conseqÜÊncias comportamentais da atenÇÃoppgnc.propesp.ufpa.br/arquivos/prova de... · medindo...

17
Atenção INTRODUÇÃO Quadro 21.1 De Especial Interesse: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃO A ATENÇÃO PERMITE UMA DETECÇÃO AUMENTADA A ATENÇÃO ACELERA O TEMPO DE REAÇÃO A SÍNDROME DA NEGLIGÊNCIA COMO UM TRANSTORNO DA ATENÇÃO EFEITOS FISIOLÓGICOS DA ATENÇÃO ESTUDOS DE ATENÇÃO À LOCALIZAÇÃO EMPREGANDO IRM FUNCIONAL ESTUDOS DE ATENÇÃO A CARACTERÍSTICAS USANDO IMAGEAMENTO POR TEP AUMENTO DAS RESPOSTAS NEURONAIS NO CÓRTEX PARIETAL Quadro 21.2 A Rota da Descoberta: Descobrindo os Correlatos Neuronais da Atenção, por Robert Wurtz MUDANÇAS NO CAMPO RECEPTIVO NA ÁREA V4 COMO A ATENÇÃO É DIRECIONADA? O NÚCLEO PULVINAR ATENÇÃO E MOVIMENTOS OCULARES CONSIDERAÇÕES FINAIS 21 CAPÍTULO 21

Upload: others

Post on 06-Oct-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

Atenção

INTRODUÇÃO■ Quadro 21.1 De Especial Interesse: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOA ATENÇÃO PERMITE UMA DETECÇÃO AUMENTADA

A ATENÇÃO ACELERA O TEMPO DE REAÇÃO

A SÍNDROME DA NEGLIGÊNCIA COMO UM TRANSTORNO DA ATENÇÃO

EFEITOS FISIOLÓGICOS DA ATENÇÃOESTUDOS DE ATENÇÃO À LOCALIZAÇÃO EMPREGANDO IRM FUNCIONAL

ESTUDOS DE ATENÇÃO A CARACTERÍSTICAS USANDO IMAGEAMENTO POR TEP

AUMENTO DAS RESPOSTAS NEURONAIS NO CÓRTEX PARIETAL■ Quadro 21.2 A Rota da Descoberta: Descobrindo os Correlatos Neuronais da Atenção, por Robert Wurtz

MUDANÇAS NO CAMPO RECEPTIVO NA ÁREA V4

COMO A ATENÇÃO É DIRECIONADA?O NÚCLEO PULVINAR

ATENÇÃO E MOVIMENTOS OCULARES

CONSIDERAÇÕES FINAIS

21C A P Í T U L O

21

Bear_21.indd 643Bear_21.indd 643 07.02.08 17:39:0507.02.08 17:39:05

Page 2: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

644 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

INTRODUÇÃO ▼

Imagine-se em uma festa muito movimentada, com música alta e as conversas de centenas de pessoas. Embora você esteja sendo bombardeado por sons a par-tir de todas as direções, de algum modo você é capaz de concentrar-se na con-versação que está tendo, enquanto ignora a maior parte das demais conversas e do barulho. Você está prestando atenção a uma conversação. As suas costas, você ouve alguém mencionar seu nome e decide escutar discretamente. Sem voltar-se, você começa a focar sua atenção nessa outra conversação para descobrir o que estão falando de você.

O estado em que se processa simultaneamente distintas fontes de informa-ção é chamado de atenção. No sistema visual, a atenção nos permite a con-centração em um objeto entre muitos outros do campo visual. Interações en-tre distintas modalidades também podem ocorrer. Por exemplo, se você está realizando uma tarefa visual que demanda atenção, como a leitura, você será menos sensível aos sons que surgirem. A atenção está claramente relacionada com o processamento preferencial de informação sensorial. Em meio a todas as informações visuais, sons ou sabores que chegam a seu encéfalo, você é capaz de perceber seletivamente alguma informação e ignorar as demais.

A energia mental extra necessária para prestar atenção tem efeitos signifi ca-tivamente benéfi cos no desempenho de várias tarefas comportamentais. Embo-ra não seja simplesmente um problema de atenção, uma condição denominada transtorno do défi cit de atenção e hiperatividade demonstra quão críticos são os mecanismos da atenção (Quadro 21.1). O que acontece em nosso encéfalo

Quadro 21.1 D E E S P E C I A L I N T E R E S S E

É sua última aula, no fi nal do ano, e você mal consegue focar o olhar em seu professor. Seu olhar vagueia pela janela, e você observa ansiosamente a grama verde e as árvores. De vez em quando, todos temos difi culdade em nos concentrar no traba-lho, sentarmos quietos e resistirmos à vontade de fazer outras coisas. No entanto, para milhões de pessoas, a síndrome que acabou sendo chamada de transtorno do défi cit de atenção e hiperatividade (TDAH, da sigla em inglês para attention defi cit/hyperactivity disorder) interfere séria e rotineiramente na capa-cidade dessas pessoas de realizar tarefas.

Os três traços comportamentais comumente associados a TDAH são desatenção, hiperatividade e impulsividade. Crianças normalmente exibem esses traços muito mais do que adultos, mas se esses comportamentos são signifi cativamente pronun-ciados, a TDAH pode ser diagnosticada. Com base em algumas estimativas, 5 a 10% de todas as crianças em idade escolar no mundo inteiro apresentam TDAH, e o transtorno interfere no trabalho escolar e na interação entre colegas. Estudos de acom-panhamento mostram que muitas pessoas diagnosticadas com TDAH continuam a exibir alguns sintomas quando adultos.

Embora a causa da TDAH não seja conhecida, há diversas pistas. Por exemplo, pesquisadores têm descrito, mediante varre-dura por RMf, que muitas estruturas encefálicas, incluindo o cór-tex pré-frontal e os núcleos da base, seriam menores em crianças com TDAH. Não se sabe o quanto essas diferenças são compor-tamentalmente signifi cativas, além de não serem sufi cientemente confi áveis para diagnosticar o transtorno. O possível envolvimento

dessas estruturas é intrigante, contudo, pois há muito tempo elas têm sido implicadas na regulação e no planejamento do compor-tamento. Você deve lembrar-se de Phineas Gage, que apresentou uma enorme difi culdade em fazer planos e seguir seus projetos após uma séria lesão no córtex pré-frontal (ver Quadro 18.1).

Muitas evidências sugerem que a hereditariedade tenha um papel signifi cativo na TDAH. Crianças de pais com TDAH são mais propensas a desenvolvê-la do que crianças de pais sem o transtorno, e uma criança é muito mais propensa a ter TDAH se seu gêmeo idêntico também for afetado. Fatores não-genéticos, como lesões encefálicas e nascimento prematuro, também po-dem estar envolvidos. Muitos genes relacionados à função dos neurônios dopaminérgicos têm sido descritos como estando anormais em pessoas com TDAH. Isso inclui o gene para o re-ceptor dopaminérgico D4, o gene do receptor dopaminérgico D2 e o gene do transportador de dopamina. Vimos, em diversos capítulos anteriores, quão importante é a transmissão dopami-nérgica para uma variedade de comportamentos, sendo um de-safi o esclarecer o envolvimento da dopamina na TDAH.

No momento, o tratamento mais comum para a TDAH, além de terapia comportamental, são drogas como a Ritalina (metilfenidato). A Ritalina é um estimulante leve do sistema ner-voso central, similar às anfetaminas. Ela também inibe o trans-portador de dopamina, aumentando o efeito pós-sináptico desse neurotransmissor. Em muitas crianças, a Ritalina diminui a impulsividade e a desatenção com sucesso, apesar de ainda existirem dúvidas quanto à segurança do seu uso prolongado.

Transtorno do Déficit deAtenção e Hiperatividade

Bear_21.indd 644Bear_21.indd 644 07.02.08 17:39:0607.02.08 17:39:06

Page 3: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃO 645

quando dirigimos nossa atenção a algo? Estudos utilizando imagens de encé-falos humanos e registros de neurônios individuais mostram que a atividade cortical é signifi cativamente alterada pela atenção que exercemos. Entretan-to, antes de considerarmos os refl exos neurais da atenção, examinemos uns poucos achados-chave acerca das manifestações comportamentais da atenção. Enfocaremos a atenção visual, para a qual estudos comportamentais estão mais proximamente correlacionados com a pesquisa fi siológica.

CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS ▼DA ATENÇÃO

Na maioria das situações em que queremos escrutinar visualmente algo, mo-vemos nossos olhos de forma que o objeto de interesse é projetado na fóvea de cada olho. Implícito a esse comportamento, está o fato de que, na maior parte das vezes, estamos prestando atenção a algo projetado em nossa fóvea. Entre-tanto, é possível deslocarmos a atenção para objetos projetados em outras par-tes da retina, que não a fóvea. Essas mudanças de atenção para alguns locais na retina aumentam o processamento visual de várias maneiras. Analisemos duas delas: detecção aumentada e tempos mais rápidos de reação.

A Atenção Permite uma Detecção AumentadaA Figura 21.1 mostra um experimento que estuda os efeitos do direcionamento da atenção visual para diferentes locais. A observadora fi xava sua atenção em um ponto central, e sua tarefa era dizer se um estímulo-alvo havia aparecido em um sítio à esquerda do ponto de fi xação, à direita, ou se não aparecera. A tarefa era difícil, porque o alvo apresentado era pequeno e aparecia muito brevemente. O experimento apresentava diversos procedimentos especiais para identifi car os efeitos da atenção. Cada teste iniciava com a apresentação de um estímulo que funcionava como uma dica, no ponto de fi xação. Essa dica era um sinal de mais (+), uma seta apontando para a esquerda ou uma seta apontando para a direita. Após o estímulo-dica ser apagado, seguia-se um período variável de tempo, durante o qual o ponto de fi xação era observado. Em metade dos testes, não havia estímulos posteriores e, na outra metade, um pequeno círculo era mostrado durante 15 ms, ou à esquerda ou à direita.

Um elemento importante do experimento é que a dica era utilizada para direcionar a atenção. Se a dica fosse um sinal de mais, era igualmente provável que o pequeno círculo aparecesse à esquerda ou à direita. O sinal de mais era, portanto, uma “dica neutra”. Se a dica era uma seta para a esquerda, era quatro vezes mais provável que o sinal-alvo aparecesse à esquerda, e não à direita. Se a dica era uma seta para a direita, era quatro vezes mais provável que o sinal aparecesse à direita, e não à esquerda. Se o alvo aparecesse no lado indicado, a dica era “válida”; a dica era “inválida” se apontasse para longe do local onde o sinal apareceria. A observadora deveria manter seus olhos direcionados bem à frente. Para conseguir um maior número de respostas corretas na difícil tarefa de detecção de sinais, era vantajoso utilizar a dica. Por exemplo, se a dica era uma seta para a esquerda, seria mais vantajoso prestar mais atenção no lado esquerdo do ponto de fi xação.

Para cada participante do experimento, os dados coletados consistiam na percentagem de vezes em que o círculo era detectado corretamente. Uma vez que não havia círculo (estímulo-alvo) na metade dos testes, os observadores não podiam ter uma alta percentagem apenas “chutando” (p. ex., dizendo sempre que o alvo apareceria onde a seta apontasse). Nos testes em que a dica era um sinal de mais, os observadores detectavam o estímulo-alvo em cerca de 60% das vezes em que ele era apresentado. Quando a dica era uma seta para a direita, os observadores detectaram o estímulo-alvo à direita em 80% das vezes em que o mesmo aparecia. Entretanto, quando a seta apontava para a direita, os observadores detectavam o estímulo-alvo à esquerda em apenas 50% das vezes em que ele era apresentado. Quando as setas apontavam para

Bear_21.indd 645Bear_21.indd 645 07.02.08 17:39:0607.02.08 17:39:06

Page 4: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

646 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

a esquerda, os resultados eram semelhantes. Esses resultados estão resumidos na Figura 21.2.

O que signifi cam esses dados? Para responder a essa pergunta, devemos imaginar o que fazia um dos observadores. Evidentemente, a expectativa do observador, com base nas dicas, infl uenciou sua capacidade de detectar os círculos-alvo subseqüentes. Parece que as setas (dicas) levaram a observado-ra a deslocar sua atenção para o lado para onde elas apontavam, apesar de os olhos não se moverem. Presume-se que esse deslocamento não-aparente da atenção facilitava a detecção dos sinais que apareciam na tela, em comparação com testes em que a dica era apenas um sinal de mais. Por sua vez, a observa-dora era menos sensível à detecção dos círculos-alvo quando esses apareciam do lado oposto àquele para o qual a seta apontava. Com bases nesses resul-tados e em muitos outros experimentos similares, nossa primeira conclusão acerca dos efeitos comportamentais da atenção é que a atenção torna mais fácil a detecção das coisas. Essa é provavelmente uma das razões pelas quais somos capazes de ouvir alguém falando no meio de muitas outras conversas, quando dirigimos a essa pessoa a nossa atenção.

Local ao quala atenção estádirecionada

Ponto de fixação

A atenção édirecionadapara a direita

O alvo aparece nalocalização que forasinalizada

Dica

O alvo aparece emlocalização que nãofora sinalizada

FIGURA 21.1Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma observadora mantém uma fi xação contínua, uma dica visual lhe direciona a atenção para um determinado lado da tela do computador. Em cada tentativa, a observadora indica se o alvo circular pode ser visto em um ou outro lado da tela.

50

0

100

Det

ecçã

o do

alv

o (%

)

Inválida Neutra

Dica

Válida

FIGURA 21.2O efeito da dica na detecção de alvos. Os participantes devem relatar se um pequeno círculo é detectado à esquerda ou à direita do ponto de fi xação. Em algumas tentativas, a dica é neutra, não havendo indicação do lado em que o círculo aparecerá. Os participantes detectaram o círculo em uma percentagem maior de tentativas quando uma pequena seta, no ponto de fi xação, indicava corretamente o lado no qual o alvo apareceria (i.e., uma dica válida). Se a dica era inválida, apontando para o lado contrário àquele em que apareceria o círculo, esse apresentava menor probabilidade de ser detectado.

Bear_21.indd 646Bear_21.indd 646 07.02.08 17:39:0607.02.08 17:39:06

Page 5: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃO 647

A Atenção Acelera o Tempo de ReaçãoEm estudos acerca da percepção, utilizando uma técnica experimental seme-lhante àquela descrita anteriormente, os pesquisadores demonstraram que a atenção aumenta a velocidade de reação. Em um experimento típico, um ob-servador fi xava o olhar em um ponto central de uma tela de computador, e estímulos-alvo apareciam tanto à esquerda quanto à direita desse ponto. Nes-se experimento, porém, pedia-se que o observador esperasse até perceber o estímulo em qualquer um dos lados e, então, pressionasse um botão. Media-se o tempo decorrido para o observador reagir à apresentação de um estímulo e pressionar o botão. Precedendo o estímulo-alvo, também havia um estímulo-dica, que era um sinal de mais ou uma seta para a direita ou para a esquerda. As setas indicavam o lado no qual era mais provável aparecer o estímulo, en-quanto que o sinal de mais signifi cava que havia a mesma probabilidade de o estímulo aparecer em qualquer dos lados.

Os resultados desse experimento demonstraram que os tempos de reação do observador são infl uenciados pelo lado para o qual a dica direcionava sua atenção. Quando a dica era um sinal de mais, o observador levava de 250 a 300 ms para pressionar o botão. Quando a seta indicava corretamente o sítio em que o alvo ia aparecer (p. ex., seta para direita, alvo à direita), os tempos de reação eram 20 a 30 ms mais rápidos. Ao contrário, quando a seta apontava para um lado, e o alvo aparecia no lado oposto, o observador levava 20 a 30 ms mais para reagir ao sinal e pressionar o botão. O tempo de reação inclui o tempo para a transdução no sistema visual, tempo para o processamento vi-sual, tempo para tomar a decisão, tempo para codifi car o movimento do dedo e tempo para pressionar o botão. Mesmo assim, havia um pequeno, porém signifi cativo, efeito do direcionamento da atenção pela seta (Figura 21.3). Se assumimos que a atenção para objetos visuais não apresenta um efeito direto na transdução visual ou na codifi cação motora, fi camos com a hipótese de que a atenção pode alterar a velocidade do processamento visual ou o tempo de tomada de decisão para pressionar o botão.

A Síndrome da Negligência Comoum Transtorno da AtençãoNo Capítulo 12, discutimos brevemente a síndrome da negligência, na qual a pessoa parece ignorar objetos, pessoas e algumas vezes seu próprio corpo de um dos lados do eixo de seu campo visual. Alguns têm defendido a idéia de que essa síndrome resulta de um défi cit unilateral de atenção. As manifes-tações da síndrome da negligência podem ser tão bizarras, que difi cilmente acreditamos quando não as observamos diretamente. Em casos mais leves, o comportamento pode não ser aparente para a observação casual. No entanto, em casos mais graves, o paciente age como se metade do universo não mais existisse. Ele pode barbear apenas um lado da face, escovar os dentes só de um lado da boca, vestir somente um lado do corpo ou comer a comida que está apenas em um lado de seu prato.

Uma vez que a síndrome da negligência é menos comum após lesão do hemisfério esquerdo, ela tem sido estudada principalmente em função da ne-gligência da metade do espaço esquerdo, como resultado de lesão do córtex ce-rebral direito. Além de negligenciar objetos no lado esquerdo, alguns pacientes apresentam negação. Por exemplo, eles podem dizer que sua mão esquerda não está realmente paralisada ou, em casos extremos, eles recusam-se a acreditar que um membro do lado esquerdo seja parte do seu corpo. Veja a Figura 12.23 para um exemplo típico do senso distorcido do espaço que esses pacientes apre-sentam. Se lhes for pedido que façam um desenho, eles podem lotar de fi guras a metade direita, deixando a metade esquerda do papel em branco. Um exemplo especialmente dramático são as pinturas mostradas na Figura 21.4, feitas por um artista, após sua recuperação de um acidente vascular cerebral.

Se lhes for pedido que fechem os olhos e apontem para a linha central de seus corpos, os pacientes com a síndrome da negligência tipicamente apontam bem

FIGURA 21.3O efeito da dica no tempo de reação. Nas sessões utilizando dicas neutras, um sinal de mais não representa qualquer indicação da localização provável do alvo. Nas sessões em que a dica é válida, a dica tem a forma de uma seta, apontando para o local onde o alvo aparecerá, aumentando a velocidade de reação para a detecção do alvo. Quando a dica é inválida, apontando na direção oposta ao sítio de aparecimento do alvo, os tempos de reação são mais lentos. (Fonte: Adaptado de Posner, Snyder e Davidson, 1980, Figura1.)

250

200

300

Tem

po d

e re

ação

(m

s)

Inválida Neutra

Dica

Válida

Bear_21.indd 647Bear_21.indd 647 07.02.08 17:39:0607.02.08 17:39:06

Page 6: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

648 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

para o lado direito, como se houvesse um encolhimento do lado esquerdo. Se seus olhos são vendados, e pede-se que explorem objetos colocados em uma mesa a sua frente, os pacientes comportam-se normalmente ao explorar objetos à direita, mas somente por acaso irão procurar algo à esquerda. Todos esses exemplos apon-tam em direção a um problema em relacionar-se com o espaço a sua volta.

A síndrome da negligência é mais comumente associada a lesões no cór-tex parietal posterior do hemisfério direito, mas sua ocorrência também tem sido descrita após lesões no córtex pré-frontal do hemisfério direito, no cór-tex cingulado e em outras áreas. Pesquisadores têm proposto que o córtex parietal posterior está envolvido na atenção a objetos em diferentes posições no espaço extrapessoal. Se isso é verdade, então a síndrome da negligência pode ser uma ruptura na capacidade de deslocar a atenção. Uma evidência a favor dessa hipótese é que, algumas vezes, objetos no campo visual direito de pacientes com síndrome da negligência são anormalmente efetivos em captu-rar a atenção, e esses pacientes podem ter difi culdade em desligar sua atenção de um objeto nesse lado.

Não temos muita clareza sobre por que a síndrome da negligência vem, com mais freqüência, acompanhada de danos no hemisfério direito do que no es-querdo. O hemisfério direito parece ser dominante para a compreensão das re-lações espaciais, e, em estudos com comissurotomizados, tem-se mostrado que esse hemisfério é superior na resolução de quebra-cabeças complexos. Esses

FIGURA 21.4Síndrome da negligência. Dois meses após ter sofrido um acidente vascular cerebral no córtex parietal do lado direito, o artista fez seu auto-retrato (canto superior esquerdo). Praticamente não há o lado esquerdo da face nessa pintura. Três meses e meio após o acidente vascular (canto superior direito), havia algum detalhe à esquerda, mas muito pouco comparado ao lado direito. Seis meses (canto inferior esquerdo) e 9 meses (canto inferior direito) após o acidente vascular, houve uma melhora progressiva nos detalhes do lado esquerdo da pintura. (Fonte: Posner e Raichle, 1994, p.152.)

Bear_21.indd 648Bear_21.indd 648 07.02.08 17:39:0607.02.08 17:39:06

Page 7: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ EFEITOS FISIOLÓGICOS DA ATENÇÃO 649

achados parecem consistentes com a maior perda do senso espacial após lesões no hemisfério direito. Uma hipótese é que o hemisfério esquerdo esteja envolvi-da na atenção a objetos no campo visual direito, enquanto o hemisfério direito estaria envolvido na atenção aos campos visuais esquerdo e direito. Embora essa hipótese possa explicar os efeitos assimétricos das lesões hemisféricas esquerda e direita, até o presente há apenas evidências sugestivas para apoiar tal hipótese.

EFEITOS FISIOLÓGICOS DA ATENÇÃO ▼

O que está acontecendo em nosso encéfalo quando deslocamos nossa atenção para algo? Por exemplo, nos estudos comportamentais que discutimos, o desem-penho de um indivíduo é aprimorado porque a atividade neural em determina-da área encefálica é “melhor” de algum modo? Ainda que possamos conceber a atenção como um processo estritamente cognitivo de alto nível, experimentos demonstram que os efeitos da atenção podem ser observados em numerosas áreas sensoriais, estendendo-se desde a área V1 até áreas corticais visuais, nos lobos parietal e temporal. Observaremos inicialmente estudos de imageamento em encéfalos de humanos, mostrando que a atividade cerebral muda quando a atenção é dirigida para um estímulo, e consideraremos a seguir estudos em animais, que revelam os efeitos da atenção em neurônios individuais. Esses ex-perimentos mostram as conseqüências de manter-se a atenção em determinada localização ou característica. Apenas uns poucos estudos recentes têm investiga-do as áreas encefálicas que poderiam estar envolvidas em direcionar a atenção.

Estudos de Atenção à LocalizaçãoEmpregando IRM FuncionalUma observação-chave feita nos estudos comportamentais da atenção é que aumentos na detecção e no tempo de reação são seletivos para a localização espacial. Quando sabemos onde é mais provável aparecer um estímulo, direcio-namos nossa atenção para lá e processamos a informação sensorial com maio-res sensibilidade e velocidade. Uma analogia comum é que a atenção funcio-na como um holofote, movimentando-se para iluminar objetos de particular interesse ou signifi cância. Experimentos recentes utilizando imageamento por ressonância magnética funcional (IRMf) de encéfalos humanos sugerem que pode haver mudanças seletivas na atividade cerebral associadas a deslocamen-tos espaciais da atenção.

No aparelho de IRMf, os participantes de um experimento viam um es-tímulo que consistia em segmentos lineares coloridos, arranjados em setores circulares a várias distâncias do ponto central de fi xação (Figura 21.5a). Era in-formado aos participantes para qual setor deveriam prestar atenção, sendo que esse local mudava a cada 10 segundos. Durante esse período de 10 segundos, a cor e a orientação dos segmentos lineares mudava a cada 2 segundos. Cada vez que o segmento linear mudava, a tarefa do sujeito era pressionar um botão caso as linhas fossem azuis e horizontais ou cor-de-laranja e verticais, e um segundo botão se as linhas fossem azuis e verticais ou cor-de-laranja e horizontais. A razão para fazer os participantes realizarem essa tarefa era forçá-los a prestar atenção a um determinado setor do estímulo. Lembre-se que os sujeitos sempre mantinham o olhar fi xado no centro do estímulo.

O aspecto fascinante desse experimento é o que ocorre quando muda o local do setor onde a atenção está fi xada. A Figura 21.5b mostra a atividade encefálica registrada com a atenção direcionada a cada um dos quatro setores, a distâncias cada vez maiores em relação ao ponto de fi xação. Observe como as áreas de maior atividade encefálica se movem do pólo occipital, à medida que o setor para o qual a atenção está dirigida se move para longe da fóvea. O padrão de atividade encefálica desloca-se retinotopicamente, apesar de os estímulos visuais serem os mesmos, não importando para qual setor a atenção está vol-tada. A hipótese é que essas imagens mostram o efeito neural do “holofote” da atenção se movimentando para diferentes locais.

Bear_21.indd 649Bear_21.indd 649 07.02.08 17:39:0807.02.08 17:39:08

Page 8: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

650 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

(a)

(b)

FIGURA 21.5O holofote da atenção. (a) O estímulo visual. O estímulo (fi gura inferior) consiste em segmentos lineares azuis e cor-de-laranja, arranjados em setores que irradiam a partir do ponto central de fi xação. A orientação e a cor de cada setor muda a cada 2 segundos. Os quatro padrões em olho-de-boi indicam em vermelho o setor ao qual o participante é instruído a fi xar sua atenção. (b) Aumento da atividade no córtex visual. Os estímulos visuais estimularam um aumento da atividade em múltiplas áreas corticais visuais, mas certas porções da atividade aumentada estavam associadas à atenção ao setor. A atividade aumentada está indicada nessas imagens por amarelo e vermelho. (Fonte: Cortesia de J.A. Brefczynski e E.A. DeYoe.)

Bear_21.indd 650Bear_21.indd 650 07.02.08 17:39:0807.02.08 17:39:08

Page 9: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ EFEITOS FISIOLÓGICOS DA ATENÇÃO 651

Estudos de Atenção a Características Usando Imageamento por TEPOs achados com IRMf relatados anteriormente parecem consistentes com a ob-servação comportamental de que a atenção visual pode ser direcionada inde-pendentemente da posição dos olhos. Entretanto, a atenção envolve mais do que apenas a localização. Imagine-se caminhando em uma calçada lotada de uma cidade no inverno, procurando por alguém. Todos estão embrulhados em casacos pesados, mas você sabe que seu amigo estará usando um chapéu ver-melho. Ao focar mentalmente na cor vermelha, torna-se muito mais fácil achar seu amigo. Evidentemente, somos capazes de prestar especial atenção para cer-tos detalhes visuais, como a cor, de forma a melhorar nosso desempenho. Será que existe algum correlato, na atividade encefálica, dessa atenção para certas características? A resposta provém de estudos em humanos utilizando-se a to-mografi a por emissão de pósitrons (TEP).

Steven Petersen e seus colegas, na Universidade de Washington, utiliza-ram a TEP enquanto os sujeitos que participavam do experimento realizavam uma tarefa de discriminação entre imagens iguais e diferentes (tarefa igual-diferente; Figura 21.6). Uma imagem aparecia em uma tela de computador durante aproximadamente meio segundo; após um determinado intervalo, outra imagem aparecia. Cada imagem era composta de pequenos elementos que podiam variar em forma, cor e velocidade de movimento. A tarefa do observador era indicar se duas imagens sucessivas eram iguais ou diferentes. Enquanto a velocidade, a forma e a cor dos elementos podiam mudar entre as duas imagens, o observador era instruído para fazer os julgamentos com base em um ou em todos esses atributos. Assim, a atividade encefálica em respos-ta a estímulos idênticos podia ser medida quando a pessoa estava prestando atenção para os diferentes aspectos. É claro que a atividade encefálica simples-mente indicaria onde os neurônios estavam ativados pelos padrões visuais, a não ser que algo fosse adicionado ao experimento.

Para isolar o efeito da atenção, realizavam-se duas versões do experimen-to. Em experimentos de atenção seletiva, os participantes viam os estímulos e realizavam a tarefa de discriminação após serem alertados para prestar atenção em apenas um dos aspectos (forma, cor ou velocidade). Nos experimentos de atenção dividida, os participantes deviam monitorar todos os aspectos simulta-neamente, e seus julgamentos baseavam-se em mudanças de quaisquer desses aspectos. Os pesquisadores, então, subtraíam as respostas de atenção dividida das respostas de atenção seletiva para obter uma imagem de modifi cação na atividade encefálica associada somente à atenção a um aspecto.

A Figura 21.7 ilustra os resultados. Diferentes áreas do córtex apresenta-vam atividade aumentada quando diferentes aspectos dos estímulos estavam sendo discriminados. Por exemplo, enquanto o córtex occipital ventromedial era afetado pela atenção em tarefas de discriminação de cores e formas, o mesmo não acontecia com a discriminação de velocidade. Ao contrário, áreas no córtex parietal eram infl uenciadas pela atenção em tarefas de movimen-to, mas não por outras tarefas. Não é possível saber com certeza quais áreas corticais eram ativadas nesses experimentos, mas áreas com maior atividade nas tarefas de cor e de forma devem corresponder às áreas V4 e IT, e outras áreas corticais visuais, no lobo temporal. A área mais ativada ao desempe-nhar a tarefa de movimento fi ca próxima à área MT. Esses efeitos da atenção sobre diferentes aspectos são, em parte, consistentes com as propriedades de sintonização dos neurônios em áreas visuais extra-estriatais, discutidas no Capítulo 10.

O ponto importante a se apreender a partir desses e de outros estudos utilizando a TEP é que numerosas áreas corticais parecem ser afetadas pela atenção e que os maiores efeitos da atenção são observados mais em áreas “tardias” do que em áreas “iniciais” do sistema visual. A atenção aumenta seletivamente a atividade cerebral, mas as áreas particularmente afetadas de-pendem da natureza da tarefa comportamental realizada. Vamos examinar agora duas dessas áreas em detalhe e ver como os estudos em macacos ativos têm ajudado a esclarecer os efeitos neurais da atenção.

Padrão 1

Padrão 2

FIGURA 21.6Estímulos empregados para avaliar a atenção a características. O observador vê dois padrões na tela, cada qual contendo elementos que se movem e que podem mudar de forma, cor e velocidade de movimento. O observador responde, indicando se os estímulos são iguais ou diferentes. (Fonte: Adaptado de Corbetta et al., 1990, Figura 1.)

Bear_21.indd 651Bear_21.indd 651 07.02.08 17:39:0807.02.08 17:39:08

Page 10: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

652 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

Aumento das Respostas Neuronais no Córtex ParietalOs estudos de percepção discutidos anteriormente mostram que, em experimen-tos cuidadosamente elaborados, a atenção pode ser direcionada independente da posição dos olhos. No entanto, o que acontece normalmente quando você move os olhos? Vamos assumir que, quando você observa um objeto focado na sua fóvea, sua atenção também é direcionada para a fóvea. Se um forte raio de luz aparecesse na periferia de seu campo visual, você automaticamente faria um movimento sacádico na direção da luz, de forma que poderia vê-la com sua fóvea. Contudo, o que acontece com sua atenção? Ela moveu-se antes, durante ou após o movimento dos olhos? Estudos comportamentais têm mostrado que deslocamentos da atenção podem ocorrer em mais ou menos 50 milissegundos, enquanto os movimentos sacádicos levam cerca de 200 ms. Assim, é bem pro-vável que a atenção se volte para a luz antes que seus olhos se movam.

Com base na hipótese de que a atenção é direcionada antes do movimento dos olhos, um experimento foi realizado pelos neurofi siologistas Robert Wurtz, Michael Goldberg e David Robinson, no Instituto Nacional de Saúde dos EUA (Quadro 21.2). Eles registraram a atividade neural em vários locais em encéfa-los de macacos para determinar se, antes dos movimentos dos olhos, havia um aumento da atividade que poderia estar relacionada com a atenção. Assumindo que há uma relação entre deslocamento da atenção e movimento dos olhos, os pesquisadores examinaram partes do encéfalo envolvidas na geração de movi-mentos sacádicos.

Foram obtidos registros de neurônios no córtex parietal posterior de ma-cacos enquanto os animais realizavam uma tarefa comportamental simples (Figura 21.8). Acredita-se que essa área cortical esteja envolvida no direcio-namento dos movimentos dos olhos, em parte porque sua estimulação elétrica evoca movimentos sacádicos. Neurônios parietais possuem campos receptivos visuais um tanto grandes, compreendendo cerca de 25% do campo visual to-tal. Na tarefa, um macaco fi xava o olhar em um ponto da tela de um compu-tador; quando um estímulo-alvo aparecia em um sítio diferente, ele fazia um movimento sacádico para aquele local. Em cada teste, o campo receptivo de um neurônio cortical era localizado, e o estímulo-alvo era posicionado para aparecer em seu campo receptivo. Como era de se esperar, o neurônio era exci-

Medial esquerdo

Giro para-hipocampal

Sulcocentral

Lateral esquerdo

Medial direito Lateral direito

Corpo caloso

Sulcotemporalsuperior

FIGURA 21.7Efeitos da atenção visual específi cos para determinadas características. Em estudos de atenção seletiva com relação a experimentos de atenção dividida, a fi gura mostra onde a atividade encefálica, em imagens por TEP, era maior, conforme indicado pelos símbolos. Nos experimentos de atenção seletiva, as decisões entre estímulos iguais ou diferentes eram com base na velocidade (verde), cor (azul) ou forma (cor-de-laranja). (Fonte: Adaptado de Corbetta et al., 1990, Figura 2.)

Ponto de fixação

Tela

Alvo

Desvio doolhar devidoao movimentosacádico dosolhos

FIGURA 21.8Uma tarefa comportamental para direcionar a atenção de um macaco. Enquanto registros são feitos do córtex parietal posterior, o macaco fi xa o olhar em um ponto em uma tela de computador. Quando aparece um alvo periférico (normalmente no campo receptivo de um neurônio), o animal faz um movimento sacádico dos olhos em direção ao alvo. (Fonte: Adaptado de Wurtz, Goldberg e Robinson, 1982, p.128.)

Bear_21.indd 652Bear_21.indd 652 07.02.08 17:39:0807.02.08 17:39:08

Page 11: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ EFEITOS FISIOLÓGICOS DA ATENÇÃO 653

Quadro 21.2 A R O T A D A D E S C O B E R T A

Quando era estudante na Faculdade de Psicologia da Univer-sidade de Michigan, trabalhando com Jim Olds, descobri que a determinação da atividade neuronal subjacente a funções cog-nitivas superiores, como a atenção, requer tanto o registro da atividade no local correto do encéfalo quanto ter um animal experimental desempenhando a tarefa comportamental certa. Após assistir a uma conferência proferida por David Hubel, em 1961, imaginei que o sistema visual seria o local certo a ser es-tudado. A bela ordem e a especifi cidade de processamento no córtex visual primário parecia o local ideal para se observar a modulação resultante de fatores, como a atenção. O compor-tamento, porém, era um problema, pois os elegantes estudos de Hubel e Wiesel acerca dos campos receptivos de neurônios foram feitos em gatos anestesiados, e se esses animais estives-sem acordados, moveriam seus olhos como bem quisessem, tornando impossível estudar o próprio processamento visual que tornava o sistema atraente. No entanto, se eu pudesse es-tudar a resposta visual de neurônios durante períodos normais em que eles não estivessem movendo os olhos e mantinham o olhar fi xo, eu poderia estudar o processamento juntamente com o comportamento.

Tive a oportunidade de tentar essa abordagem após juntar-me ao laboratório de Ichiji Tasaki, no Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH, do inglês National Institute of Heal-th), em julho de 1966. Comecei recompensando um macaco com suco de frutas, quando ele detectava uma mudança em uma marca luminosa em uma tela a sua frente, uma mudança tão pequena que, esperava eu, ele teria de olhar diretamente para o ponto para observá-la. O macaco aprendeu a tare-fa rapidamente, e quando consegui reunir os equipamentos para os registros, estava pronto para testar minha hipótese. Eu havia tido a sorte de poder observar uma sessão de regis-tro de Hubel e Wiesel em Harvard, uns poucos anos antes, e Ed Evarts, do NIH, ajudou-me a adaptar o sistema de registro de neurônios que ele havia aperfeiçoado para macacos. Para o registro dos movimentos oculares, precisei delinear minha própria técnica para ajustar os eletrodos sobre a pele próxi-ma aos olhos. A técnica funcionou, mas os eletrodos caiam repetidamente, e eu não podia detectar movimentos peque-nos. Ainda assim, os resultados eram sufi cientemente bons para mostrar que o macaco estava de fato fi xando o olhar, e fi z meu primeiro registro do córtex visual na véspera do dia de Ação de Graças, em 1966. Foi um dos dias mais excitantes de minha vida. Fui capaz de mapear um campo receptivo de um neurônio V1, que respondia melhor a uma linha de

luz orientada, ligeiramente inclinada em relação à vertical. Eu soube então que minha técnica funcionava e tive uma dia de Ação de Graças muito feliz.

Passei a maior parte dos próximos dois anos desenvol-vendo meus métodos, que eram bastante dependentes de cartões lógicos (digibits), uma vez que estávamos na era pré-computadores. Construí uma confi guração desajeitada de aparelhos, mas que funcionava sufi cientemente bem para de-terminar as respostas para tais questões, como, por exemplo, se os neurônios do córtex visual comportavam-se de forma substancialmente diferente no animal acordado e no animal anestesiado e se esses neurônios eram ativados durante os movimentos oculares. As respostas a essas questões foram “não”. Minha euforia após aquele primeiro dia de Ação de Graças havia sido prematura; eu estava no local errado para as questões que estava propondo.

Decidi então estudar o outro ramo do sistema visual, o colículo superior, no teto do mesencéfalo, e a mim juntou-se Mickey Goldberg. Nos experimentos iniciais, não sabíamos exatamente onde estávamos no colículo e no tronco encefá-lico, e após um dia especialmente aborrecido, Michey opinou que o colículo devia ter sido colocado no encéfalo como uma área para fi siologistas praticarem, pois ele continha aparen-temente um de cada tipo de neurônio do encéfalo. Era uma observação incidental, mas relevante aqui: observamos que quando o macaco fazia um rápido movimento com os olhos (sacádico) em direção a um ponto de luz que caia dentro do campo receptivo de um neurônio do colículo, a resposta visual parecia ser aumentada. Imaginamos então uma tarefa para testar nossa hipótese: mantendo sempre o mesmo pon-to de luz, mas variando o fato de o macaco fazer um movi-mento sacádico em relação a ele ou a outro ponto do campo visual. A resposta aumentada ocorria apenas com movimen-tos sacádicos direcionados ao ponto em questão, e inferimos que esse aumento era um correlato da atenção do macaco em relação ao ponto. Experimentos subseqüentes explora-ram a relação entre o aumento e a geração de movimento, e se o efeito estava presente no córtex cerebral.

Muitos laboratórios agora utilizam paradigmas de atenção muito mais elegantes e descobriram tais respostas aumentadas em múltiplas áreas corticais. Enquanto meu laboratório e mui-tos outros têm desenvolvido as técnicas que tornam o sistema visual do macaco acordado uma pedra angular das neurociên-cias cognitivas, tudo ainda volta para o local certo no encéfalo, e para a correta pergunta comportamental.

Descobrindo os Correlatos Neuronais da Atenção

Por Robert Wurtz

Bear_21.indd 653Bear_21.indd 653 07.02.08 17:39:0807.02.08 17:39:08

Page 12: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

654 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

tado quando o estímulo-alvo aparecia em seu campo receptivo (Figura 21.9a). A observação-chave que Wurtz e seus colegas fi zeram, entretanto, foi que a resposta de muitos neurônios do córtex parietal estava signifi cativamente au-mentada (uma rápida rajada de potenciais de ação) quando o animal fazia um movimento sacádico subseqüente em direção ao estímulo-alvo (Figura 21.9b). Esse efeito era espacialmente seletivo, pois o aumento não era observado se o movimento sacádico fosse feito para um sítio fora do campo receptivo (Figura 21.9c). Essa observação é importante, porque indica que o encéfalo não estava apenas mais excitável de uma forma em geral.

O aumento que ocorria antes dos movimentos sacádicos é curioso, se consi-derarmos que os neurônios estavam simplesmente respondendo aos estímulos visuais. Por que uma resposta a um estímulo-alvo dependeria de um movimen-to dos olhos que ocorre bem depois que o estímulo-alvo é acionado? Uma expli-cação é que a atividade aumentada previamente aos movimentos sacádicos era uma conseqüência do desvio da atenção para o sítio dentro do campo receptivo daquele neurônio. Uma outra possibilidade é que a resposta aumentada seja um sinal pré-motor, relacionado com a codifi cação para o movimento subseqüente dos olhos, da mesma forma que neurônios do córtex motor disparam previa-mente a movimentos das mãos. Para verifi car essa possibilidade, eles realizaram uma variação no experimento, em que a resposta comportamental era um mo-vimento das mãos, em vez do movimento sacádico (Figura 21.9d). Novamen-te, houve uma resposta aumentada ao estímulo-alvo no campo receptivo. Isso mostra que a resposta aumentada não era um sinal pré-motor para o movimen-to sacádico, mas, na verdade, estava relacionada com a atenção.

Não é difícil de perceber como um aumento da resposta, do tipo observado no córtex parietal superior, pode estar envolvido nos efeitos comportamentais da atenção, discutidos anteriormente. Se a atenção, atraída para um ponto do campo visual por um estímulo-dica, aumenta a resposta a outros estímulos pró-ximos daquele ponto, isso poderia explicar o aumento espacialmente seletivo na capacidade de detectar um alvo. Da mesma forma, é concebível que uma resposta aumentada possa levar a um processamento visual mais rápido e, em última análise, a tempos mais rápidos de reação, como se observa em experi-mentos de percepção.

Mudanças no Campo Receptivo na Área V4Em uma fascinante série de experimentos, Robert Desimone e seus colegas, do Instituto Nacional de Saúde Mental, nos Estados Unidos, revelaram surpreen-dentes efeitos específi cos da atenção nas propriedades das respostas de neurô-nios da área V4 do córtex visual. Em um experimento, macacos realizaram a tarefa de discriminação igual-diferente, com pares de estímulos dentro dos cam-pos receptivos de neurônios V4. Como exemplo, suponha que uma determi-nada célula de V4 tenha respondido fortemente a barras verticais e horizontais de luz vermelha em seu campo receptivo, mas não tenha respondido a barras verdes, horizontais ou verticais. Então, as barras vermelhas foram estímulos “efetivos”, enquanto as barras verdes foram estímulos “inefetivos”. Enquanto o macaco olhava para o ponto de fi xação, dois estímulos (ou efetivo, ou ine-fetivo) eram exibidos brevemente em diferentes sítios no campo receptivo, e, após um certo intervalo de tempo, outros dois estímulos apareciam nos mesmos sítios.

Em uma sessão experimental, o animal era instruído a tomar suas decisões entre “igual” e “diferente” examinando os estímulos sucessivos em um dos dois locais dentro do campo receptivo. Em outras palavras, para realizar a tarefa, o animal devia prestar atenção em um sítio do campo receptivo, mas não no outro. Com a mão, o animal empurrava uma alavanca de um certo modo se os estímulos sucessivos no sítio de atenção fossem os mesmos, e do modo contrá-rio se os estímulos fossem diferentes.

Consideremos o que ocorria em um teste quando estímulos efetivos apare-ciam nos sítios onde estava o foco da atenção, enquanto os estímulos inefetivos apareciam no outro local (Figura 21.10a). Não é de surpreender que, nessa situa-

Bear_21.indd 654Bear_21.indd 654 07.02.08 17:39:0907.02.08 17:39:09

Page 13: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ EFEITOS FISIOLÓGICOS DA ATENÇÃO 655

Alvo

Aparece

Desaparece

Atividadecelular

Posiçãodos olhos

AlvoAparece

Desaparece

Atividadecelular

Posiçãodos olhos

AlvoBrilhante

Com reduçãodo brilho

Atividadecelular

Posiçãodos olhos

AlvoAparece

Desaparece

Atividadecelular

Posiçãodos olhos

Ponto defixação

Camporeceptivo

Estímulo-alvo

(a)

Alavanca

Liberação daalavanca manual

(b)

(c)

Movimentosacádico paraa direita

Movimentosacádico paraa esquerda

Um segundoalvo fora docampo receptivo

(d)

FIGURA 21.9O efeito da atenção sobre a resposta de um neurônio no córtex parietal posterior. (a) Um neurônio no córtex parietal posterior responde a um estímulo-alvo em seu campo receptivo. (b) A resposta é aumentada se o aparecimento do alvo é seguido de um movimento sacádico rumo ao alvo. (c) O efeito de aumento é espacialmente seletivo, já que não é observado se o movimento sacádico ocorre em direção a um estímulo fora do campo receptivo. (d) O aumento também é observado quando a tarefa requer que o animal solte uma alavanca manual quando o estímulo periférico apresenta uma redução de brilho. (Fonte: Adaptado de Wurtz, Goldberg e Robinson, 1982, p.128.)

Bear_21.indd 655Bear_21.indd 655 07.02.08 17:39:0907.02.08 17:39:09

Page 14: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

656 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

ção, o neurônio de V4 respondia intensamente, já que havia estímulos efetivos adequados no campo receptivo. Suponha que o macaco era, então, instruído a basear suas decisões entre “igual” e “diferente” em estímulos no outro sítio do campo receptivo (Figura 21.10b). Nesse sítio, somente os estímulos inefetivos ver-des eram mostrados. A resposta do neurônio deveria ser a mesma de antes, já que exatamente os mesmo estímulos estavam no campo receptivo, certo? Errado! Apesar de os estímulos serem idênticos, quando o animal prestava atenção no sítio do campo receptivo do neurônio onde estavam os estímulos inefetivos, as respos-tas dos neurônios de V4 eram, em média, menos da metade. É como se o campo receptivo se contraísse em torno da área do foco de atenção, diminuindo a respos-ta aos estímulos efetivos no sítio para o qual a atenção não está direcionada.

A especifi cidade do sítio de atenção, constatada nesse experimento, deve estar diretamente relacionada àquela discutida anteriormente nos experimen-tos perceptuais em humanos. Em termos perceptuais, a detecção está aumenta-da nos sítios em que a atenção está focalizada. Não chega a ser um grande salto conceitual imaginar que a diferença na facilidade de detecção de estímulos em locais com e sem atenção seja com base na maior atividade evocada pelos estí-mulos efetivos nos sítios que recebem o foco da atenção.

COMO A ATENÇÃO É DIRECIONADA? ▼

Temos discutido os efeitos da atenção na modulação da atividade neuronal em diversas áreas corticais, e efeitos similares têm sido descritos em outras áreas. Todavia, o que controla o direcionamento da atenção? Há sinais de “estruturas superiores”, que aumentam as respostas no córtex parietal, na área V4 e em outras áreas, quando a atenção é direcionada a algo? Ainda não temos respostas

Padrão 1

Ponto defixação Estímulos

Respostas doneurônio V4,quando estímulosefetivos sãoapresentadosno sítio do camporeceptivo para ondeestava direcionadaa atenção

Respostas doneurônio V4,quando estímulosinefetivos sãoapresentados nosítio do camporeceptivo para ondeestava direcionadaa atenção

Estímulos

Camporeceptivo

Sítio paraonde estádirecionadaa atenção

Padrão 2

Padrão 1 Padrão 2

Aparecem

Desaparecem

Aparecem

Desaparecem

Sítio paraonde estádirecionadaa atenção

(a) Atenção a estímulos efetivos

(b) Atenção a estímulos inefetivos

FIGURA 21.10O efeito da atenção em neurônios na área cortical visual V4. O círculo amarelo indica se o macaco está atento ao sítio (a) esquerdo ou (b) direito do campo receptivo. Para esse neurônio, as barras de luz vermelha são efetivas para produzir uma resposta, e as barras verdes são inefetivas. (Fonte: Adaptado de Moran e Desimone, 1985, p. 782.)

Bear_21.indd 656Bear_21.indd 656 07.02.08 17:39:0907.02.08 17:39:09

Page 15: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ COMO A ATENÇÃO É DIRECIONADA? 657

claras para essas questões. No entanto, evidências sugerem que tanto estruturas corticais quanto subcorticais possam estar envolvidas na modulação da ativida-de de neurônios nas áreas do córtex sensorial. Consideraremos agora algumas estruturas candidatas a esse papel e que têm sido examinadas.

O Núcleo PulvinarUma estrutura que tem sido estudada pelo seu possível papel no direcionamento da atenção é o núcleo pulvinar do tálamo. Diversas propriedades o tornam uma estrutura bastante interessante. Por exemplo, ele possui conexões recíprocas com a maioria das áreas corticais visuais dos lobos occipital, parietal e temporal, confe-rindo-lhe o potencial de modular amplamente a atividade cortical (Figura 21.11). Além disso, humanos com lesão no pulvinar respondem de forma anormalmente lenta a estímulos no lado contralateral, especialmente quando há estímulos com-petindo no lado ipsilateral. Tal defi ciência poderia refl etir uma capacidade reduzi-da em focar a atenção em objetos no campo visual contralateral.

Um fenômeno similar foi observado em macacos. Quando muscimol, um agonista do neurotransmissor inibitório ácido �-aminobutírico (GABA), é in-jetado unilateralmente no pulvinar, a atividade dos neurônios é suprimida. Do ponto de vista comportamental, a injeção produz uma difi culdade em deslocar a atenção para estímulos contralaterais, o que é análogo ao efeito produzido por lesões pulvinares em humanos. Por sua vez, é interessante observar que a injeção do antagonista GABAérgico bicuculina parece facilitar o deslocamento da atenção para o lado contralateral.

Existem muitos problemas com a hipótese de que o pulvinar desempenha um papel especial no direcionamento da atenção. Pesquisadores têm demons-trado que a desativação unilateral do colículo superior ou do córtex parietal posterior tem efeitos comportamentais similares à desativação do pulvinar. Além disso, lesões pulvinares bilaterais não apresentam um grande efeito sobre a atenção, como se poderia esperar se essa estrutura fosse uma parte essencial de um sistema de atenção.

Atenção e Movimentos OcularesQuando algo captura nossa atenção, movemos refl exivamente os olhos para o objeto de interesse. Como vimos acima, um estímulo evoca uma maior resposta no córtex parietal e em outras áreas corticais se ocorre um movimento sacádico dos olhos. Assim, uma forte associação parece existir entre movimentos dos olhos e atenção. Experimentos recentes sugerem que os circuitos encefálicos responsáveis por direcionar os olhos para objetos de interesse possam também desempenhar um papel crítico no direcionamento da atenção.

Tirin Moore e seus colegas, então na Universidade de Princeton, examina-ram uma área cortical conhecida como campos visuais frontais (CVF) (Fi-gura 21.12). Há conexões diretas entre os CVF e numerosas áreas que sabida-mente são infl uenciadas pela atenção, incluindo as áreas V2, V3, V4, MT e o córtex parietal. Neurônios nos CVF apresentam campos motores, pequenas áreas no campo visual. Se uma corrente elétrica sufi ciente for passada em um CVF, os olhos rapidamente farão um movimento sacádico para o campo motor dos neurônios estimulados.

Em um experimento, Moore et al. treinaram macacos para observar o mo-nitor de um computador que continha numerosas pequenas marcas luminosas (Figura 21.13a). Eles colocaram um eletrodo nos CVF e determinaram o campo motor dos neurônios situados na ponta do eletrodo. A tarefa do animal era fi xar no centro da tela, prestando atenção a uma das marcas, o “alvo”, especifi cado pelo pesquisador. Em um teste, se o alvo tinha seu brilho diminuído, o macaco movia a alavanca com sua mão. Se o alvo não apresentava redução no brilho, o macaco não movia a alavanca. Variando o nível de luz, os pesquisadores medi-ram a diferença mínima de luz, ou limiar, que o macaco necessitava para detec-tar essa redução de brilho. A tarefa era difi cultada para o macaco pela utilização de marcas “distratoras”, que piscavam a intervalos variáveis.

CVF

FIGURA 21.12Localização dos campos visuais frontais no encéfalo de macaco. Os CVF estão envolvidos na produção dos movimentos sacádicos dos olhos e podem desempenhar um papel no direcionamento da atenção.

TálamoNúcleopulvinar

FIGURA 21.11Projeções pulvinares para o córtex.O núcleo pulvinar está no tálamo posterior. Ele envia amplos eferentes para áreas do córtex cerebral, incluindo áreas V1, V2, MT, córtex parietal e córtex temporal inferior.

Bear_21.indd 657Bear_21.indd 657 07.02.08 17:39:1007.02.08 17:39:10

Page 16: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

658 C A P Í T U L O 2 1 • ATENÇÃO

Sem que o macaco percebesse, em alguns testes uma pequena corrente elé-trica era passada pelo eletrodo posicionado no CVF. É importante observar que a corrente era insufi ciente para deslocar os olhos para o campo motor e que o animal continuava a olhar para o ponto de fi xação central. O objetivo do experi-mento era determinar se a pequena estimulação elétrica aumentaria a capacidade do animal de detectar a redução do brilho no ponto-alvo – uma espécie de esti-mulação artifi cial da atenção. Os resultados estão resumidos na Figura 21.13b.

O histograma mostra que, quando o estímulo-alvo estava localizado dentro do campo motor, o limiar para a diferença de luz necessária para a detecção da redução do brilho do alvo era cerca de 10% menor com a estimulação elétrica do que sem ela. O lado direito do histograma, na Figura 21.13b, mostra que o desempenho não era aumentado e pode mesmo ter sido prejudicado pela estimulação elétrica, quan-do o alvo estava fora do compo motor. Conforme predito, a estimulação elétrica no CVF melhorou o desempenho de forma semelhante a um aumento de atenção. Além disso, os efeitos da estimulação elétrica apresentavam especifi cidade quanto à localização, assim como ocorre normalmente com a modulação da atenção.

Se esses resultados signifi cam que o CVF é parte de um sistema para o dire-cionamento da atenção e aumento do desempenho visual de forma específi ca quanto à localização, como isso funcionaria? Uma possibilidade é que a ativida-de no CVF, indicando a localização de um potencial futuro movimento sacádico, retroalimente áreas corticais às quais está conectado, aumentando a atividade nessas áreas. A equipe de pesquisa de Moore testou essa hipótese, registrando a atividade na área V4 durante a estimulação elétrica do CVF. Eles posicionaram eletrodos em duas áreas, de modo que o campo motor dos neurônios no CVF se sobreponha aos campos receptivos visuais dos neurônios V4. A Figura 21.14 mostra que, quando o CVF era estimulado (com uma corrente insufi ciente para produzir um movimento sacádico), a atividade em V4 aumentava.

Tomados em conjunto, os experimentos de Moore sugerem que a estimu-lação do CVF mimetiza os efeitos fi siológicos e comportamentais da atenção. Outros cientistas obtiveram resultados semelhantes com estimulação elétrica do colículo superior, outra estrutura envolvida na geração de movimentos sacádi-cos dos olhos. Esses achados levam à atrativa hipótese de que o direcionamento da atenção esteja integrado com um sistema utilizado para mover os olhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ▼

Os estudos da atenção nos recordam fortemente da fl exibilidade do encéfalo humano. Por direcionar mais energia mental a uma determinada localização ou aspecto, podemos aumentar nossa sensibilidade ou tempo de reação. Ao mesmo tempo, ignoramos estímulos que competem, mas que são de menor interesse. Refl exos de vieses para a atenção podem ser claramente observados em estudos de imageamento encefálico. Talvez o mais surpreendente seja o achado de que mudanças na atenção se refl etem nas propriedades dos campos receptivos de neurônios individuais espalhados no encéfalo.

Talvez você tenha se perguntado por que precisamos da atenção. Afi nal de contas, se a informação sensorial atinge com sucesso o encéfalo, por que

FIGURA 21.13O efeito da estimulação do CVF sobre o limiar de percepção. (a) Um macaco observa marcas em uma tela; todas essas marcas piscam, exceto o ponto-alvo. O macaco libera uma alavanca se o ponto-alvo apresentar uma redução de brilho. (b) Se o ponto-alvo estiver no campo motor dos neurônios em estudo, a estimulação elétrica do CVF reduz o limiar da diferença de luminosidade necessária para detectar uma redução na luminosidade do alvo. Se o alvo estiver fora do campo motor, a estimulação elétrica aumenta ligeiramente o limiar. (Fonte: Adaptado de Moore e Fallah, 2001, Figura 1.)

0

(a)

(b)

Ponto de fixação

Alvo

Alavanca

Campomotor

Distrator

10

20

Red

ução

do

limia

r co

m a

estim

ulaç

ão e

létr

ica

(%)

Alvo dentro docampo motor

Alvo fora docampo motor

–20

–10

FIGURA 21.14O efeito da estimulação do CVF sobre a atividade neuronal na área V4. (a) Uma pequena corrente elétrica passa pelo eletrodo estimulando o CVF, enquanto é registrada a atividade de um neurônio na área V4. Um estímulo é apresentado no campo receptivo V4 no tempo zero, e a estimulação do CVF ocorre após um determinado período de tempo. (b) A resposta em V4 foi maior nos testes com estimulação do CVF (vermelho), em comparação aos testes sem estimulação (preto). (Fonte: Adaptado de Moore e Armstrong, 2003, p. 371.)

Estimulação do CVF Registro em V4

(a)

Ativ

idad

e da

célu

la e

m V

4

80

0Tempo (ms)

Estimulação de CVF

750(b)

Bear_21.indd 658Bear_21.indd 658 07.02.08 17:39:1107.02.08 17:39:11

Page 17: CONSEQÜÊNCIAS COMPORTAMENTAIS DA ATENÇÃOppgnc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/Prova de... · Medindo efeito da atenção na detecção visual. Enquanto uma obser vadora mantém uma fi

▼ CONSIDERAÇÕES FINAIS 659

não processar toda ela? Uma possibilidade é que o encéfalo simplesmente não possa manipular simultaneamente toda a informação sensorial que chega a ele. Por exemplo, em um macaco, o córtex estriado ocupa cerca de 10% de todo o córtex cerebral. Estimativas atuais mostram que há mais de vinte outras áreas visuais, mas muitas são bem menores do que o córtex estriado. É provável que essas outras áreas não possam processar toda a informação detalhada represen-tada na área V1. Se isso for verdade, a atenção desempenha um papel-chave na seleção da informação que deve ser recebida pelas limitadas possibilidades de processamento do encéfalo. Por essa razão, alguns cientistas acreditam que haja uma forte relação entre a atenção e os mecanismos da consciência.

PAL

AV

RA

S-

CH

AV

E

Introduçãoatenção (p. 644)

Conseqüências Comportamentais da Atençãosíndrome da negligência (p. 647)

Como a Atenção é Direcionada?núcleo pulvinar (p. 657)campos visuais frontais (CVF) (p.

657)

1. Quais são as diferenças entre os estados de consciência de um humano com a síndrome da negligência e um humano comissurotomizado, que consegue somente descrever imagens no campo visual direito?

2. De que formas a negligência espacial unilateral difere da cegueira em metade do campo visual?

3. Como você usaria imagens de RMf ou TEP para procurar áreas encefálicas envolvidas no direcionamento da atenção seletiva em humanos?

4. Que mecanismo(s) neural(is) poderia(m) ser responsável(is) pelas mudanças observadas nos campos recep-tivos da área V4 em resposta a mudanças na atenção?

5. Como se relacionam redirecionamentos da atenção e movimentos dos olhos?

6. Como poderia a retroalimentação a partir de campos visuais frontais modular as respostas de neurônios no córtex visual?

7. Quais poderiam ser as diferenças entre um sistema que direciona a atenção para características e um sistema que direciona a atenção para diferentes localizações?

QU

ES

ES

PAR

A R

EV

ISÃ

OLE

ITU

RA

S A

DIC

ION

AIS

Behrmann M, Geng JJ, Shomstein S. 2004. Parietal cortex and attention. Current Opinion in Neurobiology 14:212-217.

Mesulam MM. 1999. Spatial attention and neglect: parietal, frontal and cingulate contributions to the mental representation and attentional targeting of salient extrapersonal events. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences (London) 1387:1325-1346.

Olfson M. 2004. New options in the pharmacological management of attention-defi cit/hyperactivity

disorder. American Journal of Managed Care 10(4 Suppl):S117-S124.

Pessoa L, Ungerleider LG. 2004. Neuroimaging studies of attention and the processing of emotion-laden stimuli. Progress in Brain Research 144:171-182.

Shipp S. 2004. The brain circuitry of attention. Trends in Cognitive Science 8:223-230.

Treue S. 2003. Visual attention: the where, what, how and why of salience. Current Opinion in Neurobiology 13:428-432.

Bear_21.indd 659Bear_21.indd 659 07.02.08 17:39:1107.02.08 17:39:11