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FABRÍCIO BERTINI PASQUOT POLIDO Contribuições ao Estudo do Direito Internacional da Propriedade Intelectual na Era Pós-Organização Mundial do Comércio: Fronteiras da Proteção, Composição do Equilíbrio e Expansão do Domínio Público Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (DIN-FDUSP) Orientadora: Professora Associada Dra. Maristela Basso UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO SÃO PAULO 2010

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FABRCIO BERTINI PASQUOT POLIDO

Contribuies ao Estudo do Direito Internacional da Propriedade

Intelectual na Era Ps-Organizao Mundial do Comrcio: Fronteiras

da Proteo, Composio do Equilbrio e Expanso do Domnio Pblico

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (DIN-FDUSP)

Orientadora: Professora Associada Dra. Maristela Basso

UNIVERSIDADE DE SO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

SO PAULO

2010

FABRCIO BERTINI PASQUOT POLIDO

Contribuies ao Estudo do Direito Internacional da Propriedade Intelectual

na Era Ps-Organizao Mundial do Comrcio: Fronteiras da Proteo,

Composio do Equilbrio e Expanso do Domnio Pblico

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (DIN-FDUSP)

rea de Concentrao: Direito Internacional Orientadora: Professora Associada Dra. Maristela Basso

SO PAULO

2010

UNIVERSIDADE DE SO PAULO CURSO DE PS-GRADUAO

Unidade: FACULDADE DE DIREITO

rea de Concentrao: DIREITO INTERNACIONAL 2135

Orientadora: PROFESSORA ASSOCIADA DRA. MARISTELA BASSO

Candidato/Doutorando: FABRICIO BERTINI PASQUOT POLIDO

N USP: 3121626

Departamento: DIREITO INTERNACIONAL E COMPARADO

Linha de Pesquisa: DIREITO INTERNACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

Projeto Acadmico: DIREITO INTERNACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL:

CODIFICAO, DECODIFICAO E RECONSTRUO DOS DIREITOS

Concluso dos crditos parciais: 28 de junho de 2007

Total de crditos obtidos: 84, com aprovao em todas as disciplinas cursadas

Aprovao em Exame de Qualificao: 04 de maio de 2009

BANCA EXAMINADORA

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

AGRADECIMENTOS

A Tese de Doutorado, ora apresentada como requisito parcial de obteno do Ttulo de

Doutor em Direito Internacional pela Universidade de So Paulo, encerra importante ciclo de

pesquisa e de estudos empreendido no Curso de Ps-Graduao da Faculdade de Direito da

Universidade de So Paulo (FDUSP) entre 2005 e 2009. O trabalho aqui submetido

comunidade acadmica tambm resultado da convivncia e aprendizado com Mestres,

amigos e familiares. Foram anos de intensas reflexes, exerccios de temperana e de

compreenso sobre a difcil tarefa de ensinar, pesquisar e praticar o Direito Internacional em

sua plenitude. Como aluno ou professor, na Velha e sempre Nova Academia de Direito do

Largo So Francisco, nunca deixamos de reconhecer as incertezas e inquietaes impostas

pela vida acadmica sentimentos que so, acima de tudo, da prpria condio humana... Mas

tambm, tempo de considerar que vocao, justia, tolerncia e cosmopolitismo so atributos

inseparveis da vida do jurista internacional e com ele devem sempre permanecer, em

qualquer lugar do mundo.

Assim, no poderia deixar de expressar palavras de agradecimento sincero e amigo, a

todos aqueles que incondicionalmente apoiaram os projetos que levaram realizao da

presente Tese e nos conduziram pelas mos durante o percurso de estudos de Doutoramento na

rea do Direito Internacional. Com palavras verdadeiras e gestos humanos, foram capazes de

mostrar que indiferenas e conflitos no valem pena, e que amizade e gratido so virtudes

maiores que devemos preservar, sempre no melhor esprito de humildade, cordialidade e

constante indignao com as injustias impostas humanidade.

Pela presente Tese, com a qual esperamos contribuir para reas de pesquisa e docncia,

devo agradecimentos a tantos. A todos os professores do Departamento de Direito

Internacional e Comparado da FDUSP (DIN-FDUSP), referncia brasileira para a formao de

juristas nas grandes vertentes do Direito Internacional, em especial os que me acompanharam

por tantos anos, pela confiana e inestimveis conselhos: Prof. Dr. Luiz Olavo Baptista, Prof.

Dr. Joo Grandino Rodas, Prof. Dr. Paulo Borba Casella, Profa. Dra Maristela Basso, Prof. Dr

Umberto Celli Jr., Prof. Dr. Pedro B. Dallari, Prof. Dra. Claudia Perrone-Moiss e Prof. Dra.

Elizabeth Meirelles. E tambm queles que to cedo e lamentavelmente nos deixaram, em

especial, o Professor Guido Fernando Silva Soares e a Professora Araminta Mercadante. Da

Secretria do DIN-FDUSP, lembrarei sempre do constante auxlio das Sras. Aiko Endo e

Claudia Koga nas tarefas administrativas com nossos alunos de Graduao, e, particularmente,

dos preciosos conselhos da Sra. Edna Tsutsui, pela sabedoria, amizade e carinho dispensados

durante todos esses anos.

Ainda na Universidade de So Paulo, pelos conselhos e experincias compartilhadas

nas salas de aula do Curso de Ps-Graduao, meus agradecimentos tambm ao Professor Dr.

Calixto Salomo Filho (DCO-FDUSP), Prof. Dr. Virgilio Afonso da Silva (DES-FDUSP)

Professor Dr. Hermes Marcelo Huck (DEF-FDUSP), Prof. Dr. Gilberto Bercovici (DES-

FDUSP) Professor Dr. Newton De Lucca (DCO-FDUSP) e Prof. Dr. Milton Campanrio

(FEA-USP/IPT). A contribuio de cada um deles foi fundamental para a viso

interdisciplinar do presente trabalho e pelos estmulos constantes na tarefa de pesquisa,

intercmbio e extenso.

Tambm devo agradecimentos aos professores e colegas, coordenao acadmica e

equipe do Master of Laws (LL.M.) da Universit degli Studi di Torino e Organizao

Mundial da Propriedade Intelectual, pelo valoroso convvio durante minha estadia em Turim e

Genebra entre 2006 e 2007. Meus agradecimentos especiais ao Prof. Dr. Marco Ricolfi

(Univ.Torino), Prof. Dr. Jerome Reichman (Duke Law School), Prof. Dr. Craig Allen Nard

(Marquette University), Prof. Dr. Paul Torremans (Nottingham University), Prof. Dr. Antony

Taubman (OMC), Dra. Cristiana Sappa (Center for Internet & Society/Politcnico de Torino)

e Dr. Jos Graa-Aranha (OMPI), pelas idias compartilhadas e rico debate sobre os temas

internacionais da propriedade intelectual. E tambm , Sra. Simoneta Sabbadini e funcionrios

do Centro de Treinamento e Capacitao da Organizao Internacional do Trabalho, da

Biblioteca Francesco Ruffini (Unito), e da Organizao Mundial da Propriedade Intelectual.

Em So Paulo, agradeo imensamente o indispensvel apoio do Instituto de Direito do

Comrcio Internacional e Desenvolvimento (IDCID) e Fundao Ford, nos projetos de

pesquisa e publicao na rea do Direito Internacional da Propriedade Intelectual e Comrcio

Internacional, e aos amigos da Fundao Armando Alvares Penteado, especialmente Prof. Dr.

Fernando Rei, Profa. Dra. Marcia Carneiro Leo, Prof. Dr. Fabio Floh, Profa. Msc. Mnica

Guise, Prof. Dr. Guilherme Carboni, Profa. Sonia Helena dos Santos e Lourdes Zilberberg,

pelas valiosas discusses e trabalho conjunto nesses cinco anos. E tambm a todos os

integrantes de Paulo Roberto Murray Advogados, em especial Dr. Paulo Roberto Murray, Dr.

Alberto Murray Neto, Dra. Tatiana Erhardt, Dra. Patricia Terpins e Dr. Alexandre Maver e Dr.

Bruno Tanus, pela convivncia e esprito de equipe.

Aos amigos: Fernanda Sayeg, Thalita Gonalves, Thiago Marrara, Priscilla Csar,

David Kamkhagi, Giselle Vianna, Clarissa Giordani, Juliane Peres, Tiago Mendes, Fabio De

Martini, Marcelo Prata, Carlos Namur, Mateus Barbosa, Luciana Negrini e tantos outros,

territorialmente distantes, Lars Mnter, Andrea Laplane, Gabriela Gomes, Raquel Palmeira,

Berenice Sofiete, Florian Schlenker e Carola Fink, por nunca deixaram de compartilhar com

meus projetos e realizaes.

Finalmente, agradeo especialmente Professora Maristela Basso, minha orientadora,

pela confiana e lealdade, e por preservar valores maiores de mrito e cooperao entre seus

amigos, orientandos, alunos. Para ela, eterno voto de gratido, amizade e crena no poder

transformador do ser humano.

E para toda a minha famlia americanense e paulistana, em especial, Tti, Maria

Augusta, Fabi, Gui, Gi e Edu, por tudo quanto significam para mim, e por mostrarem que

unio, respeito, amor e persistncia so as expresses mais humanas que a vida pode

concretizar.

So Paulo/ Zurique/Americana,

Maro de 2010

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACE WIPO Advisory Committee on Enforcement

Acordo da

OMC

Acordo constitutivo da Organizao Mundial do Comrcio de 1994

ACTA Anti-Counterfeiting Trade Agreement

ACTN Advisory Committee for Trade Negotiations

AIPI Aliana Internacional da Propriedade Intelectual

AIPLA American Intellectual Property Law Association

ALAI Association Littraire et Artistique Internationale

APEC Cooperao Econmica da sia e do Pacfico

ARIPO African Regional Intellectual Property Organization

ASEAN Associao das Naes do Sudeste Asitico

BIO Biotechnology Industry Organization

BIRD Banco Mundial ou Banco Internacional para a Reconstruo e Desenvolvimento

BIRPIs Secretarias Internacionais Reunidas para a Proteo da Propriedade Industrial, Literria e

Artstica (Bureaux Internationaux Runis pour la Protection de la Proprit Intellectuelle)

BITs Bilateral Investment Treaties

CAFTA Acordo de Livre Comrcio entre Amrica Central, Estados Unidos e Repblica Dominicana

CAN Comunidade Andina

CARICOM Comunidade e Mercado Comum do Caribe

CCI Cmara de Comrcio Internacional

CDB Conveno sobre Diversidade Biolgica de 1992

CDI Comisso de Direito Internacional das Naes Unidas

CDPI Comit da OMPI sobre Desenvolvimento e Propriedade Intelectual

CE Comunidades Europias

CEDH Corte Europia de Direitos Humanos

CEE Comunidade Econmica Europia

CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

CIDIP Conferncia Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado

CIPIH-OMS Comisso de Direitos de Propriedade Intelectual, Inovao e Sade Pblica

CIPR Commission on Intellectual Property Rights

CIPTC China Intellectual Property Training Centre

CMC Conselho Mercado Comum

CPE Conveno de Munique sobre a Patente Europia de 1973

CPJI Corte Permanente de Justia Internacional

CUB Conveno da Unio de Berna sobre Proteo das Obras Literrias e Artsticas de 1886

CUP Conveno de Paris sobre Proteo da Propriedade Industrial de 1883

DMCA US Digital Millenium Copyright Act - 1996

DNS Domain Name System/ Sistema de Nomes de Domnio

DPIs Direitos de Propriedade Intelectual

DRM Digital Rights Management

EAPO Eurasian Patent Office

ECOSOC Conselho Econmico e Social das Naes Unidas

EEP Escritrio Europeu de Patentes

EPO European Patent Office

ESC Entendimento Relativo s Normas e Procedimentos sobre Soluo de Controvrsias da

Organizao Mundial do Comrcio

EU Unio Europia

EUA Estados Unidos da Amrica

FAO Food and Agriculture Organization (Organizao para a Agricultura e Alimentao das Naes

Unidas)

FMI Fundo Monetrio Internacional

FTAs Free Trade Agreements

GATS Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios

GATT 47 Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comrcio de 1947

GATT 94 Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comrcio de 1994

GEDIP Grupo Europeu de Direito Internacional Privado

GPS Generalized Systems of Preferences

ICANN Internet Corporation for Assigned Names and Numbers

ICTSD International Centre for Trade and Sustainable Development

IDI Instituto de Direito Internacional/Institut du Droit International

IDMA Indian Drug Manufacturers Association

IIC International Review of Intellectual Property and Competition Law

IIPA International Intellectual Property Alliance

IIPCAG INTERPOL Intellectual Property Action Group

IIPS International Intellectual Property Society

ILA International Law Association

INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial

INTERPOL International Criminal Police Organization

IPEG Intellectual Property Rights Experts' Group

LDCs Least Developed Countries

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MFN Most-Favoured Nation

NAFTA Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte

NCAC National Copyright Administration of China

NII National Information Infrastructure

NIPLECC

OIPPE

National IP Law Enforcement Coordination Council

Office of Intellectual Property Policy and Enforcement

OAPI Organizao Africana da Propriedade Intelectual

OCDE Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico

OEA Organizao dos Estados Americanos

OECD Organization for Economic Co-operation and Development

OHIM/OAMI Escritrio de Hamonizao do Mercado Interno - Marcas e Desenhos Comunitrios

OIC Organizao Internacional do Comrcio

OIT Organizao Internacional do Trabalho

OMA Organizao Mundial das Alfndegas

OMC Organizao Mundial do Comrcio

OMPI Organizao Mundial de Propriedade Intelectual

OMS Organizao Mundial da Sade

ONG Organizao No Governamental

ONU Organizao das Naes Unidas

OSC rgo de Soluo de Controvrsias

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PCT Patent Cooperation Treaty/ Tratado de Cooperao em Matria de Patentes

PDS Pases desenvolvidos

PEDs Pases em desenvolvimento

PI Propriedade Intelectual

PLT Patent Law Treaty/ Tratado da OMPI de Direito de Patentes

PMDRs Pases de menor desenvolvimento econmico relativo

PNUD Programa das Naes Unidas para Desenvolvimento

RCADI Recueil des Cours de lAcadmie de Droit International de la Haye

SAIC State Administration for Industry and Commerce of the People's Republic of China

SCP Standing Committee on the Law of Patents

SIPO State Intellectual Property Office of Peoples Republic of China

SPLT Substantive Patent Law Treaty / Tratado Substantivo de Direito de Patentes

TCE Tratado de Roma que institui a Comunidade Econmica Europia, de 25 de maro de 1957

TJCA Tribunal de Justia da Comunidade Andina

TJCE Tribunal de Justia das Comunidades Europias

TMPDF Trade Marks, Patents and Designs Federation

TRIPS Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio

TUE Tratado de Amsterd que institui a Unio Europia, de 7 de fevereiro de 1992

UCITA Uniform Computer Information Transactions Act

UNCITRAL Conferncia das Naes Unidas para o Direito do Comrcio Internacional

UNCTAD Organizao das Naes Unidas para o Comrcio e o Desenvolvimento

UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

UNIDROIT Instituto para Unificao do Direito Privado

UPOV Unio Internacional para Proteo das Obtenes Vegetais

USITC U.S. International Trade Commission

USPTO United States Patent and Trademark Office

USTR United States Trade Representative

WCO/OMA World Customs Organization /Organizao Mundial de Alfndegas

WCT WIPO Copyright Treaty 1996

WIPO World Intellectual Property Organization

WPPT WIPO Performances and Phonograms Treaty 1996

WTO World Trade Organization

RESUMO

Ttulo: Contribuies ao Estudo do Direito Internacional da Era Ps-Organizao Mundial

do Comrcio: Fronteiras da Proteo, Composio do Equilbrio e Expanso do Domnio

Pblico

Aps 15 anos de sua adoo pelos Membros da Organizao Mundial do Comrcio, o

Acordo sobre os Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio (TRIPS)

ainda permanece como um dos pilares das modernas instituies do sistema internacional da

propriedade intelectual e merece contnua anlise de seus efeitos sobre pases em

desenvolvimento.

Nesse sentido, tendncias expansionistas e nveis mais elevados de proteo dos

direitos de propriedade intelectual, nas distintas esferas do multilareralismo, bilateralismo e

regionalismo, so, no entanto, confrontadas com as necessidades reais dos pases em

desenvolvimento, que ainda devem explorar as flexibilidades existentes no Direito

Internacional da Propriedade Intelectual. Isso parece ser evidente aps a fase de transio do

Acordo TRIPS. A implementao de obrigaes relacionadas proteo substantiva e

procedimentos de aplicao efetiva da proteo (observncia) d lugar para controvrsias

resultantes das demandas pelo acesso aos bens do conhecimento - bens da tecnologia e

informao na ordem internacional.

O presente trabalho oferece contribuio para o estudo do Direito Internacional da

Propriedade Intelectual na Era Ps-OMC e prope uma anlise e reavaliao de seus

elementos, princpios e objetivos. Enfatiza a tarefa imperativa de redefinio do equilbrio

intrnseco da propriedade intelectual e a manuteno e expanso do domnio pblico,

concebidos como valores de ordem pblica internacional. Nesse contexto, o trabalho prope

analisar os objetivos futuros de um regime internacional da propriedade intelectual, em parte

consolidados pelos proponentes da Declarao de Doha sobre TRIPS e Sade Pblica e a

Agenda da OMPI para o Desenvolvimento.

Em sua estrutura, o trabalho divide-se em trs partes. A primeira parte (Status Quo: O

Presente e o Passado dos Direitos de Propriedade Intelectual na Ordem Internacional) analisa

as polticas e objetivos justificam o regime internacional da propriedade intelectual, seus

fundamentos no Ps-OMC/TRIPS e convergncia das competncias relacionadas

propriedade intelectual na ordem internacional. A segunda parte (O Passado Revisitado rumo

ao Futuro dos Direitos de Propriedade Intelectual) aborda as implicaes das tendncias

expansionistas e fortalecimento dos padres de proteo da propriedade intelectual,

concentrando-se em dois casos principais: a harmonizao substantiva e os sistemas globais

de proteo e observncia dos direitos de propriedade intelectual. A terceira parte (Futuro dos

Direitos de Propriedade Intelectual na Ordem Internacional) prope a redefinio dos

princpios e objetivos centrais do Direito Internacional da Propriedade Intelectual no Ps-

OMC (equilbrio, transparncia, cooperao internacional e transferncia de tecnologia) e a

manuteno e expanso do domnio pblico, flexibilidades e opes para acesso aos bens da

tecnologia e informao.

Palavras-chave: Direito Internacional da Propriedade Intelectual Acordo TRIPS Direito

do Comrcio Internacional Organizao Mundial da Propriedade Intelectual - Organizao

Mundial do Comrcio Agenda da OMPI para Desenvolvimento - Harmonizao Substantiva

- Sistemas Globais de Proteo - Observncia da Propriedade Intelectual - Bens do

Conhecimento - Domnio Pblico

ABSTRACT

Title: "Contributions to the Study of International Law of Intellectual Property in Post-WTO

Era: Frontiers of Protection, Balance and Expansion of Public Domain"

After 15 years from its adoption by the Member States of World Trade Organization,

the Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS) still remains

as one of the main pillars of the modern institutions of international intellectual property

system and deserves a continuous assessment analysis of its overall impacts on developing

countries, their innovation systems and developmental concerns.

In this sense, expansionist trends and higher levels of protection of intellectual property

rights (IPRs) in multilateral, regional and bilateral levels - are nevertheless confronted with

the actual needs of developing countries in exploring existing and pending flexibilities within

the international intellectual property legal regime. This appears to be true particularly after

the post-transitional phase of TRIPS Agreement, where implementation of the multilateral

obligations related to substantive protection and enforcement procedures gave rise to

considerable contentious issues emerging from demands for access to global public goods,

knowledge goods.

This Doctoral Thesis offers a contribution to the current debate on International

Intellectual Property Law in Post-WTO Era and proposes an analysis and reappraisal of its

elements, principles and objectives. The work aims at focusing the imperative task of

redefining the intrinsic balance of intellectual property and maintenance and expansion of the

public domain as values of an international ordre public. In this context, we analyze the

systemic objectives of a prospective international intellectual property regime, which were in

part consolidated by the proponents of Doha Declaration on TRIPS and Public Health of 2001

and WIPO Development Agenda.

In the first part (Status Quo: Past and Present of Intellectual Property in International

Order) we analyze the main development of the current international intellectual property

regime, its foundations in Post WTO/TRIPS, and convergent intellectual property related

competences in international legal order. The second part (Present revisited towards the

future of intellectual property rights) approaches the implications of expansionist trends and

strengthening of standards of IP protection. In this case, our work focuses on two particular

cases: the substantive harmonization and global protection systems and enforcement of

intellectual property rights. The third part (Future of Intellectual Property Rights in

International Legal System) further analyses core objectives and principles of International

Intellectual Property Law in Post-WTO (balance, transparency, international cooperation and

transfer of technology) and proposals for the maintenance and expansion of public domain,

flexibilities and options for the access to the knowledge goods.

Key-Words: International Intellectual Property Law TRIPS Agreeement International

Trade Law World Intellectual Property Organization World Trade Organization WIPO

Development Agenda - Substantive Harmonization Global Protection Systems

Enforcement of IP Rights Knowledge Goods Public Domain

ZUSAMMENFASSUNG

Titel: Ein Beitrag zur Lehre ber das internationale Immaterialgterrecht in der Post-WTO

ra: Grenzen des Schutzes, Wiederherstellung des Gleichgewichts und der Expansion der

Gemeinfreiheit

Selbst 15 Jahre nach seiner Verabschiedung durch die Mitgliedsstaaten der

Welthandelsorganisation verbleibt das bereinkommen ber handelsbezogene Aspekte am

Rechte am geistigen Eigentum (TRIPS-Abkommen) eine der tragenden Sulen des

internationalen Systems zum des Immaterialgterrechts und verdient schon deshalb eine

fortgesetzte Untersuchung seiner Ausstrahlung und Auswirkung auf die Entwicklungslnder,

deren Innovationskraft und Wachstumsinteressen.

Vor diesem Hintergrund treffen Expansionsabsichten, begnstigt durch ein hheres

Schutzniveau der Rechte am geistigen Eigentum (IPRs) nicht nur multilateral, sondern auch

regional und bilateral -, auf das bestehende Interesse der Entwicklungslnder, vorhandene und

schwebende Fragen des internationalen Systems zum geistigen Eigentum zu erforschen. Dies

scheint die wahre Besonderheit der Post-bergangsphase zu sein, in der die Umsetzung der

multilateralen Verpflichtungen zu einem wesentlichen hheren Schutzniveau und effektiven

Durchsetzungsmechanismen fhrte, die Ausdruck in wegweisenden Rechtsstreitigkeiten fand,

ausgelst durch die Forderung nach Teilhabe an globalen ffentlichen Gtern, den

sogenannten Wissensgtern.

Die vorliegende Arbeit leistet einen Beitrag zur Debatte ber das internationale

Immaterialgterrecht in der Post-WTO ra, aufbauend auf einer Analyse und Neubewertung

seiner Elemente, Grundstze und Ziele. Die Untersuchung zielt auf die Notwendigkeit ab, das

Gleichgewicht zwischen den geistigen Eigentumsrechten und dem Erhalt und Ausdehnung der

Gemeinfreiheit als Bestandteil eines globalen Wertesystems neu zu bewerten. In diesem

Zusammenhang werden die systemimmanenten Ziele eines knftigen Regelwerkes zum

Schutz der Immaterialgter analysiert, wie sie teilweise Ausdruck in der Doha-

Entwicklungsagenda und den Stellungnahmen ihrer Befrworter fanden.

Der erste Teil der Arbeit (Status quo: Gegenwart und Vergangenheit des

internationalen Rechtsordnung ber das geistige Eigentum) befasst sich mit den

Kernentwicklungen des bestehenden Regelwerkes ber das internationale

Immaterialgterrecht, seinen historischen Grundlagen und den sich verdichtenden

Kompetenzen zur Behandlung der geistigen Eigentumsrechte innerhalb der internationalen

Rechtsordnung. Der zweite Teil (Bewertung der Gegenwart fr die knftige Entwicklung der

Rechte am geistigen Eigentum) greift die Auswirkungen der Expansionsabsichten und die

Strkung von Schutzstandards bei geistigen Eigentumsrechten auf. In diesem Abschnitt zielt

die Arbeit auf zwei Themenkomplexe ab, nmlich die substanzielle Harmonisierung mit dem

Ziel eines globalen Immaterialgterrechts und die Durchsetzung der

Immaterialgterrechten. Im letzten Abschnitt (Zukunft der Immaterialgterrechte im

Internationalen Rechtssystem) werden weitere Kernziele und Grundgedanken des

internationalen Immaterialgterrechts (in etwa Ausgewogenheit, Transparenz, Internationale

Zusammenarbeit und Wissenstransfer) analysiert und bewertet, sowie Vorschlge fr den

Erhalt und die Ausdehnung der Gemeinfreiheit unterbreitet und Mglichkeiten fr den Zugang

zu Wissensgtern aufgezeigt.

Stichworte: Internationales Immaterialgterrecht TRIPS Abkommen Geistiges Eigentum -

Internationales Handelsrecht Weltorganisation fr geistiges Eigentum -

Welthandelsorganisation - WIPO Entwicklungsagenda substanzielle Harmonisierung

globale Schutzssyteme - Durchsetzung der Rechte des geistigen Eigentums - Wissensgtern

- Gemeinfreiheit

1

NDICE

NDICE ___________________________________________________________________ 1

INTRODUO_____________________________________________________________ 5

I. Apresentao do problema e contextualizao da Tese ____________________________ 5

II. Objetivos da Pesquisa ____________________________________________________ 17

III. Mtodos de Estudo_______________________________________________________ 22

IV. Estrutura do Trabalho ___________________________________________________ 27

PARTE I O STATUS QUO: O PASSADO E O PRESENTE DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NA ORDEM INTERNACIONAL ________________ 30

Captulo 1. O sistema internacional da propriedade intelectual e seus fundamentos na Era Ps-OMC _____________________________________________________________ 31

1.1 Desenvolvimento histrico-sistemtico do Direito Internacional da Propriedade Intelectual ____________________________________________________________________ 31

1.2 Das Unies de Paris e Berna criao da OMPI: centralizao das competncias __ 35

1.3 Proteo da propriedade intelectual no sistema GATT a adoo do Acordo TRIPS/OMC __________________________________________________________________ 41

1.3.1 A propriedade intelectual no contexto do GATT 47 e a Rodada Uruguai ___________________41 1.3.2 Rodada Uruguai do GATT e adoo do TRIPS/OMC__________________________________45 1.3.3 Valores em discusso na Rodada Uruguai: a propriedade intelectual como componente do comrcio internacional _________________________________________________________________50

a) Demandas e repercusses nos Pases Industrializados__________________________________59 b) Demandas e repercusses nos Pases em Desenvolvimento _____________________________64

1.4 O Acordo TRIPS e os padres mnimos de proteo da propriedade intelectual ____ 67

1.5 Flexibilidades e contradies: A Declarao de Doha sobre TRIPS e Sade Pblica de 2001 71

1.6 Propriedade intelectual entre multilateralismo, regionalismo e bilateralismo: Avanos e Retrocessos __________________________________________________________ 76

1.7 Propriedade intelectual na Era Ps-OMC: tendncias expansionistas da proteo__ 86

1.8 Agenda da OMPI para o Desenvolvimento e novas dimenses ___________________ 95

1.9 Anotaes finais de captulo _______________________________________________ 98

Captulo 2 A redefinio das competncias no Direito Internacional da Propriedade Intelectual: A imperiosidade da cooperao e da convergncia_____________________ 101

2.1 Instituies internacionais da propriedade intelectual no Ps-TRIPS/OMC ______ 102

2.2 A OMPI e o regime internacional de proteo da propriedade intelectual ________ 105

2

2.3 A OMC e a regulao da propriedade intelectual no comrcio internacional______ 108 2.3.1 Conselho para TRIPS e obrigaes multilaterais da propriedade intelectual________________111 2.3.2 Conselho para TRIPS e notificao de leis e regulamentos da propriedade intelectual________115

2.4 Limites formais da cooperao institucional entre OMPI e OMC no Ps-TRIPS __ 120 2.4.1 Fundamentos jurdicos da cooperao entre OMPI e OMC_____________________________121 2.4.2 Significado e alcance do Acordo de Cooperao OMPI-OMC de 1996 ___________________123 a) Acesso s leis e regulamentos em matria de propriedade intelectual ____________________124 b) Notificaes sobre o Artigo 6ter da Conveno de Paris de 1883 _______________________128 c) Assistncia e cooperao tcnicas aos Membros da OMPI e OMC ______________________129

2.5 Convergncia de competncias no Direito Internacional da Propriedade Intelectual ___________________________________________________________________ 133

2.5.1 Acesso sade e medicamentos essenciais: OMS e Propriedade Intelectual _______________137 2.5.2 Cooperao para o desenvolvimento: UNCTAD e Propriedade Intelectual ________________141 2.5.3 Eixo OMPI-OMC e a Conveno sobre a Diversidade Biolgica _______________________144 2.5.4 Tendncia expansionista da propriedade intelectual e OCDE __________________________148

2.6 Novas modalidades de cooperao no sistema internacional da propriedade intelectual____________________________________________________________________ 153

2.7 Convergncia e cooperao na dimenso global da propriedade intelectual ______ 154

2.8 Anotaes finais de captulo ______________________________________________ 158

PARTE II: O PRESENTE REVISITADO RUMO AO FUTURO DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ___________________________________________ 161

Captulo 3. Harmonizao Substantiva no Direito Internacional da Propriedade Intelectual e os Sistemas Globais de Proteo___________________________________ 162

3.1 Harmonizao substantiva nas convenes clssicas da propriedade intelectual ___ 164

3.2 Harmonizao substantiva da propriedade intelectual o Acordo TRIPS _________ 175

3.3 Valores e objetivos de harmonizao substantiva dos direitos de propriedade intelectual no Ps-OMC ________________________________________________________ 178

3.4 Sistemas Globais de Proteo da Propriedade intelectual na Era Ps-OMC ______ 181

3.5 Perfis de um novo sistema global de patentes ________________________________ 186 3.5.1 Padres de proteo patentria na era Ps-TRIPS: convergncia entre modelos_____________188 3.5.2 Flexibilidades do Acordo TRIPS e direito de patentes: excees e licenas compulsrias _____193 3.5.3 Sistema internacional de aquisio e gerenciamento de direitos patentrios: Relao entre PCT e PLT____ _________________________________________________________________________198 3.5.4 Regime substantivo de direito de patentes: o caso do SPLT e iniciativas recentes da OMPI ___206 3.5.5 Relao entre o SPLT e flexibilidades do Acordo TRIPS ______________________________210

3.6 Sistema internacional de proteo das marcas _______________________________ 217 3.6.1 As marcas no regime internacional clssico da propriedade intelectual ___________________218 3.6.2 Os efeitos do Acordo TRIPS sobre a proteo internacional das marcas __________________221 3.6.3 Fortalecimento da aquisio e manuteno dos registros: Acordo de Madrid de 1891 e Tratado de Direito de Marcas de 1994 (TLT) ___________________________________________________225 3.6.4 O Tratado de Cingapura sobre Direito de Marcas de 2006 (STLT) _____________________229

3.7 Proteo internacional dos direitos de autor e novas tecnologias nos ambientes digitais 231

3.7.1 Proteo internacional dos direitos de autor entre a CUB e TRIPS/OMC__________________232 3.7.2 Direitos de autor e conexos e concepo tradicional das obras de autoria no TRIPS/OMC____235 3.7.3 Proteo internacional dos direitos conexos e seu reconhecimento como categoria autnoma _241 3.7.4 Tratados da OMPI sobre Internet de 1996 e a Agenda Digital (WCT e WPPT) _____________246

3

3.7.5 Adaptao das categorias de direitos de autor ao ambiente digital: perspectivas do Tratado da OMPI sobre Direito de Autor de 1996__________________________________________________253 3.7.6 Evoluo recente sobre as negociaes do Tratado da OMPI sobre Proteo dos Organismos de Radiodifuso _____________________________________________________________________259

3.8 Anotaes finais de capitulo______________________________________________ 263

Captulo 4. Aplicao efetiva das normas da propriedade intelectual na ordem internacional: Procedimentos e alcance da proteo _____________________________ 266

4.1 Aplicao das normas de proteo da propriedade intelectual no contexto Ps-OMC 267

4.2 Justificativa das normas de observncia da propriedade intelectual no TRIPS ____ 273

4.3 Natureza e alcance das obrigaes de aplicao da proteo ___________________ 276

4.4 Princpios gerais relacionados aplicao efetiva da propriedade intelectual _____ 281 4.4.1. Princpios gerais estabelecidos pelo Art. 41 do TRIPS ________________________________282 4.4.2. Interpretao do Artigo 41 do TRIPS na prtica do OSC/OMC _________________________289

4.5 Flexibilidades na implementao das normas relativas aplicao da propriedade intelectual____________________________________________________________________ 292

4.6 OSC e controvrsias internacionais sobre as obrigaes da Parte III do TRIPS ___ 295 4.6.1 DS83 Dinamarca - Medidas que afetam a observncia dos direitos de propriedade intelectual e DS86 Sucia - Medidas que afetam a observncia dos direitos de propriedade intelectual _________________________________________________________________________297 4.6.2 DS124 Comunidades Europias: Observncia dos direitos de propriedade intelectual para filmes e programas de televiso.________________________________________________________300 4.6.3 DS171 Argentina - Proteo de patentes de produtos farmacuticas e proteo de dados de prova relativos a produtos qumicos para agricultura e DS 196 Argentina- certas medidas sobre proteo de Patentes e dados de teste ____________________________________________________303 4.6.4 DS 362 China Medidas que afetam a Proteo e Observncia dos Direitos de Propriedade Intelectual _________________________________________________________________________304

4.7 Efeitos das obrigaes de observncia da propriedade intelectual no Ps-OMC ___ 314

7.8 Tendncias expansionistas de proteo e adoo de normas TRIPs-Plus ________ 324

4.9 Anotaes finais de captulo ______________________________________________ 332

PARTE III O FUTURO DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NA ORDEM INTERNACIONAL________________________________________________ 337

Captulo 5 Redefinindo elementos do Direito Internacional da Propriedade Intelectual: composio do equilbrio e expanso do domnio pblico _________________________ 339

5.1 Reavaliando princpios e objetivos do Direito Internacional da Propriedade Intelectual ___________________________________________________________________ 339

5.2 Equilbrio entre direitos e obrigaes da propriedade intelectual _______________ 347

5.3 Transparncia internacional e propriedade intelectual________________________ 352

5.4 Cooperao internacional para assistncia tcnica em propriedade intelectual ____ 358

5.5 Transferncia de tecnologia e pases de menor desenvolvimento relativo _________ 367

5.6 Preservao e expanso do domnio pblico da informao: valores de ordem pblica internacional__________________________________________________________ 380

4

5.6.1 Domnio pblico e acesso aos bens do conhecimento _________________________________383 5.6.2 Domnio pblico na interface com o Acordo TRIPS __________________________________387 5.6.3 Preservao e expanso do domnio pblico como ordem pblica internacional___________391

5.7 Flexibilidades e acessos aos bens essenciais na preservao e expanso do domnio pblico 399

5.7.1 Reduo do escopo e excluso de matria protegida __________________________________399 5.7.2 Limitaes e excees aos direitos de propriedade intelectual __________________________408 5.7.3 Licenciamento compulsrio, interesse pblico e propriedade intelectual__________________424 5.7.4 Exausto internacional ou esgotamento de direitos de propriedade intelectual ______________430

5.8 Contrapartidas e justificativas para proteo da propriedade intelectual na Era Ps-OMC ____________________________________________________________________ 439

5.9 Anotaes finais de captulo ______________________________________________ 444

Captulo 6 CONCLUSES ________________________________________________ 447

BIBLIOGRAFIA__________________________________________________________ 457

1. Livros_____________________________________________________________ 457

2. Artigos de Coletaneas, Perodicos, e Revistas ____________________________ 472

3. Documentos e Estudos Relevantes ______________________________________ 512 ANEXOS CD-ROM

5

"La pense ne peut connatre de barrires; les frontires ne sont pas faites

pour les droits de la pense; car elle embrasse le monde entier, elle spanche irrsistible comme les flots de locan; et, comme on la fort bien

dit, on ne plante pas de bornes sur locan" Francesco RUFFINI, "De la protection internationale des droits sur les

oeuvres litteraires et artistiques", in Recueil des cours, vol.12 (1926-II), p.395

"What is wanted is not the will to believe,

but the will to find out, which is the exact opposite." Bertrand RUSSELL, Skeptical Essays (1928), "On the Value of Skepticism"

() Indeed perhaps more than any other sector of human institutions, the profundity of change of international law has been so extensive as to be

worthy of the description paradigm shift. The basic concepts of international law have now to face great, and at times

disturbing, challenges. John JACKSON, The changing fundamentals of International Law and ten

years of the WTO, in Journal of International Economic Law, vol.8, n.3, 2005, p.7

INTRODUO

I. Apresentao do problema e contextualizao da Tese

A entrada em vigor do Acordo TRIPS, como um dos resultados da Ata Final da

Rodada Uruguai do GATT em 19941, inaugurou e consolidou importante fase para o

Direito Internacional da Propriedade Intelectual levando-o incontestvel

institucionalizao, renovao de fontes normativas e reviso de fundamentos. Alm de

significar imediatamente um marco para tratamento especial dos direitos de propriedade

intelectual no contexto do sistema multilateral do comrcio sob as bases do GATT/OMC, o

TRIPS determinou e influenciou profundas transformaes nos valores e princpios que 1 Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio, integrante do Anexo IC do Acordo Constitutivo da Organizao Mundial do Comrcio, de 15 de abril de 1994, incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto n 1.355, de 31 de dezembro de 1994. O ato de ratificao da Ata Final contendo o Anexo IC foi depositado pelo Brasil em Genebra, em 24 de dezembro de 1994. No presente trabalho, adotaremos a expresso Acordo TRIPS ou simplesmente TRIPS, com referncia sigla usualmente praticada no sistema multilateral do comrcio para Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights.

6

justificam a proteo das criaes e invenes na ordem internacional, e nos mecanismos

pelos quais os bens do conhecimento so cada vez mais apropriados em detrimento da

existncia do domnio pblico e do espao da livre informao.2

As obrigaes multilaterais assumidas no Acordo TRIPS resultaram em elevao

dos nveis de proteo dos direitos de propriedade intelectual, aprofundando o grau de

harmonizao pretendida - mas nunca alcanada - pelos Estados nos regimes clssicos da

Conveno de Paris para Proteo da Propriedade Industrial de 18833 e da Conveno de

Berna para a Proteo das Obras Literrias e Artsticas de 18864, influenciando

diretamente as polticas legislativas domsticas da propriedade intelectual em torno da

adoo de padres mnimos de proteo.5

Como resultado evidente da adoo do Acordo TRIPS pelos Membros da OMC,

observou-se que a consolidao da interao sistmica entre normas do comrcio

internacional e a propriedade intelectual foi alm dos objetivos originrios dos

negociadores da Rodada Uruguai do GATT. O novo regime da propriedade intelectual no

contexto Ps-OMC fundou-se na relao imediata entre proteo substantiva ou material

para determinadas categorias da propriedade intelectual (tambm fundados em sistemas

globais de proteo), na observncia ou aplicao de normas de proteo da propriedade

2 Cf. BRAITHWAITE, John e DRAHOS, Peter. Global Business Regulation. New York: Cambridge University Press, 2000, p.63 e ss; idem, Information Feudalism: Who Owns the Knowledge Economy? London: Earthscan, 2002, p.192 e ss.; MASKUS, Keith E. e H. REICHMAN, Jerome (ed.), International Public Goods and Transfer of Technology Under a Globalized Intellectual Property Regime. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2005, p.3 e ss. Como opo metodolgica, o conceito de bens do conhecimento aqui empregado para compreender repertrio mais amplo - aquele dos bens da tecnologia e da informao. Em grande medida, ainda que retrica, essa distino supera a noo de bens do intelecto, bens imateriais, bens intelectuais, enquanto a racionalidade dos direitos de propriedade intelectual no contexto Ps-OMC deixa de se justificar apenas na proteo jurdica de criaes e invenes, proporcionando, igualmente, a apropriao de bens existentes no domnio pblico. 3 Conveno de Paris para Proteo da Propriedade Industrial, de 20 de maro de 1883, com a Reviso de Estocolmo, de 14 de julho de 1967, incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto n 75.572 de 8 de abril de 1975 (aqui indicada pela expresso Conveno de Paris de 1883 ou CUP e analisada de acordo com a Reviso de Estocolmo de 1967). 4 Conveno de Berna para a Proteo das Obras Literrias e Artsticas, de 9 de setembro de 1886, com a Reviso de Paris, de 24 de julho de 1971, incorporada ao ordenamento jurdico brasileiro pelo Decreto n 75.699, de 6 de maio de 1975 (no presente trabalho, indicada pela expresso Conveno de Berna de 1886 ou CUB). 5 Cf., fundamentalmente, ABBOTT, Frederick M.; COTTIER, Thomas, e GURRY, Francis. The International Intellectual Property System: Commentary and Materials. The Hague/London/Boston: Kluwer Law International, 1999, p.284 e ss.; ROFFE, Pedro, Amrica Latina y la Nueva Arquitectura Internacional de la Propiedad Intelectual: de los ADPIC-TRIPS a los Nuevos Tratados de Libre Comercio. 1 ed.. Buenos Aires: La Ley, 2007, p. 59 e ss.

7

intelectual no plano internacional6, e na possibilidade de recurso, pelos Estados, ao rgo

de Soluo de Controvrsias da OMC7.

Esse regime confronta-se substancialmente com os fundamentos do antigo sistema

edificado sob as Unies de Paris e de Berna e impe nova arquitetura para o modelo

clssico de regulao internacional, complementando o sistema das histricas convenes

administradas pela Organizao Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).8 Princpios

bsicos, como tratamento nacional, proteo automtica, proteo mnima9, foram

conduzidos a um refinamento tcnico e conceitual; no conjunto das normas multilaterais do

comrcio, eles ganharam a forma de padres mnimos de proteo dos direitos de

propriedade intelectual, materializados em obrigaes substantivas e procedimentais a

serem cumpridas pelos Membros da OMC.10

Ainda no final da Rodada Uruguai, houve tentativa de constituio de nova ordem e

nomos para o Direito Internacional da Propriedade Intelectual, cujas instituies se

fortalecem pelas garras do sistema GATT/OMC e pela adoo, entre os Membros do

TRIPS, de padres mnimos de proteo de direitos de propriedade intelectual. No curso

do desenvolvimento histrico do sistema internacional da propriedade intelectual edificado

sob as Unies de Paris e de Berna, sempre houve esforo constante dos Estados pela

harmonizao normativa no plano internacional, centrada primariamente na preocupao

de proteo dos interesses dos titulares inventores e criadores.11 Durante quase toda a

6 Como ser examinado na Parte II do presente trabalho, adotamos a expresso observncia e aplicao das normas de proteo, para designar as obrigaes decorrentes dos Artigos 41 e seguintes do TRIPS relativos aos procedimentos de proteo da propriedade intelectual, em razo da complementaridade que mantm com a proteo substantiva (direitos conferidos, prazos de proteo, escopo de proteo). 7 Aqui, em especial, ver Artigo 64.1 do TRIPS para casos de violao das obrigaes multilaterais pelos Membros da OMC: O disposto nos Artigos 22 e 23 do GATT 1994, como elaborado e aplicado pelo Entendimento de Soluo de Controvrsias, ser aplicado a consultas e solues de controvrsias no contexto deste Acordo, salvo disposio contrria especificamente prevista neste Acordo. 8 Sobre isso ver fundamentalmente ABBOTT, Frederick M.. Distributed Governance at the WTO-WIPO: An Evolving Model for Open-Architecture Integrated Governance, in Journal of International Economic Law vol.3, n.1, 2000, p. 63 e ss; HELFER, Laurence R. Regime Shifting: The TRIPs Agreement and New Dynamics of International Intellectual Property Lawmaking, in Yale Journal of International Law, vol.29. 2004, p.3 e ss. 9 Cf., por exemplo, Art. 2.1 da CUP, Art.5.1 e Art. 5.2 da CUB. 10 Destacamos aqui o alcance efetivo do Artigo 1.1 do TRIPS, que prev a liberdade de escolha dos mtodos de implementao das normas do Acordo pelos Membros da OMC, sugerindo flexibilidades ou faculdades, admitidas na concepo mais ampla de exerccio da soberania dos Estados quanto adoo de leis e regulamentos e tambm na soluo ou adjudicao de litgios da propriedade intelectual em seus ordenamentos internos. 11 Cf. comentrios de SOLBERG, Thorvald, The International Copyright Union, in Yale Law Journal, vol.36, 1926, p.68 e ss; BODENHAUSEN, Georg H.C. Problmes actuels du droit international de la proprit industrielle, littraire et artistique, in Recueil des cours, vol.74 (1949-I), p. 379 ss.; DLEMEYER, Barbara, Wege der Rechtsvereinheitlichung: Zur Auswirkung internationaler Vertrge auf europische Patent- und Urheberrechtsgesetze des 19. Jahrhunderts, in COING, Helmut; BERGFELD,

8

segunda metade do sculo XX, o papel da OMPI esteve ligado aos objetivos originrios da

Conveno de Estocolmo de 1967, fundamentalmente, o de promover a proteo da

propriedade intelectual em todo o mundo.12

Mesmo aps a incluso da Organizao entre as agncias especializadas das Naes

Unidas em 1974, sua liderana teve dificuldades em reconhecer as contradies entre o

novo mandato atribudo ao sistema constitucional internacional e as necessidades impostas

pela agenda da Nova Ordem Econmica Internacional (NIEO), que assentava um programa

muito amplo de reviso do sistema econmico internacional sob as bases do Fundo

Monetrio Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD) e sua interao com as Naes

Unidas, proporcionando alavancar o desenvolvimento no Terceiro Mundo e reclamos de

transferncia de tecnologia compulsria para os pases mais pobres do globo.13

Embora a OMPI fosse atribuda a competncia de promover a atividade criativa

intelectual e facilitar a transferncia de tecnologia relativa propriedade industrial nos

pases em desenvolvimento, a fim de acelerar o desenvolvimento econmico, social e

cultural, no quadro do Acordo de 1974 com as Naes Unidas14, a Organizao se

mantinha restrita s competncias da Conveno de Estocolmo de 1967. Consolidou-se

como instituio concentrada em atividades de elaborao, negociao e administrao de

tratados da propriedade intelectual, a criao de um arcabouo normativo relativamente

consistente para o reconhecimento, aquisio, manuteno e registros de direitos de

propriedade intelectual.15 Para alguns pases desenvolvidos, no entanto, faltava-lhe

essncia institucionalizada e adjudicatria para enderear as demandas por aplicao

efetiva das normas de proteo, cujo dficit, como apontado pela doutrina, teria levado os

Estados Unidos a intensificarem ofensivas em favor do fortalecimento dos direitos de

Christoph (Hrsg.), Aspekte europischer Rechtsgeschichte: Festgabe fr Helmut Coing zum 70. Geburtstag. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1982, p.65 e ss. 12 Cf. Art.3 da Conveno de Estocolmo que institui a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual, de 14 de julho de 1967. Incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto n 75.541, de 31 de maro de 1975, que promulga a conveno que Institui a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual. 13 Cf. BHAGWATI, Jagdish N. New International Economic Order: North-South Debate. Cambridge: MIT Press, 1978, p.3 e ss. 14 Acordo entre as Naes Unidas e a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual. O Acordo entrou em vigor no plano internacional em 17 de dezembro de 1974. Em 21 de janeiro de 1975, o ento Secretrio Geral das Naes Unidas, Sr. Waldheim, e o Diretor Geral da OMPI, Dr. Arpad Bogsch, firmaram protocolo que se incorporou ao texto definitivo e atualizado do Acordo. Verso disponvel em (ltimo acesso em 14 de maro de 2010). 15 Nesse caso, consideramos a classificao atualmente adotada pela doutrina e pela prpria OMPI em: i) tratados destinados proteo substantiva da propriedade intelectual; ii) tratados de proteo global e registros; iii) tratados de classificao.

9

propriedade intelectual, direcionadas aos pases em desenvolvimento16. Com a aplicao de

medidas unilaterais de suspenso de concesses comerciais (genericamente designadas

como retaliaes ou embargos comerciais), em especial os remdios oferecidos pelo

Special 301 do Pargrafo 301 da Lei de Comrcio norte-americana de 1974 (Trade Act of

1974)17, os Estados Unidos pressionaram pases em desenvolvimento a deslocarem o foro

de negociao de normas da propriedade intelectual da OMPI para o sistema do Acordo de

Comrcio e Tarifas de 1947 (GATT 47), culminando com a adoo do Acordo TRIPS na

Rodada Uruguai em 1994.

Aps tantas controvrsias nas negociaes e conseqente adoo do TRIPS, os

Membros da OMC lograram atribuir, s estruturas do Direito Internacional da Propriedade

Intelectual, feio nitidamente institucionalizada e baseada em um sistema de soluo de

controvrsias de carter adjudicatrio, fundado na competncia do rgo de Soluo de

Controvrsias. Aps 15 anos de vigncia, inegvel a importncia do papel de governos e

legisladores domsticos na tarefa de ajustamento dos ordenamentos jurdicos internos

implementao das obrigaes assumidas no TRIPS, concretizando a chamada Agenda

Global dos Direitos de Propriedade Intelectual.18 Para alm de vincularem as relaes

econmicas internacionais da propriedade intelectual a um sistema adjudicatrio de

16 Sobre isso, cf. BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual, cit., p.100; MATTHEWS, Duncan. Globalizing Intellectual Property Rights: The TRIPs Agreement. London: Routledge, 2002, p.25 e ss; SELL, Susan, Private Power, Public Law: The Globalization of Intellectual Property Rights. Cambridge, UK: Cambridge Univ.Press. 2003, p.75 e ss. 17 Section 301 of the Trade Act of 1974 (19 U.S.C. 2411), Disponvel em (ltimo acesso em 14 de maro de 2010). Destacamos aqui especificamente a aplicao das medidas de suspenso de concesses comerciais ou retaliaes de acordo com a Special 301, que se fundamenta no Pargrafo 1303 da Omnibus Trade and Competitiveness Act of 1988. Essa lei introduz dispositivos na Lei de Comrcio de 1974, para autorizar o Escritrio de Comrcio Exterior norte-americano (USTR) a iniciar investigaes de outros pases terceiros que supostamente apresentem padres pouco adequados ou efetivos de proteo da propriedade intelectual, incluso em listas de observao de cumprimento de normas da propriedade intelectual (IP Watch Lists) e aplicao de medidas de retaliao. Em essncia, a Special 301 foi concebida para aperfeioar o sistema de negociao de normas internacionais da propriedade intelectual, capacitando rgos governamentais e diplomatas norte-americanos a atuarem incisivamente contra pases que supostamente adotavam padres no satisfatrios de proteo da propriedade intelectual. Anualmente, o USTR identifica Estados estrangeiros que negam proteo adequada e efetiva aos direitos de propriedade intelectual ou acesso justo e equitativo a mercados por pessoas norte-americanas com base na proteo de direitos de propriedade intelectual, inserindo-os no IP Watch List. 18 Para alguns autores, a adoo do TRIPS no quadro normativo do sistema multilateral do comrcio sob as bases do GATT/OMC teria determinado uma irreversvel globalizao dos direitos de propriedade intelectual, justificada na introduo de regimes de proteo em paises em diferentes nveis de desenvolvimento. Sobre isso, ver MATTHEWS, Duncan. Globalizing Intellectual Property Rights: The TRIPs Agreement. cit., p.20 e ss; MEIER, Henk E., Wissen als geistiges Privateigentum? Die Einfriedung der Public Domain, in Leviathan, vol.33, n.4, 2005, p. 492 e ss.; Para uma abordagem crtica das negociaes em torno da suposta globalizao dos direitos de PI, ver BHAGWATI, Jagdish N. In Defense of Globalization. New York/Oxford,UK: Oxford University Press US, 2007, p.183 e ss.

10

soluo de controvrsias19, as normas do TRIPS/OMC conferiram efeitos intrusivos s

obrigaes multilaterais do Direito Internacional da Propriedade Intelectual, sem

precedentes na prtica dos tratados administrados pela OMPI.20 Expandiram as fronteiras

da proteo dos bens resultantes da atividade criativa e inventiva para os mercados

domsticos de pases de distintos graus de desenvolvimento e impregnaram o sistema

internacional da propriedade intelectual de uma cultura acentuadamente justificada na

privatizao ou apropriao dos bens do conhecimento.21

Os resultados do TRIPS foram percebidos em vrias vertentes. Primeiramente, a

adoo das normas do Acordo pelos Membros da OMC desencadeou tendncias

expansionistas da proteo da propriedade intelectual, refletidas nos domnios tradicionais

das marcas, patentes, desenhos industriais e direitos de autor e conexos,22 e a consolidao

de categorias hbridas e sui generis de proteo, como aquelas relativas s topografias

de circuitos integrados, obtenes vegetais ou cultivares, compilaes (ou bases) de dados

e programas de computadores, ento existentes nos Estados Unidos e pases da Europa.23 O

TRIPS tambm inova ao introduzir obrigaes procedimentais relativas aplicao das

19 LOWENFELD, Andreas, International Economic Law, Oxford, Oxford Univ. Press, 2002, p.421 20 O Acordo TRIPS alavancou definitivamente o cumprimento das obrigaes substantivas e procedimentais da propriedade intelectual no sistema multilateral do comrcio, fortalecendo os mecanismos de proteo, constantemente questionados pelos pases industrializados no contexto do desenvolvimento histrico do Direito Internacional da Propriedade Intelectual, em particular quanto aos tratados administrados pela OMPI. Destacamos aqui a natureza intrusiva das normas do sistema multilateral do comrcio, caracterizada pela relao entre o cumprimento das obrigaes assumidas nos Acordos da OMC, sua respectiva implementao pelos Membros nos ordenamentos domsticos e o controle exercido pelo sistema de soluo de controvrsias fundado nas competncias do OSC. Cf. BARTON, John H., The Evolution of the Trade Regime: Politics, Law, and Economics of the GATT and the WTO. Princeton/NJ: Princeton University Press, 2006, p.48 e ss. 21 Retomamos aqui a anlise, relevante como interface ao objeto do presente trabalho, das polticas e relaes internacionais envolvendo os direitos de propriedade intelectual na Rodada Uruguai do GATT e antecedentes do TRIPS. Sobre isso, cf. SELL, Susan K. Power and Ideas: North-South Politics of Intellectual Property and Antitrust. State University of New York Press, 1997, especialmente p.130 e ss; BRAITHWAITE, John e DRAHOS, Peter. Information Feudalism: Who Owns the Knowledge Economy? London: Earthscan, 2002; SELL, Susan. Private Power, Public Law: The Globalization of Intellectual Property Rights. Cambridge, UK: Cambridge Univ.Press. 2003, p.55 e ss. Os autores analisam a formao de coalizo de interesses corporativos e associativos e a presso exercida para adoo de padres mais elevados de proteo da propriedade intelectual no TRIPS/OMC, incluindo atividades de lobby feitas pelo Comit Consultivo para Negociaes Comerciais norte-americano (ACTN), Aliana Internacional da Propriedade Intelectual (IIPA), Comit de Propriedade Intelectual (IPC), Escritrio de Marcas e Patentes norte-americano (USPTO), Confederao das Indstria Alem, dentre outras, sobre as negociaes do TRIPS na Rodada Uruguai. 22 Ver ROFFE, Pedro, Amrica Latina y la Nueva Arquitectura Internacional de la Propiedad Intelectual: de los ADPIC-TRIPS a los Nuevos Tratados de Libre Comercio. 1 ed. Buenos Aires: La Ley, 2007, p. 79 e ss. 23 Nesse caso, poderia observar-se, muitas vezes, uma importao ou transposio, para o Direito Internacional da Propriedade Intelectual, de modelos j estabelecidos nos direitos nacionais, como aqueles criados pelo legislador norte-americano e dos pases da Unio Europia. Sobre isso, cf. especialmente estudos do Professor Jerome H. REICHMAN, Legal Hybrids Between the Patent and Copyright Paradigms, in Columbia Law Review, vol.94, 1994, p.2432 e ss., e Universal Minimum Standards of Intellectual Property Protection under the TRIPS Component of the WTO Agreement, in International Lawyer, vol. 29, 1995, p. 345 e ss.

11

normas de proteo dos direitos de propriedade intelectual pelos Membros24 e de

gerenciamento internacional desses direitos, em seus aspectos aquisitivos e atinentes a

registros, fortalecendo os tratados e acordos da propriedade intelectual pr-existentes e

administrados pela OMPI.25

A promessa de desenvolvimento, bem estar e crescimento econmico, transferncia

de tecnologia e reduo das distores no comrcio, em grande parte orquestrada na

Rodada Uruguai do GATT em torno da adoo do TRIPS, no entanto, foi integralmente

rompida anos mais tarde entre os Membros da OMC. Contra a tendncia do

multilateralismo na regulamentao da proteo internacional das tecnologias, o perodo

Ps-OMC tambm revelou a retomada e, ao mesmo tempo, fortalecimento do bilateralismo

e regionalismo na propriedade intelectual. Novas negociaes internacionais inseriram

captulos temticos da propriedade intelectual em tratados bilaterais de investimentos

(BITs), acordos de livre comrcio e acordos de parceria econmica, sobretudo aqueles

elaborados pelos Estados Unidos e Unio Europia e pases da Associao Europia de

Livre Comrcio (EFTA)26. Na viso de DRAHOS e BRAITHWAITE27, esse modelo

consolidou no apenas uma sofisticao dos centros decisrios da poltica normativa

internacional da propriedade intelectual entre organizaes OMPI e OMC mas tambm

a criao de novos padres de proteo dos direitos de propriedade intelectual a partir de

tratados e acordos de alcance interestatal reduzido. So modelos normativos objetivados

pelos pases desenvolvidos e que seriam impossveis de serem estabelecidos por consenso

no multilateralismo clssico da propriedade intelectual sob os sistemas da OMPI e

GATT/OMC.28

Como principal resultado desse novo formato de bilateralismo e regionalismo aps

a concluso da Rodada Uruguai do GATT e criao da OMC, observou-se a tentativa de

reduo da efetividade de normas multilaterais, como aquelas previstas no TRIPS, relativas

s flexibilidades e salvaguardas a serem aplicadas ou invocadas pelos pases em

24 Cf. especialmente a Parte III do Acordo TRIPS relativa s obrigaes de aplicao das normas de proteo da propriedade intelectual. 25 Cf. Art.62 do TRIPS, que estabelece a liberdade de os Membros exigirem requisitos de acesso proteo dos direitos de PI, como para aquisio e manuteno de registros, em conformidade com procedimentos e formalidades razoveis em relao aos padres mnimos de proteo estabelecidos pelo Acordo. 26 Cf., fundamentalmente, BASSO, Maristela. Propriedade Intelectual na Era Ps-OMC, cit., p.11 e ss.; BARTON, John H., The Evolution of the Trade Regime: Politics, Law, and Economics of the GATT and the WTO, cit., p.174 e ss; 27 Global Business Regulation. New York: Cambridge University Press, 2000, p.65 e ss. 28 Sobre isso, cf. DRAHOS, Peter. BITS and BIPS: Bilateralism in Intellectual Property, in Journal of World Intellectual Property, vol.4, 2001, p.791 ss.; idem, Developing Countries and International Intellectual Property Standard-Setting, in Journal of World Intellectual Property, n.5, 2002, p. 765 e ss.

12

desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo para adoo de padres mnimos de

proteo da propriedade intelectual estabelecidos pelo Acordo29. Nesse sentido, pases

desenvolvidos buscaram assentar nova ordem da regulamentao da propriedade

intelectual justificada por trs objetivos: o primeiro baseado na mudana de foco na

produo normativa internacional, subtraindo-a das competncias das Organizaes, tais

como aquelas justificadas nos tratados administrados pela OMPI e no TRIPS/OMC30. O

segundo diz respeito criao, ainda que artificial, de uma suposta coerncia formal entre

tratados bilaterais de investimento e acordos regionais de livre comrcio e o regime

multilateral, em particular quanto s normas de tratados j adotados pelos Membros da

OMC e da OMPI no domnio da propriedade intelectual, a partir da qual litgios no Sistema

de Soluo de Controvrsias da OMC seriam supostamente evitados.31 Por fim, o novo

bilateralismo na propriedade intelectual buscaria assegurar a higidez do principio da

proteo mnima, conforme consagrado pelo TRIPS/OMC, expandindo-o no regime dos

tratados bilaterais de investimento e acordos de livre comrcio negociados pelos pases

desenvolvidos.32 So importantes evidncias do fortalecimento da dimenso internacional

dos direitos de propriedade intelectual no regime estruturado no contexto Ps-OMC, a

partir de uma perspectiva nitidamente expansionista de nveis de proteo.

Assim, entre os principais desdobramentos do Direito Internacional da Propriedade

Intelectual no Ps-OMC, possvel identificar alguns valores que justificam o

adensamento de suas normas e instituies. Entre eles destacam-se: i) a convergncia e

compartilhamento de competncias entre organizaes internacionais da propriedade

intelectual entre OMPI e OMC; ii) a elevao dos nveis de proteo dos direitos de 29 Empregamos aqui a expresso flexibilidade para designar as faculdades ou reservas, genericamente previstas em normas da Conveno de Paris de 1883, Conveno de Berna de 1886, do Acordo TRIPS e demais tratados da propriedade intelectual, conferindo liberdade ou poder discricionrio aos Estados (pases unionistas, Membros da OMPI e OMC) para decidir sobre limites do escopo de proteo e excluso de matria protegida por direitos de propriedade intelectual, excees e limitaes, licenas compulsrias e demais reas de abertura no complexo regime internacional da propriedade intelectual. Na concepo de Daniel GERVAIS, com a qual compartilhamos, as flexibilidades permitem que os pases em desenvolvimento elaborem, aprofundem, revisem e aperfeioem as normas da propriedade intelectual em seus ordenamentos domsticos, aproveitando o espao de manobra (ou poder discricionrio fundado na soberania) para remediar unilateralmente a assimetria de poderes que subsiste nas negociaes multilaterais, regionais e bilaterais no Ps-OMC (cf. comentrios em The TRIPS Agreement: Drafting History and Analysis, cit., p.80). 30 Cf. BASSO, Maristela, Propriedade Intelectual na Era Ps-OMC, cit., p. 22 (com referncia seguinte passagem: Em sntese, os acordos de investimento (BITs) e de comrcio (FTAs), na era Ps-TRIPS, constituem instrumentos potenciais por meio dos quais se podem impor novas obrigaes de propriedade intelectual aos pases em desenvolvimento. O novo bilateralismo, portanto, em vez de usar a OMPI para novas negociaes, estimula e impe uma agenda expansionista por meio de mltiplos tratados, bilaterais e regionais, capazes de assegurar um sistema global da propriedade intelectual mais rgido do que aquele resultante do TRIPS). 31 DRAHOS, Peter, BITS and BIPS: Bilateralism in Intellectual Property, cit., p.793 e ss. 32 Cf. BASSO, Maristela Propriedade Intelectual na Era Ps-OMC. cit., p.30.

13

propriedade intelectual, sugeridos pela ampliao do escopo da proteo por categorias

tradicionais (marcas, desenhos industriais, patentes e direitos de autor e conexos) e

atribuio de novos direitos de exclusividade e consolidao de regimes sui generis de

proteo (topografia de circuitos integrados, compilao ou base de dados, programas de

computadores e informaes confidenciais); iii) a progressiva harmonizao substantiva

levada a cabo pela OMPI para disciplinas especializadas da propriedade intelectual, com

fortalecimento dos sistemas globais de proteo e de aquisio, manuteno e

gerenciamento de registros de direitos de propriedade intelectual; iv) a adoo pelos

Estados, de normas procedimentais relativas aplicao da proteo da propriedade

intelectual nos ordenamentos internos, justificando a tutela jurisdicional e administrativa

pretendida pelos titulares; e v) a criao de quadro normativo aparentemente coordenado

para regulao de um mercado internacional de bens da tecnologia e informao e

orientado para a expanso da proteo e apropriao do conhecimento existente no

domnio pblico.

No cenrio Ps-Organizao Mundial do Comrcio, a regulamentao dos direitos

de propriedade intelectual caracteriza-se duplamente por uma expanso quantitativa e

quantitativa da proteo jurdica da atividade inventiva e criativa. A introduo de novas

figuras e categorias hbridas da propriedade intelectual foi estabelecida com o pretexto de

justificar a proteo para criaes incompatveis com o paradigma patentrio-autoral

tradicional, e para ampliao do escopo e das formas de aquisio e manuteno dos

direitos de exclusividade aos titulares. Tambm no caso das patentes, por exemplo, a

proteo se expande para invenes em todos os campos da tecnologia, sem discriminao

quanto ao local de origem, setor tecnolgico e regime de explorao dos bens nos

mercados, se importados ou localmente produzidos.33

No domnio do direito de autor, igualmente, a adoo dos Tratados da OMPI de

1996 WCT e WPPT levou introduo, no Direito Internacional da Propriedade

Intelectual, das denominadas medidas de carter tecnolgico para controle do acesso s

obras (materiais) protegidas nos ambientes digitais, bem como de medidas de gesto de

33 A partir da interpretao mais ampliativa possvel, o Art.27.1 do TRIPS/OMC conduz concepo de que invenes podem ser consideradas como tais em quaisquer campos da tecnologia, passando por segmentos da indstria, comrcio, agricultura, biotecnologia, nanotecnologia. Em todos e quaisquer domnios nos quais supostas atividades criativas e inovadoras possam ser qualificadas como invenes reunindo os requisitos da novidade, passo inventivo e aplicao industrial, podem os titulares reclamar a proteo juridicamente considerada. Cf. comentrios de REICHMAN, Jerome H., Universal Minimum Standards of Intellectual Property Protection under the TRIPS Component of the WTO Agreement, cit., p. 351 e ss.; GERVAIS, Daniel, The TRIPS Agreement: Drafting History and Analysis, cit., 2.256, p.220 e ss.

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direitos de autor nos ambientes digitais (os chamados dispositivos de DRM - Digital

Rights Management)34. Em casos como esses, importante determinar o equilbrio

existente entre os interesses associados proteo dos direitos dos titulares nos ambientes

digitais, buscando-se, a implementao das normas internacionais relativas s limitaes e

excees, bem como flexibilidades e salvaguardas ainda hoje pouco exploradas pelos

pases em desenvolvimento.35 Se categorias de um sobre-direito dos direitos de autor so

criadas para assegurar controle proprietrio pelos titulares de todos os usos possveis das

obras no espao virtual, ento elas tambm estaro sujeitas a um regime de excees e

limitaes. Caso contrrio, o equilbrio entre interesses na proteo das criaes e

invenes e no acesso pelos usurios da propriedade intelectual aparece cada vez mais

mitigado.36

Como contrapartida ofensiva expansionista de proteo da propriedade

intelectual pelos Estados Unidos e Unio Europia, e com vistas a resgatar a unidade do

sistema multilateral, pases em desenvolvimento, como Brasil, Argentina, ndia e frica do

Sul, assumiram diretamente a responsabilidade de reviso dos fundamentos do sistema

internacional da propriedade intelectual, originariamente justificada por importantes

instrumentos negociados no mbito da OMC, OMS e da OMPI.37 Ainda na 4 Conferncia

Ministerial da OMC, em Doha, Catar, os Membros adotaram a Declarao sobre TRIPS e

Sade Pblica, de 14 de novembro de 200138, respondendo ao debate mundial sobre o

34 Cf., por exemplo, Art.8, do Tratado da OMPI sobre Direito de Autor de 1996 e Arts.18 e 19, do Tratado da OMPI sobre Interpretao ou Execuo e Fonogramas de 1996. 35 Cf. Art.9 da Conveno de Berna de 1886, Art. 13 do TRIPS, Art. 10 do WCT e Art.16 do WPPT (quanto Regra dos Trs Passos); Art. 30 do Acordo TRIPS quanto aplicao das excees e limitaes aos direitos patentrios. 36 Cf. GINSBURG, Jane C. From Having Copies to Experiencing Works: the Development of an Access Right in U.S. Copyright Law, in Journal of the Copyright Society of the USA, vol. 50, 2003, p. 113 e ss. 37 Cf., fundamentalmente, ABBOTT, Frederick M. The Doha Declaration on the TRIPS Agreement and Public Health: Lighting a Dark Corner at the WTO, in Journal of International Economic Law, vol. 5, n. 2, 2002, p.469 e ss; e OKEDIJI, Ruth, WIPO-WTO Relations and the Future of Global Intellectual Property Norms, in Netherlands Yearbook of International Law, Vol. 39, 2008, p.69 e ss. 38 Cf. Declarao Ministerial de Doha, de 14 de novembro de 2001, especialmente Pargrafos 17, 18 e 19 (WTO, Doha Ministerial Declaration, 14 November 2001 (documento WT/MIN(01)/DEC/1, 20 November 2001) e texto da Declarao de Doha sobre TRIPS e Sade Pblica de 2001. Disponveis em (ltimo acesso em 10 de maro de 2010). A Declarao Ministerial estabelece que o Acordo TRIPS deve ser interpretado de maneira a apoiar a sade pblica, promovendo tanto o acesso a medicamentos essenciais e medicamentos existentes, como a pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos". Estabelece, igualmente, mandato para o Conselho para TRIPS negociar um tratado multilateral para notificao e registro de indicaes geogrficas de vinho e bebidas espumantes (segundo o Art.23.4 do TRIPS) e para revisar a aplicao do Art. 27.3(b) do TRIPS relativo proteo de patentes sobre micro-organismos e processos essencialmente biolgicos, a implementao geral das obrigaes do Acordo, segundo o Art.71.1, e a relao do TRIPS com a Conveno da Diversidade Biolgica e proteo dos conhecimentos tradicionais e folclore (Pargrafos 18 e 19).

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acesso a medicamentos essenciais e proteo patentria no contexto do sistema multilateral

do GATT39. Em seu texto, a Declarao reafirma que o Acordo TRIPS no pode impedir a

adoo de medidas destinadas proteo da sade pblica e que seus dispositivos devem

ser interpretados e aplicados de maneira conducente e favorvel aos direitos dos Membros

da OMC relativos proteo da sade pblica, em especial acesso a medicamentos.40 Para

facilitar a aplicao de dispositivos do TRIPS e da Declarao de Doha de 2001, o

Conselho-Geral da OMC adotou posteriormente a Deciso sobre a Implementao do

Pargrafo 6 da Declarao de Doha, em 30 de agosto de 2003..41

O passo seguinte, na esteira das presses por mudana dos fundamentos do Direito

Internacional da Propriedade Intelectual, deu-se com o estabelecimento da Agenda da

OMPI para o Desenvolvimento de 2005, materializada pela proposta anteriormente

apresentada pelo Brasil e Argentina.42 Em suma, a proposta endereava justamente as

Por questes de limitao de escopo, o presente trabalho no aprofundar temas do TRIPS ainda pendentes na agenda do sistema multilateral do GATT, sobretudo porque o Conselho para TRIPS no chegou a resultados conclusivos em relao ao mandato especificado na Declarao Ministerial de Doha de 2001. Considera-se, no entanto, que esse mandato deve ser constantemente revisto de acordo com os princpios e objetivos estabelecidos nos Artigos 7 e 8 do TRIPS e a dimenso desenvolvimentista da propriedade intelectual, conforme prev a Declarao, na parte final de seu Pargrafo 19 (Al realizar esta labor, el Consejo de los ADPIC se regir por los objetivos y principios enunciados en los artculos 7 y 8 del Acuerdo sobre los ADPIC y tendr plenamente en cuenta la dimensin de desarrollo). 39 Cf. WTO, Declaration on the TRIPS agreement and public health, adotada em 14 de novembro de 2001 (documento WT/MIN(01)/DEC/2, November 20th, 2001). Disponvel em < http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_trips_e.htm> (ltimo acesso em 10 de maro de 2010). Em destaque havia a preocupao, pelos pases em desenvolvimento, de buscar esclarecer os requisitos de licenciamento compulsrio de patentes de medicamentos nas situaes em que o Artigo 31 do TRIPS fosse aplicado pelos Membros da OMC, particularmente quanto ao critrio do uso predominante da inveno, cuja patente compulsoriamente licenciada, para abastecimento do mercado domstico. 40 Anlise sobre os desdobramentos da Declarao de Doha sobre TRIPS e Sade Pblica de 2001 ser realizada no Captulo 1, como importante precedente retrica do movimento de acessos aos bens da tecnologia e informao, considerando a utilizao das flexibilidades existentes nos acordos internacionais da propriedade intelectual para preservao e ampliao do domnio pblico. No presente trabalho, acesso a medicamentos essenciais esto consideradas nas amplas alternativas de polticas pblicas dos Membros da OMPI e OMC, recomendaes da OMS e da Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas, e justificado pelo mbito material de aplicao dos direitos econmicos, sociais e culturais, conforme as normas do Pacto de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966 (incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto n 591, de 6 de julho de 1992). 41 Deciso do Conselho-Geral sobre a Implementao do Pargrafo 6 da Declarao de Doha sobre TRIPS e Sade Pblica, de 30 de agosto de 2003 (documento WT/L/540 and Corr.1 1 September 2003). Disponvel em (ltimo acesso em 10 de maro de 2010). A Deciso deu lugar a uma emenda ao Acordo TRIPS, resultando no Art.31 bis e um Anexo com definies aplicveis ao funcionamento do sistema de abastecimento de medicamentos entre os Membros, produzidos localmente sob regime de licenas compulsrias. No Brasil, o Decreto Legislativo n 262, de 18 de setembro de 2008, aprova o texto do Protocolo de Emenda ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio - TRIPS - da Organizao Mundial do Comrcio, adotado pelo Conselho-Geral em 6 de dezembro de 2005. 42 Proposal by Argentina and Brazil for the Establishment of a Development Agenda for WIPO, as of Aug 27, 2004, Document WO/GA/31/11. (no presente trabalho designada Proposta Brasil-Argentina). Disponvel em (ltimo acesso em 14 de maro de 2010). A proposta foi recebida pela Secretaria da OMPI e includa na pauta da Assemblia Geral

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questes relacionadas s lacunas existentes entre a oferta de bens do conhecimento e

informao e acesso por pases em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo,

assim como a diviso ou abismo digital separando pases desenvolvidos e os pases em

desenvolvimento no contexto das novas tecnologias e emergncia das redes digitais. No

limite, a Agenda da OMPI para o Desenvolvimento consolida a insero dos temas do

desenvolvimento no contexto de regulao internacional da propriedade intelectual,

apontando para as contradies entre a tendncia expansionista de proteo e a reduo do

domnio pblico; o confronto entre o movimento global de privatizao dos recursos

resultantes da atividade inventiva e criativa e as demandas de acesso por pases em

desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo43.

A proposta Brasil/Argentina, dentre vrias consideraes, reclama, a anlise

casustica dos efeitos da propriedade intelectual sobre o desenvolvimento nos Membros,

sobretudo em relao elevao contnua dos nveis de proteo alcanada aps a adoo

do Acordo TRIPS e aprofundada por acordos de livre comrcio e bilaterais de

investimentos, restringindo as flexibilidades existentes no sistema internacional da

propriedade intelectual. Com a adoo das 45 Recomendaes da Agenda para o

Desenvolvimento, em 200744, novo cenrio estabelecido para as instituies do sistema

internacional da propriedade intelectual, reorientando a OMPI em novos mandatos

constitucionais, muito distintos daqueles originariamente estabelecidos pela Conveno de

Estocolmo de 1967.45 Os pases em desenvolvimento contriburam, nesse sentido, para

realizada em outubro de 2005 e obteve apoio de pases em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo, tais como frica do Sul, Bolvia, Cuba, Egito, Equador, Ir, Peru, Qunia, Repblica Dominicana, Tanznia, Serra Leoa e Venezuela, organizaes intergovernamentais e no governamentais, todos chamados Grupo dos Amigos do Desenvolvimento. 43 Cf. BASSO, Maristela. Propriedade Intelectual na Era Ps-OMC, cit., p.87 e ss; CHON, Margaret, Intellectual Property and the Development Divide. In Cardozo Law Review, vol.27, 2006, p. 2821 e ss; MENESCAL, Andra Koury. Changing WIPOs Ways? The 2004 Development Agenda in Historical Perspective, in Journal of World Intellectual Property, vol.8, n.6, p.76196; GERVAIS, Daniel, TRIPS and Development, in GERVAIS, Daniel (ed.). Intellectual Property, Trade and Development: Strategies to optimize economic development in a TRIPS-Plus Era. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 3 e ss; BARBOSA, Denis Borges; CHON, Margaret; MONCAYO VON HASE, Andrs. Slouching towards development in international intellectual property, in Michigan State Law Review, 2007, p.71 e ss; De BEER, Jeremy, Defining WIPOs Development Agenda, in De BEER, Jeremy (ed). Implementing the World Intellectual Property Organization's Development Agenda. Ottawa: IDRC/Wilfrid Laurier Univ. Press, 2009, p.1 e ss; NETANEL, Neil Weinstock (ed.) The Development Agenda: Global Intellectual Property and Developing Countries. New York: Oxford Univ.Press, 2009, p.1-25. 44 < http://www.wipo.int/ip-development/en/> (ltimo acesso em 10 de maro de 2010). 45 Em novembro de 2007, a OMPI cria o Comit sobre Desenvolvimento e Propriedade Intelectual (CDPI), em novembro de 2007, para monitorar a efetiva observncia das 45 Recomendaes, com a funo de avaliar e divulgar informaes relativas implementao das polticas da propriedade intelectual conforme a Agenda de 2005. Especificamente, o mandato para o CDPI divide-se em atividades relacionadas ao desenvolvimento de um programa de ao para implementao das 45 recomendaes adotadas pelos Membros, monitoramento da implementao e de discusso sobre as questes relacionadas ao tema da propriedade

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abrir espao para a perspectiva instrumentalista e transdisciplinar da propriedade

intelectual46, impondo o reconhecimento de que vrios setores sociais esto implicados na

regulao internacional da atividade criativa e inovadora e que a OMPI deve reorientar

suas competncias, normativa e decisria, em torno dos objetivos propostos na Agenda de

2007.

Esse fundamentalmente o pano de fundo a partir do qual a presente Tese

desenvolvida. A implementao das normas e prtica do Acordo TRIPS/OMC, aps seus

15 anos de vigncia, permitiu significativo grau de convergncia entre competncias das

organizaes internacionais, em especial OMPI e OMC, e coordenao entre os sistemas

domsticos da propriedade intelectual em torno de modelos de harmonizao substantiva

segundo padres mnimos e da aplicao das normas de proteo (observncia). Nesse

sentido, o Acordo consolidou ambiente de regulao global pautado principalmente no

expansionismo da proteo e interesses dos titulares, sem oferecer garantias efetivas de

acessos aos bens do conhecimento e interesses de usurios. Faz-se necessrio compreender

os mecanismos pelos quais os direitos de propriedade intelectual so revisitados de acordo

com os princpios e objetivos sistmicos do TRIPS. Membros da OMPI e OMC ainda

contam com ampla margem de liberdade para adoo de flexibilidades, que podem ser

estabelecidas em seus ordenamentos domsticos para fortalecimento dos acessos aos bens

da tecnologia e informao, baseadas no equilbrio intrnseco da disciplina da propriedade

intelectual, mecanismos de preservao e expanso do domnio pblico e excees e

limitaes.

II. Objetivos da Pesquisa

intelectual e desenvolvimento adotadas pelo Comit e pela Assemblia Geral. (documento WIPO/A/43/16, General Reporto of Assembly, November 12, 2007). 46 Em larga medida, a abordagem instrumentalista da propriedade intelectual tem sido defendida por DRAHOS, Peter, A philosophy of intellectual property. Dartmouth: Brookfield, 1996, p. 13 e ss; idem, Developing Countries and International Intellectual Property Standard-Setting, in Journal of World Intellectual Property, n.5, 2002, p. 765 e ss. O professor australiano contesta certos valores proprietrios impregnados na anlise econmica da proteo dos bens do conhecimento e novas tecnologias e as teorias da propriedade intelectual, j que esta disciplina ainda seria justificada pela relao entre alocao de direitos de exclusividade, labor e remunerao pela atividade inventiva e criativa. A releitura de Drahos fundamental para compreenso das interaes que a disciplina da propriedade intelectual mantm com a teoria econmica, sociolgica e jurdica, voltada para a influncia filosfica sobre o ethos global de regulao dos bens do conhecimento (knowledge goods). Para isso, o autor destrincha o eixo analtico do problema em torno de clssicos, como Grcio, Pufendorf, Locke, Marx e Hegel.

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As mudanas operadas no Direito Internacional da Propriedade Intelectual aps a

entrada em vigor do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

Relacionados ao Comrcio (Acordo TRIPS/OMC) devem ser analisadas de uma

perspectiva que envolva seus elementos, instituies, normas e competncias, bem como as

evidncias de valores que passam a justificar o regime internacional de proteo da

atividade inovadora e criativa e tambm de apropriao dos bens da informao e das

tecnologias. O TRIPS resultou em expanso da proteo dos direitos de propriedade

intelectual na ordem internacional, sem acompanhar, necessariamente, a criao de um

espao integrado de acesso a bens do conhecimento.

A vinculao entre comrcio e propriedade intelectual, como resultado do

fortalecimento do sistema multilateral sob as bases do GATT/OMC, tambm abriu espao

para o movimento reverso de reduo do domnio pblico, no qual tecnologias e

conhecimentos tornam-se facilmente apropriados ou submetidos a direitos de propriedade

intelectual. As experincias de harmonizao substantiva e regimes de aplicao efetiva

dos direitos de propriedade intelectual na ordem internacional tm sido mais abrangentes

do que a adoo de regimes de acessos aos bens do conhecimento, inovao e

concorrncia47.

Em suas limitaes, a pesquisa aqui empreendida objetiva demonstrar a

importncia de unidade sistmica do Direito Internacional da Propriedade Intelectual, com

a considerao de objetivos orientados para o desenvolvimento, difuso e acesso aos bens

da tecnologia e da informao, inovao nos mercados e eqitativa transferncia de

tecnologia. Para pases em desenvolvimento, especialmente, esses objetivos so

considerados no atual cenrio de adensamento normativo do Direito Internacional da

Propriedade Intelectual, em especial com a recente adoo da Agenda da OMPI para o

47 Essa anlise retoma as contribuies da doutrina para a reviso dos fundamentos e regulao prospectiva dos direitos de propriedade intelectual no Ps-OMC. Em especial, destacamos os trabalhos de REICHMAN, Jerome H. e LANGE, David. "Bargaining Around the TRIPS Agreement: The Case for Ongoing Public-Private Initiatives to Facilitate Worldwide Intellectual Property Transactions, in Duke Journal of Comparative & International Law, vol.9, n.1, 1998, p.11 e ss; BARTON, John. The Economics of TRIPS: International Trade in Information-Intensive Products, in George Washington International Law Review, vol.33, 2001, p. 473 e ss; DRAHOS, Peter e BRAITHWAITE, John. Intellectual Property, Corporate Strategy, Globalisation: TRIPS in Context, in Wisconsin International Law Journal, vol.20, 2002, p.451 e ss; MASKUS, Keith E. Regulatory Standards in the WTO: Comparing Intellectual Property Rights with Competition Policy, Environmental Protection and Core Labor Standards, Rearch Paper. Washington D.C: Institute