construindo a parentalidade
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OnlineRev Latino-am Enfermagem 2008 maio-junho; 16(3)www.eerp.usp.br/rlae
TORNAR-SE ME DE CRIANA COM CNCER: CONSTRUINDO A PARENTALIDADE1
Patrcia Luciana Moreira2
Margareth Angelo3
Este estudo, guiado pelo Interacionismo Interpretativo, teve como objetivo compreender a experincia
de tornar-se me de uma criana com cncer. Sete mes, cujos filhos se encontravam em tratamento de
cncer, participaram de entrevistas semi-estruturadas. Os resultados revelaram que o papel de me construdo
numa conjugao entre dois temas: VIVER O TEMPO DA DOENA, representando um olhar da me para si,
vivendo uma situao de incertezas inerentes doena e necessidade de afastar a ameaa de morte; VIVER
O TEMPO DE LUTA PELA VIDA DA CRIANA, representando a dimenso dos comportamentos da me ao
construir seu papel. Os temas articulados s epifanias permitiram identificar inter-relao entre a parentalidade
e a temporalidade, na qual o tempo est manifestado nas dimenses da construo do papel da me.
DESCRITORES: mes; relaes me-filho; oncologia; enfermagem peditrica
BECOMING A MOTHER OF A CHILD WITH CANCER: BUILDING MOTHERHOOD
The present study, which was conducted using the Interpretive Interactionism method, had the objective
of understanding the experience of becoming a mother of a child with cancer. Seven mothers, whose children
were undergoing cancer treatment, took part in semi-structured interviews. The results showed that mothers
role are built in a process that implies the interaction between two themes: LIVING THE TIME OF THE ILLNESS,
in which mothers concentrates in themselves, continuously permeated by the uncertainties inherent in the
disease, and the need to remove the threats of the childs death; and LIVING A TIME OF STRUGGLE FOR THE
CHILDRENS LIFE, which represents the dimension of mothers behavior in developing their new role. The
articulated theme and the epiphanies allowed identifying the connection between parenthood and temporality,
in which the time comes into the dimensions of the development of the mothers role.
DESCRIPTORS: mothers; mother-child relations; medical oncology; pediatric nursing
SER MADRE DE UN NIO CON CNCER: CONSTRUYENDO LA RELACIN
Este estudio, guiado por el Interaccionismo Interpretativo, tuvo como objetivo comprender la experiencia
de ser madre de un nio con cncer. Siete madres cuyos hijos se encontraban en tratamiento de cncer
participaron de entrevistas semiestructuradas. Los resultados revelaron que el papel de madre es construido
en una conjugacin entre dos temas: VIVIR EL TIEMPO DE LA ENFERMEDAD, que representa una inspeccin de
la madre consigo misma y vivir una situacin de incertidumbre inherente a la enfermedad y la necesidad de
alejar la amenaza de la muerte; VIVIR EL TIEMPO DE LUCHA POR LA VIDA DEL NIO, que representa la
dimensin de los comportamientos de la madre para construir su papel. Los temas articulados a las epifanas
permitieron identificar una interrelacin entre el parentesco y la temporalidad, en la cual el tiempo se manifiesta
en las dimensiones de la construccin del papel de madre.
DESCRIPTORES: madres; relaciones madre-hijo; oncologa mdica; enfermera peditrica
Artigo Original
1 Artigo extrado de Dissertao de Mestrado; 2 Enfermeira, Mestre em Enfermagem, e-mail: [email protected]; 3 Enfermeira, Professor Titular, e-
mail: [email protected]. Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo, Brasil
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OnlineRev Latino-am Enfermagem 2008 maio-junho; 16(3)www.eerp.usp.br/rlae
INTRODUO
O cncer em crianas e adolescentes
corresponde a um grupo de doenas que tm em
comum a proliferao de clulas de forma
descontrolada e que, se diagnosticados precocemente
e tratados em centros especializados, apresentam
uma perspectiva de cura de aproximadamente 80%.
Devido complexidade da doena e tratamento, a
vida da criana e sua famlia passam por diversas
transformaes, sendo necessrio se adaptarem a
uma nova rotina e exigncias que passam a fazer
parte do cotidiano familiar(1).
Em muitos estudos na rea de Oncologia
Peditrica, a me identificada como a principal fonte
de suporte e quem geralmente assume o cuidado da
criana na situao de doena. A alterao na
biografia e a transio de ser me de uma criana
que ela conhece como saudvel para ser me de uma
criana com cncer requer uma redefinio da auto-
identidade e do papel de me aps a confirmao do
diagnstico do filho(2).
A me considerada o eixo da estrutura
familiar, e sob o seu controle que esto a criao e
educao dos filhos, o cuidado com a casa e com a
sade dos membros da famlia. O papel de cuidadora
uma expectativa que se tem dela e que ela tem de
si mesma. Para cumprir este papel, a me acaba
criando estratgias, como a adequao do horrio
de trabalho e a desistncia do emprego em favor das
rotinas domsticas e das demandas dos filhos(3).
A parentalidade, no contexto do cncer
infantil, justificada pela relevncia da compreenso
das dimenses que envolvem a experincia de ser
me de uma criana com cncer. A parentalidade
um processo complexo, no somente produto do
parentesco biolgico, mas do processo de tornar-se
pai e me(4). De acordo com a literatura, ser me
fazer o papel de me, um papel multidimensional que
abarca dimenses na relao familiar como
proximidade, suporte, monitorizao, comunicao e
aceitao(4-5).
A parentalidade tambm pode ser definida
como a habilidade de oferecer cuidado e proporcionar
um ambiente que promova um timo crescimento e
desenvolvimento a qualquer ser humano. O termo
famlia pode ser usado amplamente como uma
referncia ao ambiente social no qual a parentalidade
conduzida(6).
As abordagens tradicionais investigam os
aspectos psicossociais da doena na infncia
representando a parentalidade em termos de como
os pais se ajustam doena de sua criana(2). No que
se refere a experincia da me em vivenciar o cncer
do filho, a perspectiva do cuidado requer um
pensamento que, antes de focalizar no sofrimento
psquico das mes, pense em como elas assumem a
responsabilidade de ser me frente doena da
criana(7).
Assim, considerando as questes que
envolvem o ser me de uma criana com cncer, as
perguntas de pesquisa que guiaram este estudo
foram: Quais seriam, no mbito do cncer infantil, as
dimenses do ser me na experincia do diagnstico
de cncer do filho? Quais os significados que a me
atribui doena do filho? Como a me vivencia o seu
papel de me frente a esta situao?
Acreditamos que compreender a experincia
de ser me de uma criana com cncer, os significados
atribudos por ela doena, ao tratamento e ao
impacto no cotidiano familiar, prosseguindo sua
caminhada como me, so fundamentais para o
cuidado. Esta compreenso pode nos fornecer
elementos para direcionar mais precisamente aes
de apoio e de suporte me enquanto pessoa e sujeito
ativo neste processo. Assim, este estudo tem como
objetivo compreender a experincia de tornar-se me
de uma criana com cncer.
REFERENCIAL TERICO E METODOLGICO
O Interacionismo Simblico configurou-se
como a perspectiva terica deste trabalho, cujas idias
centrais baseiam-se no processo de interao, no qual
os indivduos so ativos e aprendem a dar significado
s coisas, valorizando o significado que o ser humano
atribui s suas experincias. O significado das coisas
resulta ou emerge da interao social que os seres
humanos estabelecem uns com os outros(8). Como
referencial metodolgico, escolhemos o
Interacionismo Interpretativo, cujo objetivo obter
descries densas e detalhadas das vivncias
biograficamente importantes que alteraram os
significados e a forma de agir das pessoas. Estas
experincias de vida significativamente importantes
recebem o nome de epifanias, momentos
interacionais que tm influncia direta na forma como
o indivduo ir interagir com e em seu contexto. A
Tornar-se me de criana com...Moreira PL, Angelo M.
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interpretao um processo que segue em busca do
significado de um evento ou experincia(9).
Considerando a me na situao de cncer do filho
interagindo com outras pessoas, eventos e consigo
mesma, acreditamos que a perspectiva interacionista,
atravs do processo interpretativo, permite conhecer
e compreender a realidade de ser me de uma criana
com cncer definindo-se e compondo sua histria.
Aspectos ticos: Foram observados todos os
aspectos presentes na Resoluo CNS 196/96. Antes
de iniciarmos o processo de coleta de dados, o projeto
foi submetido apreciao e obteve aprovao do
Comit de tica em Pesquisa da Escola de
Enfermagem da Universidade de So Paulo. Aps,
foi solicitada a autorizao da instituio do Instituto
de Oncologia Peditrica - IOP, na cidade de So Paulo,
que permitiu a coleta de dados no local. A aceitao
dos participantes em compartilhar sua histria foi
oficializada atravs da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Participantes do estudo: Participaram do
estudo sete mes de crianas que estavam em
tratamento oncolgico. As mes tinham entre 24 e
41 anos, sendo seis delas casadas e uma viva. Todas
elas tinham seus filhos em tratamento quimioterpico
no momento da entrevista, e eram elas o membro
da famlia quem acompanhava a criana durante o
processo de tratamento. Trs mes eram de
provenientes de outros estados. Duas mes
desenvolviam atividades profissionais fora do lar e
uma no prprio domiclio. As demais abandonaram
suas atividades para permanecerem junto criana
durante o tratamento. O nmero de mes participantes
no foi previamente determinado. A coleta de dados
foi realizada at o momento em que percebemos a
ausncia de dados novos e o desenvolvimento e
densidades das categorias foram alcanadas.
Coleta de dados: A coleta de dados foi
orientada pelo mtodo biogrfico e ocorreu no perodo
entre dezembro de 2005 e abril de 2006. A estratgia
para obteno dos dados foi a entrevista do tipo semi-
estruturada, orientada pela questo norteadora: Por
favor, conte para mim sua estria de viver a
experincia de ser me de uma criana com cncer.
As narrativas foram gravadas e transcritas na ntegra
logo aps a realizao da entrevista.
Anlise dos dados: Para a anlise dos dados,
seguiram-se os passos preconizados pelo
Interacionismo Interpretativo(9). As fases deste
mtodo so: Delimitao da questo em estudo;
desconstruo e anlise crtica das concepes do
fenmeno; apreenso do fenmeno, localizado e
situado no contexto; reduo do fenmeno, isolando-
o do contexto no qual aconteceu atravs da localizao
e isolamento de frases chave; construo do
fenmeno, articulando novamente os dados atravs
dos significados que emergiram na fase anterior;
contextualizao, recolocando o fenmeno no
contexto, interpretando-lhe e dando significado.
Assim, aps a transcrio das entrevistas e
leitura das narrativas biogrficas das mes, as
vivncias relatadas foram quebradas em pequenas
frases, possibilitando a identificao das unidades
experienciais. A partir de um processo minucioso de
compreenso da carga semntica e das evidncias
contidas nas narrativas, as unidades experienciais
foram comparadas umas s outras de acordo com o
seu significado na experincia, pelas suas
similaridades e divergncias. As unidades conectadas
pelo mesmo significado foram agrupadas, permitindo
a identificao de categorias e suas subcategorias. A
comparao e integrao das categorias articuladas
na experincia possibilitaram a identificao dos
temas e seus subtemas, que revelaram os
significados e as vivncias desveladas nos universos
que compe a experincia. Por fim, ao
compreendermos como a construo do papel de me
emerge na experincia de tornar-se me de uma
criana com cncer, foi possvel identificar os
momentos relembrados de forma intensa. Esses
momentos regados de sentimentos e que jamais sero
esquecidos so chamados de momentos reveladores,
ou epifanias, que trazem um redirecionamento na
vida da me e na construo do seu papel na situao
de cncer do filho.
RESULTADOS
A compreenso e anlise das categorias e
subcategorias permitiu a identificao de dois temas:
VIVER O TEMPO DA DOENA, que composto pelos
subtemas DESCOBRIR-SE ME DE UMA CRIANA
COM CNCER e ARRISCAR-SE COM O TRATAMENTO,
e VIVER UM TEMPO DE LUTA PELA VIDA DA CRIANA,
que composto pelos subtemas PREPARAR-SE PARA
UM TEMPO DE BATALHA e LUTAR PELA VIDA DA
CRIANA.
Tornar-se me de criana com...Moreira PL, Angelo M.
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VIVER O TEMPO DA DOENA: Revela uma
conversa da me consigo mesma, um olhar
direcionado para si enquanto me. O trabalho interior
da me nesta nova condio de vida comea pela
sua aceitao de que o filho tem cncer e
continuamente permeado pelas incertezas inerentes
doena e necessidade de afastar a idia de morte
da criana. DESCOBRIR-SE ME DE UMA CRIANA
COM CNCER Viver o tempo do diagnstico,
vivenciando uma mudana inesperada e deparando-
se com a ameaa que a doena representa para a
vida do filho. Apesar disso, a me tenta recuperar o
equilbrio para dar incio difcil trajetria do cncer.
Descobrir-se me de uma criana com cncer No
querer perder tempo, revelando a necessidade de
agir rpido a fim de afastar a possibilidade de perder
sua criana. tambm Viver a incerteza do
tratamento, que representa as dvidas da me sobre
a doena, sobre como agir e cuidar do filho e do
prprio futuro da criana. Neste tempo de descoberta,
a me percebe que preciso Aceitar a idia de ser
me de uma criana com cncer, adaptando-se nova
situao e prosseguindo sua jornada.
A, veio aquela coisa de diagnstico, de transferncia
de um hospital pro outro e aqui, assim, tendo contato com outras
mes que eu fui sabendo e me adaptando com a idia, de ser,
me... Muitas crianas que hoje esto curadas e outras infelizmente
no conseguem, mas a cada caso um caso. Mas pra mim assim,
agora a gente est acostumando com a situao, mas no comeo,
pra mim foi muito, super difcil, difcil at hoje, mas no comeo
mais... Pra mim foi assim... (Me 6)
VIVER O TEMPO DA DOENA um tempo de
ARRISCAR-SE COM O TRATAMENTO, sendo essa a
sua nica opo mediante a possibilidade de perder
o filho. A me passa a Viver um tempo de temor, que
representa um tempo de escurido, no qual o que
acontecer no momento seguinte uma dvida.
Arriscar-se com o tratamento Vivenciar uma
sensao de impotncia, pois ao ver o filho sofrer, a
me percebe que h coisas que gostaria de fazer
para aliviar este sofrimento, mas que no esto ao
seu alcance. Para que seja possvel viver o tempo da
doena preciso Viver o tempo presente, tendo como
foco o agora. Envolve uma deciso da me sobre
como usar melhor o tempo que ela tem junto ao filho,
sendo cada dia uma nova oportunidade para lutar.
Ao mesmo tempo, preciso Acreditar que o tempo
da doena vai acabar, que sua criana um dia estar
a salvo da doena. A esperana de que vencero a
doena a ncora para que ela no desanime,
motivando suas decises como me.
Por que por mais que voc veja uma escurido, esse
tnel, vamos dizer assim, de coisas s ruins, de coisas que voc
no tem esperana, que voc pode sim acreditar, que l no fim,
por tudo que voc passar, mas l no fim sempre vai ter uma luz.
E que essa luz vai ser de grandeza, vai trazer muita alegria, tudo
aquilo que um dia voc achar que est perdido, que nada perdido,
que basta voc buscar, voc confiar, voc crer, se entregar, que
tudo vai vencer, que tudo pode. (Me 3)
VIVER UM TEMPO DE LUTA PELA VIDA DA
CRIANA: Revela a dimenso dos comportamentos
da me que se expressam nas interaes consigo
mesma, com a criana e com todos os elementos
envolvidos na experincia de doena do seu filho,
evidenciando a construo do seu papel de me de
uma criana com cncer. Representa a busca da me
em PREPARAR-SE PARA UM TEMPO DE BATALHA, um
tempo difcil que a doena trouxe consigo. A me
procura Conhecer o inimigo, ou seja, saber mais sobre
o cncer, buscando elementos importantes para se
fortalecer. Conforme vai conhecendo a doena, vai
conhecendo tambm outras pessoas que a vivenciam,
o que alimenta sua esperana e permite que ela
perceba que no a nica a lutar. Preparar-se para
um tempo de batalha um tempo de Fazer escolhas.
A vida do filho e as novas demandas da doena
passam a ser o foco de ateno e o que impulsiona
todas as decises, exigindo uma reorganizao dos
papis e redirecionando a vida. Sendo o filho a
prioridade neste tempo de batalha, necessrio
escolher um lugar seguro para o tratamento da
criana, que se baseia, principalmente, na segurana
que a instituio proporciona me, a criana e
famlia.
Porque eu sei da doena, a quer dizer, quando eu
descobri, eu no pensei duas vezes, eu vir pra S.P., eu sabia que
a minha filha menor estava bem, tem a minha me, tem as minhas
irms, tem um monte de gente pra cuidar dela l (...) Quer dizer,
eu s pensei no momento nela, no pensei no meu emprego que
eu larguei, no pensei em nada, nada, nada... Minha nica idia
era ela. O objetivo era ela, ir daqui com ela curada, eu acredito
que ela j at esteja, no pensei, eu no me preocupei com meu
emprego, no pensei mesmo. Tanto que quando eu vim pra c,
eu soube que tinha casa de apoio. Quando eu vim pra c, o meu
marido tava com medo: Tu louca, tu vai assim pra l, tu no
sabe como a estrutura l. Eu olhei e disse: Olha, P., eu posso
at ficar sentada l numa cadeira, a noite inteira do lado da minha
filha, mas contanto que eu traga ela curada! Isso pra mim no
problema nenhum! Quando eu cheguei aqui e eu vi toda essa
estrutura, no era nada do que ele estava pensando, tanto que
Tornar-se me de criana com...Moreira PL, Angelo M.
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quando ele veio tambm, ele viu como a estrutura era boa, tinha
casa de apoio se eu quisesse ficar...( Me 5)
LUTAR PELA VIDA DA CRIANA representa
os comportamentos da me ao estar junto criana
a todo tempo e Vivenciar a batalha junto ao filho. A
me busca acompanh-lo em todos os momentos da
luta contra o cncer. A me procura estar prxima e
disponvel para a criana em todos os momentos do
tratamento, tornando-se me em tempo integral, sem
descanso e vivendo em funo das necessidades do
filho doente. Lutar pela vida da criana tambm
Proteger o filho das ameaas que a doena ocasiona.
O seu cuidado um cuidado especial, protegendo a
integridade da criana e permitindo que ela continue
vivendo sua histria apesar do cncer. Para proteger
o filho, a me observa todos os detalhes, mesmo
aqueles que antes da doena provavelmente
passariam despercebidos. Ao lutar contra a doena,
a me percebe que fundamental Ser suporte para
a criana, que expressa uma srie de
comportamentos da me visando preparar o filho para
lutar contra o cncer. Isso significa no permitir que
ele desanime, fortalecendo-o na batalha,
proporcionando os subsdios necessrios para que ele
possa enfrentar a doena e no se entregar, e cultivar
a esperana de que tudo vai dar certo. A me conversa
com a criana sobre o cncer e o tratamento, no
mentindo ou escondendo os fatos, e estando atenta
a como e quando falar sobre a doena. Para lutar, a
me percebe que preciso Fortalecer-se na batalha.
Ela busca foras para lutar na f em Deus e na
esperana de um tempo sem a doena. A me
assume a luta pela vida da criana, mantendo-se firme
e acreditando que pode suportar todo aquele
sofrimento. Ela sente que pode ultrapassar qualquer
barreira para permanecer ao lado do filho, mas para
isso, preciso cuidar de si e da famlia. Assim, ao
vivenciar a luta pela vida do filho, protegendo e sendo
suporte para ele, buscando se fortalecer e fortalecer
a criana na luta contra a doena, a me capaz de
Sentir-se mais me. Ela capaz de se doar ao filho,
dando tudo de si mesma e ultrapassando qualquer
obstculo para v-lo bem. Tudo que faz no por
obrigao, mas pelo amor que sente como me
daquela criana. O seu amor parece aumentar e ser
mais forte do que antes da doena. este amor,
somado ao desejo de no querer que seu tempo com
a criana se acabe, que a faz agir e lutar junto ao
filho.
(...) Eu procuro assim, eu sou uma pessoa muito
positiva, sempre pensando o melhor, sempre pensando que vai
dar tudo certo. No vou te dizer que fcil, no fcil. Mas a luta
grande, a gente tem que estar sempre com fora, at para dar
fora pra eles, porque eles precisam. (...) Ento, quando eu contei
pra T. o que ela tinha, eu falei pra ela assim, ela tinha sete anos,
e eu falei: Filha, voc tem uma doena, no escondi nada, falei:
voc tem um cncer, no to fcil de curar como uma gripe, a
gripe muito mais fcil... S que ela d um pouquinho de trabalho,
s que a gente vai cuidar e a gente vai vencer. (...) Realmente foi,
foi um momento que eu acho at que eu me aproximei mais da T.
Porque quando a criana est normal, a gente at d carinho, a
gente conversa, a gente sempre foi muito amiga, mas quando
est passando por uma situao assim, eu acho que a gente se
aproxima mais... Ainda mais eu, estando aqui, meu tempo total
pra ela! (...) A minha parte comea em sempre dar fora pra ela,
tentar orientar ela no que for necessrio, esclarecer o que eu
puder pra ela, e cuidar das coisas dela, da alimentao. Cuidar de
mim tambm, porque eu tambm preciso (Me 7).
Ao buscarmos compreender a experincia de
ser me de uma criana com cncer percebemos que
existe uma interligao entre a parentalidade e a
temporalidade, ou seja, entre o tornar-se me e fazer
o papel de me e o tempo, que se manifesta enquanto
uma das essncias na construo deste papel. Assim,
foi possvel identificar as seguintes epifanias:
PERCEBER QUE SEU TEMPO COM A CRIANA EST
AMEAADO: Ao receber o diagnstico de cncer do
filho, a me percebe que no somente a vida da
criana est ameaada pela doena, mas que o seu
tempo como me desta criana tambm est sob
perigo. A partir deste momento se desencadeiam
todas as tomadas de deciso e uma srie de aes
da me a fim de que seu tempo como me daquela
criana no se acabe.
DECIDIR QUE ESTE O TEMPO DA CRIANA:
Ao perceber que a vida do seu filho est sob ameaa,
a me se depara com uma situao na qual
fundamental estabelecer uma prioridade para sua
vida, que ser o foco de suas preocupaes e em
torno da qual todas as suas decises sero tomadas.
Decidir que este o tempo da criana decidir que
ela ser o que h de mais importante na sua vida e
na vida da sua famlia, para que todos se preparem e
no se percam para o tempo difcil que est por vir.
LUTAR PELA CRIANA MOVIDA POR AMOR:
A me acredita que lutar pela vida da criana junto
dela o seu dever como me. Ela est na linha de
frente, o que significa assumir a luta junto dele, movida
pelo seu amor de me, como se esta luta tambm
Tornar-se me de criana com...Moreira PL, Angelo M.
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fosse sua, vivenciando a experincia em toda sua
plenitude. Este um tempo de sacrifcio, em que a
me busca fazer tudo o que puder fazer e estiver ao
seu alcance para manter a criana o mais longe
possvel do perigo que a doena representa.
A forma como esses momentos reveladores se
expressam na experincia de ser me de uma criana
com cncer est representada na figura a seguir:
Figura 1 - Tornar-se me de criana com cncer:
construindo a parentalidade
DISCUSSO
A parentalidade foi a ncora na busca da
compreenso de ser me de uma criana com cncer,
considerando que ser me fazer o papel de me.
Percebemos que o tempo se manifesta como uma
das essncias da parentalidade. O tempo e a
parentalidade se expressam nos comportamentos da
me, na tomada de deciso, na construo do seu
papel e no significado que ela atribui doena e ao
prprio ser me. A temporalidade est presente na
ameaa que a doena representa ao seu tempo com
a criana; nas tomadas de deciso e reorganizao
da me considerando o prprio tempo da doena e
da criana; no tempo em que o foco da sua vida
lutar pela vida do filho, cumprindo o papel que ela
acredita ser seu.
A essncia da maternalidade se expressou
nos fatores contextuais como a doena ameaadora
de vida e no compromisso da me de cuidar de seus
filhos. Para as mes cuidadoras de filhos que
morreram por AIDS, cuidar de seus filhos foi o que
elas tinham que fazer enquanto mes, ouvindo e
respondendo ao chamado da conscincia de fazer o
que elas acreditavam que cabia a elas como me,
mulher e ser humano(10). O cuidado protetor permeia
todas as aes da me com a criana, e para
proporcion-lo, a me sente a necessidade de ter
controle acerca da situao(11). Em nosso estudo, esse
chamado de conscincia vivenciado pela me ao
lutar pela vida da criana. O que cabe a ela como
me est presente nas suas aes, no seu papel de
me desempenhado pelo significado que d ao ser
me de uma criana com cncer. Proteger o filho
envolve tambm uma vigilncia intensa, e o nvel do
cuidado protetor mediado pelo tempo. No presente
estudo, a me, ao lutar pela vida da criana
desempenhando seu papel de me, ela busca a todo
o momento proteger o filho de forma a afast-lo de
qualquer agravo sua condio e da possibilidade
da perda. Na inter-relao entre a parentalidade e o
tempo, proteger o filho uma estratgia para que o
seu tempo como me no se acabe.
Tornar-se me de uma criana com cncer
pode ser considerada uma experincia de transio.
A transio na vida das pessoas pode ser planejada
ou acontecer inesperadamente. As transies da vida
podem ser diversas e tm sido descritas como os
caminhos pelos quais as pessoas enfrentam
mudanas(12). A experincia de transio pode
acontecer em decorrncia de mudanas na situao
de sade e doena nos indivduos, sendo considerada
complexa e multidimensional, e dentre suas
propriedades est o tempo. A transio a extenso
do tempo que se inicia com os primeiros sinais de
uma mudana, flui atravs de um perodo de
instabilidade, confuso e angstia e termina com um
novo comeo ou um perodo de estabilidade(13).
Viver o diagnstico de cncer do filho uma
experincia repentina e no planejada, assim como
o papel de me, que no fixo e que precisa ser
revisto, construindo-se um novo papel em funo do
inesperado. A experincia de ser me de uma criana
com cncer uma ruptura na sua biografia. O tempo
de vivenciar o diagnstico do filho e se descobrir me
de uma criana com cncer permeado pela
instabilidade de uma vida invadida pela doena. Com
o tempo, a me decide se arriscar com o tratamento
compreendendo que este o tempo da criana e de
lutar pela sua vida. Tudo que est ao seu alcance
feito para afastar a ameaa de morte representada
pela doena.
luz dos pressupostos do Interacionismo
Simblico, compreendemos que o papel da me
um papel multidimensional e que se expressa nos
comportamentos da me com o objetivo de afastar a
Viv
er o
tem
po d
a do
ena
Viv
er u
m te
mpo
de
luta
pel
a vi
da d
a cr
ian
a
Arriscar-se com o tratamento
Perceber que seu tempo com a criana est ameaado
Descobrir-se me de uma criana com cncer
Preparar-se para um tempo de batalha
Lutar pela vida da criana
Decidir este o tempoda criana
Lutar pela criana movidapor amor
PA
RE
NT
AL
IDA
DE
Tornar-se me de criana com...Moreira PL, Angelo M.
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possibilidade de perder a sua criana. Os significados
que ela atribui ao cncer se expressam nas aes,
reflexes, reorganizaes, decises e
responsabilidades. A partir do momento que a me
define sua situao como me de uma criana com
cncer, em interao com o self e com o outro,
iniciam-se suas aes, ou seja, ela cumpre com o
seu papel, tendo como objetivo de lutar pela vida da
criana sempre e em qualquer circunstncia.
CONSIDERAES FINAIS
Considerando a escassez de evidncias na
literatura que tem como foco a busca da compreenso
do multidimensional papel da me e da construo
da parentalidade na experincia de tornar-se me
de uma criana com cncer, acreditamos que este
estudo pode contribuir para um a construo de um
novo pensamento acerca desta experincia. Os
resultados mostram como a me, mesmo mediante
todo sofrimento ocasionado pela situao de doena
do filho, prossegue sua jornada como me e assume
a luta contra o cncer junto da criana. Novas
pesquisas podem e devem ser realizadas neste
sentido, visando a construo do conhecimento da
parentalidade na situao de doena.
Na aventura de cada famlia, ela vem ao
nosso encontro, s vezes apenas de passagem. Seria
muito bom para ela, que tal como naquela estalagem
beira do caminho, encontrasse algum esperando
por ela para poder servi-la, alivi-la de suas demandas
e restabelecer-se, recuperando foras para prosseguir
o caminho(14). A compreenso da experincia
vivenciada pela me da criana com cncer na
construo da parentalidade proporciona elementos
que podem direcionar mais precisamente as aes
de apoio e suporte que envolvem a assistncia de
enfermagem em oncologia peditrica. Acreditamos
que essas aes podem suprir as reais necessidades
da me e garantir a plena vivncia desta experincia
na complexa trajetria do cncer infantil.
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Tornar-se me de criana com...Moreira PL, Angelo M.
Recebido em: 28.5.2007
Aprovado em: 17.3.2008