conhecimentos psicológicos no brasil colonial - aula 2

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CONHECIMENTOS PSICOLÓGICOS NO BRASIL COLONIAL Através dos escritos de missionários e viajantes, pode-se obter informações sobre as doutrinas e as práticas psicológicas dos índios. Ao mesmo tempo, a cultura ocidental, importada pelos colonizadores, nas diferentes matrizes filosóficas escolástica( Ensino filosófico próprio da Idade Média ocidental, fundamentado na tradição aristotélica e inseparável da teologia), empirista ( Filosofia Doutrina filosófica que encara a experiência sensível como a única fonte fidedigna de conhecimento. O filósofo empirista baseia- se na observação e na experimentação para decidir o que é verdadeiro) e iluminista (Doutrina de certos místicos do séc. XVIII que se baseava na crença de uma inspiração sobrenatural), inspira as conceituações psicológicas contidas em vários tratados de autores brasileiros. Têm como assunto principal: medicina, moral, teologia, pedagogia, política, arquitetura.. Nas origens dos conhecimentos psicológicos elaborados ou transmitidos no Brasil da época colonial, refletem-se as influências profundas do saber europeu, mescladas a aspectos próprios da cultura indígena. Os temas abordados se referem, de um lado, à estruturação conceitual e metodológica da psicologia e, de outro, à descrição dos papéis sociais, do ponto de vista psicológico. A) Conhecimentos psicológicos dos índios brasileiros - Os escritos de viajantes e missionários, principalmente jesuítas, constituem fontes secundárias de informações sobre conceitos e práticas psicológicas próprias das culturas indígenas, antes do processo de colonização. Na leitura de tais documentos, dois aspectos, em particular, se sobressaem pelo seu interesse do ponto de vista psicológico: a prática educativa com relação às crianças e o papel da mulher na comunidade indígena. 1) A criança da sociedade indígena - Amor dos Índios pelas crianças - Os missionários e viajantes relatam em seus escritos o grande amor dos índios brasileiros pelas suas crianças e os cuidados que demonstravam na educação dos filhos. Fernão Cardim (1625) escreve que "os pais não têm cousa que mais amem que os filhos, e quem a seus filhos faz algum bem tem dos pais quanto quer" (ed. 1939, p. 274) e afirma ser este um dos motivos da estima dos índios para com os padres jesuítas. Com efeito, estes ensinam as crianças a ler, escrever, contar e cantar, e desenvolvem várias outras atividades educativas junto delas. 2) Parto – amamentação na família indígena não há uma divisão rigorosa de papéis na relação com os filhos. Desde o nascimento, a figura paterna está presente na vida da criança: é o pai que, segundo Fernão Cardim, logo depois do parto da mulher, levanta a criança do chão, corta-lhe o cordão umbilical e lhe prepara, se macho, um arco com flechas a simbolizar seu destino de caçador e guerreiro. Ainda mais curioso, para a nossa mentalidade moderna é o hábito descrito por Simão de Vasconcelos (1668): depois do parto, a mulher se levanta e se ocupa de suas tarefas domésticas e na roça, enquanto o marido fica deitado na rede e recebe as visitas e os cuidados de amigos e parentes, "como se ele fosse a mulher" - comenta o relator. Para poder atender o recém-nascido, o pai fica em casa e se abstém do trabalho. A mãe, por sua vez, amamenta a criança até um ano e meio de idade sem lhe dar outro tipo de alimento e, às vezes, até mais tarde (em alguns casos até 7 ou 8 anos). O hábito, reconhecido pela ciência moderna como

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CONHECIMENTOS PSICOLÓGICOS NO BRASIL COLONIALAtravés dos escritos de missionários e viajantes, pode-se obter informações sobre as doutrinas e as práticas

psicológicas dos índios. Ao mesmo tempo, a cultura ocidental, importada pelos colonizadores, nas diferentes matrizes filosóficas escolástica(Ensino filosófico próprio da Idade Média ocidental, fundamentado na tradição aristotélica e inseparável da teologia), empirista ( Filosofia Doutrina filosófica que encara a experiência sensível como a única fonte fidedigna de conhecimento. O filósofo empirista baseia-se na observação e na experimentação para decidir o que é verdadeiro) e iluminista (Doutrina de certos místicos do séc. XVIII que se baseava na crença de uma inspiração sobrenatural), inspira as conceituações psicológicas contidas em vários tratados de autores brasileiros. Têm como assunto principal: medicina, moral, teologia, pedagogia, política, arquitetura.. Nas origens dos conhecimentos psicológicos elaborados ou transmitidos no Brasil da época colonial, refletem-se as influências profundas do saber europeu, mescladas a aspectos próprios da cultura indígena. Os temas abordados se referem, de um lado, à estruturação conceitual e metodológica da psicologia e, de outro, à descrição dos papéis sociais, do ponto de vista psicológico. A) Conhecimentos psicológicos dos índios brasileiros - Os escritos de viajantes e missionários, principalmente jesuítas, constituem fontes secundárias de informações sobre conceitos e práticas psicológicas próprias das culturas indígenas, antes do processo de colonização. Na leitura de tais documentos, dois aspectos, em particular, se sobressaem pelo seu interesse do ponto de vista psicológico: a prática educativa com relação às crianças e o papel da mulher na comunidade indígena. 1) A criança da sociedade indígena - Amor dos Índios pelas crianças - Os missionários e viajantes relatam em seus escritos o grande amor dos índios brasileiros pelas suas crianças e os cuidados que demonstravam na educação dos filhos. Fernão Cardim (1625) escreve que "os pais não têm cousa que mais amem que os filhos, e quem a seus filhos faz algum bem tem dos pais quanto quer" (ed. 1939, p. 274) e afirma ser este um dos motivos da estima dos índios para com os padres jesuítas. Com efeito, estes ensinam as crianças a ler, escrever, contar e cantar, e desenvolvem várias outras atividades educativas junto delas.2) Parto – amamentação na família indígena não há uma divisão rigorosa de papéis na relação com os filhos. Desde o nascimento, a figura paterna está presente na vida da criança: é o pai que, segundo Fernão Cardim, logo depois do parto da mulher, levanta a criança do chão, corta-lhe o cordão umbilical e lhe prepara, se macho, um arco com flechas a simbolizar seu destino de caçador e guerreiro. Ainda mais curioso, para a nossa mentalidade moderna é o hábito descrito por Simão de Vasconcelos (1668): depois do parto, a mulher se levanta e se ocupa de suas tarefas domésticas e na roça, enquanto o marido fica deitado na rede e recebe as visitas e os cuidados de amigos e parentes, "como se ele fosse a mulher" - comenta o relator. Para poder atender o recém-nascido, o pai fica em casa e se abstém do trabalho. A mãe, por sua vez, amamenta a criança até um ano e meio de idade sem lhe dar outro tipo de alimento e, às vezes, até mais tarde (em alguns casos até 7 ou 8 anos). O hábito, reconhecido pela ciência moderna como muito útil do ponto de vista biológico e psicológico, não era comum na sociedade ocidental da época. As mães portuguesas, por exemplo, enviavam as crianças às casas de amas para serem amamentadas. No século XlX, José Bonifácio de Andrade e Silva, no seu projeto de "civilização" dos índios brasileiros, proíbe às mulheres índias a amamentação dos filhos "por mais de dois anos, quando muito" porque, na opinião dele, a lactação prolongada tornaria "frouxas e pouco sadias as crianças" e "tem o inconveniente de diminuir a procriação por todo o tempo da lactação" (1823. ed. 1965, p. 17). B) A mulher na sociedade indígena - Participação social da mulher índia. As informações sobre a função social e o comportamento da mulher índia apontam para a relevância do papel por ela ocupado na vida da comunidade. Este fato é particularmente interessante ao se comparar a relativa liberdade e a participação social da mulher índia com o enclausuramento e o estigma de inferioridade que definem a condição da mulher portuguesa da época. As mulheres índias, por exemplo, cabe a tarefa de receber os hóspedes na casa, através de um ritual bastante original: uma vez entrado o hóspede, fazem-no sentar na rede e a dona da casa, as filhas e as amigas o recebem, caladas, sentando-se ao seu redor, contavam ao visitante o que aconteceu na aldeia (chorando). Com esse ritual fica claro que a mulher indigena tem um papel muito importante; é ela que detém a memória da história e o poder de reevocá-la como cultura e expressão da identidade da aldeia.. Além disso, as mulheres têm o encargo de vigiar os prisioneiros, tarefa que normalmente desenvolvem com muita atenção e fidelidade, "porque lhes fica em honra"- comenta Cardim (p.96).1) Relações com o parceiro - O autor afirma também que os homens costumam tratar bem as mulheres, muito raramente brigam com elas ou as maltratam; e "sempre andão juntos" (p93). As mulheres participam, juntamente com os homens, de todos os trabalhos, festas, danças e rituais da vida da comunidade. C) Conhecimentos psicológicos na cultura católica do Brasil colonial - A presença do catolicismo na cultura brasileira da época colonial é muito evidente. Destaca-se, entre outras, a contribuição das congregações religiosas, em particular jesuítas, beneditinos e franciscanos. O interesse pelos assuntos psicológicos é muito vivo nas obras de jesuítas do século XVII e XVIII dedicadas à Pedagogia, à catequese e à teologia moral.MASSI, Marina. Historia da psicologia brasileira: da época colonial ate 1934. São Paulo: Pedagógica e Universitária,

1990.