a reforma da previdÊncia social brasielira - aniele 2013 (1)

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A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA PINHOLATO, Aniele Zanardo 1 RESUMO Falar de Previdência Social, sobretudo a brasileira, é colocar em debate os direitos sociais conquistados diante do cenário de desmonte posto na conjuntura política e econômica do país. Com o objetivo de realizar uma revisão de teórica de modo a reunir os principais argumentos a favor da reforma, bem como os argumentos que desvelam o equívoco do suposto déficit nas contas da Previdência, que foi sendo colocada de lado a dificuldade que é falar sobre tal tema e se tornou um desafio envolvente. Encontrou-se como principais resultados: a) pelo menos em termos de debate teórico e acadêmico, o equívoco do suposto déficit está mais que desvelado; b) a PEC 233/2008, em última instância, sua aprovação acirraria a disputa pelo fundo público; e, c) está mais que garantida a demanda do capital com a nova aprovação da DRU para mais pelo menos um mandato da presidente Dilma Rousseff. Palavras-chave: Previdência Social; Reforma; Contra reforma. ABSTRACT 1. Introdução A Seguridade Social é um marco muito importante em termos de conquista de direitos sociais. No Brasil, foi instituída constitucionalmente, na forma como está estruturada na atualidade, apenas em 1988. Desse momento em diante, sua trajetória está repleta de avanços e retrocessos. Como avanços podem-se citar as regulamentações complementares que organizaram os sistemas de proteção social. Com exceção da Lei Orgânica da Previdência Social que data de 1960, anterior ao processo da constituinte, foram regulamentadas as seguintes legislações: em 1990 a Lei Orgânica da Saúde; em 1991, a Lei Orgânica da Seguridade; em 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social. No entanto, a concepção de Seguridade social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (CF 1988, Art. 194) tem sido cada vez mais difícil se concretizar. De acordo com Behring e Boschetti, com base em Viana: 1 Assistente Social. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Política Social-UFES. Mestrado em Política Social.

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Page 1: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA

PINHOLATO, Aniele Zanardo1

RESUMO

Falar de Previdência Social, sobretudo a brasileira, é colocar em debate os direitos

sociais conquistados diante do cenário de desmonte posto na conjuntura política e

econômica do país. Com o objetivo de realizar uma revisão de teórica de modo a reunir

os principais argumentos a favor da reforma, bem como os argumentos que desvelam o

equívoco do suposto déficit nas contas da Previdência, que foi sendo colocada de lado a

dificuldade que é falar sobre tal tema e se tornou um desafio envolvente. Encontrou-se

como principais resultados: a) pelo menos em termos de debate teórico e acadêmico, o

equívoco do suposto déficit está mais que desvelado; b) a PEC 233/2008, em última

instância, sua aprovação acirraria a disputa pelo fundo público; e, c) está mais que

garantida a demanda do capital com a nova aprovação da DRU para mais pelo menos

um mandato da presidente Dilma Rousseff.

Palavras-chave: Previdência Social; Reforma; Contra reforma.

ABSTRACT

1. Introdução

A Seguridade Social é um marco muito importante em termos de conquista de

direitos sociais. No Brasil, foi instituída constitucionalmente, na forma como está

estruturada na atualidade, apenas em 1988. Desse momento em diante, sua trajetória

está repleta de avanços e retrocessos. Como avanços podem-se citar as regulamentações

complementares que organizaram os sistemas de proteção social. Com exceção da Lei

Orgânica da Previdência Social que data de 1960, anterior ao processo da constituinte,

foram regulamentadas as seguintes legislações: em 1990 a Lei Orgânica da Saúde; em

1991, a Lei Orgânica da Seguridade; em 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social.

No entanto, a concepção de Seguridade social como “um conjunto integrado de

ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (CF 1988, Art. 194) tem

sido cada vez mais difícil se concretizar. De acordo com Behring e Boschetti, com base

em Viana:

1 Assistente Social. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Política Social-UFES. Mestrado em

Política Social.

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Estabeleceu-se um sistema de seguridade social avançado no final dos

anos 1980, mas incapaz de conter a americanização, com um sistema

público se “especializando” cada vez mais no (mau) atendimento dos

muito pobres, no mesmo passo que o mercado de serviços médicos,

assim como o de previdência, conquista adeptos entre a classe média e

o “operariado” [...]. Essa imbricação histórica entre elementos

próprios ao seguro social poderia ter provocado a instituição de uma

ousada seguridade social, de caráter universal, redistributiva, pública,

de direitos amplos fundados na cidadania. Não foi, entretanto, o que

ocorreu, e a seguridade social brasileira, ao incorporar uma

tendência de separação entre a lógica do seguro (bismarckiana) e a

lógica da assistência (beveridgiana), e não de reforço à clássica

justaposição existente, acabou materializando políticas com

características próprias e específicas que mais se excluem do que se

complementam (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 160-161. Grifos

nossos).

“A opção tardia pelo neoliberalismo na década de 1990” (FAGNANI, 2010, p. 05)

acirrou, portanto, ainda mais a contradição que já era embrionária desde a Assembleia

Nacional Constituinte (ANC). Sob a tese da impossibilidade de governar diante das

regras colocadas pela Seguridade, os conservadores trataram logo de propor reformas já

que propor uma nova constituinte seria impossível.

A Previdência Social foi um dos alvos dessas reformas e, no final da década de

1990 ocorreram as primeiras investidas. Para Marques e Mendes, a Previdência

brasileira é a mais organizada da América Latina, atingindo de igual modo todos os

trabalhadores e,

Ao conceder um mesmo estatuto para esses trabalhadores, o Estado

brasileiro deu um importante passo na construção da ideia de nação,

integrando em [...] todo o trabalhador do Norte e do Sul do país. Esse

processo, ainda incompleto, avançou significativamente com a

Constituição de 1988, quando, entre outros dispositivos, os benefícios

foram estendidos aos trabalhadores rurais e o piso correspondente a

um salário mínimo foi introduzido, o qual, na doutrina previdenciária,

refere-se à renda de base, aquela que a sociedade considera ser o valor

mínimo que um trabalhador na inatividade deve receber (MARQUES;

MENDES, 2004, p. 08).

Conduto, ao mesmo tempo, esse avanço memorável esbarrou com a dificuldade

de atingir a todo o conjunto dos ocupados, isto é, a todos os trabalhadores que estão

exercendo algum tipo de trabalho remunerado. “Mas isso não se deveu a alguma

‘deficiência’ do desenho da cobertura e sim ao processo econômico vivenciado pelo

país nas últimas décadas, com seus inevitáveis reflexos sobre o mercado de trabalho”

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(MARQUES; MENDES, 2004, p. 08), o que se revela como um desafio frente às

reformas nas regras da aposentadoria e também do acesso aos demais benefícios

previdenciários como o auxílio doença, por exemplo.

Antes da reforma, as regras para a aposentadoria eram basicamente: a média

aritmética dos últimos 36 meses de contribuição; aposentadoria por tempo de

contribuição, não sendo a idade um fator determinante. À época, depois de tramitar no

Legislativo a PEC 20/97 e posteriormente a Lei 9.876/99, ficaram estabelecidas as

seguintes regras para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS):

A partir da vigência dessa lei o valor da aposentadoria não seria mais

calculado com base na média aritmética dos últimos 36 meses de

contribuição (ou no máximo um período de 48 meses) e sim pela

média aritmética dos maiores salários de contribuição, corrigidos

monetariamente, de, no mínimo, 80% do período contributivo do

segurado. Sobre esse cálculo é aplicado um fator redutor [fator

previdenciário] que varia de acordo com a idade do segurado, ou seja,

o quanto de vida ele terá depois de aposentado, segundo estimativas

do IBGE (MARQUES; MENDES, 2004, p. 07, grifos nossos).

Além dessa regra ficou estabelecida a idade mínima de 60 anos para as mulheres e

65 anos para os homens para requerer a aposentadoria integral somado ao tempo de

contribuição. Na área rural, a idade decai em 5 anos, isto é, 60 para os homens e 55 para

as mulheres, sendo necessária a comprovação de que trabalhou no campo.

Para o regime dos servidores públicos

[...] o governo FHC, embora tenha conseguido aprovar modificações,

não obteve sucesso naquilo que considerava fundamental: a supressão

do direito à integralidade (aposentadoria de valor igual ao do provento

da ativa) e do direito à paridade nos reajustes (garantia, para o valor da

aposentadoria, da aplicação do mesmo indexador e percentual

utilizado no reajuste dos proventos dos servidores ativos); e a

exigência de contribuição dos aposentados (MARQUES; MENDES,

2004, p. 07).

.

É por meio dessas frentes que no início da década seguinte, o Governo Lula

impetrou novas etapas de reformas. As propostas que pretendiam mexer na

integralidade da aposentadoria do funcionário público, bem como instituir um fundo de

aposentadoria complementar que só foi aprovada recentemente no Governo Dilma2.

Marques e Mendes (2004), concluem que o governo Lula representava, durante as

2 Esse tema será abordado mais adiante.

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eleições, a esperança de mudanças na concepção de governar, entretanto o que se

verificou foi que apesar

[...] da urgência em promover a universalização, o governo Lula

encaminhou, para ser examinada pelo Congresso Nacional, proposta

que se restringiu a propor modificações das condições de acesso e dos

valores dos benefícios dos servidores públicos. Não foram objeto de

sua proposta, portanto, estratégias de inclusão do amplo contingente

de trabalhadores hoje não cobertos por nenhum tipo de proteção ao

risco-velhice (MARQUES; MENDES, 2004, p. 09).

Assim, como não perguntar sobre os rumos da Seguridade Social diante desse

contexto de ‘contra reformas’? A seguridade social brasileira, principalmente no que

diz respeito à Previdência Social, está preparada, na atual conjuntura, para garantir os

direitos dos trabalhadores dessa e da próxima geração? Como tem sido tratada cada

política que compõe a seguridade social, tendo em vista que a mesma vem sofrendo

regressões face às reformas? São questões que foram surgindo da necessidade de

compreender o papel da política de Previdência Social diante do processo de

envelhecimento dos trabalhadores, no Brasil. Ainda que não estejam respondidas nesse

espaço, guiaram todas as reflexões que se seguem. Nesse sentido, é objetivo realizar

uma revisão de literatura, como forma de reunir os principais argumentos a favor da

reforma, bem como os argumentos que desvelam o equívoco do suposto déficit nas

contas da Previdência, uma das forças motrizes, assim pode-se dizer, para o Estado

levar a cabo o receituário neoliberal e promover uma nova cultura de não participação

social e política no país.

Guiou também as reflexões o entendimento de que é a teoria social crítica3 que

possibilita realizar uma leitura da realidade com mais clareza. Desse modo estão

apresentadas duas visões a respeito da reforma previdenciária. A visão da aqui chamada

direita “social-liberal” conservadora e a visão marxista.

1.1 As implicações da reforma no âmbito das classes sociais

A aposentadoria, atrelada à luta por melhores condições de vida e de trabalho, foi

um dos primeiros direitos sociais reivindicados pela classe trabalhadora. Precisa ser

fortalecida enquanto um dos determinantes para o envelhecimento digno da classe

3 Compreende o próprio Marx, além de Gramsci; Lênin; Lucáks, dentre outros.

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trabalhadora. No que se refere ao processo histórico do Brasil, é “com o processo de

constituição do sistema de previdência social, velhice e aposentadoria – que inclui a

velhice subsidiada e o direito de descanso no fim da vida – tornou-se uma extensão do

direito universal do trabalho” (HADDAD 2001, p. 18).

A Previdência Social vista como uma política central no âmbito da seguridade e

baseada na lógica do seguro social, diz muito sobre a estrutura na qual está organizada a

sociedade. A previdência social brasileira partiu de uma necessidade de resistência da

classe trabalhadora no início do século XIX, mas ao longo do tempo acabou sendo

absorvida por uma lógica que não está pautada nos princípios de solidariedade de classe.

Falar, portanto, de Previdência Social, sobretudo a brasileira, é colocar em debate

os direitos sociais conquistados na conjuntura política e econômica do país. O conjunto

de reformas iniciadas na década de 1990 e ainda em curso provoca questionamentos nas

mais diferentes frentes políticas e ideológicas no que se refere às incertezas na cobertura

das gerações futuras.

1.1.1 A visão da direita “social-liberal” conservadora

No âmbito da racionalidade oficial do Estado brasileiro, a reforma previdenciária

iniciada na década de 1990, da forma como fora conduzida, trouxe benefícios para as

contas públicas, para o Estado e para a sociedade. De acordo com o estudo de

Giambiagi et all (2004) - cuja abordagem privilegia a análise econômica do ponto de

vista da relação fiscal e equacionamento dos balanços -, esse conjunto de reformas

iniciadas no Governo FHC e acentuadas no Governo Lula se justificam a partir do

pressuposto de que “o problema central é que o Brasil está muito longe de ter regras de

aposentadoria que sejam consistentes com o equilíbrio do sistema previdenciário”

(GIAMBIAGI et all 2004, p. 366). Isso quer dizer que os gastos sociais não devem

ultrapassar um determinado limite do PIB acordado pela cúpula das decisões

econômicas do país – Banco Central e Ministério da Fazenda. E o referido estudo

demonstra ainda, por meio de cálculos e dados numéricos como que nos últimos 10

anos, até 2004, o número de concessão de benefícios do INSS aumentaram em relação à

receita:

[...] nos últimos 10 anos o gasto com benefícios do INSS terá crescido

quase 2,5% do PIB, passando de 4,9% do PIB em 1994, para 7,3% do

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PIB em 2004, com o agravante de que: [i] esse crescimento tem

ocorrido sistematicamente desde 1988: não houve um único ano da

série 1988-2004 em que a relação gasto com o INSS/PIB tenha sido

inferior à do ano anterior; e [ii] a tendência se acentuou depois de

2002: só nos últimos dois anos, a despesa aumentou quase 1% do PIB

(GIAMBIAGI et all 2004, p. 374).

O debate sobre os gastos geradores de “déficit na Previdência”, para os

formuladores e analistas governamentais, baseia-se no cálculo da razão entre

crescimento da economia/ envelhecimento dos trabalhadores ativos. Desse modo, se a

população economicamente ativa (PEA) requerer o benefício da aposentadoria “cada

vez mais cedo”, haverá uma disparidade na razão contribuinte/ beneficiário. Assim, a

princípio, apenas essas duas prerrogativas já consubstanciariam as mudanças nas regras

do Regime Geral do INSS bem como do Regime dos servidores públicos. Observe, para

tanto, a sequência dos argumentos que estão fundamentando esse mesmo estudo do

IPEA.

[...] a elevação da relação gasto com INSS/PIB esteve, naturalmente,

ligada ao baixo crescimento do produto, devido ao maior crescimento

do gasto em relação ao dinamismo da economia. Desse conjunto de

informações podemos concluir que o crescimento da despesa do INSS

ao longo dos últimos anos foi devido, principalmente, a três fatores:

a) “efeito SM” [salário mínimo], pois como as aposentadorias com

valor de exatamente 1 SM correspondem a mais de 30% do valor do

estoque de benefícios, o aumento real dessa variável pressiona esse

componente específico da despesa para cima;

b) benevolência da legislação, que permite aposentadorias precoces

por tempo de contribuição, cujo estoque de beneficiários cresceu nos

nove anos — de 1994 a 2003 — a uma média de mais de 6% a.a.,

muito superior ao total de aumento quantitativo dos benefícios, de

pouco menos de 4% a.a., com o agravante de que se trata da

aposentadoria mais cara; e

c) “efeito PIB”, pois como o crescimento da economia foi baixo nesse

período de nove anos — apenas 2,0% a.a. — um incremento do

denominador inferior ao do numerador tende, por definição, a elevar a

razão gasto com benefícios do INSS/PIB (GIMBIAGI et all. 2004, p.

379).

Ainda nessa perspectiva, os autores sugerem que para solucionar ou mesmo

minimizar os impactos desses fatores sobre o orçamento da previdência, a economia

precisaria crescer “a taxas muito elevadas” ou ainda seria necessário buscar “formas

compensatórias de redução do gasto público e/ou fontes de receita que viabilizem um

aumento da carga tributária”. Mesmo assim, segundo eles, ainda existiriam “problemas

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remanescentes” às reformas. “São eles: a) ausência de idade mínima no regime geral; b)

aposentadoria precoce das mulheres; c) aposentadoria precoce dos professores; d)

vinculação entre o piso previdenciário e o salário mínimo; e e) programas assistenciais

com despesas crescentes” (GIMBIAGI et all. 2004, p. 379). Para cada um desses

“problemas” foi apresentado um modelo explicativo. Entretanto, há um elemento

comum aos aspectos listados que resume toda a argumentação dos autores: é o que eles

próprios chamaram de “legislação benevolente”. Isto é, nessa concepção, a legislação

brasileira, apesar de ter “avançado” com a criação do fator previdenciário que

solucionou parte dos problemas decorrentes de um “déficit público médio” de 05% do

PIB entre 1999 a 2003, ainda permite concessões de aposentadorias a trabalhadores que,

por hora, estão longe de completar 60 anos e, além disso, a expectativa de vida dos

brasileiros, atualmente, está acima dos 70 anos. Para os autores é preciso também levar

em conta duas outras questões básicas: i) a quantidade de recursos fiscais e ii) as regras

em outros países (GIMBIAGI et all. 2004).

O que está em jogo nesse debate é, portanto, o montante da contribuição e a

tendência mundial. Esta última se refere à figura da “aposentadoria antecipada”. Para os

autores o exemplo espanhol seria uma referência importante, pois, possui regras mais

rígidas e com descontos significativos, acaba impondo aos trabalhadores: “primeiro, [...]

simplesmente não [poderão] se aposentar antes dos 60 anos; segundo, [...] não há

distinção entre homens e mulheres; terceiro, [...] depois dos 60 anos, mas antes dos 65,

há um forte desconto na aposentadoria; e quarto, [...] o fator previdenciário é igual a 1

aos 65 anos” (GIMBIAGI et all. 2004, p. 381).

A respeito do custeio do sistema previdenciário, há o questionamento sobre a

melhor forma para a “alocação futura dos recursos”. O chamado modelo de “repartição

simples4”, utilizado principalmente no regime geral tem recebido críticas por parte de

alguns intelectuais que defendem outras formas de arrecadação como a capitalização5,

por exemplo. Sales (2004), a partir de projeções matemáticas – em que pesa o equilíbrio

do modelo de repartição simples considerando a razão entre nível de reposição e taxa de

dependência (D/R) ou então, quantidade de benefícios/quantidade de trabalhadores (I/A)

-, observou uma tendência de irreversibilidade do “valor de I/A” motivando, assim, as

4 Modelo baseado na “cooperação” entre as gerações de trabalhadores. A contribuição social arrecadada

dos trabalhadores em atividade custeia a aposentadoria da geração anterior de trabalhadores. 5 Modelo privado de arrecadação. Baseado na lógica financeira.

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duas principais reformas e, além disso, outras duas variáveis contribuiriam para tal

situação: a expectativa de vida e a sobrevida da população, sendo

[...] esta segunda atuando diretamente no aumento do valor de I. A

impossibilidade de controle desta variável, a exemplo do que vem se

constatando na maioria dos países, e especialmente naqueles menos

desenvolvidos, pode inviabilizar o sistema previdenciário que esteja

financiado no regime de repartição simples. Com o propósito de

impedir o colapso dos sistemas de previdência público, as nações vêm

implementando mudanças na legislação na direção de elevar o limite

mínimo de idade para a aposentadoria, objetivando com isto retardar o

crescimento do numerador e estimular o aumento do denominador

(SALES, 2004, p. 17).

Essa afirmação corrobora com o que vem sendo discutido pelos pesquisadores do

IPEA, confirmando, portanto, na perspectiva apresentada, que o problema de

saneamento das contas da Previdência é uma questão de observar a demografia e o

crescimento econômico do país, prioritariamente. Sem contar ainda as “dificuldades do

Governo em elevar as taxas de contribuição, tendo em vista o risco de sonegação,

inadimplência ou mesmo de evasão de contribuintes” (SALES, 2004, p. 20).

Seguindo nessa mesma direção, em reflexões anteriores ao trabalho publicado

pelo IPEA, Giambiagi (2000) baseado nas características do sistema previdenciário

brasileiro defendeu enfaticamente todos esses argumentos afirmando que

A conclusão, portanto, é uma só: o Governo brasileiro desembolsa

regularmente uma quantidade extremamente elevada de recursos

para pagamento a uma minoria de aposentados. Os beneficiários

dessa distorção – isto é, aqueles que se aposentam por tempo de

serviço -, portanto, em termos relativos, constituem uma minoria

privilegiada. Daí resulta a necessidade de proceder a realizar ajustes

no sistema de aposentadorias, para impedir que esse tipo de prática – a

aposentadoria a uma idade precoce – se prolongue indefinidamente no

tempo (GIAMBIAGI, 2000, p. 09-10. Grifos do autor).

À época desse estudo não havia sido aprovada nenhuma PEC em relação ao

regime dos servidores públicos, entretanto, Giambiagi (2000) já apontava a necessidade

de a reforma atingir esse grupo. “Nossa sugestão é que o novo Governo a ser

empossado em 2003 envie ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda

Constitucional contendo a exigência de idade mínima crescente para aposentadoria e

redução do diferencial entre categorias” (GIAMBIAGI, 2000, p. 18). Prosseguindo em

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suas sugestões ou mesmo previsões, assim pode-se dizer, o autor justificou que o

equacionamento proporcional da idade entre homens e mulheres para requerer a

aposentadoria deve seguir parâmetros internacionais, tendo em vista a projeção

demográfica para os anos que seguiriam.

Estima-se que no ano em curso [2000] o Brasil tenha

aproximadamente 13 milhões de pessoas com 60 anos ou mais e 1

milhão de pessoas com 80 anos ou mais. Daqui a apenas 20 anos,

esses valores deverão ter aumentado para 27 milhões e 3 milhões de

pessoas, respectivamente. O Brasil deve, portanto, começar a se

preparar desde já para enfrentar esse desafio. Uma das mudanças que

teria que ocorrer é o aumento da idade de aposentadoria

(GIAMBIAGI, 2000, p. 22).

Nesse sentido, o autor concluiu que

[...] há um conjunto de reformas que devem constar de uma agenda

previdenciária para o futuro, a qual provavelmente “invadirá” o

próximo Governo e talvez até mesmo o de 2007/2010. O importante é

perceber, por parte daqueles que consideram que a etapa das reformas

se encerrou, que a reforma da Previdência está muito longe de ter se

esgotada; e por outro, por parte dos partidários de uma “segunda

geração” de reforma da Previdência, que a rigor não haverá uma

segunda reforma e sim uma série de iniciativas distribuídas ao longo

do tempo, no decorrer do qual espera-se que os atuais desequilíbrios

irão sendo gradualmente enfrentados e diminuídos. O primeiro passo

dessa sequência foi dado com a aprovação da Emenda Constitucional

da Previdência Social em 1998 – que limitou um pouco as condições

de aposentadoria para os servidores públicos e

“desconstitucionalizou” o cálculo do benefício do INSS - e o segundo

com a aprovação do chamado “fator previdenciário” em 1999. Resta

agora dar continuidade a esse roteiro (GIAMBIAGI, 2000, p. 22.

Grifos do autor).

O autor sinalizou ou até mesmo, como dito anteriormente, apresentou previsões

que se concretizaram nos dois mandatos do Governo Lula. Parafraseando ao autor,

“reformas que devem constar de uma agenda previdenciária para o futuro, a qual

provavelmente ‘invadirá’ o próximo Governo [...]”, invadiu recentemente o Governo

Dilma.

A presidente sancionou em 30 de abril de 2012 a lei 12.618 que institui “o regime

de previdência complementar [...] para os servidores públicos titulares de cargo efetivo

da União, suas autarquias e fundações, inclusive para os membros do Poder Judiciário,

do Ministério Público da União e do Tribunal de Contas da União” (BRASIL, 2012,

Art. 1º). Esse novo fundo foi criado com características próprias:

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É a União autorizada a criar [...] as seguintes entidades fechadas de

previdência complementar, com a finalidade de administrar e executar

planos de benefícios de caráter previdenciário nos termos das Leis

Complementares nos

108 e 109, de 29 de maio de 2001:

I - a Fundação de Previdência Complementar do Servidor

Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), para os

servidores públicos titulares de cargo efetivo do Poder Executivo, por

meio de ato do Presidente da República;

II - a Fundação de Previdência Complementar do Servidor

Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg), para os

servidores públicos titulares de cargo efetivo do Poder Legislativo e

do Tribunal de Contas da União e para os membros deste Tribunal,

por meio de ato conjunto dos Presidentes da Câmara dos Deputados e

do Senado Federal; e

III - a Fundação de Previdência Complementar do Servidor

Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud), para os

servidores públicos titulares de cargo efetivo e para os membros do

Poder Judiciário, por meio de ato do Presidente do Supremo Tribunal

Federal.

§ 1o A Funpresp-Exe, a Funpresp-Leg e a Funpresp-Jud serão

estruturadas na forma de fundação, de natureza pública, com

personalidade jurídica de direito privado, gozarão de autonomia

administrativa, financeira e gerencial e terão sede e foro no Distrito

Federal.

§ 2o Por ato conjunto das autoridades competentes para a

criação das fundações previstas nos incisos I a III, poderá ser criada

fundação que contemple os servidores públicos de 2 (dois) ou dos 3

(três) Poderes.

§ 3o Consideram-se membros do Tribunal de Contas da União,

para os efeitos desta Lei, os Ministros, os Auditores de que trata o §

4º do art. 73 da Constituição Federal e os Subprocuradores-Gerais e

Procuradores do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da

União (BRASIL, 2012, Art. 4º. Grifos nossos).

A proposta dessa nova lei havia sido noticiada em uma série de reportagens

publicadas pelo “Jornal Nacional6” – no período do dia 28 de fevereiro a 03 de março

de 2012 – que mostrou, sem grandes problematizações, dentre outros aspectos, a

introdução compulsória da previdência complementar, no sentido de que os

trabalhadores que ingressarem, a partir da vigência da lei, no serviço público que

quiserem se aposentar com um valor acima do teto do INSS, terão de contribuir com o

fundo complementar. Além disso, permaneceu a defesa do aumento da idade mínima

para a aposentadoria como uma das soluções para os problemas dessa política da

6 Exibido pela “Rede Globo”.

Page 11: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

Seguridade. Todas essas medidas parecem estar novamente, baseadas nos debates

internacionais.

É muito cedo ainda para se problematizar os impactos das mudanças anunciadas

nos primeiros meses do ano de 2012. Coloca-se, contudo, a necessidade de

problematizar e analisar toda a explanação a respeito das reformas anteriores, à luz do

debate crítico. É importante, nessa perspectiva, procurar demonstrar alguns equívocos

que se processaram nas análises desses autores que compõe o grupo favorável às

reformas e que claramente se colocam como tendência para a década atual.

1.1.2 A reforma da Previdência: uma análise crítica

Ao começar a problematizar tudo o que foi exposto anteriormente, primeiro

deixar-se-á claro de que mirante se observará essa realidade. É comungando dos debates

presentes nas correntes do marxismo e talvez fora dele, mas que não partilha daquela

visão apresentada que a crítica à reforma em curso se processa.

Enquanto há visões que distorcem ou mesmo mascaram o que está sendo

reservado no futuro das próximas gerações de trabalhadores, a visão de caráter crítico e

pautado na luta social como possibilidade revolucionária, têm trazido contribuições

muito valiosas sobre essa perversa “contra reforma” (MARQUES; MENDES, 2004;

GENTIL, 2007; BEHRING, 2008; FAGNANI, 2010) que atinge não somente a política

de Previdência Social, mas a Seguridade como um todo. Considerando, nessa

perspectiva, como pano de fundo as incertezas e dificuldades no provimento das

necessidades mais básicas dos trabalhadores, provocadas pelo avanço demasiado e

contraditório das forças produtivas e da reestruturação do capital7 que promove a

liberação da força de trabalho tornando-a superpopulação relativa e compulsoriamente

inserindo-a no mundo do “trabalho informal” é que a análise da Reforma da Previdência

ganha uma tônica de crítica reflexiva, fundamentada nas categorias da contradição e da

totalidade.

Para não deixar de fora desse momento de reflexão e debate o Ministro do

Governo FHC, Bresser-Pereira, um dos principais mentores dessas e de outras reformas,

à frente do Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRE) na década de 1990, apresentar-

7 Entende-se por reestruturação do capital um conjunto de estratégias ideológicas, políticas e econômicas

adotadas no curso da história das crises capitalistas para aumentar, sob a forma de mais-valia, a

lucratividade do capital, mascarando a superexploração dos trabalhadores.

Page 12: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

se-á, ainda que brevemente, a sua contribuição intelectual e reflexiva no que se refere a

esse momento histórico. O autor defendeu a reforma gerencial do Estado como

alternativa para o crescimento e desenvolvimento do país. Produziu um texto publicado

em 1999, no qual narrou como o PDRE se deu e ainda, qual foi a sua própria percepção

acerca daquela proposta. Iniciou seu texto dizendo que não estava prevista na

plataforma de governo do então candidato Fernando Henrique Cardoso tamanha

intenção de reforma, mas esta se revelou como uma demanda necessária mesmo não

havendo consciência disso por ocasião da campanha.

Desde o início do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, as

emendas constitucionais destinadas a reformar o Estado assumiram

uma importância fundamental na agenda do país. Além de uma

primeira emenda eliminando os monopólios estatais nos setores

energético e de comunicações, facilmente aprovada nos primeiros

meses do novo governo, três grandes emendas constitucionais foram

enviadas ao Congresso: reforma tributária, reforma da previdência

social e reforma administrativa (BRESSER-PEREIRA, 1999, p. 05,

grifos nossos).

Foram anunciadas mudanças audaciosas para um mandato que se iniciou, do

ponto de vista das expectativas do eleitorado, com a tímida esperança do mesmo em ver

queda na taxa de inflação e, sobretudo, experimentar aumento do poder de consumo,

tendo em vista a herança de endividamento, pobreza e corrupção deixada pelo Governo

Collor. O Governo FHC, entretanto, consolidou não só o Plano Real. Colocou em

prática muito mais que uma reforma gerencial do Estado Brasileiro: optou por seguir os

cânones do neoliberalismo para o que contou com a colaboração de grande parcela da

população, inclusive da própria classe trabalhadora.

A avaliação de Bresser-Pereira sobre tudo isso foi no sentido de compreender que

a adoção de um modelo de administração ‘empresarial’, pautada nos princípios da “new

public management” e da “qualidade total” (BRESSER-PEREIRA, 1999), era a melhor

decisão que se poderia tomar, para assim, colocar o Brasil no ‘rol da fama’ da

administração pública e ser lembrado pelos organismos internacionais.

O autor sintetiza: “[...] a Reforma Gerencial da Administração Pública Brasileira

lançada em 1995 avançou nas três dimensões previstas pelo Plano Diretor: a

institucional, a cultural e a gerencial” (BRESSER-PEREIRA, 1999, p. 09, grifos

nossos).

E de fato uma nova cultura política se instaurou no país. Aquela sociedade

brasileira que lutava por direitos civis, políticos e sociais à luz da democracia na época

Page 13: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

da Ditadura Militar se tornou, em grande medida, apenas uma referência histórica. Essa

nova cultura, ideologicamente orientada pelo neoliberalismo, engoliu os embates

políticos que eram claramente posicionados: na direita e na esquerda. Promoveu

também crescimento econômico às custas de políticas fiscais capitalistas mascaradas

por argumentos pouco consistentes como aqueles apresentados no item anterior, quais

sejam: a legislação benevolente; a questão da idade para a aposentadoria; a questão de

gênero; o tempo de contribuição e o suposto déficit nas contas da previdência. Porém,

antes de retomar esse debate, mais uma fala do ex Ministro resume bem todo aquele

momento histórico e merece ser comentada e problematizada.

A emenda constitucional da previdência social, que terminou sendo

aprovada pelo Congresso no final de 1998, era apenas a sombra do

projeto original do governo. A reforma tributária apresentada em

1995 foi finalmente abandonada pelo próprio governo, que, apenas em

1998, apresentou sem muita precisão [...] um novo projeto de emenda

[...]. Como explicar resultados tão diferentes? Onde reside o segredo

do sucesso desta reforma?

De acordo com minha experiência, a aprovação de grandes reformas

depende de quatro fatores: [a] necessidade, [b] concepção e desenho,

[c] persuasão democrática, e [d] alianças. Há necessidade quando a

reforma responde a uma demanda social real (BRESSER-PEREIRA,

1999, p. 10, grifos nossos).

O autor declara que a reforma da Previdência, naquele momento, precisou sofrer

alterações e, como visto anteriormente, atingiu prioritariamente o Regime Geral da

Previdência. No que tange aos servidores públicos, entraram nas mudanças no Governo

do PT na década seguinte. A partir daí o cenário de reformas foi ampliado para todos os

trabalhadores. O que o PSDB e sua aliança mais direitista não conseguiram aprovar na

Câmara e Senado, o PT apoiado pelo PMDB principalmente, acirrou e disseminou o

receituário dos organismos multilaterais.

Essa é uma história contada de diferentes formas pelos autores críticos e também

autores não tão críticos, mas o que importa é ressaltar que em meio a todo esse

processo, Bresser (1999) questiona “onde reside o segredo do sucesso desta reforma?” e

conclui: “a reforma responde a uma demanda social real”. De qual sucesso e de qual

demanda social real se refere o autor? Compreender tais reformas como ‘sucesso’ é

considerar que existe consenso entre classe trabalhadora e capitalista e que foram

atendidas de igual modo ambas as classes. Na verdade a ‘demanda social real’

defendida pelo ex-Ministro materializa-se pelo avanço da especulação; pelo crescimento

Page 14: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

dos investimentos de capital fictício em detrimento da criação de novos postos de

trabalho formal.

O quadro que se segue mostra o cenário do mercado de trabalho no Brasil entre os

meses de novembro de 2011 e janeiro de 2012. Entretanto, em primeiro lugar, deve-se

ressaltar que para a metodologia de pesquisa adotada pelo IBGE, emprego é sinônimo

de trabalho. Em segundo lugar, se forem observados os dados sem considerar essa

particularidade, o que se verifica é que em termos proporcionais não há grandes

diferenças entre as taxas de ocupação com carteira assinada. Isso quer dizer que os

trabalhadores sem carteira assinada e por conta própria - sublinhados no quadro -, em

grande medida, não recolhem contribuição ao INSS. Não porque facultam a

contribuição por uma escolha exclusivamente pessoal, mas porque sua renda total, via

de regra, acaba sendo suficiente apenas para garantir a sua sobrevivência de sua família,

a curto prazo.

Quadro II

Composição do atual mercado de trabalho: Pesquisa Mensal de Emprego (PME) -

IBGE 2012

Page 15: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

Fonte: Sistematização a partir do quadro original da Pesquisa Mensal de Emprego. IBGE. Pesquisa

Mensal de Emprego. 2012. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/pme_201201tm_0

1.shtm> Acesso em: Março de 2012.

E uma última questão que merece ser analisada nesse quadro refere-se aos dados

sobre a população em idade ativa (PIA); população economicamente ativa (PEA) e

população não economicamente ativa (PNEA). Em relação ao que a PME classifica

como “população em idade ativa”, percebe-se, que entram na estimativa crianças a

partir dos 10 anos de idade. Incluí-las na pesquisa, ao mesmo tempo estimula a

violência que é o trabalho infantil e reforça o debate sobre essa questão no sentido de

não ‘fechar os olhos’ para essa realidade. É contraditório e, se essa reflexão não estiver

equivocada, merece ser debatida em outros momentos e espaços.

No que se refere à PEA e à PNEA, observe que em números absolutos a diferença

entre ambas perfaz um total de 5.576 trabalhadores, no mês de janeiro. Esse dado bruto

e sem as devidas reflexões, comprovam o déficit na Previdência sob o argumento da

inversão da razão da taxa de reposição e dependência, como foi apresentado pelos

autores que compõe a “ala favorável” à reforma. Porém, nenhum deles trouxe para o

debate ou sequer, mencionou a mais importante das “reformas” que foi a EC que

regulamentou a DRU – Desvinculação das Receitas da União8. Os argumentos que

conduziram à “contra reforma” em curso, como foram apresentados na seção anterior,

foram:

a) mudança no perfil demográfico da população brasileira – o país está

envelhecendo;

b) diminuição das contribuições – o modelo de repartição simples entrará em

colapso quando inverter a razão entre contribuinte (PEA) e beneficiários (aposentados e

pensionistas);

c) riscos de inadimplência e sonegação;

d) legislação benevolente – regras pouco rígidas na concessão das aposentadorias;

as mulheres e professores se aposentam muito cedo; e,

e) baixo crescimento da economia – o PIB cresceu apenas 2,0 a.a na década

passada.

Devidamente listados e relembrados os principais argumentos para o ‘déficit’,

desvela-se o primeiro equívoco: é mito o déficit contábil da Previdência. Gentil (2007)

8 O debate a respeito das implicações dessa Emenda será pormenorizado mais adiante ainda nessa

seção.

Page 16: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

informa que o que se está sendo chamado de ‘déficit’, na verdade, é o ‘saldo

previdenciário negativo’, decorrente da “[...] soma (parcial) de receitas provenientes das

contribuições ao INSS sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho e de

outras receitas próprias menos expressivas, deduzidas das transferências a terceiros e

dos benefícios previdenciários do RGPS” (p. 05). Essa transferência a terceiros refere-se

ao Sistema S (SESI, SENAC, SENAI, SENAR, SEBRAE, SESC, SEST, SENAT)

(GENTIL, 2007). Isso quer dizer, portanto, que no cálculo utilizado, não estão

consideradas todas as formas de arrecadação previstas na Constituição, gerando déficit

aparente.

Em segundo lugar, parecem, e apenas parecem convincentes tais argumentos. Se

se for analisar o preceito da Seguridade Social à luz da Carta Magna verifica-se que a

mesma foi criada a partir de uma

[...] estrutura [de] financiamento, com sólidas e diversificadas bases

de arrecadação que, até o momento, está preservada no texto da

Constituição. As investidas liberal-privatizantes da política econômica

desencadeadas nos três últimos governos não conseguiram, ou pelo

menos, ainda não conseguiram, viabilizar econômica e politicamente

sua alteração (GENTIL, 2007, p. 07).

A autora buscou na interpretação da Constituição a melhor forma de desvelar esse

equívoco amplamente divulgado e ‘consumido’ pelas mídias capitalistas brasileiras. Os

argumentos de GENTIL (2007) não se fragilizam, ao contrário, se tornam cada vez mais

fortes na medida em que amplia sua base argumentativa para além da defesa da DRU

como a principal responsável pela geração do déficit nominal. Antes mesmo de

considerá-la no debate, merece destaque mais um trecho em que a autora busca

demonstrar os problemas no atual cálculo previdenciário:

Diversificou-se, então, a captação de receitas, [contextualizada pela

crise dos anos 1980] com a inclusão de contribuições sociais que

incidem sobre o faturamento, o lucro, a apuração das loterias e,

posteriormente, a movimentação financeira [COFINS, CSLL e antiga

CPMF, respectivamente], para que não apenas a previdência, mas o

sistema de seguridade social como um todo se tornasse menos

vulnerável ao ciclo econômico e fazendo com que toda a sociedade

contribuísse para a manutenção das três áreas, consideradas direitos da

cidadania e obrigação do Estado. Não faz sentido, portanto, excluir

aquelas fontes de recursos do cálculo do resultado financeiro da

previdência, sob o risco de perda do entendimento do conceito de

seguridade social e do discernimento sobre o processo de construção

histórica deste sistema (GENTIL, 2007, p. 11, grifos nossos).

Page 17: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

Realmente não faz sentido, ou melhor, não deve continuar a existir esse

contrassenso, entretanto, ao mesmo tempo em que permanece constitucionalmente

garantida, como um direito social inalienável, cujo pressuposto básico é ser um

“conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade” (Art.

194), como dito inicialmente, à própria Seguridade Social não foi garantida, desde

1988, que as fontes de financiamento também fossem integradas. Na prática isso

permite que tanto distorções de interpretação como remanejamentos de recursos se

tornem corriqueiros e questionados apenas quando objeto de estudo acadêmico.

Como se não bastasse, aos olhos internacionais, essa política fiscal e de

gerenciamento de recursos públicos é aplaudida por ser uma iniciativa promissora para

os países emergentes, aumentando a ‘confiança’, isto é, auxiliando na diminuição do

risco país e trazendo novos empreendimentos multinacionais para sugar ainda mais as

riquezas nacionais, mesmo que para isso essas empresas, em contrapartida, tenham que

criar novos, mas poucos, postos de trabalho.

Em terceiro lugar e, ainda baseado no jogo político de criações de leis que ferem a

Constituição, mas que continuam sendo aprovadas na casa competente, isto é, o

Legislativo, tem-se, em 2000 a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que a

partir da “adoção de uma metodologia imprópria”, essa lei, na concepção de Gentil

(2007, p. 12),

[...] fere os princípios de diversificação das fontes de arrecadação, de

solidariedade social e de sustentabilidade financeira concebidos para o

sistema de seguridade social na Carta Maior. Através do seu artigo 68

[...] cria o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, vinculado

ao Ministério de Previdência e Assistência Social, com a finalidade de

prover recursos para o pagamento dos benefícios do regime geral de

previdência social [...].

[...]

Da forma como foi criado, o Fundo [...] trás [sic] um duplo equívoco

ou um duplo desarranjo nos preceitos constitucionais. Primeiro,

porque ao criar um fundo exclusivo para a previdência, a LRF [Lei de

Responsabilidade Fiscal] desconstitui o conceito de seguridade, tal

como formulado na Constituição. Esse foi o passo necessário para o

segundo equívoco: considerar os recursos da COFINS, CSLL e [da

antiga] CPMF como externos ao orçamento da previdência e,

portanto, passíveis de serem rotulados como transferências da

União. Pelo artigo 195 da Constituição Federal essas receitas

pertencem, expressamente, ao financiamento da seguridade social,

logo, não são recursos transferidos, mas recursos próprios. Mais do

que isso, abriu-se espaço para a afirmação de que tais recursos,

Page 18: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

transferidos da União, são valores destinados a cobrir um suposto

déficit no orçamento da previdência com verbas subtraídas do

orçamento fiscal. Essa interpretação distorce a verdadeira natureza da

questão e dá margem a uma análise defeituosa que coloca a

previdência social como alvo de reformas urgentes por ameaçar o

equilíbrio fiscal do governo geral (GENTIL, 2007, p. 12-13. Grifos da

autora).

A extinta CPMF se configura como uma contribuição provisória voltada para

financiar a saúde, mesmo assim, deveria ter sido encarada como recurso próprio da

Seguridade social. Gentil, reforçou em suas reflexões que

Essas receitas [isto é, as contribuições sociais], entretanto, continuam

vinculadas à seguridade social e por ela geridas, ou seja, devem ser

aplicadas em saúde, assistência social e previdência, ainda que sejam

arrecadadas, fiscalizadas, lançadas e normatizadas pela Receita

Federal, pois os órgãos da seguridade social têm assegurada a gestão

de seus recursos pela Constituição Federal (GENTIL, 2007, p. 14).

Verifica-se que cada vez mais o neoliberalismo tem encontrado um terreno fértil

para disseminar os seus pilares e garantir ideologicamente o avanço do capital sobre as

conquistas da classe trabalhadora, recrutando cada vez mais políticos e intelectuais que

sejam capazes de interpretar distorcidamente os preceitos constitucionais de forma que

pareça a interpretação mais real e condizente com o que está expresso na Carta Magna.

Um exemplo disso foi a fragmentação na organização operacional da própria

Seguridade, desde o Governo Collor. Apoiado em Teixeira (1991), Fagnani (2010, p.

06), diz que

A reforma administrativa empreendida por Collor [...] “ao invés de

constituir o Ministério da Seguridade Social”, optou ‘pelo caminho da

fragmentação, abandonando o conceito de seguridade e empreendendo

uma volta atrás na própria concepção do sistema de proteção,

reforçando a velha ideia de seguro. Reunindo os antigos INPS e

IAPAS em um único instituto que não por acaso chamou de Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS) e, ademais, colocando toda a

estrutura previdenciária sob a jurisdição do velho Ministério do

Trabalho e da Previdência Social’.

Somado a tudo isso, tem-se a DRU, auge do debate quando o objetivo é desvelar o

mito do déficit previdenciário. Fruto de uma proposta de emenda constitucional em

1999 e, originalmente programada para vigorar até o ano de 2003 (BEHRING, 2008), a

DRU se revelou para os governos como um valioso “instrumento de gestão”, pois na

Page 19: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

proposta e na prática essa emenda garante a possibilidade de desvincular – leia-se

desviar – 20% dos recursos do orçamento da Seguridade para ser utilizado de acordo

com as demandas e necessidades da União. Esses recursos têm sido utilizados, desde a

sua criação, para compor superávit primário, reserva necessária ao pagamento de juros

da dívida.

Digno de nota também é o fato de essa estratégia de governar já ser uma velha

conhecida do país. Antes de se chamar “Desvinculação das Receitas da União”, era o

“Fundo Social de Emergência (FSE)” em 1994, no Governo de Itamar Franco e, depois

o “Fundo de Estabilização Fiscal (FEF)”, no primeiro mandato de FHC. Tornou-se

DRU em 1999, no segundo mandato do Governo FHC, expirando seu prazo de validade

em 2003, e mais que rapidamente ganhou nova sobrevida nos mandatos do Governo

Lula (2003-2010) e, recentemente foi renovada para vigorar até o ano de 2015

(CONCEIÇÃO, 2012). A proposta já havia sido aprovada no Congresso e só estava

esperando a chancela final do Senado, que ocorreu às vésperas das festas de fim de ano.

Foi aprovada nessa casa, de acordo com os veículos de comunicação, com 55 votos

favoráveis, 13 contrários e uma abstenção, pouco tempo antes de perder sua vigência

em 31 de dezembro de 2011.

O Brasil assiste mais uma vez a vitória das forças do capital. A pequena trajetória

dessa EC indica que a mesma se tornou a ‘galinha dos ovos de ouro’ dos últimos

governos. Já são 18 anos de existência daquilo que deveria ser provisório, e mesmo que

pareça grosseira essa metáfora - inspirada no conto de fadas “João e o pé de Feijão” de

1807: ‘qual gigante mataria sua fonte mais preciosa de riqueza?’

Em cifras, a aprovação da DRU para o mandato do governo Dilma, “significa R$

62,4 bilhões” (LIMA, 2012). Montante que poderia estar sendo investido na política de

saúde, por exemplo, face ao descaso massivamente noticiado pelos veículos de

comunicação. Entretanto, esse montante irá compor o superávit primário, que em nada

tem a ver com política social, mas sim com política fiscal e econômica. Felizmente

permanecem apenas os 20% e não se concretiza o temor de FAGNANI (2010, p. 07,

grifos nossos) que ao discorrer sobre o “Déficit nominal zero”, com base em Giambiagi,

informou que:

Para completar, tiveram a ousadia de propor a ampliação da DRU dos

atuais 20% para 40%. A tese do país ingovernável foi reeditada pela

ortodoxia econômica que recomendou que todos os esforços fossem

concentrados “na mãe de todas as reformas, que será a previdenciária,

Page 20: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

sem a qual o país será inviável” (sic) (Fabio Giambiagi, Valor,

18/10/2005).

Por fim, comparecem como últimas das principais notas na forma com que vem

sendo tratada a Seguridade Social, cujo aspecto debatido aqui nesse espaço foi a

reforma previdenciária, os seguintes aspectos: a) a desconsideração de que “[...] a

Constituição Federal estabelece mecanismos de controle social, e democrático para

assegurar que os princípios orientadores da organização [..] e [...] Orçamento da

Seguridade Social sejam efetivamente cumpridos pelo Executivo Federal” (FAGNANI,

2010, p. 01) e b) as implicações da proposta de reforma tributária, de autoria do Poder

Executivo, identificada como PEC 233/2008 (DELGADO, 2008; FAGNANI, 2010).

A primeira questão refere-se ao que Fagnani (2010, p. 08), ao descrever o Fórum

Nacional da Previdência Social, chamou de oportunidade dos setores conservadores de

concluir

[...] o serviço que vem fazendo desde a Assembleia Nacional

Constituinte. No debate proposto por esse segmento transparece uma

construção ideológica baseada em mitos e fatos parciais. Tentam

“comprovar” inviabilidade financeira da Seguridade Social e fazer

retroceder conquistas – muitas das quais já efetivadas. Prevaleceu a

visão de que a natureza da questão financeira da Previdência Social

decorreria exclusivamente de fatores endógenos ao próprio sistema:

em síntese, o desequilíbrio financeiro seria consequência exclusiva do

crescimento dos gastos com benefícios, reflexos da suposta

“generosidade” do atual plano de benefícios.

Na mesma direção, a segunda questão refere-se à tentativa de mais uma contra

reforma. A PEC 233/2008 bombardeia o financiamento da Seguridade Social, tornando-

o, se aprovada, alvo de “ajustes casuísticos na conjuntura dos orçamentos anuais, sob

forte disputa de interesses econômicos muito poderosos” (DELGADO, 2008, p. 07).

Isso significa novos acirramentos na disputa do fundo público, sob o argumento de

acabar com a “guerra fiscal”. Por tudo isso, vale a pena, nesse momento, realizar uma

pequena síntese no sentido integrar alguns aspectos, problematizando, inferindo e

analisando toda a reflexão proposta.

Considerações finais

Page 21: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

A dificuldade de falar sobre a reforma da política de Previdência Social foi sendo

deixada de lado e se tornou um desafio envolvente, em virtude de durante a construção

desse estudo, ter sido necessário reunir o maior número de argumentos possíveis para

desvelar o equívoco do déficit previdenciário, um dos pivôs do perverso

desmantelamento dos direitos sociais garantidos pela Seguridade. Nesse sentido, é

preciso registrar que, pelo menos em termos de debate teórico e acadêmico, esse

equívoco está mais que desvelado. Foram muitas as referências encontradas para dar

conta dessa parte da reflexão em comparação ao que foi encontrado no polo oposto,

formado por intelectuais que defendem a urgência e acirramento da reforma. Isso posto,

cabe aqui apenas exprimir algumas considerações, no sentido de fortalecer o debate,

sem a pretensão de esgotá-lo.

Começando pela PEC 233/2008, em última instância sua aprovação acirraria,

como dito acima, a disputa pelo fundo público, refletindo no que Behring (2008)

considera como “disputas existentes na sociedade de classes”. A classe trabalhadora, de

um lado, tenta garantir direitos sociais, expressos em políticas públicas e o capital, de

outro, “com sua força hegemônica, consegue assegurar a participação do Estado em sua

reprodução por meio de políticas e subsídios econômicos, de participação no mercado

financeiro, com destaque para a rolagem da dívida pública, um elemento central na

política econômica e alocação do recurso público” (BEHRING, 2008, p. 52-53).

Está mais que garantida essa demanda do capital com a nova aprovação da DRU

para mais pelo menos um mandato da presidente Dilma Rousseff. O Estado é percebido

não como um ente neutro e acima da luta de classes, mas como uma arena de disputa

que claramente concede vantagem ao bloco hegemônico vigente. Neste sentido, a

postura dos trabalhadores, grupos e movimentos sociais frente a mais esse avanço do

capital deve ser de resistir e organizar-se enquanto classe, face à conjuntura de descasos

em série com que as políticas sociais, principalmente a saúde, a assistência e a

educação, pilares importantes na reprodução da força de trabalho destinada a produzir

riqueza, vem sendo tratadas.

Além disso, a revisão teórica revelou o que não deveria acontecer na prática. A

Constituição Federal de 1988 é suficientemente clara ao estabelecer a concepção de

Seguridade Social: as bases de financiamento e distribuição dos recursos entre as

políticas do tripé, além, é claro, das formas de controle social. O Título “Da Ordem

Social” tem sido um encalço para o Estado travestido de neoliberalismo. São inúmeras e

frequentes as defesas da tese de que a CF 88 é um empecilho para o desenvolvimento

Page 22: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

econômico do país. São, nessa concepção, princípios e diretrizes rígidos e ultrapassados

que não acompanham o cenário mundial.

Esse discurso se complementa quando o assunto são as atuais regras de

aposentadoria dos regimes da Previdência, isto é, Regime Geral de Previdência Social

(RGPS) e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). É fundamental, de acordo com

a ala conservadora, ficar atento à conjuntura econômica, às decisões dos países centrais

ao se discutir ou mesmo colocar em prática novas regras, que facilitam ou dificultam o

acesso ao direito social irrevogável que é a aposentadoria e também os outros benefícios

previstos na Lei Orgânica da Previdência e na CF 88. Em outras palavras, o Brasil deve

continuar a se espelhar nas decisões, em termos de políticas econômicas e sociais, nos

Estados Unidos e na Europa. Vale relembrar, portanto, a recomendação de Giambiagi

(2004) em que o Brasil deve seguir o ‘majestoso’ exemplo espanhol e assim,

obviamente retroceder em termos de conquistas de direitos sociais.

Parece culpa do trabalhador. Ele envelhece, ele não contribui, ele tenta burlar as

regras da Previdência. E assim vão sendo construídas as justificativas em torno da

reforma, quando na verdade estas encobrem os investimentos em capital fictício sob a

forma de títulos da dívida pública e também privada. Merece destaque a contribuição de

Gentil (2007, p. 20) que demonstrou que o déficit repousa sobre pobres argumentos.

Se houvesse a elaboração, de forma isolada, do orçamento da

seguridade social, ficaria revelado, com clareza: 1) que o desequilíbrio

orçamentário está no orçamento fiscal e não no orçamento da

seguridade social ou no orçamento da previdência social; 2) que a

seguridade social não recebe recursos do orçamento fiscal, ao

contrário, parte substancialmente elevada de seus recursos financia o

orçamento fiscal; e, 3) que não é a previdência que causa problemas

de instabilidade econômica e crise de confiança nos investidores, mas

é a política econômica que atinge a previdência, a saúde pública e a

assistência social, precarizando serviços essenciais à sobrevivência da

classe trabalhadora.

Diante dessa reflexão, encoraja-se a afirmar que embora na história da política de

Previdência social brasileira tenham se processado avanços memoráveis, sendo o maior

deles, nessa concepção, a inclusão dos trabalhadores rurais como segurados, garantindo-

lhes um salário mínimo, bem como as melhorias tecnológicas das agências do INSS, a

contratação de técnicos via concursos, dentre outros, não se conseguiu consolidar uma

Page 23: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASIELIRA - Aniele 2013 (1)

cobertura universalista. A lógica do seguro permanece como o pilar de sustentação

dessa política.

O capital expropria a velhice, portanto, como uma necessidade de renovação da

força de trabalho ágil e no auge do vigor físico e intelectual. Cabe ao Estado, do ponto

de vista do capital, dar conta do trabalhador idoso, que nessa perspectiva é como se

fosse um resíduo da produção e a aposentadoria se revela, ao mesmo tempo:

reivindicação da classe trabalhadora, primeiro direito trabalhista e social; e, estratégia

de reprodução do capital.

Em outras palavras, as dificuldades e o desmonte em que se encontra a Seguridade

Social, revela que as reformas da previdência em curso desde a década de 1990,

atendem aos interesses do capital garantindo ao capital fictício perenidade, por meio do

pagamento dos juros da dívida pública. Independentemente das necessidades e

demandas da classe trabalhadora, a reforma da previdência vem se tornando um fato

perverso, dificultando cada vez mais o acesso do trabalhador a esse direito

historicamente conquistado.

Os contornos da reforma da Previdência é uma das respostas do Estado que tem

impactado direto na vida do trabalhador, aumentando as dificuldades dos trabalhadores,

na velhice. O entendimento dos técnicos do governo de que a reforma é uma forma de

consertar a “legislação benevolente”, em que a idade mínima para a aposentadoria não

condiz mais com a expectativa de vida dos trabalhadores e que não é possível mais

resguardar a diferença de idade entre os sexos no acesso ao benefício, contribuem para o

risco de uma velhice desamparada, quando muito estará resguardada pelo Benefício da

Prestação Continuada se a condição do idoso estiver adequada aos critérios de

concessão. Assim, obrigando o trabalhador a recorrer a outras formas de previdência. A

velhice se torna uma fonte rentável para os fundos privados de pensão9.

Referências

BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra reforma: destruição do Estado e perda

de direitos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

9 Ver: VACCARO, Stefania Becattini. Fundos de pensão: um caminho socioeconomicamente

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