contra-ataque ao império

5
Revista Brasileira de Ciências Sociais Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais [email protected] ISSN (Versión impresa): 0102-6909 BRASIL 2006 André Roberto Martin RESEÑA DE "CONTRA-ATAQUE AO IMPÉRIO" DE LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA Revista Brasileira de Ciências Sociais, outubro, año/vol. 21, número 062 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Sao Paulo, Brasil pp. 144-147 Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal Universidad Autónoma del Estado de México http://redalyc.uaemex.mx

Upload: danilo-amorim

Post on 11-Jan-2016

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

império

TRANSCRIPT

Page 1: Contra-Ataque Ao Império

Revista Brasileira de Ciências SociaisAssociação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências [email protected] ISSN (Versión impresa): 0102-6909BRASIL

2006 André Roberto Martin

RESEÑA DE "CONTRA-ATAQUE AO IMPÉRIO" DE LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA

Revista Brasileira de Ciências Sociais, outubro, año/vol. 21, número 062 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

Sao Paulo, Brasil pp. 144-147

Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal

Universidad Autónoma del Estado de México

http://redalyc.uaemex.mx

Page 2: Contra-Ataque Ao Império

144 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 62

Contra-ataque ao Império

Luiz Alberto Moniz BANDEIRA. Formação do Im-pério americano. Rio de Janeiro, Civilização Bra-sileira, 2005. 84 páginas.

André Roberto Martin

Sem dúvida hoje um dos principais historia-dores brasileiros, Luiz Alberto de Vianna MonizBandeira é autor de vasta obra, concentrada prin-cipalmente na subárea formada pela intersecçãoentre a sociologia histórica e a história das rela-ções internacionais. Especialista na diplomaciatriangular entre Brasil-Estados Unidos e Hispanoa-mérica, Moniz Bandeira é um intelectual que tam-bém tem primado pela coerência no esforço defazer convergir a interpretação do historiador coma ação prática do homem político. Diante dessasreferências, não há como deixar passar em bran-co seu mais recente livro, em que examina, comminúcia, e amparado por abundante documenta-ção, pouco mais de um século de história con-temporânea; século que resumidamente podería-mos definir como sendo “o século americano”.

De fato o ano de 1895 assinala a passagemdos Estados Unidos à condição de primeira potên-cia industrial do planeta (ver p. 42), posição queainda ocupa com folga neste início de século XXI.Demorou apenas três anos para que esse poderioindustrial se exercitasse belicamente contra umapotência colonial em franca decadência – a Espanha–, nascendo aí a política exterior de tipo “imperial”que tem sido a marca da diplomacia norte-america-na desde então, ao menos segundo o ângulo doobservador médio latino-americano, uma vez quefoi justamente o subcontinente a primeira área aexperimentar a força desse “imperialismo”, já pre-nunciado, aliás, pela “doutrina Monroe”. Como essapotência regional, relativamente periférica, trans-formou-se na potência hegemônica dos dias quecorrem no espaço de apenas um século é o queconstitui o objeto central desta obra, cujo subtítu-lo, bastante eloqüente, é “da guerra contra aEspanha à guerra contra o Iraque”.

Ao longo de quase oitocentas páginas, MonizBandeira discorre sobre uma infinidade de episó-dios, que vão desde o pacto Molotov-Ribbentrop,

até o combate contra a “narcoguerrilha” colombia-na; da weltpolitik de Bismarck, à intervenção daOtan em Kosovo; da insurgência palestina naJordânia (o setembro negro), à nova política eco-nômica (NEP) de Lênin. Trata-se realmente de umvolume de informações considerável, difícil até deser assimilado, mas bastante útil para um leitorainda em formação. Por outro lado, para alguémcom maior bagagem, poderá talvez parecer algoexcessivo o uso de tantas notas a cada capítulo,bem como um pouco dispersivo o recurso à utili-zação de uma série de exemplos relacionados aprocessos cuja dinâmica não guarda, afinal, rela-ção causal direta com o “intervencionismo” norte-americano. Como os capítulos se organizam porordem cronológica e não temática, e o autor pro-cura ressaltar antes as linhas de continuidade quede ruptura, ao leitor cabem duas alternativas: ou lêseletivamente o que lhe interessa, baseado na boadescrição de conteúdo exposta no índice, ou per-corre a obra de fio a pavio, num inegável exercí-cio de resistência. Não que o texto de MonizBandeira seja enfadonho, muito pelo contrário. Oestilo do autor é vivo, provocador, sabendo com-binar clareza com profundidade, firmeza de opi-nião com rigor no uso das fontes, o que apenasreafirma a reputação de bom professor, aquelecapaz de compreender as exigências e as necessi-dades de seus alunos, motivando-os para o apro-fundamento dos estudos de sua matéria. Uma vez,porém, que o leque de questões trabalhadas émuito amplo, o risco de discordâncias de interpre-tação também é alto, e só à guisa de exemplomencionemos a imagem inusitada pintada porMoniz Bandeira a respeito do presidente FranklinDelano Roosevelt, sempre tido como um liberalhumanista e progressista, em contraste com o tru-culento Harry Truman que o sucedeu, e que nota-bilizou-se por haver ordenado o bombardeio atô-mico das cidades japonesas de Hiroshima eNagasaki. Roosevelt, considerado por Hitler como“o candidato do mundo judeu”, é descrito porMoniz Bandeira como um líder ardiloso e belicis-ta, que preparou com bastante antecedência aentrada dos Estados Unidos na guerra, bem comoalinhavou a futura ordem mundial baseado nopressuposto da aniquilação total da Alemanha, na-ção que, segundo o autor, ele odiava de longa da-ta, e pretendia ver reconduzida tecnologicamente

Page 3: Contra-Ataque Ao Império

RESENHAS 145

à era feudal. Assim, o “terrorismo aéreo” perpetra-do contra a população civil da Alemanha, nummomento em que a Wermacht já se encontravatecnicamente batida, assemelha-se à decisão deTruman sobre o ataque nuclear contra o Japão. As“razões de Estado” no caso, antes de terem sidoditadas pelo patriotismo contido na premissa de se“pouparem vidas americanas”, refletiriam na ver-dade o desejo dos monopólios industriais estadu-nidenses de não quererem vir a competir comseus equivalentes japoneses ou alemães no ime-diato pós-guerra.

Não é que Moniz Bandeira pretenda comisso reabilitar o nazi-fascismo a partir de uma inu-sitada “história dos vencidos”, mas uma vez que oautor se exime de um posicionamento mais clarodo ponto de vista “ético” ou “ideológico” quantoa este aspecto, não deixa de passar a impressãode que, para ele, os alemães teriam sido antes víti-mas do que protagonistas da história, ao longo dasegunda guerra mundial. Seu empenho, em gran-de medida justificável, de contrapor-se à sataniza-ção do povo alemão empreendida pela propa-ganda liberal do período fica explícito quando, noinício desse mesmo capítulo (7), ao reproduziruma frase de Raymond Aron, lembra que osEstados Unidos foram responsáveis, ao menos emparte, pelo desencadeamento da dupla guerra noAtlântico e no Pacífico (p. 131). Tudo isso revelacomo é difícil se adotar um ponto de vista “cien-tífico” quando o assunto trata das relações inter-nacionais, ou mais precisamente, a história políti-ca mundial, uma vez que a neutralidade aqui éimpossível. O autor não esconde, por outro lado,sua admiração pela Alemanha como país, o queem si mesmo não parece merecedor de maioresreservas evidentemente. Ele é um dos poucos his-toriadores patrícios que tem pleno acesso à línguaalemã, e já produziu alguns estudos importantessobre o desenvolvimento histórico da Alemanha,desde os seus primórdios até a recente reunifica-ção do Estado germânico. Se por um lado isso lhevaleu a comenda da Ordem do Mérito desse paíse a alcunha de praeceptor germaniae no meioacadêmico brasileiro, por outro lhe tem rendidomuita dor de cabeça com leitores apressados quenão hesitam em ver no filogermanismo do autorum equivalente do anti-semitismo. Esse tipo decrítica, de indisfarçável sabor maniqueísta, não

deve evidentemente ser levado muito a sério. Mashá que se reconhecer o embaraço representadopor uma postura que, analiticamente, se apóia naconvicção de que “os fatos falam por si”, comoutra, que dá sentido ao conjunto da obra, emque o autor declaradamente “toma partido”. Atentativa de combinar “isenção no exame do pas-sado” e “engajamento ante as exigências políticasdo presente” não se sustenta por muito tempo,desde que se examine minuciosamente qualquerfato “do passado”, simplesmente porque nele es-tão contidas inúmeras projeções sobre o futuro, oque revela inapelavelmente as preferências doautor sobre qual delas ele considera a mais per-feita “profecia realizada”.

Esse parece ser o ponto crítico desta obra.Ao selecionar frases ditas pelos principais atoresdos fatos que se está narrando, chega-se sempre aalgum juízo de valor. Além disso, os protagonistasda política mundial sempre possuem algum nívelde elaboração teórica, e sempre há, além disso, os“hábeis conselheiros do Rei”, tomados moderna-mente como uma comunidade acadêmica bemdefinida – a dos “cientistas políticos”. Como nãoconsiderar controversas, portanto, as teses deMoniz Bandeira, quando este apresenta Kautsky,Trotsky e Hitler como teóricos “realistas”, queteriam acertado em suas previsões, em contrastecom Lênin, Roosevelt e Stálin, que teriam justa-mente falhado por basearem suas projeções emconcepções “idealistas”?

Das três antinomias apresentadas, a queopõe Lênin a Kautsky durante a realização daSegunda Internacional é a que constrói todo oarcabouço teórico da obra, intencionalmente vol-tada para a defesa da tese de que o pensador aus-tríaco, pupilo de Engels, estava certo ao prever aemergência do “ultra-imperialismo”, ao passo queo líder da revolução bolchevique estaria comple-tamente equivocado ao presumir que o imperialis-mo se converteria na “ante-sala” do socialismo.Partindo da premissa de que o “Império america-no” é o ponto de chegada da globalização inicia-da com as grandes navegações (p. 29), MonizBandeira propõe ir à gênese desse processo, parao que lhe parece conveniente considerar toda aexperiência do “socialismo real” uma espécie de“desvio histórico”. Assim, a grande antevisão seriaa de Kautsky, e o Império americano, a concreti-

Page 4: Contra-Ataque Ao Império

146 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 62

zação do ultra-imperialismo previsto por este. Aconclusão soa bastante lógica, mas será que nãoestaríamos aqui diante de uma tautologia? OImpério americano aparece como a manifestaçãoda essência do ultra-imperialismo, e o ultra-impe-rialismo, por sua vez, manifesta-se como fenôme-no, a partir da existência do Império americano.Como data de referência do surgimento de ambos,o ano de 1945. Mas então o ultra-imperialismo e aGuerra Fria seriam categorias equivalentes?

Ademais, se Lênin errou ao classificar o im-perialismo como “o capitalismo em decomposi-ção”, o “ultra-imperialismo” deveria ser visto, emcontrapartida, como um “capitalismo regenera-do”, e conseqüentemente não poderia conduzir oImpério americano para uma ditadura militarista,possibilidade que o autor considera muito próxi-ma de se concretizar, desde que foi editado o USAPatriot Act. Cada teoria é verdade, deve ser ava-liada em sua relevância cognitiva a partir do cri-tério da prática, mas a prática deve também serbem contextualizada historicamente, pois sóassim poderemos escolher a teoria que, no emba-te teórico-político concreto, se revelou a mais efi-caz para compreender e transformar a realidadedo momento. Vale lembrar nessa direção queLênin radicalizou suas críticas a Kautsky exata-mente porque este abrandara em demasia suaoposição ao capitalismo, ao identificar no ultra-imperialismo a solução para a anarquia da produ-ção e a competição entre burguesias nacionais,tendências que, segundo Lênin, levariam inevita-velmente à guerra. O restante da história é bemconhecido, o que nos leva à conclusão de que, nasua circunstância, o homem Lênin acertou.

Permanece outrossim inteiramente aberta aquestão sobre a existência ou não de outros impe-rialismos na cena mundial do presente, já que umsó Império estaria reinando, ou pelo menos ape-nas um imperialismo mereceu investigação... Etambém o tema do socialismo não é enfrentado,se ele não seria mais necessário ou possível, e senão haveria acertos a resgatar da experiência so-viética. Como se vê, trata-se de discordâncias dou-trinárias que, evidentemente, estão longe de pre-tender invalidar a obra em seu conjunto. Muito aocontrário, há que se assinalar que o desvendamen-to da trama que suscitou a Doutrina Bush repre-senta um dos pontos altos do livro, e o rigor de

sua análise política é capaz de convencer até osmais crédulos de que o planeta, mais uma vez, seencontra à deriva como uma “nau dos insensatos”.Reitere-se ainda que como manual de consultatrata-se de documento de inestimável valor, bemcomo pela sistematização e interpretação originalde numerosos acontecimentos, merece leitura ediscussão cuidadosa. Aqui a idéia foi oferecer umavisão de conjunto da obra, e debater alguns pon-tos filtrados pelas lentes de um pensamento geo-político ainda em formação.

Duas questões nessa direção ainda merece-riam ser aprofundadas. A primeira, de naturezametodológica, diz respeito à validade da analogiahistórica na explicação de contextos geopolíticosem permanente mutação; a segunda, de teoriapolítica, indaga sobre a verdadeira força e fraque-za do Império americano na atualidade, e o quese pode esperar dele no futuro imediato. Em su-ma, trata-se de verificar até que ponto o “Impérioamericano” possui uma existência histórica con-creta, e até que ponto não constitui apenas umartifício do intelecto, um “constructo lógico”. Indodiretamente para o foco da primeira questão, EliotCohen já havia notado que os historiadores geral-mente objetam as comparações, pois estão preo-cupados sobretudo em descobrir as singularida-des, a excepcionalidade das circunstâncias. Paraos políticos e formuladores de política, entretan-to, a analogia histórica tem servido como argu-mento de legitimação, qualquer que seja a atitudetomada. Moniz Bandeira trafega bem pelos doiscampos. Quanto aos geopolíticos desse ponto devista, vale dizer que costumam acompanhar oshistoriadores, pois a geografia do poder mundialatual é sempre seu ponto de partida, mas, comobem demonstrou MacKinder, podem vir a utilizar-se também da analogia histórica, e com bonsresultados, desde que atentem para as diferençasde escala geográfica dos fenômenos, bem comopara as variações no padrão tecnológico domi-nante, o que os aproxima, por sua vez, dos cien-tistas políticos.

Cabe ressaltar, nesse sentido, mais uma vez atese central de Moniz Bandeira, pois para ele hojeas potências industriais teriam se unido em formade cartel, comprovando-se assim a tese deKautsky, de 1914 (pp. 765-766). Mas na ONU e naOMC, por exemplo, a diplomacia estadunidense

Page 5: Contra-Ataque Ao Império

RESENHAS 147

tem colhido seguidas derrotas, e mesmo no G-8, ena própria Otan, não é mais Washington a referên-cia solitária que costumava ser em tempos deGuerra Fria. Diga-se de passagem, após o tiroteioverbal recente entre o vice-presidente norte-ameri-cano Dick Cheney e o presidente russo WladimyrPutin, muitos analistas viram reviver aquela atmos-fera pesada das relações russo-americanas dosanos de 1950. Cabe portanto ponderar entre umcenário em que o imperialismo dos Estados Unidosdominará com mais intensidade o panorama polí-tico mundial, mas o fará por um período menor, egerando em seguida uma profunda crise, e outrono qual a hegemonia norte-americana será exerci-da com menor intensidade nos próximos anos,mas se mostrará porém possuidora de maior fôle-go, levando-nos a um longo período de criseadministrada. Há ainda, evidentemente, os parti-dários da permanência do atual status quo, aliás aquase unanimidade dos schollars de língua ingle-sa, sejam liberais sejam neocons.

Para este último grupo, a despeito da dife-rença interna entre o idealismo dos democratas eo realismo dos republicanos, hoje sem dúvida omais poderoso e influente no campo da ciênciapolítica, ou das relações internacionais, o uso dosubstantivo “império” é inclusive considerado umequívoco, um anacronismo, pois, embora algunsdos problemas que os Estados Unidos hoje enfren-tam já tivessem surgido em Roma, ou na época daRainha Vitória, só agora existiria de fato uma únicasuperpotência incontestável, universal, uma“hiperpotência”, respaldada por um núcleo geo-histórico de dimensões continentais e não apenasum arquipélago ou uma cidade-Estado. Desseponto de vista, não há dúvida de que Formaçãodo Império americano parecerá entediante, umavez que para Moniz Bandeira a questão sobre seos Estados Unidos são hoje efetivamente ou nãoum “Império” não se reduz a uma querela semân-tica. Muito ao contrário, para ele a opção entreimpério ou república apresenta-se como crucialneste momento, pois tem o condão de decidir osdestinos do mundo inteiro, não apenas em rela-ção à grande nação norte americana. Se a pátriade Jefferson e Paine um dia pôde definir-se, efe-tivamente, de forma orgulhosa e revolucionáriacomo um empire of liberty, não há como recusaro fato de que hoje, pretensamente legitimado

pelos atentados de 11 de setembro, o governo daCasa Branca pretenda impor, conservadoramente,sua liberty of empire sobre o restante do mundo(p. 792). Assim, em contraponto a Antonio Neri eMichael Hardt, para Moniz Bandeira a palavraimpério representa antes de tudo uma categoriada ciência política e não da economia política.Depois de muita reflexão, e sem condições deestender-me mais, tendo a ficar ao lado do emi-nente professor baiano. Mas ainda não conseguidecidir sobre onde devo, afinal, depositar este seuvolume: na estante de história ou de política?Com a palavra o leitor.

ANDRÉ ROBERTO MARTIN é professor noDepartamento de Geografia da Faculdade de

Letras e Ciências Humanas da USP.