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Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL: ATRIBUIÇÕES DISCIPLINARES E COTEJO COM A INDEPENDÊNCIA DO “PARQUET” ATANASIO DARCY LUCERO JÚNIOR URUGUAIANA/RS 2012

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Monografia apresentada pelo acadêmico Atanasio Lucero Júnior ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em Direito Público.

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Page 1: Conselho Nacional do Ministério Público no Brasil: Atribuições Disciplinares e Cotejo com a Independência do "Parquet"

Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL: ATRIBUIÇÕES DISCIPLINARES E COTEJO COM A INDEPENDÊNCIA

DO “PARQUET”

ATANASIO DARCY LUCERO JÚNIOR

URUGUAIANA/RS 2012

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ATANASIO DARCY LUCERO JÚNIOR

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL: ATRIBUIÇÕES

DISCIPLINARES E COTEJO COM A INDEPENDÊNCIA DO “PARQUET”

Monografia apresentada ao Curso de Pós-

Graduação Lato Sensu TeleVirtual como

requisito parcial à obtenção do grau de

especialista em Direito Público.

Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

Orientador: Prof.ª Roberta Moreira

URUGUAIANA/RS 2012

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Aos corações incautos. Às mentes desavisadas. À inquietude do ser.

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Agradeço a todos que caminharam ao meu lado no período de confecção deste escrito. Agradeço, também, à Instituição do Ministério Público Federal, à qual tenho servido durante a maior parte da minha (curta) vida profissional, e que me inspirou este tema. Dentre seus laboriosos e doutos Membros, tenho especial gratidão, quanto a este escrito, ao Dr. Gabriel Queirós Campos, Procurador da República, que tão gentilmente me cedeu valioso material para subsidiar a pesquisa. Naturalmente, agradeço a Deus por cada dia nesta jornada.

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[...] political liberty does not consist in an unlimited freedom. In governments, that is, in societies directed by laws, liberty can consist only in the power of doing what we ought to will, and in not being constrained to do what we ought not to will.

(Montesquieu, 1783)

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RESUMO

O presente trabalho objetiva discutir as atribuições disciplinares do Conselho Nacional do Ministério Público em face da independência e da autonomia do Parquet. Efetua, ab initio, um resgate histórico do Ministério Público. Após, analisa seu posicionamento na atual ordem constitucional, com suas missões, funções e princípios institucionais, para, em seguida, traçar elementos que apontam à independência da instituição e de seus membros. Trata, também, acerca dos Conselhos de Justiça no mundo e, após, da criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público no Brasil por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, analisando a estrutura, composição e competências deste último. Ao final, realiza um cotejo entre as atribuições disciplinares do Conselho Nacional do Ministério Público e as questões atinentes à independência do Ministério Público, antes expostas, inclusive com vistas ao discutido na Ação Direta de Constitucionalidade nº 4.638. Palavras-chave: Ministério Público, Conselho Nacional do Ministério Público, competência disciplinar, independência funcional, Emenda Constitucional nº 45/2004.

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ABSTRACT

The present essay aims to discuss the disciplinary attributions of the National Council of the Public Prosecution against the Parquet independence and autonomy. It makes, ab initio, a historic rescue of the Prosecution. Afterwards, it analyses its positioning on the current constitutional order, with its missions, functions and institutional principles, so as to, then, expose elements that point to the independence of the institution and its members. It also treats about the Councils of Justice in the world and, after, about the creation of the National Council of Justice and the National Council of the Public Prosecution in Brazil through the Amendment 45/2004, analysing the latter’s structure, composition and competences. Eventually, it establishes a confrontation between the disciplinary attributions of the National Council of the Public Prosecution and the questions regarding the Public Prosecution independence, earlier exposed, also considering what has been discussed on the Direct Action of Unconstitutionality 4.638. Keywords: Public Prosecution, National Council of the Public Prosecution, disciplinary competence, functional independence, Amendment 45/2004.

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LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACP – Ação Civil Pública

ADECON – Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros

CF, CF/88, CF/1988, CFRB/88 ou CFRB/1988 – Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988

CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público

CNJ – Conselho Nacional de Justiça

LIA – Lei de Improbidade Administrativa

MP – Ministério Público

MPU – Ministério Público da União

MPF – Ministério Público Federal

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SUMÁRIO

LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11 1 BREVE RESGATE DAS RAIZES HISTÓRICAS DA INSTITUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ....................................................................................................................... 12 2 A POSIÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO TEXTO MAIOR DE 1988: MISSÕES, FUNÇÕES E PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS ............................ 16 2.1 MINISTÉRIO PÚBLICO: QUARTO PODER? .......................................................... 16 2.2 DOS INTERESSES CONSTITUCIONALMENTE POSTOS SOB A TUTELA DO PARQUET – ARTIGO 127 DA LEI MAIOR .................................................................... 19 2.2.1 A Defesa da Ordem Jurídica .............................................................................. 19 2.2.2 A Defesa do Regime Democrático ..................................................................... 21 2.2.3 A Defesa dos Interesses Sociais e Individuais Indisponíveis ........................ 22 2.3 DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS ......................................................................... 24 2.4 DOS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS ...................................................................... 26 2.4.1. Da unidade e da indivisibilidade ....................................................................... 27 2.4.2. Da independência funcional ............................................................................. 29 2.5 NOTAS FINAIS ........................................................................................................ 31 3. DOS FUNDAMENTOS DA INDEPENDÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ............ 33 3.1 DA INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO .................................................... 33 3.1.1 Linhas Gerais ...................................................................................................... 33 3.1.2 Previsões na Constituição Federal de 1988 ..................................................... 36 3.2 DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA: A IMPORTÂNCIA QUE RESSAI DA PRÓPRIA DENOMINAÇÃO ........................................................................................... 38 3.3 DAS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS A EVIDENCIAR A INDEPENDÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ................................................................................................. 42 4 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: HISTÓRICO E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004 ....................................................................................................................................... 43 4.1 DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA NO MUNDO E TRAÇOS INICIAIS DE CONSELHOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ................................................................... 43 4.2 DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA NO BRASIL: DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 7, DE 1977, ATÉ A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 2004 ......................... 46 5 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA, COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES ................................................................................. 48 5.1 ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO .............................................................................. 48 5.2 DAS ATRIBUIÇÕES ADMINISTRATIVAS E FINANCEIRAS DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................................................ 50 5.3 DAS ATRIBUIÇÕES DISCIPLINARES DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO: TRAÇOS GERAIS .................................................................. 52

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6 ATRIBUIÇÕES DISCIPLINARES DO CNMP E INDEPENDÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: UM CONFRONTO ....................................................................................... 54 6.1 DO CONTEÚDO DO CONTROLE: A IRRESPONSABILIDADE DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A NECESSIDADE DE UM ÓRGÃO EXTERNO ............ 54 6.2 DA ATUAÇÃO SUPLETIVA OU CONCORRENTE DO CONSELHO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.638 .................................................................... 57 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 61 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 63

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INTRODUÇÃO

Instituição das mais relevantes no cenário jurídico nacional, o Ministério

Público é função essencial à Justiça, de natureza permanente, incumbido da defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.

É esse o pórtico conceitual dado à instituição pelo artigo 127 da Constituição

Federal de 1988, que a ela dedica a Seção I do Capítulo IV do seu Título IV.

O desenho atualmente conferido ao Ministério Público é resultado de

séculos de evolução internacional, os quais, findos, não deixam muitas dúvidas acerca

da relevância e respeitabilidade do “MP” na cena jurídica e social.

Concebida no afã de aperfeiçoar o Poder Judiciário brasileiro, todavia, a

Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, veio por conferir novas

linhas ao Poder Judiciário e, até mesmo em decorrência, à atuação do Ministério

Público. Referida Emenda, ao mesmo tempo em que criou o Conselho Nacional de

Justiça, implantou o congênere Conselho Nacional do Ministério Público, com

atribuições, prima facie, administrativo-financeiras.

Por se tratarem de figuras (relativamente) novas, os estritos limites de

atuação de ambos os Conselhos é terreno tormentoso, ainda objeto de acirradas

discussões administrativas, doutrinárias e jurisprudenciais.

Recentemente, por exemplo, a Associação dos Magistrados do Brasil – AMB

questionou junto ao Supremo Tribunal Federal ato deliberativo emanado do CNJ. Às

vésperas do julgamento, a celeuma, de natureza eminentemente jurídica, transpôs as

confrarias jurídicas, tomando a mídia leiga e atraindo as mais diversas opiniões – por

vezes apaixonadas e pouco embasadas – de todas as camadas da sociedade.

A própria sessão de julgamento, como era de se esperar, teve similar

repercussão.

É justamente dentro dessas discussões que se insere o presente escrito,

que busca, ainda que de forma perfunctória e não exaustiva, analisar as atribuições do

Conselho Nacional do Ministério Público, fazendo um cotejo com a independência que

também permeia a instituição e, sobretudo, à vista dos pontos recentemente

questionados pelo ente classista da magistratura nacional no respectivo Conselho.

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1. BREVE RESGATE DAS RAIZES HISTÓRICAS DA INSTITUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

As experiências organizacionais do Estado são fruto de constante evolução,

o que é inquestionável. A história demonstra que, implantado um determinado modelo

de Estado, a prática inexoravelmente revela imperfeições e inconsistências,

primeiramente discutidas e pensadas no âmbito literário para, posteriormente, ser o

modelo “velho” sobrepujado – pacificamente ou não – por uma esquematização nova.

Nesse processo, instituições se extinguem e se fundem. Outras se

desmembram e tomam forma mais nítida, com ares de autonomia.

É a situação do Ministério Público, cujas origens históricas remontam,

segundo os autores que mais se aprofundam, ao magiaí do Egito Antigo, há cerca de

quatro mil anos atrás, figuras cuja atribuição inicial era “ser a língua e os olhos do rei”

(MAZZILLI, 2001, p. 42). Dirley da Cunha Júnior alude, também, ao desmodeta da

Grécia Antiga, cuja atribuição era fiscalizar a correta aplicação da Lei (2010, p. 1099).

A história, diga-se, revela outros funcionários públicos imbuídos da prática

de atos similares aos hoje reservados ao MP. A evolução da instituição não seguiu um

caminho rigorosamente linear. Como ressalta Hélio Tornaghi, o Ministério Público “não

surgiu de repente, num só lugar, por força de algum ato legislativo. Formou-se lenta e

progressivamente, em resposta às exigências históricas” (apud MAZZILLI, 2001, p. 50).

Muito embora isso, o berço da primeira instituição efetivamente marcada por

traços facilmente identificáveis até os dias hodiernos no Parquet é, segundo o

consenso doutrinário, a França, com o advento do Estado Moderno. Trata-se dos

denominados advocats e procureurs du Roi, que remontam a março de 1302, de cuja

fusão surgiu o Ministério Público francês, precipuamente imbuído da defesa dos

interesses do rei, que, personificação do Estado que eram, projetavam os interesses

estatais (MACEDO JÚNIOR, 1999, p. 38).

Foi nos Códigos Napoleônicos (Código de Instrução Criminal e Lei de 20 de

abril de 1810), todavia, que a instituição tomou formas mais claras e nítidas, similares à

experiência atual, difundindo-se a outros Estados soberanos (MAZZILLI, 2001, p. 45).

Nos tempos modernos, a influência francesa no Ministério Público se

evidencia, inclusive, em uma das formas de se referir à instituição, chamando-a de

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Parquet, resquício da “carreira” dos procuradores dos reis franceses, que, antes de se

tornarem equivalentes aos magistrados da magistrature assise (magistratura sentada),

com lugar reservado no estrado dos juízes, tinham assento sobre o assoalho (parquet)

(SILVA, 2010, p. 17).

No Brasil, as Ordenações Manuelinas (1521) e Filipinas (1603), diplomas

com vigência no período colonial, já faziam menção ao promotor de justiça1, com as

ainda existentes atribuições de fiscalizar a lei e promover a acusação criminal, sem, no

entanto, corporificar o Ministério Público como instituição (MINISTÉRIO PÚBLICO DA

UNIÃO, sem data-a). As Ordenanças previam, também, vários outros cargos que se

fundiriam no Ministério Público.

Após as Ordenanças, apenas “no Império, em 1832, com o Código de

Processo Penal do Império, iniciou-se a sistematização das ações do Ministério

Público” (MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, sem ano).

A legislação que se seguiu veio por dar cada vez mais forma à instituição,

consagrando-a em diversas funções até hoje presentes. Interessante, por exemplo, a

Lei do Ventre livre, que outorgou ao Promotor de Justiça a proteção do “fraco e

indefeso”2, zelando para que os filhos livres das escravas fossem levados a registro.

Mais adiante, com o coup d’état republicano, o Poder Judiciário foi

redesenhado com a criação, por meio do Decreto 848/1890, da Justiça Federal. O

diploma prevê expressamente o “Ministério Público” Federal (Capítulo I da Parte

Primeira), já com tal denominação, a ser encabeçado pelo Procurador-Geral da

República (art. 21), escolhido dentre um dos quinze membros do Supremo Tribunal

Federal, com sede na Capital da República. Nas Seções Judiciárias, seria designado

um Procurador da República, com mandato de quatro anos e expressa garantia de

inamovibilidade (art. 24). As funções outorgadas tanto ao Procurador-Geral quando aos

1 As Ordenações Manuelinas interessantemente faziam menção ao “prometor de justiça”, como que a dar a – errônea – impressão de que caberia ao titular do cargo “prometer” e não “promover” a justiça. A irrealidade da conclusão é bem explanada por Hugo Nigro Mazzilli: “É interessante a grafia para o prometor de justiça, encontrada nas Ordenações Manuelinas. Essa grafia remete-se etimologicamente à raiz do verbo prometer (promittere) em vez de promover (promovere). Entretanto, a contradição é superficial, pois não se pode olvidar que, em Latim, promittere também significou pôr adiante, fazer ir avante, ou seja, o mesmo sentido de promovere. A nosso ver, portanto, prometor de Justiça não está na Ordenança como quem promete Justiça, e sim como quem está encarregado de proceder à sua aplicação” (2001, p. 47-8). 2 Como ressalta Ronaldo Macedo Júnior (1999, p. 41), o “fraco e indefeso” seria mais à frente denominado “hipossuficiente”.

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Procuradores Seccionais, note-se, são em grande parte idênticas às atuais conferidas

aos ocupantes dos mesmos cargos.

Não obstante, a Constituição de 1891 silenciou a respeito do Ministério

Público, mencionando tão somente o Procurador-Geral da República.

O Parquet foi erigido a instituição constitucionalmente prevista apenas no

Texto de 1934, que o previu dentre os “Órgãos de Cooperação nas Atividades

Governamentais”, sem arrolar atribuições, que continuavam a ser trabalhadas na

legislação infraconstitucional, como o Código Civil de 1916, o Código de Processo

Penal (1941) e o Código de Processo Civil de 1939, todos emprestando ao MP papel

de relevantíssimo ator da promoção da Justiça, em atribuições até hoje mantidas.

A sequência de textos constitucionais veio por promover poucas alterações

estruturais no Parquet. A Carta de 1937 introduziu o “quinto constitucional” (art. 105),

ainda presente, ao passo que a Constituição de 1946 desvinculou o Ministério Público

dos demais poderes da República (tratando-o em Título à parte dos demais Poderes,

nos art. 125 e ss.), o que foi alterado pelo Texto de 1967, que deslocou a instituição

para dentro do Poder Judiciário (Seção IX do Capítulo VIII – “Do Poder Judiciário”). A

subordinação durou dois anos, quando, após a Promulgação da Emenda

Constitucional nº 01/1969, a Seção destinada ao Parquet foi deslocada ao Poder

Executivo.

Nesse meio tempo, todavia, a legislação infraconstitucional mantinha sua

constante evolução.

Emblemática é a Lei nº 7.347/85, que, ao conferir legitimidade ao Parquet

para propor a Ação Civil Pública para a responsabilização dos agentes que causarem

danos morais e patrimoniais ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de

valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem

econômica e da economia popular, à ordem urbanística e, de forma ampla, a qualquer

outro interesse difuso ou coletivo, muniu o Parquet com um de seus mais relevantes

instrumentos de atuação, abrindo novos paradigmas à instituição.

Os reflexos do diploma ainda são sentidos na atualidade. Como pontua

Ronaldo Macedo Júnior, em texto de 1999, “o Ministério Público é hoje autor de 96%

de todas ações civis públicas ambientais em trâmite pelos tribunais do país” (1999, p.

45). Dito dado estatístico, assombroso, aponta à mui possível situação de que Parquet

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exerce um quase monopólio de fato sobre as ACPs, lembrando-se que à instituição

não foi outorgado o monopólio jurídico.

Em busca de um profundo repensar na instituição, e à vista da

redemocratização do país, o 1º Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e

Presidentes de Associações de Ministério Público foi o palco de discussões que

resultaram na aprovação unânime da denominada “Carta de Curitiba”, documento a

conter as principais reivindicações da categoria.

O autor Hugo Mazzilli, membro do Ministério Público de São Paulo a

participar das discussões e da redação da Carta, bem ressalta que a importância do

documento “mede-se pelo fato de que, até então, nunca os diversos Ministérios

Públicos estaduais e o Federal se tinham acertado nos principais pontos sobre

garantias, instrumentos, vedações e funções da própria instituição” (2001, p. 119). O

documento foi apresentado à Assembleia Constituinte que, de fato, acolheu-o em

grande parte.

Nasce, então, a Constituição Cidadã de 1988, com seus já conhecidos

avanços em várias frentes, inclusive no âmbito do Parquet, ao qual foi destinada uma

Seção dentro do Capítulo IV (“Das Funções Essenciais à Justiça”) do Título IV (“Da

Organização dos Poderes”), como que a colocar a instituição, do ponto de vista

organizacional, em um local ímpar, afastado dos demais Poderes.

Definiu a Lei Máxima de 1988, em seu artigo 127, o Ministério Público como

sendo “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-

lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis”. Apenas dessas vírgulas, o que é do conhecimento geral, um

universo de atribuições se desvelam e desdobram.

São meros reflexos, daí, a Lei Complementar nº 75/1993, que estrutura o

Ministério Público da União, e a Lei nº 8.625/93, a conter inúmeras previsões inéditas e

de vultosa importância ao Parquet, servindo como base, nos dias atuais, a algumas

das atuações concretas mais importantes da instituição.

Traçado, com brevidade, esse histórico do Ministério Público, pode-se

concluir que a instituição, não obstante seu crescimento não linear, experimentou

grande evolução ao longo dos séculos, definindo-se e posicionando-se hoje, no Brasil,

em uma das mais destacadas posições do cenário jurídico nacional.

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2. A POSIÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO TEXTO MAIOR DE 1988: MISSÕES, FUNÇÕES E PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS

O Ministério Público, portanto, está a serviço, dentre outras finalidades, da nossa democracia; é por isso que ele não é um órgão, exatamente, de acusação, ferozmente de acusação, caninamente de acusação: não pode ser! O Ministério Público está a serviço da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais individuais indisponíveis.

(Min. Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, na XXI Conferência Nacional dos Advogados, 2011)

2.1 MINISTÉRIO PÚBLICO: QUARTO PODER?

A sequência de metamorfoses por que passou o Ministério Público no

âmbito nacional culminou no texto da Constituição de 1988, que, com ímpar atenção à

instituição, colocou-a dentre as “Funções Essenciais à Justiça”, Capítulo à parte dos

demais Poderes.

Daí que sempre se abre a discussão acerca de qual seria a posição do

Parquet na estrutura orgânica do Estado Nacional, sobretudo à vista do artigo 2º da

CF/88, que estabelece como “Poderes da União, independentes e harmônicos entre si,

o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

O Supremo Tribunal Federal, não sem críticas, já manifestou seu

entendimento: o Ministério Público pertence ao Poder Executivo3, conclusão que se

pode ter chegado unicamente por resistência ao desprendimento à doutrina clássica da

divisão tripartite de poderes.

Neste tema específico, aliás, é de se mencionar que, conforme pontua

Alexandre de Moraes, se tem rejeitado a própria denominação “Poderes”, visto que a

3 ADI nº 132/RO, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 30/04/2003, DJU de 30/05/2003, p. 28 (apud CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 1102).

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soberania é una, impassível de divisão. Dessa forma, “o que a doutrina liberal clássica

pretende chamar de separação de poderes, o constitucionalismo moderno determina

divisão de tarefas estatais, de atividades entre distintos órgãos autônomos” (2007, p.

397), normalmente sob a égide do preconizado por Montesquieu – Executivo,

Legislativo e Judiciário.

Fato é, no entanto, que nessa divisão de atribuições estatais, o Texto

Constitucional, sobretudo sua esquematização, deixa muito nebulosa a real colocação

do Ministério Público.

Em um apanhado bastante abrangente dos dispositivos constitucionais,

Hugo Mazzilli lembra que “a opção do constituinte de 1988 foi, sem dúvida, conferir um

elevado status constitucional ao Ministério Público brasileiro, quase erigindo-o a um

quarto Poder” (2001, p. 136).

Continua o autor, recordando que a Constituição

fê-lo [Ministério Público] instituição permanente, essencial à prestação jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis e a do próprio regime democrático; cometeu a instituição zelar pelo efetivo respeito dos Poder Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; erigiu à condição de crime de responsabilidade do presidente da República seus atos que atentem contra o livre exercício do Ministério Público, colocando-o assim lado a lado com os Poderes do Estado; impediu a delegação legislativa em matéria relativa à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, à carreira e à garantia de seus membros; conferiu a seus agentes total desvinculação do funcionalismo comum, não só nas garantias para escolha, investidura e destituição de seu procurador-geral, como para a independência de atuação; concedeu à instituição autonomia funcional e administrativa com possibilidade de prover diretamente seus cargos; conferiu-lhe iniciativa do processo legislativo para criação de cargos e também para organização da própria instituição, bem como iniciativa da proposta orçamentária; em matéria atinente ao recebimento dos recursos correspondentes às suas dotações orçamentárias, assegurou ao Ministério Público igual forma de tratamento que a conferida aos Poderes Legislativo e Judiciário; assegurou a seus membros as mesmas garantias dos magistrados, impondo-lhes iguais requisitos de ingresso na carreira e idêntica forma de promoção e de aposentadoria, bem como semelhantes vedações; conferiu-lhe privatividade na promoção da ação penal pública, ou seja, atribuiu-lhe com isso parcela direta da soberania do Estado; assegurou ao procurador-geral da República, par a par com os chefes de Poder, julgamento nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal (2001, pp. 136-7)

As disposições constitucionais aludidas pelo autor bem revelam que ao MP

foi, de fato, outorgado papel de importância política na divisão de funções do Estado.

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Justamente à luz dessas premissas, no entanto, já se concluiu que a

instituição ocupa o lugar de Quarto Poder da União, ideia que, no entanto, é rechaçada

pela maior parte da doutrina4, em posição partilhada por este acadêmico. Aceita fosse

a linha que eleva o Ministério Público ao nível de poder constituído com base

unicamente na esquematização do Texto Constitucional, chegar-se-ia ao absurdo de

se concluir que a Defensoria e a Advocacia Pública, previstas em Seções do mesmo

Capítulo do Parquet, seriam, também um quinto e um sexto poder.

O consenso acerca do posicionamento orgânico do Parquet, em realidade,

parece repousar sobre a tese de que se trata de um órgão autônomo desvinculado dos

demais poderes, ainda que, numa visão teleológica da Constituição, pudesse ser ele

identificado como um quarto poder (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 1102).

Uma importante evidência dessa desvinculação, v.g., advém do fato de que

o MP “vela pelo interesse público primário, não raras vezes em detrimento do interesse

público secundário, este sim inerente ao Executivo” (GARCIA, 2008, p. 53).

Independentemente disso, no entanto, é inarredável a conclusão de que o

Parquet, como refere Cunha Júnior, “se trata de um órgão político, como elevadíssimas

funções políticas, integrado por agentes políticos aos quais compete a defesa da

ordem jurídica, da sociedade civil e dos valores constitucionais” (2010, p. 1103).

Não merece reparos, daí, a sempre elucidativa doutrina de Hugo Mazzilli

quando afirma que “a divisão tripartite do Poder é antes política e pragmática que

científica” (2001, p. 139), de forma que não haveria nenhuma importância em colocar o

Parquet “dentro de qualquer Poder do Estado, ou até utopicamente erigi-lo a um quarto

Poder [...], a fim de que, só por isso, se lhe pretendesse conferir independência”

(grifamos).

Surge, nesse ponto, a independência da instituição como um caractere de

suma importância, que deve permear toda sua atuação, livre de pressões políticas

advindas de algum Poder a que estivesse a instituição subordinada.

E essa relevância repousa especificamente no vulto das dos interesses

submetidos à defesa pelo Parquet, objeto de análise a seguir.

4 Todos os autores que consultamos, por exemplo, inadmitem tal linha.

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2.2 DOS INTERESSES CONSTITUCIONALMENTE POSTOS SOB A TUTELA DO

PARQUET – ARTIGO 127 DA LEI MAIOR

O artigo 127 da Lei Maior, já antes referido, é emblemático ao definir o

Ministério Público, colocando desde início em destaque os (mui relevantes) interesses

que estarão sob sua tutela. São eles a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos direitos e interesses difusos e coletivos.

A defesa de ditos interesses constituem, nas palavras de Hugo Nigro

Mazzilli, as “funções institucionais” do Ministério Público (2001, p. 405), a despeito de

serem assim denominados institutos diferentes, previstos no artigo 129 da Carta.

Parece-nos mais axiologicamente correto, pois, a expressão missões institucionais, a

qual, a bem de se evitar contradições, se adota neste escrito.

Trata-se a seguir, pois, de cada um dos itens das missões institucionais do

Ministério Público Brasileiro.

2.2.1 A Defesa da Ordem Jurídica

Nas palavras do próprio Ministério Público da União, a defesa da ordem

jurídica é entendida como o fiel cumprimento da lei (sem data-b).

Nesse dispositivo se funda a função interveniente do Parquet, que surgirá na

relação processual para primar pela correta aplicação da lei ao caso concreto em

discussão, a fim de que se resolva o litígio da forma que, sob o prisma legal, se mostre

mais escorreita.

É a atuação ministerial como custos legis, tal como amplamente conhecida.

Hugo Mazzilli, seguido por Emerson Garcia (2008, p. 50), alerta, no entanto,

que nem todas as leis devem ter sua correta aplicação garantida pelo Ministério

Público. Segundo o entendimento do autor, a instituição deve primar apenas pelos

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diplomas que se insiram dentro de suas finalidades gerais, conclusão a que se

chegaria, basicamente, através de uma interpretação teleológico-sistemática da

Constituição, que define o Paquet como defensor dos interesses sociais e dos

individuais indisponíveis, além de vedar-lhe a consultoria jurídica de entidades públicas

(2001, pp. 147-8).

Com a devida vênia, no entanto, parece importante destacar que à defesa

da ordem jurídica aparentemente não foi posta nenhuma restrição pelo texto

constitucional. Dito mister constitucional, por outro lado é colocado par a par com as

demais missões institucionais do art. 127, guardando, pois, idêntica importância. Além

disso, a correta aplicação das leis – sejam quais forem – é questão permeada pelo

mais premente interesse público, visto que dela decorre a própria eficácia do

ordenamento jurídico. Tais constatações podem indicar que a exegese proposta pelos

autores pode não ser a mais adequada.

Pensamos, assim, que a defesa da ordem jurídica a ser promovida pelo

Parquet constitui o primado pela correta aplicação de todas as leis, consideradas as

eventuais inconstitucionalidades e antinomias. Noutras palavras, é o zelo pelo

ordenamento jurídico integralmente considerado, visto que “ordem jurídica não guarda

similitude com lei, mas, sim, com o Direito, sendo noção eminentemente mais ampla”

(GARCIA, 2008, p. 49).

Nessa linha de raciocínio, à missão institucional da defesa da ordem jurídica

se agrega a guarda da integridade e coesão do ordenamento pátrio.

Tal atribuição se cristaliza, por excelência, no controle de

constitucionalidade, que, em âmbito Federal, está na legitimidade do Procurador-Geral

da República para propor as ações de controle concentrado junto à Suprema Corte

Federal (art. 103 da CF/88). Acresce-se, também, a legitimidade dos Procuradores-

Gerais de Justiça para proporem as mesmas demandas objetivas perante aos

respectivos Tribunais de Justiça, visto que a legitimidade, por questão de simetria, e

em respeito ao artigo 127 da CF, é de reprodução obrigatória, constando, ao menos,

das Constituições dos Estados da Região Sul do País5.

É bem verdade que a Carta Constitucional outorgou a outros entes idêntica

legitimidade ativa. Fê-lo, no entanto, sem mitigar as missões institucionais do Parquet,

5 Artigo 95, § 1º, inciso III, e § 2º, inciso II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul; Artigo 85, inciso III, da Constituição de Santa Catarina; e Artigo 111, inciso II, da Constituição do Estado do Paraná

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visto que, por expressa determinação do § 1º do Texto Maior, o Procurador-Geral da

República há de ser ouvido nas ações de inconstitucionalidade e nos demais

processos de competência do STF.

Nos Estados-Membros, ao mesmo tempo em que é vedada a atribuição a

um único órgão da legitimidade para deflagrar o controle concentrado de

constitucionalidade perante os Tribunais de Justiça (artigo 125, § 2º, da CF/88),

percebe-se que, igualmente, as Constituições Estaduais6 determinam a oitiva do

representante do Ministério Público nas ações que não propor – outra disposição que

se acredita possuir caráter de cláusula de repetição obrigatória.

Consigna-se, por fim, que além do controle de constitucionalidade, Emerson

Garcia visualiza dentro da defesa da ordem jurídica a função prevista no artigo 129,

inciso II, da Carta Maior7. Nas palavras do ilustre doutrinador, insere-se em tal mister “a

aferição de todos os atos praticados pelos órgãos do Estado, podendo ajuizar as

medidas necessárias à coibição de abusos ou ilegalidades, sempre buscando mantê-

los adstritos aos limites da Constituição e do Direito” (2008, p. 49).

2.2.2 A Defesa do Regime Democrático

Na sequência, o artigo 127 imbui ao Ministério Público a defesa do regime democrático, o que se assenta na própria tônica da instituição dentro de uma

verdadeira democracia. Como bem assenta Hugo Mazzilli:

[...] um Ministério Público realmente votado à defesa dos interesses da coletividade (e não do governo ou dos governantes) somente poderá vicejar e produzir frutos para esta sob regime democrático, sob pena de prestar-se a servir à exceção e ao arbítrio, não à coletividade. (2001, p. 149)

6 Novamente, ao menos as dos Estados-Membros da Região Sul do país – Artigo 95, § 3º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul; Artigo 85, § 1º, da Constituição do Estado de Santa Catarina; e Artigo 112, parágrafo único, da Constituição do Estado do Paraná. 7 “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.

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Esse caractere de atuação do Parquet é analisado por Emerson Garcia

juntamente à defesa da ordem jurídica, como se houvesse alguma espécie de

identificação entre ambos. Em certa extensão, a ideia não deixa de ser verdade, visto

que a tutela da democracia também se identifica na atuação em face dos abusos e

ilegalidades estatais.

O papel ministerial na defesa do regime democrático surge de forma mais

clara (para não dizer óbvia), todavia, no Ministério Público Eleitoral, que vela pela lisura

de todo o processo de sufrágio, inclusive a persecução criminal pelos crimes

correlatos. Nesse aspecto, nem são necessárias maiores digressões.

Em uma atuação mais centralizadora – e extrema –, é importante relembrar

a tutela dos princípios constitucionais sensíveis do artigo 34, inciso VII, alínea a, dentre

os quais se inclui o regime democrático, cuja inobservância pelos Estados Membros e

pelo Distrito Federal dá ensejo à intervenção federal, a ser postulada pelo Procurador-

Geral da República junto ao STF.

2.2.3 A Defesa dos Interesses Sociais e Individuais Indisponíveis

Em um dos aspectos quiçá mais conhecidos da atuação do Ministério

Público – e também o que se encontra em mais franca expansão desde que os

misteres da instituição trespassaram a simples centralização da atuação criminal e

passaram a abranger a área cível coletiva em caráter proativo, o que teve como marco

a Lei da Ação Civil Pública –, a defesa dos interesses sociais e indisponíveis constitui

uma faceta da mais inquestionável importância da atuação do Parquet.

Nesse caractere se materializa mais claramente uma das características

mais marcantes da instituição, conforme aponta Hugo Mazzilli: sua atuação visará

sempre ao interesse público primário, contraposto do interesse público meramente

secundário. Continua o autor, bem referindo que “ora o interesse a zelar se relaciona

de modo indeterminado com toda a coletividade, ora está ligado a pessoas

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determinadas, mas a atuação do Ministério Público sempre supõe que com ela se

consulte o interesse geral” (2001, p. 152-3).

Em síntese, como bem sumariza o autor, a atuação do MP se resume nos

seguintes aspectos:

a) ou zela para que não haja disposição alguma de interesse que a lei considera indisponível; b) ou, nos casos em que a indisponibilidade é apenas relativa, zela para que a disposição daquele interesse seja feita conformemente com as exigências da lei; c) ou zela pela prevalência do bem comum, nos casos em que não haja indisponibilidade do interesse, nem absoluta nem relativa, mas esteja presente o interesse da coletividade como um todo na solução do problema (2001, p 152).

A indisponibilidade dos interesses individuais necessária para que se

legitime o Ministério Público denuncia, mais uma vez, o caráter coletivo da instituição.

Os interesses sociais reclamados pelo dispositivo, por seu turno, conforme

Emerson Garcia, “transcendem a individualidade dos diversos interesses que neles

podem estar ínsitos, sendo relevantes para a sociedade como um todo” (2008, p. 51),

sendo claros exemplos os direitos difusos e coletivos.

Na visão do autor, justamente nesse caractere estaria a viabilidade

constitucional de agir o Parquet na defesa de interesses que, embora disponíveis,

sejam divisados por um interesse social. Isso legitimaria, por exemplo, a atuação do

MP na “defesa de interesses individuais homogêneos advindos de relação de

consumo, ainda que as parcelas que o compõem tenham cunho estritamente

patrimonial – regra geral, disponível” (2008, p. 51).

Da missão institucional delineada no dispositivo deriva uma infinidade de

macro e microáreas de atuação ministerial, como a tutela do meio ambiente, da

atividade pública e dos serviços públicos e várias outras, em todos sendo imanente a

existência do mais premente interesse social.

Intimamente ligado a este dispositivo, por exemplo e por consequência, tem-

se alguns dos incisos do também emblemático artigo 129 da Carta Maior, como o

respectivo inciso III, a instituir como função institucional do MP a promoção “[d]o

inquérito civil e [d]a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social,

do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

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É, enfim, um assunto rico em análises que demonstra, de forma

praticamente indubitável, quão caros, variados e relevantes são os interesses que são

tutelados pelo Ministério Público.

2.3 DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS

Insculpidas no art. 129 da CF/1988, as denominadas funções institucionais

destrincham o enunciativo básico da instituição do art. 127 do Texto, constituindo

verdadeiros instrumentos de atuação8, para bem concretizar as missões do Parquet.

Sumariza-as Hugo Mazzilli, dizendo-se que as funções “basicamente se

resumem em promover a aplicação e a execução das leis, no zelo de interesses sociais

ou individuais indisponíveis, difusos e coletivos” (2001, p. 405).

A bem de melhor ilustrar, importa transcrever os incisos do artigo 129:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

8 Terminologia utilizada, aliás, por Hugo Mazzilli.

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Como lembra Alexandre de Moraes, e também segundo a clara previsão do

§ 1º do artigo 1299, o rol constitucional é meramente numerus apertus (exemplificativo),

de forma que “outras normas podem ser previstas (norma de encerramento), tanto me

nível federal, quanto em nível estadual, inclusive pelas Constituições estaduais e pelas

diversas leis orgânicas dos Estados-membros” (2007, p. 598), desde que alinhadas às

finalidades institucionais, vedada, no entanto, a disciplina por legislação municipal.

Sem embargo, é inegável que a lista “inicial” já trazida pelo Texto

Constitucional contém as hipóteses de atuação mais marcantes do Ministério Público,

que, ousa-se apontar, centram-se na ação penal e na ação civil pública10.

Aquela, historicamente a função “principal”, por excelência, do Parquet, onde

tutela a segurança do povo, punindo aqueles que transgridam valores caros à

sociedade. Os manuais de Direito Penal destrincham as inúmeras funções e

peculiaridades do ordenamento repressivo, bem como sua (inegável) importância.

A ação civil pública, por seu turno, como antes notado, foi introduzida no

sistema jurídico brasileiro pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, conferindo ao MP

novos paradigmas de atuação. Tal ação coletiva tem ligação com a defesa dos

interesses sociais e individuais indisponíveis previstos ao final do artigo 127 da

Constituição Federal.

Ilustram essa afirmação, respectivamente, a ACP de improbidade

administrativa, que resguarda – em última análise – a moralidade administrativa,

interesse difuso11, e a ACP para obter-se medicamentos a pessoa necessitada12, que

tutela o direito à saúde, a vida e à dignidade da pessoa humana.

Maiores digressões acerca desses dois tópicos (ação penal e ação civil

pública), que encerram férteis, complexas e históricas discussões, são por ora

9 § 1º: “A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”. 10 Sem se olvidar, é claro, da importância das demais, sobretudo das ações de constitucionalidade, que, todavia, se encontram centralizadas em um órgão-maior do MP, ao contrário das antes mencionadas, que estão pulverizadas entre todos os membros e órgãos de instâncias iniciais e, com isso, tornam-se mais visíveis e popularizadas. 11 É pacífico no Superior Tribunal de Justiça que a Ação Civil Pública é via adequada para se buscar as punições da Lei nº 8.492/92. Confira-se, v.g., o REsp 1085218/RS do Superior Tribunal de Justiça, com enriquecedoras lições, que também declaram a natureza difusa do anseio popular da moralidade administrativa. 12 Acerca da legitimidade do Ministério Público para tal demanda, vide, v.g., o AgRg no Ag 1247323/SC do Superior Tribunal de Justiça.

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dispensadas, mencionando-se unicamente (de forma quase tautológica) quão

importantes à sociedade são as funções institucionais traçadas no artigo 129 da CF.

2.4 DOS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS

Sem rodeios, o art. 127, § 1º, da CFRB/88 dispõe como princípios

institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência

funcional, com o que se desenha mais claramente a forma de atuação da instituição.

Como bem pontua Emerson Garcia em palavras preliminares (2008, p. 53),

é imperioso reconhecer-se hodiernamente a força normativa dos princípios, que se

erigiram a uma verdadeira subdivisão do gênero “norma”, ao lado das regras.

Distinguem-se destas, no entanto, à medida em que

[e]nquanto as regras impõem determinado padrão de conduta, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, ordenando que algo seja realizado na melhor medida possível, podendo ser cumpridos em diferentes graus, sendo que a medida de seu cumprimento dependerá tanto das possibilidades reais, como das jurídicas (2008, p. 54).

Inexiste, portanto uma solução mediante a aplicação de um princípio

previsível a priori, o que vai depender da casuística.

Reconhecida, de qualquer forma, a força normativa dos princípios, é de se

deixar assentada a imperatividade dos princípios institucionais do Ministério Público,

que não carecem de nenhuma integração legislativa para serem de imediato aplicados.

Passa-se, pois, a um breve exame de cada um dos princípios.

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2.4.1. Da unidade e da indivisibilidade

A unidade vem definida por Hugo Mazzilli como sendo o princípio que

explicita que “os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de

um só chefe” (2001, p. 155).

Levada a cotejo com o artigo 128 da Constituição, que abrange dentro do

conceito de “Ministério Público” tanto o Ministério Público da União quanto os

Ministérios Públicos dos Estados, a unidade pode levar à conclusão que a “instituição”

ministerial, una, consistiria numa simbiose entre essas várias divisões.

A situação, na realidade, é bastante limítrofe e há vozes apontando para

lados opostos.

Na Suprema Corte, discussões proveitosas foram travadas no julgamento do

Mandado de Segurança nº 26.690-2/DF, onde se analisava o (controverso) requisito de

três anos de atividade jurídica para o ingresso na carreira do Ministério Público por

parte de uma candidata ao cargo de Procurador da República (representante do

Ministério Público Federal), que já há dois anos era Promotora de Justiça no Paraná.

A sessão de julgamento do feito foi marcada pela discussão de

interessantes posicionamentos acerca da unidade do Ministério Público. O então

Ministro Eros Grau, de início, atuando na relatoria, pareceu defender a unidade de todo

o Ministério Público nacional, transcrevendo o seguinte excerto de José Afonso da

Silva:

A instituição do Ministério Público abrange todos os Ministérios Públicos ali indicados. Realmente, a pretensão da unidade nesse sentido já constava na Exposição de Motivos da comissão elaboradora dos estudos e do anteprojeto de que resultou a LC 40/1981, segundo a qual o Ministério Público é, em seus lineamentos básicos, uma só instituição, quer atue no plano federal, junto à justiça comum ou especial, quer no plano dos Estados, Distrito Federal e Territórios (2008, p. 07).

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Para o caso sub examinem, a linha de pensamento desaguava em uma

conclusão bastante curiosa, assim exposta pelo Ministro:

Por outro lado [...], eu diria agora que, na verdade, o Ministério Público sendo uma instituição única, posso perfeitamente interpretar a totalidade que a Constituição é para dizer que o ingresso na carreira do Ministério Público já houve, sim, no ano de 2005, em abril, quando a impetrante foi empossada no cargo de Promotora Pública (2008, p. 7-8).

Isto é, o entendimento aí consignado leva a unidade do Ministério Público a

um nível tão extremado que ensejava a conclusão de que até mesmo as carreiras

ministeriais seriam unas, havendo fungibilidade entre os cargos de membros dos

diversos Ministério Públicos (Promotor de Justiça, Procurador da República,

Procurador do Trabalho etc.).

As notas taquigráficas do julgado revelam que a ideia, posteriormente

admitida como mero artifício retórico, foi rechaçada pelos demais magistrados da

Corte, que se orientou, em realidade, à excepcionalidade da questão, localizada em

momento transicional, de forma a se conceder a ordem postulada pela candidata.

Curiosamente, a ementa trouxe consignada a ideia inicial e extremada de

unidade entre o MPU e os Ministérios Públicos do Estado, verbis, com grifo nosso:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/04. AUSÊNCIA DE REGRAS DE TRANSIÇÃO DESTINADAS A SOLUCIONAR SITUAÇÕES LIMÍTROFES NÃO ABRANGIDAS PELOS NOVOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INGRESSO NA CARREIRA. INSCRIÇÃO DEFINITIVA NO CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA QUE, EMBORA NÃO POSSUÍSSE OS TRÊS ANOS DE ATIVIDADE JURÍDICA EXIGIDOS PELO ART. 129, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO, ERA PROMOTORA DE JUSTIÇA DE MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO. PRINCÍPIO DA UNIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO [ART. 128, I e II, DA CB/88]. PRINCÍPIO DA IGUALDADE [ART. 5º DA CB/88]. A IGUALDADE CONSISTE EM TRATAR-SE DESIGUALMENTE OS DESIGUAIS. ORDEM DEFERIDA. 1. A ausência de regras de transição para disciplinar situações fáticas não abrangidas pelo novo regime jurídico instituído por emenda constitucional demanda a análise de cada caso concreto à luz do direito enquanto totalidade. 2. O Ministério Público nacional é uno [art. 128, I e II, da Constituição do Brasil], compondo-se do Ministério Público da União e dos Ministérios Públicos dos Estados.

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3. No exercício das atribuições previstas nos artigos 109, § 3º da Constituição e 78 e 79 da LC n. 75/93, o Ministério Público estadual cumpre papel do Ministério Público Federal. 4. A circunstância de a impetrante, Promotora de Justiça no Estado do Paraná, exercer funções delegadas do Ministério Público Federal e concomitantemente ser tida como inapta para habilitar-se em concurso público para o provimento de cargos de Procurador da República é expressiva de contradição injustificável. Trata-se, no caso, de situação de exceção, típica de transição de um regime jurídico a outro, em razão de alteração no texto da Constituição. 5. A igualdade, desde Platão e Aristóteles, consiste em tratar-se de modo desigual os desiguais. Prestigia-se a igualdade, no sentido mencionado quando, no exame de prévia atividade jurídica em concurso público para ingresso no Ministério Público Federal, dá-se tratamento distinto àqueles que já integram o Ministério Público. Segurança concedida.

A doutrina, no entanto, parece orientada majoritariamente em sentido

contrário, defendendo que “só existe uma unidade dentro de cada Ministério Público

(CF, art. 128), não podendo o membro de um determinado ramo exercer atribuições

inerentes a outro” (NOVELINO, 2010, p. 706), ideia também trazida por Emerson

Garcia (2008, p. 55) e Alexandre de Moraes (2007, p. 594).

Embora inexista, como se vê, um consenso, a ideia que parece mais

adequada é a doutrinária – a qual, diga-se, entende-se como sendo a mais correta.

Decorrência da unidade, a indivisibilidade, na sua mais clássica acepção,

significa que os membros do Ministério Público “não se vinculam aos processos nos

quais atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros de acordo com as normas

legais” (MORAES, 2007, p. 595), princípio que não enseja maiores discussões.

2.4.2. Da independência funcional

Tônica maior das alterações promovidas pelo Constituinte de 1988 ao

Ministério Público, a independência funcional prevista no artigo 128, § 1º do Texto

Maior buscou dar aos membros guarida para o mais livre – e, portanto, democrático,

correto e jurídico – exercício de seus misteres.

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No dizer de Emerson Garcia, o princípio da independência fornece aos

membros duas garantias, que avalia como sendo imprescindíveis ao pleno exercício

das funções ministeriais:

a) podem atuar livremente, somente rendendo obediência à sua consciência e à lei, não estando vinculados às recomendações expedidas pelos órgãos superiores da Instituição em matérias relacionadas ao exercício de suas atribuições constitucionais; b) não podem ser responsabilizados pelos atos que praticarem no estrito exercício de suas funções, gozando de total independência para exercê-las em busca da consecução dos fins inerentes à atuação ministerial (2008, p. 63).

Relativamente à primeira garantia, nela se encontra, com maior pureza, a

independência funcional, princípio que tem como característica a isenção do agente à

subordinação a superiores hierárquicos.

A hierarquia, diga-se, embora pareça ser incompatível com uma noção de

independência, é uma decorrência do princípio da unidade, de modo que se parece

estar diante de um conflito, como afirma Emerson Garcia (2008, p. 56-7). A antinomia,

no entanto, que é meramente aparente (inclusive por envolver termos constantes do

unitário texto constitucional originário), se resolve por simples exercício de ponderação:

a hierarquia é apenas administrativa, não atingindo os atos da atividade-fim, que

obedecerão à consciência do membro (MORAES, 2007, p. 595).

E com base no princípio da independência, ora erigido a nível constitucional,

há espaço para até mesmo se perquirir acerca de uma possível equivalência entre o

grau de liberdade conferido aos membros do Ministério Público e aquele conferido aos

magistrados.

Na medida em que ambos exercem suas atividades obedecendo apenas à

sua consciência, à Constituição e às leis, tal ideia se assoma verdadeiramente

adequada.

Independência, por outro lado, não se confunde com arbítrio.

Nas sempre bem lançadas palavras de Emerson Garcia, o princípio da

independência não constitui “um fim em si mesmo [...] [t]rata-se de mero instrumento

disponibilizado aos agentes ministeriais com vistas à consecução de um fim: a

satisfação do interesse publico” (2008, p. 65), razão de ser do Ministério Público.

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O interesse público, portanto, é a medida da independência, o que

legitima, por exemplo, que o Ministério Público atue a favor do réu13 ou que reconheça,

mais adiante, a procedência de recurso interposto contra decisão que lhe foi favorável.

Por outro lado, a busca pelo interesse público é, justamente, a ideia mais

sólida a evitar arbítrios, assim entendidos como a defesa de interesses insignificantes,

da cega acusação e, em uma nota mais grave, de práticas espúrias e violações aos

princípios básicos da Administração e da própria Constituição.

Entra em cena, neste momento, a segunda garantia referida por Emerson

Garcia em trecho antes citado, fornecendo ao membro verdadeira irresponsabilidade

pelos atos praticados na atividade-fim.

Essa irresponsabilidade, melhor analisada mais ao final deste escrito, tem

seu limite, exatamente, na defesa do interesse público.

De qualquer sorte, a independência funcional, balizada da forma já referida,

se revela, sem dúvidas, como sendo, quiçá, o mais relevante princípio institucional do

Ministério Público.

2.5 NOTAS FINAIS

Esse, enfim, o posicionamento constitucional da instituição do Ministério

Público, o que evidencia seu relevante papel dentro do cenário jurídico nacional,

justificando do sua inserção dentro das denominadas “Funções Essenciais à Justiça”.

A outorga de papel tão importante, por outro lado, parece também demandar

uma maior liberdade de atuação, a fim de não bitolar as importantes atividades

institucionais do Parquet – o que iria de encontro aos próprios e bastante claros

anseios do legislador constitucional.

13 O que já há muito vem cristalizado no próprio Código de Processo Penal, como no artigo 385, que prevê a possibilidade de o MP requerer a absolvição do réu. Ainda, há que se mencionar en passant o artigo 28 do mesmo Estatuto Adjetivo, rico em evidências da independência funcional.

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Verifica-se no ponto um verdadeiro reclamo por uma autonomia, isto é, uma

ausência de fatores externos e uma independência a permear os trabalhos da

instituição. Isso, note-se, já vem contemplado na “independência funcional” como

princípio institucional, acima analisado, e é objeto de aprofundamentos no capítulo a

seguir.

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3. DOS FUNDAMENTOS DA INDEPENDÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

3.1 DA INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO

3.1.1 Linhas Gerais

O Ministério Público é, no posicionamento constitucional, classificado como

função essencial à Justiça. Disso decorre, em primeiro lugar, que a análise de sua

própria independência há de passar, obrigatoriamente, por uma análise da

característica no tocante ao Poder Judiciário.

Faça-se, pois, um breve retrocesso na história da filosofia jurídica,

alcançando-se a era do Iluminismo.

Sem prejuízo da atribuição da uterina concepção das ideias a outros

filósofos pretéritos, a separação da função jurisdicional do Estado a um Poder próprio

tem como maior baluarte o Barão de Montesquieu, através da sua bem difundida

Teoria da Tripartição dos Poderes, explanada na sua obra “O Espírito das Leis”, de

1748. A premissa-maior à Teoria é a defesa da liberdade dos indivíduos, ameaçada

pela concentração dos poderes14 do Estado na mão de um só ente, seja um indivíduo

ou um corpo de Magistrados15.

No capítulo 6 (“Da Constituição da Inglaterra”16) do Livro XI (“Das Leis que

Estabelecem Liberdade Política, com Respeito à Constituição”17) de seu escrito,

Montesquieu identifica as três principais atividades estatais:

14 E aqui, note-se, vale-se da terminologia do próprio Montesquieu, visto que, como referido noutras partes deste escrito, a concepção moderna é a de que as “funções” do Estado podem ser separadas, nunca seu poder, que é soberano e uno. 15 Não se fala em “magistrados” na acepção atual e brasileira do termo, que se limita aos membros do Poder Judiciário. 16 Na tradução original à língua inglesa, “Of the Constitution of England”. (2001, p. 173) 17 Na tradução original à língua inglesa, “Of the Laws Which Establish Political Liberty, with Regard to the Constitution” (2001, p. 171).

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In every government there are three sorts of power: the legislative; the executive in respect to things dependent on the law of nations; and the executive in regard to matters that depend on the civil law (2001, p. 173)18.

E segue o autor, as explanando de forma sumária:

By virtue of the first, the prince or magistrate enacts temporary or perpetual laws, and amends or abrogates those that have been already enacted. By the second, he makes peace or war, sends or receives embassies, establishes the public security, and provides against invasions. By the third, he punishes criminals, or determines the disputes that arise between individuals. The latter we shall call the judiciary power, and the other simply the executive power of the state (2001, p. 173)19.

Levados a nitidez os diferentes poderes estatais, cristalizou-se a ideia

esgrimida pelo clássico autor – e aceita, inclusive, pela Constituição do Brasil – no

sentido de que, como alhures dito, não há espaço, em um Estado dirigido por leis e que

prima pela liberdade, à centralização desses poderes em um único ente.

Assim conclui Montesquieu acerca do Poder Judiciário:

[...] there is no liberty, if the judiciary power be not separated from the legislative and executive. Were it joined with the legislative, the life and liberty of the subject would be exposed to arbitrary control; for the judge would be then the legislator. Were it joined to the executive power, the judge might behave with violence and oppression (2001, p. 173).20

Na obra do Iluminista, ainda, José Adércio Leite Sampaio identifica a

segurança jurídica como sendo um importante primado buscado pela Teoria, inferência

extraída do seguinte excerto:

18 “Em todo governo há três tipos de poder: o legislativo, o executivo a respeito das coisas dependentes das leis das nações, e o executivo a respeito de questões que dependam da civil law” (tradução nossa). 19 “Em virtude do primeiro, o príncipe ou magistrado promulga leis temporárias ou perpétuas, e emenda ou ab-roga aquelas que já haviam sido promulgadas. Pelo segundo, ele faz paz ou guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança pública, e toma providências contra invasões. Pelo terceiro, ele pune criminosos, ou soluciona disputas que surgem entre particulares. A última chamaremos de poder judiciário, e as outras simplesmente de poder executivo do estado” (tradução nossa). 20 “Não há liberdade, se o poder judiciário não for separado do legislativo e do executivo. Fosse ele unido com o legislativo, a vida e a liberdade do sujeito seriam expostas a controle arbitrário; pois o juiz não seria então o legislador. Fosse ele unido ao poder executivo, o juiz poderia se comportar com violência e opressão.” (tradução nossa).

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But though the tribunals ought not to be fixed, the judgments ought; and to such a degree as to be ever conformable to the letter of the law. Were they to be the private opinion of the judge, people would then live in society, without exactly knowing the nature of their obligations (2001, p. 175)21.

Leite Sampaio arremata sua interpretação citando Carré de Malberg,

bastante lúcido ao afirmar que a separação de poderes projeta a necessidade de

garantir-se que a jurisdição seja submetida a “formas de procedimento destinadas a

proporcionar aos administrados e aos litigantes garantias de veracidade, ou seja, de

conformidade à lei, ou de alta imparcialidade, no direito que deve ser-lhes pronunciado”

(2007, p. 118-9).

As precisas palavras do Iluminista Montesquieu seguiram sendo trabalhadas

ao decorrer dos séculos, durante os quais se identificaram inúmeras outras

características imanentes à independência dos juízes.

Hodiernamente, é inegável a amplitude de interesses que podem ser

levados à tutela jurisdicional, o que reclama ainda maior solidez na autonomia do

Poder Judiciário. Com efeito, assuntos como o meio ambiente, os direitos do

consumidor, o controle político da Administração Pública e o controle de

constitucionalidade das leis recebem, ao fim, a derradeira palavra vinda da judicatura, a

qual, comungam os autores, deve ser provida de independência.

Nas bem sumarizadas palavras de José Sampaio,

a independência do Judiciário é, primeiro, pressuposto para a limitação efetiva dos poderes e garantia dos direitos. Sem essa prerrogativa de Poder, dizem os autores das mais diversas linhas de pensamento, como Hayek (1960), Loewenstein (1976), Raz (1979), Ferguson (2003) e Zakaria (2003), o Judiciário não poderia exercer livremente o controle de constitucionalidade e de legalidade dos atos do governo, comprometendo seriamente o Estado de Direito e, com ele, as liberdades (2007, p. 117).

Não se fazem necessários maiores aprofundamentos, vê-se, para que a

ameaça ao Estado Democrático de Direito advinda da bitolação da independência

judicial seja verificada.

Complementar, daí, o que recorda Alexander Hamilton, ao referir:

21 “Mas embora os tribunais não devam ser fixos, os julgamentos devem, de forma a sempre estarem de acordo com a letra da lei. Fossem eles uma opinião privada do juiz, as pessoas então viveriam em sociedade sem saber exatamente a natureza de suas obrigações”. (tradução nossa)

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this independence of the judges is equally requisite to guard the constitution and the rights of individuals from the effects of those ill humors which the arts of designing men, or the influence of particular conjunctures, sometimes disseminate among the people themselves (apud SAMPAIO, 2007, p. 118)22.

Doutrinadores constitucionais nacionais, como Dirley Cunha Júnior, não

destoam do sentido dessa visão. Para o autor, à atuação livre, autônoma e

independente da jurisdição é indispensável “notadamente pela sua destinação de

garantia dos valores mais caros à pessoa humana” (2010, p. 1053).

Existe, portanto, uma série de interesses extremamente sensíveis, ligados

de forma íntima à independência dois juízes, indispensável a que se garanta a

estabilidade jurídica e, em última análise, o Estado Democrático de Direito.

Diga-se: repousando no Poder Judiciário a última instância de asseguração

do Estado Democrático de Direito, é inegável a agudez de sua importância, havendo

de ser resguardada, com o máximo de efetividade, sua independência e sua liberdade,

de forma a não obstaculizar – antes, garantir – o exercício de seu mister sem amarras

de nenhuma ordem, que não as da lei (lato sensu).

3.1.2 Previsões na Constituição Federal de 1988

Na Lei Maior de 1988, a independência judicial não deixou de ser

contemplada. Em realidade, ela decorre, atualmente, do próprio Texto Constitucional.

Ora, vejamos, numa apertadíssima síntese.

O artigo 2º da CF/88 é claro e inequívoco ao anunciar a completa

desvinculação do Poder Judiciário ao outros Poderes da União.

22 “Essa independência dos juízes é igualmente indispensável à guarda da constituição e dos direitos dos indivíduos perante os efeitos dos maus-humores que a arte de se modelar os homens, ou a influência de conjunturas particulares, por vezes disseminam entre as próprias pessoas” (tradução nossa).

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Há de restar induvidoso, por outro lado, que as garantias fundamentais do

due process of law (art. 5º, LIV), da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV) e do

juiz natural (art. 5º, XXXVII) são pontos originários basilares a informar a independência

da judicatura.

Mais além, o artigo 5º é claro ao colocar sob o manto do Judiciário o

resguardo dos direitos fundamentais, como que a imbuí o Poder de ser a última

instância do poderio estatal a prover a seus súditos a materialização dos enunciados

mais básicos da sua Carta Fundamental.

E para fazê-lo, é inegável, o Judiciário há de ser provido com total liberdade

não apenas para a aplicar a lei, como, também, para dar a ela o sentido mais

essencialmente ligado à Constituição, à Justiça e aos princípios informativos basilares.

Esses caracteres constituem simples linhas mestras, enquanto as previsões

institucionais do Poder, contidas no Capítulo III do Título IV da CFRB/1988 solidificam a

constatação, realizando o mais claro corte orgânico entre o Poder Judiciário e os

demais Poderes.

Segundo doutrinadores mais atuais, como Dirley Cunha Júnior (2010, p.

1054) e Marcelo Novelino (2010, p. 636-7), as garantias ali previstas podem ser

divididas entre garantias institucionais e garantias funcionais ou garantias dos juízes.

Na primeira espécie, enquadram-se questões como a autonomia

administrativa e financeira, possibilitando-se ao Poder a elaboração e execução de seu

próprio orçamento (art. 99), as competências privativas dos tribunais (art. 96, inciso I) e

a legitimidade, também privativa, de proposição legislativa do Supremo Tribunal

Federal, dos Tribunais Superiores e dos Tribunais de Justiça (art. 96, inciso II).

Referidos caracteres bem demonstram o altíssimo grau de autonomia e

autogoverno do Judiciário e são indissociáveis de um Poder efetivamente

independente. Não por outra razão, o Constituinte originário outorgou-as ao Poder

Judiciário “visando a assegurar sua independência e imparcialidade” (NOVELINO,

2010, p. 636).

A segunda espécie, por seu turno, materializada no art. 95 da Constituição,

compreende as prerrogativas de vitaliciedade (isto é, demissão somente mediante

decisão em processo judicial), da inamovibilidade (impossibilidade de remoção ex

officio, salvo motivo de interesse público, determinada por órgão colegiado e

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assegurada a ampla defesa) e irredutibilidade de vencimentos (manutenção de

padrão adequado de subsídios), gozadas pelos juízes. Ditas prerrogativas, como bem

ressalva Marcelo Novelino, são instrumentos da mais extrema relevância, constituindo

não privilégios aos magistrados, mas, sim, “meio de assegurar o livre desempenho de

suas funções, preservando sua independência e imparcialidade” (2010, p. 637).

Por fim, deve-se mencionar as vedações constantes do parágrafo único do

art. 95 da Constituição Federal, estabelecidas, segundo Dirley Cunha Júnior, no

desiderato de garantir a imparcialidade do juiz (2010, p. 1054). O texto constitucional,

assim, proíbe-lhe de exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função,

salvo uma de magistério (inciso I); de receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou

participação em processo (inciso II), de se dedicar à atividade político-partidária (inciso

III); receber quantias monetárias de pessoas físicas, de entidades públicas ou de

entidades privadas, exceto se autorizado por lei (inciso IV); e de exercer a advocacia

no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento

do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Extensas, como se vê, as garantias e previsões constitucionais tendentes a

se preservar a independência do Poder Judiciário, em reconhecimento de todos os

caros interesses que são postos, em última instância, sob sua tutela.

Disso decorrem, inegavelmente, consequências às denominadas Funções

Essenciais à Justiça, como a seguir se examina.

3.2 DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA: A IMPORTÂNCIA QUE RESSAI DA

PRÓPRIA DENOMINAÇÃO

Após tratar sobre o Poder Judiciário, a Constituição Federal aborda, em

tópico apartado, as “Funções Essenciais à Justiça”.

Apesar de claramente desvinculadas da judicatura, a denominação de ditas

“Funções” tem uma ratio bastante clara: a inércia do Poder Judiciário, que se funda em

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uma série de princípios constitucionais – de natureza pétrea, diga-se – e constitui um

dos pilares à dialética processual.

Na esfera criminal, por exemplo, é ainda mais imperiosa a colocação do juiz

em um plano distinto das partes, agindo apenas mediante provocação, o que constitui

o arquétipo fundamental do sistema acusatório. Como bem adverte Pimenta Bueno:

Que faz o juiz quando procede ex officio? Constitui-se simultaneamente julgador e parte adversa do delinqüente; dá denúncia a si próprio, escolhe as testemunhas e inquire-as, perguntando o que julga conveniente; e, por fim, avalia as provas que ele criou, e pronuncia ou não, como entende. Há nisto garantia alguma? (apud MAZZILLI, 2001, p. 409)

Se a jurisdição é inerte, sua provocação, via de consequência, há de ser

atribuída a órgãos/entidades/pessoas desvinculados do Poder Judiciário, atuando com

liberdade e independência. Sem essas pessoas, o Poder Judiciário, inativo, se torna

absolutamente inútil, pelo que assumem elas, por simples consequência, o caráter de

essencialidade à Justiça.

A variedade de interesses que hodiernamente podem ser postos perante o

Judiciário, no entanto, determina sejam diversos os “órgãos” encarregados de acioná-

la, visto ser inviável outorgar tal atribuição a unicamente uma pessoa. Para além disso,

vincular-se a atuação do Poder Judiciário a uma “pessoa” tão somente ocasiona sérios

riscos de bitolar-lhe gravemente a efetividade, visto que toda a carga da soberania

estatal posta na jurisdição teria sua ativação limitada ao arbítrio de um só ente.

O Constituição, assim, no Capítulo IV do seu Título IV, delineia três grupos

de interesses, cada qual com seu órgão/pessoa de proteção própria23: o interesse

público primário, a cargo, como já referido, do Ministério Público; o interesse público

secundário, sob a atribuição da Advocacia Pública; e os interesses privados, cuja tutela

jurisdicional haverá de ser buscada pela advocacia e pela Defensoria Pública.

A cada um desses titulares primários dos interesses deu a CRFB/88 o nome

de “funções essenciais à Justiça”, em evidente homenagem ao papel de efetiva

23 Não se trata, é claro, de uma divisão estanque, até porque a Constituição não é expressa nesse sentido, tratando-se o ora exposto de verdadeira interpretação teleológico-sistemática do Texto. O que há, em realidade, é simples ponto inicial norteador, que não impede o inter-relacionamento de interesses e a proteção de uns por entes diversos, como comumente ocorre, inclusive em função da lei.

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essencialidade que exercem no exercício da jurisdição, dando-lhe o impulso inicial,

indispensável a que suas engrenagens, enfim, sejam acionadas.

Proibido de atuar na defesa do interesse público secundário e agindo

apenas pontualmente na defesa do interesse individual24, o Ministério Público está

imbuído historicamente de agir perante questões que atingem a sociedade de forma

difusa, capaz de alterar – profundamente – a vida dos cidadãos. Isso, aliás, na linha do

perfunctório exame da posição constitucional da instituição trazido no capítulo anterior.

Sem se olvidar da relevante (e por vezes suficiente) atuação extrajudicial, as

questões postas sob o manto protecional do Parquet são solucionadas de forma

definitiva pelo Poder Judiciário. Daí, como já se disse, chamar-lhe “Função Essencial à

Justiça”.

Como analisado alhures, é possível se concluir que a independência do

Judiciário se calca sobretudo na sua atribuição de resolver conflitos relacionados aos

direitos fundamentais, o que deságua na dignidade da pessoa humana. Igualmente,

Parquet, imbuído do resguardo ao interesse jurídico primário e aos mais caros valores

no nosso ordenamento, deve ter – e tem – assegurada idêntica garantia.

Isso à vista, como dito, dos interesses postos sob a tutela do MP, que não

podem ser tratados sob espectros tendenciosos e vinculados a sentimentos e vontades

dissociadas da legalidade, da moralidade e da justiça.

Trazendo-se a questão a um pouco mais de detalhes, é bastante clara a

inferência de que, quaisquer os particulares focos de atuação ministerial, é exigida do

Membro do Ministério Público uma aprofundada reflexão jurídica e política acerca da

questão levada a seu crivo.

No caractere da defesa da ordem jurídica, por exemplo, ao atuar como fiscal

da lei, o Membro do Ministério Público precisa deter-se com cautela e dedicação à

quæstio juris que lhe é submetida, a fim de externar uma posição que se valha

harmonicamente de todas as fontes legais para bem solucioná-la.

24 Em atribuições que Mazzilli denomina de atípicas (2001, p. 394), o Ministério Público ainda age, de forma supletiva, em favor de interesses eminentemente privados, tais como a representação do reclamante trabalhista (art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho), a assistência judiciária aos necessitados onde não houver órgãos próprios (art. 22, XIII, da Lei Complementar nº 40/1981, além do entendimento do Supremo Tribunal Federal, albergando a teoria da inconstitucionalidade progressiva) e a representação da vítima pobre nas ações nas ações ex delicto e na execução da sentença criminal (art. 68, CPP).

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Mesmo que se admita a antes exposta posição partilhada por Hugo Mazzilli

e Emerson Garcia, que entendem caber ao Parquet tão somente a defesa dos

diplomas legais que se coadunem com suas demais características institucionais, a

amplitude e profundidade do exame não resta bitolado; em realidade, a própria

atividade de selecionar as normas objeto de defesa reclama um aprofundado exercício

jurídico.

Na mesma esteira, inegavelmente de grande – e quiçá ainda maior – vulto é

a abrangência da atitude proativa do Ministério Público no controle concentrado de

constitucionalidade, notadamente à vista do caráter geral, abstrato e por vezes ex tunc

de eventual provimento da demanda objetiva.

Já nesse momento é possível observar-se que o exame levado a efeito pelo

Ministério Público pode extrapolar o âmbito exclusivamente jurídico, tomando

contornos de uma apreciação verdadeiramente política, sobretudo no âmbito do

controle de constitucionalidade, cujos efeitos podem atingir toda a nação.

A ideia fica robustecida no exemplo doutrinário de Emerson Garcia que

localiza na defesa da ordem jurídica a coibição de abusos e ilegalidades por parte do

Poder Público (2008, p. 49), o que, ainda que se limite à tecnicidade legal, pode vir a

refletir em aspectos políticos governamentais.

De forma ainda mais intensa, nas hipóteses de atuação do Parquet na

defesa do regime democrático, cuja simples nomenclatura, veja-se, já denuncia uma

interferência na esfera política, a independência do Ministério Público é questão

delicada a reclamar o máximo resguardo, uma vez que, como visto, a atuação nesse

particular atinge pontos de extrema sensibilidade, como a hipótese da Representação

para Intervenção Federal, onde o Procurador-Geral da República (Chefe do MPU) terá

que defender judicialmente a grave violação, por um ente federado, de princípios

constitucionais tão caros que são denominados, com o perdão da tautologia, de

“sensíveis”.

Esse explanatório sumário se permeia e chega a uma ideia geral: todo e

qualquer momento da atuação ministerial em sua atividade-fim pode ter aspectos

políticos e jurídicos a envolverem uma grande liberdade de atuação. Tudo precisa de

uma aferição oxigenada pela autonomia e pela imunidade a fatores externos.

A toda a atuação, pois, mostra-se imprescindível a independência.

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3.3 DAS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS A EVIDENCIAR A INDEPENDÊNCIA DO

MINISTÉRIO PÚBLICO

Sem necessidade de maiores análises, é induvidoso que os princípios

institucionais, a autonomia financeira e, enfim, o posicionamento constitucional do

Ministério Público evidenciam a sua independência, que é informada e justificada pelas

linhas postas alhures, as quais demonstram a imprescindibilidade de dito caractere na

atuação do Parquet.

Referida independência, diga-se, se divide em independência funcional, princípio institucional já antes analisado, relativo à liberdade do membro, balizada pelo

interesse público, no exercício da atividade-fim, e autonomia orgânica, que consagra

o Ministério Público como instituição desvinculada a quaisquer outros órgãos e

Poderes.

Ademais, nos termos do artigo 130, § 5º, inciso I, do Texto Máximo, se

estendem aos membros do Ministério Público as garantias, originárias do Poder

Judiciário, da vitaliciedade, da inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, já

descritas neste capítulo, universalmente tidas como garantias de independência, o que

também dá evidências da equivalência, sob a ótica constitucional, entre os integrantes

das carreiras do Ministério Público e os magistrados.

Assente-se, pois, o grandioso grau de autonomia e independência conferido

pelo constituinte originário ao Parquet, na busca de torná-lo – quase – imune a

pressões indevidas partidas de um órgão político eventualmente superior.

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4. DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: HISTÓRICO E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004

4.1 DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA NO MUNDO E TRAÇOS INICIAIS DE

CONSELHOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Ao longo da história, identificam-se a instituição de diversos órgãos

colegiados incumbidos do controle disciplinar da magistratura. A história de ditos

Conselhos, segundo o professor José Adércio Leite Sampaio, “está umbilicalmente

ligada ao processo de independência do Poder Judiciário na Europa, mais

especificamente, na França e na Itália” (2007, p. 177). Não se fala especificamente, no

entanto, do Judiciário como Poder, mas, sim, “pensado como uma função

especializada” (PELEJA JÚNIOR, 2001, p. 96), inclusive porque em tais países, em

níveis diferentes, a judicatura é atrelada ao Poder Executivo25, e não dotada da

autonomia encontrada, por exemplo, no Brasil.

E nas terras galícias e italianas, o ano de 1833 foi emblemático, tendo nele

ocorrido a instalação do “Conselho da Magistratura” de cada uma das nações, com

composição mista e imbuídos da disciplina judicial e de funções consultivas para

seleção, transferência e remoção dos juízes.

Em 1946, a Constituição da Quarta República da França expressamente

trouxe a previsão, em seu Artigo 83, da existência do Conseil supérieur de la

magistrature (Conselho Superior da Magistratura), composto de quatorze membros e

presidido pelo Presidente da República, incumbido da indicação de juízes e de

assegurar a boa disciplina dos magistrados, bem como a independência e a

administração dos tribunais judiciais.

Mais ainda, forte no Artigo 84 daquele Texto Maior Francês, foi excluída das

atribuições do Conselho a indicação de magistrados ao Parquet.

25 Na França, a teor do artigo 64 da Constituição de 1958, o Presidente da República é o garantidor da independência da Autoridade Judicial. Na Itália, todavia, muito embora o artigo 103 da Constituição de 1947 desvincule o Poder Judiciário dos demais Poderes, confere-lhe com órgão administrativo máximo o Consiglio superiore della magistratura, presidido pelo Presidente da República.

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Já o Texto Maior da Itália, promulgado em 22 de dezembro de 1947 e ainda

em integral vigor, ao traçar as linhas mestras do Poder Judiciário em seu Artigo 104,

institui o Consiglio superiore della magistratura (Conselho Superior da Magistratura),

chefiado pelo Presidente da República e de composição mista, a contemplar como

membro nato, inclusive, o Procurador-Geral da Corte de Cassação.

Na década seguinte, a França avançou à Quinta República, promulgando-

se, aos 04 de outubro de 1958, uma nova Constituição, em movimento encabeçado por

Charles de Gaulle. O novel Texto manteve o Conselho Superior da Magistratura,

marcando-lhe, no entanto, com traços interessantes e embrionais ao brasileiro

Conselho Nacional do Ministério Público: o Artigo 64 define o Conselho Superior como

órgão de assistência do Presidente da República em seu mister de garantia da

autoridade judiciária, dividindo-o entre uma seção destinada aos juízes (magistrats du

siège26) e outra incumbida do controle dos membros do Ministério Público (magistrats

du parquet).

As atribuições de cada seção, trazidas no Artigo 65, compreendem a função

consultiva para a nomeação de juízes e membros do Ministério Público, bem como

atribuições disciplinares. No mesmo dispositivo também se detalha a composição de

cada órgão fracionário, que contempla representatividade dos membros de cada ramo

da magistratura (juízes e membros do Parquet), da advocacia e da sociedade.

Vê-se com claridade aí, portanto, um Conselho Superior a se ocupar

diretamente do Parquet, tal como o modelo brasileiro.

Os Conselhos de Justiça, por outro lado, aos poucos foram se imiscuindo

nos ordenamentos da América Latina, o que teve início ao alvorecer dos anos 1990,

com o apoio do Banco Mundial, “que desenvolveu estudos27, ofereceu assessoria e

financiamentos” (PELEJA JÚNIOR, 2011, p. 97).

26 isto é, magistrados “sentados”, o que demonstra ainda estarem vivas as origens históricas da dicotomia entre juízes e membros do Ministério Público. 27 A instituição se valeu sobretudo do denominado “documento técnico 319”, elaborado por Maria Dakolias e intitulado “O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para Reforma”, em que são apontadas diversas deficiências no Poder Judiciário em tais regiões, já sumarizados no sumário do documento: “O Poder Judiciário, em várias partes da América Latina e Caribe, tem experimentado em demasia longos processos judiciais, excessivo acúmulo de processos, acesso limitado à população, falta de transparência e previsibilidade de decisões e frágil confiabilidade pública no sistema. Essa ineficiência na administração da justiça é um produto de muitos obstáculos, incluindo a falta de independência do judiciário, inadequada capacidade administrativa das Cortes de Justiça, deficiência no gerenciamento de processos, reduzido número de juízes, carência de treinamentos, prestação de serviços de forma não competitiva por parte dos funcionários, falta de transparência no controle de gastos de verbas públicas, ensino jurídico e estágios inadequados, ineficaz sistema de sanções para

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Como forma de extirpar danosas falhas da judicatura então identificados,

buscando-se alcançar o protótipo de um Judiciário ideal, foram, de fato, inseridas

previsões de Conselhos da Magistratura na Constituições de vários países latino-

americanos e caribenhos. Dentre eles, Antônio Veloso Peleja Júnior (2011, p. 100)

destaca a Argentina (art. 114 da Constituição da Nação), a Bolívia (art. 116 da

Constituição Boliviana), El Salvador (art. 187, da Constituição Salvadorenha), o México

(arts. 94 e 100 da Constituição Mexicana) e vários outros.

De volta à Europa, há de se destacar o Consejo General del Poder Judicial

do Reino da Espanha, com uma gama tão extensa de atribuições28 e com posição

constitucional tão destacada que há interpretações a situá-lo “fora dos três poderes,

inclusive do Judiciário e do sistema de justiça, definindo-o como órgão constitucional

autônomo encarregado do governo dos juízes e magistrados” (SAMPAIO, 2007, p.

188). Dentre as principais atribuições do Conselho espanhol, destaca-se a fiscalização

administrativa e disciplinar do Poder Judiciário, comum aos demais órgãos similares.

A nação lusa, por sua vez, ostenta o “Conselho Superior da Magistratura”,

responsável pela “gestão e disciplina da magistratura judicial, salvaguardadas as

garantias institucionais de independência, inamovibilidade e da não-responsabilização

pelas decisões tomadas pelo juízes” (SAMPAIO, 2007, p. 188), com atribuições a

incluir o acompanhamento dos magistrados desde o ingresso no cargo.

Nota-se aí uma peculiaridade dos Conselhos europeus em relação aos

brasileiros Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público:

sua relação é tão menos “distante” que os próprios procedimentos de ingresso na

carreira judicial são promovidos pelos Conselhos Superiores, e não pelos Tribunais

isoladamente – até porque, diga-se, a desconcentração administrativa na Europa, onde

os países são bastante menores que o Brasil, é deveras menos expressiva, e o modelo

Federativo, ademais, é pouco adotado29.

Em vários outros países da Europa (como Bélgica, Dinamarca e Irlanda) e

da África (como o Egito) o modelo também é adotado, todos com características

condutas anti-éticas, necessidade de mecanismos alternativos de resolução de conflitos e leis e procedimentos enfadonhos.”(1996, p. 07) 28 Previstas aos longo do Artigo 107 da Lei Orgânica nº 6/1985, de 1º de Julho, do Poder Judicial. 29 Fazendo alerta no mesmo sentido, Alexandre de Moraes, 2007, p. 504.

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similares, tudo a revelar que a ideia brasileira de instituir um Conselho Superior para

questões administrativas da Justiça não é, de fato, original.

Ademais, como se vê na França, em ponto antes destacado, nem mesmo a

criação do similar órgão encarregado do Ministério Público é criação do Brasil.

4.2 DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA NO BRASIL: DA EMENDA CONSTITUCIONAL

Nº 7, DE 1977, ATÉ A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 2004

Se a ideia do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho

Nacional de Justiça não pertence à criatividade brasileira, a introdução deste último no

sistema jurídico pátrio não foi ineditismo por parte da Emenda Constitucional nº 45.

Em realidade, a ideia havia sido implantada no Brasil originariamente

durante o Regime Militar, via Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, que

introduziu o “Conselho Nacional da Magistratura” como órgão do Poder Judiciário,

composto de sete ministros do Supremo Tribunal Federal, por este escolhidos, junto a

ele funcionando o Procurador-Geral da República.

As atribuições do Conselho, previstas no § 1º do artigo 120 do Texto

Constitucional então em vigor (aprovado em 1967, com as alterações sofridas

especialmente pelas Emendas Constitucionais nº 1, de 1969, e 7, de 1977), não soam

estranhas aos leitores da Constituição de 1988, veja-se:

§ 1º Ao Conselho cabe conhecer de reclamações contra membros de Tribunais, sem prejuízo da competência disciplinar destes, podendo avocar processos disciplinares contra juízes de primeira instância e em qualquer caso, determinar a disponibilidade ou a aposentadoria de uns e outros, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, observado o disposto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

O contexto histórico em que implantado, no entanto, deixa um tanto

presumível que o Conselho era, no entanto, um “órgão censório do Poder Judiciário”

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47

(PELEJA JÚNIOR, 2011, p. 101). Não obstante, a abertura política operacionalizada

pouco após no país tornou-o pouco efetivo.

As feridas históricas, todavia, impediram fosse o modelo transplantado à

nova ordem constitucional. Apesar das tentativas, inclusive com a inclusão de

dispositivo já prevendo o “Conselho Nacional de Justiça” em anteprojetos da

Constituição, a ideia foi de pronto rechaçada, por se ver nela traços do autoritarismo

então sendo superado e, até mesmo, ameaça ao próprio pacto federativo, quando se

controla, mediante um único órgão centralizador, a magistratura da União e a dos

Estados federados (SAMPAIO, 2007, p. 241).

De todo modo, em 1992, a Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº

96/1992 é apresentada, e em seu seio, através de acréscimos trazidos no mês de

agosto de 1995, é proposta a criação do Conselho Nacional de Justiça.

Posteriormente, em meio a um contexto político conturbado, sobretudo com a CPI do

Judiciário, instaurada ao início de 1999, as discussões tiveram conturbado avançado.

Nesse meio tempo, vozes no Judiciário se manifestaram de formas diversas,

encontrando-se, todavia, apoio à implantação do CNJ.

Como exemplo de opinião contemporânea às discussões, tem-se a então

recém-empossada Ministra do Tribunal Superior do Trabalho Maria Cristina Peduzzi,

ao afirmar, em entrevista, que a implantação do Conselho constituiria medida a

assegurar “transparência e abertura no controle das atividades administrativas e

financeiras, em especial fiscalizando a morosidade, a probidade e prevenindo o

nepotismo” (2001, p. 08).

Idênticas foram as premissas na formulação de um Conselho Nacional ao

Ministério Público, que logo passou a integrar o texto da proposta. O desenho dado ao

CNMP, manifestamente simétrico ao dado ao CNJ, note-se, demonstra mais uma vez a

similaridade entre o Poder Judiciário e o Ministério Público, prestigiada até mesmo pelo

constituinte derivado.

Em junho de 2000, a PEC 96/92 foi aprovada em primeiro turno na Câmara

dos Deputados, perfectibilizando apenas ao final do ano de 200430 o seu iter especial,

culminando, assim, na Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro daquele ano.

Nascia o Conselho Nacional do Ministério Público no Brasil.

30 Mais precisamente, em 08 de dezembro, dia da Justiça.

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5 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA, COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES

5.1 ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO

O Conselho Nacional do Ministério Público é órgão de controle externo do

Parquet, autônomo, independente e dissociado dos Poderes (GARCIA, 2008, p. 122),

imbuído da fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público,

zelando pela sua autonomia funcional e administrativa.

A exemplo do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B), também instituído

através da Emenda 45, toda a disciplina constitucional acerca do Conselho Nacional do

Ministério Público vem reunida em um único dispositivo, a saber, o artigo 130-A31.

31 Dado seu caráter emblemático e vital ao presente escrito, transcreve-se à integra o dispositivo: “Artigo 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: I o Procurador-Geral da República, que o preside; II quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras; III três membros do Ministério Público dos Estados; IV dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; V dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VI dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. § 1º Os membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão indicados pelos respectivos Ministérios Públicos, na forma da lei. § 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe: I zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; III receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; IV rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;

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49

Sobre o dispositivo, assim como sobre o artigo 103-B, debruçaram-se os

exegetas, que passaram a teorizar, na tentativa de definir, posicionar e delimitar os

órgãos de controle recém instalados. Quanto à natureza do controle exercido, segundo

conclusões de expressiva doutrina32, prevaleceu a ideia de que Conselho Nacional do

Ministério Público (bem o Conselho Nacional de Justiça) é órgão de controle externo da

Instituição fiscalizada33.

Já no tocante à composição do Conselho, ainda que tenha ela sido

delineada na busca do máximo de representatividade – e, como é visível, para se

manter uma similitude com o análogo CNJ –, o desenho não foi imune a críticas.

Interessante exemplo, a predominância de membros do MPU (cinco ao

todo), em detrimento dos Ministérios Públicos Estaduais, representados apenas por

três Conselheiros. Isso, segundo Emerson Garcia, que se vale de palavras enfáticas,

representaria um malferimento ao próprio princípio federativo (2008, p. 117).

Por ostentar similar composição, o CNJ foi questionado também sob esse

prisma no STF, ADI 3.367/DF, onde restou assentado que o Poder Judiciário possui

caráter nacional e, portanto, o CNJ teria representado o fortalecimento dessa

característica. Similar conclusão é trazida na Ação Declaratória de Constitucionalidade

nº 12, adiante referida. V elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI. § 3º O Conselho escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, dentre os membros do Ministério Público que o integram, vedada a recondução, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as seguintes: I receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares; II exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; III requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público. § 4º O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil oficiará junto ao Conselho. § 5º Leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do [MP], competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público.” 32 Emerson Garcia (2008, p. 122), José Adércio Leite Sampaio (2007, p. 252) e Peleja Júnior (2011, p. 109). Também a jurisprudência, como o Supremo Tribunal Federal na ADI nº 3.367/DF. 33 A posição, todavia, não é unânime. Acerca do Conselho Nacional de Justiça, v.g., em que nove dos quinze integrantes são oriundos da Magistratura, asseverou o Presidente da Subseção Fluminense da OAB, Wadih Damous que o Colegiado "integra a estrutura do Poder Judiciário, conforme a Constituição. É, portanto, órgão de controle interno e não externo, como citam alguns" (CNJ..., 2012, grifo nosso). O arquétipo orgânico não encontra, é fato, eco no Ministério Público, visto não estar o respectivo Conselho Nacional incluído na estrutura do Parquet Brasileiro, que abrange apenas o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados (art. 128, CF). Não obstante, considerando-se que oito dos quatorze membros do Conselho são oriundos das diversas carreiras ministeriais – razão superior à do CNJ, note-se –, é de se refletir sobre a aplicação das conclusões supra ao CNMP.

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Não obstante, a unidade do Parquet, diz a doutrina, se limita a cada

“Ministério Público”, e não a uma “soma” do MPU e dos Ministérios Públicos dos

Estados, pelo que é intrigante, de fato, a proposição trazida por Emerson Garcia.

Por fim, foi a Lei nº 11.372/2006 a responsável pela regulamentação dos

procedimentos de escolha dos Conselheiros do CNMP, estendendo a estes, também,

as prerrogativas conferidas em lei aos membros do Ministério Público (art. 10).

5.2 DAS ATRIBUIÇÕES ADMINISTRATIVAS E FINANCEIRAS DO CONSELHO

NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O corpo de atribuições34 do CNMP, que se pode sumarizar no controle

administrativo, financeiro e disciplinar do MP e na garantia de suas prerrogativas, vem

desenhado ao longo do § 2º do artigo 130-A da CFRB/88, transcrito no item anterior,

que aparelha o Órgão com meios bastante amplos e cogentes de exercitar seu mister

De relevo, ab initio, a competência regulamentar do Conselho, que poderá

expedir recomendações, cuja observância tem caráter facultativo, e atos

regulamentares, de caráter cogente. Surgem, na previsão, efetivos temores do alcance

de ditos atos de natureza obrigatória, que podem, de fato, vir a solapar a autonomia do

Ministério Público (GARCIA, 2008, p. 124), o que rende reflexões na doutrina.

Similar atribuição possui o Conselho Nacional de Justiça, a qual foi levada

ao crivo da Suprema Corte na ADECON nº 12, na qual foi reconhecido àquele

Colegiado o poder normativo originário, isto é, a capacidade de editar normas dotadas

de generalidade, impessoalidade e abstratividade, capazes até mesmo de “revogar”

textos normativos de diferentes hierarquias, mesmo que regularmente aprovados pelo

legislador, inclusive dos Estados Federados (PELEJA JÚNIOR, 2011, p. 143).

Ao mesmo tempo em que é facilmente transplantado ao CNMP (por

equivalência das disposições constitucionais a legitimá-lo), dito poder normativo

34 Muito embora existam diferenças essenciais entre os termos, a Constituição refere “competências” do CNMP e do CNJ, ao passo que a doutrina (como Emerson Garcia e José Leite Sampaio) chama-as de “atribuições”. Dessa forma, faz-se uso indiscriminado dos dois termos neste escrito.

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originário é objeto de incisivas críticas por Peleja Júnior, que chega a classificar de

“falaciosos” alguns trechos do voto do Ministro Ayres Britto, concluindo, mais adiante,

que ao se admitir o concluído pelo STF, ter-se-ia um Judiciário “com características

ínsitas ao ‘Estado Unitário’: um só centro de poder – CNJ” (2011, p. 160).

As críticas lançadas por Peleja Júnior, diga-se, são classificadas como

efetivamente relevantes por este acadêmico. O tópico, no entanto, extrapola

ligeiramente o objeto do presente escrito (dedicado precipuamente ao poder disciplinar

do CNMP), pelo que não é, ora, aprofundado.

É importante referir, também, o controle repressivo dos atos administrativos

oriundos do Parquet – isto é, a atuação em face dos atos já praticados –, faceta

prevista sobretudo no § 2º, inciso II, do artigo 130-A da CF/88, que permite ao órgão

colegiado exercer controle, ex officio ou provocado, dos atos administrativos oriundos

do Ministério Público, com a possibilidade de “desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo

para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei”.

Emerson Garcia defende que, em função da redação do referido dispositivo,

que separa o zelo pela observância do artigo 37 do Texto do controle repressivo, a

revisão de ditos atos somente será possível em face do princípio da legalidade, o qual,

ademais, não se confunde com a antijuridicidade (2008, p. 125-6).

Data venia, a exegese parece inadequada, assomando-se mais correta a

interpretação do inciso II como um todo harmônico, que devolve ao Conselho o

controle dos atos em face de todos os princípios previstos no artigo 37 da Lei Maior.

Ademais, tolher-se a atuação repressiva apenas ao princípio da legalidade,

interpretando este da forma mais restrita (e o próprio autor admite que “legalidade” não

é mais entendida como o kelseniano respeito apenas ao texto legal), de forma a excluir

até mesmo a análise do respeito à moralidade, é ir de encontro à próprio razão de ser

do Colegiado.

Assim, com grande respeito à posição diversa, o controle repressivo há de

abranger todos os princípios infirmados no artigo 37 da Constituição Federal e,

também, aos princípios gerais do Direito, cuja força normativa não mais se pode, nos

dias atuais, se ignorar.

Por derradeiro, mencione-se a previsão do inciso V, conferindo ao CNMP a

competência para “elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar

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necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do

Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI”, incumbência que

não encerra maiores discussões jurídicas dignas de nota.

5.3 DAS ATRIBUIÇÕES DISCIPLINARES DO CONSELHO NACIONAL DO

MINISTÉRIO PÚBLICO: TRAÇOS GERAIS

Causadora de acaloradas polêmicas, as atribuições disciplinares dos

Conselhos Nacionais do Ministério Público e de Justiça são tanto originárias quanto

derivadas (SAMPAIO, 2007, p. 296), consubstanciando um encorpado poder

correicional, apto, até mesmo, à revisão dos procedimentos administrativos

disciplinares já concluídos nos órgãos de origem.

O artigo 130, § 2º, inciso III, da CF trata do poder disciplinar originário,

possibilitando ao CNMP conhecer reclamações contra membros ou órgãos ministeriais,

inclusive serviços auxiliares, o que se materializa, em um primeiro momento, através

de uma sindicância prévia, avançando, se for o caso, para um processo disciplinar.

Para além disso, prevê o mesmo dispositivo a possibilidade de o Conselho

avocar processos disciplinares em curso, ao mesmo tempo em que lhe faculta a

aplicação de todas as espécies de penalidades, observada a vitaliciedade dos

membros do MP. Dessa forma, não lhe é possível aplicar pena de perda do cargo a

estes agentes políticos, tampouco, segundo Garcia (2008, p. 128), em relação aos

servidores ou membros não vitalícios, por ausência de previsão constitucional.

O mesmo autor, outrossim, alerta que, por imperativo de segurança jurídica,

as penalidades devem ser aplicadas “com estrita observância das normas reguladores

de cada Ministério Público, sendo cogente a observância da tipologia legal e das

respectivas sanções cominadas” (2008, p. 129).

Com base nas mesmas regras, na proporcionalidade e na juridicidade,

englobando-se toda a gama de normas jurídicas (princípios e normas positivas, por

assim dizer), será possível ao Conselho rever procedimentos disciplinares já

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concluídos, “não havendo qualquer óbice à reformatio in pejus” (GARCIA, 2008, p.

127), tampouco à reformatio in melius.

Esses, enfim, os aspectos gerais das atribuições correicionais do CNMP.

Congênere judiciário, o CNJ, não sem violenta resistência por parte das

entidades de classe dos Magistrados, editou a Resolução nº 135, de 13 de julho de

2011, a dispor “sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento

administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, acerca do rito e das penalidades” e

dar outras providências.

O diploma, o que se depreende de sua leitura, traçou um desenho nítido das

regras gerais do processo administrativo disciplinar a ser seguido pelos Tribunais e

pelo próprio CNJ. Para além disso, em seu artigo 1235, deixa claro que a competência

para o processo disciplinar e aplicação de penalidades é evidentemente concorrente

entre as Corregedorias locais e a Corregedoria Nacional.

Isso, ressalte-se, em meio a um contexto de grande destaque midiático dado

ao Conselho da magistratura, notadamente em função da contundência com que a

Corregedora Nacional no cargo desde 2010, a Ministra Eliana Calmon, do Superior

Tribunal de Justiça, tomou os meios de comunicação para denunciar aqueles que ela

denominava “bandidos de toga” (Corregedora..., 2011) – isto é, magistrados que se

valiam do cargo para práticas espúrias.

No âmbito do CNMP, ainda não se logrou editar-se norma similar, falta que,

segundo o Conselheiro Mario Luiz Bonsaglia, se deve ao fato de que, em relação ao

Ministério Público, “vigoram 27 regimes orgânicos distintos36, o que difficulta ou impede

a uniformização” (sic) (2012a, Tweet).

E enquanto pensar-se na reação, por parte dos membros do Ministério

Público, a regramento no mesmo sentido é mero exercício de imaginação, a Resolução

do Conselho Nacional de Justiça recebeu o mais incisivo rechaço pela Associação dos

Magistrados Brasileiros: foi de pronto questionada perante a Corte Suprema por meio

da ADI nº 4.638, referida mais adiante no presente escrito.

35 Art. 12: “Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça.” 36 Como explanou o mesmo Ilustre Conselheiro – que também é Procurador Regional da República – a este acadêmico através do microblog Twitter, a Magistratura é regida por uma única lei orgânica (LOMAN, LC 35/79), ao passo que no âmbito do Ministério Público há uma Lei Orgânica ao MPU e para cada Ministério Público do Estado. (2012b, Tweet).

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6 ATRIBUIÇÕES DISCIPLINARES DO CNMP E INDEPENDÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: UM CONFRONTO

Os juízes não devem se esquecer que são parte do aparato estatal, integrantes de um dos Poderes do Estado e como tal não podem admitir qualquer tipo de discriminação, quiçá praticá-la em seus atos judiciais, expondo suas idiossincrasias. Como agentes do Estado devem seguir os nortes estabelecidos na Constituição Federal.

(Antônio Veloso Peleja Júnior, 2011)

Assentada a independência, tanto orgânica quanto funcional, do Ministério

Público e deus membros, bem como as linhas gerais da competência disciplinar do

Conselho Nacional do Parquet, deve-se realizar o necessário confronto entre os itens

estabelecidos, cerne deste escrito.

E quando o tema é o poder disciplinar versus as garantias de determinado

agente público, amplas o suficiente para alçá-lo à independência, inúmeros tópicos

podem ser trazidos à baila.

No âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público, e para isso

importando-se questões problemáticas apontadas no consanguíneo Conselho Nacional

de Justiça, é possível identificar-se dois pontos centrais: o conteúdo de seu controle,

em razão das prerrogativas funcionais dos membros e, também, a natureza de sua

competência correicional em face da autonomia orgânica do Ministério Público.

6.1 DO CONTEÚDO DO CONTROLE: A IRRESPONSABILIDADE DOS MEMBROS

DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A NECESSIDADE DE UM ÓRGÃO EXTERNO

Como já visto no tópico próprio, o desenho institucional do Ministério Público

esculpido com o avanço dos anos e sacramentado pela Constituição Federal de 1988

deixa claro que a instituição foi alçada à condição de verdadeira paridade com o Poder

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Judiciário, compartilhando, sobretudo a independência funcional na atuação, que,

repita-se, é um princípio institucional, trazido no artigo 127, § 1º, da CF.

Ao analisar tal princípio, Emerson Garcia, em excerto já anteriormente

citado, identifica-lhe um duplo prisma: a liberdade atuação pela consciência e, também,

a irresponsabilidade “pelos atos que praticarem no estrito exercício de suas funções,

gozando de total independência para exercê-las em busca da consecução dos fins

inerentes à atuação ministerial” (2008, p. 63).

Naturalmente, pois, mostram-se aplicáveis aos membros do MP, quando no

exercício de suas atividades, as diversas teorias acerca da responsabilidade dos

magistrados por suas decisões, cristalizadas no princípio da irresponsabilidade dos juízes, que não podem ser punidos pelo conteúdo dos seus julgados.

Referida isenção – que apenas ocorre during good behaviour (isto é,

enquanto mantido comportamento adequado), termo utilizado no Reino Unido37 e nos

Estados Unidos38 – colima, segundo Canotilho, extirpar-se o exercício de funções

judiciais guiadas “pelo medo de uma punição ou pela esperança de um prémio (sine

spe nec metu)” (apud PELEJA JÚNIOR, 2011, p. 162).

Idênticos temores existem quanto ao Ministério Público, visto que a maior

parte dos interesses buscados pela instituição, administrativa ou judicialmente, atacam

de forma bastante aprofundada setores de variados níveis de poder. Como ator

(extra)processual destinado à defesa da sociedade, o MP há de atuar de forma isenta,

imparcial e despida de temores, sob pena de deixar à mercê do abandono os

interesses sociais mais legítimos, cuja proteção lhe é outorgada.

Como já consignamos no pré-projeto deste escrito, a importância de se velar

pela correta atuação dos membros do Parquet, portanto, tem como plano de fundo

existência de fatores externos a desvirtuá-las, inclusive mediante vendetas a serem

perpetradas dentro da própria instituição. Como bem exemplifica Emerson Garcia, “o

Executivo é um dos principais destinatários da atuação funcional do Ministério Público,

tendo, não raro, interesse na punição disciplinar de seus algozes” (2008, p. 115).

37 “Act of Settlement”, de 1701. 38 Artigo III, Seção 1, “Judicial Powers”: “The judicial Power of the United States, shall be vested in one supreme Court, and in such inferior Courts as the Congress may from time to time ordain and establish. The Judges, both of the supreme and inferior Courts, shall hold their Offices during good Behavior, and shall, at stated Times, receive for their Services a Compensation which shall not be diminished during their Continuance in Office” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, grifo nosso).

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56

Por mais destemido que seja o agente ministerial, o jogo político tipicamente

brasileiro lhe revela clausuras. A promoção de seus pares e nomeação de seus

superiores ainda se encontram submetidas a subjetivismos. Pior ainda, no âmbito dos

Estados, a escolha do Procurador-Geral de Justiça é incumbência do Poder Executivo,

sendo-o, também, na escolha do Chefe do MPU, que é nomeado pelo Presidente da

República.

Sem nenhum tom de denuncismo, mas fazendo-se, sim, uma reflexão

acadêmica (que, portanto, é apenas hipotética, em princípio), podem entrar em cena as

trocas de favores, o nepotismo cruzado (conquanto vedado) e outros fatores que

terminam por emprestar, portanto, um certo grau de “politicagem”, por assim dizer, até

mesmo ao Ministério Público.

A situação se mostra ainda mais intensa no Poder Judiciário, cuja

composição de seus órgãos superiores é inteiramente arbitrada pelo Poder Executivo,

sob aprovação do Senado Federal.

Todas essas foram premissas que deram, de fato, ato à criação do Conselho

Nacional do Ministério Público. Nisso, entende-se, está o zelo pela “autonomia

funcional” do Parquet (artigo 130, § 2º, inciso I, da CRFB/1988), já que se busca

“blindar” (com escusas pelo exagero da expressão) os membros em face dos fatores

externos indevidos.

Noutro giro, é necessário reconhecer a possibilidade da prática de atos

espúrios pelo próprio membro. Exatamente nesse ponto se encontra o limite da

irresponsabilidade: a partir do momento em que o agente passa a buscar não o

interesse público, mas, sim, interesses escusos, ele indubitavelmente deixa o “estrito

exercício de suas funções”, devendo, sim, receber a punição adequada.

Nada obstante, na medida em que as Corregedorias são formadas por

membros que julgam seus pares, o agente indecoroso pode vir a receber indevida

proteção, veiculada sob a forma de uma punição abrandada ou um arquivamento por

vias transversas.

Essa hipótese, indubitavelmente, configura abuso das funções, com quebra

dos deveres funcionais pelo membro e extrapolação dos limites da autonomia orgânica

pelo órgão correicional condescendente, o que legitima a atuação de órgão externo.

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57

Claramente, sem necessidade de aprofundamentos diversos, aí se verifica

outra ótica de atuação do Conselho, dessa feita sob o manto do “controle [...] do

cumprimento dos deveres funcionais” (art. 130-A, § 2º, caput, da CF/88) dos membros

do Parquet.

Ex vi, o conteúdo do controle a ser exercido pelo CNMP, relativamente à

independência do Ministério Público, é uma via de duas mãos, que se dá sob o prisma

da atuação autônoma, isenta, ética e moral do Membro (e, também, da corregedoria).

Se a atuação está correta, cabe-lhe velar para que o Membro não sofra

sanções e perseguições indevidas, perpetradas por aqueles atingidos.

Por outro lado, verificada alguma mácula no agir ministerial, cabe ao

Conselho garantir que a prática seja devidamente apurada, ou ele mesmo apurá-la,

sem protecionismos indevidos por parte dos órgãos correicionais locais.

6.2 DA ATUAÇÃO SUPLETIVA OU CONCORRENTE DO CONSELHO. AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.638

Bastante discutido, o momento de atuação do Conselho Nacional do

Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça, se meramente posterior,

esgotados os meios internos do órgão fiscalizado, ou permanente, deflagrável a

qualquer momento e sob quaisquer condições, é assunto que atraiu não apenas a

atenção da doutrina, como da jurisprudência e, mais ainda, da mídia leiga.

Em um plano ideal, aponta a doutrina (como Peleja Júnior39), quiçá a

natureza subsidiária dos Conselhos Nacionais fosse a melhor solução a ser

implantada, de forma expressa, pelo constituinte derivado – que, gize-se, não o fez, ao

menos não de forma aberta e literal.

39 Diz o autor, claramente reconhecendo não estar interpretando o teor da Constituição, mas falando de lege ferenda (acerca de norma legal ainda não criada/aprovada): “De lege ferenda, seria de bom alvitre que se disciplinasse a atuação do CNJ como órgão administrativo recursal, ressalvando-se seu poder avocatório em casos excepcionais – omissão ou irregularidade na apuração, v.g. – ou originário em caso de inércia das corregedorias dos tribunais. Dessa maneira, o CNJ somente atuaria após a apuração do caso por parte das corregedorias dos tribunais. Trata-se do princípio da subsidiariedade” (2011, p. 238).

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Não obstante, mas baseado nos termos da Lei Maior, e como referido em

linhas volvidas, o CNJ, a pretexto de uniformizar a disciplina acerca do processo

disciplinar nos Tribunais, editou a Resolução nº 135, de 13 de julho de 2011, onde –

sem desprezar as demais disposições da norma – deixou transparente a natureza

concorrente das competências disciplinares do Colegiado (artigo 12).

Aninhada em um contexto de grande exposição midiática do Colegiado e de

sua Corregedoria Nacional, a norma – e isso também antes referido – foi de pronto

contestada pela Associação dos Magistrados Brasileiros perante o Supremo Tribunal

Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.638.

Como a celeuma posta nos autos circunda dispositivos constitucionais de

teor idêntico entre CNJ e CNMP, suas linhas gerais são transplantadas a este escrito.

Dentre os diversos pontos aduzidos pela ABM na ação objetiva, chama a

atenção o ponto XII da petição inicial, que ataca precisamente o art. 12 da norma

questionada, ao argumento de que a Constituição, conquanto tenha emprestado

poderes correicionais ao CNJ, fê-lo de forma meramente subsidiária, preservando

incólume a competência disciplinar das Corregedorias locais. O ponto 165 da petição

inicial da ADI sumariza, em palavras simples, o entendimento da AMB, verbis:

165. Quando o legislador constituinte afirmou que haveria uma competência deferida ao CNJ "sem" prejuízo da competência já atribuída aos Tribunais tratou de preservar, integralmente, a competência destes, de forma a tornar subsidiária a competência atribuída ao CNJ (ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS, 2011, p. 41).

O contraponto à tese, no entanto, vem materializado de forma bastante clara

no fundamentado parecer jurídico exarado pelo douto Alexandre de Moraes, por

solicitação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, onde faz

longas considerações históricas e jurídicas a darem sustento à tese de que o advento

do Conselho Nacional de Justiça (bem assim, adiciona-se, o Conselho Nacional do

Ministério Público) findou não apenas com o caráter exclusivo, mas, também, com o

caráter terminativo das atribuições disciplinares dos Tribunais (2012, p. 12).

Na linha argumentativa do autor, e pedindo-se vênia para simplificá-la de

forma a quase ofender seu brilhantismo, é patente o aparelhamento conferido pela

Constituição ao Conselho Nacional de Justiça, outorgando-lhe poderes para até

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mesmo avocar processos disciplinares em curso, bem como para ouvir reclamos

diretos acerca de condutas desviadas.

Daí que, continua o mestre, esbarrar-se-ia na própria falta de razoabilidade a

interpretação trazida pela AMB, porquanto esta tolhe o próprio direito de petição do

cidadão, que somente poderá reclamar ao CNJ se malsucedido nesse intento perante

o Tribunal de origem (2012, p. 16).

Ademais, nas enfáticas palavras do bem lançado parecer, capazes de fazer

refletir até mesmo aqueles mais refratários à ideia:

42. Como apontar racionalidade, proporção e causalidade em eventual interpretação que – contrariando texto expresso constitucional – passe a submeter uma das COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (“controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário”, “receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos servidores judiciários”, “exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral”) a ATUAÇÃO DE TODOS OS DEMAIS TRIBUNAIS? Não é constitucionalmente possível. 43. Não é prudente, protetivo e não abusivo esse entendimento contraditório, pois acaba por conceder a todos os TRIBUNAIS enorme discricionariedade para reflexamente ANULAREM a função disciplinar do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, como melhor lhe aprouverem, bastando para tanto, iniciar procedimentos disciplinares infindáveis. (2012, p. 18-9, grifos do original)

Não sem verossimilhança, ao final do excerto é destacado uma manobra

bastante simples para se evitar a atuação do Conselho Nacional, tanto de Justiça

quanto do MP: perpetuando-se processos disciplinares, de forma que a

subsidiariedade não autorizaria que os Colegiados constitucionais fossem chamados a

agir.

Poder-se-ia dizer, no entanto, que aí entraria em cena o poder de avocação,

previsto na Constituição ao CNMP e ao CNJ, viabilizando-se a atuação dos Conselhos.

Justamente aí se encontra um evidente contrassenso na tese esgrimida pela

AMB, visto que a avocatória, porquanto dependente do conhecimento e de decisão

prefacial acerca da presença de fumus boni iuris na prática de infração por parte do

agente público e da desídia do órgão correicional de origem, claramente pressupõe a presença de uma competência correicional em plena atividade, e não na latência

da subsidiariedade.

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Dessa forma, admitir-se o poder de avocação (que é expresso no texto

inequívoco da Constituição, diga-se) é, também, entendemos, admitir-se a

competência concorrente.

Para além disso, é de se destacar que a própria premissa maior à criação

dos Conselhos Nacionais, do MP e de Justiça, foi robustecer os controles fiscalizatórios

sobre os respectivos entes, visto que, conforme consignado pelo Exmo. Ministro Cézar

Peluso na ADI nº 3.36740:

Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição, como já o admitiram com louvável sinceridade os próprios magistrados, em conhecido estudo de maria tereza sadek.

Concebidos como meios de se conferir maior eficácia ao poder disciplinar do

Estado perante seus agentes – sejam servidores, sejam juízes ou membros do

Ministério Público –, bitolar a atuação dos órgãos nacionais é, em verdade, uma afronta

ao princípio da eficiência e, sobretudo, às aspirações do constituinte derivado.

Sob esse e vários outros prismas, levantados com sabedoria pelos

Ministros, o Supremo Tribunal Federal, nas sessões plenárias dos dias 1º e 2 de

fevereiro de 2012, julgou improcedente a ação, consolidando, assim, ser concorrente

o poder disciplinar do CNJ em relação aos demais Tribunais41.

Reitere-se que todas as discussões aqui postas são, às escâncaras,

aplicáveis ao Conselho Nacional do Ministério Público, instituído aos mesmos fins que

o CNJ e com previsões idênticas no que concerne ao poder disciplinar.

Não por simples submissão à decisão do STF, mas, sim, por se curvar aos

contundentes argumentos acima apontados, e em prestígio às próprias raízes do

Conselho Nacional do Ministério Público, não há como se negar a este a plena

competência concorrente para as questões correicionais, não havendo nisso nenhuma

espécie de afronta à autonomia do Parquet.

40 Onde, recorde-se, foi questionada a própria criação do CNJ. 41 Até o mês de abril de 2012, quando concluído este escrito, o julgado ainda não havia sido publicado, pelo que se optou por não se aprofundar em seus termos, inclusive porque, até então, não estavam disponibilizados os registros textuais das sessões e os votos dos Ministros.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ministério Público é, sem dúvidas, das mais democráticas instituições na

estrutura político-administrativa do Brasil, incumbido da defesa, ampla, livre e irrestrita

– balizada apenas, reitere-se, pelo interesse público –, dos mais caros direitos

interesses sociais e individuais.

É indispensável, no entanto, e nisso se concorda com a ratio essendi por

trás da instituição de um órgão colegiado de âmbito nacional, a existência de

mecanismos superiores de controle, isentos e de composição mista, a fim de se evitar

abusos, seja por excessos inconsequentes, seja pelo uso das atribuições para fins

escusos, que contrariam o interesse público, o que pode ser determinado/ocultado por

corporativismos e politicagens esdrúxulas, seja, ainda, por perseguições internas

motivadas por interesses políticos “superiores”.

O Conselho Nacional do Ministério Público exerce, portanto, um papel de

extrema indispensabilidade ao país, visto que tem como escopo garantir a atuação

mais escorreita no defensor maior da sociedade.

Essas afirmações, muito embora se assemelhem a um discurso político,

parece-nos uma simples constatação da verdade, ainda que possa não corresponder à

realidade prática – e, para isso, ainda são necessários mais alguns anos de

desenvolvimento do CNMP, que embora revele eficiência em seus trabalhos, necessita

de mais algum tempo para mais completamente se estabelecer.

O controle a ser exercido pelo CNMP, no entanto, encontra delicados

contornos no conflito com a independência, tanto orgânica quanto funcional, do

Parquet, tendo este escrito buscado estabelecer com um pouco mais de clareza os

limites de atribuição do Conselho.

Gize-se que, como tentou se delimitar com clareza, que apenas se buscou

traçar a natureza do controle e quais temas parecem ser mais afetos à finalidade do

Conselho, sem que se tenha ingressado no mérito efetivo da apreciação casuística a

ser exercido pelo Colegiado.

Campo de muito férteis discussões, os limites de responsabilização dos

membros do MP e de juízes (sobretudo estes últimos), com diversas teorias sobre a

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(ir)responsabilidade de tais agentes políticos, não foi explorado neste trabalho, visto

que tal discussão extrapolaria os bem estabelecidos limites. A propósito do tema,

registre-se que proveitosas linhas são postas por Antônio Veloso Peleja Júnior na obra

amplamente referenciada nesta monografia.

No mais, intentou-se realizar um escrito um tanto inédito, visto que o CNMP,

não obstante seu relevo, é pouco explorado doutrinariamente. Diga-se que inexistem

obras doutrinárias destinadas ao órgão, que é apenas referidos em manuais de Direito

Constitucional e monografias a abranger integralidade de tópicos sobre o Ministério

Público.

Sem maiores pretensões, espera-se ter-se aprofundado de forma adequada

no tema e se fornecido a eventual pesquisador subsídios a uma eventual análise sobre

o Conselho.

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REFERÊNCIAS

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento

completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flávio

Gomes e o professor orientador de toda e qualquer responsabilidade pelo conteúdo e

idéias expressas no presente Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de

plágio comprovado.

Uruguaiana/RS, 09 de julho de 2012.