contribuição dos estudos hidrossedimentológicos na...

20
Contribuição dos estudos hidrossedimentológicos na otimização de obras de dragagens marítimas Rogério F. Amaral 1 & Paolo Alfredini 1 1 Área de Engenharia Costeira, Portuária e Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica, EPUSP, São Paulo, SP – [email protected] 1 Área de Engenharia Costeira, Portuária e Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica, EPUSP, São Paulo, SP – [email protected] RESUMO: Estima-se que atualmente seja necessário dragar 30 milhões de m 3 medidos “in situ” para adequar os gabaritos geométricos de navegação dos principais portos marítimos brasileiros à expansão das exigências logísticas da navegação de longo curso e cabotagem, sem contar com as mandatórias dragagens de manutenção. O acervo documental de estudos desenvolvidos desde 1953 pela Área de Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo permite evidenciar a importância de um abrangente conhecimento quantitativo dos processos costeiros e estuarinos em subsidiar e otimizar o projeto, a operação e a gestão de obras de dragagem, considerando os aspectos técnico, econômico e ambiental. Para tanto, a integração do trinômio hidrografia, modelação física e modelação numérica é fundamental para um claro diagnóstico e tomada de decisão. PALAVRAS-CHAVE: Hidrossedimentologia, processos marítimos, dragagem marítima 1. INTRODUÇÃO Tendo em vista a necessidade de dragagens permanentes de manutenção de canais de acesso, bacias portuárias e berços, bem como as dragagens de estabelecimento de gabaritos de navegação compatíveis com a expansão das atividades portuárias ao longo dos cerca de 8500 km da costa marítima brasileira, os estudos hidrossedimentológicos tornam-se ferramenta fundamental para o sucesso de uma eficiente gestão dos procedimentos de dragagem nos principais portos brasileiros (ver Figura 1). Segundo Brasil [2], os portos organizados (públicos) apresentam atualmente uma demanda de dragagem de 30 milhões de m 3 medidos “in situ” para adequar seus gabaritos geométricos de navegação (ver Tabela 1). A integração do trinômio hidrografia, modelação física e modelação numérica contribui para um claro diagnóstico e tomada de decisão para estas obras, conduzindo a um abrangente conhecimento quantitativo dos processos costeiros e estuarinos, que subsidiam a otimização do projeto, da operação e da gestão de obras de dragagem, considerando os aspectos técnico, econômico e ambiental. Este artigo documenta estudos de casos que claramente demonstram a contribuição dos estudos hidrossedimentológicos na otimização de obras de dragagens marítimas, com base no acervo documental de estudos desenvolvidos desde 1953 pela Área de Engenharia Costeira, Portuária e Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Upload: vuongtram

Post on 09-Nov-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Contribuição dos estudos hidrossedimentológicos na otimização de obras de dragagens marítimas

Rogério F. Amaral1

& Paolo Alfredini1

1Área de Engenharia Costeira, Portuária e Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica, EPUSP, São Paulo, SP – [email protected]

1Área de Engenharia Costeira, Portuária e Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica, EPUSP, São Paulo, SP – [email protected]

RESUMO: Estima-se que atualmente seja necessário dragar 30 milhões de m3 medidos “in situ” para adequar os gabaritos geométricos de navegação dos principais portos marítimos brasileiros à expansão das exigências logísticas da navegação de longo curso e cabotagem, sem contar com as mandatórias dragagens de manutenção. O acervo documental de estudos desenvolvidos desde 1953 pela Área de Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo permite evidenciar a importância de um abrangente conhecimento quantitativo dos processos costeiros e estuarinos em subsidiar e otimizar o projeto, a operação e a gestão de obras de dragagem, considerando os aspectos técnico, econômico e ambiental. Para tanto, a integração do trinômio hidrografia, modelação física e modelação numérica é fundamental para um claro diagnóstico e tomada de decisão. PALAVRAS-CHAVE: Hidrossedimentologia, processos marítimos, dragagem marítima 1. INTRODUÇÃO

Tendo em vista a necessidade de dragagens permanentes de manutenção de canais de acesso, bacias portuárias e berços, bem como as dragagens de estabelecimento de gabaritos de navegação compatíveis com a expansão das atividades portuárias ao longo dos cerca de 8500 km da costa marítima brasileira, os estudos hidrossedimentológicos tornam-se ferramenta fundamental para o sucesso de uma eficiente gestão dos procedimentos de dragagem nos principais portos brasileiros (ver Figura 1).

Segundo Brasil [2], os portos organizados (públicos) apresentam atualmente uma demanda de dragagem de 30 milhões de m3 medidos “in situ” para adequar seus gabaritos geométricos de navegação (ver Tabela 1). A integração do trinômio hidrografia, modelação física e modelação numérica contribui para um claro diagnóstico e tomada de decisão para estas obras, conduzindo a um abrangente conhecimento quantitativo dos processos costeiros e estuarinos, que subsidiam a otimização do projeto, da operação e da gestão de obras de dragagem, considerando os aspectos técnico, econômico e ambiental.

Este artigo documenta estudos de casos que claramente demonstram a contribuição dos estudos hidrossedimentológicos na otimização de obras de dragagens marítimas, com base no acervo documental de estudos desenvolvidos desde 1953 pela Área de Engenharia Costeira, Portuária e Hidráulica Marítima do Laboratório de Hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

2. RECOMENDAÇÕES SOBRE O GABARITO GEOMÉTRICO DE NAVEGAÇÃO

Em PIANC [3] são apresentados os requisitos a serem considerados para a profundidade, largura e raios de curvatura de canais de acesso portuários (ver Figura 2). Nas Figuras 3 e 4 apresentam-se os principais fatores a serem considerados no dimensionamento de profundidade e largura de canais de acesso portuários. Os raios de curvatura são planimetricamente dimensionados considerando o ângulo do leme do navio tipo associado à relação profundidade:calado, definindo-se curvas de canais de acesso e dimensões de bacias de evolução.

3. DINÂMICA HIDROSSEDIMENTOLÓGICA ASSOCIADA À DRAGAGEM

O balanço sólido entre a capacidade de transportar sedimentos das correntes e o aporte de sedimentos pelos processos litorâneos costeiros e estuarinos fundamentalmente define uma profundidade de equilíbrio dinâmico naturalmente sustentável. Na Tabela 2 estão apresentadas as características hidrossedimentológicas das embocaduras da Costa Paulista. A necessidade de um gabarito de navegação que exija profundidades além destas exigirá dragagens de implantação, que posteriormente deverão ser periodicamente mantidas, removendo-se mecanicamente o saldo de deposição que naturalmente não tem condições de ser carreado. Quanto mais a profundidade do gabarito de dragagem se afasta da profundidade natural de equilíbrio, somente molhes guias-correntes podem garantir o aprofundamento necessário, entretanto estas obras produzem impactos erosivos e de assoreamentos na linha de costa por interceptarem o transporte de sedimentos litorâneo longitudinal.

Na Figura 5, adaptada de U. S. ARMY [2001], podem observar-se as condicionantes hidrossedimentológicas atuantes na definição da profundidade de dragagem de um canal de acesso portuário externo, isto é sujeito a ondas. Assim, as correntes de maré e drenagem do canal definem a capacidade de transportar sedimentos que se contrapõe ao entulhamento sedimentar aportado pelas correntes litorâneas longitudinais de transporte de sedimentos na zona de arrebentação. Por outro lado, as áreas de despejo dos dragados no mar devem ser definidas pelos requisitos de não retorno aos locais de onde forma retirados, rápida dispersão no afastamento dos sedimentos despejados, evitando acúmulos no fundo marinho, bem como propiciando distância de transporte compatível com custos sustentáveis pela Autoridade Portuária. Como exemplo destes aspectos, apresentam-se as ilustrações da Figura 6, que evidenciam a tendência de gradiente de alteamento dos fundos entre dragagens de manutenção na curva do Canal da Barra do Porto de Santos (SP), bem como a gestão de várias áreas de despejo de dragados do mesmo porto.

Na Figura 7, adaptada de Alfredini [1], está apresentada a estimativa do transporte de sedimentos litorâneo longitudinal na zona de arrebentação na Costa Brasileira. O transporte global é relevante para estimar a sedimentação potencial que pode ocorrer num canal de acesso portuário externo. Por outro lado, o transporte resultante permite definir o impacto diferencial sobre as linhas de costa oriundo da implantação de obras fixas, como molhes e quebra-mares, isto é os efeitos erosivos e de assoreamento esperados. Na Figura 8 este último aspecto está ilustrado para o caso dos Molhes de Rio Grande, cuja construção na década de 1910 acelerou o processo de engordamento da Praia do Cassino e o conseqüente processo erosivo em São José do Norte. Da mesma forma, a Figura 9 ilustra o antológico exemplo de erosão costeira ocorrido a partir da segunda metade da década de 1940 com a implantação do Molhe do Titã, na Ponta de Mucuripe em Fortaleza (CE), que desviou o suprimento de areias para as praias a oeste da ponta e produziu na bacia portuária criada uma sedimentação de

material fino que deve ser periodicamente dragado. Esta situação problemática foi considerada 50 anos depois, quando da implantação do Porto de Pecém, junto à Ponta homônima a oeste da cidade de Fortaleza (CE), uma vez que o abrigo portuário é constituído por quebra-mar situado a mais de 2 km da linha de costa, visando não interferir no transporte de sedimentos litorâneo longitudinal na zona de arrebentação, o que minimiza a necessidade de dragagens (ver Figura 10). O mesmo cuidado não foi tomado em recente obra implantada no sul do Estado da Bahia, na localidade de Belmonte, em que o quebra-mar foi implantado muito próximo da zona de arrebentação, a 400 m da linha de costa, tendo produzido um saliente (ver Figura 11), que tende a evoluir para um tômbolo projetando-se para cima do berço de atracação, exigindo obra de dragagem, que poderia ser evitada com um posicionamento mais para o largo da obra de abrigo.

4. ANÁLISE DE DADOS HIDROGRÁFICOS

Campanhas hidrográficas que caracterizem os processos hidrossedimentológicos são sondagens batimétricas, levantamentos sedimentométricos, medições de ondas e circulação de correntes. Nas Figuras 12 a 15 estão ilustrados levantamentos hidrográficos de apoio realizados em áreas portuárias sujeitas a dragagens de manutenção.

5. ESTUDOS EM MODELOS FÍSICOS

Os modelos físicos com reprodução de marés, correntes e ondas, projetados em consonância com as leis da semelhança mecânica, constituem-se em aproximação analógica na simulação dos processos hidrossedimentológicos. Tanto em modelos de fundo fixo, como de fundo móvel, uma vez calibrados e validados com fundamentação nos levantamentos hidrográficos do real, torna-se possível inferir importantes conclusões quantitativas e qualitativas quanto às obras de Engenharia Portuária, dentre as quais as dragagens, que contribuem para a segurança da navegação e a redução de custos de manutenção. Nas Figuras 16 a 20 estão ilustrados resultados de ensaios realizados para inferir a dinâmica hidrossedimentológica, como a formação da Barra de Cananéia (SP) na Figura 16, os processos litorâneos na embocadura, livre e calibrada por molhes guias-correntes projetados, do Rio Itanhaém (SP) na Figura 17, permitindo propor um modelo de balanço sedimentar na Figura 18, a modelação do comportamento dos dragados nas diferentes áreas de despejo utilizadas pelo Porto de Santos na Figura 19 e a otimização das obras portuárias no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA), na Figura 20.

6. ESTUDOS EM MODELOS NUMÉRICOS

Os modelos numéricos hidrossedimentológicos fundamentam-se nas equações hidrodinâmicas e nas formulações sedimentológicas experimentais, constituindo-se na aproximação digital destes processos. Comparativamente aos modelos físicos, têm a vantagem de poderem oferecer resultados mais rápida e economicamente, sendo confiáveis uma vez estando adequadamente calibrados e validados por dados reais. Nas Figuras 21 e 22 podem ser observadas saídas de simulações para estudos da circulação das correntes de maré entorno ao Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA). Na Figura 23 está apresentada a propagação de onda rumo às praias de Itanhaém.

7. CONCLUSÕES

Somente um abrangente conhecimento quantitativo sobre os processos costeiros e estuarinos, fundamentado em levantamentos hidrográficos, modelação física e modelação

numérica, permite uma efetiva gestão de obras de dragagens marítimas, reduzindo o empirismo e a subjetividade que tradicionalmente sempre envolveu este tipo de obra, concorrendo para reduzir custos e impactos ambientais associados. REFERÊNCIAS

1. ALFREDINI, P. Obras e gestão de portos e costas – A técnica aliada ao enfoque logístico e ambiental. São Paulo, 2005. Editora Edgard Blücher

2. BRASIL/MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES/SECRETARIA DE POLÍTICA NACIONAL DE TRANSPORTES Levantamento da infra-estrutura portuária e do emprego de recursos tecnológicos nos portos brasileiros. Rio de Janeiro, 2005. Relatório Final, Instituto Militar de Engenharia/Fundação Ricardo Franco.

3. PIANC – PERMANENT INTERNATIONAL ASSOCIATION OF NAVIGATION CONGRESSES Approach channels - a guide for design. Final Report of the Joint Working Group II-30 PIANC-IAPH in cooperation with IMPA and IALA, Brussels(Belgium) and Tokyo (Japan), 1997.

4. U. S. ARMY CORPS OF ENGINEERS Estimation of suspended sediment trapping ratio for channel infilling and bypassing. ERDC/CHL CHETN-IV-34 by Larson, M. & Kraus, N. C.. U. S. Army Engineer Research and Development Center, Vicksburg, MS, June 2001.

Figura 1 – Principais portos marítimos brasileiros.

Tabela 1 – Gabaritos geométricos almejados para os portos organizados brasileiros.

Figura 2 – Canal de acesso portuário de mão dupla.

Figura 3 – Fatores a considerar para a profundidade necessária para canal de acesso portuário.

Figura 4 – Fatores a considerar para a largura necessária para canal de acesso portuário.

Figura 5 – Condicionantes hidrossedimentológicas em canal de acesso portuário externo.

Figura 6 – Gradiente de elevação do fundo na curva do Canal da Barra e áreas de despejo de

dragados utilizadas ao longo do Século XX pelo Porto de Santos (SP).

Tabela 2 – Características hidrossedimentológicas de embocaduras marítimas da Costa Paulista.

A

B C

DFE

G

H

Figura 7 – Estimativas de transporte de sedimentos litorâneo longitudinal na Costa Brasileira.

Figura 8 – Efeito diferencial assoreamento/erosão junto aos Molhes de Rio Grande (RS).

Figura 9 – Litoral da cidade de Fortaleza (CE) entre a Praia do Futuro e a Foz do Rio Ceará.

Figura 10 – Porto de Pecém (CE).

Figura 11 – Terminal Marítimo de Belmonte (BA).

Figura 12 – Evolução batimétrica dos fundos do Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em

São Luís (MA) após a dragagem de 1995 (período de março de 1995 a janeiro de 1996).

5692005691005690005689005688009715900

9716000

9716100

9716200

9716300

9716400

9716500

9716600

9716700

9716800

9716900

9717000

9717100

9717200

N

E V O LU Ç Ã O D O F U N D O N O P E R ÍO D O : 03/95 a 01/96

C or R ange Á rea P er ce ntagem -4 .00 -3 .00 8 00.85 0.2 -3 .00 -2 .00 3358 .33 0.7 -2 .00 -1 .00 1 6459 .48 3.5 -1 .00 0 .00 1791 53.15 3 8.1 0 .00 1 .00 1910 01.62 4 0.6 1 .00 2 .00 3 9709 .50 8.4 2 .00 3 .00 1 6649 .10 3.5 3 .00 4 .00 1 0953 .92 2.3 4 .00 5 .00 7303 .08 1.6 5 .00 6 .00 4489 .60 1.0 6 .00 7 .00 8 30.08 0.2

L egen da :

Figura 13 – Sistemas de circulação e áreas preferenciais de assoreamento no canal de acesso

interno ao Estuário do Porto de Santos (SP) com base em análise granulométrica dos sedimentos de fundo.

Figura 14 – Rosa de alturas de ondas anuais medidas junto ao Canal do Tomba, Caravelas

(BA).

Figura 15 – Circulação de correntes de maré no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em

São Luís (MA).

Figura 16 – Modelo físico de fundo móvel, com reprodução de maré e ondas, da Barra de

Cananéia (SP).

Figura 17 – Modelo físico de fundo fixo, com reprodução de maré e ondas, da Barra de

Itanhaém (SP). Ensaios com traçadores sedimentológicos de areia fina.

Ilha do Cardoso

Ilha Comprida

Contorno da Barra

0

0

Figura 18 – Processo litorâneo na Barra do Rio Itanhaém (SP).

Figura 19 – Modelo físico de fundo fixo, com reprodução de maré e ondas, da Baía e Estuário de Santos (SP). Ensaio de simulação com corante de azul de metileno da dispersividade das

áreas de despejo dos dragados utilizadas pelo Porto de Santos.

Figura 20 – Modelo físico de fundo fixo, com reprodução de correntes de maré, do Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA). Ensaios com traçadores sedimentológicos

de poliestireno e corante de permanganato de potássio visando a modificação das obras de abrigo das correntes de maré e a otimização de dragagem .

Figura 21 – Modelo MIKE 21 HD reproduzindo a circulação de correntes de maré entorno ao

Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA).

Figura 22 – Acoplamento com imagem de satélite da saída do modelo MIKE 21 HD

reproduzindo a circulação de correntes de maré entorno ao Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA).

Figura 23 – Modelo MIKE 21 NSW: propagação de onda de SE com período de 7,7 s para as

praias do município de Itanhaém (SP).