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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE FaC CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NATÁLIA MARIA LOPES PINTO CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM POSSIBILIDADES PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES? FORTALEZA 2014.1

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Page 1: CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM … TUTELAR... · Aos docentes da Faculdade Cearense que colaboraram para minha formação acadêmica. Em especial à professora Aniele Brilhante

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE – FaC

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

NATÁLIA MARIA LOPES PINTO

CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM POSSIBILIDADES PARA

A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?

FORTALEZA

2014.1

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NATÁLIA MARIA LOPES PINTO

CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM POSSIBILIDADES PARA

A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?

Monografia submetida à aprovação do Curso de

Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Cearense

– FaC, como requisito parcial para obtenção do título de

Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Ms. Rúbia Cristina Martins

Gonçalves.

FORTALEZA

2014.1

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NATÁLIA MARIA LOPES PINTO

CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA: SEM OU CEM POSSIBILIDADES PARA A

EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?

Monografia como pré-requisito para obtenção do título

de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela

Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela

banca examinadora composta pelas professores. Data de aprovação: 16/06/2014

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof.ª Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves

(Orientadora)

________________________________________________

Prof.ª Ms. Luciana Gomes Marinho

________________________________________________

Prof.ª Ms. Maria Elia dos Santos Vieira

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Dedico esta monografia a Deus pelo dom da

vida, aos meus familiares pelo tempo ausente

de suas companhias e a tantas crianças e

adolescentes anônimos que tiveram sua

infância e adolescência roubadas, vítimas de

descaso e de violências.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, pela força e coragem que impulsiona meu viver, pela

sabedoria que me concedeste e pela capacidade de resistência frente às adversidades da vida.

Aos meus pais, José Maria e Maria Valdenice, sem os quais não seria possível a

caminhada, pelo exemplo de seres humanos honestos e solidários, por toda dedicação e pela

confiança em meu potencial.

A todos meus familiares, que são meu ponto de partida e de chegada, pela

compreensão, força e pelo amparo.

À minha grande irmã, Érica Lopes, por sua presença constante e ao meu querido

primo, Luís Fernando, pelo auxílio e assistência.

À minha orientadora Rúbia Gonçalves, por todo apoio, paciência, dedicação,

companheirismo e por ter acolhido com bom ânimo essa proposta de pesquisa. És uma

excelente mestre.

Aos docentes da Faculdade Cearense que colaboraram para minha formação

acadêmica. Em especial à professora Aniele Brilhante pelo empréstimo de livros para a

elaboração da discussão sobre crianças e adolescentes.

À banca examinadora, Luciana Gomes Marinho e Maria Elia dos Santos Vieira,

pelo compromisso com o ensino e a pesquisa e pela contribuição com este trabalho.

A todos os funcionários da Faculdade Cearense que contribuíram para um

cotidiano tranquilo de aprendizado.

Às minhas amigas e companheiras de turma, com as quais dividi os desafios da

graduação: Adriana de Freitas, Idália Sampaio, Jéssica Uchôa, Marianne Barros, Marianne de

Sales e Mayara Paiva. Vocês alegraram a minha caminhada, tornando-a mais leve.

Ao meu grande amigo Alfredo Monteiro, pela atenção, carinho e por seu

comportamento ético-político e crítico.

À amiga Cibele Brito, pela alegria e auxílio constante.

Ao amigo Roberto Carvalho pela atenção e disponibilidade.

A todos os meus amigos e amigas que me apoiaram e souberam entender minha

ausência.

A todas as conselheiras tutelares, sujeitos de minha pesquisa, e a toda a equipe

profissional do Conselho Tutelar de Fortaleza, pela acolhida e pela contribuição com este

trabalho.

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A todos os agentes sociais engajados na luta contra um sistema autoritário e

desumano que tende a reprimir muitas infâncias e adolescências.

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O Direito das Crianças

Toda criança no mundo

Deve ser bem protegida

Contra os rigores do tempo

Contra os rigores da vida.

Criança tem que ter nome

Criança tem que ter lar

Ter saúde e não ter fome

Ter segurança e estudar.

Não é questão de querer

Nem questão de concordar

Os diretos das crianças

Todos têm de respeitar.

Tem direito à atenção

Direito de não ter medos

Direito a livros e a pão

Direito de ter brinquedos.

Mas criança também tem

O direito de sorrir.

Correr na beira do mar,

Ter lápis de colorir...

Ver uma estrela cadente,

Filme que tenha robô,

Ganhar um lindo presente,

Ouvir histórias do avô.

Ruth Rocha

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RESUMO

Esta pesquisa objetiva verificar a atuação do Conselho Tutelar de Fortaleza para a efetivação

dos direitos de crianças e adolescentes, bem como identificar as demandas mais recorrentes

no Conselho Tutelar pesquisado. Para tanto, partimos do estudo de categorias como Estado,

direitos, política social, controle social e crianças e adolescentes. Baseamo-nos em autores

como Boris Fausto, Raquel Raichelis, Elaine Behring, Ivanete Boschetti, Vicente Faleiros e

Ângela Pinheiro. Para o alcance de nossos objetivos utilizamos uma abordagem qualitativa

com vista à compreensão do fenômeno investigado a partir da interpretação dos sujeitos

envolvidos. Realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental seguida de uma pesquisa de

campo, por meio da qual realizamos entrevistas semiestruturadas com quatro conselheiras

tutelares em atuação em um Conselho Tutelar do município de Fortaleza. Os resultados

obtidos foram satisfatórios para a análise acerca do papel do Conselho Tutelar na defesa da

cidadania de meninos e meninas, apontando que este órgão apresenta um duplo significado.

Palavras-chave: Conselho Tutelar. Crianças e Adolescentes. ECA. Controle Social. Direitos

infanto-juvenis.

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ABSTRACT

This research has evaluated the performance of the Guardianship Board of Fortaleza in the

realization of rights of children and adolescents, as well as identifying the most frequent

demands on the Guardian Council researched. The starting point of the study of categories

such as State, rights, social policy, social control, and children and adolescents. We rely on

authors like Boris Fausto, Raquel Raichelis, Elaine Behring, Ivanete Boschetti, Vincent

Faleiros and Angela Pinheiro. To reach our goals we used a qualitative approach to

understanding the phenomenon under investigation from the interpretation of the subjects

involved. A bibliographic and documentary research followed by a field survey, which we

conducted semi-structured interviews with four tutelary councilors in action in a Guardian

Council of the city of Fortaleza. The results were satisfactory for the analysis of the role of the

Guardian Council in defense of citizenship of boys and girls, indicating that this organ has a

double meaning.

Keywords: Guardianship Council. Children and Teens. ACE. Social Control. Children and

youth rights.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Demandas do CT/Janeiro .................................................................................. 89

Gráfico 2 - Demandas do CT/Fevereiro ............................................................................... 90

Gráfico 3 - Demandas do CT/Março .................................................................................... 91

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Sede do CT da SER I .......................................................................................... 67

Figura 2 - Sede do CT da SER II ......................................................................................... 68

Figura 3 - Sede do CT da SER III........................................................................................ 69

Figura 4 - Sede do CT da SER IV ....................................................................................... 70

Figura 5 - Sede do CT da SER V ......................................................................................... 71

Figura 6 - Sede do CT da SER VI ....................................................................................... 72

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF/88 - Constituição Federal de 1988

COMDICA - Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes

CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CT - Conselho Tutelar

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNABEM - Fundação Nacional do Menor

SAM - Serviço de Assistência ao Menor

SEDH/PR - Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República

SER - Secretaria Executiva Regional

SUS - Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14

1 O DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A INFÂNCIA E A

ADOLESCÊNCIA NO BRASIL .................................................................................. 21

1.1 (Des)proteção social: a criança e o adolescente no Brasil Colônia e no Império ....... 21

1.1.1 Traços sócio-históricos da criança e adolescente das embarcações portuguesas com

destino ao Brasil-Colônia .....................................................................................................22

1.1.2 O atendimento de crianças e adolescentes no Império ............................................. 28

1.2 A infância como objeto de controle do Estado: da Primeira República ao Regime

Militar .......................................................................................................................... 35

1.3 Criança e adolescente como sujeitos de direitos: da redemocratização aos dias atuais

..................................................................................................................................... 44

2 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE E O

CONSELHO TUTELAR .............................................................................................. 54

2.1 Estatuto da Criança e do Adolescente: estabelecendo instrumentos de proteção

integral para a infância e a adolescência no Brasil .................................................... 54

2.2 Implantação dos Conselhos Tutelares no Brasil ......................................................... 61

2.3 Entendendo a atuação do Conselho Tutelar................................................................ 75

3 CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA COMO LÓCUS DE PESQUISA ........... 79

3.1 O perfil das conselheiras tutelares e sua rotina profissional ...................................... 79

3.3 Desafios e dificuldades da atuação das conselheiras tutelares .................................... 93

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 99

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 103

APÊNDICES .................................................................................................................... 108

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INTRODUÇÃO

A conquista e os avanços dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil

ganharam maior expressividade entre os anos de 1970 e 1990, quando no fim do período

ditatorial setores da sociedade se mobilizaram em prol da redemocratização do país e da

garantia de direitos, dentre estes direitos lutaram pelos das crianças e adolescentes.

Dessa forma, a partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

meninos e meninas passaram a ser tratados conforme a Doutrina da Proteção Integral, tendo

assegurados seus direitos de cidadania a partir da responsabilização da família, da

comunidade e do Estado na garantia e proteção de seus direitos fundamentais.

Cientes de que diversos fatores, como os de ordem política, cultural, social e

econômico, interferem na efetivação desses direitos, compreendemos que há muitos percalços

que impossibilitam ou dificultam a aplicação dos dispositivos legais e surge a necessidade da

participação social no controle e fiscalização do Estado, para que se cumpra o estabelecido

nas diversas legislações de atendimento à infância e à adolescência.

Nessa perspectiva, após a determinação estabelecida pelo ECA sobre a criação de

pelo menos um Conselho Tutelar (CT) por município nesse órgão apresenta um potencial

importante para a fiscalização e proteção dos direitos de garotos e garotas em país, embora

esteja envolto em muitos desafios, dificuldades e, muitas vezes, descaso.

De acordo com o Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares, realizado pela

Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), no ano de 2013,

foram registrados no Brasil 5.906 conselhos tutelares, distribuídos em um total de 5.565

municípios brasileiros.

Embora represente um número expressivo de CTs no Brasil, estes dados mostram

que deveriam ser criados pelo menos 632 CTs para garantir o estabelecido pela resolução 139

do Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e adolescentes (CONANDA), a qual

estabelece que seja seguida a proporção de um Conselho Tutelar para cada 100.000

habitantes. Além disso, foram contabilizados vinte e dois municípios brasileiros que ainda não

possuem CT, fugindo da determinação legal do Estatuto da Criança e do Adolescente de que

se tenha pelo menos um CT por município.

O relatório da pesquisa feita pela SEDH/PR demonstrou ainda que, embora seja

relativamente grande o número de CTs nos municípios brasileiros, estes vivenciam condições

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precárias de trabalho, falta de materiais de expedientes e de pessoal, sem meios reais para

cumprimento de suas atribuições.

No Ceará, o relatório apontou que são 190 CTs distribuídos entre os 184

municípios, ou seja, todos os municípios cearenses possuem conselhos tutelares com sala e

sede de uso exclusivo. Destes conselhos, apenas 27% possuem transporte de uso exclusivo

pela equipe profissional dos CTs.

Em relação aos recursos materiais, a pesquisa demonstrou que 99% dos conselhos

possuem computador, sendo uma média de 1,57 computadores por Conselho Tutelar e 99%

possuem impressora, sendo que somente 89% possuem acesso à internet. Quanto ao acesso a

telefone, a pesquisa revelou que 64% dos CTs cearenses possuem telefone fixo e 27%

possuem telefone celular, ou seja, 36% dos conselhos sequer possuem acesso a telefone.

Contudo, a realidade dos CTs pode se apresentar verdadeiramente mais cruel,

visto que esses dados podem esconder se os equipamentos, os instrumentos, as salas de uso

exclusivo ou o transporte possuem boas condições de uso.

Considerando todos esses dados e percalços que envolvem a prática dos

conselheiros tutelares, nossa pesquisa tem como objetivo maior compreender a atuação do

Conselho Tutelar de Fortaleza para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes.

A partir desse objetivo inicial, percebemos a necessidade de: identificar as

demandas atendidas pelo Conselho Tutelar de Fortaleza; caracterizar o perfil da criança e do

adolescente atendidos pelo Conselho Tutelar; analisar a atuação dos conselheiros tutelares

frente à problemática que envolve a defesa dos direitos de crianças e adolescentes e identificar

os desafios e dificuldades da atuação dos conselheiros tutelares na defesa da cidadania de

crianças e adolescentes.

Ressaltemos que, em virtude de problemas estruturais da instituição pesquisada, o

objetivo referente à caracterização do perfil de crianças e adolescentes atendidas pelo

Conselho Tutelar não pôde ser alcançado, haja vista que a falta de computadores e internet

impossibilitou os funcionários de elaborarem um registro dos dados dos atendimentos.

Esta investigação justifica-se a partir de três aspectos: pessoais, sociais e

profissionais. A justificativa de cunho pessoal é decorrente de nossa análise sobre a falta de

esclarecimento acerca das atribuições do CT e o pouco reconhecimento desses espaços no

bairro no qual residimos. Também se justifica a partir de uma experiência no período em que

cursava o ensino médio e a diretora de nossa escola nos induziu a apoiarmos a eleição de um

candidato a membro do CT, sem ao menos conhecermos suas propostas ou termos

consciência das funções de um conselheiro.

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Quanto ao aspecto social, entendemos o fato de o CT atuar como defensor dos

direitos de crianças e adolescentes, bem como a necessidade de ocupação desses espaços de

defesa da cidadania de meninos e meninas que possibilitam a participação popular e o

controle social, zelando pelo cumprimento dos dispositivos legais referente à infância e

adolescência.

Em relação ao Serviço Social, esta pesquisa se justifica pelo fato de almejarmos a

construção de um processo contra-hegemônico1 que valorize os direitos de todos os cidadãos,

inclusive os infanto-juvenis, construindo propostas de intervenção junto ao cotidiano da

população.

Partimos de uma análise sobre a conjuntura histórica brasileira em que se

desenvolveu a política de atendimento de crianças e adolescentes. Para tanto, buscamos

referências principalmente em Boris Fausto (2008).

Baseamo-nos em autores como: Raquel Raichelis (1998), Behring e Boschetti

(2011), Vicente Faleiros (2007), Ângela Pinheiro (2006), Potyara Pereira (2008), André

Kaminski (2002), entre outros. Discutimos sobre as categorias: Estado, direitos, política

social, controle social e criança e adolescente.

Atribuímos um significado ao Estado a partir das reflexões de Raquel Raichelis

(1988), quando a referida autora aponta que o seu sentido é o de conciliação dos conflitos

entre os setores que compõem a sociedade capitalista, na qual o Estado deveria incorporar

simultaneamente os interesses da classe dominante e da classe dominada. Entretanto, ele não

age com neutralidade e torna-se um Estado principalmente burguês. Segundo Raichelis

(1988):

Desta forma, na sociedade capitalista, o Estado assume um papel de coesão entre os

diferentes níveis de uma formação social concreta, o que não significa atribuir-lhe um papel de árbitro neutro dos conflitos entre as classes sociais ou identificá-lo com

a direção ético-moral na qual repousaria o critério último da verdade e da razão.

(RAICHELIS, 1988, p. 25).

Utilizamos como referencial teórico sobre direitos a definição apresentada por

Behring e Santos (2009) de que o direito não é uma forma de abordar todos os indivíduos de

modo genérico, destituídos das relações reais e históricas que vivenciam. Antes, o direito deve

1 Quando propomos a construção de um projeto contra-hegemônico estamos nos referindo à construção de um

projeto societário em que as classes desfavorecidas economicamente tenham suas garantias e direitos

estabelecidos e garantidos, propondo a participação desse segmento em todas as decisões que envolvem os

interesses sociais.

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ser as garantias legais firmadas a partir das diferenças concretas e das peculiaridades e

dificuldades dos sujeitos desiguais2.

Potyara Pereira (2008) compreende política social como uma espécie da política

pública e representa um instrumento do Estado para estabelecer consenso e negociação entre

as partes em conflito e atender as necessidades da sociedade. Portanto, a política social tem

como uma de suas funções a concretização de direitos de cidadania conquistados pela

sociedade.

Nosso entendimento sobre política social parte da definição da autora supracitada,

pois compreendemos que essa política é uma forma de estabelecer consenso entre as classes

sociais, bem como evitar um controle das classes subalternas.

No que diz respeito à categoria controle social compartilhamos da abordagem de

Maria Valéria da Costa Correia (2004) de que o controle social assume sentidos diferentes a

partir da compreensão que se tenha sobre Estado e sociedade civil e a relação entre eles.

Assim, o controle social pode ser empregado tanto para representar o controle do Estado sobre

os membros da sociedade quanto para designar o controle da sociedade civil sobre as ações do

Estado. Contudo, nesta pesquisa, ao falarmos sobre controle social estaremos nos referindo ao

controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, visando à incorporação dos interesses

das classes subalternas3 pela esfera estatal.

Assim, o CT representa uma forma institucionalizada de controle social da

sociedade acerca dos direitos infanto-juvenis. Para Marilene Souza (2003), o Conselho

Tutelar é visto como um espaço de fortalecimento dos direitos das crianças e adolescentes,

sendo:

[...] um órgão autônomo, que não integra o poder judiciário. Vincula-se à Prefeitura,

mas a ela não se subordina. Sua fonte de autoridade pública é a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente e está sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente. [...] O papel do Conselho Tutelar é atender

pessoas que tiveram seus direitos violados. (SOUZA, 2003, p. 72).

No tocante à definição dos termos criança e adolescentes, utilizamos como

referencial teórico Ângela Pinheiro (2006), haja vista que esta autora percebe essa fase da

vida não somente a partir de aspectos biológicos ou naturais, mas as entende como categorias

2 Compreendemos que os sujeitos possuem uma trajetória política e social diferenciada, devendo-se levar em

consideração sua inserção social, cultural e suas condições financeiras. Não há como classificá-los como iguais e

possuidores das mesmas condições de acesso aos bens e serviços do Estado. 3 Entendemos por classes subalternas aquelas classes sociais compostas por setores da sociedade civil que são

menos favorecidos economicamente e que por esse motivo são prejudicadas em relação à classe

economicamente dominante que geralmente têm seus interesses representados pelo Estado.

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socialmente concebidas, com percursos sociais diferenciados e como uma fase heterogênea,

pois não se apresentam de maneira igual para todos, mas modificam-se a partir da inserção

econômica, social e cultural destes meninos e meninas.

Para alcançarmos os objetivos propostos, utilizamos como metodologia a pesquisa

bibliográfica e documental, pesquisa de campo e aplicação de entrevista semiestruturada,

tendo sido elaborados dois roteiros de entrevistas, um destinado a questionamentos sobre o

perfil do entrevistado e sobre aspectos de sua atuação e outro roteiro voltado para os aspectos

gerais de funcionamento do Conselho Tutelar.

Utilizamos uma abordagem qualitativa, uma vez que consideramos que este tipo

de abordagem possibilita uma compreensão do fenômeno estudado a partir da vivência e

análise dos próprios sujeitos envolvidos. Para tanto, compreendemos pesquisa qualitativa a

partir da explicação de Mirian Goldenberg (2005):

Na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a

representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da

compreensão de um grupo, de uma organização, de uma instituição, de uma

trajetória etc. [...]. (GOLDENBERG, 2005, p. 14).

Nesse tipo de abordagem não há uma preocupação com representações numéricas,

mas com a profundidade das vivências e dos relatos. Para Antônio Carlos Gil (2002):

A quantidade é, então, substituída pela intensidade, pela imersão profunda- através

da observação participante por um período longo de tempo, das entrevistas em

profundidade, da análise de diferentes fontes que possam ser cruzadas - que atinge

níveis de compreensão que não podem ser alcançados através de uma pesquisa

quantitativa. O pesquisador qualitativo buscará casos exemplares que possam ser reveladores da cultura em que estão inseridos. O número de pessoas é menos

importante do que a teimosia em enxergar a questão sob várias perspectivas. (GIL,

2002, p. 50).

Quanto ao tipo de pesquisa, faremos uma pesquisa do tipo explicativa, para a qual

em Gil (2002) confirmamos a importância dessa pesquisa:

Essas pesquisas têm como preocupação central identificar os fatores que determinam

ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Esse é o tipo de pesquisa que mais

aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas.

Por isso mesmo, é o tipo mais complexo e delicado, já que o risco de cometer erros

aumenta consideravelmente. (GIL, 2002, p. 42).

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Assim, partimos de uma pesquisa bibliográfica para obtenção de elementos

teóricos que nos ofertou embasamento em nossas reflexões. Assim compreendemos pesquisa

bibliográfica como sendo aquela “[...] desenvolvida com base em material já elaborado,

constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002, p. 44).

Para Antônio Carlos Gil (2002), a pesquisa documental se distingue da pesquisa

bibliográfica por conta das diferenças entre as fontes. Enquanto na bibliográfica se utiliza da

contribuição de diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de

materiais que não receberam ainda um tratamento analítico. Portanto, nossa pesquisa

documental ocorreu com a análise do livro de registro dos atendimentos diários existente no

Conselho Tutelar pesquisado.

Nossa pesquisa de campo ocorreu durante o mês de maio de 2014 em um

Conselho Tutelar de Fortaleza e desde a primeira visita ao lócus da pesquisa fomos bem

recebidas pelos funcionários do CT, bem como pelas próprias conselheiras que após a

exposição de nossos objetivos concordaram em colaborar como nossa pesquisa.

Nosso primeiro contato com as conselheiras ocorreu através de um amigo que

possuímos em comum, tendo este nos fornecido o contato telefônico de uma conselheira com

a qual agendamos uma visita à instituição.

Para Linda Gondim e Jacob Lima (2006) a pesquisa de campo se justifica porque

“o pesquisador ideal reconhece que são essenciais tanto para a reflexão teórica quanto para o

contato direto ou indireto com o mundo empírico (analisar dados primários ou secundários): é

esse tipo de trabalho que ‘fecunda’ a inteligência, a qual se nutre das teorias (GONDIM e

LIMA, 2006, p. 20).

As entrevistas realizadas foram semiestruturadas, a qual, conforme Fraser (2004),

consiste em um tipo de entrevista em que entrevistador introduz o tema e busca com um

roteiro pré-elaborado direcionar a conversação, porém, incorporará as perguntas e

questionamentos que surjam durante a entrevista.

Nosso universo de pesquisa pretendia alcançar 100% das conselheiras tutelares

em atuação, conforme o número total de conselheiros estabelecido pelo ECA. Todavia, em

decorrência de imprevistos, nossa amostra foi de quatro conselheiras, pois a quinta

conselheira negou-se a participar de nossa pesquisa sob a alegação de não dispor de tempo. E

mesmo frente à nossa disponibilidade de voltarmos ou aguardarmos um momento oportuno

ela resolveu não participar.

Este estudo está divido em três capítulos. No primeiro, realizamos um resgate

histórico do atendimento de crianças e adolescentes no Brasil, percorrendo desde a trajetória

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marítima das embarcações portuguesas rumo ao Brasil, seu atendimento durante a

colonização e o Império, passando pela República, pelo Regime Militar, pela

redemocratização do país até chegarmos à análise da atual política de atendimento dirigidas às

crianças e adolescentes concretizadas a partir da promulgação da Constituição Federal de

1988 (CF/88) e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (ECA).

No segundo capítulo, nossa análise se dirige para a atual política de atendimento

de crianças e adolescentes e sua relação com o Conselho Tutelar. Buscamos uma apresentação

dos principais direitos da infância e adolescência assegurados no ECA, bem como nos

voltamos para a reflexão sobre as atribuições e atuação do CT para a proteção da cidadania

infanto-juvenil.

Por fim, no capítulo terceiro, discutimos sobre nossa pesquisa de campo em um

Conselho Tutelar de Fortaleza, destacando o perfil das conselheiras tutelares entrevistadas e

suas atuações, apresentando as demandas atendidas e os desafios e dificuldades encontrados

no dia a dia.

Assim, ressaltar os direitos de cidadania de meninos e meninas brasileiros torna-se

estritamente necessário neste atual contexto de desvalorização dos indivíduos e rebaixamento

das ações do Estado, em que cada vez mais as políticas públicas sociais tornam-se focalizadas

e fragmentadas.

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1 O DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A INFÂNCIA E A

ADOLESCÊNCIA NO BRASIL.

Este capítulo tem por objetivo analisar como ocorreu o tratamento de crianças e

adolescentes e o desenvolvimento das políticas sociais para este público-alvo no Brasil, haja

vista que a valorização da infância e da adolescência e as conquistas legais da atualidade

foram fruto de um longo e árduo processo, sendo a trajetória desses sujeitos infantis marcada

por desvalorização, exploração e desrespeito. Conforme Vicente Faleiros (2007), “[...] essas

políticas não caem do céu, nem são um presente ou uma outorga do bloco do poder. Elas são

ganhos conquistados em duras lutas e resultados de processos complexos de relação de

forças” (FALEIROS, 2007, p. 62).

Para tanto, demarcaremos os períodos históricos e políticos em que foram

desenvolvidos os serviços de atendimento, normatizações e legislações, bem como as

características da política social para crianças e adolescentes no Brasil.

Partiremos dos traços sócio-históricos de meninos e meninas no Brasil desde as

embarcações portuguesas em direção ao nosso país, bem como a sua trajetória para o Brasil

Império, abordando as características dessa categoria ainda na República, período no qual

ocorreu o marco das conquistas e normatizações legais. Apresentaremos ainda elementos e

aspectos dos avanços dos direitos e conquistas das crianças e adolescentes com a promulgação

da Carta Magna de 1988 e em seguida do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Ressaltamos, conforme Ângela Pinheiro (2006), que as representações sociais4 de

crianças e adolescentes, ora como objeto de controle do Estado, ora como sujeitos de direitos

e demais representações, emergem em um cenário sócio-histórico específico e à medida que

novas representações sociais vão surgindo vão também coexistindo simultaneamente e são

marcadas por uma disputa pela sua consolidação.

1.1 (Des)proteção social: a criança e o adolescente no Brasil Colônia e no Império

Cabecinha boa de menino mudo

que não teve nada, que não pediu nada,

pelo medo de perder tudo.

Cecília Meireles

4 Ângela Pinheiro (2006) defende que representações sociais são criadas para compreender a realidade, para

identificar uma visão sobre alguma categoria, no nosso caso crianças e adolescentes. Para tanto, a autora define

quatro representações sociais mais recorrentes de crianças e adolescentes, sendo elas: a criança e o adolescente

como Objetos de Proteção Social; a criança e o adolescente como Objetos de Controle e Disciplinamento Social;

a criança e o adolescente como Objetos de Repressão Social e a criança e o adolescente como Sujeitos de

Direitos.

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1.1.1 Traços sócio-históricos da criança e adolescente das embarcações portuguesas com

destino ao Brasil-Colônia.

Compreendemos a história da “descoberta” do Brasil a partir do pensamento de

Boris Fausto (2008), o qual sustenta que antes da chegada dos portugueses ao Brasil, por volta

dos anos de 1500, já existia aqui a presença de vida humana, ou seja, consideramos que o

Brasil era habitado pela população indígena.

De acordo com Caio Prado Júnior (2008), a colonização do Brasil teve por

objetivos principais a construção de uma colônia de exploração com a pretensão de utilizar

todos os elementos aqui encontrados, de modo que a colônia se transformaria em uma

verdadeira empresa comercial fornecedoras de produtos tropicais para o mercado europeu.

Dessa forma, verificamos o porquê de não haver na época uma preocupação em se construir

uma sociedade unitária e integrada.

Em Prado Júnior (2008), vemos que três raças foram determinantes para a

constituição do Brasil, sendo elas: o branco europeu, os índios e os negros, estes dois últimos

forçados a uma servidão. O referido autor relata o peso da escravidão para a formação da

política e econômica do Brasil:

O trabalho escravo nunca irá além do seu ponto de partida: o esforço físico

constrangido não educará o indivíduo, não o preparará para um plano de vida

humano mais elevado. [...] As relações servis são e permanecerão relações

puramente materiais de trabalho e produção, e nada ou quase nada mais acrescentará ao complexo cultural da colônia. (PRADO JÙNIOR, 2008, pp.

340-341).

Embora tenhamos a compreensão de que anterior à chegada dos portugueses ao

Brasil já existiam aqui a presença de crianças indígenas, partiremos da análise dos percalços e

sofrimentos que rodearam a vinda de crianças nas embarcações portuguesas em direção à

Colônia brasileira.

Segundo Ramos (2006), durante as embarcações portuguesas do século XVI,

quando se deu o processo de colonização do Brasil, por volta dos anos 1530, escassos homens

e mulheres se aventuraram rumo à Terra brasileira, sendo comum também a presença de

crianças na condição ora de grumetes, pajens, órfãs do Rei ou na condição de passageiros.

Conforme André Kaminski (2002):

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Mas incorrendo na história da criança no Brasil, excluída a criança da classe

indígena (embora seja a primeira efetivamente brasileira), que aqui já

habitava em centenas de grupos étnicos, formando nações espalhadas pelo

imenso território, podemos dizer que essa se inicia com o próprio

descobrimento do Brasil ou Terra de Vera Cruz, conforme batizada pelos

primeiros que aqui chegaram em 1500. Nas 10 naus e três caravelas que

partiram de Portugal, comandadas por Pedro Álvares Cabral, rumo ao

“descobrimento” de novas terras ocidentais, pelo menos 10 ou 15% dos seus

1.500 integrantes, todos homens, eram menores de 18 anos de idade.

(KAMINSKI, 2002, p. 14, grifos do autor).

Explica Fábio Pestana Ramos (2006) que os grumetes eram crianças portuguesas

recrutadas como mão-de-obra para servirem nas embarcações. Geralmente eram meninos com

a idade entre nove e dezesseis anos, não raro serem com idade menor, e vinham de famílias de

pedintes ou eram órfãos.

As condições de vida dos grumetes eram péssimas e insalubres, rodeadas por

fome e doenças. Estes menores recebiam o mesmo tratamento dos tripulantes adultos.

Alimentavam-se de rações de péssima qualidade, de carnes muitas vezes em estado de

decomposição e bebiam água com mau cheiro em decorrência de seu armazenamento em

barris de madeira. Eles sequer tinham oportunidade para pescar, a fim de enriquecer a

alimentação, pois os olhos atentos dos guardiões impediam-lhes. Apenas quando na ocasião

de algum cadáver no navio que atraíam pássaros é que tais aves serviam de alimento para os

grumetes (RAMOS, 2006).

Segundo Ramos (2006), durante as viagens ao Brasil muitos meninos eram

acometidos por inanição e escorbuto. Diante da falta de médicos, estes recebiam os cuidados

de barbeiros que lhes aplicavam medidas sangrentas que muitas vezes os levavam à morte.

Era comum naquele período nas embarcações a prática de abusos sexuais contra os grumetes

praticados por marujos (assassinos, incendiários, sediciosos). Dessa forma:

Grumetes e pajens eram obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes

e violentos. Crianças, mesmo acompanhadas dos pais, eram violadas por

pedófilos, e as órfãs tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a

fim de manter-se virgens, pelo menos, até que chegassem à Colônia.

(RAMOS, 2006, p. 19).

Consoante Ramos (2006, p. 27), “entregues a um cotidiano difícil e cheio de

privações, os grumetes viam-se obrigados a abandonar rapidamente o universo infantil para

enfrentar a realidade de uma vida adulta”.

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Os pajens possuíam a mesma faixa etária dos grumetes ou um pouco menos, eram

recrutados de famílias portuguesas pobres. Embora tivessem um cotidiano árduo, correndo os

mesmos riscos de estupro e violências físicas, os pajens realizavam tarefas mais leves, como

servir à mesa dos oficiais, arrumar-lhes as câmaras e providenciar o conforto dos oficiais,

alguns recebiam “proteção” destes oficiais (RAMOS, 2006).

As órfãs do Rei eram supostamente meninas menores de dezesseis anos de idade e

pobres. Eram embarcadas com destino ao casamento com homens de destaque nas possessões

portuguesas. Facilmente tornavam-se vítimas de estupro, mas sem alguém que as

defendessem sofriam caladas. As órfãs do Rei também sofriam privações alimentares e

sobreviviam em ambientes insalubres (RAMOS, 2006).

Outra categoria de crianças nas embarcações do século XVI eram aquelas

acompanhadas por seus pais ou parentes na condição de passageiros. Estas podiam ter menos

de cinco anos de idade ou serem ainda de colo. Essas crianças também estavam expostas a

doenças e a privações alimentares, a insalubridades, salvo aquelas de famílias nobres.

Mediante ataques de piratas às embarcações, os adultos pobres eram assassinados

e os poderosos eram aprisionados para serem trocados por valiosas recompensas. Já as

crianças capturadas eram escravizadas, sendo exploradas e prostituídas. Com a aproximação

de naufrágios, frente à agitação, era comum alguns pais esquecerem seus filhos nos navios,

buscando salvar suas próprias vidas. As crianças que sobreviviam eram entregues à própria

sorte (RAMOS, 2006).

As famílias com precária condição financeira expunham seus filhos ao

recrutamento para as embarcações, pois isso representava um bom negócio para os pais

mesmo diante da penúria das crianças. Os pais poderiam receber a renda do recrutamento dos

filhos e ainda se livrariam de uma pessoa a mais para alimentar. Além do que a chance de

morrer vítima de doenças em terra era quase igual à de perecer nas embarcações, não lhes

restando boas alternativas.

A história do cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas

quinhentistas foi, de fato, uma história de tragédias pessoais e coletivas. A história das crianças, de qualquer idade, nas naus do século XVI pode ser

classificada, portanto, como uma história marítima trágica, ou se preferirem

como uma história trágico-marítima. (RAMOS, 2006, p. 49).

Portanto, verificamos que a chegada da criança e adolescente no Brasil deu-se de

forma trágica, marcada por abusos físicos e sexuais, por um sentimento de desvalorização da

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vida infantil. Assim, não há como se falar em proteção à criança e ao adolescente naquele

período de navegação rumo à colonização do Brasil.

Com a chegada dos portugueses ao Brasil, juntamente com suas crianças, os

moradores indígenas que aqui se encontravam sofreram uma verdadeira catástrofe cultural,

epidemias, violências e morte (FAUSTO, 2008).

A chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira catástrofe. Vindos de muito longe, com enormes embarcações, os

portugueses, e em especial os padres, foram associados na imaginação dos

tupis aos grandes xamãs(pajés), que andavam pela terra, de aldeia em aldeia,

curando, profetizando e falando-lhes de uma terra de abundância. Os brancos

eram ao mesmo tempo respeitados, temidos e odiados, como homens dotados

de poderes especiais. (FAUSTO, 2008, p. 40)

Analisando como ocorria a relação entre brancos e índios, colonizadores e

colonizados, percebemos como se deu a origem de nosso país e as características de uma

pretensa superioridade do homem branco e com condições financeiras mais elevadas,

elementos estes que pensamos interferir no desenvolvimento do Estado e de sua função de

atendimento à população. Para Julita Scarano (2006):

[...] As autoridades locais, quando escreviam para os centros do poder do

momento, não estavam preocupados em modos de viver, apenas se preocupavam com a situação dos “povos” quando havia perigo de revoltas e

outros problemas, sem se interessarem pela população infantil. (SCARANO,

2006, p. 107).

Conforme Rafael Chambouleyron (2006), no Brasil Colônia, o trato da criança e

do adolescente modificou-se um pouco a partir da chegada dos jesuítas em 29 de março de

1549, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega, conduzindo a uma atenção mesmo que

pequena para estes sujeitos infantis. Os jesuítas passaram a dedicar-se entre outras funções ao

ensino das crianças, para que elas assimilassem os princípios da doutrina cristã.

É bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento no

Velho Mundo, resultado da transformação nas relações entre indivíduo e

grupo, o que ensenjava o nascimento de novas formas de afetividade e a

própria ‘afirmação do sentimento da infãncia’, na qual Igreja e Estado

tiveram um papel fundamental. (CHAMBOULEYRON, 2006, p. 58).

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Naquele período, surgia uma nova forma de compreensão da infância, se antes

havia um desinteresse e desapego aos meninos e meninas, a partir da chegada dos jesuítas no

Brasil começava a aflorar uma política relativa às crianças.

De acordo com Chambouleyron (2006), a Companhia dos jesuítas ensinava a

doutrina cristã às crianças indígenas por acreditarem que estas seriam mais acessíveis e

perseverantes na observação da lei do que os adultos, visto que estes já estariam enraizados

em uma vida de vícios e costumes abomináveis, afastados da fé cristã e seriam mais arredios.

O filme “A Missão”, divulgado em 1987, do diretor Roland Joffé, é baseado em

fatos reais e mostra o processo de colonização na América do Sul, especificamente entre as

fronteiras da Argentina, Paraguai e Brasil, nos anos de 1750. Aponta o trabalho realizado por

jesuítas naquele período e o modo como as crianças indígenas são consideradas naquele

período. Em uma determinada cena uma criança indígena catequizada canta hinos em uma

celebração religiosa e um senhor europeu insinua que aquela criança não é um ser humano,

mas sim um animal com voz humana, posto que até papagaios aprendem a cantar. Portanto, o

europeu diz que os índios devem ser tratados sob chicotes e espadas. Vimos claramente a

desvalorização e falta de respeito e cuidados para com as crianças indígenas.

Segundo ainda Chambouleyron (2006), a evangelização das crianças seria uma

maneira de chegar à conversão também dos seus pais, pois os meninos assimilavam os

ensinamentos cristãos e passavam a abominar os costumes de sua tribo e a repreender seus

pais.

A estrutura de ensino das crianças era divida em colégios e escolas, nas quais cada

ambiente era frequentado de acordo com a classe social a que pertencia os meninos. As

crianças oriundas de classe mais ricas frequentavam o colégio, pois este tinha o ensino do

latim, filosofia, matemática, teologia e outros. Já a escola que tinha o objetivo de ensinar a ler,

escrever e a contar e era frequentada pelas crianças órfãs, mestiças, brancas pobres e

indígenas, de classe menos privilegiada.

Após três décadas de esforços em garantir a posse da nova terra, a colonização do

Brasil passou de fato a tomar forma. De acordo com Fausto (2008), “[...] o Brasil viria a ser

uma colônia cujo sentido básico seria o de fornecer ao comércio europeu gêneros alimentícios

ou minérios de grande importância” (FAUSTO, 2008, p. 47).

Conforme Fausto (2008), na época da colonização, o Estado português era um

Estado absolutista, ou seja, em teoria todos os poderes eram concentrados por direito divino

na pessoa do rei.

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Portanto, não percebemos esforços ou preocupações com a população adulta nem

infantil, a fim de dar-lhes proteção ou promover inícios de políticas sociais. Ao contrário, não

havia na época um conceito de cidadania como pessoa com direitos e deveres com relação ao

Estado (FAUSTO, 2008).

Naquele período, duas instituições eram responsáveis pela organização do Brasil:

O Estado e a Igreja Católica. Ao Estado era atribuído o papel de garantir a soberania

portuguesa sobre a Colônia, resolver problemas básicos, promover uma política de

povoamento. A Igreja deveria promover a educação das pessoas, enquadrá-las nos padrões de

vida decente, torná-la obediente (FAUSTO, 2008).

Conforme Mary Del Priore (2006):

Há pouquíssimas palavras para definir a criança no passado. Sobretudo, no

passado, marcado pela tremenda instabilidade e a permanente mobilidade

populacional dos primeiros séculos de colonização. ‘Meúdos’, ‘ingênuos’, ‘infantes’ são expressões com as quais nos deparamos nos documentos

referentes à vida social na América portuguesa. O certo é que, na mentalidade

coletiva, a infância era então, um tempo sem maior personalidade, um

momento de transição e por que não dizer, uma esperança. (DEL PRIORE,

2006, p. 84).

De acordo com Julita Scarano (2006), as crianças negras foram praticamente

ignoradas na correspondência entre a Colônia e Lisboa. Havia pouco interesse em se falar do

cotidiano e em comentar como viviam os escravos e os pobres, as mulheres e, menos ainda, as

crianças, mesmo em se tratando dos filhos de pessoas importantes. O assunto predominante

nas correspondências eram os referentes à política e economia.

Scarano (2006) aponta que a documentação oficial pouco informa sobre a mulher

e a criança, esta mencionada apenas marginalmente. Assim:

A importância da criança é vista como secundária, os assuntos que interessam são o fisco, os problemas e tudo aquilo que parecia afetar diretamente os

governantes. O fato de as crianças sobreviverem no momento do nascimento

ou na primeira infância não chama propriamente a atenção. A documentação

de irmandades e confrarias religiosas também não apresenta dados

específicos sobre a infância, pois, congregando apenas adultos, não via

motivo para se manifestar a esse respeito, uma vez que, por seus estatutos, o

objeto de se interesse era o membro de sua confraria, que deveria ser

socorrido quando tal se fizesse necessário. (SCARANO, 2006, pp. 108 -

109).

A morte dos pequenos não era considerada como uma tragédia, pois se tinha a

ideia de que outras viriam, não sendo vista como um ser que faria falta. Contudo, a falta de

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referência não implica na total desvalorização da criança em si. Segundo Scarano (2006), nas

entrelinhas uma ou outra maneira de mostrar que lhe davam valor, recebia o afeto e

participava dos acontecimentos e festas.

Nas senzalas, as crianças andavam por todos os lugares, frequentando as

habitações de seus donos, quando suas mães ali trabalhavam. Dessa forma, as crianças negras

eram tidas como um “brinquedo” para as mulheres brancas. Conforme nos relata Scarano

(2006), “as pequenas crianças negras eram considerada graciosas e serviam de distração para

as mulheres brancas que viviam reclusas, em uma vida monótona” (SCARANO, 2006, p.

111).

Com a desvalorização dos escravos, sobretudo as escravas e crianças eram pouco

mencionadas na vida diária e nos documentos oficiais. Conforme Scarano (2006), “quanto às

crianças negras que não podiam participar dos trabalhos e propiciar lucro, não encontramos

manifestações de preocupação com seu bem-estar” (SCARANO, 2006, p. 120).

Ao longo deste tópico, vimos que a trajetória de crianças portuguesas rumo ao

Brasil Colônia foi marcada por violações, explorações e desrespeito. Naquele momento, não

havia uma valorização da infância e frente ao grande número da mortalidade infantil o que

restava era um sentimento de desapego às crianças.

Já no Brasil Colônia foi com a chegada da Companhia dos jesuítas em 1549 que

ocorreram mudanças na visão sobre a infância. Os jesuítas dedicavam-se ao ensino da

doutrina cristã aos meninos portugueses e indígenas como forma de retirá-los dos costumes

não-cristãos e como meio de evangelização de adultos.

Nos dois períodos históricos mencionados, não havia elementos expressivos de

uma proteção para crianças e adolescentes, embora se construísse a partir da chegada dos

jesuítas uma nova concepção de infância no Brasil. A preocupação maior seria com as

vantagens econômicas que a Colônia brasileira poderia representar para a Metrópole, com a

extração de produtos naturais e exploração da terra e dos nativos.

1.1.2 O atendimento de crianças e adolescentes no Império.

Para que construamos uma ideia acerca do atendimento de crianças e adolescentes

durante o Império no Brasil, pensamos ser necessárias algumas considerações introdutórias

sobre esse período histórico, demarcando acontecimentos e esclarecimentos.

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Segundo Gilberto Cotrim (1999), alguns fatores do contexto internacional como o

desenvolvimento do capitalismo industrial5, os ataques ao absolutismo e o avanço das ideias

liberais6 influenciaram na desestruturação do sistema colonial no Brasil somando-se a isso

fatores internos, como a vinda da Família Real para o Brasil7.

O período imperial no Brasil ocorreu entre os anos de 1822 a 1889 e foi dividido

em três momentos: Primeiro Reinado (1822- 1831), Regência (1831- 1840) e Segundo

Reinado (1840- 1889).

Segundo Fausto (2006), no Primeiro Reinado deu-se a consolidação da

Independência, após alguns conflitos militares relativamente graves, nos quais “os brasileiros

favoráveis à Independência reuniram forças consideráveis para lutar contra as tropas

portuguesas que aqui estavam desde a vinda da família real, em 1808” (FAUSTO, 2008, p.

143).

O processo de independência foi impulsionado pelas classes dominantes que

pretendiam preservar a liberdade de comércio e a autonomia administrativa do país, não tendo

como projeto modificar as condições de vida da maioria da população.

A formalização da independência ocorreu em agosto de 1825, quando o Brasil

concordou em recompensar a Metrópole em 2 milhões de libras pela perda da antiga colônia

(FAUSTO, 2008).

Após dois anos da Independência, um debate político encaminhava-se para a

aprovação de uma Constituição. Ressalte-se que as eleições para uma Assembleia

Constituinte, com a missão de elaborar a Constituição, já estavam previstas alguns meses

antes da Independência (FAUSTO, 2008).

No tocante ao atendimento de crianças, coube a José Bonifácio, membro da

Assembleia Constituinte, a apresentação do primeiro Projeto de Lei brasileiro que

demonstrava uma preocupação com a criança nacional, no caso ao menor escravo. Entretanto,

esse projeto representava mais uma forma de manutenção da mão-de-obra escrava do que um

meio para assegurar direitos humanos aquelas crianças (KAMINSKI, 2002).

5 O Capitalismo Industrial desenvolveu-se no processo da Revolução Industrial e passou por três fases significativas: a primeira fase denomindada de industrial liberal (1780 a 1870); a segunda fase de capitalismo

industrial monopolista (1870 a 1945) e a terceira fase denominada de internacionalização (pós 1945).

6 As ideias liberais correspondem às ideias de que o mercado é livre para gerir as relações sociais e econômicas,

em que o Estado deve agir minimamente. Portanto, são visualizadas ações voltadas para as privatizações,

individualismo, focalização das políticas públicas e descentralização do Estado.

7 A família Real chegou ao Brasil em 22 de janeiro de 1808, protegida por uma esquadra naval desembarcaram

na Bahia e um mês depois o príncipe regente português transferiu-se para o Rio de Janeiro, vindo a instalar ali a

sede de seu governo (COTRIM, 1999).

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A comissão começou a se reunir em maio de 1823 e a maior parte dos

constituintes adotava uma postura liberal moderada, defendendo uma monarquia

constitucional8 que garantisse os direitos individuais e estabelecesse limites ao poder do

monarca (FAUSTO, 2008).

Contudo, logo surgiram desavenças entre a Assembleia e Dom Pedro, pois a

Assembleia queria, por exemplo, impedir que o monarca tivesse o poder de veto absoluto,

para que ele não tivesse o direito de negar validade a qualquer lei aprovada pelo Legislativo.

Já o imperador e os círculos políticos que o apoiavam defendiam a concentração de maiores

atribuições nas mãos do monarca (FAUSTO, 2008).

Em vista disso, Dom Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte e logo em

seguida tratou de elaborar um projeto de Constituição que resultou na Constituição

promulgada em março de 1824. No entanto, esta não se diferenciava muito daquela proposta

anteriormente pela Assembleia, mas a “[...] primeira Constituição brasileira nascia de cima

para baixo, imposta pelo rei ao ‘povo’, embora devemos entender por ‘povo’ a minoria de

brancos e mestiços que votava e que de algum modo tinha participação na vida política”

(FAUSTO, 2008, p. 149).

A Constituição representava um avanço, ao organizar os poderes, definir

atribuições, garantir direitos individuais. O problema é que, sobretudo no

campo dos direitos, sua aplicação seria muito relativa. Aos direitos se

sobrepunha a realidade de um país onde mesmo a massa da população livre

dependia dos grandes proprietários rurais, onde só um pequeno grupo tinha

instrução e onde existia uma tradição autoritária. (FAUSTO, 2008, p. 149).

Sem grandes preocupações com a situação social de crianças naquele período,

mas sim com o perigo que ele poderia representar para a sociedade, “o menor teve ingresso no

Direito através dos atos de delinquência. Não (sendo) a sua pobreza que o conduziu até aqui,

mas a sua conduta danosa: o (seu) castigo foi a ideia inicial; só depois o amparo”

(KAMINSKI, 2002, p. 16 apud CAVALLIERI, 1976, p. 114).

Consoante Kaminski (2002), outra legislação referente à criança criada no

Primeiro Império, mas também sem grandes estratégias para proteção dessa categoria foi o

Código Criminal do Império de 1831, representando a primeira legislação nacional a referir-se

à criança, ou ao menor, considerando-a na classe dos menores criminosos, o que incluía as

pessoas até 21 anos de idade incompletos. Tal Código impunha ao menor a responsabilidade

8 Monarquia constitucional é um sistema de governo onde o monarca, que pode ser um rei, um imperador ou

figura semelhante, governa de acordo com a constituição e não através de sua vontade pessoal e livre.

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criminal pela prática de atos tidos como crimes. Representava uma lei penal e não de proteção

à integridade da criança e do adolescente.

Envolto em questões políticas, revoluções internas, como a Confederação do

Equador9, questões externas e o desgaste de seu governo, o imperador viu-se “obrigado” a

abdicar em favor de seu filho, Dom Pedro II, na época com sete anos de idade. O imperador

abdicou em sete de abril de 1831, retornando para Portugal (FAUSTO, 2008).

Iniciava-se o período imperial conhecido como Regência (1831- 1840), período

em que o país foi regido por figuras políticas em nome do menino imperador, até que este

completasse sua maioridade, que se daria em 1840. Tal período foi um dos mais agitados e

importantes da história política do país.

Para nós, interessa a política daquele momento, pois conforme Fausto (2008), o

sistema político ainda não se consolidara, mas destacavam-se dois partidos imperiais - O

Conservador e o Liberal. Os Conservadores reuniam magistrados, burocratas, uma parte dos

proprietários rurais e grandes comerciantes. Os Liberais eram a classe média urbana, alguns

padres e proprietários rurais de áreas menos tradicionais. Logo, ocorreu um momento de

regresso com a centralização política.

O Segundo Reinado, nos anos de 1840 a 1889, deu-se após a antecipação da

maioridade do rei, com o apoio dos liberais e naquela época a base da economia era o café,

sendo a base do café a mão-de-obra escrava. Os produtores de café não viam uma alternativa

para substituir o trabalho escravo e mesmo o Brasil sendo pressionado pela Inglaterra para

tornar o tráfico de escravos ilegal, o país continuava a traficar escravos, vindo a findar a

escravidão em 1888 (FAUSTO, 2008).

Em Gilberto Cotrim (1999), vemos que durante o período das regências muitas

revoltas eclodiram pelas províncias brasileiras, demonstrando a insatisfação popular e uma

crise econômica10

.

De acordo com Fausto (2008), a partir de 1850 ocorreu no Brasil a busca pela

modernização capitalista, assim houveram várias medidas visando mudar a fisionomia do

país, tais como a melhoria do precário sistema de transporte.

Após breves explanações sobre o Império no Brasil, focamos no tratamento

dispensado a crianças e adolescentes naquele período histórico. No século XIX, era ainda

comum a associação da infância à morte. Nas palavras de Ana Maria Mauad (2006)

9 A Confederação do Equador deu-se mediante ideias republicanas, antiportuguesas e federativas, opostas à

centralização do poder e pretendia reunir as províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,

Piauí e Pará sob forma federativa e republicana (FAUSTO, 2008). 10 Sobre as revoltas provinciais ver COTRIM (1999).

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“nascimento e morte são eventos opostos e tão ligados à infância oitocentista” (MAUAD,

2006, p. 156).

A mortalidade infantil apresentava índices elevados, sendo impulsionada pela

ausência de vacinação regular, o limitado conhecimento de doenças contagiosas e as

condições de higiene pouco favoráveis, deixavam as crianças a mercê de doenças variáveis,

dentre elas: tuberculose, febre amarela, febre palustre, meningite e pneumonia. Para Mauad

(2006):

Conforme o pensamento de pesar pela perda de uma criança se desenvolvia,

crescia também a preocupação em cuidar para a sua sobrevivência. Desta

tendência surgiu uma série de procedimentos para as diferentes etapas da

infância, com ênfase especial nos recém-nascidos e crianças até sete anos. No

entanto, diante de tantos personagens que povoavam o universo infantil,

durante o século XIX, numa sociedade como a brasileira, fica a pergunta: de quem era a responsabilidade de cuidar das crianças? (MAUAD, 2006, p.

160).

A mencionada autora nos apresenta a resposta para o questionamento acima: a

mãe. Era a mãe a responsável direta pelos cuidados com as crianças, seguida pelos pais, a avó

e as tias, contando com o auxílio de preceptoras, aias, amas, damas, pajens e outros. Assim,

“quanto mais ricos e nobres, na escala social, mais distantes dos pais estavam as crianças”

(MAUAD, 2006, p. 160).

Em decorrência da associação da fase da infância à morte, muitos adultos

demonstravam um desapego aos pequeninos, como forma de evitar um sofrimento maior face

à morte das crianças. Contudo, essa visão vai modificando-se com o passar do tempo e, “no

século XIX, a criança passa a ser considerada, tanto pela perenização da linhagem quanto pelo

reconhecimento de uma certa especialidade dessa etapa da vida. Por tudo isso ela inspira

carinho e cuidados” (MAUAD, 2006, p. 156).

As crianças escravas que resistiam aos navios negreiros e chegavam ao Brasil,

muitas vezes, perdiam seus pais, e quando órfãos conviviam com algum parente, padrinho ou

madrinha.

Aqueles que escapavam da morte prematura iam, aparentemente, perdendo os

pais. Antes mesmo de completarem um ano de idade, uma entre cada dez

crianças já não possuía nem pai nem mãe anotados nos inventários. Aos cinco

anos, metade parecia ser completamente órfã; aos 11 anos, oito a cada dez”

(GÓES e FLORENTINO, 2006, p. 180).

Góes e Florentino (2006) afirma que, sem a presença dos pais, as crianças

escravas vingavam entre irmãos, tios, primos, por vezes, avós, um padrinho ou madrinha. Tais

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crianças aprendiam desde muito cedo, por volta de quatro anos de idade, algum ofício, como

tarefas domésticas leves, plantio, pastoreio ou costura. As crianças escravas também estavam

expostas a humilhações e agravos, nem sempre a castigos físicos aplicados aos adultos, mas

sob ordens até de meninos livres.

Ainda de acordo com Góes e Florentino (2006), “por volta dos 12 anos, o

adestramento que as tornava adultas estava se concluindo. Nesta idade, os meninos e meninas

começavam a trazer a profissão por sobrenome: Chico Roça, João Pastor, Ana Mucama.

Alguns haviam começado muito cedo” (GÓES e FLORENTINO, 2006, p. 184).

Era comum a presença de crianças em navios de guerra e, assim como em

Portugal, no Brasil havia estabelecimentos que acolhiam crianças abandonadas e funcionavam

próximo às Santas Casas de Misericórdia e recebiam o nome de Casa dos Expostos11

. Muitos

desses meninos aceitos nas Casas dos Expostos eram criados para servirem nos navios

durante as guerras, pois representavam uma categoria que poderia realizar funções de adultos,

mas que necessitariam de menos gastos, como por exemplo, necessitavam de uma menor

quantidade de alimentos.

No Brasil, a situação não era muito diferente de Portugal. No decorrer do

período colonial e imperial, foram criadas várias casas dos expostos junto às

santas casas. Tais instituições funcionavam de acordo com os regimentos

lusitanos, recebendo e mantendo meninos e meninas até os mesmos

completarem sete anos. Em algumas instituições, é possível comprovar,

desde o século XVIII, o envio de meninos para trabalharem nos arsenais ou em navios mercantes. (VENANCIO, 2006, p. 196).

Conforme Ângela Pinheiro (2006), as primeiras manifestações de proteção social

para crianças naquele período do Império aponta para o surgimento da casa dos expostos,

quando as crianças abandonadas eram abrigadas nessa casa. Embora essa proteção se

manifestasse no campo da “benesse” e do “favor”, da caridade assumida por outros quando a

ausência de quem deveria proteger, originalmente, a criança. As casas dos expostos surgiram

desde o período colonial e eram mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia.

Criada em 1738, na cidade do Rio de Janeiro, por um benemérito de então,

Romão Mattos Duarte, a instituição era ligada às Santas Casas de Misericórdia, e tinha como objetivo acolher crianças que se encontravam

11 As casas dos expostos eram destinadas ao acolhimento de meninos e meninas órfãos ou abandonadas pelos

pais, muitas delas eram destinadas ao recrutamento para a guerra, pois acreditavam que por não terem um amor

dedicado a uma família essas crianças dedicariam todo seu amor à pátria (PINHEIRO, 2006).

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expostas, ou seja, abandonadas. Eram, em geral, crianças de famílias muito

pobres ou, também, os então denominados filhos ilegítimos ou bastardos-

tidos fora do casamento, em sua grande maioria, nascidos da relação de

senhores com escravas. (PINHEIRO, 2006, p. 53).

A situação de crianças e adolescentes durante o Império no Brasil foi marcada por

diferenciações no trato recebido por eles, período no qual crianças livres eram tratadas de uma

maneira específica e crianças escravas de maneira mais árdua e sem direito a uma infância

concreta.

As crianças livres tinham o amparo dos pais, recebiam uma alimentação mais

adequada e cuidados com a saúde e alimentação, ainda que de maneira não ideal. Já as

crianças escravas muitas vezes tornavam-se órfãs muito cedo, mantendo relações sociais com

irmãos, tios, avós ou outros parentes, sendo humilhadas.

Mas se a conjuntura social levou a criança brasileira a ter seu primeiro

contato com o mundo jurídico na área penal, de interesse da proteção social

dos indivíduos contra os seus atos ofensivos, e não na área da proteção

individual de seus direitos contra os atos ameaçadores ou violados dos outros,

as ideias humanas de liberdade retomaram com muito vigor a partir de 1860,

quando aprovada lei de autoria do senador Silveira da Mota, em 12 de junho

de 1862. (KAMINSKI, 2002, p. 17).

Essa lei dispunha da proibição da venda de escravos separados de seus pais e as

mulheres de seus maridos. Foi a primeira lei a referir-se à criança brasileira e ao direito dela

ao convívio familiar, embora estivesse longe ainda de por fim à escravidão no Brasil

(KAMINSKI, 2002).

No tocante à liberdade das crianças escravas foi em 28 de setembro de 1871 que

se aprovou a Lei n.º 2.040, conhecida como Lei do Ventre Livre, por meio da qual se

consideravam livres todos aqueles nascidos de mães escravas, tendo, no entanto, fracassado

em virtude das condições de servidão que rodeavam seus cotidianos (KAMINSKI, 2002).

Para Cotrim (1999), a queda da monarquia deu-se por várias questões, dentre as

quais podemos citar a questão abolicionista, a questão republicana, a questão religiosa e a

questão militar, ou seja, vários setores da sociedade estavam em oposição.

A questão abolicionista diz respeito à insatisfação dos senhores de escravos com a

libertação dos escravos sem uma indenização paga pelo Estado. A questão republicana

remete-se às ideias republicanas que guiavam diversos movimentos históricos. A questão

religiosa era a submissão da Igreja católica ao Estado. A questão militar refere-se à busca dos

oficiais do Exército por dignidade e voz ativa na vida pública (COTRIM, 1999).

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Não havia no Império esforços coletivos que contemplassem uma proteção social

baseada no direito e na cidadania para a categoria infantil, sendo essa responsabilidade

assumida pela família ou por instituições de caridade. Sabemos que a construção da política

social no Brasil foi construída lentamente e de acordo com Behring e Boschetti (2011) até

1887 não se registra nenhuma legislação social.

1.2 A infância como objeto de controle do Estado: Da Primeira República ao Regime

Militar

Com a passagem do Império para a República no Brasil, sucedeu-se também uma

nova concepção de infância e adolescência em nosso território, na forma de atendimento a

esta categoria. Contudo, a princípio realizaremos uma breve consideração sobre este período

histórico a fim de conhecermos o que refletiu nessa mudança.

A Proclamação da República no Brasil deu-se em 15 de novembro de 1889 e

perdurou até o ano de 1930, foi o período histórico em que o país passou por uma grande

incerteza, pois vários grupos que disputavam o poder tinham interesses diversos e divergiam

em suas concepções de como organizar a República (FAUSTO, 2008).

De acordo com Passeti (2006), com a Proclamação da República, aguardava-se

um regime político democrático que possibilitasse garantias aos indivíduos. O novo século

apontava muitas esperanças e um frescor nacionalista. Ao passo que na realidade o que se

visualizava era cada vez mais crueldades contra crianças e adolescentes que demandava uma

ação do Estado, ação esta que veio na forma de proteger a sociedade do perigo que essas

crianças desvalidas poderiam representar.

Veio um século no qual muitas crianças e jovens experimentaram crueldades

inimagináveis. Crueldades geradas no próprio núcleo familiar, nas escolas,

nas fábricas e escritórios, nos confrontos entre gangues, nos internatos ou nas

ruas entre traficantes e policiais. A dureza da vida levou os pais a

abandonarem cada vez mais os filhos e com isso surgiu uma nova ordem de

prioridades no atendimento social que ultrapassou o nível da filantropia

privada e seus orfanatos, para elevá-los às dimensões de problema de Estado

com políticas sociais e legislação específica. (PASSETTI, 2006, p. 347).

A prioridade no atendimento era de pessoas que moravam no subúrbio, em casas

de aluguel, cortiços ou barracos, pois estas eram vistas como trocando regularmente de

parceiros, constituindo famílias muito grandes, filhos desnutridos e sem cuidados. Possuíam

carências culturais, psíquicas, sociais e econômicas (PASSETTI, 2006).

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Frente à ideia de que a falta de uma família estruturada implicaria na

criminalidade e na delinquência, o Estado passou a chamar para si as tarefas de educação,

saúde e punição para crianças e adolescentes.

Desta forma, a integração dos indivíduos na sociedade, desde a infância,

passou a ser tarefa do Estado por meio de políticas sociais especiais

destinadas às crianças e aos adolescentes provenientes de famílias

desestruturadas, com intuito de reduzir a delinquência e a criminalidade.

(PASSETTI, 2008, p. 348).

Conforme Kaminski (2002), assim surgiam as primeiras atenções especiais à

criança e ao adolescente, como forma de proteger a sociedade das ações dos “menores

delinquentes”, como maneira de manter a ordem e o progresso nacional. Visavam punir e

responsabilizar penalmente os menores por seus atos delinquentes.

Se antes a criança e o adolescente eram de total responsabilidade de sua família, a

partir dos problemas que eles poderiam representar a ordem social, o Estado passa a realizar

ações que evitassem a delinquência e a criminalidade. Não significava, portanto, que o Estado

estivesse preocupado com a situação dos meninos e meninas pobres, mas sim com o “perigo”

que estes poderiam representar caso permanecessem na ociosidade.

Surge a representação social da criança e do adolescente como objetos de controle

e disciplinamento. Portanto, a criança e o adolescente deveriam servir aos interesses do

Estado, contribuindo para o desenvolvimento nacional, deveriam ser submissos ao Estado

(PINHEIRO, 2006).

Com a abolição do regime escravocrata e o início da fase republicana, combinam-

se as ações de médicos higienistas que colaboraram para a concepção da criança com o

investimento do Estado, segundo o qual era preciso criar filhos para a Nação, cultivar o amor

à família e ao Estado.

Com esses ditames, uma exigência se impunha: disciplinar e controlar as

crianças e adolescentes- em especial os pertencentes às classes subalternas-

para que se tornassem úteis à Nação, como mão-de-obra adequada às tarefas

próprias a um país subdesenvolvido, com uma história social recente de mão-

de-obra escrava, de economia sujeita aos ditames do país colonizador.

(PINHEIRO, 2006, p. 57).

Deste modo, começava a construção de uma imagem da criança e do adolescente

como o “menor” e no final do século XIX o menor vai surgindo como categoria que define

crianças e adolescentes pobres das cidades, sem a autoridade dos pais (TORRES et al., 2009).

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A urgência em intervir, educando ou corrigindo os menores, passa a ser

fundamental, e a virada do século é marcada pela intervenção do poder

público na elaboração e execução de ações voltadas para o atendimento,

realizado quase que exclusivamente pela iniciativa privada até aquele

momento. (TORRES et al., 2009, pp. 101-102, grifos do autor).

Vários fatores contribuíram para essa visão sobre a infância e a adolescência,

dentre eles: “o processo de instituição da infância no Brasil do início do século XX ocorreu,

portanto, na intersecção entre medicina, justiça e assistência pública, tendo como foco a

infância como objeto de atenção e controle por parte Estado” (PEREZ e PASSONE, 2010, p.

654).

Neste período, entre os anos de 1889 a 1830, temos como mais significante em

relação às crianças e adolescentes o Código Penal da República, em 1890; uma legislação

para a assistência à infância, em 1891; o Juízo Privativo de Menores, em 1923 e o Código de

Menores de 1927.

O Código Penal da República foi criado através do Decreto n.º 847, de 11 de

outubro de 1890, e sua relação com a criança deu-se do fato de este Código declarar que não

são considerados criminosos as crianças menores de nove anos completos (BRASIL, 1890).

Em 1891, registrou-se o que Behring e Boschetti (2011) consideram como a

primeira legislação para a assistência à infância no Brasil, o que regulamentou o trabalho

infantil, embora nunca tenha sido cumprida na realidade.

Já o Juízo Privativo de Menores, ou Juizado do Menor, foi instituído com o

Decreto n.º 16.272 de dezembro de 1923, instalando-o na cidade do Rio de Janeiro. Este

decreto aprovou o Regulamento da Assistência e Proteção aos Menores Abandonados e

Delinquentes, estabelecendo assistência e proteção aos abandonados e delinquentes com idade

menor de 18 anos (BRASIL, 1923).

O Juizado do Menor apresentava ainda a concepção de pátrio poder e

esclarecimentos sobre Tutela, relatando que nos casos em que comprovada negligência ou

abuso de poder, crueldade, exploração, que comprometam à saúde, à segurança ou moralidade

do filho ou pupilo, será determinada a suspensão ou perda do pátrio poder ou a destituição da

tutela.

O artigo 18º trata das medidas aplicáveis aos menores e aponta que, quanto à

autoridade a quem incumbir a assistência e proteção aos menores, esta deverá tomar

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providências como apreensão, ou internação em local apropriado de menores abandonados e

providenciará sobre sua guarda (BRASIL, 1923).

Os artigos 62º a 64º tratam do abrigo dos menores, estabelecendo um abrigo

destinado a receber provisoriamente, até que tenham destino definitivo, os menores

abandonados e delinquentes, devendo meninos e meninas permanecer em locais diferentes e

ocupando-se de exercícios de leitura, escrita, contas e jogos desportivos (BRASIL, 1923).

A situação de dependência desse menor ainda não era atribuída aos fatores

estruturais, mas sim interpretada como uma condição natural da orfandade,

ou vista como uma culpa à incompetência das famílias pobres de cuidarem dos seus filhos. Nasce daí que a ausência, a pobreza e a desestruturação

familiar assumem-se culpadas por aquela situação do menor. Embora a causa

relativa ao fator econômico fosse bastante visível e até conhecida pelos

legisladores e estudiosos, nenhuma solução era apresentada para o seu

enfrentamento. (KAMINSKI, 2002, p. 26).

O primeiro Código de Menores foi instituído pelo Decreto n.º 17.943, de outubro

de 1927, e também consolidava as leis de assistência e proteção a menores. Em seu Capítulo

III, no artigo 14º, declara como expostos os infantes com até sete anos de idade, encontrados

em estado de abandono. Aponta ainda que a admissão dos expostos em abrigos será mediante

consignação direta, eliminando o sistema de rodas, no qual a criança era deixada em cilindros

sem a identificação dos pais ou da pessoa que a levava (BRASIL, 1927).

O aspecto mais relevante deste Código foi o fato de esclarecer “definitivamente o

dever do Estado em assistir os menores que, devido à pobreza, ao abandono ou à morte dos

pais, tornavam-se dependentes da ajuda e da proteção pública como única forma de

assistência” (KAMINSKI, 2002, p. 26).

Dava-se início a uma maior intervenção junto às problemáticas sociais que

rodeavam a vida da criança, ao passo que discriminatoriamente lhe atribuíam à condição de

pobreza, culpabilizando-o ou por conta da ausência dos pais. Nas palavras de Torres et al.

(2009) vemos que “é a partir deste primeiro Código que a palavra menor se consolida como

classificatória da infância pobre e, contraditoriamente, é também a partir dele que começam a

ser formuladas estratégias relativas à intervenção junto a esse menor” (TORRES et al., 2009,

p. 102).

Assim, as palavras de Torres et al. sintetizam bem o atendimento ofertado a

crianças e adolescentes no período da Primeira República no Brasil:

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Portanto, a assistência oficial desse período segue a tradição das iniciativas

caritativas, constituindo-o basicamente, na mera montagem de um sistema de

atendimento de caráter correcional, reformista e repressivo materializado nos

institutos, internatos, reformatórios, escolas premunitórias e correcionais.

(TORRES et al., 2009, p. 103).

Saltando da República Velha para a República Nova12

, vemos que o contexto

econômico do Brasil passava por uma crise na produção agrícola, pois não havia mercado

para as exportações, havia a ruína de fazendeiros e desemprego nas grandes cidades. No

campo político, as oligarquias tradicionais buscavam reconstruir o Estado nos velhos moldes

(FAUSTO, 2006).

Conforme Cotrim (1999), a desestruturação da República Velha ocorreu a partir

do enfraquecimento econômico da oligarquia cafeeira e da ruptura do acordo político entre as

lideranças de Minas Gerais e São Paulo, tal desentendimento agitou o país.

Para Behring e Boschetti (2011), essas transformações nacionais sofreram as

consequências da crise econômica mundial, pois o nosso país, que vinha de um mercado de

agroexportação de café, viu-se sem compradores internacionais e assim as oligarquias

exportadoras tornaram-se vulneráveis politicamente e economicamente. Ao passo que as

oligarquias do gado, do açúcar e outras, as quais se encontravam fora do núcleo do poder,

aproveitaram para alterar as correlações de forças.

[...] Pois bem, o advento da crise internacional de 1929-1932 teve como

principal repercussão no Brasil uma mudança da correlação de forças no

interior das classes dominantes, mas também trouxe consequências

significativas para os trabalhadores, precipitando os acontecimentos na efervescente sociedade brasileira daqueles tempos. (BEHRING e

BOSCHETTI, 2011, p. 104).

De tal modo, chegaram ao poder político outras oligarquias agrárias e um setor

industrialista, indo de encontro à hegemonia do café, vislumbrando uma modernização do

país. Para Behring e Boschetti (2011), o movimento de 1930 “[...]foi sem dúvida um

momento de inflexão no longo processo de constituição de relações sociais tipicamente

capitalistas no Brasil” (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 105).

O período que Vargas permaneceu no poder foi marcado por uma política

trabalhista, mostrando-se inovadora e que dava início à industrialização do país. Desse modo,

12

República Nova é o período da história do Brasil que marca a decadência das oligarquias cafeeiras no poder e

dá-se início ao período conhecido como Estado Getulista, período em que após o Golpe do Estado de 1930,

precedido por Getúlio Vargas este assume a presidência do país, permanecendo entre os anos de 1930 a 1945,

inicialmente provisoriamente, depois eleito pelo voto indireto e por fim como ditador (FAUSTO, 2006).

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tinha por objetivo reprimir a organização da classe trabalhadora urbana e conquistar o apoio

ao governo (BEHRING e BOSCHETTI, 2011).

No que concerne às crianças e adolescentes, algumas legislações e instituições

foram criadas para atender a esse público, embora marcadas ainda pela caridade, reformismos

e paternalismo.

No Governo Varguista, foi criado o Instituto Sete de Setembro destinado a

recolher, em depósito, por ordem do Juiz de Menores, as crianças e adolescentes abandonados

nos termos da lei, até que estes tenham destino conveniente, sendo o referido instituto

regulamentado pelo Decreto n.º 21.518 de junho de 1932. Para tanto, os meninos deveriam

permanecer em local diferente das meninas e criado também uma sessão infantil (BRASIL,

1932).

De acordo com Kaminski (2002), podemos citar como relevante no tocante à

criança e ao adolescente a Carta Constitucional de 1934, pois esta foi a primeira Constituição

a referir-se à criança e ao adolescente, à defesa e à proteção de seus direitos, proibindo todo

tipo de trabalho aos menores de 14 anos, o trabalho noturno aos menores de 16 anos e o

trabalho insalubre aos menores de 18 anos de idade.

O autor supracitado relata ainda que, no Estado Novo, embora em período de

restrições devido à Ditadura de Vargas, houve uma maior proteção à criança carente. Por

meio da Constituição de 1937, foram lançados dispositivos mais modernos em relação à

criança e ao adolescente, garantindo-lhes condições mínimas para o seu desenvolvimento, a

partir das quais o Estado deveria provê-las e garantir a esses garotos e garotas o acesso ao

ensino público e gratuito aos que não tivessem condições de pagar.

Outra legislação voltada para a criança e adolescente foi formulada no ano de

1940, o Decreto n.º 2.024 de 17 de fevereiro do referido ano, que dispõe sobre as bases da

organização da proteção à maternidade, à infância e à adolescência em todo o país (BRASIL,

1940).

Tal legislação, em seu artigo 4º, estabelecia a criação do Departamento Nacional

da Criança, vinculado ao Ministério da Educação e Saúde, estabelecendo o referido

departamento como o órgão maior de coordenação de todas as atividades nacionais relativas à

proteção à maternidade, à infância e adolescência, tendo entre outras funções: realizar

inquéritos e estudos sobre o problema social da maternidade, da infância e da adolescência;

estimular e orientar a organização de estabelecimentos estaduais, municipais e particulares

destinados à proteção à maternidade, à infância e à adolescência, fiscalizar em todo o país, a

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realização das atividades que tenham por objetivo a proteção das categorias citadas (BRASIL,

1940).

No artigo 7º, o referido decreto estabeleceu que o Conselho Nacional de Serviço

Social cooperasse com o Departamento Nacional da Criança no estudo das questões relativas

à proteção à maternidade, à infância e à adolescência (BRASIL, 1940).

Atentando para o que de fato guiava as ações do Estado naquele período frente à

problemática social de crianças e adolescentes, concordamos com Ângela Pinheiro (2006)

quando ela aponta que:

Os cuidados com a saúde da criança, decorrentes das ações do Departamento

Nacional da Criança, parecem manter estreita relação com a necessidade de

preservar a vida e de contribuir para a formação de mão-de-obra saudável,

requerida pela industrialização que se intensificava no país. (PINHEIRO,

2006, p. 121).

Com o Decreto-lei n.º 3.799 de cinco de novembro de 1941, Getúlio Vargas

transforma o Instituto Sete de Setembro em Serviço de Assistência ao Menor (SAM),

diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores e em articulação com

o Juízado de Menores do Distrito Federal (BRASIL, 1941).

O SAM tinha por finalidade: sistematizar e orientar os serviços de assistência a

menores desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares;

proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos;

abrigar os menores, à disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal; estudar as causas

do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos (BRASIL,

1941).

Verificamos que os serviços e instituições criadas ainda não se pautavam na

lógica do direito de cidadania de crianças e adolescentes, mas como estratégias de punição

dos menores e como forma de mantê-los sob controle, a fim de não perturbarem a ordem e o

progresso, assim “[...]essas práticas, parecem-me, estavam sedimentadas na representação

social da criança e do adolescente como objeto de repressão social, ao mesmo tempo em que

fortaleciam tal representação e a legitimavam” (PINHEIRO, 2006, p. 122).

Após um jogo político complexo, Getúlio Vargas é deposto do poder e militares e

a oposição liberal decidiram entregar o poder ao presidente do Supremo Tribunal Federal,

com a previsão de eleições para o cargo de presidente do país. Iniciava-se o governo

democrático que perdurou entre os anos de 1945 a 1964.

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Gilberto Cotrim (1999) esclarece que em seguida foram realizadas eleições gerais

em todo o país e para a presidência da República foi eleito Eurico Gaspar Dutra. Depois de

sete meses de trabalho legislativo, foi promulgada em setembro de 1946 a nova Constituição

brasileira13

, vigorando até 1964.

Houve naquela época a continuidade do aparato legal para crianças e

adolescentes, mas sem grandes relevâncias a nível nacional. A Constituição de 1946, apenas

ratificou o conteúdo das anteriores e “só inovou ao impor o dever estatal de proteção e

assistência à maternidade, à infância e a adolescência, além de estender a proibição do

trabalho noturno aos menores de 18 anos” (KAMINSKI, 2002, p. 27).

Ocorria, então, a decadência do SAM, que criado para dar assistência aos menores

desvalidos e delinquentes não estava cumprindo sua função. O SAM passou a sofrer críticas

em virtude de sua grande repressão contra os menores, e em meio às críticas o SAM perdeu

sua legitimidade institucional como órgão oficial de assistência à criança e ao adolescente.

Após o governo de Dutra, tivemos o retorno de Getúlio Vargas ao poder, dessa

vez eleito pelo voto direto e construindo um governo com características de nacionalismo

econômico e o trabalhismo. Perpassamos ainda pelo governo de Juscelino Kubitschek (entre

os anos de 1956-1961), Jânio Quadros (1961), João Goulart (1961- 1964) até ocorrer um

retrocesso quanto aos direitos políticos e sociais com a instauração do Golpe Militar de 1964.

Conforme Gilberto Cotrim (1999), o golpe militar explodiu com a rebelião das

Forças Armadas contra o governo de João Goulart, tal movimento teve início em Minas

Gerais sob o comando do general Olímpio Mourão Filho, ganhando adesão de outras unidades

militares de São Paulo, Rio Grande do Sul e do antigo estado da Guanabara. Assim, sem

condições de reagir ao golpe, João Goulart deixou Brasília e exilou-se no Uruguai. Começava

o Golpe Militar.

Com o Golpe Militar de 1964 no Brasil, o nosso país encontrava-se na contramão

do plano internacional, pois o contexto internacional estava marcado por uma reação burguesa

à crise do capital, enquanto no Brasil vivia-se um momento de expansão da produção em

massa de automóveis e eletrodomésticos para o consumo de massa restrito, o chamado

Milagre Econômico. Havia crescimento econômico e pouco desenvolvimento social.

13 A Constituição de 1946 estabeleceu princípios básicos, como o estabelecimento da democracia como regime

político da nação; a federação como forma de Estado; o presidencialismo como sistema de governo; direito de

voto secreto e universal para os maiores de 18 anos; direitos trabalhistas e direito do cidadão à liberdade de

pensamento, de crença religiosa, de expressão, de locomoção e de associação de classe, dentre outros (COTRIM,

1999).

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Consoante Cotrim (1999), o contexto político marcado por repressões e violações

de direitos, a situação complicou-se ainda mais com o decreto do Ato Institucional n.º 514

,

pois se utilizando desse ato o governo prendeu milhares de pessoas em todo o país, fechou o

Congresso Nacional e cassou o mandato de muitos políticos, estabeleceu-se a censura aos

meios de comunicação e a tortura tornou-se integrante dos métodos de governo.

O regime militar representou retrocessos quanto aos direitos políticos e sociais e

atingiu terrivelmente a vida dos cidadãos brasileiros, muitos foram presos, torturados,

exilados e muitos continuam desaparecidos15

.

A redistribuição dos ganhos era restrita, mas muitos acreditavam no sonho da casa

própria e do carro. Por outro lado, “expandia-se também a cobertura da política social

brasileira, conduzida de forma tecnocrática e conservadora, reiterando uma dinâmica singular

de expansão dos direitos sociais em meio à restrição dos direitos civis e políticos,

modernizando o aparato varguista” (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 135).

Após o Golpe Militar de 1964, foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do

Menor (FUNABEM), “uma instituição para viabilizar a assistência à criança e ao adolescente,

configurados como ‘menores’ em situação irregular” (PINHEIRO, 2006, p. 125). Esta

Fundação buscou institucionalizar um novo padrão de assistência à criança e mesmo com

características controladoras e repressivas tinha conotação educativa.

Criação também do período ditatorial foi o Novo Código de Menores. Organizado

a partir da Lei n.º 6.697 de 1979, o Novo Código acolheu a chamada Doutrina da Situação

Irregular do Menor, dirigindo-se somente a três classes de menores: os abandonados

materialmente, intelectualmente e juridicamente; as vítimas de maus-tratos, desassistidos e

explorados; infratores ou inadaptados (KAMINSKI, 2002 apud CAVALLIERI, 1986, p. 60).

O Código de Menores de 1979 dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a

menores. Trata ainda das entidades de assistência e proteção ao menor, da colocação em lar

substituto, da guarda, tutela e das infrações do trabalho (BRASIL, 1979).

Então, o que acontecia com essa legislação é que ainda continuávamos a ver

as crianças na situação jurídica de incapacidade, como objetos de medidas,

14 O Ato Institucional n.º 5(AI-5) conferia ao presidente da República poderes totais para reprimir e perseguir as

oposições, podendo o presidente fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas e Câmaras de

Vereadores, bem como suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos, dentre outras arbitrariedades e

descumprimentos da Constituição (COTRIM, 1999).

15

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei n.º 12.528/11, instituída em maio de 2012, e tem por

finalidade a apuração das violações de direitos humanos e a desvendamento da verdadeira história por trás da

perseguição e tortura de brasileiros no período da Ditadura Militar. Maiores informações acessar o site:

<http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-informacao/a-cnv>.

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sem vontades ou direitos; o que se vê vem desde que foi descoberta. O Estado

não protegia todas as crianças brasileiras, só concebendo suas benesses

àquelas que se encontravam em situação de falta, de carência ou de

transgressão. O Estado ainda não atuava para garantir direitos, mas apenas

para resgatá-los, mantendo uma política compensatória. (PINHEIRO, 2006,

p. 32).

Por um longo tempo, a assistência à criança permaneceu sob a proteção familiar

ou religiosa, com base na caridade e na benesse. Dando lugar a uma proteção que visava

afastar a ameaça que as crianças e adolescentes abandonados e delinquentes poderiam

representar à sociedade. A proteção à criança e ao adolescente baseada na condição de

sujeitos de direitos inexistiu até o término do período da Ditadura Militar.

Como vimos, desde a Proclamação da República ao Regime Militar, a criança e o

adolescente no Brasil foram tratados como objeto de controle do Estado, como passivo de

punição e repressão, não tendo o que se falar em cidadania e proteção social na perspectiva da

garantia de direitos.

1.3 Criança e adolescente como sujeitos de direitos: Da redemocratização aos dias atuais

Como vimos no tópico anterior, até os anos finais da Ditadura Militar no Brasil a

criança e o adolescente eram compreendidos a partir da situação irregular, ou seja, eram vistos

como objeto de controle do Estado e passíveis de repressão e disciplinamento, visto sob o

aspecto jurídico. Entretanto, desde a passagem dos anos 1970 para os anos de 1980 a

articulação entre setores da sociedade passou a colaborar para a construção de uma nova

concepção sobre meninos e meninas no nosso país, consolidando-se na representação social

de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, embora ainda coexistissem as outras

representações sociais de crianças e adolescentes.

Entendemos que a passagem do regime ditatorial para o regime democrático16

consolidou-se com a Promulgação da Constituição Federal de 1988, mas que acontecimentos

anteriores à Carta Magna construíram essa possibilidade de abertura política17

.

16 Regime democrático é o regime de governo em que é garantido a participação popular, os direitos humanos e

sociais, eliminando-se qualquer forma de repressão e censura. Antes é assegurado à população o direito de

participação política e a escolha por seus representantes políticos. 17 Dentre tais acontecimentos, citemos a Campanha da “Diretas Já”, a qual de acordo com Boris Fausto (2006),

foi uma campanha iniciada pelos anos de 1983 pelo partido político PT, em prol de eleições diretas para a

presidência da República. Posteriormente teve apoio de outros partidos como o PMDB. Contudo, tal campanha

foi além das organizações partidárias e converteu-se em uma quase unanimidade nacional. Embora não tenha

alcançado seu objetivo central, a campanha “Diretas Já” representou um exemplo de mobilização popular.

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Neste cenário envolto em insatisfações e luta dos movimentos sociais, fortaleceu-

se também os movimentos populares em defesa da cidadania de crianças e adolescentes.

Assim sendo, Ângela Pinheiro (2006) caracteriza aquele cenário sócio-histórico tomando

como eixos norteadores dois elementos-chave da realidade, sendo “a luta pela

redemocratização e a atuação dos movimentos sociais, constituindo uma esfera pública, nos

embates pela instituição dos direitos” (PINHEIRO, 2006, p. 110).

Complementa ainda quando diz:

O início da década de 1970 ainda configurava o vigor do regime de exceção a

que estava submetida a Nação, desde o golpe militar de 1964. A partir dos

meados dos anos 1970, contudo, começa a se delinear, no País, um novo

momento político, caracterizado pela luta em prol da redemocratização, pela

formulação de um modelo de democracia participativa e pela conquista e

institucionalização de novos direitos. (PINHEIRO, 2006, p. 110).

De acordo com Pinheiro (2006), aquele período de redemocratização, que se

iniciara nos anos de 1970 e consolidou-se no final dos anos de 1980, deu-se envolto em

efervescência política, em que se constituía uma sociedade civil com novo perfil e ocorria a

entrada de novos atores na cena política, configurando-se uma renovação da cultura política

brasileira, com a revalorização de conceitos como democracia, cidadania e direitos humanos.

Portanto, é neste cenário que entra em cena a defesa de uma nova interpretação

sobre crianças e adolescentes, pautada nesses sujeitos como sujeitos de direitos e uma nova

esfera pública vai se constituindo: “ a nova esfera pública configura-se como espaço de

disputa, só que agora na cena pública, lugar de encontro das diferenças e dos sujeitos

coletivos, em que os múltiplos interesses divergentes irão se confrontar” (RAICHELIS, 1998,

p. 81).

A representação social18

da criança e do adolescente como sujeitos de direitos é

bem recente e se forja a partir dos anos 1970, no contexto da efervescência da luta pelos

direitos humanos, que se construía a nível mundial. No Brasil, essa luta se intensifica em

paralelo aos esforços da sociedade nos anos 1970 e na década de 1980, pela democratização

do país e pela garantia de direitos (PINHEIRO, 2006).

Segundo Ângela Pinheiro (2006), essa concepção da criança e do adolescente

como sujeitos de direitos tem fundamento em dois princípios: a igualdade perante a lei e o

respeito à diferença, segundo os quais prevalecem o princípio da igualdade perante a lei se

18 Representação social é referente a concepção que a sociedade de modo geral atribue a determinada categoria,

portanto, trata-se da forma como a sociedade percebe e entende específicos grupos de sujeitos.

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manifesta pela universalização dos direitos, a garantia de todos os direitos para todas as

crianças, sem critério classificatório, sem distinção de origem socioeconômica, idade ou

estrutura familiar.

Para a supracitada autora, o princípio do respeito à diversidade refere-se ao fato de

a criança e o adolescente serem pessoas em desenvolvimento e que necessitam de proteção do

Estado, da sociedade e da família, sendo considerados a partir de suas diferenças, mas não

como seres inferiores.

Com base neste pensamento, crianças e adolescentes têm poder de escolha, de

tomar decisões de participar ou não de programas ou de atividades, as quais devem ser

realizadas preferencialmente em espaços abertos contrapondo-se às instituições fechadas e

pautadas na repressão (PINHEIRO, 2006).

As atividades não se revestem de obrigatoriedade: para a escolha da atividade

e a frequência a elas, a criança e o adolescente participam das decisões. É

nesse sentido que se pensa a criança e o adolescente, na perspectiva dessa

representação social, como sujeitos - de direitos, que participam, que

escolhem (PINHEIRO, 2006, p. 83).

Se antes eram comuns práticas de confinamento e castigos físicos, a partir dessa

nova compreensão da infância e da adolescência têm-se ações permeadas pelo diálogo, pelo

envolvimento da comunidade e da família nos programas para crianças e adolescentes e

aplicação de medidas socioeducativas para adolescentes infratores.

[...] a representação social da criança e do adolescente como sujeitos de

direitos parece constituir uma ruptura, no que concerne às visões, às

concepções que lhe antecederam, por ser a primeira representação a

reconhecer todas as crianças e adolescentes como portadores de direitos, e,

portanto, a reconhecer a sua condição de cidadania [...]. (PINHEIRO, 2002,

p. 85).

Contudo, essa recente representação social de crianças e adolescentes exige uma

reforma moral e intelectual na vida social brasileira, visto que a existência de legislações para

esse público-alvo não significa que de fato as crianças e adolescentes estão sendo valorizados

e respeitados.

A nova forma de entender a infância e a adolescência tem sua formalização na

Doutrina da Proteção Integral, a qual se caracteriza apresentar uma doutrina que defende que

a proteção integral deve ser formada por um conjunto de cuidados para a proteção e a

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assistência à criança, fazendo-a a assumir suas responsabilidades na comunidade e

desenvolvendo sua personalidade (PINHEIRO, 2006).

As políticas públicas para crianças e adolescentes no Brasil acompanham o

momento histórico do Brasil, no qual se buscavam uma redemocratização e uma defesa dos

direitos sociais e políticos, tendo sido a Constituição Federal de 1988 o marco que pôs fim aos

últimos vestígios do regime autoritário e representando avanços, especialmente no campo dos

direitos sociais.

Assim, entendemos que “a Constituição de 1988 refletiu o avanço ocorrido no

país especialmente na área da extensão de direitos sociais e políticos aos cidadãos em geral e

às chamadas minorias. Entre outros avanços, reconheceu-se a existência de direitos e deveres

coletivos, além dos individuais” (FAUSTO, 2008, p. 525).

A Constituição de 1988 aborda a questão da criança e do adolescente em seus

artigos 227 a 229, reconhecendo-os como sujeitos de direitos (BRASIL, 1988). Dessa forma,

no artigo 227 institui que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,

à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo

de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão (BRASIL, 1988).

Perez e Passone (2010) sintetizam que, a partir da Carta Magna de 1988, foram

instituídas ordenações legais com base nos direitos sociais, dentre elas: o Estatuto da Criança

e do Adolescente - ECA (Lei Federal n.º 8.069/90 que dispõe dos direitos e deveres da criança

e do adolescente); a Lei Orgânica da Saúde - LOS (Lei Federal n.º 8.080/90 que dispõe sobre

as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o

funcionamento dos serviços correspondentes); a criação do Conselho Nacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente - CONANDA (Lei Federal n.º 8.242/91 que aprova a criação do

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente); a Lei Orgânica da Assistência

Social - LOAS (Lei Federal n.º 8.742/93 que dispõe sobre a organização da Assistência

Social); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (Lei Federal n.º 9.394/96

que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional); Lei Orgânica de Segurança

Alimentar - LOSAN (Lei Federal n.º 11.346/06 que cria o Sistema Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação

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adequada) e à integração dos serviços sociais, por meio do Sistema Único de Assistência

Social.

Todo esse aparato legal representou conquistas para a população e possibilitou,

embora teoricamente, o atendimento das necessidades da população, como saúde, educação,

alimentação e outras, estendendo-se ao público infanto-juvenil. Essas legislações representam

o novo conceito de cidadania com base na garantia de direitos e representam também um

marco de conquistas legais na área dos direitos de crianças e adolescentes.

Contudo, devemos lembrar que a conjuntura que adentrava os anos 1990 era

marcada pelo avanço das políticas neoliberais no Brasil. Para Behring e Boschetti (2011):

Apesar do ascenso das lutas democráticas e dos movimentos sociais, que

apontavam condições políticas e uma base de legitimidade forte para a

realização de reformas efetivas, muitas contratendências se interpuseram a

essa possibilidade. Os anos 1990 até os dias de hoje têm sido de

contrarreforma do Estado e de obstaculização e/ou redirecionamento das

conquistas de 1988, num contexto em que foram derruídas até mesmo

aquelas condições políticas por meio da expansão do desemprego e da

violência. (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 147).

Com a primeira eleição direta para presidência no ano de 1989, em que

disputaram em segundo turno o candidato Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de

Mello, as esperanças de um período de democracia e participação popular se renovavam.

Porém, as elites depositaram sua confiança em Collor de Mello, pois o discurso dele era

também o dos setores insatisfeitos com a Carta Constitucional. Ainda pelo fato de Collor de

Mello ter sua origem na classe burguesa.

Adentrávamos uma década de 1990 com expectativas e esperanças democráticas

na política e na economia, mas também rodeada de tendências regressivas e conservadoras.

Embora tivéssemos um acúmulo de forças pelos trabalhadores e movimentos populares, as

classes até então dominantes não iriam abrir mão tão fácil do poder e logo buscariam formas

de frear as esperanças das classes populistas.

De acordo com Behring e Boschetti (2011), o contexto político dos anos

pós-Constituição Federal de 1988 foram marcados por reformas neoliberais com ênfase nas

privatizações. As autoras apontam que:

Ao longo dos anos 1990, propagou-se na mídia falada e escrita e nos meios

políticos e intelectuais brasileiros uma avassaladora campanha em torno de

reformas. A era Fernando Henrique Cardoso(FHC) foi marcada por esse mote, que já vinha de Collor, cujas características de outsider (ou o que vem

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de fora) não lhe outorgaram legitimidade política para conduzir esse

processo. (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 148).

No começo da década de 1990, o Brasil passou por quatro gestões presidenciais,

iniciando com Fernando Collor de Mello, que foi quem de fato implementou no país o projeto

neoliberal e veio a sofrer um impeachement. Assim, em 1992, o vice de Collor de Mello,

Itamar Franco, assume a presidência. Em 1995, é eleito para presidente o Fernando Henrique

Cardoso, e este permanece por dois mandatos.

Nesse contexto de reforma do Estado, o marco legal de atendimento às crianças e

adolescentes no Brasil foi a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, criado

através da Lei Federal n.º 8.069/90, em 13 de julho de 1990, estabelecendo uma legislação

destinada a esse público-alvo, vendo esses sujeitos infanto-juvenis como sujeitos de direitos e

dignos de proteção integral (BRASIL, 1990). Trataremos especificamente do ECA em

capítulo posterior.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (CONANDA) é

instituído com a Lei n.º 8.242 de 12 de outubro de 1991, possuindo como principais

competências segundo o artigo 2º em seus incisos:

I - elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da

criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de

ação e as diretrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de

1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); II - zelar pela aplicação da Política

Nacional de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente; III - dar apoio

aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, aos

órgãos estaduais, municipais, e entidades não governamentais para tornar efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos na Lei n.º 8.069, de 13 de junho

de 1990; IV - avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos

Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente [...] (BRASIL, 1991).

A lei n.º 8.642/93, de trinta e um de março de 1993, instituiu o Programa Nacional

de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente, que tem como finalidade a integração e

articulação de ações de apoio às meninas e meninos no Brasil (BRASIL, 1993).

Em seu artigo 2º, estabelece as áreas prioritárias de atuação: I - mobilização para a

participação comunitária; II - atenção integral à criança de 0 a 6 anos; III - ensino

fundamental; IV - atenção ao adolescente e educação para o trabalho; V- proteção à saúde e à

criança e ao adolescente; VI - assistência a crianças portadoras de deficiência; VII - cultura,

desporto e lazer para criança e adolescente; VIII - formação de profissionais especializados

em atenção integral à criança e ao adolescente (BRASIL, 1993).

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Já a lei que dispõe sobre a assistência social, Lei Federal n.º 8.742 de 07 de

dezembro de 1993, também se posicionou quanto à proteção às crianças e aos adolescentes ao

colocar a assistência social como dever do Estado, apresentando como objetivos a proteção à

família, à maternidade, à infância, a adolescência e à velhice, bem como o amparo à crianças

e adolescentes carentes (BRASIL, 1993).

Segundo ainda Behring e Boschetti (2011), o governo de Fernando Henrique

Cardoso foi marcado por um desmonte das políticas sociais, que já vinha desde Collor de

Mello, em que houveram reformas voltadas para o mercado19

, para as quais os problemas no

âmbito do Estado eram considerados como as causas centrais da profunda crise econômica e

social e eram desprezadas as conquistas de 1988 no tocante à seguridade social.

Para José Paulo Netto (2004), a herança da era FHC foi de maldição e bendição,

pois o que houve naquele período foi a dilapidação do patrimônio público pela via da

privatização, o aumento da dívida externa, o agravamento da vulnerabilidade do país em face

dos condicionantes externos, altas taxas de desemprego, bem como a acentuação de outras

expressões da questão social20

. A bendição ocorreu para o capital parasitário-financeiro, pois

foi grande o balanço para os maiores bancos privados, e a oligarquia financeira pôde

satisfazer a sua voracidade.

Contudo, no que se refere aos direitos de crianças e adolescentes naquele

momento, deu-se a aprovação da Lei Federal de n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que

estabelece as diretrizes e bases da educação e se relaciona com a garantia de direitos de

crianças e adolescentes no que demanda sobre a educação infantil e fundamental, tendo como

finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, dos seus aspectos

físico, psicológico, intelectual e social (BRASIL, 1996).

Inova na garantia de direitos de crianças e adolescentes a partir do momento que

determina o ensino fundamental como obrigatório e gratuito na escola pública, iniciando-se

aos seis anos de idade e possibilitando a formação básica do cidadão (BRASIL, 1996).

Consoante Netto (2004), com a chegada do PT na presidência da República, fato

que ocorreu no ano de 2002, quando o Luíz Inácio Lula da Silva assume a presidência do país,

contraditoriamente foi dada continuidade à prática neoliberal, prática esta combatida

frontalmente pelos partidários do PT. Este fato é comprovado através das relações com o FMI

19 O Estado brasileiro passa a incentivar a modernização das indústrias e deixa de incentivar as políticas sociais

públicas, intervindo minimamente e deixando o mercado livre para gerir as relações de trabalho. 20 Entendemos por questão social o que Marilda Iamamoto (2011) conceitua como um conjunto das

desigualdades sociais próprias do sistema de produção capitalista.

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e com a condução da contrarreforma21

do Estado. Tal fato leva Netto (2004) a relatar a

necessidade da (re)constituição de uma esquerda socialista e revolucionária entre nós depois

do governo Lula, haja vista que o governo petista ofereceu grandes contribuições ao

conservadorismo brasileiro e que “no poder, a esquerda não se diferencia substantivamente

daqueles a quem sucede” (NETTO, 204, p. 19).

O governo Lula e posteriormente o governo Dilma Roussef foram marcados por

políticas de transferência de renda. Recentemente, temos a implantação do Programa Bolsa

Família, criado através da Lei n.º 10.683/2003, que unifica ações de transferência de renda.

Perez e Passone (2010) nos dizem que:

Por exemplo, tal programa integrou diversas ações existentes, como o Bolsa-

Escola (Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado ao Ministério da

Educação); a Bolsa- Alimentação (Programa Nacional de Renda Mínima para

Combate à Mortalidade Infantil e Desnutrição, vinculado ao Ministério da

Saúde); o Cartão-Alimentação (Programa Nacional de Acesso à Alimentação,

criado no âmbito do Programa Fome Zero e vinculado ao extinto Ministério

Extraordinário da Segurança Alimentar); o programa Auxílio - Gás,

vinculado ao Ministério das Minas e Energia, e o PETI este último a partir de

2006. (PEREZ e PASSONE, 2010, p. 668).

Conforme o portal da transparência22

do Governo Federal, o Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil - PETI é um programa de nível federal que objetiva acabar

com todas as formas de trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos, garantindo a

esses sujeitos sua frequência à escola. Dessa forma, o Governo Federal paga uma bolsa

mensal no valor de R$ 25 por criança em atividade escolar para a família que retirar a criança

do trabalho, em municípios com população inferior a 250.000 habitantes. Para as famílias que

moram em municípios com mais de 250.000 habitantes, o valor do benefício é de R$ 40.

Contudo, ressalte-se que atualmente no governo da presidente Dilma Roussef o PETI foi

integrado ao Programa Bolsa Família, visto que o Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome (MDS) entende que pobreza e trabalho infantil se relacionam. Com essa

integração, entretanto, ambos os programas mantêm suas especificidades e objetivos, não

sendo nenhum subordinado ao outro.

21 O processo de contrarreforma do Estado diz respeito às ações voltadas para a minimização da atuação do

Estado na área social em contraposição às conquistas sociais estabelecidas na Constituição Federal de 1988,

estabelecendo uma redefinição do papel do Estado. Assim, busca-se dar espaço para o setor privado e

ultimamente para as organizações não governamentais na gerência e promoção do atendimento à população,

resultando em programas e projetos sociais de modo focalizados. 22 Disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/aprendaMais/documentos/curso_PETI.pdf>. Acesso

em: 10 abr. 2014, 17:49:00.

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O Programa Mais Educação foi regulamentado pelo Decreto n.º 7.083/10 e tem

como finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo

de permanência de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas, com a oferta de

educação básica em tempo integral, com duração de jornada escolar igual ou superior a sete

horas diárias durante todo o ano letivo. Para tanto, serão ofertadas atividades de

acompanhamento pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes,

esporte e lazer, direitos humanos, entre outras atividades (BRASIL, 2010).

Atualmente, com a gestão da presidente Dilma Roussef23

, que também não

combateu fortemente o neoliberalismo24

em nosso país, temos a Ação Brasil Carinhoso que a

princípio estabelece uma renda mensal de R$ 70 como complemento ao benefício do Bolsa

Família. Na área saúde, trata os males que mais prejudicam o desenvolvimento da primeira

infância, através de campanha de vacinação e de outras ações de saúde. Na Educação, oferece

estímulos financeiros aos municípios e ao Distrito Federal, para incentivar o aumento da

quantidade de vagas para crianças de 0 a 48 meses nas creches públicas ou conveniadas,

fazendo com que serviços de educação infantil cheguem à população mais pobre.

O site do Ministério do Desenvolvimento Social25

aponta que a Ação Brasil

Carinhoso foi lançada pelo programa Brasil Sem Miséria26

, para atender à parcela mais

vulnerável envolvidos na situação de miséria em nosso país, sendo a maior incidência entre

crianças e adolescentes de até 15 anos.

Verificamos que, ao longo dos anos finais de 1970 até a atualidade, crianças e

adolescentes passaram a ter seus direitos tratados na esfera pública, assim na sociedade foi

construída uma nova concepção de infância e adolescência e formado um Sistema de Proteção

Integral.

Contudo, diante das mudanças ocorridas na forma de compreensão da infância e

da adolescência em nosso país, indagamos-nos se de fato a criança e o adolescente passaram a

23 A presidente Dilma Roussef assumiu a presidência do Brasil em 01/01/2011 e permanecerá até o ano de 2015.

24 O neoliberalismo é uma doutrina política que busca uma reatualização dos princípios e ideias liberais, de que o

mercado econômico é quem deve dirigir as relações sociais e econômicas, ficando o papel do Estado reduzido e

com a função de potencializar os lucros do trabalho.

25 Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em: 10 abr. 2014,

18:50:00.

26 O Plano Brasil Sem Miséria foi criado através do decreto n.º 7.492/11, com o objetivo de superar a extrema

pobreza no país até o final de 2014. Dessa forma, visa articular crescimento com distribuição de renda,

diminuindo desigualdades e promovendo inclusão social. Disponível em:

<http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao>. Acesso em: 14 abr. 2014, 17:30:00.

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ser vistos sob a ótica da cidadania, se existe uma efetivação real de seus direitos a partir da

aplicação de dispositivos legais, como a CF/88 e o ECA/90 e se tais direitos são garantidos às

diversas infâncias e adolescências27

ou se estão destinados a meninos e meninas das classes

dominantes?

27

Quando falamos em todas as infâncias e adolescências, estamos compartilhando do pensamento de Ângela

Pinheiro (2006), quando esta atribui uma heterogeneidade na forma da construção de infância e da adolescência,

visto que essa fase da vida se manifesta diferentemente de acordo com a diversidade do contexto social,

econômico, e cultural em que os sujeitos estejam inseridos.

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54

2 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE E O

CONSELHO TUTELAR

Este capítulo tem por objetivo analisar a atual política de atendimento à criança e

ao adolescente no Brasil a partir do que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente e

discutir a contribuição do Conselho Tutelar para o fortalecimento desta política.

Para tanto, serão apresentados e discutidos a partir de nossa compreensão sobre a

legislação os principais artigos do ECA, visando a uma reflexão acerca da efetividade desses

direitos. Apresentaremos ainda aspectos da criação e implantação dos conselhos tutelares no

Brasil e as dificuldades enfrentadas pelos conselheiros na prática profissional e, por fim,

apontaremos as atribuições dos conselheiros tutelares e as ações desenvolvidas com vistas ao

atendimento de meninos e meninas.

2.1 Estatuto da Criança e do Adolescente: estabelecendo instrumentos de proteção

integral para a infância e a adolescência no Brasil

Como vimos no capítulo anterior, as crianças e os adolescentes no Brasil

passaram a ser considerados sob a ótica de cidadãos a partir da Constituição Federal de 1988 e

tiveram essa cidadania fortalecida com a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA foi aprovado com a Lei Federal n.º 8.069 de 13 de julho de 1990 e baseia-

se na Doutrina da Proteção Integral para crianças e adolescentes, possui 267 artigos que

abordam os direitos e deveres de criança e adolescentes, bem como dos cuidados destinados a

essa categoria pela família, a comunidade e o Estado. No artigo 3º estabelece que crianças e

adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais à pessoa humana, sem prejuízo de sua

proteção integral (BRASIL, 1990).

Essa doutrina primeiramente foi considerada na Constituição Federal de 1988 e

estabelece um novo paradigma para crianças e adolescentes e a garantia de seus direitos, haja

vista que busca assegurar a estes sujeitos infantis seus direitos com absoluta prioridade e com

uma articulação entre os setores que atuam na área da cidadania de crianças e adolescentes

para a concretização das políticas de atendimento.

Kaminski (2002) aponta que “pela adoção da Doutrina da Proteção Integral, a

situação toda mudou. Mudou a forma de se ver o problema, de se enxergar aquela situação de

‘irregularidades’ das crianças e adolescentes que vemos nas ruas; passou-se a enxergar todos

como credores de direitos” (KAMINSKI, 2002, p. 34).

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Formava-se, assim, um Sistema de Garantia de Direitos28

, dando base para a

política de atendimento à infância e adolescência no Brasil. Esse sistema tem sido

considerado como:

[...]um conjunto de instituições, organizações, entidades, programas e

serviços de atendimento infanto-junevil e familiar, os quais devem atuar de

forma articulada e integrada, nos moldes previstos pelo ECA e pela

Constituição Federal de 1988, com o intuito de efetivamente implementar a

Doutrina da Proteção Integral por meio da política nacional de atendimento

infanto-juvenil. (PEREZ e PASSONE, 2010, p. 667).

Assim, quando falamos em política de atendimento integral, estamos nos

referindo a um conjunto articulado de ações para a garantia de direitos de todas crianças e

adolescentes, não restringida aos adolescentes em situações irregulares ou a crianças e

adolescentes provenientes de classe econômica mais elevada. Ou seja, a política de

atendimento estabelecida pelo ECA visa abranger todos os meninos e meninas do Brasil como

pessoas em desenvolvimento e portadoras de direitos.

Com a Doutrina da Proteção Integral e com a criação do ECA, houve uma

mudança na maneira de atuação do Estado frente à problemática de crianças e adolescentes.

Conforme Juliana Paganini (2010), “assim, o Estado assume a responsabilidade em assegurar

e efetivar os direitos fundamentais, não devendo mais atuar como antes, com repressão e

força, mas com políticas públicas de atendimento, promoção, proteção e justiça”

(PAGANINI, 2010, p. 2).

De acordo com Paganini (2010), neste novo contexto de garantia de direitos, a

ação do Estado não poderá ser pautada em atos de caridade ou de benevolência, mas em dever

jurídico que deve ser fiscalizado e exigido pela sociedade civil.

O ECA, deste modo, veio para instalar de fato a Doutrina da Proteção Integral e

dessa forma regularizar os dispositivos constitucionais da área de proteção à infância e à

juventude, pois embora tais dispositivos da CF/88 trouxessem os princípios da referida

doutrina estes eram genéricos e necessitavam de uma lei que de fato regulamentassem os

direitos e deveres da criança e do adolescente.

28 Segundo Perez e Passone (2010), o Sistema de Garantia de Direitos é composto por três eixos: promoção,

defesa e controle social. O eixo de promoção corresponde às políticas sociais básicas, como saúde, educação,

esporte e a ações do poder executivo. O eixo de defesa corresponde às políticas de assistência social e proteção

especial, como exemplos: Conselhos Tutelares, Centros de defesa, Ministério Público, Poder Judiciário e pela

Segurança Pública. O eixo de defesa é composto por Conselhos de Direitos, Fóruns de Defesa e instrumentos de

controle da administração pública, como a Controladoria e Tribunal de Contas.

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O ECA possui 267 artigos que garantem à criança e ao adolescente direitos e

deveres de cidadania, determinando a responsabilidade da família, da comunidade e do Estado

na garantia desses direitos. Os artigos estão distribuídos a partir das temáticas que envolvem

crianças e adolescentes, sendo dividido em dois livros que tratam da parte geral e da parte

especial.

Na parte geral, são apresentadas as disposições preliminares, os direitos

fundamentais e a prevenção, ou seja, fica estabelecido que a criança e o adolescente tal qual

uma pessoa adulta possui direitos fundamentais e dignidade de pessoa humana, não podendo

ter desrespeitada e ameaçada sua cidadania.

Nesse sentido, os direitos fundamentais da criança e do adolescente são: direito à

vida e à saúde; direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; direito à convivência familiar e

comunitária; direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; direito à profissionalização e

à proteção ao trabalho (BRASIL, 1990).

A parte especial compreende a política de atendimento, tais como a das entidades

de atendimento e trata das medidas de proteção, do ato infracional, das medidas pertinentes

aos pais ou responsáveis, do Conselho Tutelar, do acesso à justiça, dos crimes e das infrações

administrativas.

Percebemos que o ECA abrange diversas áreas da vida social de crianças e

adolescentes. Portanto, apontaremos os artigos que consideramos relevantes para o objetivo

de nossa pesquisa e faremos uma discussão a partir de nossa interpretação da legislação.

Em seu artigo 1º especifica que a referida lei baseia-se na proteção integral à

criança e ao adolescente, ou seja, dispõe que deverá ser assegurados por parte dos setores que

compõem a sociedade atenção à criança e ao adolescente em todos os aspectos, sejam eles

sociais, sejam econômicos, considerando ainda suas condições de pessoas em

desenvolvimento (BRASIL, 1990).

No artigo 2º traz uma definição legal de crianças e adolescentes, considerando

para tanto seu aspecto biológico, no qual a criança seria a pessoa de até doze anos de idade

incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos. Contudo, contempla

excepcionalmente os jovens adultos, aqueles entre dezoito e vinte e um anos (BRASIL,

1990).

Para estabelecer o direito de cidadania à criança e ao adolescente o artigo 3º

aponta que:

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Art. 3º- A criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais

inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta

Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e

facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,

espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL,

1990).

Já o artigo 4º do ECA estabelece o dever da família, da comunidade, da sociedade

em geral e do poder público de assegurar a efetivação dos direitos referentes à vida, à

alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).

Fica definido no inciso “c”, do artigo 4º, que a criança e o adolescente têm

preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas. Assim, percebemos a

mudança na forma de compreender a infância e a adolescência, visto que desde as

embarcações portuguesas e o período colonial até a promulgação da CF/88 essa categoria não

foi tratada com base na garantia de direitos, quando muitas vezes era tratada sob a caridade e

repressão.

Se anterior ao desenvolvimento da concepção de cidadania de crianças e

adolescentes, estes eram muitas vezes abandonados à própria sorte, atendidos por entidades

filantrópicas ou apenas programas e projetos pontuais do Estado, fica determinado com o

ECA que a família, setores da sociedade e o Estado são responsáveis pela proteção a esses

sujeitos infantis e devem construir com prioridade políticas para esse público-alvo.

Afirmamos assim o engajamento de todos pela efetivação dos direitos desses pequenos e

desconstruímos a ideia de que eles são adultos em miniatura que suportam as mesmas

dificuldades dos adultos.

O artigo 5º apregoa que nenhuma criança e adolescente deverá sofrer qualquer

forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou maus tratos, sendo punido em

lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais.

Este artigo busca colocar a salvo de qualquer forma de negligência, maus tratos ou

violência às crianças e aos adolescentes e pretende punir os causadores dessas práticas ou

aqueles que tiverem consciência de violações dos direitos29

e se omitirem, não denunciando

ao órgão competente.

29

A violação de direitos de crianças e adolescentes ocorre quando eles não conseguem acesso aos seus direitos e

garantias que devem ser oferecidos e defendidos pelo Estado, pela família ou pela sociedade. Por exemplo,

quando a criança tem direito a uma convivência familiar harmônica e na realidade isso não acontece, ela tem o

seu direito violado, visto que ele não está sendo cumprido.

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Já o artigo 6º estabelece que se leve em conta a condição peculiar da criança e do

adolescente como pessoas em desenvolvimento. Dessa forma, fica estabelecido que a criança

e o adolescente necessitam de uma atenção diferenciada, observadas suas peculiaridades, e de

não serem vistos nas mesmas condições de adultos.

O Título I trata dos direitos fundamentais, o qual no artigo 7º diz que a criança e o

adolescente têm direito à vida e à saúde e que devem ser fortalecidas e efetivadas às políticas

sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio, ou seja,

diferentemente do período histórico em que eram largados à própria sorte ou tratados por

entidades caritativas.

Fica assegurado, no artigo 11º, que o Sistema Único de Saúde (SUS)30

deverá

ofertar atendimento integral à saúde da criança e do adolescente. Esse atendimento deve ser

integral no sentido de oferecer ações e serviços de prevenção e de tratamento de doenças.

Já os casos de suspeita ou maus tratos contra meninos e meninas serão

obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da localidade, conforme estabelecido no

artigo 13 (BRASIL, 1990).

Quanto à liberdade, ao respeito e à dignidade dessas crianças e adolescentes

citemos como relevante o artigo 15: Art. 15- A criança e o adolescente têm direito à liberdade,

ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como

sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição Federal e nas leis.

(BRASIL, 1990).

Do direito à convivência familiar e comunitária aborda, no artigo 19, que a criança

e o adolescente têm direito de serem criados e educados no âmbito familiar e

excepcionalmente em familiar substituta. Trata em artigos subsequentes da guarda, tutela e

adoção (BRASIL, 1990).

Os artigos que tratam da convivência familiar buscam direcionar o tratamento das

famílias com as crianças e adolescentes, bem como na ausência de entes familiares não deixar

desprotegidos os pequenos e intervir nas situações nas quais haja conflitos quanto à guarda ou

tutela das crianças e adolescentes.

O livro II, parte especial, aponta no artigo 86 a política de atendimento dos

direitos de crianças e adolescentes e diz que tal política far-se-á através de um conjunto

30 O Sistema Único de Saúde (SUS) corresponde a um sistema público de saúde que abrange órgãos e

instituições federais, estaduais e municipais, bem como admite a iniciativa privada em caráter complementar,

que oferta ações e serviços de saúde de modo universal, a saúde como um direito de cidadania. Foi com a

Constituição Federal de 1988 que a saúde passou a ser considerada como direito social, cabendo ao Estado a

obrigação de garanti-lo. A lei que regulamenta a saúde é a Lei Orgânica da Saúde n.º 8.080/90.

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articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito

Federal e dos municípios (BRASIL, 1990).

Estabelece no artigo 88 a municipalização do atendimento e garante a participação

popular e a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e

adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações. Defende a mobilização da

opinião pública para a participação dos diversos segmentos da sociedade (BRASIL, 1990).

A partir do artigo 131, trata do Conselho Tutelar e o define como um órgão

permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo

cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL, 1990).

Portanto, garantindo a participação da população no debate sobre os direitos de

crianças e adolescentes o ECA instituiu a criação dos Conselhos municipais dos direitos da

criança e do adolescente, o Conselho Tutelar e espaços institucionalizados de participação.

Sobre o Conselho Tutelar e suas atribuições trataremos em tópico posterior.

Quanto ao direito de participação da população na defesa, na fiscalização e no

controle das políticas públicas para a infância e a adolescência, concordamos com Wanderlino

Nogueira Neto (2005) quando este relata em seu artigo “Por um sistema de promoção e

proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes”:

Nesta luta emancipatória em favor da infância e da adolescência há que se procurar

alternativas novas, por meio de instâncias públicas (governamentais ou sociais) e de

mecanismos estratégicos (políticos, sociais, econômicos, culturais, religiosos e

jurídicos) que se tornem verdadeiros instrumentos de mediação, nessa luta pelo

asseguramento da essência humana e da identidade geracional de crianças e

adolescentes, vencendo esse processo de desumanização, de dominação e opressão,

de desclassificação social de crianças e adolescentes, nesse jogo hegemônico e

contra-hegemônico que ainda condena grandes contingentes desse público infanto-

juvenil a um processo mais específico e doloroso de marginalização. (NETO, 2005,

p. 8, grifos do autor).

O ECA apresenta ainda artigos que se referem ao ato infracional cometido por

adolescentes e as medidas aplicáveis. Sobre este assunto, vemos em Carlos Simões (2010)

que o ECA tem como pressuposto o fato de que subjetivamente não se pode exigir do

adolescente o mesmo grau de discernimento de um adulto, por isso quando sua conduta

corresponde a uma contravenção penal dizemos que ele cometeu um ato infracional. Embora

o adolescente não seja penalizado da mesma forma das penas aplicadas aos adultos, mas sim

submetido a medidas socioeducativas, não significa que ele fica na impunidade, pois o ECA

estabelece medidas de responsabilização do adolescente.

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Cabe apontarmos as constantes críticas realizadas ao ECA e ao seu mecanismo de

proteção integral à criança e ao adolescente por alguns segmentos da sociedade, contando

com o apoio de pessoas da mídia, buscando desconstruir a Doutrina da Proteção Integral.

Tais críticas se destinam, por exemplo, ao rebaixamento da inimputabilidade

penal, a retomada do assistencialismo como forma de atendimento de crianças e adolescentes

e juntamente com denúncias de maus tratos nas unidades de internamento para adolescentes

em conflito com a lei mostram um verdadeiro retrocesso quanto à cidadania desses sujeitos

infantis e proporcionam uma segregação entre o que está posto na lei e o que de fato é

vivenciado por muitas crianças e adolescentes, principalmente os advindos das classes

subalternas.

Ângela Pinheiro (2006) faz uma discussão sobre o fato de a cidadania da criança e

do adolescente estar vinculada aos filhos da classe dominante economicamente ao passo que a

infância e a adolescência pobres ficam relegadas à repressão e ao disciplinamento.

Compreendemos a relevância do ECA e da Doutrina da Proteção Integral, porém é

necessário que não permaneçamos paralisados diante das conquistas estabelecidas legalmente,

como se existência delas garantisse a concretude de direitos de cidadania de meninos e

meninas em nosso país. Antes devemos entender que:

O ECA não foi uma dádiva do Estado, mas uma vitória da sociedade civil,

das lutas sociais e reflete ganhos fundamentais que os movimentos sociais

têm sabido construir. Ocorre que foi uma conquista obtida tardiamente nos

marcos do neoliberalismo, nos quais os direitos estão ameaçados,

precarizados e reduzidos, criando um impasse na “cidadania de crianças”, no

sentido de tê-la conquistada formalmente, sem, no entanto, existir condições

reais de ser efetivada e usufruída. (SILVA, 2005, p. 36).

Da mesma forma, Maria Liduina de Oliveira e Silva (2005) em seu artigo “O

Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Menores: descontinuidades e

continuidades”, publicado na Revista Serviço Social e Sociedade, n.º 83, reflete sobre as

dificuldades de efetivação do ECA, apontando que é na implementação da lei que os

confrontos ideológicos e diferenças das práticas surgem e se engedram, mas aponta que

mesmo sendo o ECA permeado por contradições e ambiguidades sem ele o atendimento à

criança e ao adolescente estaria muito pior do que já é hoje.

Por fim, entender a atual política de atendimento de crianças e adolescentes no

Brasil significa compreender que esses garotos e garotas possuem a dignidade da pessoa

humana e características peculiares de pessoas em desenvolvimento. Portanto, necessitam de

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um atendimento também diferenciado que assegure sua liberdade, sociabilidade e todos outros

direitos de cidadania.

2.2 Implantação dos Conselhos Tutelares no Brasil

É necessário reforçamos que o CT atua na lógica de defesa e controle dos direitos

da população infanto-juvenil e foi criado em um contexto de fortalecimento do controle social

da sociedade civil sobre as ações do Estado, buscando a incorporação dos interesses coletivos

destes pelo Poder Executivo.

De acordo com Maria Valéria da Costa Correia (2004):

A temática do controle social tomou vulto no Brasil a partir do processo de

democratização na década de 1980 e, principalmente, com a institucionalização dos

mecanismos de participação nas políticas públicas na Constituição de 1988 e nas leis

orgânicas posteriores: os Conselhos gestores - instâncias colegiadas de caráter

permanente e deliberativo - e as Conferências setoriais. Esta participação adquiriu

uma direção de controle social posta pelos setores progressistas da sociedade, ou

seja, de controle por parte dos segmentos organizados da mesma sobre as ações do Estado no sentido de este, cada vez mais, atender aos interesses da maioria da

população, em reverso ao período ditatorial de controle exclusivo do Estado sobre a

sociedade cerceando qualquer expressão dessa. (CORREIA, 2004, p. 149).

Os Conselhos Tutelares no Brasil foram criados a partir do Estatuto da Criança e

do Adolescente através do artigo 131, que estabelece a obrigatoriedade da criação de no

mínimo um Conselho Tutelar por município, garantindo, portanto, a participação da sociedade

na fiscalização do cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes. Os artigos do ECA

que dispõem sobre o Conselho Tutelar são os artigos compreendidos entre o 131 e o 140.

O ECA define o Conselho Tutelar como um órgão permanente e autônomo, não

jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e

do adolescente (BRASIL, 1990).

De acordo com Kaminski (2002), conselho deriva de consilium ou conseil e tem

sentido de assembleia que toma deliberações acerca de determinados assuntos. Quanto ao

termo tutelar, este quer dizer que é um órgão que visa proteger, ou seja, proteger os direitos de

crianças e adolescentes.

O Conselho Tutelar é um órgão permanente pelo fato de que depois de criado ele

não poderá ser desativado. Uma vez instalado não poderá deixar de existir. Trata-se de um

órgão autônomo porque atuando de acordo com a lei não necessita de ordem judicial para

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aplicar medidas de proteção, sem algo que lhe impeça de cumprir suas funções e

fiscalizações.

Consoante Kaminski (2002), o CT é um órgão não jurisdicional pelo fato de não

julgar os cidadãos, mas antes está relacionado ao Poder Executivo, com função de zelar pelo

cumprimento da lei.

No artigo 132 do ECA, fica determinado que em cada município tenha no mínimo

um Conselho Tutelar, que este conselho seja composto por cinco membros escolhidos pela

comunidade local para uma recondução31

.

O ECA estabelece ainda requisitos para a candidatura a membro do CT, sendo

necessário que os candidatos tenham reconhecida idoneidade moral, idade superior a vinte e

um anos de idade e resida no município onde esteja se candidatando. Aponta que lei

municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do conselho e especificará a

eventual remuneração dos conselheiros tutelares.

No artigo 135, menciona que o exercício da função de conselheiro constituirá

serviço público relevante e estabelece presunção de idoneidade moral e assegurará prisão

especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

Contudo, a partir da aprovação da Lei 12.696 de 25 de julho de 2012, que altera

os artigos 132, 134, 135 e 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, fica estabelecido que

o prazo de mandato dos conselheiros tutelares seja de quatro anos e permitido uma

recondução mediante novo processo de eleição.

A lei supracitada altera ainda o artigo 134 no tocante à remuneração dos

conselheiros que deixa de ser eventual para ser obrigatória, garantindo-lhes ainda cobertura

previdenciária, licença-maternidade ou licença-paternidade, férias anuais remuneradas e

gratificação natalina (BRASIL, 2012).

Retira do artigo 135 a garantia de prisão especial para o conselheiro em caso de

crime comum até o julgamento e acrescenta incisos ao artigo 139, visando à unificação em

território nacional da data do processo de escolha dos conselheiros tutelares.

O relatório da pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade”, elaborada em

conjunto com o Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da

Fundação Instituto de Administração com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da

Presidência da República (SEDH/PR) e do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos

Adolescentes (CONANDA), realizada entre os meses de fevereiro e novembro de 2006 e

31 De acordo com a nova lei do Conselho Tutelar, Lei n.º 12.696 de 25 de julho de 2012, o período do mandato

dos conselheiros foi alterado para quatro anos, com a possibilidade de uma recondução.

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publicada em julho de 200732

, apresenta um histórico da criação legal e início efetivo dos

CTs.

O referido relatório apontou que a criação efetiva dos Conselhos Tutelares ocorre

após algumas etapas como a criação da lei municipal, a abertura do processo de escolha dos

conselheiros e a eleição que deve ser promovida pelo Conselho Municipal dos Direitos das

Crianças e dos Adolescentes (COMDICA). A pesquisa demonstrou que a implantação de um

CT demorou em média três anos após sua criação no ECA, dependendo da região geográfica

de que o município faça parte.

Os Conselhos Tutelares da Região Norte apresentaram uma demora acima da

média nacional para o início de suas atividades, levando um intervalo de cinco anos. Já a

Região Nordeste apresentou uma morosidade de quatro anos para o início real das atividades

dos conselhos desde sua criação na lei municipal. As Regiões Sudeste e Centro-Oeste seguem

a tendência nacional com a média de três anos entre a data de instituição legal e o trabalho

efetivo dos conselhos e a Região Sul foi a que apresentou menor intervalo de tempo entre a

criação em lei e o funcionamento de fato.

Cada município define a partir de uma lei municipal a quantidade de Conselhos

Tutelares que se criará, visto que o ECA determina que se tenha no mínimo um. Portanto, a

realidade municipal determinará a quantidade suficiente de CTs para o atendimento da

demanda.

A lei municipal disciplinará e o Executivo Municipal será o responsável pela

garantia e condições de funcionamento do CT, como instalações físicas, equipamentos, apoio

administrativo, transporte e outros suportes.

Segundo o “Guia para Conselheiros Tutelares” do Ministério Público de Goiás

(2008), a criação e o funcionamento do Conselho Tutelar pressupõe ampla participação da

comunidade local, ou seja, da associação de moradores, entidades assistenciais, lideranças

políticas, religiosas e empresariais, pais, educadores, movimentos comunitários e todos

aqueles dispostos a contribuir para a proteção integral de crianças e adolescentes.

Conforme estatísticas apresentadas pelo Cadastro Nacional dos Conselhos

Tutelares, realizado pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República

(SEDH/PR), foram registrados no Brasil em 2013 um número de 5.906 Conselhos Tutelares,

distribuídos em um total de 5.565 municípios brasileiros. Dentre estes municípios 22 não

possuem CT, embora o ECA determine a criação de no mínimo um CT por município.

32 O relatório “Conhecendo a Realidade” tem por objetivo traçar um amplo perfil dos Conselhos dos Diretos da

criança e do adolescente e dos Conselhos Tutelares.

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Os municípios que não possuem CT estão localizados nos Estados de: Goiás (1

município sem CT); Bahia (1 município sem CT); Maranhão (7 municípios sem CT); Piauí (3

municípios sem CT); Rio Grande do Norte (2 municípios sem CT); Amapá (1 município sem

CT); Minas Gerais (4 municípios sem CT); São Paulo (2 municípios sem CT) e Rio Grande

do Sul (1 município sem CT). Para facilitar a compreensão, apontaremos um estado de cada

região brasileira com maior número de municípios e seus CTs em funcionamento.

O Distrito Federal possui 33 conselhos tutelares em funcionamento, dos quais

91% possuem sala de uso exclusivo ou sede exclusiva e 52% possuem veículos de uso

exclusivo. Sem os veículos necessários, os conselheiros passam a ter sua atuação prejudicada,

pois não poderão realizar visitas institucionais e domiciliares, bem como para averiguação de

denúncias.

Na Região Centro-Oeste, o estado que possui maior número de municípios é

Goiás com 246 municípios, dos quais possuem 255 CTs e um município que não possui.

Apenas 73% dos CTs de Goiás possuem telefone fixo.

Já na Região Norte, o estado que tem maior número de municípios é o Pará, com

143 municípios e 154 CTs. Apenas 88% dos conselhos tutelares deste estado possuem

computador e somente 55% têm acesso à internet.

O Rio Grande do Sul é o estado da Região Sul que mais possui municípios, com

total de 496 municípios e 515 CTs, sendo que um município está sem CT. Dos CTs deste

estado somente 42% possuem veículo de uso exclusivo pelos funcionários.

Na Região Sudeste, o que possui maior quantitativo de municípios é Minas

Gerais com 853 municípios e 880 CTs, sendo que 4 municípios não possuem o

funcionamento de CTs. Segundo o relatório em Minas Gerais, apenas 81% dos conselhos

dispõem de telefone fixo e 48% possuem veículo de uso exclusivo.

A Bahia é o estado do Nordeste com maior número de municípios, sendo 417

municípios e 437 CTs, dos quais 1 município não possui CT. Nos conselhos baianos, apenas

77% possuem acesso à internet, 65% possuem telefone fixo e 29% possuem veículo de uso

exclusivo pelos conselheiros tutelares.

De acordo com o relatório do Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares,

realizado pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), o

Ceará possui 184 municípios e 190 CTs, dos quais 99% possuem computador, sendo uma

média de 1,57 computadores por Conselho Tutelar, 89% possuem acesso à internet e 99% dos

conselhos tutelares cearenses possuem impressoras. Demonstrou ainda que apenas 64% dos

CTs cearenses possuem telefone fixo e 27% possuem telefones celulares, e que todos os CTs

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cearenses possuem sede ou sala de uso exclusivo, e apenas 39% possuem transporte de uso

exclusivo.

Na cidade de Fortaleza, para criação dos Conselhos Tutelares levou-se em

consideração a dimensão territorial do município, o elevado número de habitantes e a

crescente demanda pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. Dessa forma,

entendeu-se que seria insuficiente a existência de apenas um CT.

Os CTs foram criados seguindo a administração do município de Fortaleza pela

Secretaria Executiva Regional (SER), que define seis regiões administrativas e os bairros

pertencentes a cada uma delas, portanto, em Fortaleza temos atualmente seis conselhos

tutelares. Embora, a resolução do CONANDA oriente que a cada 100 mil habitantes seja

criado mais um CT.

Segundo o site da Prefeitura de Fortaleza33

, atualmente, a SER I abrange 15

bairros, sendo eles: Vila Velha, Jardim Guanabara, Jardim Iracema, Barra do Ceará, Floresta,

Álvaro Weyne, Cristo Redentor, Ellery, São Gerardo, Monte Castelo, Carlito Pamplona,

Pirambu, Farias Brito, Jacarecanga e Moura Brasil e o Conselho Tutelar que cobre esta área é

o Conselho Tutelar I.

Já a SER II é formada por 20 bairros, a saber: Aldeota, Cais do Porto, Cidade

2000, Cocó, De Lourdes, Dionísio Torres, Engenheiro Luciano Calvalcante, Guararapes,

Joaquim Távora, Manuel Dias Branco, Meireles, Mucuripe, Papicu, Praia de Iracema, Praia

do Futuro I e II, Salinas, São João do Tauape, Varjota, Vicente Pinzon, área correspondente

ao CT II.

A SER III é composta por 17 bairros: Amadeu Furtado, Antônio Bezerra, Autran

Nunes, Bonsucesso, Bela Vista, Dom Lustosa, Henrique Jorge, João XXIII, Jóquei Clube,

Olavo Oliveira, Padre Andrade, Parque Araxá, Pici, Parquelândia, Presidente Kennedy,

Rodolfo Teófilo e Quintino Cunha, e a população desses bairros é atendida pelo CT III.

A SER IV abrange 19 bairros e corresponde ao CT IV, sendo os bairros: José

Bonifácio, Benfica, Fátima, Jardim América, Damas, Parreão, Bom Futuro, Vila União,

Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demócrito Rocha, Itaoca, Parangaba, Serrinha,

Aeroporto, Itaperi, Dendê e Vila Pery.

Na SER V, são 18 bairros: Conjunto Ceará, Siqueira, Mondubim, Conjunto José

Walter, Granja Lisboa, Granja Portugal, Bom Jardim, Genibaú, Canindezinho, Vila Manoel

Sátiro, Parque São José, Parque Santa Rosa, Maraponga, Jardim Cearense, Conjunto

33 Disponível em:<http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais>. Acesso em 27 jun. 2014, 14:50:00.

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Esperança, Presidente Vargas, Planalto Ayrton Senna e Novo Mondubim. O CT que cobre

essa área é o CT V.

Já a SER VI é a que engloba mais bairros, sendo um total de 29 bairros:

Aerolândia, Ancuri, Alto da Balança, Barroso, Boa Vista (unificação do Castelão com Mata

Galinha), Cambeba, Cajazeiras, Cidade dos Funcionários, Coaçu, Conjunto Palmeiras (parte

do Jangurussu), Curió, Dias Macedo, Edson Queiroz, Guajerú, Jangurussu, Jardim das

Oliveiras, José de Alencar (antigo Alagadiço Novo), Messejana, Parque Dois Irmãos, Passaré,

Paupina, Parque Manibura, Parque Iracema, Parque Santa Maria (parte do Ancuri), Pedras,

Lagoa Redonda, Sabiaguaba, São Bento (parte do Paupina) e Sapiranga. O CT que atua nessa

área é o Conselho Tutelar VI.

Segundo Renata Custódio de Azevedo (2007), o primeiro Conselho Tutelar de

Fortaleza foi criado através da Lei Municipal n.º 7.526 de 12 de maio de 1994, ressalte-se que

quatro anos após a criação do ECA e completando no corrente ano vinte anos de existência. A

referida lei municipal dispôs ainda sobre a possibilidade de criação de outros CTs, ficando o

chefe do Poder Executivo autorizado a criar outros conselhos.

A Lei Municipal n.º 7.526 ratificou o estabelecido no ECA quanto à composição

do CT e quanto ao período de mandato. Estabeleceu que o trabalho do Conselho Tutelar será

remunerado e com exigência de carga horária de oito horas diárias.

Consoante Azevedo (2007), a lei municipal supracitada especifica que os

conselheiros tutelares poderão perder seus mandatos a partir de três situações, a saber: se

condenado em sentença penal transitada em julgado; se infringir quaisquer disposições da

referida lei e se realizar conduta incompatível com a função de conselheiro.

Além do nosso lócus de pesquisa, realizamos uma breve passagem pelos seis

Conselhos Tutelares de Fortaleza, correspondentes à divisão das SER, a fim de verificarmos

pessoalmente o acesso a esses órgãos. Aproveitamos a oportunidade para fotografarmos a

entrada dos prédios onde atualmente funcionam os seis CTs de Fortaleza.

O Conselho Tutelar da SER I atualmente está localizado na Avenida Bezerra de

Menezes, n.º 480, bairro Otávio Bonfim, apresentando uma facilidade de acesso, visto que ele

está localizado em uma avenida que possibilita o acesso de muitos transporte coletivos, como

vans e ônibus. Assim sendo, nós não tivemos dificuldades para encontrá-lo. Vejamos sua sede

na foto abaixo:

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Figura 1 - Sede do CT da SER I

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Percebemos que a estrutura do prédio também está danificada e necessitando de

reparos e reformas. Facilmente encontramos esta sede do CT, assim sendo, percebemos que

os usuários que necessitem ir à sede obterão êxito sem grandes dificuldades, embora seja

distante dos demais bairros que englobam a SER I.

O Conselho Tutelar da SER II atualmente está funcionando na Rua Pedro I, n.º

461, bairro Centro. Este foi o CT mais difícil de localizarmos, pois inicialmente tínhamos a

informação de que ele funcionava na Rua Tereza Cristina, n.º 112, também no Centro da

Cidade. Porém, ao chegarmos nesta rua um popular nos informou que o CT estaria

funcionando no Parque das Crianças localizado no Centro da Cidade. Contudo, ao chegarmos

no local um segurança do Parque nos informou que o Conselho Tutelar II estaria funcionando

no “casarão” que ficava na Rua Pedro I. Depois de nos deslocarmos por dois locais, chegamos

ao CT II. Entretanto, ressaltamos que na sede do conselho sequer havia alguma identificação

sobre o órgão, dificultando o acesso da população. Veja foto abaixo:

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Figura 2 - Sede do CT da SER II

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Outra dificuldade que venha a ser sentida pela população que necessite de um

atendimento no CT II talvez seja referente ao elevado quantitativo de bairros que compõem à

SER II e que por esse motivo estão distante da sede do Conselho Tutelar. Por exemplo,

alguém que resida no bairro Praia do Futuro terá que se deslocar até o Centro da Cidade para

receber atendimento no CT, uma distância considerada longa.

O Conselho Tutelar da SER III, que fica na Rua Silveira Filho, n.º 935, bairro

João XXIII, também foi um pouco difícil de localizarmos, pois no prédio não havia nenhuma

sinalização de que ali funciona um CT. Para encontrá-lo, contamos com informações de

moradores do bairro. Conforme foto a seguir:

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Figura 3 - Sede do CT da SER III

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Como dito anteriormente, tivemos dificuldades para encontrar a sede do CT III e

assim pensamos como também um cidadão que necessite ser atendido pelo Conselho do

mesmo modo enfrentará problemas para achá-lo, dificultando a garantia do acesso aos

serviços.

O Conselho Tutelar da SER IV, localizado na Rua Peru, n.º 1957, bairro Vila

Betânia, foi de fácil localização visto que vários moradores do bairro conheciam a sede do

conselho e nos repassaram informações, também está próximo à passagem de transportes

coletivos. Foto da sede do CT IV a seguir:

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Figura 4 - Sede do CT da SER IV

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Ressaltemos que este foi o único CT com o qual conseguimos um contato via

telefone, os demais ou não possuíam mais os números divulgados ou por algum motivo não

nos atenderam. Demonstrando que o cidadão que necessite do acesso ao Conselho Tutelar IV

não encontrará tantas dificuldades de contato com algum funcionário do CT.

O Conselho Tutelar da SER V é localizado na Avenida B, S/N, 1ª Etapa, bairro

Conjunto Ceará e também não tivemos dificuldades de encontrá-lo, embora a iluminação

próxima ao local não estivesse adequada. Foto abaixo:

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Figura 5 - Sede do CT da SER V

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Esta sede corresponde à SER V e também engloba bairros que geograficamente

estão localizados distantes. A sede fica no bairro Comjunto Ceará e é responsável pelo

atendimento dos moradores dos bairros Planalto Airton Sena e Conjunto Esperança. Assim,

pode ocorrer dificuldade de locomoção dos usuários à sede de tal CT.

O Conselho Tutelar da SER VI tem sua sede na Rua Pedro Dantas, n.º 334, bairro

Dias Macedo e também não tivemos dificuldades para localizá-lo. Contudo, foi o CT que

apresentou maior precariedade na infraestrutura.

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Figura 6 - Sede do CT da SER VI

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Este CT é o que abrange o maior número de bairros de acordo com a divisão das

SER, são 29 bairros. Fato este que representa uma maior demanda de atendimentos no CT.

Também fica numa localização distante de alguns bairros que engloba, visto que sua sede fica

no bairro Dias Macedo e atende bairros como Pedras, Sabiaguba e Lagoa Redonda.

Verificamos in loco a precária infraestrutura dos CTs de Fortaleza (cf. apêndices

D, E, F, G, H e I). Assim pudemos verificar que os CTs de Fortaleza enfrentam no cotidiano

de atuação muitas dificuldades, algumas delas demonstradas em diversas reportagens

mostradas na mídia que apontam a situação real dos CTs. Vejamos algumas reportagens sobre

a realidade dos CTs de nosso município.

Os conselheiros tutelares de Fortaleza em protesto contra as péssimas condições

de trabalho permaneceram entre os dias 04/02/14 e 07/02/14 realizando os atendimentos à

população no Parque das Crianças, localizado no centro da cidade, conforme a reportagem

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“Em protesto, conselhos tutelares de Fortaleza atendem somente no Centro”, mostrada no site

G1/Ce34

.

Com esse protesto, os conselheiros pretenderam chamar a atenção para as

precárias condições de trabalho que interferem no atendimento à população. Os problemas

denunciados por eles são: falta de pessoal e de infraestrutura, falta de materiais básicos, falta

de computadores, telefone e segurança.

De acordo com a reportagem do site G1/Ce, as conselheiras do SER VI relataram

a falta de segurança particular para realizarem os atendimentos, visto que na sede do CT não

há um segurança.

Segundo reportagem do site Tribuna do Ceará35

, de título “Por erro da prefeitura,

Conselho Tutelar fica sem energia”, na manhã do dia 30/08/13 o CT da Regional I ficou sem

energia elétrica, pois a Prefeitura de Fortaleza havia solicitado o desligamento do

fornecimento de energia dos prédios de responsabilidade da Regional I que não tivessem mais

abrigando atividades da prefeitura. Assim, por engano foi incluído na lista o prédio que

abrigava o CT, e os conselheiros passaram a realizar os atendimentos na calçada do prédio.

Verificamos na reportagem “Falta de políticas de proteção à infância compromete

ação dos CTs” do site do Diário do Nordeste36

, publicada no dia 01/09/12, que ocorrem

dificuldades na atuação dos conselheiros devido à falta de retaguarda das políticas de proteção

especial e sociais para a infância e a adolescência.

Na ocasião da reportagem, um representante do CT da SER III aponta como

dificuldade a pequena quantidade de CTs frente a grande demanda dos casos de violação dos

direitos de crianças e adolescentes. Com isso não é possível atender e acompanhar os casos de

forma precisa e satisfatória.

O site do Diário do Nordeste publicou em 05/03/12 outra reportagem sobre a

situação dos CTs em Fortaleza. Dessa vez, a manchete dizia que “Conselhos Tutelares de

Fortaleza estão inoperantes”, relatando a situação de precariedade do funcionamento dos seis

CTs em Fortaleza37

. A reportagem apontou que os CTs enfrentam dificuldades no cotidiano

de atuação, como falta de locais para encaminhamento de meninos e meninas ameaçados de

morte por traficantes, insuficiência de atendimento frente ao grande número da demanda, falta

34 Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2014/02/em-protesto-conselhos-tutelares-de-fortaleza-

atendem-apenas-no-centro.html>. Acesso em: 18 maio 2014, 10:17:00. 35Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/tag/conselho-tutelar/> Acesso em: 14 maio 2014,

14:00:00. 36

Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/falta-de-politicas-de-protecao-a-

infancia-compromete-acao-dos-cts-1.605263> Acesso em: 18 maio 2014, 10:50:00. 37 Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/conselhos-tutelares-de-

fortaleza-estao-inoperantes-1.257300>. Acesso em: 14 maio 2014, 14:24:00.

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de materiais de expediente, falta de impressoras, falta de veículos para uso exclusivo dos

conselheiros e falta de segurança.

Já denúncias feitas pelo blog Conselho Tutelar de Fortaleza38

, em publicação do

dia 27/06/12, a Comissão de Direitos Humanos da SDH visitou os seis CTs de Fortaleza e

presenciou a falta de infraestrutura dos locais.

O problema relatado pelos conselheiros da SER I foi a falta de abrigos para o

direcionamento dos casos e a falta de segurança no prédio do conselho, pois assim não há

como garantir a continuidade do atendimento se os encaminhamentos realizados pelos

conselheiros, muitas vezes, não são efetivados por falta da rede de apoio. Os profissionais

apontaram que não possuem segurança para se deslocarem ou permanecerem no prédio do

CT, implicando em uma deficiência de atendimento à população.

Em publicação do mesmo blog, do dia 14/06/14, a denúncia é sobre a

precariedade do Conselho Tutelar II, onde o problema relatado é também a falta de estrutura

para os atendimentos, pois a sala para a realização para os atendimentos é improvisada em

uma área com algumas mesas e cadeiras. Os papéis e documentos são amontoados no chão de

um corredor que dá acesso à cozinha do prédio.

Os conselheiros reclamaram ainda da localização do CT que é distante de áreas

mais críticas e que por esse motivo precisariam de mais atenção. Outro problema vivenciado

por eles é a falta de segurança na sede. posto que um guarda foi colocado no local somente

após uma funcionária ter sido assaltada.

Dessa forma, pudemos avaliar que a implantação de um Conselho Tutelar leva

algum tempo após sua criação na lei e que muitos desafios e dificuldades perpassam as

atividades dos conselheiros. Deste modo, devemos atentar para a questão: a criação de um

Conselho Tutelar não significa que de fato ele esteja recebendo o devido apoio para a

realização de suas atividades e enfrentamento da violação de direitos de crianças e

adolescentes.

38 Disponível em: <http://conselhotutelardefortaleza.blogspot.com.br/>. Acesso em: 18 maio 2014, 11:20:00.

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2.3 Entendendo a atuação do Conselho Tutelar.

A atuação do Conselho Tutelar deve ser direcionada para a efetivação dos direitos

de crianças e adolescentes, nesse sentido sua atuação é especificada pelo artigo 136 do ECA,

que apresenta as atribuições do CT e dá outras providências.

Para Roberto João Elias (2008), “ao Conselho Tutelar, órgão da comunidade, são

atribuídas funções importantes, que, fielmente cumpridas, contribuirão sensivelmente para a

concretização da outorga dos direitos cabíveis aos menores” (ELIAS, 2008, p. 153).

Elias (2008) menciona a importância do CT ser composto por pessoas idôneas e

comprometidas com a cidadania de crianças e adolescentes para assumir dentre outras

atribuições, a de atender e aconselhar os pais ou responsável. Portanto, as atribuições dos

conselhos tutelares estão no art. 136, estando elas contidas entre os incisos I e XI.

No inciso I, está determinado que o CT tenha como atribuição o atendimento de

crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos artigos 98 e 105, aplicando as medidas

previstas no artigo 101, I a VII, segundo o qual se deverá ouvir sobre as situações que violem

os direitos de crianças e adolescentes. Ressaltando que o artigo 105 refere-se à prática de ato

infracional. O CT deverá ainda agir sempre que a sociedade, familiares ou Estado se omitirem

quanto à garantia dos direitos infanto-juvenis, não assegurando-lhes os direitos fundamentais.

Ressaltemos que o CT tem autonomia para aplicar, mas não executar medidas específicas de

proteção à criança e adolescente.

Já o inciso II aponta como atribuição o atendimento e aconselhamento dos pais ou

responsável pelas crianças e adolescentes, aplicando as medidas previstas no artigo 129, I a

VII. Diz que o CT deve prioritariamente tentar restabelecer os vínculos familiares de crianças

e adolescentes, para que estes permaneçam junto à família natural. Porém, quando em virtude

da violação de direitos este vínculo é rompido, por situações de maus tratos ou violência, o

CT diante da especificidade de cada caso o CT deverá agir para eliminar as situações de risco

para a criança e o adolescente.

O inciso III do artigo 136 diz repeito ao fato de o Conselho Tutelar promover a

execução de suas decisões, podendo requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação,

serviço social, previdência, trabalho e segurança, representar junto à autoridade judiciária nos

casos de descumprimento injustificado de suas deliberações. Assim, vemos que com esta

atribuição o CT deverá promover a execução de suas decisões e para tanto poderá requisitar

serviços em várias áreas, sempre visando ao atendimento dos direitos de crianças e

adolescentes.

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O Conselho Tutelar deverá encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que

constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e adolescente, sendo

esta a atribuição posta pelo inciso IV, a partir do qual nos casos de infração acima citados o

CT em caráter de obrigatoriedade deverá comunicar ao Ministério Público para a tomada das

medidas cabíveis.

O inciso V estabelece que o Conselho Tutelar deve encaminhar à autoridade

judiciária os casos de sua competência, encaminhando à Justiça da Infância e da Juventude os

casos que envolvam questões conflituosas do poder familiar, guarda, tutela ou adoção e

situações de adolescentes envolvidos na prática de atos infracionais.

No inciso VI, está a atribuição de providenciar a medida estabelecida pela

autoridade judiciária, dentre as previstas no artigo 101 de I a VI, para o adolescente autor de

ato infracional, devendo acionar pais ou responsável, serviços públicos e comunitários para o

atendimento do adolescente em conflito com a lei.

O CT poderá expedir notificações, ou seja, levar ou dar notícia a alguém, por

meio de correspondência oficial, de fato ou de ato passado ou futuro que gere consequências

jurídicas emanadas do ECA ou da CF/88, trata-se da atribuição determinada pelo inciso VII

do artigo 131 do ECA.

Conforme o inciso VIII, o CT poderá requisitar certidões de nascimento e de óbito

de crianças e adolescentes quando necessário, ou seja, apenas poderá solicitar a certidão do

registro com isenção de taxas ou custos.

A atribuição posta pelo inciso IX ao CT é o dever de assessorar o Poder Executivo

local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos

direitos da criança e do adolescente. Para isso o CT deverá indicar ao Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente as deficiências dos serviços públicos de atendimento à

população infanto-juvenil. Por ser o representante da comunidade na administração municipal

deverá apresentar propostas para a melhoria da política de atendimento.

O inciso X dispõe que o conselho poderá também representar, em nome da pessoa

e da família, contra a violação de direitos previstos nos art. 220, §3º, inciso II, da CF, através

da representação à autoridade judiciária em nome de pessoa(s) que se sentir(em) ofendidos em

seus direitos em programas ou programações de rádio e televisão.

A atribuição apontada no inciso XI é de representar ao Ministério Público para

efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de

manutenção da criança e do adolescente junto à família natural. Quando houver o

descumprimento pelos pais de assistir e educar os filhos pequenos e após todas as tentativas

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de atendimento e orientação, o CT representará ao Juizado da Infância e da Juventude para as

providências necessárias.

Carlos Simões (2010), em seu livro “Curso de Direito do Serviço Social”, aponta

alguns casos em que o CT atua, sendo que “os casos mais comuns, na atuação dos conselhos,

são referentes à falta de vaga em creches e escolas, envolvimento de adolescentes com drogas,

espancamento ou maus tratos pelos pais ou responsáveis, abuso sexual e pais alcoólatras e

drogaditos” (SIMÕES, 2010, p. 264).

Segundo Raquel Bulhões (2010):

Partindo do pressuposto de que a atividade do Conselho Tutelar situa-se na seara da

administração pública municipal, a ação dos seus membros deve obedecer aos

princípios gerais da administração explicitados no caput do art. 37 da Constituição

de 1988, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência

dos atos praticados. (BULHÕES, 2010, p. 124).

De acordo com o “Guia Prático do Conselheiro Tutelar” elaborado pelo

Ministério Público de Goiás em 2008, o conselheiro tutelar deve executar com zelo suas

atribuições, conforme estabelecido pelo ECA, e assim aplicar medidas e tomar previdência

em relação às crianças e adolescentes, aos pais ou responsáveis, às unidades de atendimento e

ao Poder Executivo.

O citado guia aponta que o conselheiro tutelar deve zelar pelo cumprimento de

direitos; garantir absoluta prioridade na efetivação dos direitos e orientar a construção da

política municipal de atendimento.

Dessa forma, o CT atende reclamações, reivindicações e solicitações feitas por

crianças e adolescentes, família e comunidade. Exerce as funções de escutar, orientar,

encaminhar e acompanhar os casos, aplica medidas protetivas de acordo com o caso, requisita

serviços necessários à efetivação do atendimento do caso e contribui para o planejamento e a

formulação de políticas e planos municipais de atendimento à criança e ao adolescente e às

famílias.

O “Guia Prático para a atuação dos Conselheiros Tutelares”, elaborado pelo

Ministério Público de Goías, discute que o CT não é uma entidade de atendimento direto, ou

seja, não funciona como abrigos e internatos, não presta diretamente os serviços para a

efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, mas os encaminha para a rede de

articulação para a garantia desses direitos.

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Para a efetividade do trabalho do CT, é necessário que se tenha uma rede de apoio

para a qual se possa encaminhar as demandas, visto que o trabalho deve ser em conjunto, tal

qual está estabelecido no artigo 86 do ECA, que diz que a política de atendimento à criança e

ao adolescente deve ser feita através de um conjunto articulado de ações governamentais e

não governamentais (BRASIL, 1990).

Por fim, a atuação do Conselho Tutelar pauta-se no cumprimento das diretrizes

estabelecidas no ECA e concorre para combater os casos de violação dos direitos de crianças

e adolescentes, garantindo-lhes seus direitos de cidadania e reconhecimento de suas

características de pessoas em desenvolvimento.

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3 CONSELHO TUTELAR DE FORTALEZA COMO LÓCUS DE PESQUISA

Neste capítulo, relataremos a experiência de nossa pesquisa de campo e o contato

direto com as práticas realizadas no Conselho Tutelar de Fortaleza, visando compreender os

significados atribuídos pelas conselheiras tutelares à tarefa de defesa dos direitos de crianças e

adolescentes.

Nossa pesquisa de campo ocorreu no mês de maio de 2014 e a princípio

pretendíamos entrevistar cinco conselheiras de um mesmo Conselho Tutelar de Fortaleza,

correspondente ao número total de conselheiras tutelares em atuação no CT. Entretanto, uma

conselheira não quis participar de nossa pesquisa.

Apontaremos o perfil das conselheiras tutelares entrevistadas e a rotina de

trabalho que ocorre no CT, por esse motivo informamos que elaboramos dois roteiros de

entrevistas, um destinado ao perfil das entrevistadas (Apêndice A) e outro destinado ao

questionamento das condições de funcionamento do Conselho Tutelar (Apêndice B).

Apresentaremos a concepção das entrevistadas sobre o papel do CT para a

efetivação da política de atendimento de meninos e meninas no Brasil e continuamos com a

discussão sobre as principais demandas atendidas pelo CT, relacionando o que a lei determina

quanto às atribuições dessas profissionais e o que de fato se concretiza no dia a dia.

A partir de nossa inserção no lócus de pesquisa, discutiremos sobre os desafios e

dificuldades que rodeiam a atuação do Conselho Tutelar e que refletem na garantia da

efetivação dos direitos infanto-juvenis.

3.1 O perfil das conselheiras tutelares e sua rotina profissional

O nosso lócus de pesquisa é um Conselho Tutelar de Fortaleza, que durante o

nosso estudo encontrava-se funcionando temporariamente em um local improvisado, visto que

sua sede original está passando por reformas na infraestrutura.

Desde nossa primeira visita, fomos bem recebidas pelas conselheiras tutelares e

por toda a equipe técnica que trabalha no CT, sendo cinco conselheiras tutelares, conforme

determinação do ECA e a equipe técnica composta por três educadores sociais, uma

psicóloga, uma assistente social, um auxiliar de serviços gerais, um digitador e dois

motoristas.

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As conselheiras tutelares, conforme estabelecido no ECA e em lei municipal

específica, são contratadas mediante processo de eleição, porém os demais profissionais do

CT são contratados por um empresa terceirizada.

No local de funcionamento improvisado, há um espaço parecido com um alpendre

no qual existem uma mesa e algumas cadeiras. Nesta mesa, permanece um funcionário que

realiza o atendimento inicial dos usuários. É para ele que as pessoas se dirigem primeiramente

ao chegarem ao CT e ele realiza o registro em um livro: a identificação, o bairro do usuário e

o motivo da procura pelos serviços do Conselho Tutelar.

A princípio, pretendíamos realizar entrevistas com as cinco conselheiras que

compõem o CT, mas na realidade contamos apenas com a participação de quatro conselheiras,

pois a quinta negou-se a participar de nossa pesquisa em virtude da grande demanda de

atendimentos. E embora tenhamos nos colocado à disposição para aguardá-la até uma ocasião

oportuna, esta não quis definitivamente contribuir com nossa pesquisa.

As entrevistadas consentiram livremente em participar de nossa pesquisa ao

assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido (cf. anexo A). Assim, visando à

preservação da identificação das conselheiras participantes, resolvemos utilizar nomes

fictícios para nos dirigirmos às conselheiras tutelares. Dessa forma, utilizamos nomes de

brincadeiras infantis, visando enfatizar o direito da criança e do adolescente de terem acesso

ao lazer e a um desenvolvimento saudável, aproveitando essa fase da vida que deve seguir seu

rumo de descobertas, conquanto saibamos que muitos garotos e garotas não podem usufruir

dessa condição. Destarte, utilizaremos os termos: Ciranda, Peteca, Andoleta e Pipa (nomes de

brincadeiras infantis) para identificarmos nossas entrevistadas. Assim, para melhor

compreensão acerca dos sujeitos de nossa pesquisa, elaboramos um perfil de cada

entrevistada.

A Sra. Ciranda, do sexo feminino, possui idade entre 36 a 45 anos, está cursando

ensino superior, primeiro mandato como conselheira tutelar e possui a pretensão de

candidatar-se novamente. Afirmou que teve como motivação para candidatura a membro do

CT o trabalho que executara como educadora de rua, fato que a levou a perceber as

dificuldades relacionadas aos direitos de crianças e adolescentes, apresentando vontade de

fazer algo para melhoria da situação. Sua frase: “Eu acho que o Conselho Tutelar, ele tenta

fazer as leis acontecerem, mas as dificuldades são muito grandes. Tem a divergência entre a

lei e a realidade” (informação verbal) 39

.

39 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Ciranda.

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A Sra. Andoleta, sexo feminino, idade entre 46 a 55 anos, ensino superior

completo, primeiro mandato como conselheira tutelar e pretende candidatar-se novamente ao

cargo de conselheira. Teve como motivação para assumir o cargo de conselheira tutelar seu

histórico de vida relacionado aos temas referentes à infância e adolescência e um trabalho

social com crianças e adolescentes que desenvolve há aproximadamente 21 anos, por meio do

qual percebeu a dificuldade de acesso aos serviços do CT, visando complementar a ação que

já desenvolvia. Sua frase: “Então, o papel do Conselho Tutelar fica bem claro, ele é realizado.

O que não se realiza, o que não se efetiva, muitas vezes, é a continuidade por conta da rede

[de apoio] não ter um funcionamento adequado” (informação verbal)40

.

Sra Pipa, sexo feminino, com idade entre 36 a 45 anos, cursando ensino superior,

está em seu primeiro mandato como conselheira e pretende candidatar-se novamente ao cargo

de conselheira. Afirmou ter participado de cursos de aperfeiçoamento sobre os direitos de

crianças e adolescentes. O motivo pelo qual se candidatou a membro do CT foi um trabalho

social que executava e continua a executar e seu histórico de vida ligado aos direitos de

crianças e adolescentes. Sua frase: “A política de atendimento e a rede de apoio é ineficiente,

assim a gente tem até boa vontade e compromisso, né, mas que a rede deixa muito a desejar”

(informação verbal)41

.

A Sra. Peteca é do sexo feminino, tem idade entre 46 a 55 anos, possui ensino

superior completo e está em seu primeiro mandato como conselheira tutelar, pretendendo

candidatar-se novamente. Também tem participado de cursos de aperfeiçoamento sobre os

direitos de crianças e adolescentes. Sua motivação para candidatura a membro do CT ocorreu

por causa de um trabalho social com crianças e adolescentes e percebeu a necessidade de

agilizar algumas coisas dentro do trabalho do CT. Sua frase: “A minha concepção sobre o

Conselho Tutelar é a que tem lá, no ECA” (informação verbal)42

.

Dessa maneira, verificamos que o perfil do grupo entrevistado é de quatro

mulheres, com idade superior a 35 anos de idade, as quais possuem histórico de atuação com

crianças e adolescentes e buscam um aprimoramento acerca dos direitos infanto-juvenis.

Todas estão no primeiro mandato como conselheira e possuem a pretensão de candidatar-se

novamente. Em unanimidade, apontaram como motivação para candidatura a membro do CT

a participação em trabalhos sociais com crianças e adolescentes. As entrevistadas esboçaram

que compreendem a política de atendimento à criança e ao adolescente e o papel do CT

40 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Andoleta. 41 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Pipa. 42 Informação verbal concedida pela conselheira tutelar nomeada ficticiamente de Peteca.

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conforme o estabelecido na lei e afirmaram que realizam suas atribuições a partir da

perspectiva de cidadania de crianças e adolescentes.

Resolvemos não identificar o Conselho Tutelar que foi nosso campo de pesquisa

por considerarmos que repressões políticas podem rodear a atuação das conselheiras tutelares

e dessa forma as mesmas poderiam sentir-se pouco à vontade para colaborarem com nossa

investigação. Assim, nosso lócus de pesquisa é um CT de Fortaleza dentre os seis existentes

no momento de nosso estudo.

O CT pesquisado funciona de segunda à sexta, das 08h às 12h e das 13h às 17h. A

rotina de trabalho das conselheiras é de oito horas diárias, sendo que elas possuem uma escala

que define os dias de atendimento, de audiências, de visitas e de palestras, podendo haver

modificações ou troca de horário entre elas. No entanto, de modo geral, a escala de horários

das conselheiras tutelares ocorre da seguinte forma:

Tabela 1 - Escala de Serviço

Escala de serviço semanal das conselheiras tutelares em 2014.

Conselheiras Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira

Andoleta Visita Audiência Atendimento Atendimento Palestra

Ciranda Palestra Visita Audiência Atendimento Atendimento

Peteca Audiência Atendimento Atendimento Visita Palestra

Pipa Atendimento Atendimento Audiência Visita Palestra

Conselheira 5 Atendimento Audiência Visita Palestra Atendimento

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Conforme a tabela 1, as conselheiras se revezam de modo que a cada dia

permaneçam pelo menos duas para atendimento ao público na sede do CT e para atendimento

de casos urgentes que necessitem do seu deslocamento da instituição.

Nos dias de atendimento, elas atendem individualmente em uma sala, ouvem a

problemática apresentada pelas pessoas que procuram o CT, aconselham e orientam, tomam

as providências necessárias e realizam os encaminhamentos.

Nos dias de audiências, as conselheiras permanecem na sede e aguardam a

chegada das pessoas com as quais já haviam agendado a audiência ou comunicado via

notificações. Nessas audiências, as conselheiras agem como mediadora de conflitos e

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orientam as partes envolvidas, tentando conciliá-las quanto à problemática que envolve

crianças e adolescentes.

Na rotina profissional, elas também realizam visitas às residências e às

instituições, como escolas, abrigos, creches, hospitais e onde mais se faça necessário sua

presença. Para a realização dessas visitas, há no CT dois veículos de uso exclusivo.

As palestras são agendadas e realizadas geralmente em escolas e têm como

objetivo esclarecer os direitos de crianças e adolescentes, podendo ocorrer também em

associações de bairros ou outros locais específicos. Nos dias destinados à realização de

palestras as conselheiras se dirigem à sede do CT e, no veículo de uso exclusivo, elas se

deslocam ao local em que acontecerá a palestra.

Essas práticas condizem com o que Válter Kenji Ishida (2008) diz em comentário

ao Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual declara que o CT é um órgão de proteção

dos interesses de meninos e meninas, tendo uma variada gama de funções, com poder de

aplicação de medida de proteção, requisição de serviços na área de saúde, educação, serviço

social, dentre outras.

Durante uma de nossas visitas ao CT, fomos convidadas gentilmente por uma

conselheira tutelar para participarmos de uma audiência. Na ocasião, estavam presentes a

conselheira, uma senhora avó paterna de duas crianças e a tia das meninas, elas haviam

procurado o CT por conta de a mãe das crianças ter abandonado as pequenas sob os cuidados

do pai, e eles nem sequer haviam realizado o registro de nascimento das filhas.

A conselheira havia tentado contato com a genitora das crianças, mas sem êxito.

A mãe das meninas não compareceu à audiência. Novamente a conselheira tentou contato via

telefone, e a mãe das meninas atendeu a ligação, após uma conversa a senhora concordou em

comparecer ao CT em outra data para providenciar o registro das filhas.

O ECA diz em seu artigo 131 que o CT é um órgão permanente e autônomo e não

jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e

adolescentes (BRASIL, 1990). Durante nossa pesquisa, verificamos que o discurso das

conselheiras tutelares entrevistadas é pautado na compreensão do papel do CT a partir de sua

definição na lei e todas afirmaram ter sua atuação profissional pautada na perspectiva da

cidadania de crianças e adolescentes, esquivando-se de práticas assistencialistas ou

repressivas43

.

43 Práticas assistencialistas são aquelas ações pautadas não no direito dos cidadãos, mas sim na caridade ou

benesse, não garantindo o acesso de todos os cidadãos de maneira igual. Já as práticas repressivas são aquelas

que fazem uso ora da força física, ora da coesão e ameaça para que se obtenha algo ou se evite alguma ação.

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Sobre esse assunto a Sra. Pipa afirmou que “o papel do Conselho Tutelar é

assegurar os direitos de crianças e adolescentes. É o que o Estatuto diz, mas na verdade a

gente não tem é meios para que esses direitos sejam garantidos” (informação verbal)44

Já a Sra. Peteca se posicionou afirmando que: “A nossa concepção é justamente a

que tem lá [no ECA], né. É o que está dentro do Estatuto. Mas aí é onde tem a má

compreensão, assim de que o Conselho não faz nada. O Conselho Tutelar age, o que não foi

feito é o que deve vir depois, a rede de apoio” (informação verbal)45

.

Para a Sra. Andoleta não é possível o CT trabalhar na perspectiva do favor e

complementa:

A gente não tem que trabalhar na perspectiva do favor. Porque eu conheço a

coordenação de uma casa, porque eu tenho um conhecido. Mas na garantia de um

direito que predispõe à criança e ao adolescente, não é a nós [conselheiras], mas à

criança e ao adolescente. Então dentro dessa perspectiva nós estamos com nossa

rede totalmente precária. (informação verbal)46

.

A Sra. Ciranda apontou que “O Conselho Tutelar é uma porta de entrada, né, de

todos os problemas com crianças e adolescentes, mas para os encaminhamentos, né?! É de

proteção, tudo que for atingir à criança e adolescente a gente faz os encaminhamentos para

que sejam garantidos os direitos” (informação verbal)47

.

Com base nessa concepção do CT como um órgão defensor dos direitos infanto-

juvenis, as entrevistadas afirmaram buscar um aprimoramento acerca dos direitos referentes à

infância e adolescência, mas relataram que a o Poder Executivo municipal não tem ofertado

cursos de capacitação para os conselheiros tutelares, sendo de iniciativa das próprias

entrevistadas a busca de informações e conhecimentos.

Segundo a Sra. Andoleta:

A prefeitura oferece pouco aperfeiçoamento, pouca coisa direcionada, nós que saímos atrás. Nós é que vamos buscar o conhecimento. Eles não facilitam, não tem

uma facilitação, uma educação continuada, inclusive nós, conselheiros, sempre

levamos essa proposta pra dentro da SDH, exatamente para viabilizar uma educação

continuada, não só pra nós, conselheiras, mas pros educadores sociais e toda equipe.

Porque todo dia surgem novos problemas, novas situações e a lei se atualiza. Então a

gente sempre procura que eles façam essa capacitação, né nem capacitação, é uma

44 Sra. Pipa. A partir desse ponto, as falas das assistentes serão identificadas, em notas de rodapé, apenas pelo

nome fictício correspondente. 45 Sra. Peteca. 46 Idem 47 Sra. Ciranda.

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educação continuada, mas não existe, nós é que buscamos por livre espontaneidade.

(informação verbal)48.

A Sra. Pipa disse-nos que “eu faço que nem no tempo da escravidão. Nós aqui

aprendemos é na base do chicote, aprendemos é fazendo” (informação verbal)49

. Em

contraposição, pensamos que seja necessário um engajamento das profissionais, um

aprimoramento teórico-metodológico e ético-político para que a atuação das conselheiras e da

equipe técnica não permaneça em ações focalizadas, no pragmatismo, com ações imediatas e

não se baseie em uma reflexão crítica e ética sobre os direitos infanto-juvenis.

Antes, deve haver uma reflexão crítica e um posicionamento ético por parte dos

conselheiros e dos demais profissionais do Conselho Tutelar, em que eles possam ter acesso a

uma capacitação continuada que embase sua atuação e lhes proporcionem uma ação ética. A

respeito desse assunto, concordamos com Raichelis (2006) quando a autora diz que:

Um dos grandes desafios tem sido a implantação de projetos de capacitação que

sejam continuados e que trabalhem articuladamente as dimensões técnica, política e

ética requeridas no exercício da participação em espaços públicos, nos quais forças

conservadoras atuam fortemente no sentido de manipulação e cooptação políticas (RAICHELIS, 2006, p. 114).

De acordo com a Sra. Ciranda, este incentivo por parte do Poder Executivo

municipal é inexistente. Ela aponta que “na verdade, eles (representantes do Poder Executivo

municipal) não se preocupam em capacitar a gente muito não. A gente aprende mesmo é no

dia a dia” (informação verbal)50

.

Essas narrativas demonstram que a Prefeitura de Fortaleza, a qual é a responsável

administrativamente pelos CTs e quem providencia os recursos financeiros para a atuação dos

Conselhos, não tem contribuído para a formação e capacitação dos conselheiros tutelares e

para a afirmação da política de atendimento de crianças e adolescentes.

A partir dessas afirmações, confirmamos em parte o que Célia Torres et al. (2009)

diz sobre os CTs, visto a contradição de se tratar de um órgão fiscalizador da política de

atendimento de crianças e adolescentes e ser ao mesmo tempo mantido pelo Poder executivo

municipal, o qual deve ser alvo de sua fiscalização. Mas também negamos o que a autora diz

48 Sra. Peteca 49 Sra. Pipa 50 Sra. Ciranda

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em relação às práticas clientelistas e a falta de conhecimentos dos conselheiros tutelares sobre

a política de atendimento à criança e ao adolescente. Conforme Torres et al. (2009):

Os Conselhos Tutelares padecem de uma profunda contradição: são órgãos

autônomos, porém mantidos pelo Poder Executivo municipal. Ao mesmo tempo, são

responsáveis por zelar pelos direitos das crianças, o que, na maioria das vezes,

significa cobrar do Executivo municipal a ampliação da rede de serviços destinados

à infância e juventude. A tensão política está criada estruturalmente pela própria

natureza do conselho. As lideranças políticas do Poder Executivo municipal e sua

burocracia não se conformam em sustentar um órgão que permanentemente os pressiona. Por outro lado, a disputa por uma vaga no Conselho Tutelar tem

desencadeado práticas políticas clientelistas. Na medida em que os conselheiros não

necessariamente conhecem o tema da política de proteção à criança, vários

conselhos tem implementado ações muito mais orientadas pelos princípios

higienistas, moralizantes e autoritários que pautados pela ótica do ECA. (TORRES

et al., 2009, p. 110-111, grifos do autor).

Em contraposição ao que Tôrrres et al. (2009) classifica como práticas políticas

clientelistas e ações orientadas por princípios higienistas, moralizantes e autoritários

realizados pelos CTs, pudemos apontar que as entrevistadas afirmaram que no CT em que

atuam elas possuem consciência da responsabilidade e do compromisso que devem ter ao

assumir a função de conselheiras, devendo eliminar práticas assistencialistas e toda

vinculação política partidária. E embora elas reconheçam que pode ocorrer

“apradrinhamentos” elas afirmaram desconhecer qualquer prática relacionada a isso no CT em

que atuam.

Para Sra. Peteca:

A intervenção política partidária é muito subjetiva. É a subjetividade. Cada um, cada

pessoa tem um compromisso. Não se trata, significa que um político chegue aqui e

determine o que nós temos que fazer, não. A partir do momento que a gente entra no

Conselho Tutelar, eu to respondendo por mim, assuma suas responsabilidades, seu

papel, porque se ela tiver algum apadrinhamento ou alguma situação que envolva

políticos, ela sabe que tá fugindo do contexto que seria o certo. Então você tem que

se abster de qualquer situação política e assumir o seu papel enquanto conselheiro.

Se isso ocorre de uma forma ou de outra que eu não tenho conhecimento. Eu

particularmente não tenho conhecimento. E só posso responder por mim. Não é

correto, aqui nós temos que nos abster totalmente de partidário, de situações de interesse, aqui é fundamentalmente direcionado aos interesses da criança e do

adolescente e o cumprimento de suas leis. (informação verbal)51.

Embora as entrevistadas tenham negado qualquer intervenção política partidária

ou práticas vinculadas a interesses pessoais durante a atuação no Conselho Tutelar, para nós

não ficou evidente a desvinculação de suas ações com sujeitos políticos, como vereadores ou

51 Sra. Peteca.

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deputados e outros, pois não compreendemos o que elas apontaram como a subjetividade e o

compromisso que cada conselheira tem. Também notamos que, durante a entrevista, quando

nos referimos a este assunto, elas esquivaram-se um pouco, a ponto de a Sra. Ciranda ter dito

que têm assuntos que não podemos falar claramente. Todavia, esta indagação poderá ser

tratada em pesquisas posteriores.

Podemos relacionar essa narrativa às palavras de Pedro Demo (2006), quando este

diz que “não descobrimos ainda que quando o poder público se privilegia deixa de ser poder

público. Torna-se privado” (DEMO, 2006, p. 2).

Percebemos também que todas as entrevistadas demonstraram entendimento da

política de atendimento de crianças e adolescentes, apresentando compromisso com a defesa

dos direitos de meninos e meninas, inclusive buscando um constante aprimoramento sobre

esses direitos.

Portanto, em nosso lócus de pesquisa percebemos nos discursos das conselheiras

tutelares um engajamento pela construção da cidadania de crianças e adolescentes,

pretendendo o distanciamento de práticas caritativas e assistencialistas. Isso está associado,

então, ao que nos diz Wanderlino Nogueira Neto (2005): “abandona-se, cada vez mais, aquela

linha tradicional, meramente filantrópica caritativa, na qual a ação se configurava como uma

benesse do mundo adulto, apaziguando consciências e legitimando o higienismo - uma linha

dominantemente “tutelar”, isto é, assistencialista e repressora” (NETO, 2005, p. 6).

Contudo, não nos esqueçamos dos desafios que rondam a afirmação dessas

políticas infanto-juvenis e pretendem um retrocesso quanto à proteção social de meninos e

meninas. Os desafios são vários e mostraremos em tópico futuro.

3.2 Direitos violados: demandas atendidas pelo Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar atua como uma porta de entrada para a política de

atendimento de crianças e adolescentes, por esse motivo as conselheiras tutelares não atendem

uma única demanda, mas todas aquelas problemáticas que ameaçam a garantia de direitos de

garotos e garotas.

Compreendemos a importância desse órgão tanto nas palavras de Carlos Simões

(2010) que diz que o CT é a porta que possibilita o acesso para os demais serviços destinados

à criança e ao adolescente, quanto nas falas de nossas entrevistadas que reconhecem a

relevância de suas atividades enquanto conselheiras tutelares.

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Nessa lógica, o Conselho Tutelar atende diversas problemáticas que chegam ao

órgão ora de demanda espontânea, ou seja, aqueles usuários que vão à sede do CT, ora de

denúncias via e-mail ou oriundas da Central do Disque 10052

.

Contudo, no Conselho Tutelar pesquisado, as únicas demandas atendidas no

momento são aquelas que chegam espontaneamente ao conselho, pois as demandas

provenientes de e-mail ou da Central Telefônica do Disque 100 não podem ser verificadas

devido à falta de computadores com acesso à internet.

Durante nossa pesquisa, verificamos que as demandas espontâneas geralmente

apresentam um elevado número, mas que em certos dias não são registrados tantos. Por

exemplo, em apenas uma manhã que estávamos no CT, no horário compreendido entre

09h30min e 11h, contabilizamos cerca de seis usuários no aguardo de atendimento.

Entretanto, em outro dia, aproximadamente no mesmo intervalo de tempo houve apenas dois

atendimentos.

Em decorrência da inexistência de um banco de dados ou cadastro detalhado dos

usuários, não alcançamos nosso objetivo quanto à identificação do perfil das crianças e

adolescentes atendidos, pois sequer as conselheiras conseguem preencher o Sistema de

Informações para a Infãncia e a Adolescência (SIPIA)53

, tendo em vista a falta de acesso à

internet. Apenas tivemos acesso ao livro de registro dos atendimentos diários que contém

apenas informações básicas como a identificação, o bairro e o motivo pela busca ao CT.

Dessa forma, com a devida autorização de uma conselheira realizamos análise dos

atendimentos realizados nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2014 e para

sistematização dos dados elaboramos um quadro para contabilizarmos os casos mensais (cf.

apêndice D).

As demandas apresentadas no primeiro trimestre de 2014 dão conta de que as

demandas atendidas pelo CT são: busca por vaga ou transferência escolar; conflitos familiares

envolvendo crianças e adolescentes; registro de nascimento (1ª ou 2ª via); denúncias de

negligências ou maus tratos contra crianças e adolescentes; registro de nascido vivo; evasão

52 O Disque 100 é uma central telefônica de nível nacional que funciona como um canal de comunicação direta

entre a sociedade civil e o Poder Público, tendo com objetivo a denúncia de casos de violação dos direitos

infanto-juvenis.

53 O SIPIA é um instrumento de coleta de dados locais, regionais, estaduais e nacional sobre a infância e

adolescência, a partir do qual os dados resultam em relatórios que possibilitam a elaboração, gestão e execução

de políticas, programas e projetos sociais voltados para esse público-alvo. Este banco de dados é formado a partir

de informações repassadas via internet, sendo dividido em dois módulos: um SIPIA para Conselho Tutelar e o

SIPIA para Unidades/Programas de Atendimento Socioeducativo. Disponível em: <

http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/programas/sistema-de-informacoes-para-infancia-e-

adolescencia-2013-sipia>. Acesso em: 27 jun. 2014, 16:45:00.

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escolar; acompanhamentos de casos e retornos; orientações; declarações e solicitações de

acompanhamento médico ou psicológico, dentre outras.

No mês de janeiro de 2014, foram atendidos 221 casos com problemáticas

diversificadas. Foram detectadas situações de conflitos familiares envolvendo crianças e

adolescentes, fuga do lar, denúncias de trabalho infantil, situações de drogadição de garotos e

garotas, fuga do lar, dentre outras, como aponta o gráfico abaixo:

Gráfico 1 – Demandas do CT/Janeiro

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Conforme o gráfico I, vemos que no mês de janeiro a maior demanda de

atendimento foi referente à procura por vagas ou transferência escolar, sendo 35 casos,

envolvendo tanto a primeira vaga como a vaga para transferência.

A segunda maior procura foi relacionada a conflitos familiares envolvendo

crianças e adolescentes. Esses conflitos não foram especificados no livro a que tivemos

acesso, no entanto, as conselheiras tutelares afirmaram que de modo geral são conflitos entre

pais e filhos por conta de divergências de opinião ou por causa de conflitos entre genitores

quanto aos cuidados com os filhos, desse modo os conflitos familiares somaram 26

atendimentos.

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A terceira maior demanda é detectada nas 23 orientações sobre a guarda de

crianças e adolescentes, sendo que diante da não competência do CT para operar em casos de

guarda, essas situações são encaminhadas para a Defensoria Pública para que os interessados

entrem com pedido de guarda judicialmente.

Ocorreram, no primeiro mês de 2014, um total de 10 audiências com os usuários,

visando a um consenso entre as partes e 18 comparecimentos em resposta a notificações feitas

pelas conselheiras.

Já no mês de fevereiro de 2014 foram 203 atendimentos realizados pelas cinco

conselheiras, e a demanda maior foi o retorno dos usuários para darem continuidade à

resolução das problemáticas enfrentadas, tendo sido registrados 24 retornos ao CT. Vejamos o

gráfico a seguir:

Gráfico 2 - Demandas do CT/Fevereiro

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

O comparecimento em resposta às notificações feitas pelas profissionais

registraram 22 atendimentos, aos quais os usuários após solicitação oficial compareceram

para tratar de assuntos específicos.

Na terceira colocação, ficou o atendimento por conta de conflitos familiares, os

quais somaram 17, e foram registrados ainda 16 casos relacionados à vaga ou transferência

escolar, e 16 casos em que os usuários pretendiam o registro da certidão de nascimento (1ª ou

2ª via).

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No mês de março de 2014, não houve atendimento nos dias 14, 17, 18, 20, 21 e

26, implicando na diminuição dos atendimentos à população. Sobre o motivo por não ter

havido atendimento no livro constava que esses dias foram feriados. Dessa forma, foram

registrados ao final do mês somente 93 atendimentos. Vejamos o gráfico a seguir:

Gráfico 3 - Demandas do CT/Março

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

*Não foram registrados atendimentos nos dias 14, 17, 18, 20, 21 e 26 de março de 2014.

A maior incidência de atendimento no mês de março de 2014 foi relacionada a

conflitos familiares envolvendo crianças e adolescentes, tendo sido 14 casos. Estes conflitos

podem envolver questões relacionadas às divergências de opinião quanto ao trato de crianças

e adolescentes ou conflitos entre os genitores que passa a interferir na convivência dos

meninos e meninas, dentre outros.

A segunda foi o registro de 11 retornos ao órgão em busca de solução da violação

de direitos de meninos e meninas. Este retorno pode ter ocorrido por vontade própria do

usuário que não teve seu direito garantido ou por agendamento das conselheiras. Foram

registrados ainda 7 atendimentos por causa de guarda de crianças e adolescentes de crianças e

5 casos referentes ao registro de nascimento.

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Sintetizamos que, ao final do primeiro trimestre de 2014, o Conselho Tutelar

pesquisado realizou 517 atendimentos, ficando uma média de 172 casos por mês e de 5 a 6

atendimentos por dia.

A situação torna-se alarmante quando dividimos o total de atendimentos dos

meses de janeiro, fevereiro e março de 2014 pelo número de cinco conselheiras tutelares,

resultando em 103 casos para cada conselheira durante o primeiro trimestre de 2014.

Segundo as entrevistadas, este elevado número de demandas resulta em um

atendimento de pouca qualidade e sem oportunidade de aprofundamento acerca das

problemáticas mais complexas, representando dessa forma o que relata Joana Garcia (2006)

de que nesse contexto de políticas fragmentadas e focalizadas o que acaba sendo direcionado

aos desfavorecidos economicamente são serviços de pouca qualidade e o que não é

considerado bom pela sociedade em geral.

Frente às demandas apresentadas, indagamos às entrevistadas se a população

atendida pelo CT possui respeito pelo órgão e por suas decisões. Sobre isto elas afirmaram

que a comunidade possui, sim, respeito pelo trabalho delas e pelas decisões do CT, mas que

uma pequena parcela não respeita quando a decisão do conselho - que deve representar os

interesses da criança e do adolescente e garantir o seu bem-estar - vai de encontro à vontade

pessoal do usuário.

De acordo com a Sra. Peteca, geralmente as pessoas respeitam o Conselho

Tutelar, mas:

Existe um número que eles não entendem o nosso trabalho, porque as pessoas que

não entendem, elas vêm com a situação de querer resolver o problema dela, mas a

maneira dela, né. Ela quer que seja resolvido da forma dela, que beneficie a ela.

Nestes casos acontece a insatisfação do público, do público pequeno que geralmente

acontece comigo. Mas é um público pequeno que sai insatisfeito, que vem em busca

de ser resolvida a maneira dele. Exemplo: situação de guarda, eles já vêm decidido

com quem a criança deve ficar. (informação verbal)54.

Segundo as entrevistadas, geralmente a população apresenta respeito pelo CT,

porém quando a ação do conselho protege os interesses de crianças e adolescentes, mas são

contrárias aos interesses pessoais dos usuários, estes se sentem prejudicados.

Eu ainda vejo que as pessoas têm respeito pelo Conselho Tutelar, se a gente vai e

notifica eles vêm. Então é por isso que eu acho que ainda tem respeito, né. Das

notificações que a gente faz sempre as pessoas estão vindo. Os encaminhamentos que a gente faz eles acatam, mas a parte das pessoas que eu atendo sempre obtive

54 Sra. Peteca.

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sucesso. Acredito que é uma maneira de respeito, né. Porque acredito que o

conselho pode apoiar, defender às crianças e adolescentes, né? (Ciranda, 2014).

Verificamos que o Conselho Tutelar pesquisado atende diversificadas demandas

referentes à violação ou eminente violação de direitos de crianças e adolescentes e que tais

demandas apresentam um elevado quantitativo, ocasionando uma grande quantidade de casos

por cada conselheira e dificultando assim um atendimento de melhor qualidade.

3.3 Desafios e dificuldades da atuação das conselheiras tutelares

Na realização de nossa pesquisa de campo, constatamos a veracidade de fatos

narrados em reportagens jornalísticas sobre a situação dos Conselhos Tutelares em Fortaleza,

reportagens essas que foram discutidas no capítulo anterior.

As entrevistadas relataram que existem muitos desafios e dificuldades para a

atuação do CT, esses desafios se apresentam tanto na falta de material de expediente até na

dificuldade de articulação com a rede de apoio.

São tantas dificuldades a serem enfrentadas que uma entrevistada disse “o que

mais tem aqui são deficiências. Deficiências do espaço físico, material, pessoal, tudo”

(informação verbal)55

.

Presenciamos em uma de nossas visitas ao CT que, devido à impossibilidade de

enviar um e-mail para uma instituição por conta da falta de internet, um funcionário deslocou-

se a uma lan house para realizar este procedimento que deveria ser feito no próprio CT.

O computador que havia no local apresentou problemas técnicos e desde então

aguarda conserto. Dessa maneira, as profissionais ficam impossibilitadas de estabelecerem

uma comunicação mais rápida com outras entidades e instituições.

Sem computador e sem internet, também não é possível o cadastro dos

atendimentos de modo mais sistemático, fato este que nos impossibilitou o alcance de nosso

objetivo de identificar o perfil das crianças atendidas pelo Conselho Tutelar.

Estes relatos estão de acordo com o relatório “Conhecendo a Realidade” de 2013

que mostra que os CTs do Ceará possuem deficiências de materiais e equipamentos como

computador, telefone e impressora.

55 Sra. Pipa.

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Segundo a Sra. Andoleta, a falta de equipamentos adequados recai sobre a atuação

das conselheiras e dificulta a realização de suas atribuições.

Não existe a questão dos recursos humanos, desde a carência da contingência maior

que não existe, a capacitação desses profissionais que nos auxiliam, uma

capacitação, né, que deveria ser continuada porque se trata diretamente com pessoas

e problemas complicados, a questão também da infraestrutura, do próprio funcionamento, desde a coisa básica que seria o material de expediente até os

equipamentos necessários. Nós damos respostas imediatas, precisamos de

computadores porque nós recebemos denúncias via e-mail, é via fax. Enfim, nós não

temos nada, absolutamente nada, quer dizer existe, mas não funciona. (informação

verbal)56.

Essa fala demonstra que temos um CT que atende à determinação do ECA, mas

que na prática faltam condições para concretizar essa política de atendimento de garotos e

garotas. Assim, passa-se a ofertar serviços ineficazes. E isso ocorre por conta de que se tem a

visão de que é um serviço para pessoas carentes e sem entendimento dos seus direitos?

Podemos agregar isso ao que Pedro Demo (2006) identifica como sendo o grande

desafio:

O desafio parece ainda ser este: se não soubermos mudar essa elite que nos

imbeciliza de alto a baixo, não há o que fazer: os impostos que pagamos não vão para a coisa pública, o trabalho que fazemos não redunda em bem comum, as

políticas sociais básicas são coisa pobre para o pobre, a esfera pública está cada vez

mais privatizada. (DEMO, 2006, p. 4).

Verificamos também como dificuldades apresentadas pelas entrevistadas a falta de

capacitação constante dos conselheiros tutelares e da equipe técnica por parte do Poder

Executivo municipal, bem como a falta de esclarecimento da população acerca das atribuições

dos conselheiros tutelares e o papel do Conselho Tutelar.

Assim, sem um entendimento das reais atribuições dos conselheiros, a população

passa a exigir do CT respostas e ações não condizentes com as suas possibilidades e por esse

motivo muitos populares afirmam que o CT não funciona e não contribui para a defesa dos

direitos das crianças e adolescentes.

Na verdade o CT dentro dessa área, onde ele é a porta de entrada, ele faz o seu papel porque ele encaminha, agora se não se efetiva é culpa da estrutura que deveria vir

depois. É muito importante saber disso, é muito importante deixar bem claro. O

Conselho Tutelar realiza sim o seu trabalho. Porque muitas vezes tem essa distorção

de achar que o CT não faz nada. Ele realiza sim, porque uma vez procurado, uma

56 Sra. Andoleta.

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vez detectada uma denúncia, um problema, nós realizamos os encaminhamentos.

Agora se ele não é efetivado, não depende do CT. O Conselho Tutelar encaminha

“pro” serviço que é solicitado e informa ao Ministério Público, agora se daqui pra lá,

nesse percurso não acontece nada, é claro que como o que foi acionado foi o CT

como porta de entrada, muitas vezes a culpa recai sobre. (informação verbal) 57

.

Desse modo, é importante destacar o que Raquel Raichelis (2006) expõe sobre a

necessidade de ampliar a visibilidade pública dos conselhos, referindo-se à articulação entre

os conselhos de políticas públicas:

Uma das exigências para a consolidação dos conselhos como espaços públicos

democráticos é a ampliação de sua visibilidade pública. Isso significa que as ações,

os discursos e os critérios que orientam as deliberações dos conselhos devem-se expressar com fidedignidade e publicidade, não apenas para os diretamente

envolvidos, mas para todos os que serão implicados pelas decisões assumidas. Para

isso, a transparência e a circulação das informações interconselhos precisam ser

intensificadas, no sentido de que seu acesso seja cada vez mais amplo e contribua

para uma visão de totalidade da política social que está sendo implementada.

(RAICHELIS, 2006, p. 113).

Sobre esse assunto a Sra. Pipa também se posicionou afirmando que além da má

compreensão da população sobre as verdadeiras atribuições do CT existe também a grande

demanda que impossibilita um atendimento em que se possa aprofundar a situação dos

usuários.

A meu ver, o CT é pressionado direto, 24 horas por dia, porque a gente tá aqui pra

fazer os encaminhamentos. O artigo 136 [do ECA] diz que a gente é o órgão que faz

os encaminhamentos, porém a sociedade, a comunidade às vezes não compreende

que o trabalho do Conselho Tutelar é limitado, e as pessoas buscam uma situação

aqui que vai além das nossas posses e nisso o CT fica mal visto, por conta dessa

situação da gente não poder realmente de fato e nem sequer a gente tem condições

de acompanhar casos. A gente aqui não tem condições de acompanhar não, por mais que a gente queira. Porque é atendimento toda hora, você vê que aqui é gente

chegando toda hora. Eu estou aqui, mas aquelas duas senhoras estão me esperando.

Aí como é que se pode ter um atendimento 100%, né, ou até mesmo de boa

qualidade? (informação verbal)58.

Enquanto pesquisadoras nos surpreendemos ao constatar que o maior desafio

apontado por todas as entrevistadas é a dificuldade de acesso à rede de apoio59

para onde são

realizados os encaminhamentos.

57 Idem. 58

Sra Pipa. 59 A rede de apoio que as entrevistadas se reportam e que aqui tratamos é referente à articulação entre os órgãos,

as entidades e instituições que prestam atendimento ou assistência às crianças e aos adolescentes, como o

Ministério Público, abrigos públicos, escolas públicas, Delegacia de Combate à Exploração de Crianças e

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Elas relataram que a política de atendimento que segundo o ECA deveria ser

realizada através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais,

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não funciona de forma eficaz.

Nas das falas das entrevistas, fica bem evidente essa dificuldade de relação com

outras entidades de atendimento à criança e ao adolescente, pois não haveria uma

continuidade do trabalho iniciado no CT.

As nossas dificuldades é entrar em concordância muitas vezes com as redes que nos

apoiam, né. O CREAS, os colégios, com a Defensoria Pública e toda a rede que num

funciona, né. Tem abrigos. Tem coisas que a gente encaminha, tem momento que, por

exemplo, eu ontem tava com um menino pra abrigar e não tinha abrigo, tá lotado, sempre tá

lotado. E como é que a gente pode fazer a coisa acontecer, né, se a gente tem negado os

direitos. Porque o direito é pra acontecer, tá no ECA, então é pra ser cumprido, mas não

acontece. A gente encaminha e às vezes eles botam lá uma pedra em cima, esbarra por lá. Eles acham que não sei. A gente tem que encaminhar e é como se a gente tivesse

trabalhando contra o tempo. Porque se eles funcionassem da maneira que é pra ser, se eles

atendessem seria bem melhor. A coisa andava bem mais. (informação verbal)60.

Nesse sentido, detectamos nas falas das entrevistadas que o maior empecilho para

a atuação dos CTs e para a efetivação da política de atendimento à infância e adolescência

ocorre por conta do próprio Estado, que é o responsável pela elaboração, aprovação e que

deveria zelar pela execução dessa política, mas que na realidade não tem contribuído de

maneira adequada para o fortalecimento dessa política. Isso ocorre como consequência das

privatizações dos serviços públicos e do rebaixamento das ações do Estado, nas quais

conforme Evilasio Salvador (2010), “as propostas neoliberais incluem a transferência da

proteção social do âmbito do Estado para o mercado, a liberalização financeira passa pela

privatização dos benefícios da seguridade social” (SALVADOR, 2010, p. 606).

Com base em Potyara Pereira (2008), afirmamos que as narrativas das

entrevistadas mostraram que “no que diz respeito aos direitos sociais, o fato de eles

dependerem de recursos para serem efetivados impõe, às políticas públicas que devem

concretizá-los, desafios reais” (PEREIRA, 2008, p. 106).

De tal modo, diante da constatação de que o Estado em todas as suas esferas de

poder - Federal, Estadual ou Municipal - não tem incentivado uma política dirigida para

crianças e adolescentes, fato que se mostra na dificuldade de acesso às redes de apoio e na

precariedade dos serviços prestados, passamos a concordar com Joana Garcia (2006) quando

Adolescentes (DECECA), Delegacia da Criança e do Adolescente (CDA) e serviços médicos do Sistema Único

de Saúde (SUS), dentre outros. 60 Sra. Ciranda.

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esta autora discute que a ação do Estado torna-se restrita e focalizada, de maneira que, por

exemplo, estudar em escolas públicas ou utilizar o serviço de saúde pública representa se

expor a uma qualidade de desprotegidos e desqualificados, pois:

Em um país que lamenta a perda do que não desfrutou plenamente, a focalização

representa a inimiga da justiça social e, portanto, um retrocesso na garantia da

cidadania plena. Em relação às políticas universalistas, há uma aposta na sua

expansão e melhoria, já que no caso das políticas de saúde e educação, embora

universais, são, de modo geral, precárias e, por isso, acabam sendo direcionadas aos

pobres. Opera-se uma focalização derivada da qualidade do serviço prestado,

restando aos pobres o que não é considerado bom pela sociedade de modo geral.

(GARCIA, 2006, p. 16).

Fazemos referência também ao que Behring e Boschetti (2011) denominam de

trinômio do ideário neoliberal que afeta as políticas sociais, causando a redução dos direitos

sociais, ações pontuais e fragmentadas. Este trinômio corresponde à privatização, focalização

e descentralização, sendo que este último não representa o partilhamento do poder entre as

esferas, mas significa a transferência de responsabilidades para entes da federação ou para

instituições privadas. Não que as instituições privadas não possam ofertar serviços para o

atendimento de crianças e adolescentes, mas elas não devem assumir sozinhas essa

responsabilidade e deixar o Estado ausente desta sua obrigação.

Com a ausência de uma rede de apoio, ocorre que não está se cumprindo a

articulação necessária entre os setores da sociedade e o Estado para promover a política de

atendimento de crianças e adolescentes estabelecida no ECA, pois conforme nos lembra

Ishida (2008), “a responsabilidade pelas políticas públicas que afeta a criança e o adolescente

é das três esferas governamentais: União, Estados e Municípios, bem como pela participação

das entidades não governamentais” (ISHIDA, 2008, p. 134).

Conforme Sra. Ciranda, existe muita divergência entre a lei e a realidade, pois na

prática as dificuldades são muitas e atrapalham a realização de uma ação eficaz.

Na prática, as legislações ainda deixam muito a desejar. A gente faz muitos encaminhamentos, por exemplo, a gente sabe que ali é uma lei, a criança ter a vaga

na escola, mas a gente faz o encaminhamento e a coisa não acontece, entendeu? Aí a

gente tem ter outro trabalho de encaminhar pro Ministério Público, pro Distrito de

Educação e muitas vezes a coisa não acontece. Mesmo o Ministério Público tendo

conhecimento é lento pra dar uma resposta. Eu acho que o Conselho Tutelar, ele tenta fazer as leis acontecerem, mas as dificuldades são muito grandes. Tem a

divergência entre a lei e a realidade. (informação verbal)61.

61 Sra. Ciranda.

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Para a Sra. Andoleta, as legislações voltadas para o público-alvo aqui

representado são muito bonitas, mas na prática elas ainda deixam muito a desejar. Faltam

condições de articulação com outros órgãos e entidades, pois quando se precisa acionar um

serviço as conselheiras tutelares muitas vezes não conseguem um retorno adequado.

A rede [de apoio] na verdade ela não existe. Assim, porque ela é uma política muito bonita, que ela tem que ser efetivada, mas não é. [...] Uma das redes que a gente

procura diariamente que é a questão das casas de acolhimento, os próprios serviços

públicos que são prestados. Hoje nós temos dentro da saúde, a gente tem

conhecimento de existir dois neuropediatras e se você encaminhar uma criança que tá com problema de saúde de ordem neurológica, você diz que é um direito que tem

que ser assegurado, no entanto, a rede pública não oferece médicos suficientes. Nas

salas de aula é a mesma coisa. Nas casas de acolhimento também não existem vagas.

(informação verbal)62.

A Sra. Pipa nos disse que a rede de atendimento não funciona, e sobre essa

ineficiência ela faz uma brincadeira ao afirmar que:

A meu ver as leis só existem no papel mesmo, tá certo? Porque as leis elas foram feitas pra serem executadas, né! Para que realmente a pessoa em si, a sociedade, a

comunidade, aquela pessoa que necessita pudessem garantir mesmo os seus direitos,

mas na realidade não existe, isso é só no papel. Existe a rede, mas ela é rasgada,

furada e sem punhos [risos]. (informação verbal)63.

Enfim, verificamos que muitas dificuldades envolvem a atuação do CT e que para

a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes é necessário não só um compromisso dos

agentes envolvidos nessa caminhada, antes é oportuno lembrar que embora a família e a

comunidade deva participar desse processo o Estado- nos níveis Federal, Estadual e

Municipal- deve assumir papel central e ofertar condições econômicas e estruturais para que

essa política de fato se concretize.

62 Sra. Andoleta. 63 Sra. Pipa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual legislação brasileira aponta inúmeros dispositivos para a defesa e

efetivação dos direitos relacionados à infância e à adolescência, abordando aspectos políticos,

sociais e culturais que garantam a saúde, a educação, a liberdade e o desenvolvimento de

crianças e adolescentes. Contudo, verificamos que nem sempre o tratamento dispensado às

crianças e aos adolescentes deu-se dessa maneira, antes eles foram alvo de negligências e

subordinação.

Constatamos que a trajetória de meninos e meninas no Brasil foi marcada ora pela

negação, ora pela violação de seus direitos. Assim, pudemos ressaltar que, no período das

embarcações portuguesas rumo ao Brasil colônia, as crianças e adolescentes se fizeram

presentes nos navios como mão de obra barata e eram constantemente vítimas de abusos

físicos e sexuais, vivendo em condições desumanas, com pouca alimentação e ausência de

higienização. Aquelas que resistiam aos perigos das viagens marítimas e aqui chegavam

continuavam em condições inferiores de sobrevivência.

Como vimos no decorrer da pesquisa, as crianças indígenas que aqui já se

encontravam também sofreram violações e perseguições e tornaram-se “alvos” da

evangelização dos jesuítas, os quais ao tentarem catequizá-las causaram-lhes um verdadeiro

massacre cultural e destruição do seu modo de vida.

Com a passagem histórica para o Império e depois para a República, a situação de

vida desses garotos e garotas brasileiros pouco se modificou e eles continuaram abandonados

à própria sorte e sem amparo efetivo da comunidade ou do Estado. Nessa época, os adultos

mantinham um distanciamento da criança como forma de evitarem um sofrimento diante da

morte dos pequeninos, visto que eram altas as taxas de mortalidade infantil naquele período.

O sofrimento também rodeava a vida das crianças escravas, muitas vezes

separadas de seus pais, que ora eram tratadas como um “brinquedo” e um “entretenimento”

pelas filhas dos senhores de escravos, ora começavam a trabalhar muito cedo, trazendo desde

já no sobrenome a atividade que executavam. Esses sujeitos infanto-juvenis não possuíam

direitos de cidadania e quando necessitavam eram atendidos por entidades beneficentes, como

as Santas Casas ou Casa dos Expostos.

Durante o período do Regime Militar, crianças e adolescentes também não eram

tratados sob a perspectiva de cidadãos, mas antes eram tratados como objetos de controle e

disciplinamento social.

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Foi somente a partir da luta dos movimentos sociais, no decorrer dos anos de

1970, em prol da redemocratização do país e da garantia de direitos, dentre eles os da

população infanto-juvenil, que se construía uma nova concepção de infância e adolescência

no Brasil, buscando a afirmação de seus direitos.

Tomamos consciência que foi tardiamente, a partir da CF/88, que o Brasil passou

a considerar a cidadania de crianças e adolescentes e a destinar a eles uma política pautada na

Doutrina da Proteção Integral com ações de promoção, proteção e fiscalização de seus

direitos.

Essa política de atendimento reafirmou-se e consolidou-se com a criação do ECA

no ano de 1990, garantindo a todas as crianças e adolescentes direitos fundamentais e de

cidadania, respeitando a sua dignidade de pessoa humana e em desenvolvimento e

determinando a responsabilidade da família, da comunidade e do Estado na proteção do seu

bem-estar físico, mental e social.

Nossa pesquisa alcançou seu objetivo central acerca do atuação do Conselho

Tutelar para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, a partir da qual pudemos

concluir que o Conselho Tutelar possui um duplo significado: o significado ideal estabelecido

pelo ECA e o significado real que está envolto nas dificuldades do dia a dia.

Portanto, o significado atribuído pela legislação ao Conselho Tutelar é um

significado de valorização e perfeição desses espaços para a construção da cidadania de

meninos e meninas, pois conforme está no ECA o CT possui atribuições de extrema

importância que se cumpridas atribuem às crianças e aos adolescentes vez e voz.

O outro significado atribuído ao Conselho Tutelar surge a partir da vivência das

conselheiras e da equipe técnica que atuam em condições precárias, necessitando de melhor

infraestrutura e de recursos humanos e financeiros, ou seja, na prática o Conselho Tutelar

possui dificuldades para executar suas atribuições e dificuldades de relação com a rede de

atendimento.

A prática de atuação das conselheiras ocorre em meio a dificuldades e desafios

que, muitas vezes, impossibilitam o acesso de crianças e adolescentes aos seus direitos e

garantias fundamentais, as redes de atendimento não funcionam de forma eficaz e recai sobre

o CT a culpa pela não concretização dos direitos infanto-juvenis.

O significado real do Conselho Tutelar é de um órgão da comunidade que tem o

cumprimento de suas atribuições tolhido pelo atual contexto de diminuição das políticas

públicas sociais, pela crítica à Doutrina da Proteção Integral e pelo discurso de culpabilização

do indivíduo pela sua situação social.

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Assim, o Estado oferece políticas públicas sociais de maneira focalizada, e as

redes de proteção para onde ocorrem os encaminhamentos do CT não atendem de forma

eficiente à grande demanda. Atualmente há uma tentativa de desconstrução e desvalorização

da Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes, apontando, por exemplo, para a

diminuição da imputabilidade penal. E há o discurso de que crianças e adolescentes são os

culpados pela sua situação de vulnerabilidade, pois não estudam e não trabalham porque não

querem.

Dessa forma, analisamos o papel do CT como de extrema importância para a

efetivação dos direitos infanto-juvenis, mas entendemos que ele não é o único responsável por

essa tarefa nem tampouco o único culpado pela não concretização da política de atendimento

às crianças e aos adolescentes.

Enfim, essa pesquisa nos possibilitou o alcance de nossos objetivos iniciais, mas,

sobretudo, nos proporcionou uma aproximação com a realidade de atuação do Conselho

Tutelar, despertando-nos principalmente para a divergência existente entre as disposições

legais e as condições reais.

Consequentemente, a partir dessa experiência de investigação percebemos a

necessidade do fortalecimento dos vínculos entre a sociedade e o CT, com um constante

esclarecimento das atribuições da instituição através, por exemplo, de palestras, cartilhas

explicativas e divulgações em mídias sociais, para que dessa forma a população se engaje na

luta pelos direitos de crianças e adolescentes, pela melhoria das condições de atuação dos

conselheiros e na construção de um novo significado político e social acerca do papel do

Conselho Tutelar.

Durante a pesquisa, tornou-se evidente a necessidade do aumento do número de

CTs no município de Fortaleza para que se possa atender de maneira eficiente, eficaz e efetiva

à população.

Pudemos verificar que o Conselho Tutelar visto a partir das dificuldades e

precariedades que perpassam a execução de suas atribuições torna-se, muitas vezes,

impossibilitado de efetivar os direitos de crianças e adolescentes. Quando faltam condições e

instrumentos mínimos, como material de expediente e telefone, os conselheiros a partir do

compromisso profissional conseguem alguns resultados positivos.

Por fim, passamos a considerar que o Conselho Tutelar, por tratar-se da porta de

acesso para a política de atendimento de crianças e adolescentes, possui um valor social

extremamente relevante para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes e apresenta

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inúmeras possibilidades para a concretização desses direitos, embora na prática as

competências desse órgão não sejam valorizadas da maneira adequada.

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APÊNDICES

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Apêndice A - Roteiro de entrevista 01 (perfil do entrevistado):

SOBRE O ENTREVISTADO:

IDADE

a. ( ) 25 a 35

b. ( ) 36 a 45

c. ( ) 46 a 55

d. ( ) 56 a 65

SEXO

a. ( ) Feminino

b. ( ) Masculino

ESTADO CIVIL

a. ( ) Solteiro(a)

b. ( ) Casado(a)

c. ( ) Divorciado(a)

d. ( ) Viúvo

GRAU DE INSTRUÇÃO:

a. ( ) EF COMPLETO

b. ( ) EM INCOMLETO

c. ( ) EM COMPLETO

d. ( ) ES COMPLETO E INCOMPLETO

e. ( ) ES EM CONCLUSÃO

1. Quanto tempo você possui de mandato? Já assumiu ou pretende assumir um outro

mandato?

2. Você tem participado de cursos/eventos para o aprimoramento acerca dos direitos de

crianças e adolescentes nos últimos dois anos? Quais?

3. A Prefeitura de Fortaleza oferece/incentiva algum aprimoramento acerca dos direitos

de crianças e adolescentes?

4. Você se sente preparado(a) para exercer suas atividades de conselheiro?

5. Quais motivações lhe levaram a candidatar-se a membro do Conselho Tutelar?

6. Como você percebe a atual política de atendimento de crianças e adolescentes?

7. Você participa ou já participou de algum movimento ou instituição que atue na defesa

dos direitos de crianças e adolescentes?

8. Em sua concepção, qual o papel do Conselho Tutelar?

9. Como você compreende a relevância da atuação do Conselho Tutelar para a efetivação

dos direitos de crianças e adolescentes?

10. Como você analisa a relação entre o que estabelece as legislações sobre a infância e

adolescência e o que você vivencia como membro do Conselho Tutelar?

11. Em sua opinião, a atuação do Conselho Tutelar sofre alguma intervenção política? Em

que intensidade?

12. Para você quais as dificuldades no cotidiano da atuação do Conselho Tutelar?

13. As pessoas atendidas pelo Conselho Tutelar têm respeito pela instituição e por suas

decisões?

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Apêndice B - Roteiro de entrevista 02 (aspectos do funcionamento):

1. Como ocorre o processo eleitoral para o Conselho Tutelar? Qual o período do mandato

dos conselheiros tutelares?

2. Em quais políticas sociais o Conselho Tutelar está pautado?

3. Quais as atribuições da Prefeitura de Fortaleza para o funcionamento do Conselho

Tutelar?

4. Quais as condições de atuação do Conselho Tutelar?

5. Quais procedimentos devem ser realizados para obter atendimento no Conselho Tutelar?

6. Quais os dias e horários de funcionamento do Conselho Tutelar?

7. Quantos conselheiros tutelares e funcionários trabalham no Conselho Tutelar? Quais as

condições de contrato de trabalho?

8. Quais demandas são atendidas pelo Conselho Tutelar?

9. Quantas demandas foram atendidas no 2º semestre de 2013?

10. Qual a maior demanda apresentada ao Conselho Tutelar no 2º semestre de 2013?

11. Qual o perfil social das crianças e adolescentes que foram atendidas pelo Conselho

Tutelar no 2º semestre de 2013?

12. Para quais instituições ou órgãos são encaminhadas as demandas atendidas pelo Conselho

Tutelar? APRESENTE A DE MAIOR NÚMERO.

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Apêndice C - Quadro utilizado para organização do quantitativo de atendimentos

Tabela de atendimentos do mês:

Tipo de demanda Quantitativo

Negligência

Conflito familiar

Agressão física

Abandono

Vaga/transferência em escola

Trabalho infantil

Nascituro vivo

Termo de responsabilidade

Retorno

Não identificado

Evasão escolar

Casamento

Abrigamento

Benefício

Conflito com vizinho

Acompanhamento

Orientação

Audiência

Guarda

Notificação

Acompanhamento de ato infracional

Registro de nascimento

DNA

Curso

Denúncia

Medida protetiva

Adoção

Drogadição

Pensão

Fuga do lar

Estudo de caso

Exploração infantil

Outros:

Total:

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Apêndice D - Fotos sede CT da SER I

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

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Apêndice E - Fotos sede CT da SER II

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

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Apêndice F - Foto sede CT da SER III

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

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Apêndice G - Fotos sede CT da SER IV

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

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Apêndice H -Foto sede CT da SER V

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

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Apêndice I - Fotos sede CT da SER VI

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

Fonte: PINTO, N. M. L, 2014.

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ANEXOS

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Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido