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Atividades Interativas para a Construção do Campo Conceitual dos Números Inteiros 1 Márcia Bárbara Bini Sayonara Salvador Cabral da Costa Elaine Vieira Resumo Este trabalho, originado a partir de uma dissertação de mestrado, tem por objetivo compartilhar discussões a respeito das dificuldades de aprendizagem em Matemática. Confirmam-se essas dificuldades por meio de dados do INEP e procura-se apresentar as atividades interativas como uma sugestão para enfrentar tal situação, tentando melhorar pelo menos o que está ao alcance da escola. De acordo com a teoria de Vergnaud, o professor tem o importante papel de propor situações variadas capazes de contribuir para a construção dos conceitos. Nessa perspectiva, atividades interativas podem ser um recurso propício, pois o que se percebe é que as tarefas passam a ser executadas com prazer quando são interativas, provocando maior envolvimento dos estudantes que passam a confiar mais em si próprio, a acreditar na própria capacidade à medida que conseguem ser bem sucedidos em atividades para as quais se consideravam incompetentes, como ocorre com muitos estudantes em relação à Matemática. Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Atividades interativas. Construção de conceitos em Matemática. Introdução De acordo com avaliações realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais — INEP — os dados como os disponíveis no site De olho na Educação (2007), mostram que o aproveitamento escolar dos alunos deixa a desejar, estando aquém do considerado mediano. Dos alunos que concluem o Ensino Fundamental, por exemplo, apenas 13% dos estudantes conseguiram aprender o que era esperado para sua série, conforme mostra a Tabela 1. 1 Trabalho parcialmente financiado pela CAPES.

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Page 1: Construção do conceito de Números Inteiros - rc.unesp.br€¦ · De acordo com a teoria de Vergnaud, o professor tem o importante papel de propor situações variadas capazes de

Atividades Interativas para a Construção do

Campo Conceitual dos Números Inteiros1

Márcia Bárbara Bini

Sayonara Salvador Cabral da Costa

Elaine Vieira

Resumo

Este trabalho, originado a partir de uma dissertação de mestrado, tem por objetivo compartilhar discussões a respeito das dificuldades de aprendizagem em Matemática. Confirmam-se essas dificuldades por meio de dados do INEP e procura-se apresentar as atividades interativas como uma sugestão para enfrentar tal situação, tentando melhorar pelo menos o que está ao alcance da escola. De acordo com a teoria de Vergnaud, o professor tem o importante papel de propor situações variadas capazes de contribuir para a construção dos conceitos. Nessa perspectiva, atividades interativas podem ser um recurso propício, pois o que se percebe é que as tarefas passam a ser executadas com prazer quando são interativas, provocando maior envolvimento dos estudantes que passam a confiar mais em si próprio, a acreditar na própria capacidade à medida que conseguem ser bem sucedidos em atividades para as quais se consideravam incompetentes, como ocorre com muitos estudantes em relação à Matemática.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Atividades interativas. Construção de conceitos em Matemática.

Introdução

De acordo com avaliações realizadas pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais — INEP — os dados como os

disponíveis no site De olho na Educação (2007), mostram que o

aproveitamento escolar dos alunos deixa a desejar, estando aquém do

considerado mediano. Dos alunos que concluem o Ensino Fundamental,

por exemplo, apenas 13% dos estudantes conseguiram aprender o que

era esperado para sua série, conforme mostra a Tabela 1.

1 Trabalho parcialmente financiado pela CAPES.

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Tabela 1 - Percentual de alunos que aprendeu o que era esperado

para a sua série.

4a. série EF 8a. série EF 3a. série EM

Líng.

Port.

Matemáti

ca

Líng.

Port.

Matemáti

ca

Líng.

Port.

Matemáti

ca

BRASI

L

29,1

%20,4%

19,4

%13,0%

22,2

%12,8%

Fonte: De Olho na Educação - Saeb/Inep – 2005.

Estes resultados não podem ser considerados surpreendentes,

uma vez que, ao longo dos tempos, a Matemática tem sido uma

disciplina que amedronta os alunos por ser considerada difícil de ser

aprendida (Felicetti, 2007).

Nos últimos anos, com as mudanças ocorridas na legislação

educacional aconteceu um significativo aumento no número de

estudantes nas escolas públicas. Em função disso, os motivos que

justificam a permanência dessa clientela na escola não são os mesmos.

Parte deles vem em busca de novos conhecimentos, outra parte,

permanece na escola por exigência de lei e/ou por programas sociais.

Esse fenômeno da falta de reconhecimento da importância da

escola por parte dos próprios sujeitos que a constituem – os alunos - e

outros fenômenos, como a pobreza dos recursos disponíveis na escola,

marginalização social, problemas familiares, colaboram para

transformar e complexificar o trabalho do professor. Nesse contexto,

não basta saber o conteúdo que vai ensinar, é preciso conquistar os

estudantes, para que possa haver significativa construção dos

conceitos. As reflexões sobre o processo de educar, incluindo o papel

do professor como agente facilitador da aprendizagem dos alunos, a

importância da motivação dos alunos e a consciência de que o processo

é feito em parceria com governo, secretaria de educação, escola,

professores e alunos, parece ser imprescindível para que cada

professor possa colaborar para que a escola cumpra sua função e ainda

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melhorar os resultados que as escolas públicas têm obtido em

avaliações como a Prova Brasil, por exemplo.

De acordo com FELICETTI e GIRAFFA (2008, p. 4) “é necessário

arquitetar ao ensino de Matemática uma diversidade de práticas

pedagógicas que têm por perspectivas ajudar quem aprende a

compreender um corpo de saberes matemático.” Para isso, o professor

necessita se atualizar para acompanhar as mudanças ocorridas na

sociedade e com reflexos na escola. Com essa preocupação, a busca

por uma fundamentação teórica que possa subsidiar estratégias de

ensino torna-se quase uma obrigação para fortalecer o trabalho

desenvolvido em sala de aula.

A preocupação com a aprendizagem e, particularmente, com as

razões que justificam o baixo desempenho dos alunos de sextas séries

com relação aos conceitos que envolvem os números inteiros levou-nos

a investigar o impacto de situações interativas, como jogos e desafios,

sobre o envolvimento dos educandos nas atividades propostas em sala

de aula e, consequentemente, no seu desempenho na construção dos

conceitos matemáticos. Para isso procuramos subsídios teóricos nos

estudos de Vergnaud na área de Matemática (1993; MOREIRA, 2002) e

sua teoria dos Campos Conceituais (TCC), uma vez que seus estudos

têm como finalidade “propor uma estrutura que permita compreender

as filiações e rupturas entre conhecimentos, em crianças e

adolescentes” (VERGNAUD, 1993, p. 1).

Percebe-se o quanto é importante para o professor conhecer as

concepções, as atitudes, ou o que Vergnaud denomina de invariantes

operatórios ou de conhecimentos-em-ação dos estudantes. A

identificação desses elementos, que constituem o arcabouço cognitivo

dos esquemas que os estudantes trazem para enfrentar as situações

propostas em sala de aula, permite que os professores possam

organizar ações no sentido de ajudar a reverter a lógica inadequada

dos processos mentais utilizados.

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Para Vergnaud, o conhecimento se encontra organizado em

Campos Conceituais. Por Campos Conceituais, Vergnaud entende os

conjuntos de fatores, teorias, problemas típicos, situações que fazem

com que os conceitos sejam trabalhados e que dependem de conceitos

e representações inter-relacionados durante o processo cognitivo

(Moreira, 2002). O campo conceitual dos números inteiros compreende

desde conceitos básicos, como: o que é número inteiro? O que os

diferencia de outros, como os naturais? Relações com o cotidiano,

aplicações e teorias subjacentes ao seu uso, entre outros. Um campo

conceitual é ao mesmo tempo um domínio amplo e específico da

criança, concomitantemente escolar e não escolar. (Vergnaud, S.D.).

Um conceito, segundo Vergnaud (op. cit), é resultado da junção

de três conjuntos que precisam ser considerados ao mesmo tempo

quando se deseja estudar o desenvolvimento da aprendizagem. São

eles: Situações , Representações e Invariantes operatórios .

Para que um aluno possa (re)construir um conceito, ele precisa

de tempo e estar exposto a situações variadas planejadas pelo

professor, que lhe permitam dar significado a esses conceitos. São as

situações que darão significado aos conceitos (Moreira, 2002). Estes

resultados são alcançados por meio de suas representações, objetos e

frutos de seus esquemas. As representações evidenciadas pelos

estudantes nem sempre são aquelas que esperaríamos como resultado

do ensino; muitas vezes mostram-se espontâneas, provindas da intuição

e da aprendizagem ao longo de sua existência. Por exemplo, ensina-se

o conceito de número relativo, que vai de encontro a concepções

rotineiras como: números é medida de grandeza; adição é aumento;

subtração é diminuição.

Segundo Vygotsky (citado por Vergnaud, S.D.) é necessário

investimento em metodologias próprias para integrar conceitos

cotidianos com conceitos científicos. Vergnaud enfatiza que não há

conceito sem que haja a explicitação de mais um significantes.

Conceito implícito é meio conceito. Para explicitá-lo, sugere as

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constantes (invariantes) operatórias que são utilizados pelo sujeito em

sua atividade. O estudo do desenvolvimento de um conceito pressupõe

uma variedade de situações de referência, uma variedade de

significados e significantes. As dificuldades conceituais são superadas à

medida que os conhecimentos-em-ação são identificados e enfrentados,

o que se constitui em um processo lento, que vai acontecendo aos

poucos e não todo de uma só vez.

Nesta oportunidade, apresentamos um relato de uma abordagem

de ensino privilegiando situações-problemas contextualizadas e

principalmente interativas, em forma de jogos, com inspiração inicial

das atividades do Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS

(MCT/PUCRS), oriunda de uma pesquisa já finalizada (BINI, 2008).

Concomitante, será apresentada uma análise qualitativa do

desempenho dos estudantes com a descrição das ações do professor.

Essas ações foram concretizadas por meio de propostas de novas

situações no sentido de retomar e promover a conceitualização dos

temas abordados, tendo como referência a teoria dos campos

conceituais de Vergnaud. Como parceiros da investigação, foram

escolhidos vinte e sete alunos de uma sexta série de uma escola

pública.

A escolha por jogos é defendida por alguns autores, como Vieira

e outros (2007) e Flemimg (2003, p. 25), que assim se manifesta: “no

caso da Matemática podemos citar a importância dos jogos para

entender as características e propriedades dos objetos matemáticos e

conseqüentemente entender as estruturas algorítmicas e algébricas

usadas na resolução de problemas”; para Groenwald e Timm (2003),

além de ampliar as capacidades intelectuais, o jogo facilita a expressão

das idéias, contribuindo para que os alunos demonstrem seus

esquemas conceituais. Justamente esse aspecto é privilegiado nesse

trabalho.

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Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino da

Matemática (BRASIL, 1997, p. 47):

“os jogos podem contribuir para um trabalho de formação de

atitudes – enfrentar desafios, lançar-se a busca de soluções ,

desenvolvimento da crítica, da intuição, da criação de

estratégias e da possibilidade de alterá-las quando o resultado

não é satisfatório – necessárias para a aprendizagem

Matemática”.

Desenvolvimento do trabalho

Os elementos referentes ao conjunto numérico dos números

inteiros, que estiveram envolvidos durante o desenvolvimento do

trabalho estão ilustrados no mapa conceitual ou Figura 1, no qual a

elipse representa as fronteiras desse campo conceitual.

Figura 1 - Representação dos conceitos trabalhados no campo conceitual do Z.

No desenvolvimento das aulas, dois aspectos são enfatizados:

• a importância de o professor estar sempre alerta para detectar

dificuldades e esquemas equivocados dos alunos;

• a promoção por parte do professor de atividades (situações)

criativas que motivem, sejam prazerosas, mas que,

Re-conhecer Z

Resolução de Problemas

Retanumérica

Adição em Z

Subtração em Z

Multiplicação em Z

Divisão em Z

Aplicações do Z no cotidiano

Representação do Z

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principalmente, sejam eficazes para a integração do estudante

com o grupo na sala de aula e com a escola como um todo.

A hipótese é que jogos e desafios em sala de aula podem

promover uma mudança, se forem adequadamente trabalhados.

Para a coleta de dados, foram utilizadas as observações da

professora acerca do desempenho dos alunos, em sala de aula, em

atividades orais e escritas, em pequenos grupos e individuais. Ao longo

processo, que teve duração de três meses, quatro avaliações formais

sucederam-se, na aula seguinte a cada diagnóstico, o instrumento era

retomado e os estudantes tinham a oportunidade de comentar sobre

seus procedimentos e revisar alguns conceitos inadequados.

Com o propósito de favorecer o desenvolvimento do campo

conceitual do Conjunto Z (números inteiros), seguindo orientações de

Vergnaud (1996), oportunizou-se aos alunos vivenciar situações

variadas frente às quais pudessem ampliar e aprofundar os temas

estudados, além de explicitarem os conceitos-em-ação e teoremas-em-

ação que utilizavam.

Para iniciar o estudo de cada um dos conceitos envolvidos, partiu-

se de uma situação problema, envolvendo os conhecimentos prévios

dos estudantes, incentivando a participação. Na seqüência, variadas

situações davam prosseguimento ao processo de conceitualização no

campo conceitual dos números inteiros.

Foi possível perceber ao longo do processo, que a variedade de

situações era capaz de contemplar um número maior de estudantes na

construção dos conceitos.

A disponibilidade dos estudantes, o envolvimento deles com as

atividades, principalmente as interativas, favorecia a explicitação de

esquemas inadequados ou ainda em construção que dependiam de

mais subsídios.

As afirmações de Vergnaud a respeito de que um tipo apenas de

atividade não é suficiente para a construção significativa dos conceitos

foram corroboradas em nosso estudo; foram necessárias muitas e

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variadas situações para que cada conceito fosse compreendido por um

número cada vez maior de alunos.

Para que nossas palavras façam sentido ao leitor, apresentamos a

abordagem referente aos conceitos de reta numérica e adição e

subtração no conjunto Z ou dos números inteiros.

Ao trabalhar o conceito de reta numérica a professora2 partiu do

seguinte questionamento: Como os números naturais se encontram

organizados? A intenção era, conforme Vergnaud (S.D.), que o

professor tivesse acesso às concepções prévias dos alunos sobre o tema

que estava sendo iniciado, a fim de que ele pudesse planejar ações

futuras; ao mesmo tempo, os alunos eram incentivados a participar e

manifestaram algumas idéias que se contradiziam mutuamente:

• organizam-se da mesma maneira que os outros (positivos), só

colocando o menos na frente de cada número; por exemplo:

1, 2, 3, 4, 5, 6, ...

-1, -2, -3, -4, -5, -6, ...

• organizam-se com o positivo e o negativo, um do lado do outro:

1,-1, 2,-2, 3,-3, 4,-4, 5,-5, ...

• não existe ordem para esse tipo de número que tem sinal.

Só então a professora apresentou ao grupo a reta numérica com

a organização dos números inteiros. O objetivo não era confrontar

conceitos “errados” com “certos” mas, aproveitar sua concepções para

dar sentido ao conceito cientificamente aceito. Vergnaud (2002)

considera que as explicações verbais do professor têm grande

importância para que o educando possa compreender tanto conceitos

científicos como cotidianos. Elas permeiam todo esse processo de

construção e reconstrução do conceito de reta numérica.

2 A professora em questão é a primeira autora desse capítulo.

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Por outro lado, é relativamente comum os professores

considerarem que a apresentação formal de um conteúdo é suficiente

para que os alunos possam gerar esquemas mentais para o

entendimento do conteúdo. Uma vez apresentada a reta numérica,

poder-se-ia supor que os alunos teriam condições, de ter êxito em

outras situações nas quais fosse requerida a organização dos números

inteiros. No entanto, Vergnaud (1993) chama de “ilusão pedagógica” a

crença de professores de que a construção do conhecimento se dá por

meio de “apresentação organizada, clara e rigorosa, das teorias

formais” (Moreira, 2002, p. 16). O estudante depende das relações que

consegue estabelecer entre o conhecimento novo e os prévios, nas

situações que o professor lhe propuser; esse tem o importante papel de

mediador no processo de construção do conhecimento dos seus alunos.

Para isso precisa desafiá-los, oferecendo situações que os estimulem,

tornando-os hábeis e competentes na tarefa de desenvolver e aplicar os

chamados conhecimentos-em-ação em suas interações com situações-

problema.

Combinando os argumentos recém expostos, foi proposta uma

variedade de situações para os alunos. Dentre elas destacamos a

atividade interativa Labirinto Relativo (Grasseschi, 1999), Figura 2,

que propunha o seguinte desafio: cada aluno, dentro dos pequenos

grupos nos quais a turma havia sido dividida, deveria percorrer o

caminho desde a ENTRADA até a SAÍDA, sempre no sentido crescente

dos números. O vencedor seria aquele que chegasse primeiro no final,

provavelmente aquele que percorresse o caminho mais curto.

E

N

T

R

A

D

A

S

A

Í

D

A

- 18

-13

-3

-5 +3

-10

-15

-9

-16

-11

-12

+5

+14

+16

-14

-17

+7

-15-12

-13

-6 - 11

-10 - 7

- 1- 2

- 8

0+ 2

+ 11

- 9

+ 14

+ 4 + 13

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Figura 2 – Labirinto Relativo.

Fonte: Grasseschi (1999).

A execução da atividade possibilitou que fossem explicitados

alguns conceitos e teoremas-em-ação relacionados ao conceito de

ordem dos números inteiros, como os exemplificados a seguir:

• “para ordenar os números, sempre colocamos o menor

depois o maior”, generalizado para os casos: 0, 1, 2, 3 ... e

-1, -2, -3 ..., neste último caso, considerando -3 maior que

-2.

• “o zero deve ficar bem no meio e os números iguais, um de

cada lado”, teorema baseado no conceito de espelho.

• “se x é maior que y, então –x é maior que – y”;

Os resultados apontavam para a necessidade de situações que

permitissem aos alunos revisar conceitos mal consolidados. Para

Vergnaud, “é preciso, às vezes, desestabilizar profundamente as

concepções dos alunos, para fazer com que eles compreendam

fenômenos e conceitos novos ou adquiram novas competências”

(Vergnaud, S.D., p.7). Ainda que o insucesso de alguns pudesse ser

considerado natural, levando em conta que a formação de um conceito

depende de muitas situações, era necessário levar em conta que a

construção de um conceito pode ser mais lenta para alguns alunos.

O novo desafio foi o “Baralho dos Números Inteiros”, Figura 3,

composto por 21 cartas, com números entre -10 e +10. A situação a ser

desenvolvida tinha por objetivo mais uma vez, a reconstrução do

conceito de reta numérica.

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Figura 3 – Foto do Baralho dos Números Inteiros.

A atividade consistia em organizar as cartas do baralho de acordo

com a ordem na reta numérica.

Outro tipo de situações foram propostas a partir das vivências

dos alunos e resolvidas em pequenos grupos, duplas ou trios. Por

exemplo:

1. Observe o “espelho” da 6ª série A:

Keila Willian Luiz Pablo

Ana Junia Diane Andersom

Jaqueline Joseane Tairone Roger

Elinton Edson Dara Cleber

Fernanda Marlize Jucelem Marcelo

Mateus Kettlin Jeferson

Everson Allán

Jakson Giovani Tiago

a) Considerando a segunda coluna como uma reta numérica (vertical)

de números inteiros, e escolhendo a Marlize como ponto zero, que

posição o William está ocupando nessa coluna?

b) Qual a distância entre o Willian e o Everson?

Queremos deixar claro que novos conceitos foram sendo agregados

ao conceito de organização dos números inteiros, envolvendo conceitos

do cotidiano, como localização distância entre objetos, de forma a

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validar a importância do estudo que estava sendo feito para a vida dos

alunos. O trabalho desenvolvido contribuiu para que a grande maioria

dos estudantes conseguisse construir de maneira significativa o

conceito de reta numérica. Essa construção continuou quando os

estudos referentes à adição e subtração de números inteiros foram

introduzidos. Novamente, a professora partiu de uma situação-

problema:

Dona Maria tinha setenta reais e gastou noventa e quatro no

mercado do seu Manoel. Quanto foi que Dona Maria ficou devendo?

A resposta deles foi unânime: “Não dá professora. Não se pode

tirar 94 de 70”. O fato de muitos deles estarem acostumados a ouvir,

durante as séries iniciais que não se pode diminuir um número maior

de outro menor parece ser a causa mais provável de conceito

consolidado e aplicado por eles. Na visão de Vergnaud identifica-se

aqui um primeiro conhecimento-em-ação: “não se pode diminuir um

número maior de um número menor”.

Foi necessário possibilitar situações visando o rompimento e a

superação desse conceito. Uma delas foi propor discussão referente a

comprar no crediário, financiar ou comprar fiado. Essa última opção é

prática comum para a maioria das famílias dos alunos e dos próprios

alunos na cantina da escola.

Na seqüência, foi aproveitado o “Baralhos dos números inteiros”

anteriormente trabalhado, mas, com nova orientação: Organizar, num

determinado período de tempo, as cartas em conjuntos de três cartas,

de modo que a soma seja zero, excluindo-se a carta zero do baralho.

A professora apresentou um exemplo para a tarefa, escolhendo as

cartas: . Sugeriu-se que cada grupo anotasse os

conjuntos de cartas escolhidas.

Os estudantes se empenharam e conferiam as respostas antes de

entregar a tarefa. Essa prática de conferir a resposta não é comum em

-1 -9 +10

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outros tipos de atividades. Percebeu-se que para formar os conjuntos,

os alunos se referiam aos números negativos como dívida e os positivos

como dinheiro no bolso. Essa explicitação dos esquemas permite ao

professor acompanhar a construção dos conceitos de adição e

subtração.

Atividades interativas parecem provocar nos estudantes,

significativa mudança de atitude: ao mesmo tempo em que são

realizadas com disposição e participação de praticamente todos os

membros, as respostas são conferidas antes de serem consideradas

“prontas”. A inegável manifestação de entusiasmo de todos os

estudantes apontava para a relevância das situações interativas. E

sabendo-se que a construção de um conceito, depende de variadas

situações, propôs-se outros desafios. Dentre eles podemos citar as

pirâmides, Figura 4, com a orientação: Complete as pirâmides, levando

em conta que cada compartimento representa a soma dos dois

compartimentos de baixo.

Figura 4. Representação do desafio Pirâmides.

Fonte: Giovanni (2002).

O desempenho dos grupos para os casos a) e b) foi diferenciado:

nesse último, alguns grupos tiveram mais dificuldades para interpretar

a tarefa, fato que não aconteceu no primeiro; com a ajuda da

professora para essa interpretação, fizeram a tarefa pedida.

Além desse tipo de atividades interativas, foram propostas

operações de soma e subtração no formato tradicional e a resolução de

problemas envolvendo a regra de sinais. A diferença de motivação era

evidente a favor das atividades de jogos ou desafios

-8 5 -9 2 -1 0 -10 -2 4

6

a)b)

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Ao longo de todo o trabalho os estudantes eram incentivados a

explicitar os teoremas-em-ação que justificavam seus procedimentos.

Dentre os teoremas utilizados, menciona-se:

• “menos com menos dá mais”, generalizado para qualquer

operação envolvendo números: - 2 – 3; (-2) – (-3); - 5 – (-4).

A experiência de professores que trabalham com Matemática

corrobora que, não raras vezes, esses “teoremas-em-ação”

permanecem ativos quando o aluno freqüenta o nível médio e mesmo

superior. De acordo com COSTA (2004, p. 103), “o sujeito constrói

determinados esquema e o utiliza para assimilar uma classe de

situações, ou seja, usa sempre o mesmo esquema para cada situação

dessa classe”, podendo este, ser adequado ou não.

A constatação de que alguns estudantes ainda se apoiavam em

esquemas inadequados, motivou a utilização de outras atividades

interativas como o quebra-cabeça da Figura 5, cujo propósito, era

montar as peças de acordo com o resultado das operações que

apresentavam.

Figura 5. Foto do Quebra-cabeça-triangular.

Na seqüência, os estudantes receberam uma lista de tarefas

comumente encontradas em livros didáticos e avaliações, como a prova

Brasil, por exemplo, as quais dependiam dos conceitos até então

discutidos.

Ao final do trabalho com esses temas, os estudantes

apresentaram uma evolução significativa no seu desempenho, frente à

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variedade das situações propostas, nem todas aqui apresentadas para

não estendermos demasiadamente a apresentação. Assim mesmo,

estamos conscientes de que esse não é o final do processo de

construção desses conceitos. Ela continua ao longo de toda vida do

aluno.

Considerações finais

Como mencionado no início, nosso objetivo foi apresentar um

relato de uma abordagem de ensino de Matemática que viesse a

reverter os resultados apontados pelo INEP (2005) sobre a

aprendizagem nessa área, bem como o papel do professor como

facilitador da aprendizagem. Para esse último aspecto, fundamentamo-

nos na teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud para justificar as

ações e análise do desempenho dos processos de ensino e de

aprendizagem. .

O fato de priorizarmos atividades interativas também contribuiu

para uma formação mais ampla, considerando a socialização e a

integração escolar. Para ETCHEVERRIA e MORAES (2008, p. 7), “a

realização das atividades, com envolvimento e prazer, resulta em

aprendizagens que provocam a busca por maior fundamentação, pois o

interesse despertado estimula para que haja interação,

questionamento, discussão de idéias e empenho em fazer o seu

melhor”.

Foram grandes as dificuldades encontradas pelos alunos durante

o processo de conceitualização da reta numérica. Pôde-se constatar

que alguns demonstram um raciocínio que não é exatamente o que o

professor esperaria frente às discussões promovidas em aula. Para a

teoria dos Campos Conceituais, há uma explicação: a lentidão do

processo depende da ação do professor em diagnosticar e prover

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situações que permitam ao aluno a explicitação e eventuais correções

de seus conhecimentos-em-ação.

Conhecer o que Vergnaud denomina de invariantes operatórios

ou de conhecimentos-em-ação que estão sendo utilizados pelos

estudantes e as concepções que fundamentam esses procedimentos é

imprescindível para que o professor possa propor situações, que visem

levar o aluno a reconstruir esquemas satisfatórios para um

determinado conceito, caso seja necessário. Para isso, é preciso dar voz

ao aluno para que explicite quais os conceitos-em-ação que utilizou em

suas resoluções.

Nesse sentido, podemos afirmar que os jogos e desafios

favorecem momentos de interação dos estudantes entre si e dos

estudantes com os novos conhecimentos. Ao jogar, o estudante é

levado a fazer análises, chegar a conclusões e tomar decisões. Essas

atitudes e habilidades desenvolvidas pelo sujeito serão importantes em

outros momentos de suas vidas. Os estudantes passam a confiar mais

em si próprio, a acreditar mais na própria capacidade à medida que

conseguem ser “sujeitos” nas atividades propostas Essa melhoria da

auto-estima pode ser adquirida por meio do uso de jogos e é de vital

importância para a continuidade da sua caminhada como estudante.

Comparada com a resolução de problemas de papel e lápis, é

notória a preferência dos alunos por jogos e/ou atividades interativas.

O jogo se constitui em um meio no qual o individuo é impelido a

construir e re-construir seus pontos de vista, suas opiniões, e rever

suas atitudes. Esse movimento constante de atenção a si próprio e aos

outros, leva-o ao desenvolvimento da capacidade crítica. De acordo

com Haetinger (2006, p.11), “o jogo é um elemento essencialmente

socializador e, conseqüentemente, algo muito importante para o

desenvolvimento humano”.

É importante o professor observar e intervir nos grupos durante

os jogos, mediar a construção com perguntas e comparações entre as

escolhas dos jogadores, fazer registros, possibilitar a troca de

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experiências entre os grupos e conhecer o procedimentos-em-ação que

estão sendo utilizados, visando planejar e propor situações que

colaborem para o rompimento com possíveis concepções errôneas,

viabilizando o desenvolvimento de esquemas satisfatórios.

Resta salientar que o uso e o interesse dos estudantes por

situações interativas, como jogos, também contribuiu para que o

processo fosse mais envolvente e contasse com a participação efetiva

dos estudantes. Depoimentos dos próprios alunos reforçam a

preferência por condições de estudo dinâmicas e interativas e,

certamente com a supervisão e atenção do professor.

Finalizamos esse relato com a esperança que tenhamos

contribuído para ratificar o papel do professor como agente promotor

de situações que favoreçam a aprendizagem, esperando incentivar

outros professores a buscar a excelência no ensino de Matemática e,

conseqüentemente, melhorar os baixos índices de aprendizagem

apresentados no início desse capítulo.

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