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1 Consumo religioso em tempos de midiatização: o Netflix GospelBianca de Freitas Juliano Maranhão 1 Palavras-chave: midiatização, consumo, religião RESUMO EXPANDIDO Um dos principais fenômenos que caracterizam a sociedade contemporânea é o processo de midiatização, que, apesar de complexo e ainda recente, pouco a pouco revela suas formas, cores e sabores. Entretanto, compreender o conceito e perceber suas implicações exige um olhar amplo e acurado, que vá além de apenas enxergar o homem contemporâneo como um sujeito cada vez mais dependente dos instrumentos da mídia. Nesse sentido, são diversos os autores que auxiliam na compreensão do processo de midiatização, como Sodré (2002), que apresenta a ideia do bios midiático, ou seja, uma nova forma de vida estruturada e agendada 2 pela mídia. Há também a argumentação de Gomes (2007), que fala de uma nova “ecologia comunicacional”, um novo modo de ser num mundo “glo(tri)balizado”. Tratam-se de conceitos cujas bases encontram respaldo nos estudos de Marshall McLuhan (2007) e Régis Debray (1991), que defendem que o uso crescente e contínuo de determinada ferramenta termina por imprimir no intelecto humano lógicas e sentidos próprios da dinâmica de uso dessa ferramenta, modificando, assim, a maneira como o homem percebe o mundo a sua volta e se relaciona com ele. Como argumenta Debray (1991, p. 239), “o homem alinha sua cultura consoante suas máquinas”. Assim, as ideias desses autores, colaboram para compreender o processo de midiatização como o desenvolvimento de uma forma de vida cujas estruturas e moldes se configuram à maneira da mídia. Ou seja, parte-se do pressuposto de que as mudanças 1 Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propagada, pela UFG-GO, Mestre em Comunicação pela Faculdade de Informação e Comunicação, UFG-GO, e Professora no Uni- Anhanguera (Centro Universitário Goiás). 2 Sodré (2002, p. 27) aplica o conceito de agenda setting tão explorado nos estudos de jornalismo. Sobre a terminologia, ele explica que “agendar é organizar a pauta de assuntos suscetíveis de serem levados em conta individual ou coletivamente”. Em se tratando de midiatização, o autor defende que a mídia estrutura percepções e cognições, influencia na construção de afetos, significados, costumes etc. Isso, para Sodré, é uma forma de agendamento, pois é a partir do direcionamento e também dos filtros midiáticos que o homem se porta no mundo.

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Consumo religioso em tempos de midiatização: o “Netflix Gospel”

Bianca de Freitas Juliano Maranhão1

Palavras-chave: midiatização, consumo, religião

RESUMO EXPANDIDO

Um dos principais fenômenos que caracterizam a sociedade contemporânea é o processo

de midiatização, que, apesar de complexo e ainda recente, pouco a pouco revela suas formas,

cores e sabores. Entretanto, compreender o conceito e perceber suas implicações exige um olhar

amplo e acurado, que vá além de apenas enxergar o homem contemporâneo como um sujeito

cada vez mais dependente dos instrumentos da mídia.

Nesse sentido, são diversos os autores que auxiliam na compreensão do processo de

midiatização, como Sodré (2002), que apresenta a ideia do bios midiático, ou seja, uma nova

forma de vida estruturada e agendada2 pela mídia. Há também a argumentação de Gomes

(2007), que fala de uma nova “ecologia comunicacional”, um novo modo de ser num mundo

“glo(tri)balizado”.

Tratam-se de conceitos cujas bases encontram respaldo nos estudos de Marshall

McLuhan (2007) e Régis Debray (1991), que defendem que o uso crescente e contínuo de

determinada ferramenta termina por imprimir no intelecto humano lógicas e sentidos próprios

da dinâmica de uso dessa ferramenta, modificando, assim, a maneira como o homem percebe o

mundo a sua volta e se relaciona com ele. Como argumenta Debray (1991, p. 239), “o homem

alinha sua cultura consoante suas máquinas”.

Assim, as ideias desses autores, colaboram para compreender o processo de

midiatização como o desenvolvimento de uma forma de vida cujas estruturas e moldes se

configuram à maneira da mídia. Ou seja, parte-se do pressuposto de que as mudanças

1 Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propagada, pela UFG-GO, Mestre

em Comunicação pela Faculdade de Informação e Comunicação, UFG-GO, e Professora no Uni-

Anhanguera (Centro Universitário Goiás). 2 Sodré (2002, p. 27) aplica o conceito de agenda setting tão explorado nos estudos de jornalismo. Sobre a

terminologia, ele explica que “agendar é organizar a pauta de assuntos suscetíveis de serem levados em

conta individual ou coletivamente”. Em se tratando de midiatização, o autor defende que a mídia estrutura

percepções e cognições, influencia na construção de afetos, significados, costumes etc. Isso, para Sodré, é

uma forma de agendamento, pois é a partir do direcionamento e também dos filtros midiáticos que o homem

se porta no mundo.

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provocadas pelos médiums da contemporaneidade trouxeram consigo novas possibilidades e

experiências humanas, novos tipos de relacionamento, novas dinâmicas de trocas culturais,

novos intercâmbios e interações sociais e, sobretudo, novos sentidos.

Sob essa perspectiva, é possível debater a midiatização analisando um de seus mais

intrigantes desdobramentos: a midiatização da religião. E, com uma visão semelhante à que

introduziu este texto, compreender esse processo não significa apenas detectar o uso cada vez

maior que as instituições religiosas fazem de recursos midiáticos (MARTÍN-BARBERO,

1995). Também não se restringe à crescente presença de temáticas religiosas no contexto

secular da mídia, como apontado por Hjarvard (2008, p.9).

Trata-se das novas experiências e práticas religiosas que são configuradas a partir das

dinâmicas, sistemas e lógicas midiáticas. Um processo que, como indicou Gomes (2010),

resulta em um novo tipo de participação, um novo tipo de presença, um novo modo de se fazer

religião, pertencer à religião. Novos tipos e modos que ainda não estão claramente definidos,

mas que já trazem consigo consideráveis ressignificações, especialmente no que diz respeito a

noções de autoridade e referenciais absolutos.

Convém ressaltar que tais manifestações ganham especiais contornos a partir da

concepção de modernidade líquida defendida por Bauman (2001). Dentre as diversas

características apontadas pelo autor, destaca-se a emergência do indivíduo enquanto sujeito

autônomo e senhor de suas escolhas: “O que costumava ser considerado uma tarefa para a razão

humana, foi fragmentado (“individualizado”), atribuído às vísceras e energia individuais e

deixado à administração dos indivíduos e seus recursos” (BAUMAN, 2001, p. 41). E essa

autonomia passa a ser vista, também, na vivência religiosa.

Por fim, vale considerar um ponto defendido por Martino (2012), que, para fins deste

estudo, se revela ainda mais significativo. Segundo o autor, com o processo de secularização

do mundo, entendido como a “progressiva perda de importância da religião como ator

privilegiado no espaço público” (MARTINO, 2012, p.116), houve uma ressignificação do

sagrado, e esse passou a se apresentar cada vez mais “misturado” ao profano.

Dessa forma, faz mais sentido para o religioso da era da midiatização encontrar

elementos religiosos em seu contexto de trabalho, em suas reuniões sociais, em suas atividades

de lazer e entretenimento (etc.), do que ter sua vivência religiosa restrita somente aos locais de

culto.

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São prerrogativas que parecem encontrar ressonância no recém-lançado Univer3,

serviço de streaming4 de TV que está sendo chamado de “Netflix Gospel” (FOLHA DE SÃO

PAULO, 2014). De propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a novidade

segue os mesmos moldes da principal marca mundial de entretenimento via streaming, dando

ao usuário acesso a séries, filmes e desenhos, todos, no entanto, de cunho cristão. Há, também,

palestras sobre sucesso no mundo dos negócios e transmissões ao vivo de eventos realizados

no Templo de Salomão (sede da IURD), serviço, aliás, que diferencia a versão gospel do modelo

original, uma vez que o Netflix não faz transmissões ao vivo (ainda).

O presente estudo, então, se propõe a analisar a plataforma Univer como reflexo do

processo de midiatização da sociedade e, consequentemente, da religião. Por meio de revisão

bibliográfica e estudo exploratório simplificado, busca-se investigar os elementos dessa

plataforma de entretenimento e as novas possibilidades de consumo religioso que surgem nesse

contexto. Parte dos pontos observados encontram-se a seguir.

RESULTADOS ENCONTRADOS

De início, vale ressaltar que a nova plataforma mantida pela IURD não constitui uma

versão streaming de igreja (se é que já se pode falar em algo do tipo), pois o próprio Univer se

define como uma plataforma de entretenimento cristão. E, tal como sua fonte de inspiração, a

nova criação de Edir Macedo permite ao assinante escolher o que quiser assistir – se filme,

seriado, desenho, entre outros – no momento em que quiser, na quantidade que quiser e,

também, da forma que quiser – vendo todo o conteúdo escolhido de uma só vez, diluindo em

partes, interrompendo quando bem entender etc. É o consumo de vídeo (e conteúdo) sob

demanda, tão crescente nos tempos atuais.

Entretanto, apesar do posicionamento assumido pelo Univer, uma vez que a igreja

transmite seus eventos ao vivo ao usuário, de certa maneira, possibilita-se que esse indivíduo

participe dos encontros, serviços religiosos e ritos sagrados promovidos pela instituição. Assim,

não se pode falar apenas em uma ferramenta de lazer, uma vez que há elementos característicos

de uma intermediação da experiência religiosa. Outro ponto que sustenta essa argumentação é

um trecho do texto que acompanha a mensagem de boas-vindas enviada ao novo usuário por e-

3 https://www.univerparacrer.com/ 4 “A tecnologia streaming é uma forma de transmissão instantânea de dados de áudio e vídeo através de

redes. Por meio do serviço, é possível assistir a filmes ou escutar música sem a necessidade de fazer

download, o que torna mais rápido o acesso aos conteúdos online” (COUTINHO, 2014).

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mail: “A partir de agora, você pode desfrutar dos melhores conteúdos voltados para o seu lazer

e para edificar a sua fé” (grifo da autora deste texto). Veja imagem abaixo:

Figura 3: Peça de e-mail marketing enviada ao novo usuário do Univer.

Fonte: Arquivo pessoal da autora deste texto. Material enviado pelo Univer.

Por outro lado, a dinâmica de serviço proporcionada pelo site parece corroborar a

reflexão levantada por Gomes (2010), que identifica as novas possibilidades de consumo

religioso como típicas de um consumo à la carte, por vezes, solitário, descompromissado, que

aponta para um novo tipo de vivência e pertença religiosa. Então, se num dado momento, o

usuário do Univer estiver acompanhando um culto da IURD e não estiver se identificando com

o repertório musical daquele encontro, ele pode interromper aquela transmissão e migrar para

algum DVD gospel disponível a poucos ícones dali.

Além disso, não há necessidade de o indivíduo deslocar-se para o local onde está sendo

realizado o culto, se integrando a uma manifestação coletiva. Também não é preciso que ele se

envolva em uma comunidade religiosa, cumpra protocolos, se comprometa com a entrega do

dízimo etc. Ou seja, o próprio sujeito administra os recursos que estão a sua disposição, como

identificado por Bauman (2001, p.41), sem, necessariamente, estabelecer vínculos.

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Entretanto, é possível notar indícios de que há, por parte da igreja, intenção de minimizar

o distanciamento característico desse tipo de intermediação. Assim que o usuário realiza seu

cadastro como assinante do serviço, por exemplo, a primeira mensagem que aparece é:

“Parabéns. Você faz parte da família Univer. Vamos criar seu perfil?”. Abordagem semelhante

encontra-se no e-mail marketing citado há pouco.

Deve-se observar, porém, que há certos limites para a autonomia dada ao assinante do

Univer, no que diz respeito à configuração do produto religioso que ali é consumido. Também

vale perceber que, apesar de se tratar de um contexto profano – o meio TV –, todo o serviço de

streaming da IURD é perpassado por conteúdo religioso, o que, também, estabelece algumas

restrições. Essas e outras questões serão tratadas na versão completa deste estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução: Plínio Dentzien. 1ª edição.

Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

COUTINHO, Mariana. Saiba mais sobre streaming, a tecnologia que se popularizou na web

2.0. Techtudo, 2014. Disponível em:

http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2013/05/conheca-o-streaming-tecnologia-que-se-

popularizou-na-web.html. Último acesso em: 1 out. 2016.

DEBRAY, Régis. Curso de midiologia geral. Petrópolis: Vozes, 1993.

FOLHA DE SÃO PAULO. Edir Macedo lança 'Netflix gospel' da Igreja Universal do Reino

de Deus. Maio de 2016. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1770211-edir-macedo-lanca-netflix-gospel-

da-igreja-universal-do-reino-de-deus.shtml. Último acesso em: 1 out. 2016.

GOMES, Pedro Gilberto. Da Igreja eletrônica à sociedade em midiatização. São Paulo:

Paulinas, 2010.

______. O processo de midiatização da sociedade. São Leopoldo: Unisinos, 2007. Disponível

em: https://rolandoperez.files.wordpress.com/2009/02/midiatizacao-da-sociedade-pedro-

gilberto-gomez.pdf Último acesso em: 1 out. 2016.

HJARVARD, Stig. The mediatization of religion: A theory of the media as agents of religious

change. Northern Lights: Film & Media Studies Yearbook, v. 6, n. 1, p. 9-26, jun. 2008.

MARTIN-BARBERO, Jesús. Secularización, Desencanto y Reencantamiento Massmediatico.

Diálogos de la Comunicación, Lima, n. 41, p. 71-81, mar. 1995.

MARTINO, Luis Mauro Sá. A religião midiatizada nas fronteiras entre público e privado: uma

abordagem teóricocrítica. Ciberlegenda, Rio de Janeiro, n. 26, p. 111-122, 2012.

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MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo:

Cultrix, 2007.

SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede.

Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

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Midiatização e Regionalização da Comunicação: um olhar

sobre o Brasil

Éverton de Oliveira Cabral

Keynayanna Késsia C. Fortaleza

Jackson Idegar Dal Magro

Universidade Federal de Santa Maria/Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul

Palavras-chave: Comunicação. Regionalização da Comunicação. Mídia Regional.

Brasil.

RESUMO EXPANDIDO

O presente artigo aborda algumas reflexões que envolvem os processos de

midiatização e a utilização de estratégias de regionalização da comunicação realizadas

por grandes conglomerados empresariais no Brasil. Sabendo-se que em todas as

sociedades os seres humanos se ocupam da produção e intercâmbio de informações e do

seu conteúdo simbólico, desde as mais antigas formas de comunicação até os dias atuais

principalmente com os avanços tecnológicos junto ao advento da Globalização, nos

últimos anos, o campo da aplicação da comunicação passou por profundas mudanças,

especialmente quanto a sua estrutura. Se antes o comunicador ficava limitado ao papel de

simples “divulgador”, atualmente, em um cenário globalizado e altamente competitivo,

este assume feições estratégicas.

Esta reflexão teórica abordará três estudos de casos referentes a grandes grupos

empresariais atuantes no Brasil, que através da estruturação e desenvolvimento de uma

mídia com conteúdo de ordem regional acabaram por fidelizar públicos e instituir uma

imagem positiva da sua marca no contexto midiático brasileiro. Antônio Fausto Neto

(2008) observa que a midiatização resulta da evolução de processos midiáticos que se

instauram nas sociedades industriais, tema eleito em reflexões analíticas de autores feitas

nas últimas décadas e que chamam atenção para os modos de estruturação e

funcionamento dos meios nas dinâmicas sociais e simbólicas. Partindo deste processo de

referência explicitado por Fausto Neto, é que analisaremos as estratégias de comunicação,

práticas sociais, a interação junto às comunidades e a cultura onde estão inseridas

realizadas pelas seguintes empresas objetos desta análise: Grupo Claudino, Fiat e Coca-

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Cola. Todas as empresas em análise utilizam tal comunicação estratégica com o objetivo

de fidelizar públicos e conquistar novos clientes, além de manter a sua marca em posição

de destaque em seus mercados de atuação, entendendo que, a partir da perspectiva de José

Luiz Braga (2012), não se pode mais considerar a mídia como sendo algo externo da

sociedade, mas compreender que “com a midiatização crescente dos processos sociais em

geral, o que ocorre agora é a constatação de uma aceleração e diversificação de modos

pelos quais a empresa interage com a sociedade”. Temos como objetivo principal

compreender a importância do conteúdo local/ regional, quais estratégias as empresas/

grupos de mídia utilizam para a produção deste conteúdo regional e quais as perspectivas

para os próximos anos, no país, de uma mídia que a partir do glocal (global mais regional),

conquista empresas, públicos e um mercado de consumidores cada vez mais exigentes e

participativos.

Para tanto, não se pode falar de regionalização da comunicação sem discorrermos sobre

o conceito de “local”. “O local, embora esteja inserido no processo de globalização, ou

seja, vive nele e está sujeito a ele, busca se fortalecer tendo por base as singularidades

locais” (PERUZZO, 2003, p.05). Com isso podemos constatar como as empresas estão

mudando sua visão em relação às estratégias de comunicação perante as comunidades

onde elas atuam, buscando assim realizar uma comunicação estratégica de ordem

regional. Observa-se que cada vez como as organizações acabam por perceber como uma

comunicação de ordem regional e a midiatização podem ciar um vínculo maior de

proximidade entre a empresa e os seus públicos. Analisando as estratégias realizadas

pelos exemplos citados em nosso referencial teórico, as ações realizadas pelo Grupo

Claudino, a Fiat Brasil e a Coca Cola visam e tem como principal objetivo manter a

fidelização junto a esse mercado consumidor, que eventualmente, ao observar uma

determinada empresa valorizando a sua cultura, as suas raízes, criará laços com

determinada marca, delimitando uma segmentação de mercado fora dos grandes centros

comerciais como por exemplos os do eixo Rio- São Paulo.

Diante desta contextualização teórica, vamos agora conhecer três grupos

empresariais que atuam no mercado brasileiro e que abordam a temática regionalização

da comunicação em suas estratégias de comunicação: O Grupo Claudino é um

conglomerado empresarial formado atualmente por 14 empresas (citar as empresas) e que

foi estruturado pelos irmãos João Claudino e Valdecy Claudino por todo o norte-

nordeste. Hoje o Grupo desponta como uma das forças econômicas do país com produtos

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e serviços comercializados em todo Brasil, garantindo milhares de empregos diretos e

indiretos. O Grupo Claudino, desde a sua estruturação, ainda na década de 1950 sempre

teve a comunicação como ferramenta estratégica em todas as suas ações empresarias.

A primeira ferramenta de mediação da comunicação entre e grupo e seus públicos

foi à publicação institucional, a Revista “O Sucesso”, criada em 1972 com um conteúdo

voltado para o local/ regional, valorizando as localidades onde as suas empresas atuaram

e criando um vinculo de fidelização com seus públicos. A Fiat é uma empresa

automobilística, está instalada em Betim (MG), desde 1976 e é uma das empresas com

maior crescimento no mercado brasileiro e líder de vendas no setor. O grupo se mostra

visivelmente integrado aos conceitos de regionalização da comunicação e em seu site

institucional podemos observar tais considerações em destaque onde a Fiat fala sobre

Capitalização das diferenças culturais, neste link, a empresa destaca o constante

aprendizado com a cultura local e global e que isso faz bastante diferença para a empresa

em um mercado altamente competitivo.

Em suas estratégias de comunicação, a Fiat também produz uma comunicação

visando valorizar as identidades regionais. O Sistema Coca-Cola Brasil é o maior

produtor de bebidas não alcoólicas do país e atua em sete segmentos – águas, chás,

refrigerantes, néctares, energéticos, bebidas esportivas e lácteas – com uma linha de mais

de 125 produtos. No que diz respeito às estratégias de regionalização da comunicação

estruturadas pelo grupo, o sistema Coca-Cola Brasil está empenhado em incentivar

iniciativas que apoiem um estilo de vida ativo e saudável e que melhorem o

desenvolvimento econômico e social das comunidades em que opera. Em seu site

institucional a coca cola divulga o desafio do sistema coca- cola Brasil: que visa manter

relacionamento de valor mútuo com os parceiros, onde ela tem como compromisso

realizar e apoiar iniciativas que favoreçam as pessoas que vivem em várias comunidades

de todo o Brasil. Ainda sobre a regionalização e expansão da marca, as fábricas que fazem

parte do Sistema Coca-Cola Brasil encontram-se estrategicamente localizadas em todas

as regiões do país.

Após descrever os três cases acima, podemos constatar como as empresas estão

mudando sua visão em relação as suas estratégias de comunicação perante as

comunidades em que estão atuando e fidelizando, realizando assim uma comunicação de

ordem estratégica e regional. Deste modo, a regionalização da comunicação vem para

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delimitar mercados até antes pouco explorados, neste momento de novas possibilidades

estratégicas no que diz respeito à comunicação, questões como a cultura de uma

localidade, as peculiaridades de seu povo, a história e memória de uma determinada

região podem ser ferramentas estratégicas em ações de comunicação em âmbito local/

regional.

A regionalização marca um novo panorama midiático, principalmente na estruturação

de novos investimentos e estratégias de mercado. Ela deve ser entendida como o empenho

com novas articulações, novos movimentos requeridos em um contexto “glocal”. Cientes

desse estudo ficou evidente a importância de novas pesquisas do tema, que envolvam o

mercado local, regional, visando novas estratégias de comunicação e desenvolvimento

para o Brasil.

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AUDIÊNCIA DO JORNALISMO DIGITAL EM

CONTEXTO DE MIDIATIZAÇÃO O leitor de capa, o leitor de redes sociais e o assinante5

Greyce Ellen Vargas Nunes

Palavras-chave: audiência, métricas, jornalismo digital, midiatização.

RESUMO EXPANDIDO

Medir a audiência de um produto jornalístico não é algo recente, acompanha a

história do jornalismo. Desde que a internet se propagou comercialmente, sistemas de

controle de usuários foram desenvolvidos. O que mudou, portanto, foram os métodos. O

resultado das métricas têm participado de decisões importantes no âmbito do jornalismo.

Na internet, a medição pode ser feita ao vivo, 24 horas por dia, usando ferramentas

diversas. A audiência não ganha um novo significado, mas incorpora novas funções. Ela

pode ditar o que fica ou não na capa de um site jornalístico ou se uma notícia pode ganhar

mais espaço em outros ambientes digitais, como as redes sociais.

Para entender o que é audiência, é preciso levar em conta o conceito de

convergência midiática em um contexto de midiatização. Jenkins (2008) explica que os

públicos de hoje migram e se transformam conforme os caminhos que vão tomando por

meio do conteúdo. Para o autor, essa seria uma forma simplificada de explicar o que é

convergência midiática - o que é muito mais complexo do que dizer que um conteúdo

pode ser apresentado com mídias diferentes ao mesmo tempo. A convergência midiática

ocorre em um momento em que a midiatização se complexifica ainda mais, uma vez que

a relação entre públicos e mídias é formada por redes que passam por mudanças na cultura

e na sociedade.

O resultado da medição da audiência, no que se refere a comportamento e

perfil, para uma empresa que tem o jornalismo como negócio pode determinar estratégias

para o desenvolvimento do jornalismo enquanto produto. A atividade jornalística muda

conforme os dados da audiência e, com isso, faz gerar novos comportamentos entre os

usuários.

5 Artigo desenvolvido por aluno de mestrado do PPG em Comunicação da Universidade do Vale do Rio

dos Sinos - Unisinos.

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No desenvolvimento desta pesquisa, dividimos os públicos do produto

jornalístico compartilhado no ambiente digital dos jornais Zero Hora e Folha de S.Paulo.

Para entender como a audiência é medida e como o resultado muda os sistema de

circulação do produto, percebemos que há três principais tipos de leitores: o de capa, o de

redes sociais e o assinante.

Leitor de Capa Leitor de redes sociais Assinante

Medido ao vivo Medido por matéria Medido conforme a

identificação por meio de

usuário e senha

Tem relação mais íntima com

o jornal. Procura pelo jornal

sem mediações como

Facebook, Twitter ou Google

Recebe reportagens por meio

da timeline de uma rede

social ou buscando por temas

específicos em sites de busca.

Depende do cálculo de

algoritmos criados pelo

sistema de cada rede social.

Tem forte vinculação com o

jornal. Vê valor em pagar por

conteúdo.

Estabeleceu um contrato de

leitura com o jornal.

Estabeleceu um contrato de

leitura com o jornal.

A primeira mudança que o reconhecimento do perfil da audiência, de modo

geral, estabeleceu que os jornais criassem a figura do capista de um site. Esse sujeito

mede a audiência de diferentes formas, recebe dados de audiência mais qualificados de

setores que trabalham a medição, e administra a capa dos site dos jornais conforme a

demanda da audiência. Isso significa dizer que os espaços das notícias podem ser

redefinidos conforme a medição da audiência.

Já a audiência de redes sociais requer estratégias mais complexas. Esse público é

inconstante e impulsivo. Ele pode ler o que é compartilhado todos os dias, como pode

também sumir de uma hora para outra. Como um mesmo conteúdo pode ser veiculado

por diferentes canais dentro de uma rede social (e esses canais podem ser entendidos

como páginas de jornais ou um compartilhamento feito por um contato). O leitor pode

formar (e mudar constantemente) a relação tanto com o conteúdo quanto com os canais.

Além disso, a rede social, sabemos, é construída em cima de códigos que coordenam o

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conteúdo. O ato de compartilhar um conteúdo, por exemplo, é uma forma de conexão

com um valor específico, assim como as reações e os comentários. Ter clareza disso faz

com que os jornais pensem em estratégias de venda de conteúdo. O resultado dessa

medição participa ainda dos critérios de noticiabilidade de um jornal.

Neste artigo, observamos os perfis de leitores dos três jornais no contexto de

convergência midiática e de midiatização e quais estratégias estão alterando os critérios

de noticiabilidade de cada um dos jornais.

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Usar Bem Pega Bem - O discurso do consumo consciente

apropriado pela publicidade

Ladyslaw Ludiwisk Witkowsky Queiroz

Faculdade Cásper Líbero

Palavras chave: consumo consciente; publicidade; campanha Vivo.

RESUMO EXPANDIDO

Introdução

Pensar em consumo no Brasil hoje é pensar em recessão econômica e no início da queda

do consumismo. Nesse novo contexto de consumo, grandes marcas já começam a operar

mudanças em sua comunicação para encantar e encaixar-se às necessidades deste

brasileiro que deixa de se preocupar tanto em afirmar-se aos outros, já não tem mais a

euforia do primeiro acesso a determinados bens e busca consumir mais experiências e

menos produtos vazios de grandes sensações. Trata-se da tendência de um consumo mais

consciente. A campanha Pega Bem, feita para a Vivo e apresentada a seguir, será o objeto

de estudo deste artigo para a defesa da hipótese de que campanhas que fazem alusão ao

consumo consciente estão mais alinhadas e propensas à aceitação desse público.

1. Pega Bem

O vídeo conceito da campanha intercala cenas com alusão ao bom uso do celular a cenas

de mau uso do mesmo. Durante todo o comercial, com uma música leve tocada por um

violão, uma voz que lembra o timbre vocal de uma criança lê o seguinte texto:

“Será que a gente está usando o celular do jeito certo? Quer dizer, do jeito que ele ajuda

a nossa vida mesmo. Se todo mundo sabe que não pode, porque é que tem gente usando

o celular dirigindo? Muito post e pouca conversa? A gente resolve tudo rapidinho, mas

será que é tudo urgente mesmo? Dá pra aprender um monte de coisa no celular, mas

precisa saber de tudo toda hora? Digitar é melhor que conversar ou digitar é o novo jeito

de conversar? É bom compartilhar, mas e isso? Não é estranho? Será que a gente não está

esquecendo o mundo aqui fora? E esses dois aí, ein... Tudo bem? Tudo mal? A gente fica

mais esperto com o celular, mas tem idade certa para começar a usar? O que é certo? O

que é errado? O que você acha? Vamos falar sobre isso? Celular: usar bem, pega bem”

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O “Usar Bem Pega Bem” foi a primeira discussão sobre o uso consciente do celular

incitado por uma operadora telefônica. A campanha Usar Bem Pega Bem, veiculada a

partir de junho na televisão, garantiu a permanência, por mais um mês, do segundo melhor

resultado da marca e, muito provavelmente, ampliou a percepção de valor do público

sobre a marca por seu posicionamento responsável.

Fonte: Instituto Data Folha (2015)

É importante notar que a Vivo neste mesmo ano demonstrou ser contra o uso do

WhatsApp6. Se por um lado pensamentos expressos por Amos Genish, presidente da

Vivo, por vezes mostram conservadorismo em parcerias com empresas como o

WhatsApp, a comunicação da marca expressa a inovação e consciência buscados pelo

consumidor atual, como bem pontuam os estudos do sociólogo Gilles Lipovetsky, citados

abaixo, sobre o comportamento de consumo atual de nossa sociedade e quais são os

anseios que movem esse consumidor de nosso tempo.

6 Matéria Teles temem avanço do WhatsApp; Jornal Estadão; http://goo.gl/sCL71d, acessado em

05/05/2016.

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2. A Fase III do capitalismo e o hiperconsumidor

Em um estudo macroambiental sobre o capitalismo, Lipovetsky o divide em três grandes

fases e nos situa na Fase III do mesmo, iniciada no final da segunda metade do século

XX. Foi o início do consumo mais hedonista, sem as barreiras de classes sociais e ligado

ao prazer da experiência a quem a consome. Um consumo integrado à visão de mundo e

de identidade que cada indivíduo tem de si, para si. É um consumidor com anseios de

vida que vão muito além dos produtos comprados, que integra ao seu consumo todas as

suas necessidades de realização pessoal. “A fase 3 é o momento em que o valor distrativo

prevalece sobre o valor honorífico, a conservação de si, sobre a comparação provocante,

o conforto sensitivo, sobre a exibição dos signos ostensivos”. (Lipovetsky,2008:43).

Por essa ampliação e sofisticação do consumo, Lipovetsky nomeia a Fase III como a fase

do hiperconsumo. Entender esse consumidor, suas vontades e motivações, é essencial

para conquistá-lo. No Brasil, especificamente, o número de hiperconsumidores cresceu

amplamente com o desenvolvimento econômico do país. Portanto, faz-se necessária uma

contextualização desse movimento de entrada de consumidores no mercado, ampliação

do hiperconsumo e queda das barreiras de classe social no acesso ao consumo.

3. A ascensão da Classe C e do consumo brasileiro

Segundo o estudo “Classe C, de Conectados”7, feito pelo Google e o Instituto Data

Popular, publicado em março de 2015, enquanto a população brasileira cresceu 10%, nos

últimos dez anos, a classe média emergente cresceu 204%, ultrapassando em mais da

metade o número absoluto de pessoas das classes AB. Essa classe emergente movimenta

495 bilhões de reais em renda própria por ano. Trata-se de uma ampliação bastante

significativa no acesso ao consumo e, consequentemente, na sofisticação e

heterogeneização do consumidor brasileiro.

Analisando as peças publicitárias da campanha Pega Bem, percebemos também uma

heterogeneidade de perfis, mas a comunicação trata de temas de interesse comuns a todos

eles.

7 Estudo “Classe C, de Conectados”; Google e o Instituto Data Popular; https://goo.gl/IbtzuZ, acessado

em 05/05/2016.

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4. A mensagem principal da campanha Pega Bem

Uma vez que não faz nenhuma alusão direta à venda de planos de telefonia, a campanha

Usar Bem Pega Bem procura engajar consumidores ao tocar em um sentimento coletivo

a eles: a necessidade de estar no controle do seu próprio consumo. Lipovetsky salienta

como característica do hiperconsumidor a tomada de consciência de sua responsabilidade

em todos os processos de consumo de que participa. Não é surpreendente que este

consumidor dê mais valor a uma marca que, ao menos em sua comunicação, abre espaço

para que cada consumidor faça uma avaliação e se posicione sobre o seu próprio uso do

celular.

Essa consciência de consumo ganhou força sob o termo de Lowsumerism, uma

aglutinação das palavras low e consumerism que, em uma tradução livre, significa um

“baixo consumismo”. A seguir será explicado mais sobre essa tendência e o valor de seu

uso.

5. Lowsumerism

O Lowsumerism defende que o processo de auto destruição causado pelo consumismo só

poderá ser freado por meio de um profundo despertar de consciência. Mudanças

climáticas advindas da poluição, destruição de habitats, sobre-exploração dos recursos

naturais e outros fatores de destruição do planeta gerados pelo consumo desenfreado do

ser humano, impulsionaram o lowsumerism a crescer como alternativa a desacelerar um

“processo de autodestruição”.

Adotar uma postura lowsumer é entender que pequenas atitudes, como, por exemplo,

repensar o seu uso diário do celular, podem gerar grande impacto. Seu propósito central

não é culpabilizar quem consome, mas propor a reflexão sobre o que é excesso para cada

um.

E engana-se quem pensar que não há valor agregado para uma empresa em apoiar um

movimento de desaceleração do consumo de seus próprios produtos e serviços.

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6. Pega Bem: um salto à frente da concorrência

De modo geral, empresas que não querem ser vítimas de uma canibalização de preços em

seu setor de atuação procuram produzir valor agregado por meio de atributos exclusivos.

Assim, o seu consumidor sente-se mais confortável em pagar mais caro por produtos

dessa marca. Portanto, o lowsumerism, mais do que um risco ao consumismo, pode ser

entendido como mais um atributo de valorização de marcas.

A Vivo percebeu a multiplicação do lowsumerism, o anticonsumismo, e tratou de

envolver-se em uma campanha publicitária para participar deste movimento que, segundo

Lipovetsky, já engloba de 15% a 20% dos hiperconsumidores e tende a expandir-se, como

aponta o estudo desenvolvido pela Box 18248.

Ainda assim, o que há de mercadologicamente sensato em trabalhar na fidelização do

consumidor que procura diminuir os impactos do seu consumo? Ele não é um consumidor

que vai gastar cada vez menos, já que diminuirá o seu consumo? A resposta está no ticket

médio de suas compras: esse consumidor paga mais caro para “salvar o planeta” com suas

escolhas conscientes.

Eles não constituem, de modo algum, um grupo de "desconsumidores". Seu

intuito não é sair do universo consumista: a prova disso é que gastam mais que

a média dos consumidores em muitas das referências de produtos. O que lhes

importa é consumir melhor (...) trata-se de comprar de maneira "inteligente",

como um sujeito, não como um fantoche consumidor. (Lipovetsky, 2008:344).

Isso quer dizer que ter a fidelização dos consumidores que simpatizam com sua marca

pelo discurso do lowsumerism é ter em mãos clientes que se dispõe a pagar mais caro por

seus produtos.

Conclusão

O caso estudado é de 2015 e, de lá para cá, outras empresas seguem as mesmas fórmulas

comunicacionais, em uma série de mercados. Sem a pretensão de apontar o modelo ideal

de fidelização do hiperconsumidor por meio da publicidade, este artigo expõe a eficiência

do posicionamento adotado pela Vivo para reforçar a fidelização do seu consumidor no

atual cenário econômico e social brasileiro.

8 Vídeo The Rise of Lowsumerism (legendado); https://youtu.be/jk5gLBIhJtA; Box 1824; acessado em

05/05/2016.

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Tendências do consumo alimentar midiatizado: #Friboi e as

táticas da confiabilidade em circulação na rede

Lívia Silva de Souza

Eneus Trindade

Rafael Covanzi de Sousa Universidade de São Paulo

Palavras-chave: alimentação; tendências; consumo midiatizado; confiabilidade; #friboi

RESUMO EXPANDIDO

Na perspectiva das tendências do consumo alimentar conforme Madi et al (2010),

podemos observar os modos como as cinco tendências globais em alimentação

(sensorialidade, saudabilidade, sustentabilidade, praticidade e confiabilidade)

comportam-se na circulação midiática nas redes. Isto se dá a partir da compreensão do

consumo midiatizado conforme Trindade e Perez (2014).

O percurso teórico que nos leva ao consumo midiatizado compartilha, nesse

sentido, da visão de pesquisadores desde a perspectiva de midiatização a partir de autores

europeus tais como Hjarvard (2014) e Hepp e Krotz (2014, org), e a produção acadêmica

brasileira a partir de Braga (2012) e Fausto Neto (2010) principalmente.

Compreendemos a midiatização como fenômeno urbano, industrial e da alta

modernidade, conforme Hjarvard (2014). Segundo o autor, a mídia ocupa hoje o lugar de

uma verdadeira instituição social, caracterizando essa abordagem como a abordagem

institucional da midiatização. Além desse aspecto, o que define a midiatização é a

onipresença da mídia e seu papel como ambiente de formação do nosso olhar, da nossa

compreensão, da nossa cultura, da nossa construção da realidade: “Ao mesmo tempo em

que os meios de comunicação adquiriram impulso como uma instituição em si mesma, a

mídia se tornou onipresente em quase todas as esferas da sociedade”. (HJARVARD,

2014, p. 30)

Para Hepp e Krotz (2014, in: HEPP; KROTZ, 2014, org), do mesmo modo, a

midiatização descreve um processo de mudança, em que a mídia assume uma centralidade

cada vez maior. Os autores trazem a caracterização da abordagem social-construtivista da

midiatização, que acredita na mídia como vetor da construção social e cultural da

realidade. Contudo, afirmam que ambas as tradições, institucional e social-construtivista,

encontram-se em processo de confluência.

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Tais autores percebem a midiatização como processo de longo prazo de mudanças

na sociedade e, de maneira geral, a distinguem do que entendem como mediação, situando

esta última em um espectro de curto prazo, que designa a comunicação mediada por uma

tecnologia de comunicação, a exemplo do que apresenta Krotz (2014, In: HEPP; KROTZ,

2014, org, p. 11-12): “Mediated just means that media are used to perform a

communicative act (...).”

É a partir da visão latino-americana que se problematizam as mediações culturais,

a partir da visão de Martín-Barbero (2009a), fundamentais para o deslocamento dos

estudos dos meios e seus efeitos para a perspectiva cultural das mediações sociais e

culturais, movimento que dá nome à sua obra “Dos meios às mediações”.

Trindade e Perez (2016) observam que os estudos das mediações, em seus

desenvolvimentos em nível acadêmico no Brasil, renderam frutos entre as pesquisas

voltadas ao estudo da recepção que, em suas formulações contemporâneas, passam a se

intitular como consumo midiático. Uma vez que as mediações apresentam resistência

quanto aos estudos do consumo como mediação cultural, atendo-se ao estudo do consumo

midiático nos moldes da recepção, tradicionalmente tem-se aderido ao termo

midiatização para que se possa contemplar os estudos do consumo.

Por outro lado, segundo os autores, os estudos de midiatização no Brasil seguem

a linha desenvolvida pelos autores europeus anteriormente mencionados, e tem

incorporado também a compreensão das mediações, na visão da midiatização enquanto

mediações comunicativas da cultura, formulação já desenvolvida pelo próprio Martin-

Barbero, conforme revelado em entrevista a Lopes (Martín-Barbero, 2009b). Nesse

sentido, autores como Braga (2012, in MATTOS; JANOTTI JUNIOR; JACKS, 2012,

org) tem desenvolvido a compreensão da midiatização como fenômeno de transformação

social e cultural, em que a mídia passa a exercer uma mediação cultural principal na

sociedade.

Tal perspectiva mostra-se rentável para os estudos do consumo, ainda que,

segundo Trindade e Perez (2016), os estudos da midiatização do consumo ainda não

tenham sido amplamente divulgados.

Nesse sentido, compreendemos a midiatização do consumo conforme Trindade e

Perez (2014), que ressaltam o papel cada vez mais central da mídia e suas lógicas na

configuração de hábitos e práticas de consumo. Para os autores, o ritual de consumo do

ponto de vista da midiatização funciona “(...) como dispositivo articulador dos sentidos

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dos produtos/marcas na vida das pessoas, portanto, a presença do sistema publicitário é

constitutiva nesta relação de consumo.” (Trindade e Perez, 2014, p. 05). Para além de

meras representações de consumo, o consumo midiatizado passa a constituir novos usos

e táticas do consumo, bem como a possibilidade de estratégias apropriadas ao contexto

midiatizado por parte das marcas.

É a partir da compreensão dos rituais, estratégias e táticas do consumo midiatizado

que passamos a observar a midiatização do consumo alimentar, com foco voltado às

macrotendências em alimentação, conforme relatório de MADI et al (2010).

A metodologia deste estudo se desenvolve sobre a rede social digital Instagram,

e parte das hashtags9 enquanto ritual do consumo midiatizado, bem como vestígios da

circulação midiática (FAUSTO NETO, 2010) observáveis e recuperáveis nas redes.

Foram coletadas, sistematizadas e analisadas as postagens realizadas sob as hashtags

relacionadas a 5 marcas de alimentos, cada uma delas representante de uma tendência do

consumo alimentar, representação esta observada em seus próprios ethé publicitários

(TRINDADE; SOUZA, 2014) em circulação online e off-line.

Assim, o presente artigo apresenta resultados parciais da pesquisa cujo objetivo

foi estudar a circulação de conteúdo e estratégias nas plataformas digitais de empresas do

ramo alimentício e as zonas de interpenetração com os consumidores. Nesta

oportunidade, daremos foco aos resultados sobre a tendência alimentar da confiabilidade,

a partir da observação das interações em torno da marca de carne bovina Friboi, que se

apresenta sob o ethos da relação de confiança com o consumidor em sua comunicação.

Tal observação se dá a partir da hashtag #friboi na rede social Instagram10.

Os resultados obtidos apontam para as estratégias e táticas da marca Friboi que,

no consumo midiatizado de #friboi, revela aspectos particulares dos usos da marca que

se posiciona dentro da tendência da confiabilidade. As postagens, variadas entre perfis

corporativos, pessoais e de blogs, transitam entre variações de temas de postagem,

gêneros dos perfis, e demais representações envolvidas nos contextos de usos e consumos,

9 Hashtag é o conjunto de sinal gráfico “#” com uma palavra-chave, ou tag, em inglês. Na rede, a hashtag

cria um hiperlink e realiza uma indexação automática, possibilitando ao usuário agrupar postagens ou

buscar conteúdos indexados sob determinada etiqueta ou tag.

10 Instagram é uma rede social de compartilhamento de imagens (fotografias e vídeos curtos). Seu aplicativo

permite a captura de imagens, a escolha de filtros de efeitos visuais, a postagem e a inserção de legendas

que podem ser acompanhadas de hashtags.

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que manifestam valores do mundo culturalmente constituído (MCCRACKEN, 2010),

transmitidos aos consumidores por meio dos rituais de consumo midiatizado em jogo.

REFERÊNCIAS

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(org). Mediação e Midiatização. Salvador: EDUFBA / Compós, 2012.

FAUSTO NETO, Antônio. As bordas da circulação. In Revista ALCEU. Rio de Janeiro

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KROTZ, Friedrich. Media, mediatization and mediatized worlds: a discussion of the

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and society in a media age. London: Palgrave Macmillan UK, 2014. (Ebook)

MADI, L. PRADO, A, C. REGO, R, A. Brasil food trends 2020. São Paulo. Ed: Fiesp-

Ital, 2010.

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14/07/216

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e

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__________________. Uma aventura epistemológica. Matrizes, v. 2, n. 2, p. 143-162,

2009. Entrevista concedida a Maria Immacolata Vassalo de Lopes. (b)

McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico

dos bens e das atividades de consumo. 2ed. São Paulo: Mauad, 2010.

TRINDADE, Eneus; PEREZ, Clotilde. Dimensões do consumo midiatizado, in II

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Anais II Confibercom. Braga: Universidade do Minho, p. 3109-3117. 2014

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http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/biblioteca/acervo/producao-

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Acessado em 04 de outubro de 2016.

TRINDADE, Eneus; SOUZA, Lívia. Ethé publicitários e consumo: confluências

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133, jan./abr. 2014

http://www2.faac.unesp.br/comunicacaomidiatica/index.php/comunicacaomidiatica/arti

cle/view/468/255 Acessado em 14/07/216

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A publicidade feita por YouTubers: estudo de caso do canal

Julia Silva

Maria Clara Sidou Monteiro

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-chave: YouTube, Julia Silva, publicidade, infância.

RESUMO EXPANDIDO

O YouTube é o terceiro maior site do mundo em popularidade (DIJCK, 2013),

sendo apontado como uma “alternativa para ver televisão” (DIJCK, 2013, p. 110), pois é

uma plataforma de transmissão e de compartilhamento de vídeos sobre os mais diferentes

assuntos ao alcance de qualquer um através da Internet. Além disso, o YouTube também

é considerado um site de rede social, apesar de esse não ter sido seu foco principal no

início (BEER, 2008). Com a sua popularização, ele implementou comentários e

compartilhamentos que o tornou nesse tipo de site (BOYD e ELISSON, 2007). É, então,

um lugar de exploração de novos conteúdos - como produção e consumo de vídeos, e de

conversação - como os comentários.

Algumas pessoas se destacam, dentro desse contexto de site de rede social, na

produção de vídeos para o YouTube, entrando para o seu “sistema interno de celebridades”

(BURGESS, GREEN, 2009, p. 45). São chamados de YouTubers. Autores como Keen

(2007) dirão que o YouTuber é um amador - “um leigo a quem faltam credenciais”

(KEEN, 2007, p. 38). O YouTuber não está autorizado a falar sobre assuntos por não ser

um especialista (KEEN, 2007). Porém, quem poderá melhor anunciar para uma criança

do que outra criança? O fato de ter livros lançados e fazer anúncios publicitários não

torna o YouTuber um profissional? Portanto, os YouTubers podem ser considerados

profissionais do YouTube e estão inseridos dentro da sua “lógica midiática” (PIENIZ,

2013, p. 54), ou seja, o seu modus operandi enquanto instituição e tecnologia, na qual

eles precisam seguir regras11 para poderem ter popularidade em seus canais e receberem

11 O YouTube oferece cursos sobre como ampliar seu canal e conseguir mais seguidores. Temos também

uma área somente sobre merchandising para os criadores de canais que traz lições para conseguir

anunciantes como usar imagens das mercadorias e fazer promoções. Ver mais em:

<https://storage.googleapis.com/creator-academy-assets/merchandise/merchandise%20-%20pt-BR.pdf>,

< https://www.youtube.com/yt/creators/pt-BR/?noapp=1>

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pagamento pelo site.

Hjarvard (2008) explica que a midiatização envolve entender os meios de

comunicação como instituições independentes, mas que ao mesmo tempo provém novas

formas para sujeitos e outras instituições se comunicarem. Com base nisso, entendemos

o YouTube dentro da dualidade do conceito de midiatização: ele é uma instituição com

suas próprias regras e também ele se entrega às das outras instituições (HJARVARD, 2008

apud PIENIZ, 2013) como ao seu proprietário, Google, ao Facebook com quem divulga

os vídeos e às empresas que detém as tecnologias de smartphones para reproduzir os

conteúdos. Enquanto instituição, ele medeia não só a produção, mas também a

distribuição do conteúdo para as audiências, inclusive os tipos de publicidade que estarão

disponíveis para os sujeitos e, no nosso caso, para a criança. Segundo Dijck (2013), o

YouTube controla, pelo algoritmo, a transmissão dos vídeos para cada sujeito,

direcionando a sua navegação, para a partir dela promover os conteúdos publicitários.

Com base nos vídeos que assistimos, o site agrupa informações com o seu algoritmo para

depois comercializar os dados para os anunciantes (PRIMO, 2014). A empresa Google já

declarou que cruza dados obtidos entre os diferentes serviços (PRIMO, 2014), que são

gratuitos, porém os “pagamos” com nossas informações – dados identitários, hábitos de

consumo - para os anunciantes (FREEDMAN, 2012).

Esse direcionamento do algoritmo do YouTube é fundamental para mesclar

publicidade e entretenimento, o que é chamado de “publicidade híbrida” (COVALESKI,

2010), principalmente através dos vídeos dos YouTubers. Segundo Covaleski (2010), esse

tipo de conteúdo é persuasivo, pois tenta convencer o receptor do conteúdo; é

entretenimento, pois é “um produto destinado a sorver de ludicidade os momentos vagos

e de contemplação dos indíviduos” (COVALESKI, 2010, p. 148); é interativo, pois

permite a comunicação e o compartilhamento entre receptores e os YouTubers. Seus

canais proporcionam diferentes formas de comunicação da marca com o público-alvo e a

sua opinião acaba influenciando o consumo de outras pessoas.

Com base nessa discussão, investigaremos o canal da YouTuber Julia Silva, pois,

com somente 10 anos de idade, ela já tem 1.432.94312 inscritos no seu canal principal

(existente desde 2007) e dois livros lançados. Ela faz inúmeros vídeos com produtos

enviados por diferentes empresas. Portanto, o objetivo é compreender, através dos

12 Dado retirado do YouTube em 22 de julho de 2016.

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comentários presentes nesse canal, qual é a relação dos sujeitos com a publicidade feita

nos vídeos da YouTuber. Nossa inspiração metodológica é o estudo de caso (GIL, 1991

apud SILVA, 2005) e a análise conversacional voltada para o computador, pois

concordamos com Primo e Smaniotto (2006) que os comentários são importantes para a

conversação e são reações, no caso, ao vídeo. Utilizamos o software Nvivo para

categorizar os comentários.

Ao observarmos o canal Julia Silva, encontramos os seguintes tipos de anúncios:

banner: localizado, geralmente, na horizontal do vídeo. Tem conteúdo estático.

Para ser fechado, é necessário clicar no X na parte de cima dele.

Anúncio com a YouTuber: a marca procura a YouTuber para participar da

campanha.

Anúncio antes do vídeo: é o comercial que aparece antes do vídeo do canal. É

necessário esperar cinco segundos para passá-lo.

Vídeos da YouTuber Julia Silva (essa categoria pode se desdobrar em):

o “Comprinhas”: vídeos que a YouTuber mostra os produtos que comprou;

o Resenhas (reviews): produtos que são avaliados pela YouTuber;

o Recebidos (unboxing): produtos enviados por empresas. A YouTuber Julia

Silva abre os produtos na hora do vídeo. Esse tipo de vídeo e o de

“comprinhas” ativam os chamados “neurônios-espelho” (LINDSTROM,

2009, p. 56), os quais são responsáveis por imitarmos involuntariamente o

comportamento do outro. Segundo Lindstrom, ao vermos esse tipo de vídeo,

nossos neurônios-espelho agem, gerando empatia com a pessoa na tela, e

surge a vontade de imitá-la, o que gera uma motivação de compra.

o Desafios: produtos usados para fazer brincadeiras com o pai, a avó e

YouTubers.

Iremos nos concentrar nessa última categoria relacionada aos vídeos da YouTuber

e para o nosso objetivo, nos atentaremos a somente os comentários sobre o produto em

si, ou seja, o produto ou algo referente a ele aparece na escrita do sujeito.

A partir do levantamento, escolhemos quatro vídeos para analisar os comentários.

O critério para a escolha foram os vídeos mais populares elencados pelo YouTube,

organizados a partir dos mais recentes, pois eles apresentaram mais comentários sobre os

produtos. Além disso, esses vídeos têm os produtos mais novos no mercado. Os

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escolhidos foram: “Abrindo Presentes de Dia das Crianças” com 172 comentários,

“Comprinhas de Coisas Fofas Japonesas - Kawaii” com 349 comentários, “DESAFIO

TORTA NA CARA # 1 (Pie Face Challenge) - Julia Silva (FT. Caduzinho e Malu)” com

172 comentários, e “Review Hamster In A House” com 268 comentários.

Foi possível perceber, pela análise dos comentários que detalharemos no artigo,

que os vídeos, em especial o de “Comprinhas” e o de “Review”, feitos pela YouTuber

proporcionaram um desejo de compra em quem os vê, pois tivemos comentários pedindo

informações sobre os produtos que ela mostrou, onde ela comprou e até mesmo pedindo

mais vídeos com os brinquedos. Já no vídeo de “Desafios”, só tivemos um comentário

sobre o produto, pois os YouTubers eram o destaque. Também notamos que embora Julia

Silva deixasse claro no vídeo que os produtos foram enviados por uma empresa, tivemos

comentários perguntando onde elas os comprou, ou seja, o seu público nem sempre

entende a relação da YouTuber com a publicidade das marcas.

Destacamos que, pelo YouTube, não foi possível descobrir a idade de quem

comentou, o que indica uma dificuldade de pesquisar com esse site, porém os erros de

português e os tipos de vídeo de Julia Silva nos apontam para uma audiência mais nova,

ou seja, crianças. Assim, por ter esse público infantil, as empresas continuarão a mandar

produtos a YouTuber que promoverá a marca pelos vídeos.

Portanto, o YouTube, além de permitir novas formas de interações sociais, seja

pelos comentários ou compartilhamentos ou curtidas, também implementou novas formas

de consumir conteúdo e publicidade através dos YouTubers. Considerar que assistir a um

vídeo no YouTube e publicar um comentário como prática midiática significa tentar

entender a realidade social (TRINDADE, 2012), na qual, a “lógica midiática” (PIENIZ,

2013, p. 54) do YouTube predomina enquanto instituição e de promoção de consumo de

conteúdo. É ver a publicidade no YouTube como parte do processo de midiatização, sendo

esta “produzida, induzida e regulada pelo conjunto das relações e intersecções entre

processo sociais e processos de comunicação” (FERREIRA, ANO, p.11). Ou seja, tanto

os vídeos da YouTuber quanto os comentários fazem parte de processos comunicacionais

e sociais que ocorrem dentro e fora do YouTube, difundindo a sua lógica de ver vídeos, de

divulgar produtos e de promover o consumo para as crianças pelo entretenimento gerado

pelos vídeos dos YouTubers.

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Referências

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Journal of Computer-Mediated Communication, v. 13, n. 1,p. 210-230, 2007.

BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a revolução digital: como o maior

fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade. São Paulo:

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Publicidade Comercial e Debate Público: entre o desvio, a

oportunidade e a responsabilidade social

Matheus de Castro Lincke

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS)

RESUMO EXPANDIDO

Dada a ampliação do espaço midiático na contemporaneidade, seja a partir do

desenvolvimento de novas tecnologias da informação e comunicação, seja ao maior

espectro da população atingida por produtos das mais diversas mídias, praticamente todos

os campos de organização humana passaram por reconfigurações drásticas em seus

modos de operação. Assim como a cultura, a economia, o trabalho e as próprias relações

interpessoais, também a política sofre transformações incisivas em função da inserção

predominante dos meios de comunicação de massa como instâncias mediadoras na

percepção da(s) realidade(s), individual(is) e coletiva(s). Desde a visibilidade expandida

a causas, políticos e agendas – já reestruturada pelas mídias eletrônicas – até a articulação

de velhos e novos atores políticos em movimentos sociais e políticos – possibilitada pelas

mídias digitais em espectro muito mais abrangente –, não há como situar a política à parte

ou mesmo à margem da esfera midiática em uma democracia de massa (GOMES; MAIA,

2008).

A midiatização da política, portanto, é ao mesmo tempo causa e consequência de uma

ampliação das fronteiras da democracia para além das camadas aristocráticas e burguesas

– ainda que seja, contudo, um processo iniciado pela burguesia e esteja perpetrando elites

econômicas e políticas no poder. Embora permita – e mesmo gere – uma encenação e

uma espetacularização da política, elencando a dramatização como elemento-chave da

praxis política (GOMES, 2007), os meios de comunicação de massa inserem no jogo

democrático personagens antes marginalizados da disputa política. Ganha destaque,

assim, a comunicação pública como fator de visibilização e debate de temas de interesse

público, no sentido de promover e ampliar a democracia.

É especialmente nestes dois últimos aspectos – visibilidade e debate de temas de

interesse público – em que a mídia de massa terá uma importante participação como

elementos reestruturadores da esfera pública. Ainda que não sejam espaços propriamente

deliberativos – ou seja, que sustentem uma troca de argumentos de base racional acerca

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de um tema, com raras exceções –, a diversidade das mídias (ainda incipiente, é bom que

se registre) proporciona uma exposição de argumentos e razões diversas, que servirão de

base para a formação de entendimentos e posições por parte do cidadão comum. Este,

sim, participará, em diversos espaços físicos e virtuais, de debates públicos, sejam eles

deliberativos ou apenas para esclarecimento mútuo dos participantes acerca de alguma

matéria. Em todo este processo, histórica e academicamente o Jornalismo ocupa um lugar

privilegiado de promotor do debate e defensor do interesse público.

Entretanto, não apenas de produtos jornalísticos está composta a mídia. Um espaço

bastante importante de tudo que se veicula em mídia é ocupado por produtos publicitários

de caráter comercial. Com todo o investimento que se faz em produção estética e

estruturação discursiva na comunicação publicitária, não se pode continuar

negligenciando a força interventora desta sobre a percepção e a discussão de temas

fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. Ainda que não apele prioritariamente

à dimensão racional da argumentação e do discurso, a publicidade comercial apresenta

uma série de modelos, projeções, impressões e relações das pessoas com o mundo que as

cerca, frequentemente apropriando-se, direta ou indiretamente, de temas de repercussão

coletiva ou pública – como saúde, educação, política, cultura, mobilidade urbana, etc.

O objetivo deste artigo é investigar por quais vias a publicidade comercial interfere

no debate público de temas de interesse público. A hipótese que se assume é que esta

forma de comunicação, na busca por captar a atenção do espectador e elevar o capital

simbólico do anunciante, reverbera temáticas atuais em seus anúncios como ambiência

para a promoção dos bens/serviços que divulga. Nesta dinâmica, instaura certas

percepções, representações e visões de mundo sobre estas temáticas, que repercutirão na

formação mais global das posições retóricas e ideológicas dos cidadãos em seu contato

com a mídia.

As metodologias empregadas para a produção deste artigo foram a pesquisa

exploratória por anúncios comerciais e outros produtos midiáticos que se vinculassem a

estes – notícias repercutindo campanhas publicitárias, basicamente –, para a composição

do corpus; a pesquisa bibliográfica, para levantamento dos conceitos e teorias; e a análise

crítica de discurso (ACD), a partir de Fairclough (1995). O corpus de análise condensou-

se em três peças publicitárias: um banner da cerveja Skol, divulgado no Carnaval de 2015;

um anúncio audiovisual do uísque Johnnie Walker, veiculado em setembro de 2016; e um

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anúncio audiovisual do banco Itaú, divulgado outubro de 2013. Estas peças foram

escolhidas por representarem, da amostra inicialmente levantada, três formas de

aproximação entre a publicidade comercial e o debate público.

O referencial teórico do artigo apoia-se sobre autores da Comunicação Pública,

especialmente Wilson Gomes, Rousiley Maia, Ângela Marques e Maria Helena Weber

(GOMES; MAIA, 2008; GOMES, 2007; MARQUES, 2009; WEBER, 2007), dos quais

são utilizados sobretudo os conceitos de comunicação pública, debate público,

deliberação pública, esfera pública, esfera midiática e visibilidade midiática. Referente à

Publicidade Comercial, apropria-se sua conceituação e seu modo de operação a partir de

autores da vertente crítica desta, como Enrique Guinsberg (1987), Anthony Pratkanis e

Elliot Aronson (1994) e Mike Featherstone (1995).

O que se pôde apurar nesta pesquisa é que a publicidade comercial aproxima-se ao

debate público de três maneiras distintas. A primeira seria pela via da responsabilidade

social, em que as empresas, buscando demonstrar preocupação e envolvimento com os

grandes problemas sociais atuais, promovem visibilidade e iniciam uma discussão sobre

temas de caráter público. Esta forma de aproximação é calculada e o debate proposto

circunscreve a possibilidade de atuação da empresa no âmbito sugerido – embora faça a

convocação da sociedade civil para a resolução do problema, a dimensão desta solução

não é a autonomia do cidadão, mas sim a dependência da empresa como mediadora e

liderança.

A segunda aproximação é a partir da oportunidade. Uma empresa, muitas vezes

fabricante de um produto que não apresenta nenhuma relação com saídas possíveis para

uma situação social adversa, apropria-se desta situação para passar uma mensagem de

confiança, otimismo e motivação. A evocação estratégica da adversidade, primeiro, e da

possibilidade de mudança, caracterizada pela enunciação de palavras positivas, ao final,

é uma forma de vincular uma impressão positiva à marca do anunciante, que em geral se

mostra apenas como assinatura da peça. Trata-se de uma capitalização simbólica tanto de

uma situação adversa quanto de uma oportunidade episódica de veiculação do anúncio.

Por fim, o terceiro ponto de contato entre publicidade comercial e debate público é a

partir do desvio. Um anúncio traz em seu interior uma situação incômoda ou problemática

acerca da constituição da sociedade sem problematizá-la ou buscar transformá-la, mas

sim a reproduzindo e naturalizando. Neste caso, a recepção à peça publicitária mobiliza

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uma série de debates em diversos ambientes midiáticos, desde jornais a redes sociais, e

mesmo instâncias formais de deliberação, como parlamentos públicos. Eventualmente,

estes debates podem resultar, além da visibilidade a esses problemas e uma retomada da

discussão de temas sensíveis, em reposicionamentos por parte da empresa anunciante.

Esta situação, porém, é não intencional por parte do anunciante e, via de regra, reflete

uma imagem bastante negativa para este.

A publicidade comercial, com seu potencial de atuar sobre as conversações cotidianas

(GOMES; MAIA, 2008) e sua capacidade de trabalhar a dimensão emocional da

comunicação, desperta a atenção para temas importantes para a constituição e

desenvolvimento da sociedade. Sua aproximação com o debate público acerca desses

temas propostos revela a tensão privado/público que permeia toda a comunicação pública.

Ainda que de maneira pouco propositiva e sem incorporar princípios fundamentais da

deliberação, há uma relação já em curso entre publicidade comercial e debate público,

sobretudo pela exposição de grandes públicos a temas e problemas atuais e com grande

repercussão na vida social. Lançar luz sobre este fenômeno é abrir a possibilidade de,

mesmo mantendo seu caráter privado de promoção de bens e serviços de mercado na

busca do lucro, as empresas trabalharem com maior consciência de sua influência

(pro)positiva nas grandes discussões políticas que se apresentam para a sociedade.

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Midiatização das práticas turísticas: o caso Tripadvisor

Natália de Sousa Aldrigue

Palavras-chave: midiatização, práticas turísticas, atores sociais.

RESUMO EXPANDIDO

O presente texto é organizado em torno de questões discutidas na nossa pesquisa

de tese de Doutorado em Comunicação. Propomos neste artigo observar as práticas

turísticas no cenário midiatizado. Sob o enfoque comunicacional, mais precisamente no

quadro da midiatização, vamos observar, através do site Tripadvisor, como as

informações passadas pelos turistas são usadas para fins de práticas turísticas e como isso

aponta para uma nova forma de fazer turismo, já que esta tecnologia se torna instrumento

indispensável para o exercício de tal atividade.

Estudar o campo turístico, suas práticas, a circulação de seus materiais técno-

simbólicos, compreender o papel de seus atores, sua relação com o processo institucional

ou cultural onde se insere, requer ir das práticas turísticas, aos processos e apropriação, e

diversidade de lógicas, neste contexto, já que o turista mantém transações com

programadores de sensações, no caso os atores da indústria turística, especialistas ou não

da área. Pois, como disse Bauman (2006), estamos em uma sociedade moderna líquida,

ou seja, aquela em que as condições de atuação dos seus membros mudam antes que as

formas de atuar se consolidem em hábitos e em rotinas determinadas. Assim sendo, esta

sociedade não mantém sua forma e seu rumo durante muito tempo, ou seja, a vida não

para.

Desta forma, vamos examinar, através do site Tripadvisor, a apropriação desse

dispositivo como uma ferramenta das práticas turísticas no contexto midiatizado. Para

tanto, traçamos a caracterização e distinção dos conceitos de “sociedade dos meios” e

“sociedade em vias de midiatização”, para então pensarmos nas práticas turísticas como

um objeto situado em uma problemática desta última, operando a partir de campo, para

além de fronteiras específicas, passando por processos e circuitos. Observando como as

informações que circulam no dispositivo transformam as práticas turísticas com relação

aos vários atores sociais envolvidos neste campo de estudo.

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Conduziremos, então, nosso trabalho sob o olhar da comunicação na atual

sociedade em vias de midiatização, particularmente, como as práticas do turismo vem

sendo modificadas e permeadas por essas lógicas e operações midiáticas. Nos

questionamos, portanto, entender o atual momento em que estamos inseridos, com atores

sociais enunciando estratégias e edificando com isso novos desenhos da prática do

turismo.

Neste novo cenário os processos midiáticos se revelam como um objeto complexo,

que não podem ser vistos como um objeto em si, mas através de suas relações, conexões

e interconexões, não podem mais ser fragmentados em suas partes (produtor, produção,

conteúdo, veículo, público, receptor, recepção). Desta maneira, o funcionamento da

midiatização estaria diretamente associado às estratégias e processos específicos que

tratariam de se manifestar de modo complexo no interior das práticas sociais, como é o

caso do turismo.

O turismo sempre utilizou a mídia como uma ferramenta de sua produção de

sentidos, porém na sociedade em midiatização a cada passo a voz do turista se faz mais

ouvida, ou capturada, agora, sobrepondo muitas vezes a própria voz das instituições

(hotéis, por exemplo), é o olhar vigilante. Por isso, é importante ressaltar que entendemos

as lógicas midiáticas aqui como um constituinte do turismo. Por exemplo, engendram

novos protocolos interacionais, quando procuramos um site de vendas de hotéis para

realizarmos uma reserva, antes de finalizar qualquer procedimento o mais comum é

observamos os comentários deixados por outros turistas em relação aquele

estabelecimento, afim de que possamos ter referencia e “garantir” uma melhor compra.

Assim, mais importante que a informação oficial, àquela dada pela instituição (hotel), se

tornam os quadros de experiência individual. “O turista não escreve, evidentemente, um

estudo sobre as populações com as quais ele cruza, mas, às vezes, suas fotos, seus filmes

e seus postais constituem, ao final, uma espécie de obra, ao menos um inventário de sua

experiência” (AUGÉ, 2010. p. 77), que se torna um elemento que cauciona e legitima a

atividade turística.

Nessa perspectiva, observamos a substituição do sábio/expert/profissional pelo

viajante especialista/amador, ou seja, aquele que vai atuar dentro de práticas sociais,

porém dividindo seu oficio com este. Antes apenas o turismólogo (profissional da área),

ou publicitário se valeria da palavra para divulgação da localidade; hoje, o turista se dirige

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diretamente através dos complexos nichos técno-midiáticos e faz valer sua palavra,

quebrando barreiras mediadoras e tornando-se um ator social das próprias práticas

turísticas.

Observamos, assim, que as operações de midiatização e suas processualidades dão

forma aos novos modos de existência das práticas turísticas fazendo com que 1) as

paredes de compra e venda sejam derrubadas e 2) o turista deixe de ser um agente passivo

para se tornar num propagador de informação, em um divulgador do paraíso e alguém

que vai constituir além do ambiente o próprio funcionamento da prática turística.

Assim, o que primeiramente começou como exibição do poder industrial, e tinha

seu lugar privilegiado nos escritórios de alta administração e nas agências de propaganda,

desce à conduta do “João-ninguém”, sem que os poderosos pudessem abrir mão do

fenômeno. Vulgariza-se em um comportamento de massa. A circulação, neste cenário,

desloca o leitor à cena discursiva algo que deixa de ser privilégio das rotinas produtivas

e complexifica seus papéis ao organizá-los segundo novas dinâmicas de interfaces.

Assim, as instituições, peritos, agentes de viagem e atores não estão mais ligados pelos

meios segundo uma lógica linear, mas estão todos interligados pelas lógicas dos processos

midiáticos e intercalando-se nos seus papéis.

Nesta perspectiva encontra-se o site Tripadvisor que é considerado um dos

maiores do mundo quando o assunto é viagem, possibilitando que os turistas pesquisem,

planejem e deixem opinião para uma viagem de sucesso. Este site oferece dicas de

viajantes reais e uma ampla variedade de opções de viagem e recursos de planejamento,

além de contar com links ininterruptos para as ferramentas de reserva.

Observando, então, a constituição deste site dentro do contexto da midiatização

sobre as práticas turísticas, notamos plataforma de ação midiática alicerçada na

contribuição espontânea e não remunerada dos seus usuários, a qual produz efeitos de

veracidade, credibilidade e legitimidade transformados em valor econômico, num

processo de monetarização dos dados sociais. Sendo, pois, a participação dos usuários na

produção de conteúdo no site Tripadvisor, por meio de avaliações das atividades turísticas

de uma localidade e fotos uma importante “ferramenta” para o papel decisivo no serviço

prestado pela empresa e seu sucesso econômico. Ou seja, o turista tem que alimentar esse

sistema, estar sempre em alerta vigiando e informando, pois sem isso o site não funciona.

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Essa possibilidade de se fazer ver, de fazer circular as próprias produções

enunciativas, contribui sobremaneira para a adesão a práticas até então restritas aos

campos. Nesse contexto, podemos afirmar uma mudança substancial na ‘forma’ de se

enunciar no espaço público que essa nova ambiência requer. Alterando assim a forma de

se fazer turismo, ou seja, mudando as práticas turísticas. Nesse contexto, se faz necessário

pensar que a adesão às lógicas midiáticas, por parte de sujeitos não-especialistas, afeta

não só as relações sociais entre os indivíduos de um mesmo campo e com os indivíduos

de outros campos como também as formas de interação.

Por causa dessas opiniões “sem interesse”, muitos agentes de viagem observaram

este site do TripAdvisor como um importante aliado na busca de serviços para seus

clientes, pois ali poderiam consultar as atualizações e comentários reais sobre os

estabelecimentos que trabalhavam, sem estarem camuflados pelo campo publicitário.

Com isso, o que era para ser um site de vendas direta ao turista, acabou também por ser

um site de consulta do especialista, fazendo com que os papeis ficassem invertidos, o

“joão-ninguém” auxiliando as vendas de um perito, criando assim um circuito. Podemos,

com isso, pensar o turismo como campo, como uma problemática para além de fronteiras

específicas passando a ser uma atividade de sistêmica e relacional.