consumo retro e heritage no reforcao da identidade cultural dos jovens portugueses

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Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA

CONSUMO RETRO E HERITAGE NO REFORO DA IDENTIDADE CULTURAL DOS JOVENS PORTUGUESES

Dissertao para obteno de grau de Mestre em Comunicao Social, na vertente de Comunicao Estratgica

Mestranda Ins Margarida Botinas Vaz Orientadora Professora Doutora Snia Sebastio

Lisboa 2011

Consumo Retro e Heritage no reforo da identidade cultural dos jovens portugueses

Ins Vaz

NDICE

AGRADECIMENTOS .................................................................................................................... 4 INTRODUO .............................................................................................................................. 5 Pergunta de Partida ...................................................................................................................... 6 Objectivos da Investigao ........................................................................................................... 7 Motivao Pessoal ........................................................................................................................ 8 Estrutura do trabalho ..................................................................................................................... 9 CAPTULO 1. METODOLOGIA ................................................................................................ 10 CAPTULO 2. ENQUADRAMENTO TERICO-TEMTICO .................................................... 16 2.1 2.2 2.3 Identidade Cultural ............................................................................................................ 16 Consumo ........................................................................................................................... 41 Estratgia Retro/Heritage.................................................................................................. 65

CAPTULO 3. O MERCADO RETRO/HERITAGE PORTUGUS ........................................... 69 3.1 3.2 Estudo de caso: A Vida Portuguesa ................................................................................. 69 Concorrncia ..................................................................................................................... 87

CAPTULO 4. RELAO ENTRE OS JOVENS PORTUGUESES E O CONSUMO DE PRODUTOS RETRO/HERITAGE ..................................................................... 90 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................................... 108 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................... 112 WEBGRAFIA ............................................................................................................................. 114

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Consumo Retro e Heritage no reforo da identidade cultural dos jovens portugueses

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NDICE DE FIGURAS

Figura 1 Um Modelo de Comportamento do Consumidor para Segmentao por Benefcio Produto (Engel, 2000:29) .................................................................................................................................... 55 Figura 2 Estrutura do rendimento lquido anual, NUTS II, 2005 ........................................................ 60 Figura 3 Distribuio do Rendimento Lquido Anual por NUTS II, 2005 ........................................... 62 Figura 4 Despesa total anual mdia por agregado e divises da COICOP, Portugal, 2005-2006.... 63 Figura 5 Despesa total anual mdia por agregado: por divises da COICOP e NUTS II, 2005-2006 ............................................................................................................................................................... 64 Figura 6 Caixa Entre Homens, A Vida Portuguesa............................................................................ 71 Figura 7 Caixa Recordaes da Casa Amarela, A Vida Portuguesa................................................ 72 Figura 8 Caixa Para Brincar, A Vida Portuguesa............................................................................... 72 Figura 9 Caixa O Escritrio, A Vida Portuguesa ................................................................................ 72 Figura 10 Caixa Quarto de Banho, A Vida Portuguesa ..................................................................... 73 Figura 11 Caixa Andorinha Voa Voa, A Vida Portuguesa ................................................................. 73 Figura 12 Caixa Verdes Anos, A Vida Portuguesa ............................................................................ 73 Figura 13 Caixa Essencial, A Vida Portuguesa ................................................................................. 74 Figura 14 Caixa Milagre, A Vida Portuguesa ..................................................................................... 74 Figura 15 Caixa Barbearia, A Vida Portuguesa ................................................................................. 74 Figura 16 Caixa Matar saudades, A Vida Portuguesa ....................................................................... 75 Figura 17 Coleco Estrelas da Noite Ach. Brito exclusiva para A Vida Portuguesa..................... 78 Figura 18 Coleco Sabonetes Histricos Tudo o Que Reluz Saboaria Confiana exclusivo A Vida Portuguesa .................................................................................................................................... 79 Figura 19 Coleco Sabonetes Histricos Tpicos e Castios Saboaria Confiana exclusivo A Vida Portuguesa .................................................................................................................................... 79 Figura 20 Coleco Sabonetes Histricos Portugal Pitoresco Saboaria Confiana exclusivo A Vida Portuguesa .................................................................................................................................... 79 Figura 21 Sabonetes Histricos Alta Sociedade Saboaria Confiana exclusivo A Vida Portuguesa ............................................................................................................................................ 80 Figura 22 Coleco Sabonetes Histricos O Sol de Portugal Saboaria Confiana exclusivo A Vida Portuguesa .................................................................................................................................... 80 Figura 23 Coleces de lpis e caixas Viarco exclusivas com A Vida Portuguesa........................... 81 Figura 24 Trono de Santo Antnio Kit para montar um altar popular exclusivo para A Vida Portuguesa ............................................................................................................................................ 82 Figura 25 Distribuio dos inquiridos por sexo .................................................................................. 91 Figura 26 Distribuio dos inquiridos por grupo etrio ...................................................................... 92 Figura 27 Distribuio dos inquiridos por nvel de escolaridade........................................................ 93 Figura 28 Distribuio dos inquiridos por ocupao profissional....................................................... 94

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Figura 29 Respostas dos inquiridos questo: De uma forma geral aprecia os produtos retro/heritage? ...................................................................................................................................... 95 Figura 30 Respostas dos inquiridos questo: De uma forma geral conhece os produtos retro/heritage? ...................................................................................................................................... 95 Figura 31 Comparao das respostas dos inquiridos s questes: De uma forma geral aprecia os produtos retro/heritage? e De uma forma geral conhece os produtos retro/heritage? ..................... 96 Figura 32 Resposta dos inquiridos quanto caracterizao dos produtos retro/heritage ................ 97 Figura 33 Respostas dos inquiridos quanto a exemplos de produtos retro/heritage que conhecem 99 Figura 34 Resposta dos inquirdos quanto ao conhecimento de produtos retro/heritage d A Vida Portuguesa .......................................................................................................................................... 100 Figura 35 Resposta dos inquiridos quanto hiptese de comprar de produtos retro/heritage d A Vida Portuguesa .................................................................................................................................. 101 Figura 36 Respostas dos inquiridos quanto avaliao das caractersticas dos produtos retro/heritage ....................................................................................................................................... 103 Figura 37 Opinies dos inquiridos sobre os produtos retro e heritage ............................................ 105 Figura 38 Opinies dos inquiridos sobre os produtos retro e heritage ............................................ 106

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AGRADECIMENTOSEm breves palavras desejo expressar toda a alegria e gratido que sinto ao completar este ciclo to importante da minha vida. Os frutos deste projecto espelham-se na obteno do grau de Mestre, mas tambm na minha vida, na minha identidade pessoal e social. O trabalho rduo, a persistncia e a luta pelo sucesso permitiram-me ver para alm do bvio, crescer em sonhos e alargar as minhas perspectivas acerca da sociedade em que vivemos. A concretizao desta dissertao resulta de um interesse e dedicao pessoal que seria impossvel sem o apoio de um conjunto restrito mas indispensvel de elementos que me rodeiam. Agradeo aos meus pais, pelo amor, pelo incentivo e pelo estmulo em crescer e saber mais e mais. Nunca o conhecimento demasiado e com ele tornamo-nos mais fortes, confiantes e independentes. Acredito que as oportunidades surgem pelo trabalho e dedicao, e a conquista dos nossos sonhos e aspiraes dever ser a derradeira vitria. Obrigada por estarem sempre, sempre, presentes e, uma vez mais, por todo o amor incondicional. Agradeo toda a ajuda e acompanhamento da minha orientadora, a Professora Doutora Snia Sebastio. Mesmo em alturas mais crticas em que as palavras no acompanham a velocidade do raciocnio, a Professora permitiu-me manter a clareza e a vontade em prosseguir. Estou, uma vez mais, grata por ter contado consigo! Obrigada minha famlia, que tem sempre uma palavra de carinho e de fora para continuar e conseguir. Revejo o apoio de toda a famlia (avs, tios e tias, primos e primas) na expresso caracterstica da av Micas: ah grande Ins! e nos sorrisos doces do Av Jorge e da Av Dina! Obrigada! Agredeo ao Erik, pelo amor, pela presena, pela compreenso e admirao! Obrigada aos meus amigos mais ntimos, entre os quais o Quarteto Fantstico, sempre entusiasmado com os progessos do projecto e sempre com palavras amigas de fora! Obrigada, Rita Maanita! Cada uma a seu ritmo, mas sempre juntas fomos completando as vrias e trabalhosas etapas. E conseguimos! Agradeo-te pela incansvel e imesurvel amizade! Por fim, agradeo a todos aqueles que participaram no projecto, de forma conhecida ou annima. De alguma forma, todos contriburam para a obteno de resultados fundamentais sua concluso.

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INTRODUOA tese conducente ao grau de mestrado que nos propomos a desenvolver est subordinada ao tema Consumo Retro e Heritage no reforo da identidade cultural dos jovens portugueses. Nos dias de hoje, verificamos que quase imensurvel o nmero de mensagens e sinais de apelo ao consumo. Vivemos numa sociedade direccionada para a aquisio desmesurada de bens e servios de uma forma quase inconsciente e movida por impulsos. Do lado da oferta, a produo de bens cada vez mais massificada de forma a dar resposta a um consumo tambm massivo e automtico. Aos elevados ndices de produo acresce a variedade, que torna a oferta rica e diversificada, sustentando todo o tipo de gostos e desejos. Por outro lado, na perspectiva da procura, acrescem as exigncias e aspiraes dos consumidores. Procura-se a novidade, a originalidade, algo que faa a diferena. Acresce a procura de produtos e servios que sejam mais prximos dos gostos particulares de cada consumidor, facto que justifica a segmentao dos consumidores em sub-grupos mais pequenos caracterizados de acordo com caractersticas mais especficas e peculiares. A escolha dos consumidores no apenas conveniente ou socialmente aceitvel. Perante uma imensido de hipteses, a escolha e deciso de compra dos consumidores tem vindo a revelar-se mais personalizada e ao estilo e imagem de quem consome. Assistimos, pois, intensificao de uma tendncia de personalizao e customizao do consumo. Ainda que produtivamente massificados, tanto os bens como os servios so complementados com um leque de funcionalidades e opes que permitam ao consumidor adaptar e diferenciar o seu bem, de modo a obter um produto (ou servio) que mesmo sendo igual aos demais no ponto de venda, pode ser personalizado e aproximar-se do gosto do seu utilizador. Seguindo a tendncia de personalizar e diferenciar a oferta, tm vindo a ser recuperados, reproduzidos, recriados e melhorados, produtos que fizeram parte do mercado em dcadas passadas. No mercado so identificados como produtos retro ou heritage. Estes produtos constituem a materializao da forma de resposta s exigncias de diferenciao dos consumidores. Os produtos retro ou heritage inflacionam o seu valor no mercado ao assumirem-se como uma opo alternativa de consumo, constituindo no s uma oferta diferente, como tambm como uma opo mais direccionada aos gostos e desejos dos clientes. Adicionalmente, o valor destes produtos reforado pela carga simblica que transmitem. Os produtos antigos alm de permitirem ao consumidor marcar a diferena, so tambm um veculo de memrias e uma forma de recuperar hbitos de consumo e traos de cultura entretanto perdidos na sociedade de consumo massificada e globalizada.

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O consumo retro cada vez mais parece fazer sentido numa era de reencontro com smbolos e valores do passado recuperados e materialmente disponveis. Esta busca por referncias passadas abrange todas as camadas etrias da sociedade, inclusivamente as mais jovens. Assim, percebemos o potencial dos produtos retro e heritage, na medida em que facilitam um retorno ao passado atravs da carga simblica que acarretam e espelham, assegurando ao mesmo tempo, a ligao ao presente, inovao e progresso. Com efeito, o valor simblico embutido destes produtos permite sustentar, ou at mesmo reforar, uma ligao da sociedade sua cultura e, assim, sua prpria identidade colectiva.

Pergunta de PartidaA gnese deste trabalho reside numa questo de partida: conseguiro os produtos retro e heritage reforar a identidade cultural? Foi esta a primeira pergunta que iniciou todo processo de maturao de ideias e planeamento deste trabalho. Partimos de uma interpretao do acto de consumo. Reconhecendo as vrias perspectivas acerca das motivaes que desencadeiam o consumo, reconhecemos que este inevitavelmente acaba por espelhar algumas caractersticas do consumidor, sobretudo no que concerne a gostos e atitudes. Reflectimos acerca da ligao entre consumo e identidade e incidimos o nosso foco de ateno num tipo de consumo especfico e peculiar, o consumo de bens retro ou heritage. Sendo estes produtos antigos, isto , que fizeram parte do quotidiano e dos hbitos de consumo de muitos portugueses, poder o seu consumo nos tempos modernos proporcionar mais do que um reforo das memrias? Ponderamos a possibilidade destes produtos contriburem para reforar a identidade nacional dos consumidores, na medida em que permitem que estes se revejam na histria dos produtos, ou recordem de tempos vividos quando os mesmos produtos faziam parte do seu dia-a-dia. Por conseguinte, pretendemos analisar este tipo de consumo como uma tendncia, identificando-a como sendo comum nas escolhas de consumidores jovens. A tendncia retro e o consumo deste gnero de bens constitui um desvio oferta massificada e inegavelmente mais homogeneizada. Efectivamente o consumo de produtos retro, embora no seja nossa inteno fazer desta ideia um facto, pode ser percepcionado como uma manifestao de subcultura. Inevitavelmente, so as camadas jovens da populao (15-30 anos), aquelas associadas a movimentos de subculturas. Neste sentido, procuramos saber de que forma que o consumo de produtos retro, que remontam desde s primeiras dcadas do sculo XX pode aproximar os jovens do passado da cultura portuguesa, e redefinir os traos identitrios que os ligam e identificam com a Nao. Simultaneamente, interessa-nos perceber o potencial que esta oferta tem no mercado em geral e na procura, percebendo de que forma que est a ser aproveitado e explorado como estratgia de marketing. Desta forma, procuramos obter o testemunho real de uma empresa portuguesa cuja actividade desenvolvida se centra apenas na oferta de produtos antigos portugueses. 6 Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas Universidade Tcnica de Lisboa

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Objectivos da InvestigaoInterligado com a nossa pergunta de partida e questes adjacentes esto os objectivos que norteiam e estruturam este trabalho de investigao. Atendendo s interrogaes anteriormente anunciadas foram delineados os objectivos que vo sustentar o progresso do trabalho e que, embora independentes, esto inter-relacionados. Como tal, sistematizamos o nosso projecto em trs grandes objectivos. Primeiramente tencionamos procurar estabelecer uma relao entre a tendncia de consumo retro e a identidade ps-moderna, marcada pelo processo de auto-interpretao das nossas aces e atitudes enquanto indivduos de uma sociedade globalizada. Este objectivo traduz-se na explorao de diferentes interpretaes de consumo, centrando na tendncia retro, bastante peculiar e progressivamente mais intensa. Igualmente, nossa inteno fazer um paralelismo entre esta tendncia de consumo e as interpretaes da sociedade luz de reflexes ps-modernas sobre a sociedade actual. Consideramos que esta interpenetrao entre teoria e realidade de interesse considervel atendendo ao facto do consumo reflectir mais do que um gosto, uma atitude e expresso de uma posio perante os outros. O segundo objectivo que visa analisar a relao dos jovens portugueses com a oferta de produtos retro. Pretendemos apontar motivaes de consumo, relacionadas com este tipo de oferta. A escolha do consumidor reflecte uma teia de significados, cujo interesse reforado quando aplicado ao nosso estudo de caso em particular. Tencionamos perceber o porqu deste tipo de consumo e quais os efeitos em termos de construo das identidades colectiva, cultural e nacional. A receptividade dos jovens a esta oferta torna-se curiosa e alvo de ateno da nossa parte. Este segundo objectivo cumpre-se com a interligao dos jovens enquanto consumidores de produtos retro e heritage e a oferta concreta de produtos da marca A Vida Portuguesa, uma vez que se trata de um exemplo nacional de referncia. Por ltimo, propomo-nos a analisar o mercado retro ou heritage no s na perspectiva da procura, isto , dos consumidores, como tambm da oferta. Importa perceber qual o estado deste segmento em Portugal, concretamente qual a oferta e o que que esta simboliza, ou por outras palavras, o que que ela veicula. Desta forma objectivamos perceber quais os esforos de incentivo ao consumo que tm vindo a ser desenvolvidos pelas empresas e marcas do ramo. Consideramos os trs propsitos gerais deste projecto extremamente relevantes para uma anlise mais profunda e fundamentada deste tema. O trabalho em torno dos pontos-chave enunciados como objectivos poder resultar numa imagem clara deste fenmeno retro, obtendo respostas para ambos os intervenientes do mercado: quem procura e consome e quem produz e deseja vender.

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Motivao PessoalA realizao deste e qualquer trabalho implica um interesse e afinidade do investigador pelo tema em questo. De facto, confirma-se esse requisito. A motivao que serve de incentivo prossecuo deste projecto relaciona-se com a experincia pessoal da prpria investigadora. A presena de muitos dos produtos antigos, hoje considerados retro ou heritage, que sero mencionados neste trabalho de investigao sempre fizeram parte da vida da mestranda. Produtos como os sabonetes Ach. Brito, o Musgo Real, ou ainda os sabonetes Feno de Portugal fizeram sempre parte de artigos a ter em casa. Os chocolates Regina, sobretudo as sombrinhas de chocolate, e a Farinha Predilecta tambm, e felizmente, nunca faltaram. Mas menos comuns so artigos como a pasta dentfrica Couto, outrora pasta medicinal, a gua-de-colnia Lavanda, ou o Restaurador Olex. Apesar de menos conhecidos, tambm estes produtos fizeram parte dos momentos de infncia da investigadora. Inesperadamente, estes produtos tornaram-se alvo de notcias, com uma nova abordagem e uma nova designao: retro ou heritage. O interesse pessoal da mestranda cresceu atravs de um artigo publicado na revista peridica da publicao Meios & Publicidade. Sendo estes produtos banais para a mestranda, ao ponto de passarem anos e anos despercebidos, o artigo captou a ateno pelo facto de os apresentar como um regresso histrico e quase herico, capaz de criar uma nova tendncia de consumo tipicamente portuguesa. O tom de novidade com que foram apresentados suscitou o interesse e vontade em desenvolver um projecto de investigao que permitisse estudar em pormenor a reintroduo destes produtos no mercado, assim como perceber o prprio mercado retro trendy e as motivaes que levam aquisio destes produtos antigos portugueses. O interesse na execuo de um trabalho de investigao em torno do consumo de produtos retro foi reforado pelo interesse e entusiasmo pessoal acerca do consumo e possveis interpretaes do mesmo. Graas aos conhecimentos adquiridos em frequncia de Mestrado com a cadeira de Sociologia de Consumo, tornou-se claro que no se trata de um comportamento linear e que so mltiplas as influncias e motivaes que levam ao acto da compra. por este motivo que existem hoje vrias e distintas perspectivas acerca do comportamento de consumo. Neste sentido, acresce o interesse em interpretar o consumo destes produtos, identificando os motivos que levam ao acto de compra e os efeitos adjacentes ao mesmo. Sendo estes produtos retro e heritage correspondentes a um segmento de consumidores bastante especfico, e reconhecendo que vivemos numa sociedade fortemente virada para o consumo massivo, o interesse da mestranda ficou reforado pela contraposio entre a tendncia de desenvolver estratgias de marketing apelativas ao consumo e a presena de artigos retro que no procurando um consumo massificado podero contribuir para recriar hbitos de consumo e repor um sentido de orgulho pela tradio portuguesa e reforo da identidade nacional.

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Estrutura do trabalhoEste trabalho encontra-se dividido em quatro grandes captulos fundamentais. No primeiro captulo expomos o plano metodolgico delineado e concretizado com o intuito de obter informao vlida e sustentada. Neste captulo, so evidenciadas as opes metodolgicas mais adequadas aos objectivos desta tese e aplicveis ao tema e caso de estudo. No segundo captulo apresentado o enquadramento terico-temtico, que abrange trs grandes conceitos: a identidade cultural, o consumo e a estratgia retro e heritage. Cada conceito, por sua vez, desenvolvido graas a vrias perspectivas de anlise. Assim, o tema Identidade Cultural sustenta-se na operacionalizao de quatro conceitos: cultura, cultura portuguesa, identidade e psmodernismo. Os quatro esto interligados e viabilizam uma noo abrangente do tema cultura. O mesmo ocorre com o segundo grande conceito, o Consumo. Este, por seu turno, contempla vrias perspectivas tericas acerca do comportamento de consumo, incidindo na vertente sociolgica que engloba hbitos e motivaes dos consumidores. Ainda, consideramos relevante efectuar uma breve anlise acerca da evoluo do consumo em Portugal, de modo a compreender o qu e em que condies Portugal foi impelido para o consumo. Por fim, atribumos igual ateno ao terceiro grande tema, a estratgia retro e heritage. A operacionalizao deste conceito incide sobre as noes de retro e heritage e as suas oportunidades no mercado em geral. Trabalhamos e apresentamos ideias aplicadas em exemplos concretos de empresas, internacionais, dedicadas explorao das potencialidades que o consumo retro e heritage assume no mercado de consumidores, atendendo naturalmente panormica social e cultural previamente referido. O terceiro grande captulo deste trabalho de tese de mestrado dedicado caracterizao do mercado retro e heritage em Portugal, sendo o nosso estudo de caso A Vida Portuguesa. Neste terceiro captulo apresentamos a marca A Vida Portuguesa, anunciando as origens e princpios de fundamentam o projecto, assim como o estado da marca actualmente. Concentramo-nos, ainda, em aspectos fundamentais do conceito, como a oferta de produto, os preos praticados, os meios de distribuio e de comunicao utilizados. Ainda, mostramos outros exemplos de marcas e pontos de venda com oferta retro e heritage e que podem ser tidos como concorrentes de A Vida Portuguesa. Por fim, anunciamos os resultados provenientes nos inquritos por questionrios aplicados a uma amostra no probabilstica composta por jovens dos 15 aos 30 anos de idade. Expomos as ilaes sobre a ligao dos jovens portugueses com a oferta retro e heritage nacional e a forma como essa ligao tem repercuses na identificao com a cultura portuguesa. Toda a informao recolhida para a redao de cada um dos captulos ser finalmente relacionada e sumarizada nas concluses finais do trabalho.

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CAPTULO 1.

METODOLOGIA

Qualquer trabalho de investigao necessita de um plano de execuo, seguindo uma estratgia que visa alcanar os objectivos pretendidos, comprovar e at mesmo superar as expectativas criadas. Carlos Diogo Moreira enuncia os problemas que mais tendem a afectar os estudantes ps-graduados durante o exerccio contnuo e prolongado de um trabalho de investigao: planeamento e gesto deficientes, dificuldades metodolgicas, dificuldades de redaco, problemas de isolamento, problemas pessoais alheios pesquisa, superviso inadequada (1994:12). Atendendo importncia de um bom planeamento e organizao do trabalho de investigao, delinemos uma estrutura operacional de orientao (Moreira, 1994:24), onde os objectivos traados foram ponderados tendo em considerao o tempo disponvel e as ferramentas metodolgicas eficaz e eficientemente aplicadas. Numa primeira instncia foi considerada a pesquisa bibliogrfica, elemento crucial no sustento documental dos temas e conceitos relacionados. Para a realizao do trabalho emprico indispensvel delimitar a rea de pesquisa, concentrando-nos nos conceitos que se interligam entre si e que so, simultaneamente, inerentes ao tema principal. Um planeamento correcto da conceptualizao terica permite ao investigador rentabilizar ao mximo o seu tempo, impedido que o trabalho de redaco seja penalizado pela presso do tempo (Moreira, 1994:13). Neste sentido, para a primeira parte do projecto foi planeado uma pesquisa documental de vrios conceitos. Atravs de fontes secundrias (Moreira, 1994:30), isto , livros e documentos vlidos dotados de conhecimento cientfico permitiro produzir a componente documental e emprica deste projecto, trabalhando vrios conceitos, entre os quais Cultura, Ps-Modernismo e Identidade. Trata-se de conceitos cujas definies se interpenetram e que assume uma mais-valia para o tema central. Por conseguinte, foram, tambm, trabalhados os conceitos de retro e heritage, dando maior nfase nos trabalhos de estratgia que tm sido desenvolvidos no sentido de recuperar marcas e produtos nacionais em decadncia ou j extintos do mercado e impulsionar o seu consumo. Ainda neste mbito e seguindo a estrutura do trabalho, foi abordada a noo de consumo e respectivas motivaes. Consideramos que a compreenso daquilo que podem ser consideradas motivaes de consumo de grande relevncia e utilidade para a concepo do comportamento de consumo, uma vez que se torna possvel decifrar a sua gnese. No desenvolvimento do trabalho entendemos que no s relevante trabalhar uma conceptualizao terica sobre o consumo e suas motivaes, como tambm efectuar pesquisa documental acerca das interpretaes tericas desenvolvidas sobre o mesmo tema no mbito da sociologia. Uma vez que a temtica do trabalho se enquadra no contexto portugus considermos relevante analisar a evoluo do comportamento do consumo em Portugal, com particular incidncia nas dcadas do sculo XX. O acesso informao deve ser, regra geral, livre, sem impedimentos ou entraves. A anlise deve ser focada para os objectivos gerais do trabalho, respeitando a perspectiva de anlise inicial. Assegurar

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algum rigor no tratamento e anlise documental fundamental para obter informao til e sustentvel ao projecto, o modo como gerido o acesso informao necessria pesquisa, influencia frequente e substancialmente a quantidade e a qualidade dos dados obtidos e, portanto, o prprio xito da investigao social (Moreira, 1994:64). A prossecuo do trabalho de dissertao necessita de uma estrutura operacional onde possam ser aplicados um conjunto coerente de mtodos. O modelo de anlise desenvolvido, fundamentado a partir dos objectivos formulados e dos conceitos operacionalizados, fornece ao investigador um sustento para o trabalho de observao. Na ptica de Quivy e Campenhoudt, a observao engloba o conjunto das operaes atravs das quais o modelo de anlise submetido ao teste dos factos e confrontado com dados observveis (2005:155). Naturalmente reconhecemos o princpio basilar de que a cada necessidade de informao corresponde uma fonte informativa especfica com resultados singulares, cada mtodo gera diferentes tipos de dados, todos contribuindo por formas especficas para a compreenso do fenmeno em questo (Moreira, 1994:25). Seguindo a nossa estratgia de investigao social desejamos compreender a relao entre os jovens portugueses, enquanto consumidores ou potenciais consumidores de produtos retro e a oferta deste mesmo mercado. Procurmos formular um plano metodolgico, ou nas palavras de Diogo Moreia um plano de mtodos (1994:25) completo e com naturezas de pesquisa variadas. Naturalmente debatemo-nos entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa, reconhecendo naturalmente a utilidade de ambas na execuo de um bom trabalho (Moreira, 1994:93). A pesquisa qualitativa tem sido a escolha preferencial para cincias polticas, antropolgicas, sociolgicas e sociais, tendo como principais mtodos de recolha de informao a observao participante e as entrevistas no-estruturadas e em profundidade (Moreira, 1994:93). Carlos Diogo Moreira estabelece uma diferenciao entre as pesquisas qualitativa e quantitativa com base no tipo de anlise de dados que produzida. Com efeito, os mtodos de investigao de natureza quantitativa implicam um tratamento numrico dos dados, sendo tendencialmente submetidos a manipulao estatstica (1994:93). Por outro lado, os mtodos qualitativos implicam um tratamento interpretativo dos dados. Moreira considera ainda que uma faceta essencial dos mtodos de pesquisa qualitativos consiste no facto das explicaes consideradas satisfatrias das actividades sociais requererem uma apreciao das perspectivas, culturas e vises do mundo dos autores envolvidos (1994:94). Ainda sobre a pesquisa qualitativa, embora interessantes, profundos e abrangentes, os mtodos utilizados so por norma considerados demasiado generalistas, resultado de um trabalho de pesquisa no linear, e no verificveis. O investigador vai moldando o seu plano de investigao medida que vais obtendo resultados e pesquisando mais dados informativos de relevo. A pesquisa torna-se bastante flexvel, aumentando o cuidado em sistematizar as categorias de anlise e o mtodo de obteno dos dados (Moreira, 1994:96-98). A prpria anlise de dados qualitativos torna-se peculiar, exigindo da parte do investigador capacidades especiais de registo (Moreira, 1994:101), assim

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como destreza na apresentao dos dados de relevo e contributo para a investigao (Moreira, 1994:103-104). Seguidamente considermos a pesquisa quantitativa. De acordo com o que foi dito anteriormente, garantindo a qualidade e rigor da investigao, a metodologia desenvolvida em torno de uma pesquisa quantitativa implica um maior cuidado e ateno na formulao do processo de pesquisa (definio de objectivos e hipteses) como nos prprios mtodos de recolha e anlise de dados a aplicar, exige uma maior especificao prvia dos dados que devem ser recolhidos e definio mais precisa das variveis em presena (Moreira, 1994:149). Eleger os mtodos que melhor se enquadram no plano de pesquisa requer que seja considerada a eficcia dos mesmos na obteno de respostas com contributo cientfico determinante para o projecto (Moreira, 1994:157). Os objectivos deste trabalho de investigao passam por perceber a relao entre os jovens portugueses consumidores e a oferta de produtos retro e heritage disponveis no mercado, assim como aferir o potencial destes produtos no reforo identitrio nas camadas mais jovens portuguesas. Com o intuito de responder aos objectivos mencionados estruturmos um plano de mtodos no qual foi includo o inqurito por questionrio. Optmos por conduzir uma pesquisa de natureza quantitativa que nos proporcionasse um ritmo e dinmica de trabalho estruturado, focado em objectivos. Os inquritos sociais facilitam uma sistematizao dos dados, que pode variar de acordo com o tipo de inqurito conduzido. Na escolha do tipo de inqurito a ser conduzido conta a natureza e quantidade de dados que se pretendem obter de cada inquirido (Moreira, 1994:161), tendo implicaes ao nvel da determinao do universo e construo da amostra. Para a nossa investigao optmos pela utilizao de inquritos por questionrio auto-administrados. Os inquritos por questionrio sero distribudos por correio electrnico sob a forma de um link gerado atravs de um software online. A utilizao deste tipo de questionrio com um certo grau de independncia na administrao vai ao encontro das vantagens referidas por Carlos Diogo Moreira permitir a abordagem de grandes populaes a custos relativamente baixos, na medida em que no so utilizadas equipas de entrevistadores e indispensvel pr-codificao e posterior computorizao aceleram consideravelmente a explorao e anlise de dados (1994:165). Igualmente esta difuso de inquritos por questionrio liberta os inquiridos da presso habitual de resposta, permitindo uma melhor gesto de tempo. A ter em conta sero as desistncias de resposta aos inquritos, factor que pode gerar inquritos inacabados. Hine debate alguns dos problemas que a internet pode gerar perante uma pesquisa etnografica, em termos de autenticidade dos dados obtidos, visual anonymity allows for people deliberately to play with their identities and adopt different personae (2003:119). A comunicao estabelecida pela Internet permite aos indivduos fantasiar identidades e papis sociais virtuais diferentes da realidade do mundo offline. Esta eminncia de falsa informao gera uma desconfiana acerca do mundo da Internet, if identity play is as widespread as suggested, this might be expected to have some impacto

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on the extent to which people trust one another, and the ways in which they treat the Internet as a reliable source of information (2003:120). O debate acerca da veracidade das identidades assumidas atravs da Internet congrega diferentes opinies. Por um lado, alguns autores consideram que a criao de mltiplas falsas identidades atravs da Internet um facto incontronvel. Outros autores, referidos por Hine, como Baym (1998), defendem que no desconsiderando a facilidade de fingir identidades e papis sociais, e de deturpar informao no deve ser tido como uma tendncia geral (Hine, 2003:120). A problematizao acerca da informao obtida atravs da Internet foi feita considerando os aspectos positivos e negativos enunciados por Hine (2003). Considermos a hiotese da conduo de inquritos por questionrios atravs da Internet gerar resultados no condizentes com a realidade. No entanto entendemos que a Internet , ainda, um veculo de transmisso e propagao de informao, bem como uma ferramenta de angariao de dados. A construo dos questionrios teve em conta a procura de informao interessante, concreta e til para o estudo. No s imperativo o cuidado na elaborao de questes claras, como tambm necessrio evitar construir um questionrio com demasiadas perguntas e que desencoraje o inquirido a responder. O inqurito dever apresentar uma dinmica entre as questes, de tal forma que envolva o inquirido e incentive a sua participao. As questes colocadas sero fechadas, no sentido em que a resposta previamente categorizada e codificada mediante um conjunto de opes. A resposta do inquirido ir enquadrar-se numa das opes (Moreira, 1994:170). Importa referir o trabalho de construo de amostra. Desde logo reconhecimentos que fundamental para a concretizao de qualquer trabalho de investigao a construo de uma amostra toda a investigao social recorre construo de amostras, dos estudos antropolgicos s sondagens de opinio (Moreira, 1994:75). A definio do universo de estudo ou populao unidades constitutivas do conjunto considerado (Quivy, Campenhoudt, 2005:159) conduz definio da amostra. Para a investigao que nos propomos executar ponderamos entre o estudo de uma amostra representativa da nossa populao ou o estudo de uma amostra no representativa da mesma populao. Enveredaremos pela construo de uma amostra de convenincia, ou no-probabilstica. Muito embora nas amostras probabilsticas seja reconhecida a representatividade dos resultados, as amostras por convenincia permitem obter dados interessantes, no sendo generalizados para o universo do estudo, mas cingindo-se ao campo de anlise. A amostra ter consistncia quando obtivermos uma saturao de respostas, ou nas palavras dos autores Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt, quando alcanarmos o critrio de redundncia (2005:163). A no utilizao de uma amostra representativa deriva de limitaes ao nvel de recursos, bem como pela dimenso da populao deste estudo. Todavia, salientamos a ideia dos autores anteriormente mencionados acerca da fiabilidade dos resultados obtidos por meio de amostras no representativas, sendo estas a frmula mais frequente. As mesmas potenciam, ainda, um contributo cientfico notvel, no deve confundir-se cientificidade com representatividade (2005:161-162).

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Uma vez que o grupo em anlise um grupo pequeno, equiparado a uma sub-cultura juvenil, iremos aplicar a amostra bola-de-neve. A construo deste tipo de amostragem inicia-se com um primeiro contacto com um pequeno grupo de indivduos que entre si alastra-se para outros inquiridos. Este tipo de amostra assume a caracterstica de desenhar uma rede de relaes sociais. Por sua vez, tal pode ser perspectivado como sendo uma vantagem ou uma desvantagem: a vantagem consiste em revelar a dita rede de relaes sociais a qual pode em si mesma ser objecto e estudo. O problema potencial que se inclui apenas os que pertencem rede de relaes (Moreira, 1994: 82). Neste sentido, a amostra por convenincia dever ser composta por consumidores e/ou admiradores do produto, sendo estes jovens, dos gneros masculino e feminino com idades compreendidas entre os 15 e os 30 anos, inclusive. Trabalharemos, portanto, com o testemunho de indivduos que incluem a Gerao Y. Trata-se de uma gerao sui generis, normalmente mais dependente das geraes anteriores (sobretudo em termos econmicos). A Gerao Y tambm designada como Gerao da Internet, caracteristicamente mais atenta s novidades tecnolgicas e aos hits do momento em msica, moda e tecnologia (McCrindle, 2006:8-11). Atravs do questionrio sero obtidos dados acerca da opinio dos jovens portugueses sobre estes produtos, da perspectiva dos mesmos face ao potencial dos produtos portugueses retro e os motivos que levariam ao consumo. Seguidamente, os dados sero exportados para o programa de anlise estatstica de dados para as cincias sociais, o SPSS, atravs do qual ser feita a anlise e retiradas as concluses. Utilizaremos o SPSS na medida em que reconhecemos a sua utilidade e contributo para o progresso da investigao em cincias sociais com resultados de sucesso e grande fiabilidade. Na utilizao desta ferramenta estatstica convm saber de antemo o que se deseja aferir e quais os meios para obter o que se procura, dois bices interpem-se entre as boas intenes do utilizador e o seu objectivo: saber que teste estatstico utilizar para responder s suas questes; e interpretar correctamente os resultados do clculo estatstico efectuado (Pereira, 2004: 16). A utilizao deste software de anlise estatstica para as cincias sociais de extrema importncia tendo em conta que iremos trabalhar com inquritos por questionrio, um mtodo de recolha de dados que por si s permite obter dados quantificveis e proceder, por conseguinte, a numerosas anlises de correlao (Quivy e Campenhoudt, 2005:189). O desenvolvimento do trabalho de dissertao contemplou, ainda, a realizao de uma anlise a uma empresa nacional cuja actividade incide no comrcio de produtos retro e heritage. A empresa escolhida para o estudo A Vida Portuguesa. Esta marca destaca-se pela sua dedicao no trabalho de investigao e recuperao de marcas antigas portuguesas e pela forma como subtilmente tem contribudo para dar uma nova abordagem a marcas antigas nacionais e produtos praticamente esquecidos pelos consumidores portugueses. A existncia de A Vida Portuguesa vai para alm do enriquecimento custa do aumento do volume de vendas e receitas. Pelo contrrio, a marca trilha um caminho de luta contra o esquecimento e esbatimento da memria e trabalha cada produto e marca antiga com enorme cuidado a dedicao, enaltecendo a histria que cada um acrescenta e o simbolismo intrnseco. O sucesso de A Vida Portuguesa pode estar na crena de que, tal como

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afirmam na mensagem de apresentao online, os produtos antigos portugueses tm futuro. Desta forma, procuraremos dar seguimento a uma anlise de mercado, na qual tencionamos estabelecer uma relao entre a percepo dos jovens sobre o mercado de produtos retro e heritage, interligando com a existncia da oferta de A Vida Portuguesa. A pesquisa e investigao a conduzir sobre marca lanada por Catarina Portas implicar o recurso a fontes primrias e fontes secundrias ou documentais (Quivy e Campenhoudt, 2005:201-205). Recorremos entrevista como meio de recolha de informaes contando com o testemunho directo dos responsveis pela marca. A entrevista permitir obter uma maior profundidade e fiabilidade dos dados. Reconhecemos neste trabalho de dissertao um encanto que deriva de um tema com um manancial de informao por explorar e cujos ngulos de abordagem so mltiplos e variados. No nos propormos a estudar exausto cada um deles. No entanto, esformo-nos por dar seguimento a um plano metodolgico com uma estratgia de observao rica em ferramentas que permitir desenvolver um trabalho acerca do consumo de produtos retro e heritage, sustentado na ideia de reforo da identidade cultura dos jovens portugueses. Para tal, so consideradas todas as variveis explicativas, umas de natureza terica, outras de natureza prtica, aplicadas realidade portuguesa, indispensvel tomar em considerao variveis de controlo, dado que as correlaes observadas, longe de traduzirem ligaes de causa a efeito, podem resultar de outros factores implicados no mesmo sistema de interaco. Ser ento necessrio recolher um certo nmero de dados relativos a outras variveis, para alm das que esto explicitamente previstas nas hipteses principais (Quivy e Campenhoudt, 2005:156).

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CAPTULO 2.2.1

ENQUADRAMENTO TERICO-TEMTICO

Identidade Cultural

Para desenvolvermos um enquadramento terico coerente acerca de identidade cultural fundamental perspectiva-lo atravs de campos de anlise segmentados, embora intrinsecamente ligados. Por si s, as noes de cultura e identidade so profundamente abrangentes e complexas, uma vez que congregam um conjunto vasto de teorias e interpretaes. Ambos os conceitos parecem-nos dinmicos, atendendo ao carcter evolutivo com que tm sido estudados e analisados. Desta forma, iremos tratar as noes de Cultura, Identidade sabendo antecipadamente que as duas esto correlacionadas e interdependentes. Dado que este trabalho de dissertao est aplicado realidade nacional, procuraremos definir o conceito de Cultura Portuguesa, luz do contributo terico de outros autores. Ainda no mbito do conceito de Identidade Cultural, apresentaremos um conjunto de ideias relativas ao Ps-Modernismo.

CulturaConsideramos pertinente tecer algumas consideraes acerca de Cultura, um termo complexo e com uma pluralidade de acepes mas que se encontra profundamente ligado s questes de identidade e com uma influncia determinante na fora dos produtos retro. A cultura pode referir-se ao carcter simblico de aspectos do comportamento dos homens, nos vrios domnios da lngua, da religio, do quotidiano, e modos de conduta. Trata-se do desenvolvimento intelectual e refinamento de atitudes (Pires, 2004:35) que diferencia o comportamento humano do comportamento animal, dirigido pelo instinto. Tericos alemes entendem a cultura como uma forma de desenvolvimento das capacidades intelectuais e cognitivas prprias do homem, ou por outras palavras, a cultura eleva e enriquece o potencial humano (Pires, 2004:35). O sentido filolgico de cultura, expressa o cultivo de algo, primordialmente ligado ao solo, isto , s actividades agrcolas. A palavra que serve de matriz, colere provem do latim, e transmite, alm de cultivar, adorar e proteger, num sentido mais religioso. A cultura ligada aos solos transportada para os homens, expondo um cultivo (cuidado e crescimento do esprito humano). O cultivo do esprito humano, por sua vez estendeu-se ao cultivo da devoo religiosa aquando da colonizao de povos indgenas, resultando da a formulao do vocbulo colonus (hoje conhecido por colonos). A evoluo da histria da humanidade explica a evoluo semiolgica de cultura, facto que aclara a riqueza de interpretaes de um nico termo. Vrios registos histricos remontam a existncia do termo poca antes de Cristo. Na Grcia Antiga, cultura expressava a formao intelectual e pessoal do indivduo, enquanto na poca do Imperialismo Romano colere expressava, numa primeira fase o

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cultivo agrcola e de gado, tendo, mais tarde por obra de Ccero passado a referir-se ao cultivo da mente humana, atravs da palavra humanitas. Na Idade Mdia, cultura possui novamente uma conotao agrcola, muito embora a colonizao de terras desconhecidas por parte de muitos pases europeus tenha dado o mote para a diferenciao de culturas, como elementos identitrios de uma sociedade. Na poca do Renascimento, verifica-se uma abertura cultura laica, isto , um maior desprendimento dos contedos culturais face aos temas e crenas religiosos acompanhando o enaltecimento das capacidades cognoscitivas do homem. Nesta fase a cultura encarada como uma chave para o desenvolvimento intelectual e artstico, estando ligada s cincias e acima de tudo s artes como a pintura, a escultura e a literatura; inclusivamente nas obras de arte constata-se um maior realismo e correspondncia com a realidade. no Renascimento que ocorre a exaltao de valores humanistas e reforada a confiana nas potencialidades do pensamento humano. Com o Iluminismo do sculo XVII verifica-se a continuidade do optimismo antropocntrico da poca renascentista. Ocorre uma expanso do termo cultura que passa a estar intimamente ligado formao nas artes, nas cincias e nas lnguas. nesta fase, que cultura se aproxima do conceito enunciado pelos tericos alemes com os termos Bildung ou Kultur. Ambos signficam formao. Com efeito para estes pensadores, cultura tudo o que contribui para o enriquecimento humano. Outra abordagem manifesta a distino entre Cultura e Civilizao. Se por um lado o termo Civilizao designava a pertena a uma comunidade ou sociedade, muitas vezes associada ao progresso, por outro, Cultura exprimia o desenvolvimento interior do homem, o requinte e a sofisticao fundamentada pelo conhecimento. Segundo o autor Guilherme dOliveira Martins, existe um forte vnculo da educao e da cultura com o progresso civilizacional, o desenvolvimento humano no compreensvel nem realizvel sem o reconhecimento do papel a criao cultural, em ligao estreita com a educao (2009:7). Ainda assim, este termo foi tambm usado para expressar o grau de desenvolvimento populacional, de modo a estabelecer diferenciaes entre povos e grupos tnicos, o que distingue o desenvolvimento e o atraso a cultura, a qualidade, a exigncia (Martins, 2009:7). A sociedade moderna do ocidente do sculo XIX acentuou a crena nas capacidades do Homem, recorrendo razo como meio de explicao para todas as coisas. Novamente debatido o conceito de cultura que passa a ser usado para designar o conjunto de elementos, como crenas, moral, hbitos, costumes e arte que definem uma sociedade. Em suma, traduz-se no modo de vida de um povo (Pires, 2004:45). Deste modo, so reconhecidas inmeras culturas de vrios povos. Cada cultura tende a ser integrada em grupos maiores de cultura, com traos culturais mais semelhantes: podemos recorrer aos exemplos da cultura ocidental e cultura oriental. So vrias as acepes da palavra cultura, verificando-se que o significado que esta possui depende do contexto em que utilizada, ou da categoria em que est inserida. Podemos, ento, considerar entre outras concepes de cultura a antropolgica simblica. Clifford Geertz, considera que a cultura

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de uma sociedade sustenta a teia de significados em que os indivduos esto inseridos, tornando-se relevante o estudo das inter-relaes que se vo estabelecendo. Talcott Parsons entende a cultura como um sistema relativamente complexo de significados, normas e valores orientadores do comportamento social. Na mesma linha de raciocnio, Edward B. Taylor entende por cultura o conjunto de conhecimentos recebidos por intermdio da convivncia em sociedade, assim como o conjunto de crenas, hbitos, rituais, leis e arte que identificam a comunidade (apud Pires, 2004:35). O resultado dos estudos sobre a cultura, levados a cabo entre muitos outros estudiosos, por antroplogos, arquelogos, historiadores, socilogos, filsofos e economistas, permite reconhecer um grupo de caractersticas que a definem e facilitam a sua compreenso. A cultura simblica, aprendida e partilhada. simblica uma vez que por intermdio de smbolos estabelece-se uma relao associativa entre as ideias ou objectos e seus significados. Seguidamente, aprendida uma vez que funciona como um processo acumulativo decorrente da socializao dos indivduos. , por fim, partilhada, no sentido em que a convivncia implica a partilha de valores, experincias e conhecimento. O socilogo francs Pierre Bourdieu (2010) defende a ideia de que os indivduos tendem a reproduzir um conjunto de referncias e preferncias correspondentes a determinada posio ou situao social. O consumo transparece as posses que cada um detem, em termos culturais e educacionais, e em termos econmicos, pelo que adquire um certo simbolismo, denominado de capital cultural. Guilherme dOliveira Martins explora o conceito de patrimnio cultural. O termo foi debatido e clarificado aquando da assinatura da nova Conveno-Quadro do Conselho da Europa, assinado em Faro em Outubro de 2005. O Patrimnio Cultural assume grande importncia e revela-se fundamental para concebermos o carcter dinmico e mutvel de cultura, dado que resulta de uma simbiose de diversas influncias, de diversas pocas e que acaba por ligar a herana com a criao (2009:6). O que hoje podemos referir como patrimnio cultural fundamental para a constituio e reforo das noes identitrias e de comunidade. Anthony Smith considera que as tradies e os costumes de uma populao ou comunidade exprimem uma caracterstica basilar na formao de identidades. A identidade tnica , ento, definida pelo conjunto de caractersticas simblicas e culturais (Smith, 1991:21). Neste sentido Snia Sebastio afirma, a palavra cultura significa o movimento do culto, a transmisso temporal e espacial de uma cadeia de ritos. Cada movimento do culto implica uma adequao geogrfica, escatolgica e ecolgica, o que leva existncia de diversidade de ritos e smbolos que caracterizam uma herana tradicional, constantemente actualizada (2008:30). Na noo de cultura reconhecemos o seu carcter dinmico e de continuidade. A definio de quem somos, isto , a nossa identidade construda a partir do meio em que vivemos, a vida humana um instrumento de cultura (Sebastio, 2008:30). Sabemos que as identidades so mutveis e evolutivas, consoante os contextos de tempo e espao. Reconhecemos que vivemos numa poca conturbada por vrios autores designada como Ps-Modernismo, ou numa modernidade reflexiva, preconizada por Beck, Giddens e Lash (1994) na qual as sociedades modernas tm a percepo de

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mudana e necessitam de problematizar os modelos de conduta e os valores vigentes que tendem a conduzir a uma Sociedade de Risco. Assim, a prpria identidade torna-se reflexiva e refora a urgncia de redefinirmos e afirmarmos novas identidades pessoais e sociais. Sobre este tema o socilogo Richard Jenkins (1996) defende que no sendo a mudana um elemento novo na sociedade presente (pelo contrrio ele sempre existiu), os contnuos progressos tecnolgicos e comunicacionais que aceleraram e ampliaram os fluxos de informao e de partilha de traos culturais, resultam na redefinio da identidade, ao ponto de nos questionarmos acerca de ns prprios. Inclusivamente, o autor afirma que o futuro cada vez mais imprevisvel, facto que tem repercurses no reconhecimento de nos prprios (Jenkins, 1996:9). Desta forma, compreendemos a necessidade de definir o sentido e relevncia do patrimnio cultural na nossa sociedade. O patrimnio cultural, enquanto juno do patrimnio material e imaterial permitiu atribuir um valor memria que inevitavelmente interfere na vida quotidiana, assumindo-se como um valor acrescentado que as novas geraes somam e incorporam na realidade (Martins, 2009:19). Sobre este ponto, parece-nos interessante reflectir sobre as seguintes palavras do mesmo autor: no estamos ss; em cada momento, a Histria faz-se com os contemporneos e com aqueles que tornaram possvel a nossa existncia e constituram as geraes que nos antecederam (2009:19). Dada a ligao entre histria e tradio, reconhecemos que a opinio de Anthony Giddens vai, de certo modo, ao encontro do autor portugus. Com efeito, para Giddens a tradio assume uma funo de ajuda e orientao no trilho das geraes contemporneas, a tradio no totalmente esttica, porque tem de ser inventada por cada nova gerao medida que esta assume a herana cultural daquelas que a precederam (1995:39). Na verdade, para Giddens, a modernidade e a tradio esto sempre ligadas, muito embora nem sempre os actores sociais tenham conscincia de tal. Por esse motivo o autor defende a ideia de reflexividade, sendo esta uma capacidade ntima e inseparvel do Homem e que permite que o mesmo se encontre consigo e com a sociedade em que vive (1995:29). O autor desenvolveu uma concepo de sociedade ps-tradicionalista sustentada na ideia de Sociedade de Risco e no reconhecimento do poder da tradio. O passado e a tradio devem ser respeitados dada a importncia que assumem para a sociedade actual, mesmo na mais modernizada das sociedades modernas, a tradio continua a desempenhar um papel (Giddens, 1995:31). A transio de uma era pr-moderna para os tempos modernos reflecte a emergncia de um conjunto de alteraes que se reflectem nos sentimentos generalizados de confiana e de risco, por parte dos indivduos face realidade e vivncias. Anthony Giddens desenvolve um paralelismo entre as principais seguranas e ameaas nas eras pr-modernas e modernas. No que concerne s sociedades pr-modernas, o autor distingue quatro contextos de confiana: sistema de parentesco, ligao com a comunidade local, a tradio, enquanto rotina, e a religio (1995:83-86). Embora alguns dos elementos possam gerar tenses e situaes de conflito, na opinio do autor estes funcionam sobretudo como formas harmonizao e tranquilidade social, no sentido em que se constituem como pontos de referncia para os indivduos que sabem de antemo que podem contar

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com o apoio e orientao de cada um deles. Do lado inverso, o ambiente de risco nestas sociedades deriva de perigos naturais, relacionados com problemas demogrficos, catstrofes ambientais. O clima de instabilidade e insegurana em sociedades pr-modernas era, ainda, marcado pela ameaa de violncia humana, potenciada pelo crescente poder militar, bem como pela religio. Sobre este ltimo elemento, o autor explica a dualidade de efeitos que o mesmo pode gerar na populao: a religio tem o poder de congregar os indivduos em torno de um conjunto de convices e crenas, que lhes servem de auxlio e fora para enfrentar as contrariedades e momentos difceis. Contudo, as mesmas crenas ao se constiturem como um elemento salvao correm o risco de gerar tenso e desespero, podendo mesmo ser postas em causa (1995:88). J na modernidade, constatamos que as fontes de confiana e de perigo alteraram-se, nenhum dos quatro principais focos de confiana e de segurana ontolgica nos cenrios pr-modernos tem uma importncia comparvel nas circunstncias da modernidade (Giddens, 1995:89). Para a sociedade moderna aos laos de confiana acrescentara-se relaes de outras naturezas, nomeadamente amizades, e as comunidades tendem a perder a influncia dado que as relaes sociais que as sustentavam tendem a disseminar-se. A sociedade moderna estabelece-se criando relaes e contextos abstractos e independentes da dimenso espacial: o local e o global confluem num s. Giddens considera que um dos elementos de maior segurana e conforto nas sociedades modernas a capacidade de reflexividade da vida social, permitindo equacionar acerca do passado e do seu significado face ao presente. Com efeito, o autor justifica a quebra da dominncia da religio com base na reflexividade, a religio e a tradio estiveram sempre estreitamente ligadas, e esta ltima ainda mais completamente abalada que a primeira pela reflexividade da vida social moderna, que se coloca em oposio directa a ela (1995:90). No caso dos riscos que mais afectam a sociedade moderna estes relacionam-se muito mais com o prprio conhecimento dos mesmos perigos, percepcionados numa escala global, que poder gerar a ansiedade e tenses na sociedade. Atravs desta ponderao entre as principais fontes de confiana e de insegurana que marcaram as sociedades pr-modernas e modernas, chegamos ao entendimento de Sociedade de Risco. Vivemos numa sociedade notada pela conscincia dos perigos que enfrenta e que podero provocar a destruio e o esgotamento da prpria sociedade. Na perspectiva de Giddens, a incerteza, angstia e tenses que os indivduos sentem, face ao conhecimento dos perigos enfrentada pela recuperao dos elementos de segurana que marcaram as pocas pr-modernas, nomeadamente a tradio.

Cultura PortuguesaPropomo-nos a explorar o conceito de cultura portuguesa atravs de referncias de anlise como os conceitos de cultura, identidade (e identidades nacional e cultural), nao e patrimnio previamente tratados. Tal como referimos anteriormente acerca da noo abrangente de cultura, reconhecemos o seu carcter dinmico, evolutivo e cumulativo, pelo que entendemos logo de incio que o conceito de cultura portuguesa apresenta a mesma complexidade de significados.

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Reforamos a ideia de cultura enquanto herana transmitida ao logo de geraes, grupos de indivduos que se identificam entre si graas a uma partilha directa e indirecta de valores, significados e referncias. A transmisso de cultura permanente e processa-se atravs de diversos agentes de socializao presentes na vida de cada indivduo. Nas palavras de Snia Sebastio, com o sustento de autores como Antnio Srgio (1972) e Hernni Cidade (1973), a cultura portuguesa difunde-se por osmose no contacto entre portugueses e no portugueses, a cultura portuguesa , ento, uma cultura de transmisso e no tanto uma cultura de gerao (2008:32). Quando abordamos a cultura portuguesa, identificamos de imediato a complexidade de significados que a compem e os smbolos e valores que a enriquecem. O povo portugus tem uma herana histrica com enorme contributo para o patrimnio cultural, Portugal deve a sua identidade sua histria e a sua nacionalidade cimentada por um substrato cultural constitudo por smbolos, mitos e histria (Sebastio, 2008:91). Segundo Guilherme dOliveira Martins, a preservao de uma cultura implica a considerao de trs elementos fundamentais: o patrimnio, a herana e a memria. Inclusivamente, a herana que o autor refere transmitida incessantemente entre geraes (2009:55), indo ao encontro do que foi referido anteriormente sobre a difuso de cultura: a mesma perpetua-se atravs da transmisso entre agentes de socializao sociais mais velhos e mais novos, no sendo algo estanque de gerao em gerao, mas mutvel e adaptvel ao presente. Atendendo ao trabalho de autores como Snia Sebastio (2008), Guilherme dOliveira Martins (2009) e Jos Mattoso (2001), entendemos que a gnese da cultura portuguesa assenta num conjunto de elementos basilares: o territrio, a lngua, a religio e o povo que a constitui, a Nao portuguesa constitui-se mediante a sua histria e no apenas pela influncia das etnias dos povos ibricos e pela individualidade geogrfica (Sebastio, 2008:96). Comecemos pelo factor territorial. evidente a particularidade geogrfica e territorial de Portugal, dado ser um pas de reduzida extenso que, complementando-se com o territrio de Espanha, resulta numa rea peninsular. A diviso sofrida pela Pennsula Ibria deriva sobretudo de decises e acordos polticos dos quais resultaram a formao dos dois pases independentes Portugal e Espanha. Em termos geogrficos, Jos Mattoso salienta que Portugal no se distingue do resto da Pennsula Ibrica por nenhum elemento diferenciador de carcter natural. O Pas foi uma construo dos homens, e no da Natureza (2001:44). Para a formao de uma identidade e enriquecimento de uma cultura contam sobretudo caractersticas geolgicas e topogrficas do pas. Portugal composto por terrenos montanhosos, acidentados e de difcil acesso, com terrenos de plancie. Jos Mattoso, com base no trabalho de Orlando Ribeiro (datado de 1945), apresenta a diviso do pas em trs reas: Norte Atlntico, Norte Transmontano e Sul (2001:45-46). Posteriormente, desenvolveu-se outra viso do territrio portugus, na qual era consideradas as assimetrias entre o litoral e o interior. Esta perspectiva de Portugal onde contrasta o litoral com o interior foi desenvolvida atendendo concentrao da populao nas regies litorais. Esta diviso do pas resulta das crescentes desigualdades entre zonas do pas, patentes no crescimento populacional e desenvolvimento regional, no litoral encontramos um Portugal demograficamente dinmico, industrializado, urbanizado e infra-estruturado, enquanto que, no interior

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encontramos um pas rural, agrcola, subdesenvolvido e demograficamente repulsivo (Sebastio, 2008:99). No desconsiderando o papel que o territrio desempenha na construo de uma identidade nacional, e portanto na criao de um sentido de cultural, reconhecemos que esta construda sobretudo a partir da forma como as regies eram aproveitadas pelas suas populaes, em termos de ocupao e organizao do solo (Mattoso, 2001:46-47). Assim, os princpios de identidade remontam s primeiras populaes que se foram constitundo, espalhadas pelo territrio nacional e que, partilhando traos identitrios e culturais comuns, conseguiram desenvolver caractersticas peculiares que resultaram em costumes, tradies e dialectos singulares, existem algumas heterogeneidades () que marcam as suas tradies e mentalidades. Nomeadamente: a montanha, o campo e a litoralidade; imprimem s populaes caracteres diferentes, assim como, pequenas variaes lingusticas (Sebastio, 2008:93). A distribuio pouco uniforme do pas contribuiu para o crescimento de populaes tanto concentradas, no litoral do pas, quanto dispersas (pelas regies do interior). A disperso populacional, por sua vez, proporcionou o fortalecimento de regionalismos e enriquecimento cultural. Porm, Jos Mattoso alerta para a acentuada condensao populacional no litoral portugus. O autor considera que a urbanizao tem consequncias negativas sobre a configurao das regies, uma vez que o fenmeno tende a exercer um efeito de contgio das populaes, afectando as culturas locais ou regionais (Mattoso, 2001:56). Consideremos seguidamente outro elemento definidor da cultura portuguesa: a religio. O papel da religio assume grande relevncia na definio de cultura e construo de uma identidade na medida em que funciona enquanto elemento de congregao de indivduos que comungam entre si de um conjunto de crenas. A religio pode ser entendida como sendo o conhecimento e o sentimento de dependncia do homem em relao a poderes ditos sobrenaturais (Sebastio, 2008:105). Atravs da religio, os indivduos unem-se em torno da crena e na f numa ou mais divindades, acreditando no poder milagroso e extraordinrio, no humano. Neste sentido, a religio consegue agir enquanto fora de coeso social e agente normativo, assegurando que a moral e as leis sejam cumpridas sem desvios de conduta, sob pena de punio moral e religiosa (Sebastio, 2008: 106). Esta ideia vai ao encontro de Giddens, relativamente aos elementos de segurana e confiana das sociedades prmodernas, onde inclui a religio. A herana religiosa de Portugal bastante rica e composta por mltiplas influncias resultantes da ocupao de vrios povos, com diferentes crenas e rituais. A ocupao da Pennsula Ibrica remonta era do Paleoltico. Oliveira Marques reconhece que o perodo neoltico deixou marcas culturais bastante fortes, sobretudo provenientes da cultura do Bronze (Marques, 1977:12-13). Os perodos de Bronze V e, sobretudo, Bronze VI ficaram marcados pela presena alternada de vrios povos de diversas provenincias: Celtas, Iberos, Fencios e Gregos. O mesmo autor adianta que em

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termos antropolgicos, todos os povos eram bastante semelhantes entre si. O mesmo aconteceu com os povos Cartagineses, Romanos e Muulmanos (Marques, 1977:15). Porm, das profundas semelhanas de figura entre os vrios povos, a verdade que a presena de cada um deles contribuiu para a tradio religiosa que foi sendo praticada. Neste sentido, reconhecemos a presena do paganismo no territrio Ibrico, reconhecida pelo culto Natureza figurada em vrias divindades, ou deuses (Sebastio, 2008:109). A presena romana na Pennsula Ibrica deixou um legado de social e cultural bastante significativo. Dos vestgios fsicos identificamos as antigas construes, grande parte em runas. Uma das grandes heranas da cultura romana em Portugal foi o latim e a sua transmisso entre o povo lusitano, as lnguas indgenas pouca ou nenhuma importncia tiveram no nascimento e na evoluo do portugus. () Eram os indgenas que aprendiam o latim, e no os Romanos que aprendiam os idiomas locais (Marques, 1977:18). Outro dos grandes e mais simblicos vestgios da ocupao romana a religio. No mesmo domnio territorial praticou-se o culto politesta, entretanto sucumbido perante o Cristianismo (Sebastio, 2008:110-111). A f crist foi-se tornando numa f moralizadora e agente normativa da vida em comunidade. Apesar de em termos de seguidores fiis ser a religio maioritria, no territrio portugus sempre coexistiram diferentes sistemas religiosos. Com efeito, a coexistncia de sistemas religiosos contribuiu para o crescimento de uma identidade tolerante para com a prtica de diferentes cultos, tal como refere Snia Sebastio, a religio afigurou-se, afinal, como um dos principais factores de integrao e coexistncia comunitria. A autora exprime, ainda, a pluralidade de influncias religiosas que contriburam para a construo da prpria identidade nacional, afirmando que a religio portuguesa, oficialmente estabelecida como a da Igreja Apostlica Romana, na realidade uma mistura de religiosidades (2008:113). No caso da lngua, como referido anteriormente, o latim assume-se como um elemento essencial da fundao da cultura portuguesa, assim como elemento comum a todos os indivduos de uma mesma comunidade. A partilha de informao e de percepes diria e deriva da convivncia em sociedade. Snia Sebastio apresenta a ideia de que as particularidades e caractersticas lingusticas, seguindo um padro comum, tendem a sofrer desvios e alteraes ligeiras resultantes de factores naturais, como as caractersticas topogrficas do territrio, e factores histricos. Estas influncias reflectem-se, posteriormente, na construo de regionalismos e dialectos tpicos de zonas especficas do territrio (Sebastio, 2008:100). A ocupao do territrio ibrico por mltiplas e distintos povos proporcionou no s o enriquecimento ao nvel cultural e religioso, assim como ao nvel lingustico. Na perspectiva de autores como Jos Leite de Vasconcellos, a presena de diferentes povos deixou marcas que se espelham em expresses lingusticas. Vrios autores, entre os quais Snia Sebastio, Antnio Jos Saraiva e scar Lopes, assim como o j referido Oliveira Marques reconhecem a extrema importncia do latim para a formao de lngua portuguesa o factor decisivo para a formao da lngua portuguesa ter

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sido a uniformizao proporcionada pela romanizao da Pennsula e imposio do latim como lngua do imprio (Sebastio, 2008:101). A importncia maioritria do latim pretende-se, fundamentalmente, com o esforo de latinizao, isto , a substituio das lnguas e dialectos autctones pelo latim. A utilizao do latim em detrimento dos dialectos regionais e locais permitiu o funcionamento em sociedade seguindo os moldes romanos, todas as comunicaes, a legislao e o sistema escolar assentavam no latim. () No faltam provas histricas para confirmar que a colonizao romana cuidou a srio da difuso da lngua latina e dos costumes romanos entre os indgenas. Os resultados seriam perfeitos e permanentes (Marques, 1977:18-19). No obstante da presena fulcral e consequente do latim na Pennsula Ibrica e do seu contributo para a lngua portuguesa, importa considerar os dialectos regionais na construo do galaico-portugus. Alm das diferenas regionais no mesmo territrio peninsular, necessrio considerar a influncia da presena temporria de templrios romanos e populaes nmadas, resultando no contgio lingustico bastante interessante (Marques, 1977:19-20). Posteriormente a lngua sofreu a influncia de outros povos, dos quais destacamos os rabes. Para Oliveira Marques, a influncia rabe sobre a lngua ocorreu sobretudo ao nvel morfolgico e no tanto ao nvel da sintaxe gramatical (1977:20). Segundo o mesmo autor, o portugus resulta da juno do galaico-portugus com o lusitanomorabe (1977:23-24). Este processo traduz a juno imprescindvel para a formao de uma unidade. Percebemos pois, o papel determinante da lngua portuguesa enquanto elemento de uniformizao e manuteno de unidade nacional. No caso portugus, a lngua assume-se enquanto instrumento fundamental para a conquista e manuteno do territrio, sobretudo alm fronteiras. A conquista de povos indgenas potenciado pelos descobrimentos, no s fez crescer o pas em dimenso e em riqueza, como tambm em todo o seu esplio cultural. No entanto, a ocidentalizao dos povos colonizados passou pela substituio dos dialectos e lnguas autctones pela lngua portuguesa. Esta ideia persiste at aos nossos dias, qualquer lngua nacional tem por funes substituir a miscelnea de dialectos () e encarnar a nao, assegurando toda a comunicao no seio da mesma, sendo, por isso, necessrio que todos os seus membros a utilizem e compreendam (Sebastio, 2008:103). A lngua portuguesa, tal como qualquer outra lngua, consiste num elemento essencial na cultura de um povo. Funcionando enquanto meio de comunicao, espelha uma identidade, revelando as caractersticas intrnsecas atravs de opinies, tradies, rituais, comportamentos e atitude. Guilherme dOliveira Martins afirma o seguinte: diz-se () para o portugus, que a nossa ptria moderna a lngua. uma ptria de vrias ptrias, e vrias culturas, e at de vrias formas de dizer (2009:57). A evoluo da lngua no pode nunca ser impedida, trata-se de um processo natural proporcionado pelas trocas de impresses e influncias externas oriundas dos diversos canais e agentes de comunicao. Tal como a lngua, toda a cultura portuguesa est em transformao.

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Oliveira Martins perspectiva a evoluo e a mudana como fenmenos normais e inevitveis para o progresso de um povo, o patrimnio cultural uma realidade viva. Est sempre na encruzilhada entre a memria e a criao (2009:55). Contudo, o mesmo autor defende que a criao deve ser sustentada pela conscincia da cultura portuguesa e pela conscincia histrica (2009:76-80). No existem dvidas de que a cultura portuguesa uma cultura rica, construda com base na presena de vrios povos, com origens e culturas distintas. A disposio geogrfica do territrio portugus e a relao ntima com o mar e com o Atlntico sem dvida que proporcionaram a coexistncia de povos e culturas mltiplas. Consequentemente a cultura portuguesa tornou-se cada vez mais complexa e com uma interpretao bastante exigente e exaustiva. A histria do pas contribui decisivamente para a unidade identitria do seu povo. A histria e cultura portuguesa por serem to ricas quanto peculiares reflectem-se, nos dias de hoje, nas opinies e no modus vivendi dos portugueses contemporneos.

IdentidadeExploramos neste trabalho o conceito de identidade dada a interligao entre a noo de quem somos e onde pertencemos e as aces no ambiente social. O termo em decomposio pode ser interpretado seguindo diferentes perspectivas ou ramos de anlise. Podemos falar numa identidade nacional, de identidade colectiva e individual. A questo da identidade pode ser entendida como um suporte de afirmao e de coeso num determinado contexto social e cultural e ocorre instantaneamente em diversas ocasies do quotidiano. Richard Jenkins aborda a identidade social, entendendo-a enquanto caracterstica do homen enquanto ser social (1996:3). Acerca desta questo, na obra Identidade Nacional (2001) Jos Mattoso explica que a identidade permite diferenciar o ns dos outros. O autor explora o tema da identidade nacional, aplicando-o a uma realidade interessante e peculiar: a realidade portuguesa. Para o autor, a construo de uma identidade nacional resulta de uma conjugao de variveis que permitem a um conjunto de indivduos afirmarem-se enquanto grupo detentor de caractersticas que o distinguem dos demais, a identidade nacional resulta antes de mais da percepo que os prprios cidados tm de formar uma colectividade humana (Mattoso, 2001:5). Por conseguinte, a colectividade humana configura-se a partir de mltiplos elementos construtivos, como a expresso poltica e territorial de autonomia, a lngua e, acima de tudo, a Histria, a formao de uma identidade um processo lento que acompanha a histria de uma nao e formao e implica o alargamento do nmero de homens que considera um valor pertencer a este colectivo e compreende o seu interesse em pertencer-lhe (Sebastio, 2008:33). , efectivamente, a Histria que serve de mote para a composio desta identidade que permite o reconhecimento dos indivduos como parte integrante de uma nao, sendo essa conscincia manifestada de vrias formas. Assim pensa o historiador Jos Mattoso, a Histria constitui para a sociedade actual um dos fundamentos mais importantes da memria colectiva, e, por conseguinte, da conscincia da identidade (2001:103). 25 Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas Universidade Tcnica de Lisboa

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A evoluo que caracteriza a Histria, pelo seu carcter de continuidade, determinou a evoluo da prpria conscincia de identidade nacional. Com efeito, a identidade que existe hoje e de que temos conscincia resulta de um processo histrico que passou por diversas fases at atingir a expresso que actualmente conhecemos (Mattoso, 2001:5). Ao longo dos sculos foram ocorrendo feitos que pela sua grandiosidade e poder simblico tornam-se marcos importantes no processo de formao e definio de uma Nao. No caso portugus, alguns dos conflitos militares civis ou entre reinos tornaram-se ainda mais gloriosos e dignos de serem recordados pelo reforo que deram definio das fronteiras e manuteno de independncia. A Reconquista que ops portugueses ao domnio muulmano em territrio cristo, a aco de D. Dinis (com a construo de castelos junto raia, a determinao do uso de portugus em detrimento do latim e a nacionalizao das ordens militares), as guerras nacionais contra Castela (que contaram com o auxlio de tropas estrangeiras) e a Expanso portuguesa foram alguns dos acontecimentos que melhor traduzem a luta pela manuteno de uma unidade nacional e preservao de autonomia, revelando um fortalecimento gradual do sentimento de identidade. O contacto com outros povos foi inevitvel durante todo o processo de autonomia e soberania nacional. Durante as lutas contra Castela, que envolveram o apoio de foras estrangeiras ou as Invases Francesas, a presena de estrangeiros em territrio portugus despertou a ateno dos nacionais para a existncia de diferenas nos actos e modos de falar que os distinguia perfeitamente, estabelecendo-se uma diferenciao sentida entre ns portugueses e eles estrangeiros, no nacionais. Outros elementos podem ainda ser vistos como construtores de uma identidade nacional. A autonomia poltica aliada a um territrio definido, e reconhecido so, como afirma Jos Mattoso, factores importantes para a solidez e o aprofundamento da identidade nacional (2001:7). Tambm sobre a Nao, Anthony D. Smith enunciou alguns dos elementos contributivos para a construo de uma identidade, ou mais especificamente do self: as caractersticas scio-demogrficas, a existncia de uma comunidade ao nvel territorial, poltico e legal. Realmente, a noo de territrio assumia importncia considervel na formao de uma identidade colectiva, sobretudo nas sociedades pr-modernas (Smith, 1991: 4-5). Ainda assim, Anthony Smith reconhece na ideia de territrio um duplo efeito, primeiramente de coeso e identificao entre todos aqueles que comungam do mesmo espao, e por conseguinte um efeito de segmentao provocado pela subdiviso do mesmo territrio em localidades mais ou menos independentes (1991:4). As ideias dos dois autores Jos Mattoso e Anthony Smith sustentam a interpretao das noes de cultura e identidade aplicadas ao caso portugus. Efectivamente podemos associar o sentimento de identidade nacional ao facto das fronteiras do pas se terem mantido quase inalterveis desde 1297. Por sua vez, tal interliga-se com a noo que se formou de fronteira, uma realidade humana, mutvel e imprecisa; normalmente uma zona de combate ou uma rea deserta (Mattoso, 2001:26). A fronteira assumiu-se como o elemento separador entre os nacionais e os outros, sendo mais um elemento integrador nacional. Neste aspecto entre Portugal e Espanha verificamos que as caractersticas geogrficas de ambos os pases so praticamente indistintas: a maior parte da raia

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seca ou fluvial, divide paisagens pouco acidentadas e semelhantes de ambos os seus lados (Mattoso, 2001:44). Em termos geogrficos, identificamos um territrio correspondente Pennsula Ibrica e no dois pases territorialmente separados. Assim, o que sustenta a distino entre ambos so decises humanas, sobretudo de mbito poltico, e no decises naturais. As fronteiras assumem, desta forma, um carcter muito mais nacionalista, uma vez que no existe um suporte fsico que sustente a diviso entre as duas naes. No caso da lngua, enquanto elemento de construo identitria, esta funciona como elemento de caracterizao de um pas e, simultaneamente, de integrao social. Contudo, inegvel a difuso lingustica noutros pases, facto que remonta ao perodo de colonizao. Na sociedade contempornea, persiste a difuso cultural e lingustica aos nveis internacional e intercontinental. O fenmeno permanente e de extensa amplitude que a globalizao tem contribudo para a penetrao de elementos culturais dos quais fazem parte a lngua, com predominncia da lngua inglesa. Estando conscientes do fenmeno da globalizao, que existe de uma forma interpessoal e omnisciente, inegvel a subsistncia de lnguas e dialectos que pela contnua utilizao, ainda que apenas por parte de uma minoria, continuam vivas. Mais do que as fronteiras estabelecidas politicamente, foi a fixao das pessoas pelas regies de Portugal que contribuiu para o sentimento de identidade nacional e, sobretudo, de identidade cultural. As caractersticas geogrficas e a facilidade de acesso e circulao de pessoas e bens foram as causas determinantes para a fixao de populaes, estabelecendo-se gradualmente formas de trabalho, costumes e tradies que foram tomando forma de uma identidade cultural. Numa primeira instncia, a noo de identidade poderia consistir na pertena a um grupo que pelas suas caractersticas singulares diferenciariam os indivduos que dele fazem parte dos demais. So as interpretaes feitas da realidade, os sistemas de valor, padres de comportamento e prticas culturais que definem uma identidade cultural, que no conhece limitaes geogrficas. Apesar da dependncia da identidade cultural face s fronteiras, fundamental que sejam consideradas todas as alteraes do ambiente cultural, para que seja mantida uma noo clara e presente da identidade cultural. Este no um conceito estanque que possa ser perspectivado de igual modo em diferentes comunidades e contextos. Em todos os casos, existe um panorama social que lhe serve de suporte. Ainda assim, no demais salientar que factores polticos ou geogrficos no determinam, forosamente, a alterao dessa mesma identidade: as reas culturais no coincidem com os Estados (Mattoso, 2001:9). Efectivamente, uma comunidade cultural pode existir sem que exista tambm um Estado, uma vez que essa mesma comunidade cultural que configura uma estrutura e concede, de alguma forma, uma autonomia para a criao de um Estado. A coexistncia de diferentes identidades culturais num mesmo territrio seja este um s pas ou vrios pases implica um esforo de integrao social. Integrao social , pois, um conceito indubitavelmente relevante quando nos confrontamos com a proximidade e convivncia entre grupos com modos de vida com especificidades que os distinguem entre si.

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O conceito de identidade nacional relaciona-se com as noes de Estado e Nao. Consideremos a ideia de Estado como afecto, sobretudo, a condies legais de supremacia territorial e de segurana dos cidados que o integram, aquela instituio ou conjunto de instituies especialmente consagradas manuteno da ordem (Gellner, 1993:14). No caso especfico da Nao, o termo encontra-se ligado ao sentimento de pertena e ligao a uma comunidade. Trata-se de um reconhecimento mtuo, enquanto membros de um grupo (Gellner, 1993:20). Esse reconhecimento advm dos prprios indivduos, e dos elementos sociais e culturais que mantm em comum. Apesar da nacionalidade no ser uma caracterstica inata ao homem, a verdade que ela essencial para a vida do mesmo, uma vez que um homem desprovido de nao seria um homem incompleto, e de certo modo deficiente (Gellner, 1993:18-19). Gellner considera, ainda, que o nacionalismo que origina as naes e no o inverso. Na verdade, o sentimento que une os indivduos de uma mesma sociedade nasce, em grande parte, de um elemento sempre presente na vida do homem, a cultura. Os traos culturais bem identificados constituem o nico tipo de unidade com que os homens se identificam voluntariamente e muitas vezes ardentemente (1993:88). O nacionalismo socorre-se da cultura e da histria que herdou e defende-a tornando-se num movimento de unidade nacional e poltica. Este mesmo sentimento nacionalista pode inclusivamente assumir contornos mais violentos quando o desejo de manuteno de uma homogeneidade etnolgica acarreta violncia e extremismos. Sabemos que Estado e Nao diferem entre si nos sentidos que evocam, que uma sociedade pode no existir sem um Estado, assim como que existe a possibilidade de duas ou mais Naes coexistirem no mesmo Estado. Ernest Gellner considera que enquanto nas eras pr-agrria e agrria a existncia de Estado assumia um carcter facultativo, na era industrial, este passou a ser vinculativo, a presena do estado, e no a sua ausncia, que inevitvel (1993:17). Na era contempornea, acreditamos que a mesma inevitabilidade e necessidade sentida na era industrial permanea, uma vez que o funcionamento da sociedade, tal como outrora, depende de uma incrvel e complexa diviso geral do trabalho e cooperao (Gellner, 1993:17). Na verdade, impossvel conceber um Estado sem Nao, assim como dificilmente se mantm Estados culturalmente homogneos e afastados de qualquer transmisso de elementos culturais estrangeiros. A sociedade de hoje uma sociedade global, marcada pelo interculturalismo e onde a presena de emigrantes em diferentes estados um facto constante e inaltervel (Gellner, 1993:1113). Sobre esta questo, Jos Mattoso acrescenta tambm que dificilmente se pode conceber uma Nao sem alguma forma de Estado, e que perfeitamente possv