultura corporal como seu objeto de conhecimento. Alicerçando-se desde a

concepção de desenvolvimento humano segundo a psicologia histórico-cultural até os

fundamentos didático-metodológicos, difundidos pela pedagogia histórico-crítica, para sua

prática pedagógica.

Portanto, a Educação Física escolar, nas orientações da tendência crítico-superadora,

deve embasar-se em tais fundamentos para que possa atuar por meio de uma prática

pedagógica que, efetivamente, transmita o conhecimento científico historicamente

sistematizado da cultura corporal em proveito de uma contribuição à formação omnilateral do

indivíduo. E que essa prática pedagógica seja uma possibilidade de socializar o conhecimento

para a classe trabalhadora e, com isso, possa ser um elemento complexo, no emaranhado de

outros elementos complexos, que contribuam para a transformação social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prometeu: Graças a mim, os homens não mais desejam a

morte. […] Além disso, consegui que eles participem do fogo

celeste […] e desse mestre aprenderão muitas ciências e artes.

(Ésquilo)

A habitação-luz que Prometeu, em Ésquilo, denota como uma

das maiores dádivas pelas quais ele fez do selvagem um homem, cessa de existir para o trabalhador.

(Karl Marx)

A liberdade, bem como a possibilidade, não é algo dado por

natureza, não é um dom concedido a partir do alto e nem

sequer uma parte integrante – de origem misteriosa – do ser

humano. É o produto da própria atividade humana, a qual, embora sempre engendre concretamente algo diferente daquilo

que se propusera, termina por ter consequências que ampliam,

de modo objetivo e contínuo, o espaço no qual a liberdade se

torna possível.

(György Lukács)

Apoiados nos postulantes filosófico e ontológico do materialismo histórico-dialético,

partimos da premissa, neste estudo, de que a Educação Física escolar – como um componente

da educação escolar que tem como seu objeto de conhecimento a cultura corporal – encontra-

se situada no bojo do modo de produção capitalista. Dessa forma, o pressuposto fundamental

do seu posicionamento no seio desse modo de produção pode engajar a Educação Física

escolar por duas únicas funções sociais e que, diga-se, são totalmente antagônicas.

Por um lado, perspectivando a interiorização das atuais condições sociais e, assim,

destinando essa área do conhecimento como uma contribuição para a formação do ser humano

em um formato adaptativo, passivo e unilateral sob as condições vigentes do mundo real, ou

seja, sob as condições do modo de produção capitalista; por outro lado, buscando apresentar

elementos teóricos e práticos para que possamos compreender essa atual realidade social e,

assim, caracterizá-la como uma realidade desigual – e que essa desigualdade não é algo inato

ou que age por forças transcendentais (divinas), mas sim como algo que foi e é

consubstanciado pelos próprios seres humanos –, ou seja, que poucos têm a possibilidade de

objetivar os bens culturais nas suas formas mais complexas e elevadas e, com isso, tendo no

estofo da sua prática pedagógica um posicionamento contrário a esse movimento societal.

Podendo, assim, alocar a Educação Física escolar como um dos elementos oriundos da

educação escolar que pode, com esta, perspectivar e concretizar ações que contribuam para

um projeto transformador dessa realidade social.

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Para explicitarmos essa condição crítica para a Educação Física escolar no trato

pedagógico com o seu objeto de conhecimento, isto é, com a cultura corporal, nos orientamos

pela lógica de exposição do geral para o particular. Colocando em evidência a dimensão

ontológica-epistemológica-lógica que constitui a compreensão do vir-a-ser dos indivíduos

alocados em determinando modo de produção.

Por essa contextualização, no primeiro capítulo deste estudo, abordamos o modo de

produção capitalista, expondo as suas principais particularidades e como esse modo de

produção foi se modificando até a sua atual formação. Demos ênfase, por conseguinte, na

discussão sobre o seu atual estágio de desenvolvimento, ou seja, compreendendo as

especificidades do modo de produção intitulado – por diversos intelectuais e acatado por nós

– como a acumulação flexível do capital.

Expondo esse estágio de desenvolvimento da ordem do capital, passamos a

compreender os movimentos realizados, primeiramente, pela educação escolar e, em seguida,

pela Educação Física escolar no âmago das orientações do mesmo. Avaliamos que essas duas

esferas sociais – a educação escolar e a Educação Física escolar – no interior da acumulação

flexível preconizam uma formação do indivíduo em proveito dos objetivos específicos desse

modo de produção. Cadenciando essa formação para a naturalização da competitividade, da

racionalidade, ou seja, enfatizando – mais precisamente na Educação Física escolar, a nível

nacional – a competição, o tecnicismo, o sobrepujar, a concepção da teoria da pirâmide98

.

Com isso, consubstancia a Educação Física para um “rebaixamento teórico” no

âmbito da escola. Esse rebaixamento se dá pela negação da transmissão do conteúdo, oriundo

do conhecimento historicamente sistematizado. Tal ação é imprescindível para a manutenção

do modo de produção capitalista, pois contribui, por um lado, na seleção dos indivíduos e, por

outro lado, na adaptação dos indivíduos aos preceitos cabíveis para a manutenção do status

quo.

Evidenciando-se no âmbito pedagógico, no período da acumulação flexível do

capital, pressupostos oriundos da pedagogia da exclusão que, em última análise, se posta a

“pregar” na formação dos indivíduos uma atuação singular na sua relação com o mercado de

trabalho, uma vez compreendido que caso o indivíduo tenha êxito no cenário profissional é

em virtude do seu próprio desempenho (performance) ou caso o indivíduo não tenha um bom

desempenho – diga-se boa performance – é problema unicamente desse indivíduo que não se

98 Pressupõe-se a seleção dos mais fortes, mais ágeis, mais altos, mais velozes, etc. Tal questão deve ocorrer,

seguindo os pressupostos dessa teoria, realizando uma seleção na base, isto é, no âmbito da Educação Física na

escola. Excluem-se aqueles que não têm condições de chegar ao “topo da pirâmide”.

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capacitou “de maneira suficiente”, portanto, a culpa é apenas sua pelo seu suposto fracasso.

Instaura-se, também, nesse período, as orientações pedagógicas do neoescolanovismo, muito

presente no lema aprender a aprender.99

Na Educação Física escolar no seio desse período histórico, averiguamos proposições

teóricas que culminam por uma prática pedagógica que oriente uma formação, também,

adaptativa, passiva e unilateral. Encontramos teorizações baseadas no positivismo, na

fenomenologia que deram ou ainda dão como objeto de conhecimento da Educação Física,

por exemplo, como ciência: do movimento humano (em uma abordagem apenas corporal, ou

seja, dicotomizada), da motricidade humana, das atividades corporais, do esporte, etc. Enfim,

apenas orientações a-dialética, anistórica e acrítica.

Outra evidência constatada foi a questão da legitimação dessas teorizações tanto no

campo da educação escolar como da Educação Física escolar por parte das políticas públicas

da educação no Brasil. Após, na intitulada reforma educacional se tornou explícita a tentativa

de apresentar modelos de cunho pedagógico em proveito da adaptação do indivíduo ao modo

de produção capitalista. Torna-se comum a prática pedagógica refletida – ou melhor,

irrefletida – por via da pedagogia das competências, da exclusão, da qualidade total, da

corporativa, etc.

Efetivando uma crítica substantiva a essas teorizações de cunho conservadoras,

situamos, no campo da Educação Física escolar, a teorização – preconizada pelo Coletivo de

Autores (1992) – que orienta a tendência crítico-superadora como a mais avançada nesse

campo educacional no cenário brasileiro e que possui como um das suas premissas a crítica ao

modelo social atual e a quaisquer teorizações que têm como orientação uma prática

pedagógica conservadora. Destarte, situamos a contribuição de Duarte (2006, p. 73) ao

realizar uma crítica aos ideários e aos modismos coniventes com os preceitos conservadores:

Trata-se nitidamente de uma naturalização do social, que é visto como resultado

incontrolável e incognoscível das imprevisíveis ações individuais. O conhecimento

individual, por sua vez, é reduzido à percepção imediata e a saberes tácitos. Estamos

perante uma teoria do conhecimento como fenômeno cotidiano, particular,

idiossincrático e não assimilável pela racionalidade científica.

Ao contrário de tais condições e proposições, alocamos a tendência crítico-

superadora. Com isso, em nosso estudo, realizamos, primeiramente, uma descrição da obra do

Coletivo, tendo como objetivo explicitar a sua fundamentação teórica e, simultaneamente, a

sua proposta para a prática pedagógica. Uma vez pautada pelo materialismo histórico-

99 A respeito desse esvaziamento do conhecimento no âmbito escolar, indicamos a obra organizada por Santos

(2013) intitulada “Crítica ao esvaziamento da educação escolar”.

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dialético, essa tendência teórico-metodológica busca apresentar elementos e fundamentos para

a prática pedagógica em Educação Física, tendo como macro-objetivo a superação do atual

status social.

No capítulo seguinte, enfatizamos a compreensão da relação da cultura e da cultura

corporal com a educação escolar e, principalmente, com a Educação Física. Efetivamos,

primeiramente, um estudo sobre a cultura, tendo como estofo teórico o materialismo

histórico-dialético. Como afirmamos, nesse estudo, tanto Marx como Engels não teceram

teses específicas sobre a cultura do ser humano, contudo, em meio as suas produções

encontramos conceitos e problematizações a respeito dessa categoria.

Dessa forma, tornou-se como necessidade para a compreensão da cultura o estudo e a

exposição de outras categorias que, de uma maneira ou de outra, nos esclarecem o movimento

oriundo da cultura humana. Tomamos como categorias de análise: a relação da objetivação e

da apropriação, com a justificativa de expressarem a dinâmica realizada, especificamente,

pelo ser humano na sua autoconstrução ao longo da sua história; e, por incorporação das

categorias objetivação e apropriação, analisamos as categorias humanização e alienação,

compreendidas como uma dinâmica contraditória do processo de objetivação e apropriação

que é realizado, impreterivelmente, no bojo da atual sociedade, findada pelo fracionamento e,

ao mesmo tempo, pela severa luta de classes.

O que é a cultura, portanto, senão a transformação da natureza por parte dos seres

humanos para suprir a sua necessidade (objetivação) e a sua capacidade de acumular essas

transformações ou essas objetivações por meio de signos como bens culturais a serem

apropriados pelos demais seres humanos (apropriação)? Como nos aponta Saviani (2013b, p.

xv): “Eis aí o processo de criação da cultura que outra coisa não é senão natureza

transformada pelo homem. É no ato de autoproduzir-se pelo trabalho que o homem produz

cultura”.

No entanto, a cultura – ou o processo de objetivação e de apropriação – como um

processo humanizador do ser humano, no bojo da sociedade de classes sofre interferência da

alienação preconizada por esse modo de produção no que tange, justamente, a sua forma de

exploração do trabalho do ser humano. Portanto, a humanização e a alienação são categorias

que incorporam a objetivação e a apropriação e que, ao mesmo tempo, dão um caráter

contraditório sobre a relação dessas categorias.

Eis porque o ser humano tem a capacidade de se apropriar dos bens culturais mais

avançados produzidos pelo próprio ser humano no decorrer da sua história. Entretanto, na

sociedade capitalista essa possibilidade de apropriação é fracionada e limitada. Fracionada

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pelo fato de que o acesso a esses bens culturais na sua forma mais elaborada é direcionado

apenas para uma camada dessa sociedade, ou seja, apenas a classe dirigente – a minoria social

– é detentora dessa acumulação de riqueza cultural em um status mais avançado e complexo.

E limitada pelo fato de que para a maioria dos seres humanos, isto é, para a classe

trabalhadora, o acesso aos bens culturais é restringido em proveito da exploração do

trabalhador, ou seja, a classe trabalhadora só tem acesso aos bens culturais que são

necessários para que possa exercer suas funções no âmbito social. O acesso à cultura para essa

classe é limitada até o ponto necessário para que o trabalhador tenha conhecimento daquilo

que deve fazer, a fim de que o dominante possa extrair a mais-valia (possa explorar o

trabalhador).

Esse ponto de limitação também é coerente para que o trabalhador não possa

compreender a realidade em que (sobre)vive e, assim, não possa encontrar elementos

concretos para a superação da sua exploração pelo trabalho. Implica, portanto, um

conhecimento fracionado e limitado em proveito da manutenção da sociedade atual.

Tomando essa questão como fator crucial e elementar para o estudo da cultura e da

cultura corporal, passamos no momento seguinte para a compreensão de tais categorias –

primeiramente da cultura – na sua relação com a educação escolar. Diagnosticamos, neste

estudo, teorizações muito presentes no atual momento da educação escolar – e, também, em

outras esferas sociais – que de maneira explícita ou implicitamente corroboram uma discussão

sobre a cultura e a educação escolar para uma orientação conservadora da prática pedagógica.

Referimo-nos às teorizações pós-modernas que, predominantemente, compreendem a

cultura de maneira limitada e relativa. Isso porque essas teorizações não analisam e não

compreendem as contradições existentes no atual modo de produção, aplicando-se, assim, um

esvaziamento da história e da dialética como fios condutores para a análise do mundo real.

Por consequência, avulta-se o processo de alienação e de estranhamento dos indivíduos,

aplicando-se discursos que perenizam o atual modo de sociabilidade e apresentam explicações

“românticas” de uma concepção de mundo e de homem, consubstanciadas pela fragmentação.

Enaltece a compreensão de culturas segmentais, caracterizando-as como diversidade

cultural e que, na compreensão pós-moderna, é a maneira ideal para avaliar e disseminar a

concepção de cultura. A relação, portanto, da cultura com a educação escolar, para as

teorizações pós-modernas, promulga o “respeito” a essas culturas segmentais, enfatizando o

relativismo cultural e o ceticismo epistemológico como principais pilares para um projeto

educacional. Apontando como conservadora a possibilidade de compreensão de uma cultura

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206

universal – síntese das múltiplas determinações da relação objetivação e apropriação pelos

indivíduos.

Após essa discussão sobre a cultura sob a égide dos fundamentos do materialismo

histórico-dialético e sobre os apontamentos críticos da relação cultura com a educação

escolar, de acordo com as teorizações pós-modernas, passamos no decorrer do segundo

capítulo a explicitar a discussão sobre a cultura corporal como objeto de conhecimento da

Educação Física escolar.

Nesse ponto do estudo realizamos o seguinte movimento: 1) a descrição da cultura

corporal segundo o Coletivo de Autores (1992); 2) a apresentação de críticas realizadas por

outros intelectuais da Educação Física sobre a cultura corporal sob as bases da tendência

crítico-superadora; 3) a exposição de críticas à crítica realizadas sobre essa tendência teórico-

metodológica; 4) na reafirmação do nosso dado de pesquisa (a cultura corporal), apontando

como mediação e contribuição os pressupostos e os desdobramentos da psicologia histórico-

cultural e da pedagogia histórico-crítica que foi abordado no capítulo 03 desse estudo.

Dentre essa análise, concluímos algumas indagações que nos permitiram apresentar

desdobramentos no sentido de contribuir com a tendência crítico-superadora:

O Coletivo, realmente, em sua obra, propõe uma intervenção crítica para a prática

pedagógica da Educação Física no âmbito escolar. Pautando a cultura corporal como

objeto de conhecimento, o Coletivo explicita fundamentos baseado no materialismo

histórico-dialético, a fim de expor a sua concepção de mundo e de homem que se

desencadeia na possibilidade de apresentar uma prática pedagógica em proveito de uma

formação omnilateral do ser humano e de anexar essa área do conhecimento a um projeto

histórico transformador. O Coletivo, isto é, a tendência crítico-superadora apresenta uma

proposição teórico-metodológica em um nível mais avançado, por estar pautada em um

determinado projeto histórico – diga-se um projeto histórico superador – que parte de

uma lógica fundamentada na teoria do materialismo histórico-dialético e, destarte, essa

tendência tem aproximações e, ao mesmo tempo, buscou aprofundamentos na psicologia

histórico-cultural e na pedagogia histórico-crítica. No entanto, ressaltamos que no tempo

histórico que o Coletivo elaborou essa proposição pedagógica, em 1992, tinha-se certo

grau de desenvolvimento e de compreensão dos fundamentos teóricos utilizados.

Inclusive, a própria pedagogia histórico-crítica ainda estava em um momento de

elaboração, pois havia se passado apenas de dez anos do início de sua formulação pelo

professor e pesquisador Dermeval Saviani. Atualmente, tais condições foram se

modificando e se complexificando devido a um trabalho coletivo que procurou

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aprofundar elementos, fundamentos e categorias de tais aportes teóricos e, assim sendo,

propiciando um novo grau de complexidade para compreendermos e contribuirmos com o

objeto de conhecimento da Educação Física escolar;

Quanto às críticas, compreendemos que algumas delas têm, até certa medida, algumas

coerências. No entanto, a questão crucial para desmistificarmos essas críticas é que a

única possibilidade de avançar em elementos e em determinações oriundas do Coletivo é

somente com o aprofundamento das categorias e das leis gerais e particulares do

materialismo histórico-dialético. É infundado elaborar críticas para o Coletivo

fundamentando-se, por exemplo, pela fenomenologia, pela antropologia de Geertz e,

principalmente, pelas teorizações pós-modernas. Outra questão a ser pontuada é que o

Coletivo não pretendeu apresentar um novo receituário pedagógico, pelo contrário, esses

autores pretenderam, em nossa opinião, observar o atual cenário da Educação Física –

início da década de 1990 – e concluíram que tinha como necessidade haver uma

metodologia emergente para a Educação Física escolar que partisse de condições não

conservadoras, frequentes no momento histórico dessa área do conhecimento no âmbito

nacional. E o próprio Coletivo deixou claro que a obra Metodologia do ensino de

educação física não se tratava de uma produção teórica acabada, sem a possibilidade de

haver novas compreensões, reflexões e intervenções acerca do objeto de conhecimento

dessa área, ou seja, a cultura corporal. Ademais, podemos lembrar um dos princípios

curriculares que propõe o Coletivo de Autores (idem) para a prática pedagógica que

sintetiza essa argumentação: princípio da provisoriedade do conhecimento.

As críticas da crítica e/ou as produções que culminam com as ideias gerais da tendência

crítico-superadora são produções pertinentes no que se refere à manutenção dos

princípios dessa tendência. Pois, uma vez balizada, no materialismo histórico-dialético, a

tendência crítico-superadora tem um objetivo ideológico e político da transformação

social. Tal objetivo é fulcral para a prática pedagógica, realmente e concretamente, em

proveito de uma prática histórico-social, dialética e, com isso, crítica. Portanto, as obras

que descrevemos se propõem a contribuir, dada as suas possibilidades, com o objetivo

mais geral da tendência crítico-superadora.

No último momento, passamos a averiguar o nosso objeto de estudo. Esse momento teve

um pertinente papel, porque evidenciamos a psicologia histórico-cultural e a pedagogia

histórico-crítica como os principais embasamentos para o aprofundamento da Educação

Física escolar e o seu objeto de conhecimento, ou seja, a cultura corporal. Portanto,

enfatizou-se a necessidade de aprofundarmos os seguintes elementos: 1) do psiquismo

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humano, com o intuito de compreender como o mesmo se desenvolve e quais as

implicações da compreensão desse desenvolvimento no momento de refletir e propor uma

prática pedagógica – que atue na relação, respectivamente, do ensino e do

desenvolvimento – que corrobore, efetivamente, com esse desenvolvimento em uma

perspectiva da formação omnilateral; 2) da prática pedagógica, fundamentada na

orientação da pedagogia histórico-crítica, no qual privilegia a transmissão do

conhecimento historicamente sistematizado. E, por essa ação, a possibilidade de que a

escola e, assim, a prática pedagógica da Educação Física seja uma formadora de

consciência de classe para-si.

Por fim, o terceiro e último capítulo é balizado pelos fundamentos da psicologia

histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica como produções teóricas que contribuem

decisivamente para a Educação Física escolar na sua relação com a cultura corporal e, assim,

com o trato desse conhecimento no bojo da prática pedagógica.

No que se refere à psicologia histórico-cultural abordamos, primeiramente, o

desenvolvimento do psiquismo humano. Concluindo, assim, que esse desenvolvimento se dá

por meio do acervo acumulado histórica e socialmente da cultura e em sintonia com esse

acervo as transformações que ocorrem nas bases naturais dos seres humanos. Assim,

lembramos uma passagem de Martins (2013c, p. 128), afirmando que “[…] o

desenvolvimento cultural pressupõe unidade entre formação das funções e domínio sobre elas,

isto é, o domínio voluntário de si mesmo”.

A educação escolar e, por conseguinte, a Educação Física devem situar seus esforços

na área de desenvolvimento iminente, a serviço do desenvolvimento da atividade humana nas

suas formas mais complexas. Esse desenvolvimento ocorre por meio da apropriação dos

signos oriundos da cultura. E a apropriação da atividade humana nas suas formas complexas

ocorre na especificidade da educação escolar e da Educação Física escolar pela apropriação

do conceito científico.

A pedagogia histórico-crítica, por sua vez, contribui para a prática pedagógica da

Educação Física por meio, obviamente, das suas bases fundadas no materialismo histórico-

dialético e na psicologia histórico-cultural. Dessa forma, afirma como tarefa para a prática

pedagógica a identificação das formas mais complexas, no qual é configurada pelo saber

sistematizado produzido historicamente – pelos conceitos científicos –, compreendendo-o

pelo seu movimento inerente da sua provisoriedade histórica e dialética. Transformando, esse

saber objetivo – historicamente sistematizado – em saber escolar, isto é, adequando-o em um

formato assimilável para o aluno. E, por fim, pela averiguação dos meios pedagógicos

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necessários e cabíveis para a apropriação desse saber “[…] para que os alunos não apenas

assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção,

bem como as tendências de sua transformação” (SAVIANI, 2008, p. 09).

Finalizando, o nosso estudo, concebemos que por essa unidade (ou tripé) do

materialismo histórico-dialético como explicação filosófica e ontológica, da psicologia

histórico-cultural como explicação psicológica do desenvolvimento humano e da pedagogia

histórico-crítica como explicação pedagógica da prática pedagógica, concluímos que a

tendência crítico-superadora em consonância com tais aportes corrobora decisivamente para a

compreensão e para a transmissão do conhecimento da cultura corporal sistematizado

historicamente, tendo como um por teleológico o desenvolvimento da consciência de classe

dos indivíduos. Preconizando, então, uma prática pedagógica revolucionária em proveito da

formação omnilateral e de um projeto histórico superador do mundo real.

Por meio deste estudo, compactuamos com Martins (2013b, p. 314), ao

compreendermos “[…] que demonstrar o grau de complexidade de dependência existente

entre a formação do psiquismo humano e o ensino de conteúdos sólidos, de saberes

universais, também é uma forma de denúncia e negação da desvalorização e esvaziamento do

ensino escolar”.

Eis aí a possibilidade, consubstanciada pelo tripé teórico, que a educação escolar e a

Educação Física escolar, como sua componente curricular, devem apresentar pressupostos e

desdobramentos para uma crítica substantiva desse esvaziamento e, dessa forma, avultando-se

em possibilidades concretas para uma educação pública e de qualidade para o conjunto dos

indivíduos, sem distinção ou fracionamento de classes. Ademais, todos nós temos a

capacidade, de maneira coletiva e de igualdade, de desenvolver-nos omnilateralmente e,

também, de mudarmos a nossa própria história, objetivando, concretamente, uma nova forma

de produzir a nossa existência, em um âmago para-si e não em-si.

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