contratos aleatÓrios

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CONTRATOS ALEATÓRIOS Como observado anteriormente, o contrato passou a fazer parte do cotidiano das pessoas como peça-chave, fundamental para a realização dos negócios jurídicos, que estão preceituados no Novo Código Civil em seu artigo 104 e seguintes. Já as regras pertinentes aos contratos em geral estão dispostas no mesmo código, em seu Título V, a partir do Capítulo I, artigo 421 e seguintes. Daí advém a “função social do contrato”, que foi já citada pelo autor VENOSA (2003) neste estudo. Em conformidade com o autor ALVES: “A função social do contrato acentua a diretriz de “sociabilidade do direito” [...] princípio a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal” (2004:374). Os “contratos aleatórios”, por sua vez, estão previstos na Seção VII, a partir do artigo 458 do Código Civil. Coloca o autor MARTINS: “Aleatório é o contrato em que uma prestação pode deixar de existir em virtude de um acontecimento incerto e futuro. É o caso, no mesmo contrato de compra e venda, quando se compra coisa incerta ou futura (compro a colheita de um campo de trigo, que pode existir se o campo produzir o trigo, ou deixar de existir, caso não produza) ou o contrato de seguro, em que a contraprestação do segurador só é devida se ocorrer um evento futuro (no seguro contra incêndio, a indenização só será devida se a coisa se incendiar).” (1990:109). Torna-se imprescindível observar que conforme explica o autor VENOSA (2003:405), no artigo 1118 do Código Civil de 1916, esta classificação de contrato como aleatório se referia a coisas futuras, cujo risco de não virem a existir seria assumido pelo “adquirente” (“emptio spei”). Neste sentido, explica o autor que, o artigo 458 do Novo Código, mantém tal entendimento, porém admitindo-se que “qualquer das partes pode assumir o risco de nada obter”. O autor ROPPO conceitua que o contrato aleatório é aquele em que a prestação de uma ou de mais partes depende do risco, futuro e incerto, assim como explica VENOSA; risco este que não se pode antecipar o seu quantum:“Aleatório será o contrato se a prestação depender de um evento casual (álea = sorte), sendo, por isso, insuscetível de estimação prévia, dotado de um extensão incerta” (ROPPO, 1988:19). Este risco a que se refere o autor citado alhures pode ser total ou absoluto (quando uma das partes apenas cumpre sua prestação sem perceber nada em troca) e parcial ou relativo (quando cada um dos contratantes se responsabiliza por alguma prestação independente de serem iguais ou não). Existem duas modalidades de contratos aleatórios então, aqueles que se referem a coisas futuras e aqueles que versam sobre coisas já existentes mas que estão sujeitas a riscos futuros, como colocado por ROPPO (1988). O artigo 458 do Novo Código Civil trata do risco sobre a “existência” da coisa, retratando, desta forma a “emptio spei”, ou seja, a venda da “esperança”, a “probabilidade da coisa existir”, caso em que o alienante terá direito a todo o preço da coisa que venha a não existir. Exemplo disto é a venda de

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Page 1: CONTRATOS ALEATÓRIOS

CONTRATOS ALEATÓRIOS

Como observado anteriormente, o contrato passou a fazer parte do cotidiano das pessoas como peça-chave, fundamental para a realização dos negócios jurídicos, que estão preceituados no Novo Código Civil em seu artigo 104 e seguintes. Já as regras pertinentes aos contratos em geral estão dispostas no mesmo código, em seu Título V, a partir do Capítulo I, artigo 421 e seguintes. Daí advém a “função social do contrato”, que foi já citada pelo autor VENOSA (2003) neste estudo.

Em conformidade com o autor ALVES: “A função social do contrato acentua a diretriz de “sociabilidade do direito” [...] princípio a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal” (2004:374).

Os “contratos aleatórios”, por sua vez, estão previstos na Seção VII, a partir do artigo 458 do Código Civil. Coloca o autor MARTINS:

“Aleatório é o contrato em que uma prestação pode deixar de existir em virtude de um acontecimento incerto e futuro. É o caso, no mesmo contrato de compra e venda, quando se compra coisa incerta ou futura (compro a colheita de um campo de trigo, que pode existir se o campo produzir o trigo, ou deixar de existir, caso não produza) ou o contrato de seguro, em que a contraprestação do segurador só é devida se ocorrer um evento futuro (no seguro contra incêndio, a indenização só será devida se a coisa se incendiar).” (1990:109).

Torna-se imprescindível observar que conforme explica o autor VENOSA (2003:405), no artigo 1118 do Código Civil de 1916, esta classificação de contrato como aleatório se referia a coisas futuras, cujo risco de não virem a existir seria assumido pelo “adquirente” (“emptio spei”). Neste sentido, explica o autor que, o artigo 458 do Novo Código, mantém tal entendimento, porém admitindo-se que “qualquer das partes pode assumir o risco de nada obter”.

O autor ROPPO conceitua que o contrato aleatório é aquele em que a prestação de uma ou de mais partes depende do risco, futuro e incerto, assim como explica VENOSA; risco este que não se pode antecipar o seu quantum:“Aleatório será o contrato se a prestação depender de um evento casual (álea = sorte), sendo, por isso, insuscetível de estimação prévia, dotado de um extensão incerta” (ROPPO, 1988:19).

Este risco a que se refere o autor citado alhures pode ser total ou absoluto (quando uma das partes apenas cumpre sua prestação sem perceber nada em troca) e parcial ou relativo (quando cada um dos contratantes se responsabiliza por alguma prestação independente de serem iguais ou não).

Existem duas modalidades de contratos aleatórios então, aqueles que se referem a coisas futuras e aqueles que versam sobre coisas já existentes mas que estão sujeitas a riscos futuros, como colocado por ROPPO (1988).

O artigo 458 do Novo Código Civil trata do risco sobre a “existência” da coisa, retratando, desta forma a “emptio spei”, ou seja, a venda da “esperança”, a “probabilidade da coisa existir”, caso em que o alienante terá direito a todo o preço da coisa que venha a não existir. Exemplo disto é a venda de colheita futura, como já apresentado anteriormente, independente da existência da safra ou não existir, em que o comprador deve assumir o risco da completa frustração da safra, ou seja, sua não existência, salvo se o risco cumprir-se por dolo ou culpa do vendedor. (ALVES, 2004:410).

O artigo 459, por sua vez, trata dos casos de coisas futuras, quando o adquirente assume o risco de virem a existir em qualquer quantidade. Expõe VENOSA: “O preço será devido ao alienante, ainda que a quantidade seja inferior à esperada. Trata-se da emptio rei speratae.” (2003:405).

Escreve o autor ALVES que trata-se do risco sobre a “quantidade” exata da coisa, retratando a “emptio rei speratae”, ou seja, venda da coisa esperada, a probabilidade da coisa existir na

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quantidade deseja ou prometida, caso em que o alienante terá o direito a todo o preço da coisa que venha existir quantitativamente diferenciada, como sucede ainda no exemplo da venda da colheita futura quando a safra alcança quantidade inferior ou mínima.

Tal sorte, neste caso, se vincula à quantidade e não a existência da coisa, como no artigo anterior e, o alienante, não terá direito ao preço contratado, se houver agido com dolo ou culpa (2004:411).

Ou seja, conclui-se daí que enquanto o artigo 458 se refere ao risco da coisa em si, à própria existência da coisa objeto do negócio jurídico; o seu seguinte, 459 refere-se à quantidade menor ou não que venha a existir da coisa.

Salienta-se que em ambos os casos o vendedor deve empregar toda a sua diligência para que a esperança, total ou parcial, como apontado por VENOSA (2003), tenha sucesso.

Há a necessidade preeminente de se examinar o caso concreto, se o adquirente se comprometeu a pagar em qualquer situação, independente se o resultado do negócio jurídico (“coisa”) venha a existir ou não, ou se ele se comprometeu a pagar “desde que” haja a existência do resultado (“coisa”) e em qual quantidade. A este respeito refere-se o parágrafo único do artigo 459, in verbis:

“Parágrafo único – Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.”

O autor VENOSA, citando Orlando Gomes, ressalta que apesar de defender a posição subjetiva (usos e costumes do ramo de venda e do local servirão de prova), na distinção entre os dois contratos, adverte que na doutrina se prevalece o critério objetivo, ou seja, que há venda de “esperança”, se a existência das coisas futuras depende do “acaso”; e, há venda de coisa “esperada”, se a existência das coisas futuras está na “ordem natural”.

Exemplifica o douto autor citado por VENOSA: “Uma colheita, por exemplo, será objeto de emptio rei speratae,porque é de se esperar normalmente que haja frutificação. No fundo, trata-se de uma quaestio voluntatis,devendo-se, na dúvida, preferir a emptio rei speratae, por ser mais favorável ao comprador”[1].

Confirma este entendimento o autor ALVES, ao citar Darcy Arruda Miranda, explicando que numa safra de algodão, por exemplo, o adquirente animado pela espera da colheita farta, sucedendo, no entanto, quantidade irrisória resultado do algodão se achar praguejado, e o alienante se omitir sobre tal circunstância, agiu ele com dolo. Nesta situação o contrato é nulo.

Assim sendo, conclui-se que se o alienante atuou dolosamente, com intuito de causar prejuízo ao adquirente, nenhum direito terá ao preço ajustado, obrigando-se a restituir. “A exclusão do dolo, no preceito, por se referir o dispositivo somente à culpa, constitui omissão do legislador...”[2].

O que é importante se ater nestes casos apontados é que se o risco foi assumido sobre a “quantidade”, a não existência da coisa traz como conseqüência a nulidade do contrato, obrigando-se o alienante a restituir o valor recebido, certo que nada existindo, a alienação não existirá.

Além destas duas características dos contratos “de futuro”, existe ainda outra modalidade de contrato aleatório, que se refere às coisas já existentes, mas que estão sujeitas a se danificarem, como colocado pelo autor ROPPO (1988:19), ou que podem se depreciar.

Estes casos estão previstos no artigo 460 do Código Civil, sendo que como exposto por ALVES:

“Trata-se de contrato aleatório tendo por objeto coisas existentes mas expostas a risco. O adquirente assume o risco de não receber a coisa adquirida, ou recebê-la parcialmente, ou ainda danificada, deteriorada, ou desvalorizada, pagando, entretanto, ao alienante todo o

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valor [...] exemplo da mercadoria embarcada, tomando sobre si o adquirente a sorte (álea) de vir ou não a receber, devido a acidente ou naufrágio.” (2004:412).

Desta forma, mesmo que a coisa resultado do objeto do contrato já não existisse no todo ou em parte, o risco assumido obriga o adquirente ao pagamento do preço, com a exceção trazida pelo artigo 461 em que o contrato poderá ser anulado, provando o adquirente e prejudicado a conduta dolosa do alienante que, não ignorando o perecimento do bem em detrimento da consumação do risco, o aliena mesmo quando já não existe.

Coloca VENOSA que é imprescindível que o contratante não saiba da inexistência das coisas quando do contrato, caso contrário estará agindo de má-fé, conforme expõe o artigo 461 (o contrato pode ser anulado por dolo se o outro contraente já sabia da consumação do risco, isto é, da materialização da inexistência da coisa).

Um exemplo trazido por este último autor: “Imagine, por exemplo, a compra de mercadoria sitiada em zona de guerra, ou em região sob estado de calamidade pública. O adquirente assume o risco de que as mercadorias não mais existam quando da tradição. Tal não inibe o alienante de receber todo o preço contratado” (2003:406).

Neste caso não existe a sorte desse contrato exatamente na assunção do risco por parte do comprador, que sabe que as mercadorias contratadas já não mais correm risco, ou no caso do alienante, se este já sabe não mais existir qualquer mercadoria. Daí decorre a explicação do autor para o artigo 461: “O risco aqui tratado é da existência total ou parcial das coisas” (2003:406). Não se pode confundir este caso com os vícios ocultos na própria coisa, que sujeitam as partes às conseqüências dos vícios redibitórios, próprios dos contratos comutativos.

Já sabemos que contrato aleatório é aquele que, a depender da alea (= sorte, destino), uma das partes terá mais vantagem econômica do que a outra, como no seguro, jogo, loteria e aposta. O contrato aleatório se opõe ao contrato comutativo (revisem classificação dos contratos).  Nosso código, nos arts. 458 a 461, tem uma seção sobre os contratos aleatórios, só que na verdade são compra e venda aleatórias. A c&v é contrato de regra comutativo pois ao preço pago corresponde o valor da coisa. Porém admite-se compra e venda aleatória, conforme referidos artigos, que deveriam estar adiante no código na parte especial dos contratos, junto com compra e venda. Mas já que estão aqui, na parte geral dos contratos, vamos logo conhecer tais espécies de compra e venda aleatórias:

            a) emptio spei: é a compra de uma esperança, quando o comprador assume o risco da existênciada coisa (ex: pago cem reais a um pescador pelo que ele trouxer no barco ao final do dia; a depender da quantidade de peixe capturado, o comprador ou o pescador sairá ganhando, mas mesmo que não venha nada, o preço continua devido, 458; outros exs: colheita de uma fazenda, tesouros de um navio afundado, ninhada de uma cadela, etc). Lembro que o adquirente não deve o preço se o resultado fraco decorre de culpa da outra parte que não se esforçou, afinal a alea não autoriza a má-fé.

            b) emptio rei speratae: aqui o risco é na quantidade, então se não vier nada, ou se nada for produzido, o preço não será devido, depende do que for combinado entre as partes (459 e pú).

            c) risco na destruição: no art 460 a alea decorre não de coisas futuras, mas de coisas existentes, contudo expostas a risco (ex: compra em região sob guerra ou terremoto, maremoto, como comprar um navio que está viajando para o Brasil com defeito no motor e vazamento no casco, e o adquirente assume o risco do naufrágio). Por causa desse risco, o comprador irá obter um preço menor, mas se a coisa perecer antes da entrega, o preço assim mesmo será devido.

            Percebam que em todo contrato existe um risco, e nos contratos aleatórios o risco é da essência do negócio, fazendo parte do contrato aleatório, sujeitando-se as partes a pagar sem nada receber, ou a receber sem nada pagar. Como se vê, é um jogo, porém por motivos mais sérios.

            Na compra e venda aleatória não cabe alegar o defeito contratual da lesão (art 157) e nem a teoria dos vícios redibitórios (441, sublinhem comutativo).

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EXTINÇAO DOS CONTRATOS 

            Se o contrato nasce do acordo de vontades, ele geralmente cessa com o cumprimento da prestação, sendo executado pelas partes, até que os resultados finais previstos sejam alcançados, liberando o devedor e satisfazendo o credor. De regra o contrato nasce para cumprir sua função social e ser extinto pelo adimplemento da obrigação. Todavia encontramos na vida prática a extinção do contrato antes do seu fim natural que é a prestação e o pagamento (revisem pagamento no semestre passado). A classificação doutrinária vacila ao tratar desse tema, pois mistura as expressões extinção, resolução, resilição, rescisão, revogação e desfazimento do contrato. Vamos conhecer uma classificação:

            1  - Resilição bilateral ou distrato: é o contrato feito para extinguir outro contrato (472), quando as partes acordam em extinguir o contrato pela mesma forma exigida para celebrá-lo (ex: se uma compra e venda de bem móvel foi feita por escritura pública, seu distrato pode ser feito por instrumento particular ou até verbalmente; outro ex: inquilino que combina com o locador desocupar o imóvel antes do prazo: locação escrita e distrato verbal). O distrato é um acordo liberatório, desatando o laço que prendia as partes pela vontade comum delas.

            2 – Resilição unilateral: se o contrato e o distrato nascem do acordo, a resilição unilateral tem caráter de exceção, pois rompe o vínculo sem a anuência do outro contratante (473). Empréstimo, mandato e depósito são contratos que, pela sua natureza de exigirem confiança, admitem resilição unilateral (ex: empresto minha casa de campo para meu irmão desempregado morar, posso pedir de volta a qualquer momento, 582; outro bom exemplo, mesmo fora do Direito Civil, é o contrato de trabalho, pois o patrão pode demitir o empregado mesmo contra a vontade dele).

            3 – Resolução: enquanto na resilição o contrato é extinto pela vontade das partes, na resolução o contrato se extingue pelo inadimplemento. Na resolução cessa o contrato por ter o devedor faltado ao cumprimento de sua obrigação, cabendo ao prejudicado exigir perdas e danos ou a execução forçada do já explicado art 475 (vide aula 9). Tacitamente todo contrato sinalagmático tem essa cláusula resolutiva de exigir perdas e danos em caso de inadimplemento, mas se a parte preferir pode inseri-la expressamente (474). Dá-se também a resolução por onerosidade excessiva conforme já vimos na Teoria da Imprevisão (art. 478). Todavia se o inadimplemento decorre de caso fortuito, ou seja, se a inexecução for involuntária, o devedor não pode ser responsabilizado (393, ex: cantor fica gripado e não pode fazer o show contratado).

            4 – Arrependimento: não é comum na lei, então as partes devem prever no contrato o exercício do direito de arrependimento para desfazer o contrato (420). O Codigo do Consumidor admite o arrependimento no art 49 quando a compra é feita por telefone.

            5 – além dessas hipóteses, lembro que o contrato se extingue também se violar o art. 104 do CC (ex: compra e venda de cigarro, eis que o Estado criminaliza o fumo, extinguindo-se o contrato, 104, II); a morte também extingue os contratos personalíssimos, mas as obrigações de dar transmitem-se aos parentes do morto dentro dos limites da herança (1.792).

Efeitos dos contratos

1 – obrigatoriedade: o contrato cria um vínculo jurídico entre as partes dotado de obrigatoriedade. Diz-se que o contrato faz lei entre as partes. Os celebrantes devem honrar a palavra empenhada e cumprir o contrato sob pena de responsabilidade patrimonial (389) ou de, excepcionalmente, cumprimento forçado do contrato, através do Juiz, nos termos do art 475, que será explicado abaixo.

2 – irretratabilidade: uma vez perfeito e acabado, o pacto só pode ser desfeito por outro contrato chamadodistrato (472), e não por imposição de uma das partes. Na autonomia privada, tudo, ou quase tudo, pode ser combinado e desfeito, mas sempre por consenso.

3 – intangibilidade: além de não poder ser desfeito, o contrato não pode ser alterado por apenas um dos celebrantes, sempre vai exigir novo acordo. Excepcionalmente admite-se

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modificação feita pelo Juiz,  mas deve ser evitado ao máximo para que o Estado não interfira na autonomia privada, trazendo insegurança às relações jurídicas, conforme já explicado na Teoria da Imprevisão do art. 478 (vide aula 7). De regra o contrato é assim irrevogável (= irretratável) e intangível (= inalterável).

4 – efeito pessoal: em relação ao objeto, o contrato cria obrigações de natureza pessoal. O credor exige do devedor o cumprimento da prestação sob pena de perdas e danos. Esta é a regra: descumprido o contrato, resolve-se em perdas e danos do 389 como tenho dito a vocês. Todavia, o Código Civil de 2002 admite expressamente que, em alguns caos, a parte inocente exija o cumprimento forçado do contrato, ao invés da simples perdas e danos contra o inadimplente (475 – sublinhem “se não preferir exigir-lhe o cumprimento”). Então se José vende um carro a João, recebe o preço, mas depois se arrepende e se recusa a entregar o veículo, a regra geral é João pedir uma indenização por perdas e danos (402). Porém, admite a lei a execução in natura do contrato, de modo que o comprador, através do Juiz, pode tomar o carro de José. Esta possibilidade corresponde a um efeito real nos contratos, que geralmente só tem efeitos pessoais, afinal estamos dentro do Direito das Obrigações. Contudo, como o Direito Obrigacional ( = Pessoal, Civil 2, 3 e 4) e o Direito das Coisas (= Real, Civil  5) integram o Direito Civil-Patrimonial, admite-se que, em alguns momentos, eles se interpenetrem. É possível assim atribuir efeito real a certos contratos para que o pacto seja efetivamente cumprido. Mas nem todo contrato admite execução in natura. Tradicionalmente deve-se partir para as  perdas e danos quando a execução forçada for inviável ou causar constrangimento físico ao devedor (ex: se o referido veículo já tivesse sido vendido por José a Maria, João não poderia tomar o carro de Maria, por uma questão de segurança jurídica, pois Maria nada tem a ver com o problema de José com João; outro exemplo, numa obrigação de fazer, quando um artista desiste de um show, não se pode chamar a polícia e constrangê-lo a se apresentar sob vara, resolvendo-se assim em perdas e danos, art 947). Em suma, a regra é o 389, a execução in natura do 475 só se admite nas obrigações de dar, e se a coisa ainda estiver no patrimônio do inadimplente.

       CONTRATO PRELIMINAR

           Quando duas pessoas querem contratar elas conversam, dialogam, ajustam seus interesses e celebram o contrato. Porém, por dificuldades financeiras, as partes podem celebrar um contrato preparatório com vistas a um outro contrato principal definitivo. Esse contrato preparatório é o contrato preliminar, onde as partes ajustam um compromisso de celebrar futuramente o contrato principal. Enquanto no contrato principal o objeto é uma prestação substancial, no contrato preliminar o objeto é fazer oportunamente o contrato principal.

O contrato preliminar não é uma minuta ou rascunho, é contrato mesmo que visa concretizar um contrato futuro e definitivo (462). É muito usado na aquisição de imóveis a prazo, afinal poucas pessoas podem comprar imóveis a vista e muita gente precisa de habitação.   Se o contrato preliminar for descumprido, ou o contrato definitivo não for celebrado oportunamente, caberá indenização por perdas e danos (465) ou mesmo a execução forçada (463). Na execução forçada o juiz celebra o contrato no lugar da parte que não está cumprindo sua obrigação (464). Então, por exemplo, desejando alguém adquirir um imóvel para pronta moradia, celebra um contrato preliminar de promessa de compra e venda com uma construtora, recebe as chaves e vai pagando as prestações ao longo dos anos. Ao término do pagamento de todas as prestações celebra outro contrato com a construtora, desta vez um contrato definitivo que será levado a registro no Cartório de Imóveis. O contrato preliminar pode ser feito mediante instrumento particular, mas o definitivo vai exigir escritura pública em qualquer Cartório de Notas (108). Se o adquirente tem o dinheiro todo para comprar o imóvel, celebra logo o contrato definitivo. Este assunto será ampliado em Civil 5, no estudo do Direito Real do Promitente Comprador do art 1417

Institutos relativos aos contratos bilaterais

 Vamos conhecer agora institutos que só se aplicam aos contratos bilaterais, ou seja, àqueles onde ambas as partes têm deveres e direitos recíprocos, são simultaneamente credoras e devedoras.

1 – exceção do contrato não cumprido ou exceptio non adimpleti contractus: a palavra exceção aqui tem significado de defesa, então este instituto é uma manobra defensiva usada

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por uma das partes para fazer a outra cumprir com sua obrigação. Consiste no seguinte: A e B celebram um contrato e A exige que B cumpra sua obrigação; B então se defende com base no art. 476: se A quer que B cumpra sua obrigação, A deve primeiro cumprir a dele.  Na compra e venda, só posso exigir a coisa depois de pagar o preço. Na prestação de serviço, só posso exigir o diagnóstico do médico depois de pagar a consulta.   No seguro, só posso exigir a indenização depois de ter pago o prêmio. A essência dos contratos bilaterais é o sinalagma e a dependência recíproca das obrigações. Este instituto corresponde à boa-fé e confiança que prevalecem nas relações jurídicas. Se as partes combinarem quem vai cumprir a prestação primeiro, não será possível exercer a presente defesa. Quando as prestações são simultâneas não há problemas (ex: compra e venda de balcão). Ressalto que o mau cumprimento corresponde ao não-cumprimento, assim para exigir a coisa na compra e venda, é preciso pagar o preço total e não apenas parcial.

2 – arras: esta palavra deriva do latim arrha e significa garantia. As arras são um sinal de pagamento para a firmeza do contrato, inibindo o arrependimento das partes. Corresponde a uma quantia dada por um dos contratantes ao outro como sinal/garantia da confirmação de um contrato bilateral. As arras em geral são em dinheiro, mas podem ser em coisas (ex: um carro como sinal na compra de um apartamento). Quanto o contrato é fechado, as arras são devolvidas ou abatidas do preço (417). Se o contrato não for concluído por culpa/desistência da parte que deu as arras, elas serão perdidas em favor da parte inocente. Se quem desistir for a parte que recebeu as arras, terá que devolvê-las em dobro, devidamente corrigida (418). As arras se assemelham à cláusula penal, assunto do semestre passado. Só que as arras são logo entregues, enquanto a cláusula penal só terá aplicação se o contrato for futuramente desfeito.

3 – vícios redibitórios: são os defeitos contemporâneos ocultos e graves que desvalorizam ou tornam imprestável a coisa objeto de contrato bilateral e oneroso (441). Tais defeitos vão redibir o contrato, tornando-o sem efeito.  Aplica-se aos contratos de compra e venda, troca, locação, doação onerosa (pú do 441) e na dação em pagamento (revisem o 356). Exemplos: comprar um cavalo manco ou estéril; alugar uma casa que tem muitas goteiras; receber em pagamento um carro que aquece o motor nas subidas, etc. Em todos esses exemplos poderemos aplicar a teoria dos vícios redibitórios para duas conseqüências, a critério do adquirente: a) desfazer o negócio, rejeitar a coisa e receber o dinheiro de volta; b) ficar com a coisa defeituosa e pedir um abatimento no preço (442).  Justifica-se  a teoria dos VR pois toda obrigação não só deve ser cumprida, como deve ser bem cumprida. Uma obrigação não cumprida gera inadimplemento, uma obrigação mal cumprida gera vício redibitório. Para caracterizar um vício redibitório o defeito precisa ser contemporâneo, ou seja, existir na época da aquisição (444), pois se o defeito surge depois o ônus será do atual proprietário, afinal res perit domino ( = a coisa perece para o dono, ou o prejuízo pela perda espontânea da coisa deve ser suportado pelo dono). Além de contemporâneo o defeito deve ser oculto, ou seja, não estar visível, pois se estiver nítido e mesmo assim o adquirente aceitar, é porque conhecia as condições da coisa (ex: carro arranhado, cavalo com uma perna menor do que a outra, casa com as telhas quebradas, etc).  Se o vício é oculto, porém do conhecimento do alienante que agiu de má-fé, este responderá também por perdas e danos (422, 443). Além de contemporâneo e oculto, o defeito precisa ser grave, e só a riqueza do caso concreto e a razoabilidade do Juiz é que saberão definir o que é grave ou não. Existe um prazo decadencial na lei para o adquirente reclamar o vício, prazo que se inicia com o surgimento do defeito (ex: o adquirente só vai sabe se uma casa tem goteira quando chover, 445 e §§ 1º e 2º ).

 4 – evicção: a evicção garante o comprador contra os defeitos jurídicos da coisa, enquanto os vícios redibitórios garantem o adquirente contra os defeitos materiais. Evicção vem do verbo evincere, que significa “ser vencido”. Aplica-se à compra e venda e troca (bilateral), mas nas doações não (unilaterais). Conceito: é a perda da coisa em virtude de sentença que reconhece a outrém direito anterior sobre ela. Ex: A é filho único e com a morte de seu pai herda todos os bens, inclusive uma casa na praia; A então vende esta casa a B, eis que aparece um testamento do falecido pai determinando que aquela casa pertenceria a C; verificada pelo Juiz a veracidade do testamento, desfaz-se então a venda, entrega-se a casa a C e A devolve o dinheiro a B.  Chamamos de evicto o adquirente, no exemplo é B, é a pessoa que comprou a casa e que vai perdê-la, recebendo porém o dinheiro de volta e os direitos decorrentes da evicção previstos no art. 450. Evicta é a coisa, é a casa da praia. Evictor é o terceiro reivindicante, é C, que vence. Alienante é A, é aquele que vendeu a coisa que não era sua, e mesmo sem saber disso, mesmo de boa-fé, assume os riscos da evicção (447).  O contrato pode excluir a cláusula da evicção, ou até reforçá-la (ex: se ocorrer a evicção, o alienante se compromete a devolver ao evicto o dobro do preço pago, 448).   Se

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a evicção ocorrer numa doação, o evicto não perde nada, pois não pagou pela coisa, apenas vai deixar de ganhar.  Fundamento da evicção: justifica-se na obrigação do alienante de garantir ao comprador a propriedade da coisa transmitida, e que ninguém vai interferir no uso dessa coisa.